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A HORA DE CINQUENTA MINUTOS Rober Lindner ors sul 9 hn tyrone jl uma ova coleio ‘Snore de. Romnte Bese Nk iad ae, eiore de feyurtorimiaglo.eenifea posam Se eee eat craaat tater obr de Rant Beto ise Eis sobre rolagdee dents ecia fom lieraturn a al, a cena soviet. So ecto a upr hva clus ra que. algangou grande sucess ne eevangeo tent nt fees eae ae 2), Weree de wn ture aceivel e cxeorteta ‘un peo tsi ge iin do mene ner, lem de peleanalist de eral im autor © TeSnumeresas oft fmied gue aio fata osabor * ‘de relatos poicanaliticos, fal enreda eo seu misperse, pode ser fide cSmovum romnce pots tem asinala Max Cerne em: iia nor. Stag ee orm eno ie Side a, exe a en feed ane’ ce ee ai | a pert els mca sere coberta pac fe Cie he hii dT vk eve, pare nokamania ae Lanta. frt rari de reat sis 1s Sloat Soom i 9 Joe ena on eu silo forene bila tl mimo gg sents te eu ae iluminada pelo foco | ndlise, que colo- ‘amos agora perente EXCERTOS m4 ERITICA ESTIANOEIRA "Estas cinco historias, mal se precise dizer, so intra ‘mente horrficantes. Que elas seiam também intera- ‘mente comoventes consttul-um tbuto & percepsa0, > Dr, Lindner econo clentisia ¢ como arthta, Um ifrodbsonen Sean ‘Amplamente stimulants, agadivel¢ importante Aur ngo apenas scan por aan atrs frases mente npr em xpctages © re e Norman Mailer © Dr. Lindner esr admiayemene, 6 cata, nat ‘que prende o itor a sua franquera ‘San Praneisco Chronicle Teale Fn Dlr Poles de Piola is rote in Univeridadede Yale ee dance é Ao 2enho me pomle. do emeele a eacecle da etn one ona eagle eee Whee noove) Tene a Coucuncll Bey orcas ne comme ell ong, oe eee _ CM erineo co. Pin S eC Aomm feere fey BRMATS © GormisQine(| >, rockwer, . Gas ee on Aimire AL RHR DRoe = "SO Loveyag A HORA DE CINQUENTA MINUTOS ROBERT LINDNER, Introdugiio de MAX LERNER A Hora de Cingiienta Minutos Umma Colttanea de Contos Psicanaliticos Veridicos Colegio Romance e Psicandlise ' Direc «Revs Tenee JAYMESALOMAO Membro-Assoviado da Sociedade Brasileira de Psicanalise do Rio de Janeiro \ Tradugdo de JOSE OCTAVIO DE AGUIAR ABREU ' IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro "THe FPP AANOTE HOUR A Collection of True Psychoanalytic Tales Cindi 233 itor Beam Rot ion ‘copyright © 1954, by Robert Lindner 1972 Dieion pres ing portugues adios por ‘ua Sigur pon 63:8 seovadetefone 225278 Rip de Janeiro, que se reserva a propriedaie desta traducio Impresso no Brasil Printed in Brazil A meus analisandos, passados, presentes ¢ futuros {INDICE Introducéo, por Max Lerner 1 Preféicio 5 Cantigas que Mande me Ensinow 1 A histérin de Charles Um Passcio pelo Volga 61 A historia de Mae Fome 97 A historia de Laura Joguete do Destino 143 A hist6ria de Anton © Diva Espacial 185 A historia de Kirk a ileal INTRODUGAO Por MAX LERNER Assim como tive o maior prazer em ler o livro de contos psicanaliticos do Dr. Robert Lindner, tenho também o maximo razer em recomendé-lo a outros leitores. Um dos subprodutos da Era Pés-Freudiana foi o surgimento de um novo género de literatura americana, a obra do psicanalista cu psiquiatra que esereve, que aplica sua percepcad interna aos problemas atuais ‘ow conia-nos algumas de suas aventuras com os pacientes. O presente livro classifica-se no segundo caso. Ele ¢ em parte documentério e em parte interpretagio, dentro do mode de uma forma artistica. Uma das dificuldades deste novo gérero literario 6 a escassez de homens que se achem tecnicamente capacitados a lidar com a fragil teia que a mente fenferma apresenta possam, co mesmo tempo, perceber 08 va- lores humanos e dramiticos de sua arte e comunicé-los ao leitor leigo. O Dr. Lindner fez parte desta rara comunidade de homens. William Alanson White, sibio pioneiro da psiquiatri ricana, escreveu. outrora que *por tras de todo ato criminoso jaz ym segredo’. Isto se aplica tanto aos neurdticos quanto aos psi ccéticos cujas hist6rias este livro relata. ©. segredo, naturalmente, jaz na emaranhada meada da personalidade, igualmente oculta 4o pacients e a9 mundo. Acha-se oculta também ao psicanalista — ¢ 20 leitor. E por isso que 0 novo género do relato psicana- Itico possui tanto em comum com as narrativas de deteccdo, mas, enquanto que nos romances policiais o escritor narra sua hist6ria de maneira a manter o leitor mistificado o tempo que Ihe for possivel, aqui o autor relata-a tal como a conheseu, sem quaisquer truques. Mais importante ainda, no romance policial ee ‘© assassino conhece o segredo todo o tempo; aqui; existe uma religio triangular entre médico, paciente ¢ leitor e, aspecto que Ihe & exclusive, enquanto a historia se desenrola, os trés se mo- Yimentam a igual passo pela intricada vereda da descoberta ps cologica. Estava a ponto de acrescentar ‘e da autodescoberta’ a tltima frase, porque, num sentido muito real, & medida que o analista fuxilia © paciente a desnudar camada’ apés camada da acre¢io {que escondia a sua personalidade, tanto ele quanto o leitor tam~ bem descobrirao que um pouco de sua propria pele esta sendo ‘esfolada. A leitura de toda literatura plena de significagio envolve lum processo de auto-revelagao, mas isto é particularmente ver- dadeiro quanto a narrativa psicanalitica. Nao pretendo defender muito do que existiu de falso nos romances, filmes e espetdculos de televisio que exploraram a formula freudiana. Eles geralmente seguiram 0 caminho facil e burato de iniciar por algum fato altamente dramatico e, com 0 auxilio da psiquiatria, fazé-lo remontar 4 infancia e a uma fixa- Gio materna, Embora 1 peca ou o filme psiquidtrico sejam ainda Tecentes, ja se acham tao gastos que se tornam vulneraveis & Caricatura. O problema existente com a maioria deles é que co- megam por um drama pré-fabricado, em vez de fazé-lo por uma personalidade determinada. E preciso honestidade para evitar A tenlagao deste tipo de pedrao sintético, onde tudo é perfeita- mente desemaranhado © novamente reunido com a mesma per- | feigdio. Um dos mérites dos escritos de Lindner é que se pode | contar com essa honestidade. Ele nao tentou aperfeigoar o seu , material documentério auténtico, modelando-o a um padrio existghte em sua mente. Estes "Contos. aconteceram ¢ © autor os apresenta tais como sucedera. O que se adiciona a seu senso de autenticidade ¢ 0 fato Ge 0 proprio autor neles se envolver, como um narrador que se escobrisse apanhado pela agio. Nunca se diga que a vida de um psicanalista € um remanso seguro onde homens em busca de se- juranga sc podem esconder das tempestades e marés do mundo. Mudando a figura, existem no divi do psicanalista perigos que fazem a vida do correspondente de guerra parecer tranqiiila. Um deles é 0 perigo da violéncia fisica. especialmente quando se trata com psicoticos criminosos, como 0 Dr. Lindner tuve ve fazer, em seu trabelho como psicdlogo de prisio. (Para ‘a leitor interessado nesta fase de sua carreira, quero deixar aqui ‘anotados dois livros desbravadores seus: Rebel Without a Cause, estudo clinico, do tamanho de livo, de uma personalidade cri- inosa, ¢ Stone, Walls ard Men, dissecagio a bisturi da mente € das emogoes do criminoso e da sociedade carceriria em que 0 ‘emparedamos.) No caso de Charles, a primeira hist6ria da pre- sente compilaiio, 0 autor corre um risco calculado como parte de sua tentativa de cura e quase paga com a vida por ele. Seme- Thantemente, na historia de Anton, o lider fascista que fora envia- do para a cadeia, o psicanalista nao podia fugir a provagio de enfrentar a violencia. Mas existem outros riscos na profissao, menes dramiticos talvez, mas, sob certos aspestos, mais perigo- 08, til como no caso de Laura, a moga que tinha acessos de co- mer, houve o perigo de tomar a decisio errada, o que quase custa 4 vida ao paciente. O maior perign de todas, talvez, como € de- monstrado pela deliciosa histéria de Kirk, o jovem fisico, € que © unalista se enrede em sua propria trama, Nao revelarei mais do que isto para ndo desvendar o segredo de ‘O Diva Espacial, {que certamente se torara um dos contos clissicos de seu genero. ‘Aqui, entio, estio todos eles: o jovem criminoso, a moga nourdtica, 0 organizador comunista, ‘0 aventureiro fascista, 0 jovem € brilhante fisico a viver num mundo de ficgdio cientifiea da imaginagio. Formam quase que uma galeria de retratos das figuras caracteristicas de nossa era, Quando lerem a seu respeito, lembrem-se que nao constituiram materiais para uma historia, mas que foram personalidades humanas em graves dificuldades, cada uma -delas com uma pequena chama de rebeldia a arder dentro de si, cada uma delas recuperdvel e digna de recuperagao. E agora nao os manterei mais a esperar pelas historias, exceto para dizer que, diferentemente da “hora de cingitenta minutos’ do diva psicanclitico, cada uma de suas horas como nai leitor sera uma hora de sessenta minutos. 1A Be nS ot coiagg ial ap = edi 2 Sn eee ei } Lys 5) ah elngande arte lee > ApoQect sm PREFACIO Escrevi estes relutos tirados da psicandlise para partithar ‘com cs leitores algumas das experiéncias que tive ao exercer 0 que certamente deve ser uma das mais estranhas de todas as ocupagdes. De um deposit literalmente inexaurivel de material, que almenta a cada dia, escolhi um punhado de histérias que mo pareceram ilustrar algo da aventura desta profissio fabulosa, um pouco de sua fuscinagio ¢ muito de seus pormenores pré: ticos Em torno da psicanélise se construiu uma cerca de mistér € algo que-se assemelha 20 temor respeitoso, Seus praticantes se nao so ainda objetos de veneragao ¢ medo. jé se ackam bem adiantados no caminho de elevagao a sacerdotes de um certo tipo, e os iniciados — isto &, aqueles que ji se estiraram em divas — ameagam tornar-se ums fraternidade dos redimidos, uma co- munidade recente de santos, de quem os impedimentos. supri- midos abrangem um passaporte para céus negados Aqueles me- nos (ou mais?) favorecidos pela sorte. Este clima cabalistico que hoje cricunda a pratica da nillise teve alguns efeitos misteriasos ¢, acho eu, prejudiciais efeitos dos quais 0 menor rio foi a transformagéo do psicanalista fa mente popular, pelo menos — num tipo de discipulo do diabo que opera com meios arcanos ¢ mis as transformacdes de cardter ou personalidade que deseja. Nada pode achar-se mais afastado da verdade, Nem a cién- cia da psicandlise nem a arie de sua pritica depencem de agentes extraordindrios. Para falar a verdade, o nico meio empregado ~ pelo analista € © mais comum de todes os instrumentes: 0 seu proprio eu humana, utilizado em. sua plenitude. numa. tentativa de compreender seus semelnantes.. ‘A substitiicao gradual de homens por méiquinas, para exe- ccutar as fungdes da vida, & caracteristica de nossa época. Por toda 4 parte, artefatos substituem a mio humana, os olhos bumanos, 4 todos 06 sentidos ¢ até mesmo o cérebro. Muito proyayelmente, nfo se acha demasiado distante o dia em que o notavel animal que chamamos homem sera apenas um assistente dos grandes produtos de sua invencao, preocupado apenas com o comando ‘a manutengao dos utensflios que fazem o seu trabalho. Mas existe luma drea em que méguina alguma, por complexa que seja e pouco importando quao inspirada, pode atuar em lugar daquele que a fabricou: a drea da compreensto, do entendimento compassivo, da comunicacio intima e conhecedora entre um ser e outro. Hoje ¢ sempre, somente 0 homem compreendera o homem. TA psieandlise é 0 ramo do conhecimento que formaliza 0 estudo do homem em todos os seus aspectos, de maneira que ele possa ser compreendidd} Fundada em observagdes do funciona mento e comportamento humanos, baseada nas leis da comuni- cago interpessoal, ela elevou a compreensdo a uma arte tio refinada que pode, na realidade, ser praticada como ocupagio Jegitima e os que nela trabalham serem instruidos no desenvol- wento do talento de compreender os outros que cada um de 16s possui, Um. psicanalista, assim, nada mais @ que um artista da_compreensiio, oi produto|de_um_curso intensivo de estudo © ireinamento que, sé foi bem sucedido, tornou-o inusitadamentey ~Asensivel_aas seus semelhantes. E ¢ esta sensi pessoa do.analista, em suma— que constitul-oinstrumento excli- sivo, a tinica ferramenta com que trabalha, Somente de si proprio, ede nada mais, depende cle. Aix. elemento comum em todos 0s relatos que se seguem € 0 eu do analista. Cada histéria, que conta um ‘caso’ especitico, trata, em tiltima andlise, do desdobramento desse eu na empresa terapéutica, as aventuras que lhe sucedem e 0s efeitos sobre ele exercidos pelos stores e situagdes deseritos. Desde que 0 eu em _ tela é 0 meu préprio e minha intengao acha-se longe de ser con~ fessional ou Diogrdfica, guardei um certo grav de diserigao, mas © reirato que tracei é, de modo geral, um retrato inteiramente honesto, e delineia, segundo o melhor de minha capacidade, a personalidade do agente terapéutico envolvido. Que esse agente seja um simples ser humano, apenas uma outra pessoa, com suis proprias esperangas e tomores, objetivos e ansiedades, precon- ceitos e pretensées, fraquezas e fortalezas, € realmente 0 imago da questio.. RL. idace — a propria” at Jen g ss CANTIGAS QUE MAMAE ME ENSINOU SSomor todos responsavess. maculados, infelizes. Roubamos Com 0 ladrig cujo rosto desconhecemos, mstames com 0 par eld a respeito de quer lemos nos jornais violentamos com b lascivo, amaldigoamos com o blasfema, Henn Troyat, Fitebrand: The Life uf Dostoevsby. ¥ Ce CHARLES Se encontrassemos Charles numa rua de nossa cidade, no fo tomariamos por um matador perverso. Na prisio, ainda possuia Cle um frescor de rosio que sentaria bem num coro de igreja Guando o vi pela tiltima Yez, mal passara dos vinte © um anos, nniesmo entio, seus olhos eram azuls ¢ inocentes; parecia olhar- thos com uma indagagio perpéua, como se perguntasse por que luma cerea de ago tinha sempre de ficar entre ele ¢ as arvores que podia ver através das grades da jancla da cela. “Antes que Charles chegasse & prisio, eu J havia lido a sew respeito nos jornais. O caso provocara manchetes durante muitos Gias, pois sé compunha dos elementos que ‘naturelmente’ de: pertam o interesse piblico: um rapaz, uma garota bonita — "Nao Fio bonita, segundo Charles — um apartamento vazio, um fura~ or de gelo. Num certo dia, numa certa cidade (segundo a imprensa), uma jovem parara no sagudio de um edificio de apartamentos. Numa das nvios conduzia uma pasta com amostras de livros € Uiscos icligiosos; na outra, uma bolsi e uma vitrola portal. Hesitara perante o quadro de campainhas nas caixas postais € : 4 ~ 1 HO Seen KQg. cue a 9 rm BEN. ScUnateye ses. Arete Ghat} me, ymebe > eR o Pa ping | Bes umogeun “ined TEAL 5 atten prema] depois tocara uma delas. Nao houve resposta, de-naneira que i tocou uma segunda, depois uma terceira e, por fim, uma quaria, Finalmente, com um zunibido, a tranca da porta interna se abriu. Ela empurrou-a com o ombro e ingressou num estreito vestibulo, com uma escadaria ao centro. Quando comegou a subir os de- graus, uma voz juvenil perguntou quem era. Antes de chegar a0 primeiro patamar, viu um jovem. Estava parado ao lado de uma Porta parcialmente aberta, olhando para ela, Reconhecendo, por sua juventude, que nfo podia ser 0 dono da casa, cla sorriu e perguntou se a mie dele estava em casa. Ele assentiu com a ca- bega € depois abanou com a mao, vagamente, na diregao do in- terior do apartamento, — Esti ld dentro — disse, e deslocou-se para um lado, de maneiraa ela poder passar. — Posso vé-la?— perguntou a moga, — Claro — respondeu. — Passe para os fundos... Ela esti. no quarto. ‘A moga entrou, dobrou & esquerda e comegou a seguir um corredor. No meio do caminho, passou por uma pequena cozinha. Perto da porta havia uma geladeira; sobre seu topo de porcelana, algumas ferramentas. A frente dela, uma porta dava para um quarto, Exatamente quando cruzava o limiar, escutou um ruido atras de si. Voltou-se. Nese momento, o rapaz atingiu-a na ca- bega com um martelo. Depois, apunhalou-a sessenta ¢ nove vezes com um furador de gelo. Depois, jogou-se sobre 0 cadaver e vio- i entou-0.. Sete < ~-Ouando Charles se levantou de cima da moga que havia . matado, saiu do apartamento, fechando a poria atras de si, mas sem trancd-la, ¢ caminhou pelas ruas. Era um dia claro ¢ ensole- ado de outono, ideal para um passeio agradavel e, assim, ele Vagueot por uma avenida, atravessou a longa ponte sobre 0 rio ¢ sentou-se por alguns minutos num parapeito, olhando os carros © a gente passar. Apés algum tempo, sentiu fome ¢ deu busca nos bolsos, atras de dinheiro, Encontrou uma mocda de cinco cen- tavos. Com ela, numa barraquinha situada no final da ponte, comprou uma casquinha de sorvete. Chupanelo-a calmamente, ficou parado na pista ¢ com a mio livre fez sinal para os carros até que um deles se deteve ¢ ele entrou. — perguntou o motorista. } — So até 0 outro lado da ponte — respondeu Charles. — 0 que € esse negécio Vermelho que vocé tem em cima? | oe one Mio Au, annie ponet — Onde? — No esto ¢ nas mios. Tem’ um pouco nas roupas, tam~ bem. Charles levantou a mio e passou-a pelo rosto: quando a olhou, ela estava com pedacinhos de sangue seco. —_ Oh — falou ele — andei pintando um poueo, Parece ‘que respingou em mim. Riu. Ao final da ponte, Charles descew, agradecendo ao moto- rista pela carona. Andou até um posto de gasolina proximo perguntou pelo banheiro. Lé dentro, layou o rosto © as miios cuidadosamente, penteou 0 cabelo e raspou das calgas e do palet as manchas semelhantes a ferrugem. Nao pode tirar o sangue da camisa branea, mis 0 palet6 tapava as manchas vermelhas. Ao stir do pesto, caminhou lentamente pela avenida, em diregio a Esa, No meio do caminho, parou. Por alguns momentos, ficou olhando para 0 distrito policial do outro lado da rua. Finalmente, airavessou para a outra calgada e subiu as escadas situadas entre ‘08 pedestais com os globes verdes. Dentro, havia obscuridade, cheiro a mofo, frio. Um sargento estava curvado sobre uns pa- péis, numa eserivaninha. Chatles ficou de pé, em silénicio, do ado oposto, até o policial olhar para cima. — ‘Tem uma moga morta no apartamento 2-B dos A parta~ rmentos Gaylord, do outro lado da rua — falou Charles. policial cogou a barba. Tem} — perguntou. — E como é que voc’ sabe? — Porqne fui eu que mati el ‘A mesma indiferenga e monotonia emocional foram demon: tradas por Charles durante os primeiros dias de sua prisio © nio posso lembrar-me de nada de marcante nos relatories que, a scu Fespeito, chegaram até mim. Entretanto, perto do fim da prinieira semana, um dos médicos {é-lo baixar & enfermaria cirdrgica, por qucixar-se de dores no baixo abdomen © néuseas. Trés dias mais tarde, seu apéndice foi retirado e, assim, ele era um paciente hospitalar na ocasiéo em que se realizou sua entrevista inicial. Este exame preliminar foi feito por um colega meu, de maneira que 0 nico conhecimento que dele tenho provem de lum relatério oficial preparado para o$ arquivos. Diz o seguinte: (© paciente mostrouse cooperative, embora um tanto tenso. durante aentrevistn, Responde a todas as questdes prontarente, miu is vezes mos ta tum nowizo bastante ‘idievlo. fo apraprinde no sontetido do pensi- Ge p ‘ et Te cx «sai iil us vr . dades‘marcantes, bloqueio ou efeitos. semelhantes. E_emosionalmenie ufo. A emosae ¢o estalo ve Anime sio..as.veres. propriados, min ges i som so, quando dincue 0 swsisinao de ale € 2CISA)0 ND 0 ay eral fo fe persia no & atlrent, muito aro. Afra Pe es rk rose «poms ate mote caters penuelenre ay ee Ale deve ter suo una isan "A prvi nde ut diner Bae a more ee tetra oe malere rare Ge ere eet to eximinados depois, dechrs gue a promotorin dive tr ums. mulher Foun dvi payee Haver dx nsneit por gue ai, que sabe mua, bom © que ocoreu Edie avaliar se io" cont provn de anormalidace Ini ne evcentan, Dex pl en certo ntimero de tonteiras.e leves crises. as quais no podem jas com hase em sun opericio. F bum celeniado, 0 connect ion geal «Meliss el © dntments lume ‘Sho, presentemente, diffceis de avaliar e novos relatdrios serao Teitos. sob ‘B forma de Relatorios Neuropsiquidtricos de Progrestos. assim que outs informagées se acharem disponiveis. ‘Resumindo, trata-se de Ty es, imaturo. que. As presen achar-se representando 0 pir sin ids era pasa es castes ses ti precove, Nio se pode fazer, alualivente, um diagnostico iy Sait atte cous Pees iy emcee as ipo rarandi Quando este relatério chegou & minha mesa, atraiu-me na- turalmente a atengdo ¢ solicitei ao médico que o redigira para trazer 0 caso A discussfio, em nossa préxima reunifio do corpo médico. Ele o fez e, apos alguns debates, decidiu-se transferir ‘Charles da enfermaria de cirurgia para a de psiquiatria, onde po- dia ser mantido sob vigilancia chegada e constante, Ali o vi diaria- __ Mente e acompanhei as observacoes sobre o seu comportamenta, _ preparadas pelos enfermeiros ¢ assistentes. Na realidade, Charles pouco assunto Ihes deu para comentarios durante todo o més em foi paciente da enfermaria. Cooperava bem com 03 funcio- rios © oa Pacientes, era culdadoso com sia pessoa ¢ partenees, assava 0 tempo lendo ou trabalhando em pequenos projets lonal's nats baftportiva dlfcientonenie do aue e um rapaz de sua idade. Por duas vezes se queixou dos enfermeiros de crises de tontura e uma vez esteve envol- discussio sobre um jogo de damas. Quando 0 periodo a io de trinta dias terminou, presumia-se geralmente hark que, vis les nao. nos haver fornecido razies para manté-lo ‘enfermaria psiquiatrica, teriamos de dar-Ihe alta ¢ devolvé-lo. ia 0 quadio comum. Entretanto, quando o assunto chegou i RAR BH SI aystvare PECL 2 ARRIVE ge uw > eander dy provadill | = Distiowor , Mote 6O1 Te | Green do ay | equipe médica. nenbur através de uma opinii f original expressou do-as assim: “— Diabos me levem se sei 0 que fazer com esse garoto. Tudo 0 que tenho € uma impressio' a seu respeito. Enquanto esteve aqui, conversei com ele todos os dias, mas nada The arran- queis Ele tem um muro de um metro.de espessura-em-torno-de-si 4-nos as tespostas corretas para tudo, mas elas ni tém pro- fundidade. Falta algo. E claro, éle € esquizo, chato, um_pouco ridiculo, mas talvez seja_apeni “garoto com uma droge de lintecedenter e um bocado de pritica em manter seus pensamen- | tos para si, As vezes nos fala sobre coisas que fariam outros suje | Seri cfiorar ou demonstrer algum tipo de emogao, mas cle as \ dizcom equele sorriso ridiculo no rosto ¢ nao s ir So) Anis aocateetna nem tem aS eae um crime perverso, uma_péssima_historia, algumas tonturas que a podem provir_de qualquer coisa, um sorrise supe e, quando Se fala com ele, a Impressiio de que ha algo de podic em algum lugar. Nao podemos reté-lo por cause disso! “Por que no podemos apenas continuar a sua observa do? — perguntou alguém. — Espago — respondi. — B, além disso, segundo o regu: | lamento, temos de poder justificar continuagio da observagao " apés trinta dias. Temos dé ter provas ¢ tudo o que temos & intui- gio, } — Eu perso que a intuigio clinica conjunta de todos nds | 6 justificativa suficiente — comentou o que falara. — Deveria ser mas nao ¢— falou nosso Chere, — A inst tuigio se encontra em base de producdo-de-guerra, Ha necessi- a dade de todo homem aproveitavel que se posse conseguir para 1 trabalhos de fabrica ow manutengio. Se voets, garotos-psiquiatria, no podem dar ao pessoal encarregado da cusiédia uma razao | melhor para prolongar a observagio do que uma “impressao’ | clinica, teremos de dar-lhe alta «lo hospital. | — Nao podemos inventar uma razaio? — perguntou outro | Cer Domne We porns de nds estava disposio a comprometer-se nitida. O colega que efetuara 0 exame \decisio © @ confustio de todos, formulan- 0 ‘OChele balangou a cabega: y — No, nao possivel, porque terfamos de tornar atras © | alterar os relatorios didrios. Nao podemos eomecar a fazer esse tipo de coisa. onl — Huma coisa que nio fizemos © que deviamos fazer — | flow o psiquiatra que falara com Charles na entrevista inicia ‘Todos nos Voltamos para ele, na expectativa. — Antes de deix lo passar para o quadro comum, deverfamos fazer uma entrevisia com o pentotal. Talvez surja alguma coisa sobre que possamos deitar a mao, A sugestdo foi aceita imediatamente. Naquela tarde, enquan- to todos nos curvavamos avidamente sobre a cama de’lona em que ele se achava deitado, 0 pentotal foi lentamente aplicedo as veias de Charles. Ficamos ouvinds enquanto contava regressive mente — 100, 99, 98 ... — sua voz. se arrastando sonolenia en- quanto continuava, Depois, os mimeros comegaram a tornar-se indistintos, numa mistura sem sentido, Finalmente, um ressonar substituiu a voz do rapaz e ele tombou num sono de narcotizado. Neste ponto, meu colega fez-me passar para a cadeira que ficaya Acabeceira do leito, — Tome conta — disse ele. Sentei-me e comece: — Vos? pode me ouvir, Charles? — perguntel, A cabesa dele moveu-se num assentimento e sua garganta se contraiu com 0 esforgo feito para forear o ar através dos labios see0s. Uni lento ‘Sim, posso’ tornou-se audivel, — 6 oDr. Lindner que the esta falando, Charles — disse eu. — Vou fuzer-Ihe algumas perguntas. Vai tentar respondé-las? — You... tentar— fulou ele, — Diga apenas o que Ihe vier & cahega. Dentro de um ins- tante sera mais facil conversar. Por que voce esti aqui — Porque... Porque cu:..eu matei cla, — Quem foi que vooé mato? — A moca, — Por-gue foi que voct fez. isso? — A vow)... Matar... Matar. — AlBuém the disse para maté-la? — A voz. Ninguém disse... 86 a voz. Matar. > Bonet wue vinmsa vor? — Ouvi a voz. Nao sei... donde... donde ela vinha, — Era.a-vozde-alguém que vocé conhece? — Niko. / — Voce jaa ouvira antes? — Nao. ] | j — 0 que mais the disse ela para fazer? — Nada. $6... matar, — Ela lhe disse como fazé-to? — Nao. eae = Como foi que vort fez? — Marielo. Bati com martelo... Depois, 0 furador de gelo. — Quantas vezes voce Ihe baieu? — Nilo sei, Bati... milhdes de vezes. Bati... Bati. Nfio podia parar. Bati milhoes de vezes. "= "Por que foi que voce parou de bater-the? — 0 martelo cai... no chao. Debaixo da moga, Cheio de ‘sangue... Escorregava, — 0 que foi que voce fez entio? — Furador de gelo. — Por qué? — Naosei. Vi... furador de gelo. Niio podia parar. — A vor Ihe disse para usar 0 furador de gelo! — Nio, mpo em que — Ouvia. Alto. Matar... Matar. = Onde foi que voce a apunhalou? — Toda ela. — Allgum lugar especial? — Scios. + — Por que os scios? = Biol — Voc’ queria lite? — Nisei. — Quantas vezes vos a apunhalou? — Muitas vezes. — Vo? ouvia a voz todo o tempo em que a esteve apunha- lando? — Nio. — Quando foi que a voz parou? — Niaosei... Parou. “ O que foi que vocé fez depois de parar de apunhalé-la como furador de pelo? ——— ee A isto, Charles gemeu, mas nfio deu resposta, Um momento depois, repeti a pergunte, Desta vez, choramingou © aparecen B sulor em seu rosto. Um dos médicos curvou-se ¢ limpou a testa do rapaz, com um leno de papel. Charles suspirou. Meu colega sussurrou-me que fizesse de novo a pergunta. — Voce pode me ouvir, Charles? — pergunte. Seus labios ressequidos se abriram © um ‘sim’ semethante 4 um suspiro saiu através deles. — 0 que Toi que voce fez depois de apunhalar a moga com © furador de gelo? — Eu... Eu... nfo sei... — contorceu-se no catre € 0 rosto expressot 0 softimento de uma lembranga. — Nao pode lembrar-se? — perguntei. — Eu.. Eu... abaixei as calcinhas dela... e.. pus © meu... ele... — Aqui, grandes solucos sacudiram-Ihe © corpo, como se estivessem send arrancados dele através de tortur — Niio quer me dizer, Charles? — continuei Assentiu lentamente com a cabeca e lambeu cs Kibios: — Eu... digo — falou cle. — Nao podia achar... ela... 0 lugar... ¢ assim... eu... eu pus no meio... no meio das pernas dela. — Nao pés dentro dela’ — Ni. — 0 telatério do encarregado do inquérito diz que ela estava rasgada. Foi voce quem fez isso? — Foi — Como? — Com... 06 dedos.. Assentia novamente com a cabeca: — Porque... Porque... eu estava.. com raiva dela, — Elaé estava morta, entao, nao estava? — Para que? <— Estava — disse. — Estava,.. morta. Eu... eu matei cla. Seu solugar, agora, sacudia 0 catre. Os dedos crisparam-se sobre 03 lengbis, — Estava_com raiva dela, mesmo sabendo que estava mora? = Sim. — Porque estava com raiva? — Nit podia...ndo podia achar. — A vagina dela’ — Nao podia achar.. — Mas. depois, vocd a encontrou, com os dedos — Poi. ~ Foi a vor que Ihe disse para fazer isso? Nao havia voz. — Voc’ ouvira a vor antes, naquele dist? — Nao... Nunca. — Ouvit-a depois? — Nao, Levantei a cabega para os homens que estavam parades em torno do leito © perguntei se havia algo mais a ser indagado. Um por um, balangaram negativamente a cabega. Voltei-me nova- mente para Charles: — Vocé esti cansado, Charles — disse-the. — Derma. Quando acordar, vai se sentir melhor. De volta a sala dos médicos, debatemos 0 que haviamos acabedo de ouvir, A entrevista alterara significativamente 0 as- ecto do caso, Concordamos que seria loucura enviar Charles de volta para 0 quadro.comum, embora nao possuissemos provas suficientes para manté-lo em observacio psiquidtrica perma- nente. O diagndstico mais conveniente para este fim, segundo decidimos, eri: Psicose em remisao, esquizofrenia, conaluci- nagdes auditivas € tendéncias_homicidas. Paxtilhsvamos ainda da fio de que 0 rapaz.ja. Se encontrava insano na época em que o crime fora cometido, Uma busca dos registros, contudo, revelou que fora apresentado um reconhecimento de culpabili- dade e houvera uma audiéncia com um juiz, & portas cerradas, sem a presenga de um tir, A possibilidade de recomendarmos que © caso fosse reaberto foi ventiladk, mas decidimes que as provas desta entrevista isolada nao seriam suficientes ¢, de qual- quer modo, nossas prerrogativas nio se estendiam até tio longe. Finalmente, concordamos que o caso exigia estudes posteriores € que © rapaz se achava em necessidade desesperada de (rat mento. Desde que, na casio, eu era o tinico que tinha uma hora terapéutica livre, 0 caso foi-me atribuido. Na manha seguinte, recebi Charles em meu consultério. ‘Cumprimentou-me alegremente ao entrar e instalou-se numa poltrcna, com um eigarro de que se servira do mago que se achava sobre a mesa, Perguntei-lhe se se recordava da entrevista da tarde anterior. — Lembro-me de alguima coisa — respondeu. —O médico me deu uma injegio e fiquei muito cansado. Alguém esteve me Is Rao perme Quando acordei, minha gargania estava irri- Re “— Fui eu quem Ihe fiz as perguntas — falei, — Lembra-se sobre que assunto eran? — A respeito do meu crime, nao? — Sim — respondi. —Foram a respeito do seu erime. — 0 que foi que eu lhe disse? — perguntou. __Resumi_a entrevista, enquanto ele esculava atentamente, Quando termine’, comentou! — Foi mais ou menos isso. — Vocé quer acrescentar algo? — indaguei. Eneolheu as ombros: — Acho que nd ha nada a acrescentar. “= Por que nao ihes contos isso na audiéncia? — Nao tive oportunidade — respondeu, com certo sent mento, — O meu advogado disse que era melhor eu me confessar eulpado e escapar com isso. Disse que eu pegaria uma sentenca leve. Imagino que esteve falando com minha mae ¢ decidiram proceder assim. — A sua mile sabia de tido 0 que vocé nos contou ontem? ‘Sobre ouvir uma Yoz,¢ coisas assim? “= Sabia — respondeu. — Contei para ela « maior parte Mas nfioa parte do estupro. Fiquei intrigado — Por que foi que ela no o deixou alegar, insanidade, se sabia a respeito” — perguntei. — Conversamos sobre isso — respondeu. — Ela rio queria publicidade, E compradora para um dos grandes magazines © stave com medo de perder 9 emprego. Queria que tudo fosse ibafado. Estava com medo dz ver seu nome ligado ao assunto. — Mas os jornais escreveram a respeito. — Bu sei, mas, 0 senhor vé, 0 nonie dela € diferente do meu e, assim, ninguém a associou comigo. — Como € que voce se sente sobre o fato de estar aqui? — ‘perguntel, acrescentando rapidamente: — Sei que parece uma ‘pergunta imbecil, porque ninguém deseja estar num lugar como “est mas o que quero dizer € 0 Segui vooé se sente & vontade t sari Charlesapagou o clgarro no chio antes de responder. De- “pois, eruzou as mios ¢ inclinow-se para a frente: — Acho que estava maluco quando cometi_o crime — fa- lou. — Nao acho que devessem ter-me mandado para a peniten- ciairia — E para onde deveriam 18-10 mandado? — Para um hospital, acho. — Por qué? Pensou por um momento: — Bem — falou — talvez num hospital eu.pudesse desco- brir por que foi que fiz aquilo-e-la-me-curassem, de jeito a nio fazer de novo, x ~— Vocé acha que poderia fazé-lo de novo? — Nio-sei. Niio_posso dizer. Imagino que poderia_acon- tecer. — Se vocé pudesse descobrir.por.que foi que o fez, enquanto se aca aqui, gostaria disso? — perguntei. — Gostaria— respondeu. — E se cue voct estudissemos isso juntos’ — propus. — Serie étimo, — Fez uma pausa’e depois me olhiou com seus olhosinocentes.— sso me imped de novo? — Poderia impedir— respondi. — Eu gostaria, — Leva tempo — falei. — Teno tempo de sobra — respondeu. E suficiente dizer que um assassino nasceu num certo dia de abril, num certo ano civil, numa cidade do Norte? Pode um destino ser triangulado? Nao, porque as raizes vio undo e os antigos talvez 0 tenham expressado melhor quando escreveram que, para as pessoas como Charles, a culpa se acha nas estrelas. J muito antes de Charles nascer, 0 casamento de seus pais se deteriorare. Néo haviam querido um ao outro, nem aos dois filhos que daquele haviam decorrido. Sob a compulsao religi mantiveram um semblante de harmonia por mais de dois anos, mas jé no primeiro més de matriménio ambos haviam sabido que cle nfo poderia durar, Dessa mancira, Charles e seu Iimio Ji se achavam mareados antes do nascimento, No terceiro ano de Vida de Charles (¢ 0 segundo do irmao), uma dispensa religio Permitiu que os. genitores se separassem’e a figura do pai desa~ pareceu da vida deles. Por algins meses, ame fenfow manter 0 ar, mas, como ela prépria era uma pessoa atormentada, confli- tada e fucilmente perturbada, achou a tarefa grande demais para 7 conselho de seu confessor. as eriangas foram colosadas num inato-e, por quinze anos a partir de entio, os dois meninos tiveram de viver em esilos ¢ instituigoes. ‘Vistos de fora, os lugares onde Charles passou a maior parte da vida parccem agradaveis. Tem-se de realmente viver neles para se conhecer a verdade, out seja, que plira todos, exceto uns 4 poucos, os assoalhos varridos, as camas caprichosimente feitas 6% 0s potes a reluzir, nas prateleitas da dispensa e até mesmo os sor |)” isos das ericurregadas ¢ dos pseudo-pais sio ornamentos de uma v fachada. De modo geral, as crianyas entregues ao cuidado desses © Tugares siio-vitimas-do-paupesismo-emocional de seus.guardices. Ye ©) Crescam como plantas daninhas num deserto, estenderdlo-se ©) para ede acola em busca de sustento, deformando sua constitui- © Gio natural, escamecendo do projeto original da Natureza. Acham- “y @_ 3 expos. mais que as outas, aos caprichos dos elementos hu- manos, ora sufocados ao calor de sGis emocionais, ora congelados sob neves desamorosas, ora encharcados, ora ressequictos. ja de Charles num asilo atris do outro foi miserivel € chogante, quando dela se toma conhecimento. Vivia em cons- tante edo cera brutalizado além de qualquer descrigaio. No pritmeifo ‘Lar, um asilo religioso, ja & idade de qual : dai por diante, espancayam-no.impiedosamente Fo an infragSes ¢ era obrigado a cumprir eatravagantes peniténcias por ia “> expressar al vivacidade normal_de_ um. garotinho. ‘Supervisores © Ge, quanto mais io fosse somente pela fé, deveriam ser obri- jgados a dar-lhe afeicao, se nio amor, tratavam-ne, ¢ a todos de Guc estayam encarregades, como se no fosse uma crianga, mas ‘Uma espécie de-animal- Em pequenos sadismos esses governantes Fefletiam suas proprias trustragdes © amitide parecia agirem se~ guindo ordens de aiormentar_as vidas a eles confiadas. Sob 0 pretexto da piedade, a exisiéncia era regimentada. Antes que Imiuito tempo decorresse, Charles descobriuise encarando sua ss04 € Seu set com culpa, pois, pelos desvirtuados c6digos © losorias a que se achava exposto, via-se Foryado a accitar # ide de que 0 que Ihe estava acontecendo — o afastamento da vida normal, © abandono por parte da familia — era, de certo modo, _ sua propria culpa, Nao muito tempo se passou para que Charles envergasse ‘a tinica armadura que se lhe achava disponivel. A pos certo nume- “ro de anos durante os quais fora o.recipiente. da bruialidade.o alvo: iy us & ataques seruais ¢ fsiens, 0 destinatério de sadismos que teans- formam_num inferno a vida de um garotinho, ele associou-se em /- expirito com seus atormentadores, © processo desta. identifi /, so comegotr por uma nudanga nas fantasias que por tanto tempo empregara para consolarse, quando, i noite, no dormitsrio, cuidava de suas feridas, Na andlise, descobrimos que estas pri- j nieiras Fantasias eram herdicus. na indole. épicas ni poesia c embora niesquinas e lamentiveis quando vistas de tal distinc achavam-se alornadas com a gléria que a vida %6 nos deine onhecer uma Vez, Mas elas no eram de ajuda contra as duras Fealidades do seu meio ambiente, Os hersis de sua mente podiam resisir acs inguisidores da vida real, nem suas espadas Cintilantes eram de valia contra os bastoes as pancadas dos pro- fessores © companheiros. Em suas fantasias, entio, insinuou-se uma nova nota. Ricardo Coragio de Leio foi substituido por Gengised, os Mauidores de Dragdes por Barbus Azils ¢, em vez - de sonhos de cavalaria, comegou a acalentar fantasas de vinganca ‘A medida que o carer de sua vida interior se allerava, assim também se modifieavs Charles. Crescendo nesse melo tempo ¢ ailquicindo vigor fisico, cedo péde expressar o dio vindiendor | _-aue nele exist. nores-¢ mis fraces, eomportarase j Como ndo podia fuzé-lo com cs maiores e mais fortes. Passou i frente suas dores e tomnol-se um atormentador, Ueliciando-se > 2. em causar sofvimento. Aprendeu também a sagacidade ea asticia ; vem breve achava-se formado em transferit a dor de si para futrem. Nas atividades sexuais, onde fora outrora 0 ulvo, torou- Ir Se a Mlecha, e sobre as formas dos outfos, que em Vio protesta~ vam, descarregou o veneno de sua frustragio. Ags dez anos de idade, huvia-se pervertido de todas as mancinas, até-o amago i | de seW ser, € sua alma jd se deformara, ransformando-se na, alma de um assassino, Durante esses anos, enquanto Charles experimentava as | __moddificagdes descritas, via a gnde apenas com pouca freqiiéncia, As visitas ocasionais dela, em seu aniversirio ou num feriado, feram sempre apressadas € deixavam-no com a sensigiio de algo incompleto, nio feito € nao dito. Sempre carregada de presentes ela provocava uma comogio pequena ¢ alvorogada em sua vida incolor. Disse-me cle: — Els, quando vinha, era como uma ices de contos de fadas. Cheirava tio bem, — Mas, ao mes- ‘mo tempo em que aguardava suas visitas e sonhava com ela apos a partida, uma parte sua a odiava também, por havé-lo posto 19 ic i entietlictiiitniintiitactiiaiccetlll ‘no purgatorio dé sua vida cotidiana. Era isto que tomava as visi= tus dela os episddios incompletos que eram. Queria pedir-Ihe ara leva-lo com ela, quando partisse, mas tinha medo de pedir, ji conhecendo de antemio a resposta, Assim, quando ela in em- era tomado de um vazio. Em tais ocasiées, punha-se pro- cura de vitimas em quem pudesse se descarregar ¢ 0s dados que ‘possuo sobre sua vida mosiram que todas as visitas da mae eram das por exibigdes de agressio, Neles lemos uma narrativa ‘seus atos ¢ das punigoes recebidas: é uma histéria de pequenas violencias, prontas retribuigdes e Jongas e duras penivéncias. Em ocasioes espeviais, havia visitas & casa da mae. Breves ‘exposigées & vida normal, eram mais perturbadoras e destrutivas ue aliviantes, pois tudo o que forneciam a Charles era um gosto lo que deveria ter tido e aumentavam um apetite que. nas cir- ‘cunstincias, nunca podia ser satisfeito. dade de onze anos, Charles fugiu do asilo em que na ‘casio vivia. Certo dia, caminhando entre edificios, viu, do outro lado da estrada, reunidos em iorno de um bonde, um grupo de rapazes que saira da escola. Sem pensar, juntou-se a eles. na Confusio conseguindo no pagar a passagem. Foi até o fim da linha e saiu andando por cima de trilhos ferrovidrios que mar: ginavam um rio, Até cair a noite ficou sentado na margem, Olhando os trens @ sonhando com os seus destines, Quando a hoite desceu, reparou numa pequena fogueira, escutou vozes to dali e deixou-se ir em sua diregao. Uns vagabundos estavam fazennio um cozido ¢ convidaram 0 ropaz a partilhar dele, Se- undo se lembra, tratava-se de trés homens ¢, quando se Ihes juntov, eles foram cordiais e compreensivos. Fatou-thes sobre si ‘mesmo e até uma hora tardia eseutou suas historias. Promete- ramslhe que, na manhi seguinte, mostrar-ihe-iam como embar- fear num trem de carga, de modo 2 poder ir com eles para uma _ cidade distante. Mais tarde, um dos vagabundos fez surgir uma irrafa ¢ lodos bederam dela. O Aleool atordoou Charles ¢ entor~ yeeu-lhe 0 corpo, de modo que, quando comegaram a brincar cle, achava-se semiconsciente, quase paralisado. Durante Ia a noite, os (és usaram e abusaram dele. Recordava-se de 0s ¢ «lo suor, mas nada dos golpes que o machuearam nem das “episas que Ihe rasgaram as cavidades do corpo © 0 despertaram visio de seu proprio sangue. Um guarda-linha encontrou Charles ¢ ele foi mandado para ospital. Quando se recobrau, devolveram-no para o asilo v a “Ele esta tendo mi © 77 demos mais manté-1o aq) isciplinado com severidade ainda maior que a costu- meira € erigido como exemplo para a comunidade érfa. Mas isto € 0 fato de sua aventura serviram apenas para acentuar a nova concepgio do eu que estava assumindo forma duradoura nele. Quando os castigos e as peniténcias passaram, Charles © emergiu da crisdlida da infiincia como um antagonista de todos os valores, . NO ano seguinte, tornou-se completamente incontrolavel. Vivia numa orgia perpéiua de satisfacdo dos apetites e suas “ travessuras néo mais eram_pequenas. Por fim, as autoridades do Lar descobriram serem ineapazes de manejar 9 problema de cuja criagio haviam participado ¢ escreverani para a miie dele Mluéncia sobre as outras criangas, Jo po~ pot Arranjou-se para Charles um lar adotivo e, no inicio de seus treze anos, foi mandado para uma fazenda, a fim de viser ‘com um casal de meia-idade cuja tinica recomendacio A pater- nidade era 0 fato de outrora haverem criado um touro premiado. Entre a idade de treze © quinze anos Charles viveu uma vida comparavel 2 de um animal de fezenda. As pessoas a quem se esperava que 0 rapaz agora considerasse coma pais eram enfa- donhas e incomunicativas. Apds a primeira semana, quando a conversa foi necessiria para demonstrar o que dele esperavam © 08 seus deveres, as palavras raramente foram utilizadas entre Charles © 0 taciturno casal. Grunhidos, gestos, uma ordem oca- sional basiavam para transmitir 0 essencial. e 0 essencial sempre se referia aos cem hectares delimitados por uma cerca de pedras. A parte estes ¢ as tarefas de Charles que a eles se referiam, era ‘como se 0 rapaz no existisse, Acordado por mio pesada’ que Ihe puxava as cobertas, os dias extrenuos comegavam antes do amanhecer e terminayam go ereptisculo, com a"lavagem’, quando Charles alisava os empapados panos de cozinha sobre 0 para- peito da varanda traseira, murmurava um 'boa-noite’ ¢ subia pe- las escadas de trés para seu quarto, no terceiro andar de uma ve~ tha casa de fazenda, Ali, no escuro, deitava-se na cama e esperava que 0 sono o dominasse, de maneira que, pela manhi, pudesse rengir de novo ao puxar das cobertas. ‘Anos depois, quando trabalhamos juntos, perguntei a Char- Jes sobre aqueles meses silentes que passara na fazerida. Ficara espantado por sua passividade durante esse tempo, por sua init- sid e por aquela curiosa aquiescéncia a uma disciplina de labuta 21 \e para a qual sua existéncia anterior certamente nfo o havia pre parado. Teria ele, perguntei, experimentado algum tipo de mu- danga de personalidade por volta dessa epoca? Nao se sentira so- Titirio? Em que pensara e com que sonhara durante esse periodo de isolamento? Para estas questes, Charles tinha boas respostas: — Nao me importava muito— contou — porque nio me sentia vivo a maior parte do tempo, Me acostumel @ pensar em mim como um dos cavalos e porcos que havia li. Era 0 que eles pareciam pensar de mim, de maneira que era assim que ev tan, bem pensiva, Me diziam para fazer alguma coisa e eu fazia, F tudo, Durante todo aquele tempo nao havi muita coisa na minha cabega. Nao parecia me importar com nada, Desde que me dei- xassem sozinho, nao me incomodessem, era timo, Eu era como tum pedago de madeira, Oh, 6 claro, ficava um pouco sozinho de vez em quando. Gostaria de encontrar alguns dos rapazes que conhecia ol coisi assim. Mas até que fui embora. imagino que fandava ocupado demais durante o dia ¢ eansado demais & noite para tentar algo. Quando sonhava um poco. lembrava-me de Coisas que haviam acontecido antes ou, entiio, pensava no que ira fazer um dia, mas isto geralmente acontecia & noite, quando estava caindo no sono. ‘A mancira pela qual Charles abandonou a fazenda foi in~ cerimoniosa. Aparentemente seguindo um capricho, sem plano emeditado, ele, certa manha, simplesmente foi embora, ata- fhando pelos campos até cheyar a uma rodovia onde fez parar ‘um caminhio que o levou A cidade em que a mae morava. Quan- do, naquela noite, chegou. a casa, vinda do trabalho, encontrou-o sentado & porta, Sua acolhida, contou-me Charles, nao foi muito cordial, Quase imediatamente, comesou a fazer pianos pura que voltasse i fazenda e, quando ele se recusou, ficou zangada. Nio podia ficar com ele, informou-o; nao ganhava o basiante para manté-lo e, além disso, o apartamento era pequeno demais. Ade- mais, tinha de trabalhar e, se cle ficasse em cusa, estaria se preo- cupando com ele a todo minuto, pensando onde se encontraria, ‘que estaria fazendo e a que nova travessura se estaria dedicando. Nao, aquilo estava fora de discussio; ele tinha de voltar & fazenda e, se niio para 14, para algum outro lugar, um lugar onde estivesse seguro ¢ No ‘agarrado nela’. De algum modo, porem, apos muita iscussic, Charles coaseguiu fazer com que ela o deixasse ficar por algurs dias. Garantiu-Ihe que nio.seria problema, que arru- 2 © maria um emprego. Tinha quase dezesseis anos e era grande Su idade; (rabalharia ajudaria nas despesas; eps podet car ‘sobre os proprios pés’, ele se mudaria para a A.C.M. .. Por favor! Passou-se uma semana, porem, antes que Charles safsse em busca de trabalho. Por alguma razio, ndo podia ‘comecar’. Acor- ‘dava pela manha cheio de bons propésites, preparava o desjejum da mae, arrumava o apartamento depois que ela safa— e entio ‘fieava sentado todo o dia, lia uns gibis, escutava radio ou saia para um passeio’. Certo dia, apanhou uma prostituta e passou a iarde com ela. Na segunda semana apés sua volta ao lar, Charles consogui

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