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CADAFALSOpoético

CADAFALSO
poético

2
B. Alessa; Reis, Sara. (orgs)
Poesia Reunida – Cadafalso Poético
Curitiba-Paraná: Edição Independente,
2010. 70 p.
Curitiba-Paraná 2010, Cadafalso Poético
Todos os direitos reservados
Esta obra está licenciada sob uma Licença
Creative Commons

Produção Editorial e Capa:


Carlos Garcia Fernandes

Janeiro de 2010

3
Índice
5 Prefácio
8 Alessa B.
11 Anderson Rabelo
14 Aurora Carolina S. de Oliveira
17 Caio Cesar Batista
20 Carlos André
23 Charles Sanctus
26 David Moura
29 Eduardo Rebellis
32 Elias Dos Santos Antunes
35 Fernando Esselin
38 Franciele M. Bach
41 Joel Luis Carbonera
44 Jônatas Luis
47 Jurandyr Monjellos
50 Magmah
53 Nádia Menezes
56 Nikholas Stephanou
59 Rafael Gomes
62 Vinicius Paioli
66 Posfácio

4
PREFÁCIO Preliminares

O Cadafalso Poético é uma confraria


literária com sede no Orkut que surgiu da
insatisfação e descontentamento de um grupo
de jovens poetas com os rumos e as diretrizes
adotadas pela antiga comunidade de poesias
da qual faziam parte. Pegando nas armas que
eles tão bem conhecem – seus estros poéticos –
e com o sentimento de revolta latente em suas
veias, esses jovens foram à luta e hastearam
a bandeira de suas crenças e valores estéticos
sob o nome de Cadafalso Poético.
Amantes da Poesia de raízes clássicas, eles construíram um palco
onde inicialmente figuravam apenas a poesia nos moldes tradicionais
e os debates e discussões acerca dos valores estéticos que a permeiam.
Entretanto, com o passar do tempo este mesmo palco passou a receber
estilos literários mais livres e contemporâneos, mas sem fugir às suas
tradições de primar sempre pela qualidade literária de suas poesias.
Fundada em junho de 2007 entre acertos e desacertos, um processo
natural da evolução humana, a comunidade conta atualmente com 262
membros e está localizada no seguinte endereço virtual: http://www.
orkut.com.br/Main#Community?cmm=34564433.
Assim, partindo deste princípio e como consequência do processo
evolutivo ocorrido nestes três anos de existência, nada mais natural
do que a publicação de um e-livro, no qual estão reunidos alguns dos
melhores talentos da comunidade.
Nesta obra estão agrupados dezenove poetas de vários cantos do
Brasil, unidos pelo mesmo objetivo: o amor à Poesia e a busca por
novos leitores. Na sua maioria poemas, eles retratam o que de melhor
se produziu e continua se produzindo neste longo caminho percorrido
pelas sendas orkutianas.
É, portanto, com grande orgulho e satisfação que levamos ao
conhecimento público uma pequena extensão da produção poética
diferenciada desta que sem dúvida nenhuma é uma das melhores
comunidades de poesia que surgiram nos últimos tempos no meio
virtual.

Alessa B.
5
Entra! O verso é uma pousada

Aos reis que perdidos vão.

A estrofe – é a púrpura extrema,

Último trono – é o poema!

Último asilo – a Canção!...

(Castro Alves)

6
7
Alessa B.

Apolíneo
Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
(Vinicius de Moraes)

Teu corpo esculpido contra a Lua,


Apolo soberano em evidência,
Da pele um calor que se insinua,
Arfando meus desejos, tua essência...

Mil graças, eu te rendo seminua,


Em preces de ternura e indecência...
A serva que te ama e te cultua
Com votos de louvor e apetência.

No branco dos lençóis as tuas linhas


Transpiram convulsões em nós assentes,
Que se desembaraçam pelas minhas

Em fluxos e refluxos tão crescentes!


O gozo frouxo que se adivinha...
Nas tuas formas belas tão contentes!

8
Existencial
A existência precede
e governa a essência.
(Jean-Paul Sartre)

Se num sopro de pó surjo no mundo,


Folha virgem expelida na estrada,
Que eu redija em mim um ente fecundo
Tracejando meu destino entre o Nada.

Que ao existir eu confira meu valor


E neste plano erga minha essência.
Se não vim do ventre dum Criador,
Que em Terra abrace eu a transcendência!

E se ao morrer, findar em cois’alguma,


Poeira consumida... caos do Universo,
Orvalho amanhecido em fria escuma,

Desfeito nos vãos do tempo perverso,


De todas as coisas, quero só uma:
Que eu dilua... mas que fique meu verso.

9
Inquietude
Por que é que no silêncio da noite
nos assusta falar em voz alta?
(Vergílio Ferreira, Aparição)

Escuta o gemido pela Terra,


São vozes abafadas nos cansaços,
As ondas refluindo nas esferas,
Suspensas na penumbra dos espaços.

A vida-solidão que nos espera


Vertida nos espasmos mais escassos...
Que cada ser humano reverbera,
Pisando na voragem dos seus passos.

Escuta estes ecos trespassando,


Cantigas nas cavernas do teu ente...
São gritos de angústia tremulando,

Memórias p’las fendas do ausente.


No âmago ardendo e latejando
A dor oculta que tod’alma sente.

10
Anderson Rabelo

Olhos negros
Apraz-me nos teus olhos me banhar
Quando em sede suplico pela fonte
Ardente que derramo em minha fronte
No segundo eternal do teu olhar.

Revejo um lago negro me fitar,


E muita vida há nele que me conte
Tristezas e mistérios do horizonte
Contido no abissal do inerte mar.

Entre as mais coloridas, fúteis flores,


Mais a mim resplandecem os langores
Que embalas aquecendo o peito aflito.

E num abraço bem maior que o mundo


Refletes neste vago olhar sem fundo
A minh’alma sedenta de infinito!

11
Photograph of self
The fleeting glance I take over the things,
When walking absent-minded by the hill...
It is the moment God, to those who feel,
Has sent amid the strangeness it also brings.

A face is like a cloud to gaze upon,


There are so many things nobody’ve seen
That I suppose to capture on the screen!
Yet just my face all time it was... And I move on...

12
O mundo é dos que
sofrem realmente
O mundo é dos que sofrem realmente
E que, malgrado o pranteado rosto,
Ainda têm amor no recomposto
Minuto livre em que o patrão assente...

O prato frio é-lhes algo quente,


A cura externa de um menor desgosto.
A minha vida interna, bem exposto,
É que se esfria, gruta que ressente.

Vontade de chorar que não me vem...


Escrevo contos em que sou alguém,
Alguém que sofre no seu ser e nome.

Ao menos esta desrazão humana,


De soerguer o sonho desta cama...
De viver, ah, que fome de ter fome!

13
Aurora Carolina S. de Oliveira

Existência
Semeei: colho o fruto de veneno
Entre o pó da verdade para o bem
E a montanha do prazer para além
Da extensa amplidão desse terreno.

Meu nome, kharma hirto já condeno


Aos braços espantosos d’um refém,
Que lança a vida, como ninguém
Nas águas da esperança d’um aceno.

Neste corpo frágil conduzo lasso


A alma na idade da inocência,
Que brotou num antigo rio escasso

O néctar de uma sede na ardência


Das inquietações que soam no espaço
E que trago nas milhas da existência.

14
Terra Morta
O mar em seu tributo se unira,
Ao leito d’um virtuoso céu em fuga.
E assim a vida em riscos se atira,
Ao clima da moral que o bem refuga;

A natureza em vícios se iguala,


Ao rio que cava em um leito escuro,
Dos homens frios que “correm” na resvala;

Maldita víbora que no seio suga


O gozo dos princípios e respira
O fulgor da carne fria que debruça,
No ermo precipício que inspira...

Na terra morta desse vale impuro


Há de emergir, da desgraçada vala,
A tez virtude num humano puro.

15
Ato de tocar
Ao toque de meus dedos sobre o piano
Discorro em fluidez involuntária
E cerro meus olhos na melodia,
Que embalsama minha alma em fantasia
E funde meu ser ao ser amado.

Em notas graves, agudas e sentidas


Minhas mãos percorrem o corpo enfeitiçado
De um objeto que transcende a agonia
E invoca, na noite cálida e fria,
Os sons celestiais e divinizados.

Sonata de Mozart entre meus dedos,


Corpórea prisão que me impede
De vibrar em etéreos anseios,
Que invadem meu mundo por inteiro
E lançam-me da partitura aos movimentos.

Sufoca-me o ar sob meus seios,


Translado desse mundo a outro mundo,
Entorpeço a mente com silêncios...
Trago nas mãos uma harmonia cósmica,
Tenho nos ouvidos, os beijos das notas...

16
Caio Cesar Batista

O toureiro
Olé! Agita ao touro a nobre fita
O gesto bruto e ainda tão sedoso...
E quando o toureiro a fita agita
É quando a turba agita-se de gozo!

Só quer a presa a amplidão vermelha.


E incauta a sorte que lhe espera tal
Criança pura e que a pureza espelha,
Só logra o Rubro enfim em seu final...

O amor é qual este toureiro ufano


Que nos seduz com sua capa atroz
E – touros fascinados pelo pano-

Enfurecidos acossamos nós


Atrás do manto da paixão d’amada...
Sem nem saber que nos prepara a espada!

17
Canção da desolação
A branda sinfonia já não soa.
Nem mesmo um sino dobra à humanidade.
Calou-se a voz de Deus, a voz tão boa
Cantamos sós, sem sóis, nossa verdade.

A dor, essa canção em desatino,


Mas que para a alma do Ser é uma porta!
E cuja última nota, a que conforta,
Fermata nas mãos surdas do destino.

Pois canto que meu canto em algum canto


Reboará no Olvido pelo ouvido;
Rememorando o que se esquece tanto:

Se crês que teu clamor será ouvido,


Abate a voz da esp’rança com teu pranto...
Ind’antes que ela quede-te abatido!

18
O Cavaleiro do
Auto-Apocalipse
Prepara-te a carcaça p’ra batalha!
E pega do punhal do sacrifício.
Aprende, apesar de ser difícil,
O corpo é esquife q’a alma amortalha

É nuvem a embaçar um sol sem falha.


O espírito é símil a um deus sem vício
Mas preso neste humano frontispício,
Tal porco, nesta lama se esbandalha!

Pois cega-te ao mundo qual Creonte!


P’ra vere’ além da vida d’horizonte...
Bem antes q’em teu sol se faça eclipse.

Atiça a adaga contra o tredo peito


E impede que te torne, deste jeito,
Guerreiro de teu próprio Apocalipse.

19
Carlos André

Sobre a outra margem


Ao sol de tons estéreis a se por,
Já sopra pelos céus e a terra fria
Os ventos com sabor de nostalgia
Traçando, na minha alma, a sua cor;

Em noites de sereno, sem fulgor,


No zênite dos sonhos, já sorria
Seus lábios com doçura de ambrosia
Vertendo o mel astral de nosso amor.

Além da tela azúlea do horizonte,


Por onde os astros vertem sua fonte
De luz e de silêncio elementar,

Eu hei de me lembrar de sua face


Até que o inverno gele e a dor me embrace
E lá, lá sobre a outra margem, lhe esperar!

20
Modernidades
Um sol abandonado em longa altura
Prossegue o seu cadente movimento
Além de arranha-céus e do cimento
Que são nossa celeste arquitetura;

Ao longo dessas ruas tão escuras


Cobertas de sujeira e desalento,
Só resta a languidez de mortos ventos
Soprando no metal das estruturas.

O mar acinzentado das paisagens


Formado por pessoas e engrenagens
Fluindo em sua urbana arritmia,

É o rosto desta vida tão estéril


Que leva todo ser pro cemitério
Das rodas funcionais do dia-a-dia.

21
OM
Soando pela estância do infinito
Em cordas eternais do inexistente,
Discorrem pelo olhar da minha mente
Os mundos que jamais havia escrito.

Em sílabas que agrupam velhos ritos,


Acoplam-se universos em nascentes
Vibrando melodias transcendentes
Além das espirais de céus aflitos;

A essência que permeia todo o mar


E abrange o macrocosmo tão vibrante
Das águas do universo a desflorar,

Transforma o nada astral num curto instante


Em letras que se eclodem no pulsar
Dum som primordial e ressonante.

22
Charles Sanctus

Vasty
Pareces um canto clamado estendido
Que o mais belo pássaro ao vento declama,
A rosa formosa dos campos floridos
E o brilho ardente contido na chama.

Mulher das miragens que aos olhos inflama


Canções proibidas no ventre aquecido,
Chegaste divina co’amor de quem ama,
Curando-me as asas de arcanjo caído.

Um anjo de riso em arcano canoro;


Por quem neste mundo debulhas teu choro,
De olhos cansados perdidos no vão?

Qual nome nas noites febris delirantes


Tu chamas em prece de beijos amantes?
Nem sabes que é dona do meu coração...

23
O expurgo da tristeza
A dor que paira a mente sobre-humana
E lambe a seiva em casta estricnina,
Destila da tristeza vespertina,
Gorjeios definhados na membrana.

No peito em trinca, frágil porcelana;


Não sente o brio das cores opalinas
Rompendo a fina capa da retina,
Vazando o véu das gris venezianas.

Mas faz da angústia o canto harmonioso...


Do negro, o verso quente e luminoso
Forjado do viés do coração.

Transpassa a tal barreira do que existe,


Desfia toda a entranha de um ser triste
E o faz voar co’o lápis preso à mão.

24
Um Espírito sobre o
próprio túmulo
Bebi teu mais profundo pensamento,
Tornei-me um ébrio louco da agonia;
Vivendo a tua vã filosofia,
Na torpe dos ensejos virulentos.

Senti teus próprios medos e tormentos,


Vivi a opulência em frenesia;
Soberba transitória, uma afosia
No cálice volúpio pestilento.

E o que dizer agora destes vermes


Dilacerando a tua epiderme
Em suma multidão inexorável?

Outrora o luxo, a glória e a formosura,


Agora inerme à fria sepultura:
O palco de imundícies deploráveis.

25
David Moura

Monstro da Ignorância
“Quão deformado te mostras, ó monstro de estulta
ignorância!”

“O Rumor é uma gaita assoprada pela desconfiança,


pela inveja, pelas conjecturas; é de tão fácil e simples
dedilhar, que o bronco monstro das inúmeras cabeças, a
multidão, sempre inconstante e volúvel, a pode facilmente
tocar.” (William Shakespeare)

Nos lupanares da insignificância


Recolhe-se demente e satisfeito
O depravado monstro da ignorância
Sobre a carniça dum promíscuo leito;

Amortalhando o pensamento estreito,


Em que ao mais leve sopro de inconstância,
Esquece com prazer o que está feito
Nas ondas da soberba e da arrogância!

E como se esculhambam de repente


As excelências das ações mais puras
Na boca atroz da multidão que mente,

O certo é não ouvir seus tons mordazes,


Que fodem o melhor das criaturas
Co’a fria insensatez de suas frases!

26
Gratidão
Não sou um ente rude e empedernido
Que não possa sentir a comoção
De saber-se em divina comunhão
Quando agradece o bem de ter vivido!

Eu me vejo chorando sem razão


Ao julgar ter no mundo percebido
O que há de mais perfeito traduzido
Na beleza de cada imperfeição!

Porque tudo aos meus olhos é sublime


E tudo em si a todos nós redime
De qualquer falta ou de qualquer pecado,

Pois a vida é uma graciosa festa,


E para aproveitar o que nos resta,
É preciso aceitar o seu traçado...

27
Cometa Incandescente
“Sabemos que então um número muitíssimo maior de
cometas e asteróides atingia a Terra, que esses pequenos
mundos são fontes ricas de moléculas orgânicas
complexas e que algumas dessas moléculas não eram
calcinadas com o impacto.”
(Carl Sagan)

E o colossal cometa incandescente


Penetrava na esfera avermelhada,
Num gozo que lembrava tão somente
Um homem deflorando sua amada.

O rastro que deixava na jornada,


Além de tudo o que supõe a mente,
Trazia à tona dos confins do nada
A base estrutural do ser vivente.

O que ele arremessava na descida


Eram os mais libidinosos beijos
Da estranha seiva perenal da vida;

É que Deus, em seus múltiplos orgasmos,


Tinha secretamente outros desejos:
Queria ejacular os seus marasmos...

28
Eduardo Rebellis

Outubro
Para Sara, nascida em 24 de outubro.

Outubro traz o brado da procela


Às tuas negras noites mal dormidas;
Outubro são paixões interrompidas
E sangue nos matizes da aquarela.

Em mês igual a esse muitas vidas


Se rendem ao fantasma da querela
Trocando uma alegria tão singela
Por lágrimas e culpas ressentidas.

Outubro junta insônia e agonia,


E faz-te ver aos prantos indo embora
Aquele terno amor que te sorria.

Mas sempre após a noite vem a aurora


Pintando na manhã a luz do dia
Até que a dor aos poucos se evapora...

29
Sofrimento Póstumo
Amiga, pisa leve o chão que habito
E traz formosas flores, por favor,
De modo que eu jamais venha a supor
Que ignoras a tristeza desse rito.

Liberta o meu cadáver, ser maldito,


E beija-me sem pressa e sem rancor
Que mesmo no sepulcro o meu amor
Exala o doce aroma do infinito.

Amiga, a vida fez-te singular,


Mas nunca revelou o exato preço
Que pagas por nascer e respirar.

Então aceita o Céu que te ofereço,


Porque das dores que hás de suportar
O túmulo é apenas o começo.

30
Carta da Musa
ao Poeta
Poeta,
nunca desanime
Se a tua verve esmorecer
Ou se o que escreves com prazer
Foi concebido pelo Crime.

A Arte jamais foi recompensa


Dada a um espírito feliz,
Contudo a Musa nunca quis
Que a tua mágoa fosse imensa.

As tuas lágrimas de dor


Eu agasalho junto ao seio,
E às vezes pálida receio
Não ter ganhado o teu amor.

E embora alguém possa odiar


A melodia de teus versos
E o teu louvor em metros tersos,
Na minha cama tens lugar.

Porque se chora a tua lira


Meu coração aos poucos erra
E vaga triste pela Terra
Atrás de um monstro que lhe fira.

Assim, poeta, quando o céu


Mostrar sinais de noites frias,
Prepara as tuas poesias,
Pois que sem pompa ou escarcéu

Virei trajando um negro manto


Para beijar os lábios teus
E transformá-lo nesse deus
Em cujo riso grita o Pranto.
31
Elias Dos Santos Antunes

O Farol
Alegrem-me ó nautas que orientei
Estático nas trevas desta beira.
As ondas tão violentas co’a costeira
É toda companhia que terei?

Por medo e frio, eu tanto aqui chorei


O aço, ferro e toda minha madeira
Contorcem-se de dor, de tal maneira
Que sinto os anos qu’inda viverei.

Terrível foi o dia em que o pedreiro


Em sua intrepidez, lançou-me a prumo
Largando-me, às mãos do faroleiro.

Na queda do astro rei, eu me resumo


A ver o mar e deixo que o luzeiro
Aos bravos marinheiros trace o rumo.

32
Flor Querida
Quão belo olhar teus olhos, e no tudo
No tanto mais que eu possa me prender,
Sentir que não somente em te ver
Em tudo – o quanto és bela – eu saúdo.

Saúdo tua beleza, sobretudo


Em cada flor de Dália a nascer
E vejo-te também num perecer,
Se nada é tão feliz assim, contudo.

E a mostra de tão bela natureza


Encanta minha vida, meu andar
Com todas cores, cheiro e a pureza

Andando, eu me ponho a divagar,


Que vício tão sutil é a tua beleza
A vendo assim, em tudo que é lugar.

33
Retrato
Se sofro é porque te amo, meu amor
E não por tristes chagas mal curadas.
Que importa estas fedidas, desgraçadas
Feridas espalhando pus e dor?

As moscas que se fartem com louvor!


Ao verem-me imbuído nas fadadas
Lembranças que se espalham desleixadas
Tornando-me esquecente ao podridor.

E em meio a noite negra que desponta


Eu tresloucado sofro meu olhar
Ardente, que pra tua face aponta

E os beijos calorosos que me dera.


Me levam na amargura a desejar
A ti que apenas foto se fizera.

34
Fernando Esselin

Escada
Escada pra subir e pra descer.
Escada. Só isso. Ruelas grafitadas.
Trepadeiras bem cortadas; matas feitas
de copas com quatrocentos tons de cor.
Deserto de areias brancas, de curvas
serpejantes e alaranjadas rabiscadas
pelo temporal. Vastidão. Olhos
apontados pro céu estrelado. Neste
instante não existe mais labirintos,
nem procuras, nem saídas. Só existem
eu, o céu e a bondade que me atravessa
o gosto. Minha imaginação tem luz,
cheiro, textura e dor. Ah! Que saudade
das estrelas dálias, das princesas e das
bailarinas perambulando minhas noites
solitárias. Que vontade de acordar em
paz, sem gemidos, sem ruídos, sem
complexidades. Água, pão e amor. Que
vontade de chorar, mas não sou mais
rio, não sorrio e não deságuo em algo
maior que eu.

35
Copo americano
Dia frio. Um vento gélido anda em passos lentos
pelo corredor. Acordei com o mundo me enfrentando,
me jogando granizo denso no rosto. Lançando
lembranças minhas, sujas, invadindo minhas tramas
sem mandado.
Grosseiramente esta manhã, que não é minha,
que é do mundo está me expondo a mim mesmo.
Mas sou eu quem decide quando quero pensar nos
meus pesares. Não venha a minha casa, a minha
alma me lembrar o que eu não sou.
Mundo maldito, malfeito, mau! Meus olhos se
lançaram pra fora da janela de bordas castanhas. O
mar estava negro, bravo, vingativo. A areia branca
estava cinza e úmida. A chuva fina perecia eterna.
Bastou um dia revés e o sol se tornou só uma
lembrança remota. Sem controle! Quem abriu
as portas da minha vida? Peguei minha espada
ritualística e desafiei este ser invisível que parecia
gostar de me ver desesperado. Havia um prazer
corpulento no ar desta alma gigante que me
atravessou o peito me deixando transparente.
Eu não queria me ver. - Cobre-me! Empresta-
me um lençol para tapar a nudez da minha alma.
Preciso de mais tempo para me despir de tudo. Deste
outro eu funcional que tomou a frente da minha
máscara principal. Não estou pronto para ser do
meu tamanho.
Acostumei-me a ter a forma da fechadura da
porta do meu quarto, das minhas desculpas, do meu
medo de vencer uma imagem derrotada já descascada
pela verdade agora irrefutavelmente desvelada...

36
Luz...
Um mundo se abre e o olhar se encanta.
Uma dona, de vestido de luz desfila calma. A
rua é negra, mas ela traça um cometa a cada
passo descalça.
As lamparinas mascavas ao longe,
parecem refúgio de outro tempo. Quando a luz
era amarelada. Quando o chão era marrom e o
amor se deitava nas praças sem culpa.
As linhas de cada trama de cetim guardam
uma carta guia de como nossa alma é arranjada
de fios infindos. Estamos ligados a tudo como
uma enorme coberta que aquece os corpos e
deixa o espírito sonhar tranquilo.
Hoje, o presente, é o grande dia. Não há
outro ou outra magia. Nada. Por isso, salve-se
com um beijo doce, do amanhã que não chegará.
Concentre-se nos lábios rubros do seu amor e
você, enfim encontrará a imortalidade.

37
Franciele M. Bach

À árvore solitária
Por sobre o caule morto as mãos entalho
Um outro céu co’a árvore implorando,
Quem sabe as solidões se fazem bando
E pingo em pingo o céu porque batalho.
O que eu queria mesmo a ‘companhando,
Árvore solitária deste atalho,
Era entalhar nas mãos uns verdes galhos
Nestes galhos os pássaros pousando...
O vento sopra e tremem os teus dedos
Em crispações contidas de agonia
Por estar tão distante do arvoredo,
Eu sei por que do céu só sede sorvo,
Lembrado como atalho, em companhia
A sombra minha a sombra de algum corvo.

38
Costura
Nesta hora em que algo no universo se perdeu
Ninguém no mundo ousa dizer eureca.

Nesta hora em que a vida é da dor um grande prego,


Meu Deus, gemeu Jesus.

Faltam horas ao tempo,


Cor às têmporas,
Temporais ao olhar – são nuvens neutras,
Carregadas do nada que lhe sobra.

E os ocos que vão ao universo


São ecos que a poesia costura
Como a buracos negros no meu ego.

39
Inalterável
Corrói-me o que não sinto e o desespero
De ver no chão meus sonhos e desejos,
De ser somente o chão o que eu vejo,
De a vida ser apenas um enterro.

Corrói-me a poesia e meu versejo


Por ser tão triste e vago e pesaroso,
Por vir da dor e ser na dor que o coso,
Por derramar-se assim como sobejo.

Corrói-me essa angústia e esse nada


Que moldam a seu gosto o meu feitio,
Transformando-o alegre ou sombrio,
Deixando a dor no peito inalterada.

40
Joel Luis Carbonera

Manifesto
É disso que falo...
O cheiro acre
que exala em esgotos.
A náusea do gosto
do hálito das bocas
que hoje se fecham...

Se calam sorrindo...

Falo dos braços cruzados


que por vezes inertes,
pendem ao ritmo
dos passos perdidos.

Ah, e todos se perdem...

Falo de apatias densas...


De liberdades pretensas,
noticiadas natimortas.

Eu falo do hoje!
Do tempo do agora!

De sonhos descartáveis.
Das coisas que vão embora.

Coisas que somem...

Falo de existências nulas,


mortas, sem viço...

Não falo do homem,


mas daqueles
que são menos que isso...

41
Lethe
Adivinho angústias do amanhã
arrastando calçadas familiares
desenhadas com minhas migalhas.

Pedaços de nós que abandonamos.


Âncoras que conservam fatalmente
mapas de lugares e caminhos
que a contragosto revisitamos.

Esquecer o que não se quer


É abarrotar caixas escondidas
no sótão velho da memória.

Sempre se pode voltar a elas...

Até que os corvos do destino,


em revoada derradeira,
comam nossas migalhas no caminho,
despindo-nos da própria história.

42
Espelho em cacos
Saudosos, meus olhos bebem da janela.
Sorvendo o recorte do mundo,
tento degustar a mim
e tudo tem gosto de não sei.

Paisagens estacionárias
em estranhamentos familiares
em que a mudança disse adeus.

Nesta hora em que a saudade aflige,


e que nada do que cerca muda,
a causa da minha saudade é um eu
que já não se reconhece em si.

43
Jônatas Luis

Terra em Transe
Nesse abril despedaçado
Deixo morrer as flores
De minha lavoura arcaica.

Que fique com a discussão


Deus e o diabo na terra do sol.
Vou plantar versos na cidade de deus.

Entre viadutos e poças sujas, vidas secas.


Nas ruelas estreitas
Revira o lixo meu novo amigo,
Dois perdidos numa noite suja!

Mendigos e executivos pela calçada


Comentam crime e castigo.
Tenho medo das esquinas
E do bandido da luz vermelha.

Nos letreiros foscos e anúncios de jornal


Descubro que toda a nudez será castigada.
Tudo por aqui é tão frio,
Longe do maior amor do mundo.

Sinto a todos e a tudo


Tão frenético e passageiro
Quanto navalha na carne.

Tanta gente e estou só. Solitária do Carandiru.


Num hotel barato, durmo numa cama de gato.
Sinto-me o estorvo, vejo tristeza
E nem ao menos sei de Olga.

Perdido na central do Brasil


Pergunto-me “o que é isso companheiro?”
Vou embora. Dançar com Madame Satã.
Bye Bye Brasil – Eu te amo!

44
Ferir-se no
Íntimo
Egos se ferem
Feras não nego
Gritos não prendem
As eras que prego.

Ares confundem
Mares sem fundo
Trevas iludindo
Os bares do mundo.

Segredos sorrindo
Medos nos tratos
Fracos enredos
Sem barcos ou credos.

Mas barcos nos levam


Tratos nos traem
Nos arcos beirando
Um choro que cai.

E caem ainda
Fracos a esmo
Frascos dos mesmos
Perfumes sorrindo.

Sonetos não valem


Poetas que calem
O sorrir em segredo.

Um mundo nos bares


Cavernas fundando
O fundo dos mares

E pregam as eras
E prendem os gritos
E negam as feras
Os egos que ferem.
45
Em Carne
Roa-me como quem rói o podre.
Solta-me como quem exorciza.
E tema! Grita! E eu sussurro
Como quem goza.

Fitem! Observem! Feito quem pode.


Ouçam o silêncio tal qual uma ode.
Admirem o inimaginável, assim,
Igual quem reza.

Açoitem-me. E eu choro, salgo teu chão.


Ninguém me pode. Nem cria. Nem me é.
Incendeie-me como Roma
E serei maior que a simples cidadela.

Marca-me como gado!


E eu cicatrizo feito um olhar.
Um guizo pronto, em tua presença,
A sacudir.

Faça de mim o pó,


E nasço flor de Lótus.
Faça de mim a cinza!
Ressurjo como fênix.

Adora-me como Meca,


Derreta-me feito Pompéia,
E volto feito um poeta
E Recrio a Odisséia

46
Jurandyr Monjellos

As criaturas da noite
E quando a escuridão se arrastar pelo mundo,
Da enorme vastidão num temporal terrível,
Numa desolação tétrica inconcebível,
Eles ressurgirão do negro mais profundo.

Vão vagando através da vida perecível


Como uma aberração, um demônio oriundo
De uma transmutação do sonho mais imundo
Em transfiguração no corpo putrescível.

Imensa catedral, impassível, parece


Exigir desta gente um cântico, uma prece
Como reparação aos erros mais atrozes...

Para sempre vagai, Criaturas da Noite!


E bem ouvi o estalar vergastante do açoite,
Pois ele abafará o som das vossas vozes.

47
A catedral soturna dos
meus sonhos
A catedral soturna dos meus sonhos,
Onde a sombra e o desgosto também moram,
Onde as almas perdidas vêm e imploram
Libertação dos males mais medonhos.

Seres caminham lúgubres, tristonhos


Atropelam-se e caem, sofrem, choram
Nas imensas torpezas que aqui afloram,
Sustentando os demônios maus, risonhos.

Na torre dessa igreja brilhará


Uma luz negra! Luz da estrela má,
Que iluminará sempre a minha sorte.

O brilho dessa estrela me conduz,


Projeta a sombra exata de uma cruz,
No chão onde hei de estar depois da morte!

48
Uma noite chuvosa
Olho pela janela aberta e tão soturna...
Aumenta a solidão da vigília noturna.
Deus! Quando passarão essas horas imensas?
Encéfalo, dizei, por que é que pensas?
Nessas horas, talvez, livres dos desgostos
A passear estão os ratos nos esgotos.
Saio. Um vento frio esbarra no meu peito
Penso (mas penso só) em retornar ao leito...
A chuva que cai forte eleva a sensação
Térmica do abandono e da desolação.
Dou alguns passos, passo entre as árvores frias,
Levo a recordação dos meus melhores dias
Nem sei quantos. Um, dois, talvez três? São bem poucos...
Rolam no cérebro uns pensamentos loucos:
Continuar vivendo ou, talvez, já morrer!
Acho que nunca mais vai parar de chover...

49
Magmah

Vontade de ti
Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!
(Florbela Espanca)

O olhar perdido que outro olhar procura


E os dedos pálidos traçando os seios
Vestidos só com véus de gaze pura,
Auréolas rosa, faces e entremeios...

Vazio o leito, parco de ternura,


Meu flanco e ventre mornos, com receios,
Querendo dar-se, sendo criaturas:
Desejos cutelados pelo meio...

Carótidas vertendo nas fissuras


E os nervos entre as veias e os veios:
Filões sobre camadas tão escuras!

Lençóis intactos, alvos e tão feios!


Raízes vão brotando na brancura,
Não há mais corpo ou alma... só anseios...

50
Rodopiando
E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!
(Álvares de Azevedo)

Qual pássaro acrobata ou bailarina


Que salta, que volteia e sobrevoa,
Sou sopro de lascívias que ressoa
E acende os teus desejos à surdina.

Num rastro de luxúria perfumada


E um canto, que é inaudível, pra se ouvir,
Meu sexo vai em pétalas florir
E eu venho te ofertar, extasiada.

Preenche os vácuos, me impede a fuga


E faz alvorecer toda essa bruma.
Encharca minha alma com tua espuma,
Envolve-a com fragrâncias, lava e enxuga.

Migrei com o vento para, nesse abraço,


Rodopiar contigo num só um passo.

51
Selvagem
Quando por entre os véus da noite fria
A máquina celeste observo acesa,
De angústia, de terror a imagens presa
Começa a devorar-me a fantasia.
(Bocage)

Em mim a fera ataca e sempre insiste


Nas horas de desterro e de agonia.
Encurralada, se esconde e resiste,
Seu gume, em facas, fatiando o dia.

Vem, dilacera o peito e me acrescenta


Mais marcas tatuadas, nós e frisos.
Desenfreada, essa selvagem tenta
Alucinar-me, pois seu chão não piso.

Sobejo vão de todos os intentos,


Pedaço meu evaporou, desiste.
Restou silêncio em ecos de porfia.

Desperdicei o meu amor aos ventos


E a consciência, com seu dedo em riste,
Acometeu-me, dando à voz poesia.

52
Nádia Menezes

Forca
No seco verão, meu interno frio,
No ar vazio, resquícios de reza,
Oh, quanto pesa o dobrar dorido
Dum sino inibido – frio – e duro.

Do que é puro, resta o sarcasmo,


Do olhar pasmo, o silente grito,
Do céu finito, restam suplícios
E dos indícios, a garganta seca.

Daquele que peca passo ante passo


Solto no espaço, e um nó no pescoço
Desprende do osso o tom da vertigem,
A voz de fuligem, serragem e adeus.

O relógio-Deus para meus êmbolos


E corpos balançam, inertes pêndulos.

53
Necrofilia
Tentado a preencher-me em seu vazio
No corpo frio toca orvalho e celha.
Mãos de abelha buscando noite adentro
Um pólen suculento e doentio.

Vítima inerte neste morbo fado


– Teu grado à alforria mais impura –
Rosa em candura de silentes ais
– Não mais do que um lírio profanado.

Jogada sobre a relva de jardim,


O brilho fosco nos olhos sem vida,
Flor morta já exposta – em cada halo.

Hei de despetalar-me até o talo


A fim de terminar parte de mim,
Como a pálida folha ressequida.

54
Sombra de gato
Visito a praça pelos seus olores
Mais fortes na água que cai, perfeita
Já o guarda-chuva em minha mão direita
O vento levou, como se flores.

O corpo se encolhe, não que o aceite


Na pele que fere o arrepio – chuviscos
E os olhos ariscos tocam os riscos
Da mão que fita uns copos-de-leite.

Quando o mais seca, um gesto raso


Talvez-sorriso assim, por acaso,
Camufl’a parede de feldspato.

Lambo o pulso, resquício de bolhas


Sob meus pés, as vis douradas folhas
E, no muro, a sombra de um gato.

55
Nikholas Stephanou

Ghazal I
“E não seria a noite a pálpebra do dia?”
- Omar Khayyám.

Perece o meu Dia nas pálpebras negras da Noite,


O Pássaro Nédio já cai nas veredas da Noite.

Percorro o desértico Céu com meus olhos plangentes,


Buscando, com reles olhares, estrelas na Noite.

Os astros se ocultam perante meus úmidos olhos,


Repletos de glórias passadas, já quedas à Noite.

O Célere Tempo percorre o seu curso indolente,


Vislumbro-o com súplicas tolas: esqueças-me, oh Noite!

Apenas me restam, oh Musa, queridas lembranças:


Sorrisos sinceros nas tristes facetas da Noite.

56
O Infortúnio
(Para M.)

Eis a farsa de tudo - enganosa afeição:


Infortúnio de esp’rança que rege o fracasso.
Às entranhas da Terra, sepulcro das glórias,
Tudo volve. Os esforços são nulos.
Aos passados amores que regem o ser
- Moradia de vícios e errantes virtudes -
Não mais chora! Flertemos com o Nada,
Pois é tudo. O desejo morreu!
Sinto em mim os anelos de outrora quedados
Na memória do olvido. Infortúnio de esp’rança
Enganosa: afeição de flertar com o engano,
Eis a farsa. Os esforços são mortos.

57
En Márut
Com teus úmidos olhos eu parto em silêncio,
Meu espírito frágil, a terras distantes,
Abraçadas por plácidos mares.
Mas as águas da minha partida
Só separam então nossos corpos,
Pois teus úmidos olhos
Escravizam minha alma,
Hárert bela.

Com teus úmidos olhos eu parto em silêncio,


Meu espírito frágil, a terras distantes,
Abraçadas por ventos saudosos.
Mas as brisas da minha partida
Só separam então nossas vozes,
Pois teus úmidos olhos
Escravizam meus versos,
Hárert bela.

Nos meus úmidos olhos tu partes,


Meu amor sempiterno,
Para o vasto horizonte das águas,
E nas águas um lótus floresce,
Cujas pétalas frágeis
São apenas as lágrimas minhas
Que pranteio por ti.

Nos meus úmidos olhos tu partes,


Meu amor sempiterno,
Para o vasto horizonte das brisas,
Pois as brisas exalam perfumes,
Cujas flóreas essências
São apenas as belas lembranças
Que me guardam em ti.

58
Rafael Gomes

Sou como um justo


que a cicuta sorve...
Sou como um justo que a cicuta sorve
E de que forma ponho em mim matança!
Recordo a face, o corpo e a fragrância
Da cruel dama que me fez disforme:

Da eterna ausência fez-se aguda lança


Que fere o peito e sangra o corpo torpe,
Tortura a mente enquanto, exausta, dorme
Depois que em horas de oração se cansa.

Com que direito atravancou-me a alma?!


Com quantas foices decepou-me a calma e
Tornou-me Herege a insultar meu deus?

Pergunto em fúria, ainda que em desarme:


Que santidade autorizou roubar-me
O teu olhar... aqueles olhos meus?!

59
A chuva que cai sobre o
mar me dói...
A chuva que cai sobre o mar me dói,
Tornando-o mais denso para quem o avistar,
Não o torna mais mar do que o mar que já foi
Nem o deixa molhado tão mais do que está.

Proclamam alguns, ao mirar esse mar,


Que o peso das águas é o mal que destrói...
- Não enxergam, vis seres, a glória que há
Na chuva que cai sobre o mar que me dói?!

Que mal há nas águas que molham esse mar,


Nas nuvens que insistem em servir de berlinda,
Negando o Espelho ao céu que é Narciso?

De inverso que sou, até chego a criar,


Em meio ao alívio da chuva já finda,
Mil outros serenos que encharquem meu riso.

60
Naquele riacho em
meio aos montes...
Naquele riacho em meio aos montes,
É lá que navegam os meus desenganos...
Moldados em lágrima ao longo dos anos,
Cruzando planícies e vales e pontes.

Navegam – somente – e já assim navegando,


Espero perdê-los por entre as águas.
- Oh, medos, tristezas, saudades e mágoas,
Viajem p’ro nada remando... remando...

E depois de perdida a imensa agonia,


Percebo a tolice que trago no peito e
Persigo o riacho a nadar... a nadar...

“A vida sem pranto é existência vazia”


Já busco a tristeza a que tenho direito e
Espero encontrá-la no abismo do mar...

61
Vinicius Paioli

High Definition
Hoje saí da cama esquerdo.
Disposto a dissecar o mundo
Com faca de passar manteiga
E num comercial infundo
Matar uma família meiga.

Sem pés, atravessar a rua


Deixando pregos pelo asfalto
A misturar sangue e borracha;
E na igualdade em que me pauto
Beber da resultante graxa.

Hoje me peguei sem relógio,


Sem alma, sem guardar porões.
Já não escondo subterrâneos
No corpo livre de botões –
Controle remoto cutâneo.

O tato é quem liga o vento


Que me empurra do precipício.
A hora se afasta do começo,
A calma se aglutina em vício
E direito me sonho avesso...

62
Sem Título
Eu que falava de abismos
Cansei-me de cair
E munido de pá
Decidi me afundar
Pra não tirar os pés do chão.

Eu, que dizia sentir,


Aceitei meu lugar de pedra
E como peso morto
Mantive portas abertas
Sem sair do lugar.

Mas agora, como todo mineral,


Vou me lembrar de ser lava
E ter inveja do vento
Que me varre aos poucos
Ao meu fim de pó.

Eu que falava de asas


Hoje não passo
Das penas.

63
Passagens
Há na vida um descompasso semântico
Entre a dose que rebenta no copo
E a garrafa que esvazia num pranto.
Entre o que alimenta a alma, no corpo,

E o que bebem os corpos sem as almas.


É talvez uma visão do crepúsculo
Nas auroras que se pensam em carma,
Ou a voz amplificada do homúnculo

Que num rasgo do semáforo encarna.


É vontade em revertério furúnculo
Ou a pus em que o brotar da sarna
Faz lembrar das margaridas no jardim.

Há, por fim, toda uma série de passos


Em que colo mais pegadas-paisagem
Que o sentir nos meus sapatos os pés:
O saber que não segui direção,

Pois sentido algum mostraram as placas.

64
65
“Sim! Que é preciso caminhar avante!
[...]
Como quem n’uma mina vai de bruços,
Olhar apenas uma luz distante!”

(Antero de Quental)

66
POSFÁCIO

Por que não?


Por que não? Cá estamos, parceiros de Cadafalso,
iniciando um caminho para, quem sabe, nos perdermos
pela estrada. O primeiro passo foi dado por cada um ao
se interessar, num primeiro instante, pela escrita, pela
poesia e mais que isso, pela cultura e a vida, de modo geral.
Outros passos seguiram-se, dotados de dificuldades ou
facilidades, conforme cada caso específico, mas, enfim,
todos estes passos nos trouxeram ao mesmo lugar e,
talvez, sob uma mesma idéia.
Essa idéia, o Cadafalso Poético, parecendo antes
um acidente devido às discórdias enfrentadas em outras
paragens, não é mais ou menos que nosso caminho
trilhado e que nosso encontro nas outras comunidades.
Será que foi acidente termos lido o que Matheus
escreveu? Ou foi acidente termos nos identificado por
uma determinada estética do Rebellis? A vantagem dos
acidentes, entretanto, é que são indiscutíveis, e, se é o
caso aqui, bom... deixo que terminem a frase.
Nestes três anos de existência nossa arte imitou a
vida, nossa vida se confundiu na rede e a rede espalhou
nossas poesias. Começamos poucos, bem poucos. A estes
juntaram-se alguns e outros que nos surpreenderam no
desenrolar dos meses. E se não somos uma comunidade
cheia de sorrisos e abraços, aprendemos a respeitar nos
membros aquilo que cada um tem de melhor a oferecer.
A idéia expandiu-se. Quando colocamos na
comunidade um de nossos textos, sabemos que estará
sendo lido por pessoas que, se não são famosas ou
devidamente diplomadas, preocupam-se com a arte e
com as letras. Sabemos que não seremos apedrejados à
toa quando acontecer e, sabemos igualmente, que nossos
esforços terão ao menos a chance de serem reconhecidos
(e um reconhecimento sem afagos).
A forma nos fascina. Temos consciência de nossa
força como esteticistas porque compreendemos a força
que exerce o escrito bem escrito. Não nos escondemos
67
sob desculpas fajutas e ultrapassadas para abandonar
nossas preocupações. Hoje, amanhã... O que importa é
que haverá poesia, pois asseguraremos isso.
Por que não? Ontem vimos nascer a comunidade,
vimos seu desenvolvimento e a criação, longe dos
misticismos fáceis, dançando com cada membro
participante da comunidade. Ontem, talvez algumas
horas antes passamos por nossas provações, talvez em
grande parte auto-impostas, e continuamos o caminho
sabendo que a madrugada que virava nos levava um
pouco adiante.
Hoje levantamos nossas letras para além do Orkut,
para um novo minuto em busca de nosso futuro como
escritores, poetas, artistas. Hoje erguemos nossa
estrutura acima dos outros telhados, montamos nossa
verdade no centro da praça e com um sentimento bom
no peito, dizemos:
O cadafalso é a última prova por que passam os
poetas!

Por Vinicius Paioli.

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O Cadafalso Poético é uma
confraria literária com sede no
Orkut, fundada em 2007 por um
grupo de jovens com uma paixão
em comum: a Poesia de raízes
clássicas. Inicialmente um palco
onde figuravam apenas a poesia
nos moldes tradicionais e os
debates e discussões acerca dos
valores estéticos que a permeiam,
com o passar do tempo este
mesmo palco passou a receber
estilos literários mais livres e
contemporâneos, mas sem fugir
às suas tradições de primar
sempre pela qualidade literária
de suas poesias.

Nesta obra estão agrupados


dezenove poetas de vários cantos
do Brasil expondo o que de
melhor se produziu e continua
se produzindo neste longo
caminho percorrido pelas sendas
orkutianas.

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