CADAFALSO
poético
2
B. Alessa; Reis, Sara. (orgs)
Poesia Reunida – Cadafalso Poético
Curitiba-Paraná: Edição Independente,
2010. 70 p.
Curitiba-Paraná 2010, Cadafalso Poético
Todos os direitos reservados
Esta obra está licenciada sob uma Licença
Creative Commons
Janeiro de 2010
3
Índice
5 Prefácio
8 Alessa B.
11 Anderson Rabelo
14 Aurora Carolina S. de Oliveira
17 Caio Cesar Batista
20 Carlos André
23 Charles Sanctus
26 David Moura
29 Eduardo Rebellis
32 Elias Dos Santos Antunes
35 Fernando Esselin
38 Franciele M. Bach
41 Joel Luis Carbonera
44 Jônatas Luis
47 Jurandyr Monjellos
50 Magmah
53 Nádia Menezes
56 Nikholas Stephanou
59 Rafael Gomes
62 Vinicius Paioli
66 Posfácio
4
PREFÁCIO Preliminares
Alessa B.
5
Entra! O verso é uma pousada
(Castro Alves)
6
7
Alessa B.
Apolíneo
Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
(Vinicius de Moraes)
8
Existencial
A existência precede
e governa a essência.
(Jean-Paul Sartre)
9
Inquietude
Por que é que no silêncio da noite
nos assusta falar em voz alta?
(Vergílio Ferreira, Aparição)
10
Anderson Rabelo
Olhos negros
Apraz-me nos teus olhos me banhar
Quando em sede suplico pela fonte
Ardente que derramo em minha fronte
No segundo eternal do teu olhar.
11
Photograph of self
The fleeting glance I take over the things,
When walking absent-minded by the hill...
It is the moment God, to those who feel,
Has sent amid the strangeness it also brings.
12
O mundo é dos que
sofrem realmente
O mundo é dos que sofrem realmente
E que, malgrado o pranteado rosto,
Ainda têm amor no recomposto
Minuto livre em que o patrão assente...
13
Aurora Carolina S. de Oliveira
Existência
Semeei: colho o fruto de veneno
Entre o pó da verdade para o bem
E a montanha do prazer para além
Da extensa amplidão desse terreno.
14
Terra Morta
O mar em seu tributo se unira,
Ao leito d’um virtuoso céu em fuga.
E assim a vida em riscos se atira,
Ao clima da moral que o bem refuga;
15
Ato de tocar
Ao toque de meus dedos sobre o piano
Discorro em fluidez involuntária
E cerro meus olhos na melodia,
Que embalsama minha alma em fantasia
E funde meu ser ao ser amado.
16
Caio Cesar Batista
O toureiro
Olé! Agita ao touro a nobre fita
O gesto bruto e ainda tão sedoso...
E quando o toureiro a fita agita
É quando a turba agita-se de gozo!
17
Canção da desolação
A branda sinfonia já não soa.
Nem mesmo um sino dobra à humanidade.
Calou-se a voz de Deus, a voz tão boa
Cantamos sós, sem sóis, nossa verdade.
18
O Cavaleiro do
Auto-Apocalipse
Prepara-te a carcaça p’ra batalha!
E pega do punhal do sacrifício.
Aprende, apesar de ser difícil,
O corpo é esquife q’a alma amortalha
19
Carlos André
20
Modernidades
Um sol abandonado em longa altura
Prossegue o seu cadente movimento
Além de arranha-céus e do cimento
Que são nossa celeste arquitetura;
21
OM
Soando pela estância do infinito
Em cordas eternais do inexistente,
Discorrem pelo olhar da minha mente
Os mundos que jamais havia escrito.
22
Charles Sanctus
Vasty
Pareces um canto clamado estendido
Que o mais belo pássaro ao vento declama,
A rosa formosa dos campos floridos
E o brilho ardente contido na chama.
23
O expurgo da tristeza
A dor que paira a mente sobre-humana
E lambe a seiva em casta estricnina,
Destila da tristeza vespertina,
Gorjeios definhados na membrana.
24
Um Espírito sobre o
próprio túmulo
Bebi teu mais profundo pensamento,
Tornei-me um ébrio louco da agonia;
Vivendo a tua vã filosofia,
Na torpe dos ensejos virulentos.
25
David Moura
Monstro da Ignorância
“Quão deformado te mostras, ó monstro de estulta
ignorância!”
26
Gratidão
Não sou um ente rude e empedernido
Que não possa sentir a comoção
De saber-se em divina comunhão
Quando agradece o bem de ter vivido!
27
Cometa Incandescente
“Sabemos que então um número muitíssimo maior de
cometas e asteróides atingia a Terra, que esses pequenos
mundos são fontes ricas de moléculas orgânicas
complexas e que algumas dessas moléculas não eram
calcinadas com o impacto.”
(Carl Sagan)
28
Eduardo Rebellis
Outubro
Para Sara, nascida em 24 de outubro.
29
Sofrimento Póstumo
Amiga, pisa leve o chão que habito
E traz formosas flores, por favor,
De modo que eu jamais venha a supor
Que ignoras a tristeza desse rito.
30
Carta da Musa
ao Poeta
Poeta,
nunca desanime
Se a tua verve esmorecer
Ou se o que escreves com prazer
Foi concebido pelo Crime.
O Farol
Alegrem-me ó nautas que orientei
Estático nas trevas desta beira.
As ondas tão violentas co’a costeira
É toda companhia que terei?
32
Flor Querida
Quão belo olhar teus olhos, e no tudo
No tanto mais que eu possa me prender,
Sentir que não somente em te ver
Em tudo – o quanto és bela – eu saúdo.
33
Retrato
Se sofro é porque te amo, meu amor
E não por tristes chagas mal curadas.
Que importa estas fedidas, desgraçadas
Feridas espalhando pus e dor?
34
Fernando Esselin
Escada
Escada pra subir e pra descer.
Escada. Só isso. Ruelas grafitadas.
Trepadeiras bem cortadas; matas feitas
de copas com quatrocentos tons de cor.
Deserto de areias brancas, de curvas
serpejantes e alaranjadas rabiscadas
pelo temporal. Vastidão. Olhos
apontados pro céu estrelado. Neste
instante não existe mais labirintos,
nem procuras, nem saídas. Só existem
eu, o céu e a bondade que me atravessa
o gosto. Minha imaginação tem luz,
cheiro, textura e dor. Ah! Que saudade
das estrelas dálias, das princesas e das
bailarinas perambulando minhas noites
solitárias. Que vontade de acordar em
paz, sem gemidos, sem ruídos, sem
complexidades. Água, pão e amor. Que
vontade de chorar, mas não sou mais
rio, não sorrio e não deságuo em algo
maior que eu.
35
Copo americano
Dia frio. Um vento gélido anda em passos lentos
pelo corredor. Acordei com o mundo me enfrentando,
me jogando granizo denso no rosto. Lançando
lembranças minhas, sujas, invadindo minhas tramas
sem mandado.
Grosseiramente esta manhã, que não é minha,
que é do mundo está me expondo a mim mesmo.
Mas sou eu quem decide quando quero pensar nos
meus pesares. Não venha a minha casa, a minha
alma me lembrar o que eu não sou.
Mundo maldito, malfeito, mau! Meus olhos se
lançaram pra fora da janela de bordas castanhas. O
mar estava negro, bravo, vingativo. A areia branca
estava cinza e úmida. A chuva fina perecia eterna.
Bastou um dia revés e o sol se tornou só uma
lembrança remota. Sem controle! Quem abriu
as portas da minha vida? Peguei minha espada
ritualística e desafiei este ser invisível que parecia
gostar de me ver desesperado. Havia um prazer
corpulento no ar desta alma gigante que me
atravessou o peito me deixando transparente.
Eu não queria me ver. - Cobre-me! Empresta-
me um lençol para tapar a nudez da minha alma.
Preciso de mais tempo para me despir de tudo. Deste
outro eu funcional que tomou a frente da minha
máscara principal. Não estou pronto para ser do
meu tamanho.
Acostumei-me a ter a forma da fechadura da
porta do meu quarto, das minhas desculpas, do meu
medo de vencer uma imagem derrotada já descascada
pela verdade agora irrefutavelmente desvelada...
36
Luz...
Um mundo se abre e o olhar se encanta.
Uma dona, de vestido de luz desfila calma. A
rua é negra, mas ela traça um cometa a cada
passo descalça.
As lamparinas mascavas ao longe,
parecem refúgio de outro tempo. Quando a luz
era amarelada. Quando o chão era marrom e o
amor se deitava nas praças sem culpa.
As linhas de cada trama de cetim guardam
uma carta guia de como nossa alma é arranjada
de fios infindos. Estamos ligados a tudo como
uma enorme coberta que aquece os corpos e
deixa o espírito sonhar tranquilo.
Hoje, o presente, é o grande dia. Não há
outro ou outra magia. Nada. Por isso, salve-se
com um beijo doce, do amanhã que não chegará.
Concentre-se nos lábios rubros do seu amor e
você, enfim encontrará a imortalidade.
37
Franciele M. Bach
À árvore solitária
Por sobre o caule morto as mãos entalho
Um outro céu co’a árvore implorando,
Quem sabe as solidões se fazem bando
E pingo em pingo o céu porque batalho.
O que eu queria mesmo a ‘companhando,
Árvore solitária deste atalho,
Era entalhar nas mãos uns verdes galhos
Nestes galhos os pássaros pousando...
O vento sopra e tremem os teus dedos
Em crispações contidas de agonia
Por estar tão distante do arvoredo,
Eu sei por que do céu só sede sorvo,
Lembrado como atalho, em companhia
A sombra minha a sombra de algum corvo.
38
Costura
Nesta hora em que algo no universo se perdeu
Ninguém no mundo ousa dizer eureca.
39
Inalterável
Corrói-me o que não sinto e o desespero
De ver no chão meus sonhos e desejos,
De ser somente o chão o que eu vejo,
De a vida ser apenas um enterro.
40
Joel Luis Carbonera
Manifesto
É disso que falo...
O cheiro acre
que exala em esgotos.
A náusea do gosto
do hálito das bocas
que hoje se fecham...
Se calam sorrindo...
Eu falo do hoje!
Do tempo do agora!
De sonhos descartáveis.
Das coisas que vão embora.
41
Lethe
Adivinho angústias do amanhã
arrastando calçadas familiares
desenhadas com minhas migalhas.
42
Espelho em cacos
Saudosos, meus olhos bebem da janela.
Sorvendo o recorte do mundo,
tento degustar a mim
e tudo tem gosto de não sei.
Paisagens estacionárias
em estranhamentos familiares
em que a mudança disse adeus.
43
Jônatas Luis
Terra em Transe
Nesse abril despedaçado
Deixo morrer as flores
De minha lavoura arcaica.
44
Ferir-se no
Íntimo
Egos se ferem
Feras não nego
Gritos não prendem
As eras que prego.
Ares confundem
Mares sem fundo
Trevas iludindo
Os bares do mundo.
Segredos sorrindo
Medos nos tratos
Fracos enredos
Sem barcos ou credos.
E caem ainda
Fracos a esmo
Frascos dos mesmos
Perfumes sorrindo.
E pregam as eras
E prendem os gritos
E negam as feras
Os egos que ferem.
45
Em Carne
Roa-me como quem rói o podre.
Solta-me como quem exorciza.
E tema! Grita! E eu sussurro
Como quem goza.
46
Jurandyr Monjellos
As criaturas da noite
E quando a escuridão se arrastar pelo mundo,
Da enorme vastidão num temporal terrível,
Numa desolação tétrica inconcebível,
Eles ressurgirão do negro mais profundo.
47
A catedral soturna dos
meus sonhos
A catedral soturna dos meus sonhos,
Onde a sombra e o desgosto também moram,
Onde as almas perdidas vêm e imploram
Libertação dos males mais medonhos.
48
Uma noite chuvosa
Olho pela janela aberta e tão soturna...
Aumenta a solidão da vigília noturna.
Deus! Quando passarão essas horas imensas?
Encéfalo, dizei, por que é que pensas?
Nessas horas, talvez, livres dos desgostos
A passear estão os ratos nos esgotos.
Saio. Um vento frio esbarra no meu peito
Penso (mas penso só) em retornar ao leito...
A chuva que cai forte eleva a sensação
Térmica do abandono e da desolação.
Dou alguns passos, passo entre as árvores frias,
Levo a recordação dos meus melhores dias
Nem sei quantos. Um, dois, talvez três? São bem poucos...
Rolam no cérebro uns pensamentos loucos:
Continuar vivendo ou, talvez, já morrer!
Acho que nunca mais vai parar de chover...
49
Magmah
Vontade de ti
Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!
(Florbela Espanca)
50
Rodopiando
E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!
(Álvares de Azevedo)
51
Selvagem
Quando por entre os véus da noite fria
A máquina celeste observo acesa,
De angústia, de terror a imagens presa
Começa a devorar-me a fantasia.
(Bocage)
52
Nádia Menezes
Forca
No seco verão, meu interno frio,
No ar vazio, resquícios de reza,
Oh, quanto pesa o dobrar dorido
Dum sino inibido – frio – e duro.
53
Necrofilia
Tentado a preencher-me em seu vazio
No corpo frio toca orvalho e celha.
Mãos de abelha buscando noite adentro
Um pólen suculento e doentio.
54
Sombra de gato
Visito a praça pelos seus olores
Mais fortes na água que cai, perfeita
Já o guarda-chuva em minha mão direita
O vento levou, como se flores.
55
Nikholas Stephanou
Ghazal I
“E não seria a noite a pálpebra do dia?”
- Omar Khayyám.
56
O Infortúnio
(Para M.)
57
En Márut
Com teus úmidos olhos eu parto em silêncio,
Meu espírito frágil, a terras distantes,
Abraçadas por plácidos mares.
Mas as águas da minha partida
Só separam então nossos corpos,
Pois teus úmidos olhos
Escravizam minha alma,
Hárert bela.
58
Rafael Gomes
59
A chuva que cai sobre o
mar me dói...
A chuva que cai sobre o mar me dói,
Tornando-o mais denso para quem o avistar,
Não o torna mais mar do que o mar que já foi
Nem o deixa molhado tão mais do que está.
60
Naquele riacho em
meio aos montes...
Naquele riacho em meio aos montes,
É lá que navegam os meus desenganos...
Moldados em lágrima ao longo dos anos,
Cruzando planícies e vales e pontes.
61
Vinicius Paioli
High Definition
Hoje saí da cama esquerdo.
Disposto a dissecar o mundo
Com faca de passar manteiga
E num comercial infundo
Matar uma família meiga.
62
Sem Título
Eu que falava de abismos
Cansei-me de cair
E munido de pá
Decidi me afundar
Pra não tirar os pés do chão.
63
Passagens
Há na vida um descompasso semântico
Entre a dose que rebenta no copo
E a garrafa que esvazia num pranto.
Entre o que alimenta a alma, no corpo,
64
65
“Sim! Que é preciso caminhar avante!
[...]
Como quem n’uma mina vai de bruços,
Olhar apenas uma luz distante!”
(Antero de Quental)
66
POSFÁCIO
68
69
O Cadafalso Poético é uma
confraria literária com sede no
Orkut, fundada em 2007 por um
grupo de jovens com uma paixão
em comum: a Poesia de raízes
clássicas. Inicialmente um palco
onde figuravam apenas a poesia
nos moldes tradicionais e os
debates e discussões acerca dos
valores estéticos que a permeiam,
com o passar do tempo este
mesmo palco passou a receber
estilos literários mais livres e
contemporâneos, mas sem fugir
às suas tradições de primar
sempre pela qualidade literária
de suas poesias.