A fome se afasta
Mas a dor no cessa
O fio que foi tecido nos entrelaa
Em um lao eterno de afeto
Um afeto disfarado
Um afeto preso na alma do homem
Preso no medo da fome
Um afeto longe do bvio
Demonstrado no trabalho bruto
Na fora de um carter
No esforo e na esperana
Que nunca morreu no homem
Se materializou no filho do homem
E veio morar no meu corao
O homem sobreviveu
E minha histria escreveu
O homem e o filho do homem escreveram
Meu prefcio e me deram
A pena para continuar
O homem est vivo
Sua alma est viva
Eu posso ver sua alma
Naquele andar temeroso
Naquele corpo cansado
Naquele riso gostoso
Naquele amor calado
Que recebo em segredo
Que explode entre o medo
Em seu andar deslocado
Perdido e ressabiado
Cada passo uma pergunta
Cada gesto uma resposta
Que talvez ele no veja
Que talvez ele no saiba
O seu olhar to doce
Um doce contraste que exala
Um orgulho e uma ternura
que em meu peito se cala
Cada vez que eu o vejo
Recebo o seu abrao
Como uma espcie de postal
Que foi pro endereo errado
O abrao do homem
Pertence ao filho do homem
E agora se abraam
Meio assim sem jeito
A ternura calada no peito
E o n na garganta
A palavra amor ainda espanta
J no cabe em meu peito
A gratido e o respeito
Que tenho por esses homens
Eu sou o neto do homem
Eu sou o filho do filho do homem
Eu sou o filho de um homem
E dentro de mim toda essa histria pulsa
Em cada segundo a vida desses homens
Pulsa em meu corao
As lgrimas rolam em uma terna homenagem
Como folis guiando um bloco de carnaval
Que contam uma histria
Que guardo em minha memria
Essa histria sou eu
Essa histria somos todos ns
O homem ainda vive
E seu andar deslocado
Seu riso tmido e doce
Enche meu peito de orgulho
Eu vejo o mesmo sorriso
A mesma doura no olhar de meu pai
E sei que carrego em meu sorriso
O sorriso de meu av
O sorriso de meu pai
Meu olhar so seus olhos
Com os quais vejo o mundo
Do qual brotam meus versos
E nessa fuso de universos
Meus olhos tambm so os deles
Cada olhar um tributo
Ao amor que sinto por eles
Murilo Silveira de Souza.