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A retórica da alegria

Por Frei Bento

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/13-12-2009/a-retorica-da-alegria-18405157.htm

A frequência de exortações sobre a alegria não significa a sua abundância. Só se


fala muito daquilo que faz muita falta

1. Os católicos que forem, hoje, à missa vão ser intimados a exultar de alegria. É
de supor que alguns torçam o nariz e outros esbocem um sorriso amarelo. O amor
e a alegria não podem ser comandados do exterior. A mim apetece-me dizer que
essa palavra de ordem, seja qual for a sua eficácia, está certa. Se conseguir que
um certo cristianismo, transformado, durante séculos, em religião da tristeza num
"vale de lágrimas", se converta num laboratório de transfiguração da vida, bendita
seja essa ordem. Acabemos de vez com essas caras de sexta-feira pouco santa
para poder ressuscitar o quotidiano. Hoje, a tristeza já não vem, sobretudo, do
púlpito e do confessionário. A religião laica obriga-nos a consumir, a semana
inteira, imagens e noticiários sempre mais deprimentes. Os comentadores de
serviço, em nome de uma especial competência analítica, parecem escolhidos para
nos dar a certeza de que nunca vivemos tão mal e que o futuro será ainda pior.
Estamos tristes e há razões para ficarmos desesperados. Por outro lado,
habituamo-nos a processos tão mórbidos que, ao erguer muito alto as expectativas
e os sonhos - acontece, agora, a propósito de Copenhaga -, desconfiamos que já
estão a encenar e a orquestrar a grande desilusão. Os actores da comunicação
ficariam muito decepcionados se as coisas corressem bem, porque só a desgraça é
uma boa notícia.
Há formas de abordar a crise global - sem nos despertar para a exigência de mudar
os nossos estilos de vida - que acabam por globalizar a desesperança, tornando as
sociedades humanas domesticadas ou ingovernáveis, criando bodes expiatórios ou
caudilhos vestidos de salvadores. A proposta de conversão individual e colectiva
tem um acolhimento limitado porque obriga cada pessoa a um exame de lucidez
sobre as suas atitudes de fundo, perante a própria consciência e a sociedade,
perguntando: que posso eu fazer para alterar esta situação, modificando-me
também a mim próprio?
2. Creio que devemos apoiar o Domingo Laetare (Fl 4, 4-7), o Domingo da Alegria,
que é sempre breve e ameaçada. Os neobeatos dirão que é escusado, pois todos os
domingos, celebrações semanais da Páscoa, não são para outra coisa. É verdade,
mas Paulo, apesar da insistente exortação da Carta aos Filipenses, que hoje se
proclama na missa, percebeu a situação precária da nossa alegria, sempre
misturada com tristezas. Na Carta aos Romanos, escreveu uma das suas melhores
peças de cristianíssima retórica, em três actos. Começa por dizer que "a lei do
pecado e da morte" - explicando o sentido desta expressão no contexto da sua
teologia - já não é quem manda. A nova lei é o Espírito de Cristo que nos faz
chamar a Deus, Abba, porque somos seus filhos e herdeiros, co-herdeiros de Cristo
e todos irmãos. Com Ele sofremos, com Ele seremos glorificados. Não entra,
porém, em delírio místico. Logo a seguir, desce à complexidade da nossa situação
real: estamos numa criação em dores de parto. É só em esperança que estamos
salvos e a esperança ainda não é a pátria da alegria. É a força da perseverança no
combate, filha do Espírito que socorre a nossa fraqueza. Porque perscruta os
corações, só Ele sabe rezar, só Ele nos entende a nós e entende a Deus. A finalizar,
surge um hino assombroso ao amor que Deus nos tem: se Deus é por nós, quem
será contra nós? Criatura nenhuma nos poderá separar do amor de Deus
manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor (Rm 8).
Não se pense, porém, que a frequência de exortações e declarações sobre a alegria
signifiquem a sua abundância. Só se fala muito daquilo que faz muita falta. Isto
também é notório no Evangelho de S. João. É porque os discípulos andam tristes
que Jesus insiste: "Isto vos digo para que a minha alegria esteja em vós e seja
plena a vossa alegria" (Jo 15, 11). O autor do IV Evangelho justifica as cartas que
escreve às comunidades cristãs, acerca do Verbo da vida - que as nossas mãos
tocaram -, repetindo literalmente o Mestre (1 Jo 1, 4).
Marcos, o autor da primeira narrativa do Novo Testamento, apresenta Jesus a fazer
um noticiário sobre a alegria - Evangelho de Deus - para fundar as razões da nossa
esperança, um futuro aberto: o seu Reino está próximo. Exige, porém, dos
destinatários, uma viragem radical: convertei-vos e acreditai na alegria (Mc 1, 14-
15). A tristeza e o sofrimento não fazem parte do seu programa.
O próprio Jesus, durante a sua intervenção e vendo o desânimo de tanta gente
deprimida, tem esta exclamação: vinde a mim vós todos que andais acabrunhados
e eu vos aliviarei (Mt 11, 28-30).
3. Mais dia menos dia, a morte virá. A sabedoria deste mundo diz que as
separações serão sem retorno. Se assim for, as alegrias que vamos tendo - por
mais autênticas que sejam - acabam por servir, apenas, para enganar uma tristeza
sem apelo. Creio, pelo contrário, que em Deus há memória e coração para todos,
redenção para todos os injustiçados da terra. Mais ainda: acredito que teremos um
novo, misterioso e bom contacto com tudo e com todos, mesmo com aqueles que
nunca conhecemos e com todos os mundos que nunca vimos. Paulo tem razão:
comecemos já a viver e a sonhar com a alegria.

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