Falar de política em ano de eleição é como falar de futebol em ano de Copa do Mundo. Com o
pequenino detalhe que sobre política deveríamos falar o ano inteiro, a vida toda e toda a vida.
Porque política é essencial para todos nós e são nossas opções políticas que definem onde, como e
quando queremos viver e a infinidade de ações do dia a dia. Enfim, a política é sangue. Não discutir
política é das opções mais perversas que podemos ter, pois aceitamos que outros decidam nossos
desatinos e destinos, nossos rumos e nossas paradas. E as opções políticas estão nos atos mais
comesinhos do cotidiano, como optar por trafegar pelo acostamento num dia de trânsito difícil na
estrada ou parar na faixa de pedestre para o “transeunte” passar.
Fiz este texto para falar um pouco de política. Porque precisamos, creio. A mitificação do fenômeno
Lula, um dos homens mais perspicazes e inteligentes que nasceram em solo tupiniquim, trouxe um
efeito perverso ao debate político: Lula está acima das querelas ideológicas e, portanto, deixamos de
discutir política para discutir o Lula. Um erro, na minha avaliação. Deixar a política de lado é negar
a própria história de vida de Lula. Mas Lula se transformou em mito, em um “pop star”. A arma de
Lula é a retórica, poderosa, mas com conteúdo raso.
O governo Lula, infelizmente, e por imensa responsabilidade de uma “esquerda” que não discute
política, ou discute como se a fórmula fosse um imenso FlaFlu de “payperview” mas com estádio
vazio, esvaziou a política. Mas não deveria. Porque se há algo de correto na retórica de Lula, o mito,
é a comparação com os governos antecessores, em especial o governo anterior, o governo do
sociólogo Fernando Henrique Cardoso. O governo de FHC foi um governo lamentável, triste,
preguiçoso, leniente e responsável pelos maiores enriquecimentos de grandes grupos privados em
detrimento de um projeto de desenvolvimento nacional. FHC e seus oito anos de governo são
páginas que a história há de lembrar pela concentração de renda, pela malversação de recursos
públicos empregados em processos de privatização, pelo sucateamento do serviço público,
incluindo as áreas da Educação e da Saúde.
E Lula, um exímio jogador de xadrez político, nega a política, ao querer impor uma candidata ao
seu partido e a grande parte de seus eleitores, eleitores que votavam nele mas que também tinham
seus sonhos, projetos, utopias, programas de governo independemente de que ator ousasse defender
tais ideais. Dilma Roussef pode, e creio até que é esta personagem, ser a candidata mais preparada
para enfrentar o representante dos anos FHC no processo eleitoral, o governador de São Paulo José
Serra. Mas esta possibilidade não depende somente da vontade de Lula. O debate eleitoral, onde
finalmente vamos ter espaço para algum tipo de discussão política, vai demonstrar se Dilma poderá
continuar com os avanços deste governo, inúmeros aliás, em comparação aos antecessores, e superar
o que é necessário superar na lógica adotada nestes oito anos do Governo Lula. Uma lógica que
priorizou os consensos e que abriu mão de programas de democratização e de transformação da
sociedade brasileira.
Não sejamos ingênuos. José Serra é o candidato a ser derrotado nas próximas eleições. Embora
Serra seja diferente de FHC, Serra é o representante desta política e tem se mostrado um dos
políticos mais afinados com políticas conservadoras, concentradoras e autoritárias. Não nos
esqueçamos que foi na gestão Serra que a administração municipal de São Paulo adotou uma
política higienista para enfrentar o “problema” dos moradores de rua, por exemplo. Hoje, São Paulo
trata os pobres com o aumento dos efetivos da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana,
fecha albergues e determina às companhias de limpeza que joguem água nas pessoas que se abrigam
em marquises e praças públicas. E esta política começou na gestão José Serra, sendo o responsável
por sua implementação o esquecível Andrea Matarazzo.
Não sejamos ingênuos. Dilma é a candidata que pode derrotar José Serra. Infelizmente a imensa
maioria do partido do presidente aceitou ser o partido do Lula, inviabilizando processos críticos e a
dialética tão essenciais aos partidos transformadores. O petista que critica esta ou aquela ação do
Governo Lula, que não concorda com a política adotada para a formação das maiorias parlamentares
nas Casas Legislativas, entre outros exemplos, é logo taxado de “duas caras” e de fazer o jogo da
oposição, numa demonstração cabal de cegueira e idolatria pelo mito, sem questionamento. Mas o
dado concreto é que Dilma é a candidata capaz de vencer o debate sobre qual Brasil queremos, se o
Brasil da concentração de renda ou o Brasil das políticas de crédito para a população de baixa
renda, se o Brasil dos Serviços Públicos e da regulação do mercado, ou se o Brasil das privatizações
sem controle e do sucateamento extraordinário da máquina pública.
Mas este debate, importante e crucial para o país, depende de outros atores. Uma esquerda crítica
que seja forte, que puxe a discussão e que force a Dilma e aos partidos que a ela se aliarem a
aprofundar as políticas de distribuição de renda, a promover, final e tardiamente, a reforma agrária
tão necessária para o desenvolvimento do país, a fomentar políticas públicas que visem a
democratização dos meios de comunicação, com fomento de rádios comunitárias, imprensas
regionais, acesso universal e de qualidade à rede mundial de computadores, que discuta política
ambiental, de preservação e de desenvolvimento, que paute e implemente políticas públicas de
emancipação, que conte aos brasileiros a nossa história, um direito de todos nós. O debate político
pode, e deve, é urgente, sair deste jogo de casados e solteiros que tem movido as claques azuis e
vermelhas.
Por estas razões acho que a candidatura de Plinio de Arruda Sampaio à presidência da República é
fundamental. Plínio tem história, uma história que começa bem antes do PT, tem capacidade de
diálogo, tem firmeza de convicções e tem feito nos últimos anos uma crítica quase sempre
contundente e pertinente ao Governo Lula. Plínio pode ir muito além daquilo que fez de Heloísa
Helena a candidata defensora de uma moralidade quase pueril que escondia o vazio de propostas
reais para o país. Não, não tergiversaremos quando o assunto for moralidade pública. Mas não
faremos desta bandeira programa de governo, para não esvaziar a política, para não cair na tentação
do discurso mais fácil de que nós somos honestos e o resto não é. Plínio de Arruda Sampaio tem o
respeito de muitos que ainda acreditam que o Partido dos Trabalhadores pode ser o partido da
transformação, e não o partido que se esgota no Lula. É possível que Plínio acabe por ser uma
candidatura ingênua, mas se escapar da crítica ao Governo Lula pelo viés de que este governo é
igual ao anterior, poderá ser instrumento para que o debate eleitoral tenha a política em primeiro
plano.
Não sou filiado ao PSOL, partido de Plínio. Não tenho a intenção de ser o dono da verdade, mas
não sei se o caminho trilhado pelo PSOL, até este momento da história, credencie este partido para
ser agente de transformação real da política brasileira. Mas torço muito para que Plínio consiga
êxito no processo interno de escolha do candidato do PSOL e que traga para a arena política
argumentos, idéias, sonhos e que voltemos a ousar. E este texto não me faz um “plinista”, porque
não é intenção trocar um mito por outro. A intenção é ir ao debate e poder dizer: Socialistas, sim.
08.02.2010
Fernando Garcia Carvalho do Amaral.