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Cidades em “Cidade”

Frederico de Mello Brandão Tavares e


Paulo Bernardo Ferreira Vaz

Resumo Abstract
Este texto pretende olhar para a relação cidade-jor- This article aims at analyzing the relationship that
nalismo, observando de que maneira jornais diários takes part between city and journalism. It takes into
de grande circulação representam a cidade a partir de account the means by which daily newspapers of large
sua cobertura, contribuindo e realizando um tipo espe- circulation depict the city through their journalistic
cífico de construção social da realidade. Nesse sentido, coverage, thus contributing to produce a specific social 51
51
destina-se um olhar atento para os cadernos “Cidade”, construction of reality. To this end, we study the
editoria presente na maioria dos grandes jornais im- “City” section of the selected publications – a section
pressos, cujos estudos ainda são escassos. of newspapers – which although common, has been
scarcely studied till present.

Palavras-chave Keywords
Jornalismo; Cidade; Construção Social da Realidade; Cadernos Journalism; City; Social Construction of Reality; “City” Section
“Cidade”
Introdução ciais e em seguida industriais, leva à expan-
Ao tomarmos a leitura jornalística so- são que hoje se identifica na comunicação de
bre a realidade, podemos dizer que é sobre massa. (MEDINA, 1988, p.15)
o território das grandes cidades que, na A informação jornalística e seu surgi-
maioria das vezes, incide o olhar jorna-lís- mento estão alicerçados, para a autora, na
tico. Seus textos visuais e verbais possuem sociedade urbana e industrial. Mas, como
grande importância na construção social relembra Vera França,
da realidade urbana no século XXI.
(...) a sociedade moderna não inaugurou
A relação entre o jornalismo e a cidade
as relações de informação; ela desenvolveu
está na base do surgimento da ativida-
novas formas de atendê-las. É verdade que
de noticiosa. O surgimento da imprensa
essa sociedade levou muito longe a dinâmica
escrita está diretamente relacionado ao de comercialização de bens, mas não inven-
advento da modernidade. Nas sociedades tou o comércio entre os homens. (FRANÇA,
modernas ocidentais, a partir do século 1998, p.27).
XV, iniciou-se um processo que culminou,
segundo John B. Thompson, com a “insti- Mesmo que se repassando rapidamente
tucionalização da comunicação”. De certa o tema, evidencia-se a interdependência
forma, podemos dizer que, com o advento existente entre a cidade e o jornalismo. Os
da imprensa, a comunicação ganhou for- grandes centros urbanos estão diretamen-
mas mais definidas, materializando-se te ligados ao nascimento e à proliferação
52 em meios e produtos específicos. A neces- dos veículos de informação periódica2 e,
sidade humana de comunicação e troca de por tal motivo, sempre foram tema cen-
informação foi incorporada por uma nova tral de suas notícias, compondo, constan-
produção e circulação de bens simbóli- temente suas principais páginas. Como a
cos (THOMPSON, 1998). A comunicação realidade social é um fluxo ininterrupto
também se torna objeto de consumo. Nes- de acontecimentos, matéria-prima do jor- 1
Esse aspecto deve ser olhado
se contexto, entre os séculos XVI e XVIII nalismo, cabe ao jornalista selecioná-los e com cuidado quando pensamos o
o jornalismo como prática de veiculação transformá-los em fatos, em informação. jornalismo. Segundo Vera França,
promover a identificação do
periódica de informação começa a ganhar Não é por acaso que a grande maioria dos
jornalismo “(...) com uma vertente
força. A consolidação desse processo ocor- temas que povoam diariamente os jornais específica (a dinâmica do mercado),
rerá no século XIX, quando a imprensa têm a cidade como pano de fundo. Há no com um contexto determinado (a
jornalística assume propriamente sua jornalismo uma valoração da vida citadina, sociedade capitalista moderna),
cabendo-nos perguntar que tipo de valor é é negar a diversidade de papéis e
condição empresarial e sua regulação pelo formas de que ele pode se revestir
mercado, atingindo milhões de pessoas1. dado (ou não) a que aspecto da realidade sem perceber suas ligações com
Além de fazer circular informação, o jorna- urbana estampada nos jornais. necessidades mais extensas da vida
lismo passa a comercializá-la. Na acep-ção Assim como a cidade é terreno de gran- social” (FRANÇA, 1998, p.27).
de Cremilda Medina, a de importância para o jornalismo, ela o 2
Sobre o início da imprensa
é igualmente para a sociedade em geral.
comercial e industrial brasileira, ver
(...) identificação da mensagem jornalística Observando as páginas dos jornais, pode- MEDINA (1988, p.47-51).
com atividades urbanas, primeiro comer- mos dizer que a própria idéia que a socie-

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dade possui de uma cidade e de sua orga- espaço urbano, assim como determinam
nização está ali refletida3. O fazer jorna- a divisão de capitais entre os grupos so-
lístico articula o cotidiano a partir da plu- ciais. Forma-se, assim, um cenário de
ralidade da cidade e estabelece maneiras disputa que dirá não só dos grupos, mas
de pensar e transmitir os acontecimentos dos indivíduos que ali convivem e das re-
que ali ocorrem. Tais “pensamentos jorna- alidades locais e globais que os cercam.
lísticos”, quando extrapola-dos para além Nas metrópoles ocorrem os encontros
do discurso verbal, podem ser facilmente e desencontros entre sujeitos que cons-
reconhecidos em outras formas discursivas troem cotidianamente realidades, situ-
presentes na mate-rialidade do jornal, tais ando-se e localizando-se na sociedade,
como fotografias, desenhos, gráficos etc. deixando às claras as desigualdades na
As grandes metrópoles hoje são vistas distribuição de poder, fortalecendo conti-
como local de intensa vivência, onde os nuamente identidades e alteridades.
mais diversos sujeitos se encontram e Há uma constante intervenção na cidade
onde, a todo momento, o cotidiano assu- física, que a coloca em constante movimen-
me várias características. No mundo de to, preenchendo-a de significados. O homem
hoje, as cidades possuem pontos em co- faz uso da cidade e nela inscreve seus há-
mum que as interligam e as colocam em bitos e costumes. Tal intervenção é tanto a
constante intercessão e em relação de dos poderosos que gerem o poder político-
interde-pendência. Pensar as grandes ci- econômico, quanto dos cidadãos comuns,
dades ho-je é pensar uma realidade glo- sujeitos anônimos, peças fundamentais na 53
bal, incidin-do sobre uma realidade local, “engrenagem” de seu funcionamento. O co-
envolvendo os cidadãos e suas práticas. tidiano na metrópole reflete, mais facilmen-
As cidades e as formas de vida por elas te, os problemas do mundo contemporâneo;
geradas exercem fortes influências na comporta práticas de temporalidades distin-
vida de seus habitantes que, por sua vez tas e em espaços distintos, colocando lado a
agem sobre elas, construindo-as e modi- lado, por exemplo, riqueza e pobreza.
ficando-as. Dessa maneira, a cidade, muitas ve-
E o que mais tem visibilidade nas zes, parece um mosaico de mundos so-
grandes cidades hoje? O crime, o vício, ciais nos quais a passagem de um para
a delinqüência social, a exclusão, a de- o outro pode ser abrupta ou então su-
sigualdade, a violência. O homem dos tilmente matizada. Há no espaço cita-
grandes centros urbanos vive em uma dino personalidades e modos de vida
(3) Interessante é perceber que o
movimento inverso deste processo
enorme densidade populacional, tornan- divergentes, assim como espaços físicos
também pode ocorrer. Assim como do-se mais vulnerável à complexidade do conflitantes. Por isso, a convivência
a sociedade organiza a cidade no ambiente em que vive. Nas cidades con- entre diferenças pode também estar em
jornal, há, nos dias de hoje, uma vivem a forte divisão de trabalho (alta- tensão, criando confrontos, protestos,
certa organização da sociedade (e
mente hierar-quizada e desproporcional) causando embates e provocando reivin-
da vida na cidade) realizada pelos
jornais e pelos meios de comunicação e a incessante circulação de mercadorias, dicações. O território urbano é palco
em geral. que hierarqui-zam setores e classes no propício para práticas culturais, mani-
festações artísticas e políticas. Ali, an- no mundo. Concordando com Jorge Pedro
tigos e novos grupos étnicos e sociais se Sousa, podemos dizer que os meios jorna-
apresentam e se relacionam indetermi- lísticos
nadamente, de várias formas. Há na cida-
de uma malha narrativa composta de prá- (...) integram essas representações de de-
terminadas ocorrências, idéias e temáti-
ticas e representações diversas.
cas, enquanto fragmentos que são, num
A cidade tem assim seu corpo significativo. sistema racionalizado e organizado que
E tem nele suas formas. O rap, a poesia ur- globalmente fornece um quadro referen-
bana, a música, os grafites, pichações, ins- cial ex-plicativo do mundo, num processo
crições, outdoors, painéis e rodas de conver- que poderíamos, genericamente, designar
sa, vendedores de coisa-alguma, são formas por construção social da realidade pelos me-
do discurso urbano. É a cidade produzindo dia (SOUSA, 2002, p.18).
sentidos. (ORLANDI, 2001, p.11).
Baseados nessa dimensão construtiva
Mas para qual cidade se volta o jorna- realizada pelos jornais, perguntamo-
lismo? O que é flagrado entre tantos fla- nos: em que medida se configura a cida-
grantes da realidade? Como o jornalismo de no jornal? Onde ela se localiza e como
constrói e representa cidades, a partir dos é localizada? As grandes cidades hoje
acontecimentos para os quais olha? Como incorporam muitas características co-
as elabora jornalisticamente? muns, compartilhando vários contextos
54 Mesmo sofrendo a concorrência dos ou- geográficos, políticos, econômicos, cultu-
tros canais de comunicação, rais que ditam formas de vida similares,
seja em grandes metrópoles e em outras
o jornal se caracteriza como um instrumen-
cidades do Brasil e do mundo. Mas há
to excepcionalmente poderoso de integração
nelas também a presença de realidades
dos múltiplos universos de referência que
ele toma como objeto (LANDOWISK, 1992, globais, nacionais e regionais, incorpo-
p.117, grifo do autor). radas localmente de formas específicas.
Nesse contexto, levando em conta o
Ele está estruturalmente dividido e que há de geral e específico, queremos
organizado em diversas seções. Seus ca- saber como o jornal constrói contem-
dernos e/ou editorias denotam a sua vo- po-raneamente uma imagem da cidade. 4
Este texto baseia-se em estudos
cação de veículo que busca dar conta, à Como aparece a cidade? Ao olharmos para feitos anteriormente sobre a
sua maneira, das realidades complexas facetas visuais e verbais em grandes jor- representação da cidade em jornais
brasileiros de circulação nacional
sobre as quais se dispõe a falar. Política, nais brasileiros de circulação diária4, to- e regional (ver TAVARES, 2003) e
economia, culinária, moda, literatura, mando-as como flagrantes de um todo que de circulação estadual e local (ver
esportes, cultura, lazer são algumas das é social, político, econômico, cultural, um TAVARES, 2005). Tais estudos
temáticas que dividem espacial e seman- todo que é real e que jorna-listicamente foram desenvolvidos junto ao GRIS
(Grupo de Pesquisa em Imagem
ticamente suas páginas e que demons- se constrói através de recortes e leituras,
e Sociabilidade da UFMG) sob
tram a ânsia desse veículo de saturar to- como aparece a cidade? Que cidade é (são) orientação do Prof. Dr. Paulo
das as dimensões da presença do sujeito essa(s)? Bernardo Ferreira Vaz.

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Os cadernos “Cidade” aqueles cuja atenção se volta para o cida-
Os cadernos que compõem um jornal tra- dão comum, seu leitor. Nesse sentido, a ci-
tam de temáticas diversas, buscam um ân- dade buscada por estes cadernos é aquela
gulo sobre os acontecimentos, estabelecendo enquadrada sob um ângulo que aproxima
rotinas jornalísticas de cobertura e aborda- o jornal deste cidadão, da comunidade ou
gem dos fatos, dentro de uma determinada das comunidades da cidade. Há uma forte
temática: economia, esportes, cidade, cultu- ligação com a questão social, com as políti-
ra, etc. Mesmo a capa, página principal do cas públicas, com os órgãos de poder exe-
jornal, possui sua dinâmica, voltada para cutivo e legislativo.
a hierarquia das notícias, configurando im- Nos cadernos “Cidade”, a notícia encon-
portância e valor ao que é noticiado, publi- tra-se muitas vezes organizada a partir
cizando visualmente o que deve ou não ter de uma certa grade de leitura definida
destaque, fazendo chamadas para as pági- pelo jornal, que a relaciona a um conjunto
nas internas. No conjunto dos jornais, en- de “macro-setores” que afetam a vida dos
contramos editorias que parecem conviver cidadãos no dia-a-dia: educação, saúde,
em lados opostos mas, ao mesmo tempo, em transporte, alimentação, economia, habita-
perfeita sintonia. O jornal parece buscar um ção, segurança pública. Muitas das conse-
equilíbrio interno que “tranqüiliza” o leitor qüências do que está noticiado nas seções
e confere credi-bilidade ao periódico. A no- mais nobres do jornal (Política, Economia
tícia em um determinado espaço, se muda- etc), materializam-se de forma prática na
da sua abordagem ou angulação, poderia vida dos cidadãos e compõem cotidiana- 55
se situar em outra editoria. Na dinâmica mente as manchetes dos “Cidade”. Certos
jornalística, a pauta de uma editoria (um assuntos tornam-se mais recorrentes em
5
Trabalharemos com a noção de determinadas épocas, tais como a educa-
acontecimento), gera pautas para a ou-
“caderno” nos jornais como sinônimo
tra (desdobramentos do acontecimento). A ção em época de matrícula ou greve esco-
de editoria.
inauguração de uma indústria pelo Presi- lar e o transporte em época de aumento
6
O jornalista Ricardo Kotscho dente da República pode estar na editoria de tarifas. Os cadernos “Cidade” buscam,
ressalta que os cadernos
de “Política”, mas os desdobramentos desta portanto, trazer os reflexos de aconteci-
“Cidade” além de registrar a vida
notícia podem estar presentes nas páginas mentos políticos e públicos para a vida do
transformando-a em notícia,
cumprem um papel outro: “É da editoria “Economia”, por exemplo. cidadão, esclarecendo os acontecimentos e
nesta terra de ninguém (...) que Ao observar os espaços delimitados pelo seus desdobramentos a partir deste ponto
se vai encontrar o Brasil real jornal, nota-se que quase todos eles têm a de vista6.
– as histórias da vida e da morte Segundo a jornalista Renata Rangel,
dos desempregados, dos menores
cidade como fonte para suas notícias. Se
abandonados, o fim de linha da a cidade — quase na sua totalidade — é por cuidar dos problemas diários mais
violência e dos desencontros, o o palco de onde o jornal retira os aconte- próximos do cidadão, a Editoria de Ci-
drama dos bóias-frias e dos sem- cimentos, perguntamo-nos: por que a exis- dades, talvez mais que qualquer outra
terra, as vítimas e seus algozes frente
tência de um caderno5 específico intitu- no jornal, deve estar permanentemen-
a frente. Ali está o reverso do Brasil
oficial dos gabinetes, dos decretos, lado “Cidade”? Qual temática cerca este te preocupada com a prestação de ser-
das discussões teóricas” (KOTSCHO, caderno? Que cidade é esta? viços ao leitor. Ao lado do noticiário
2000, p.58). Historicamente os cadernos “Cidade” são dos programas de saúde dos governos
federais, estaduais e municipais, dos gran- formam a vida da cidade, e de estar forte-
des casos de polícia, das reivindicações do mente atrelada ao banal e trivial (aconte-
funcionalismo, dos aumentos de tarifas e cimentos menores), a matéria-prima dessa
dos impostos, é necessário e fundamental editoria se compõe também de grandes co-
fornecer informações que ajudem a melho- memorações, grandes acidentes (aconteci-
rar a vida do habitante da grande cidade
mentos maiores).
(RANGEL, 1986, p.91).
Nesse contexto múltiplo e recortado des-
Nesse sentido, um “tipo de jornalismo” ponta, contudo, uma temática: a violência
muito presente nos “Cidade” é aquele que e a segurança pública, presenças constan-
se volta para a prestação de serviços. Ali tes nos jornais, nos quais se destacam,
encontramos também outros fragmentos crescendo quantitativa e qualitativamen-
da cidade real: seus monumentos, seus te. Ao tratar, neste caderno, do cotidiano
locais e sua cultura, os hábitos e as tradi- do cidadão comum, o jornal passa a ser
ções, o comportamento dos habitantes, o vigilante e delator dos crimes e das “bar-
obituário dos moradores etc. O patrimônio báries” que “assombram” a população dos
histórico é notícia (a restauração de uma grandes centros. Advinda da crônica poli-
praça ou prédio antigo), assim como uma cial, (muito freqüente nos jornais de outras
festa típica, os pontos de encontro dos cida- épocas, mas inserida em um outro contex-
dãos, uma rua. Cabe ainda neste caderno to histórico), a cobertura de polícia chega
contar o drama de uma mãe que passa ho- a formar uma espécie de seção especial ou
56 ras na fila do hospital para conseguir um de subeditoria dentro dos cadernos “Cida-
atendimento médico para o seu filho; tra- de”. A presença da violência na vida do ci-
çar o perfil de uma pessoa, transformando- dadão – seja ele morador de uma favela ou
a em personagem do cotidiano; ouvir a sua morador de um bairro nobre – se materia-
opinião. Cabe detectar as necessidades da liza jornalisticamente e em grande volume
população, antecipar tendências. Tudo isso neste espaço do jornal7.
é uma “(...) outra maneira de o jornal in-
tervir na vida da cidade e, às vezes, mais Violência e Medo
eficaz” (RANGEL, 1986, p.92). Nos cader- As faces da cidade expostas nos cader-
nos “Cidade”, os sujeitos representados, os nos “Cidade” estão sempre em mutação.
cidadãos, são figuras importantes, articu- A cidade, ali, está em notícias que re-
ladores invisíveis da vida na cidade, não metem a fatos que dizem da sociabili-
somente como protagonistas, mas também
7
Mesmo em outras formas
dade do espaço urbano, de flagrantes do midiáticas, destacando-se aí
como coadjuvantes, direta e indiretamente comportamento de seus cidadãos, no que a televisão, as notícias sobre
envolvidos na vida que nela se dá e nela lhe há de mais comum e trivial. Encon- violência, antes hierarquicamente
acontece. tram-se também matérias sobre ações do secundárias, atualmente fazem
A cidade dentro do jornal — que ocu- parte das principais manchetes. É
poder público, matérias sobre melhorias comum nos dias de hoje vermos um
pa os cadernos “Cidade” — assume novos e problemas na educação, na saúde etc. assalto, um tiroteio, um assassinato,
contornos ou contornos específicos. Apesar Apesar de constantes e de direcionadores encabeçando as chamadas de um
de apresentar algumas “fôrmas” que in- da pauta dos jornais e de seus cadernos telejornal.

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“Cidade”, esses temas não figuram, con- O sentimento de insegurança transforma
tudo, em suas páginas no dia-a-dia. Não e desfigura a vida em nossas cidades. De
se trata de uma pauta fixa e rígida que lugares de encontro, troca, comunidade,
enquadra todos esses temas, todos os participação coletiva, as moradias e os es-
dias, na cobertura jornalística da cida- paços públicos transformam-se em palco
do horror, do pânico e do medo. (PINHEI-
de. Pode-se notar, no entanto, uma ou-
RO; ALMEIDA, 2003, p.7-8).
tra realidade reincidente nos periódicos,
criando a expectativa de um olhar fixo Este sentimento vem à tona quando
sobre ela, no cotidiano. Nesse cenário en- está em pauta a cidade contemporânea,
contram-se as cidades de crimes, homi- como nos apontam a grande maioria dos
cídios, ações policiais, tiroteios, brigas, jornais das grandes cidades brasileiras.
corrupção. Nessa cidade dos logradouros Nesse contexto ganha destaque a cobertu-
públicos onde acontecem pequenas ações ra dos cadernos “Cidade”. Nas matérias e
cotidianas, irrompe uma cidade de medo fotografias impressas nesses cadernos en-
e insegurança. Essa invasão que ocorre contramos um misto de barbárie, covardia,
na cobertura jornalística diz também de sofrimento e tensão.
uma situação de coabitação. Cidades que Os acontecimentos que emergem do
se coabitam e que são construídas dife- cotidiano e passam a povoar a teia noti-
rentemente, intercalando-se e interpene- ciosa criada pelos jornais, colocam a ação
trando-se de diferentes modos. policial e os crimes lado a lado. Ambos
Esses cadernos estampam a cidade estão em contato direto e variam quan- 57
onde é possível avistar um cotidiano co- to ao sentimento que despertam. Como
mum, amistoso e até mesmo bucólico. apontou Susan Sontag em uma de suas
Mas estampam também essa cidade dis- últimas obras,
tintamente marcada, onde há problemas a caçada de imagens mais dramáticas (como,
ligados ao poder público e a questões so- muitas vezes, são definidas) orienta o traba-
ciais mais amplas. Salta aos olhos, então, lho fotográfico e constitui uma parte da nor-
uma outra realidade dessa mesma cidade malidade de uma cultura em que o choque se
envolta pela insegurança e pela vigilân- tornou um estímulo primordial de consumo
cia. Não há como olhar para os jornais e uma fonte de valor. (SONTAG, 2003, p.23-
8
A idéia de uma cobertura policial
em busca da cidade no seu cotidiano mais 24).
reflete precisamente uma prática
muito comum – e quase absoluta comum sem enxergar o destaque dado à São fotografias deste tipo que acom-
– nas redações dos jornais: a cobertura policial8 e com as variações que
abordagem da violência tem
panham inúmeras matérias nos jor-
sempre como fonte privilegiada,
esta incorpora. nais diários em circulação no país.
e quase única, a polícia. Há uma Se há um olhar vigilante no jornalismo, São imagens que retratam de manei-
dependência deste tipo de cobertura a cidade vigiada é composta de espaços e ra bastante forte, episódios onde apa-
em relação aos órgãos de segurança o sujeitos, mas representada em outros es- recem o crime e a violência. A rela-
que acaba por expor a fragilidade da
paços, por outros sujeitos, em outras tem- ção de consumo criada nos dias de hoje
apuração e a dependência do veículo
em relação a este órgão de poder na poralidades, que integram a cidade imate- em relação a este tipo de imagem,
cidade. rial do medo. como aponta Sontag (2003), eviden-
cia ainda mais a presença diária de tal “Ao delimitarem de nossa polícia; id est, da exigência de uma
conteúdo nas páginas dos jornais impres- sociedade cada vez mais policiada. Mas uma
sos e na grande mídia em geral. as faces e sociedade perfeitamente policiada seria um
vidro plenamente polido, quer dizer, trans-
Os grandes jornais brasileiros constro- os locais da parente e invisível. O visível é, só pode ser,
em a imagem de uma “guerra urbana” nas
grandes metrópoles. Nos cadernos “Cida- violência uma sombra! (MOUILLAUD, 2002, p.46).
de” encontramos o confronto permanente os jornais
entre a cidade da insegurança e a cidade Ao delimitarem as faces e os locais da
policiada, entre a cidade da segurança e a promovem violência os jornais promovem simultane-
cidade do crime. simultaneamente amente um afastamento e uma aproxima-
Uma cidade violenta e uma cidade vi- ção. A cidade está próxima de um “nós”,
giada. Mas não duas cidades. Uma em
um afastamento mas há uma relativa distância entre este
muitas. Várias em uma. Repassando a co- e uma “nós” e outros “nós” da cidade. A sombra
bertura policial dos jornais nota-se a cons- criada pelo jornalismo faz sobressaírem
tante e simultânea presença do crime e da
aproximação. no imaginário composto por suas imagens
vigilância, onde aparece de forma con-so- A cidade está e construções noticiosas os bolsões de po-
ante a constante tensão entre uma cidade breza das capitais. Esses aparecem como
de perigos e de policiamento. Nesse cená-
próxima de um locais do crime, da morte, da cidade per-
rio aparecem habitantes distintos da cida- ‘nós’, mas há dida. Criam-se fronteiras nos jornais e na
de: criminosos, bandidos, assassinos. Em uma relativa cidade que insuflam a existência de um
58 suas formas de vida destaca-se o contexto sentimento de repulsa e medo. Pela lógica
negativo abrandado apenas pela presen- distância entre dos jornais estimula-se a idéia de que se
ça de outros indivíduos, como os policiais este ‘nós’ e deve estar longe destes lugares. Ali está o
mantenedores de ordem, vigilantes e não perigo. Quando olhamos para a sociedade,
apenas cidadãos em exercício profissional; outros ‘nós’ da sabemos da vontade que as populações
o que não deixa de lhes agregar, de algu- cidade.” mais abastadas têm de se afastar desses
ma forma, o sentido da negatividade. lugares, criando uma barreira invisível e
Espaços e temporalidades ali repre- constantemente reforçada. Os jornais fun-
sentados assumem delimitações muito cionariam como vidro – no sentido apon-
mar-cadas. O que se vê “nessa” cidade é, tado por Mouillaud (2002) – mas não só
sobretudo, sua periferia, circunscreven- no sentido de transparecer, mas de deli-
do, primordialmente, locais habitados por mitar a realidade, sutil e fisicamente.
pessoas menos favorecidas. Maurice Mou- Não queremos e nem podemos com isso
illaud relembra claramente este parado- ser deterministas, dizendo que o crime só
xo existente entre a violência e o crime, e acontece naqueles lugares e que os jornais
busca explicá-lo a partir da lógica jornalís- tudo tipificam. Queremos e devemos, no
tica tipificadora: entanto, chamar a atenção também para
a estrutura do jornal, próxima à estrutu-
O local ocupado na mídia pelas periferias (a ra da sociedade, ou à altura dela, como nos
“violência”, a “periculosidade”) está à altura apontou Mouillaud (2002). O que fica bas-

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tante evidente num apanhado sobre a co- quadram como peças importantes na
bertura dos “Cidade” e, conseqüentemen- construção de uma imagem da cidade.
te, sobre a cidade. Tais cadernos são um recorte do espaço
urbano, definem uma cidade e um co-
Territorialidade afirmada tidiano especificamente delimitados e
Ao olhar, então, para cidade e para os construídos pelos jornais. Neles a relação
jornais através de seus cadernos “Cida- entre o cotidiano, a cidade e o jornalismo
de”, pode-se perceber a multiplicidade se dá de maneira particular e muito pró-
de representações e avistar como certas xima, diferentemente de todos os outros
grades de leitura dizem da prática jor- espaços (cadernos e seções) existentes ao
na-lística, da construção social e diária longo dos periódicos. Ali, como o próprio
da realidade promovida pelos jornais. Se nome diz, está “a cidade”.
olharmos para a cidade, tomando-a como Dessa forma nos cadernos “Cidade” fica
lugar de “excelência” do cotidiano, vale clara a relação do jornal com o próximo, com
perguntar qual é a cidade representa- “Os cadernos a questão local, com o lugar que o envolve,
da pelo jornal e em que medida tal cida- com o território que ele ocupa. Conforme nos
de coincide, invade e complexifica nosso
‘Cidade’ se aponta a geógrafa Zilá Mesquita:
olhar sobre a mesma cidade para a qual enquadram O território é o que é próximo; é o mais pró-
o jornal se dirige e sobre as cidades em
que vivemos. É parte dessa discussão a
como peças ximo de nós. É o que nos liga ao mundo. Tem
a ver com a proximidade tal como existe no
grave questão social brasileira, especial- importantes na espaço concreto, mas não se fixa a ordens de 59
mente localizada no espaço urbano, e o grandeza para estabelecer a sua dimensão ou
conjunto de jornais que a habitam. Cada
construção de o seu perímetro. É o espaço que tem significa-
cidade tem suas próprias características, uma imagem ção individual e social. Por isso ele se esten-
assim como cada jornal que nela se en- de até onde vai a territorialidade. Esta é aqui
da cidade. Tais entendida como projeção de nossa identidade
contra tem sua própria política editorial
que orienta suas coberturas. No entan- cadernos são sobre o território (MESQUITA, 1995, p.83).

to, quando voltamos nosso olhar para um recorte do Nesses cadernos vemos a criação e a
as grandes metrópoles brasileiras, nelas afirmação de uma territorialidade. Os
distinguimos um contexto convergente, espaço urbano, jornais olham para a cidade e para o
no qual se situam os cadernos “Cidade”, definem uma seu cotidiano e dela capturam uma sig-
local privilegiado de materialização jor- nificação que diz respeito ao indivíduo
nalística da vida social citadina. cidade e um e à sociedade, ao jornal e aos cidadãos,
Assim, olhar para a cidade a partir cotidiano entre os quais se encontram seus lei-
destes cadernos é quase que operar com tores. Mesmo trans-parecendo caracte-
uma espécie de lupa jornalística que au-
especificamente rísticas e questões que dizem respeito
menta, eleva o volume e o valor de cer- delimitados e à população e ao universo de qualquer
tos fragmentos citadinos que, uma vez grande cidade, há nos cadernos “Ci-
no jornal, constroem representações,
construídos dade” uma ligação com o próprio, com
realidades. Os cadernos “Cidade” se en- pelos jornais.” o próximo. As preocupações que gi-
ram em torno das temáticas do caderno di- cação Social da Universidade FUMEC,
zem respeito àquilo que cerca seu público Faculdade Pitágoras e Faculdade Fabrai,
de maneira mais efetiva, oferecendo a esse em Belo Horizonte-MG.
público uma gama de imagens e possibili- Paulo Bernardo Ferreira Vaz é doutor
dades de posicionamento. Pode-se identi- em Comunicação e Educação pela Uni-
ficar uma ligação com o “nós”, com aquilo versité de Paris XIII (Paris-Nord), Fran-
que identifica a cidade, com suas identi- ça. Professor Adjunto do Departamento
dades e particularidades. Há um senti- de Comunicação Social da Universidade
mento de pertencimento. E, mesmo que Federal de Minas Gerais. Professor Per-
esse “nós” esteja representado de diversas manente do Programa de Pós-Graduação
maneiras — e, por isso mesmo provoca re- em Comunicação Social da Universidade
conhecimento e estranhamento tanto de Federal de Minas Gerais. Pesquisador do
uma identificação quanto de uma alterida- GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e
de –, há nos “Cidade” uma tentativa cons- Sociabilidade da UFMG).
tante de afirmação da cidade. Mesmo que
através de múltiplas representações. Em
Bibliografia
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A
seus textos verbais e visuais encontram-
construção social da realidade. 19. ed.
se as contradições da cidade que permitem Petrópolis: Vozes, 2000.
movimentos distintos na relação entre o FRANÇA, Vera. Jornalismo e vida social:
que está exposto e construído, entre a re- a história amena de um jornal mineiro. Belo
60 presentação para quem a vê e para quem Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
ela se dirige. KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem.
A cidade, como sabemos, mesmo singu- 4. ed. São Paulo: Ática, 2000.
lar, não deixa de ser múltipla. Está em LANDOWISK, Eric. Uma semiótica do cotidiano
(Le Monde, Libération). In: ________. A sociedade
movimento e em constante mutação. Nes-
refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo:
se sentido, o jornal, nos cadernos “Cidade”, Educ e Pontes, 1992. p.117-125.
diz de um “como somos” e de um “quem so- LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa:
mos” a partir de territórios (de espaços) e Edições 70, 1988.
de momentos9 (tempos). E esse movimento MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto
será contínuo e complexo, assim como o é à venda – Jornalismo na sociedade urbana e
a vida social. industrial. 2.ed.São Paulo: Summus, 1988.
MESQUITA, Zilá. Do território à consciência
territorial. In: MESQUITA, Zilá; BRANDÃO,
Sobre os autores: Carlos R. (orgs.). Territórios do cotidiano: uma
introdução a novos olhares e experiências. Porto
Frederico de Mello Brandão Tavares é Alegre: Ed. UFRGS; Santa Cruz do Sul: UNISC,
mestre em Comunicação Social pela Uni- 1995. p.76-92.
versidade Federal de Minas Gerais. Pes- ORLANDI, Eni P. Tralhas e troços: o flagrante
9
Pensamos o tempo aqui como
momento variado: “O tempo do
quisador colaborador do GRIS (Grupo de urbano. In: ________ (org.). A cidade atravessada:
cotidiano é um plural, o tempo
Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da Os sentidos públicos no espaço urbano. Campinas:
dentro do tempo” (LYNCH, 1988,
UFMG). Professor dos cursos de Comuni- Ed. Pontes, 2001. p. 9-24. p.21).
PINHEIRO, Paulo Sérgio; ALMEIDA, Guilherme

Estudos em Jornalismo e Mídia,


Vol.II Nº 2 - 2º Semestre de 2005
Assis de. Violência urbana. São Paulo: Belo Horizonte.
Publifolha, 2003. TAVARES, Frederico de Mello Brandão. Na
RANGEL, Renata. Mais “catchup” para o leitor. cidade, o fotojornalismo; no fotojornalismo,
In: SEMINÁRIO DE JORNALISMO. São Paulo: Belo Horizonte. Belo Horizonte, 2005. 168p.
Folha de S.Paulo, 1986. p. 91-96. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social).
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Horizonte.
SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade:
jornalismo. Chapecó: Argos, 2002. uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes,
TAVARES, Frederico de Mello Brandão. O 1998.
negro-mestiço e a cidade: alteridade na WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. 6. ed.
narrativa fotojornalística. Belo Horizonte, 2003. Lisboa: Presença, 2001.
98p. Monografia (Graduação em Comunicação
Social). Universidade Federal de Minas Gerais,

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