Resumo Abstract
Este texto pretende olhar para a relação cidade-jor- This article aims at analyzing the relationship that
nalismo, observando de que maneira jornais diários takes part between city and journalism. It takes into
de grande circulação representam a cidade a partir de account the means by which daily newspapers of large
sua cobertura, contribuindo e realizando um tipo espe- circulation depict the city through their journalistic
cífico de construção social da realidade. Nesse sentido, coverage, thus contributing to produce a specific social 51
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destina-se um olhar atento para os cadernos “Cidade”, construction of reality. To this end, we study the
editoria presente na maioria dos grandes jornais im- “City” section of the selected publications – a section
pressos, cujos estudos ainda são escassos. of newspapers – which although common, has been
scarcely studied till present.
Palavras-chave Keywords
Jornalismo; Cidade; Construção Social da Realidade; Cadernos Journalism; City; Social Construction of Reality; “City” Section
“Cidade”
Introdução ciais e em seguida industriais, leva à expan-
Ao tomarmos a leitura jornalística so- são que hoje se identifica na comunicação de
bre a realidade, podemos dizer que é sobre massa. (MEDINA, 1988, p.15)
o território das grandes cidades que, na A informação jornalística e seu surgi-
maioria das vezes, incide o olhar jorna-lís- mento estão alicerçados, para a autora, na
tico. Seus textos visuais e verbais possuem sociedade urbana e industrial. Mas, como
grande importância na construção social relembra Vera França,
da realidade urbana no século XXI.
(...) a sociedade moderna não inaugurou
A relação entre o jornalismo e a cidade
as relações de informação; ela desenvolveu
está na base do surgimento da ativida-
novas formas de atendê-las. É verdade que
de noticiosa. O surgimento da imprensa
essa sociedade levou muito longe a dinâmica
escrita está diretamente relacionado ao de comercialização de bens, mas não inven-
advento da modernidade. Nas sociedades tou o comércio entre os homens. (FRANÇA,
modernas ocidentais, a partir do século 1998, p.27).
XV, iniciou-se um processo que culminou,
segundo John B. Thompson, com a “insti- Mesmo que se repassando rapidamente
tucionalização da comunicação”. De certa o tema, evidencia-se a interdependência
forma, podemos dizer que, com o advento existente entre a cidade e o jornalismo. Os
da imprensa, a comunicação ganhou for- grandes centros urbanos estão diretamen-
mas mais definidas, materializando-se te ligados ao nascimento e à proliferação
52 em meios e produtos específicos. A neces- dos veículos de informação periódica2 e,
sidade humana de comunicação e troca de por tal motivo, sempre foram tema cen-
informação foi incorporada por uma nova tral de suas notícias, compondo, constan-
produção e circulação de bens simbóli- temente suas principais páginas. Como a
cos (THOMPSON, 1998). A comunicação realidade social é um fluxo ininterrupto
também se torna objeto de consumo. Nes- de acontecimentos, matéria-prima do jor- 1
Esse aspecto deve ser olhado
se contexto, entre os séculos XVI e XVIII nalismo, cabe ao jornalista selecioná-los e com cuidado quando pensamos o
o jornalismo como prática de veiculação transformá-los em fatos, em informação. jornalismo. Segundo Vera França,
promover a identificação do
periódica de informação começa a ganhar Não é por acaso que a grande maioria dos
jornalismo “(...) com uma vertente
força. A consolidação desse processo ocor- temas que povoam diariamente os jornais específica (a dinâmica do mercado),
rerá no século XIX, quando a imprensa têm a cidade como pano de fundo. Há no com um contexto determinado (a
jornalística assume propriamente sua jornalismo uma valoração da vida citadina, sociedade capitalista moderna),
cabendo-nos perguntar que tipo de valor é é negar a diversidade de papéis e
condição empresarial e sua regulação pelo formas de que ele pode se revestir
mercado, atingindo milhões de pessoas1. dado (ou não) a que aspecto da realidade sem perceber suas ligações com
Além de fazer circular informação, o jorna- urbana estampada nos jornais. necessidades mais extensas da vida
lismo passa a comercializá-la. Na acep-ção Assim como a cidade é terreno de gran- social” (FRANÇA, 1998, p.27).
de Cremilda Medina, a de importância para o jornalismo, ela o 2
Sobre o início da imprensa
é igualmente para a sociedade em geral.
comercial e industrial brasileira, ver
(...) identificação da mensagem jornalística Observando as páginas dos jornais, pode- MEDINA (1988, p.47-51).
com atividades urbanas, primeiro comer- mos dizer que a própria idéia que a socie-
to, quando voltamos nosso olhar para um recorte do Nesses cadernos vemos a criação e a
as grandes metrópoles brasileiras, nelas afirmação de uma territorialidade. Os
distinguimos um contexto convergente, espaço urbano, jornais olham para a cidade e para o
no qual se situam os cadernos “Cidade”, definem uma seu cotidiano e dela capturam uma sig-
local privilegiado de materialização jor- nificação que diz respeito ao indivíduo
nalística da vida social citadina. cidade e um e à sociedade, ao jornal e aos cidadãos,
Assim, olhar para a cidade a partir cotidiano entre os quais se encontram seus lei-
destes cadernos é quase que operar com tores. Mesmo trans-parecendo caracte-
uma espécie de lupa jornalística que au-
especificamente rísticas e questões que dizem respeito
menta, eleva o volume e o valor de cer- delimitados e à população e ao universo de qualquer
tos fragmentos citadinos que, uma vez grande cidade, há nos cadernos “Ci-
no jornal, constroem representações,
construídos dade” uma ligação com o próprio, com
realidades. Os cadernos “Cidade” se en- pelos jornais.” o próximo. As preocupações que gi-
ram em torno das temáticas do caderno di- cação Social da Universidade FUMEC,
zem respeito àquilo que cerca seu público Faculdade Pitágoras e Faculdade Fabrai,
de maneira mais efetiva, oferecendo a esse em Belo Horizonte-MG.
público uma gama de imagens e possibili- Paulo Bernardo Ferreira Vaz é doutor
dades de posicionamento. Pode-se identi- em Comunicação e Educação pela Uni-
ficar uma ligação com o “nós”, com aquilo versité de Paris XIII (Paris-Nord), Fran-
que identifica a cidade, com suas identi- ça. Professor Adjunto do Departamento
dades e particularidades. Há um senti- de Comunicação Social da Universidade
mento de pertencimento. E, mesmo que Federal de Minas Gerais. Professor Per-
esse “nós” esteja representado de diversas manente do Programa de Pós-Graduação
maneiras — e, por isso mesmo provoca re- em Comunicação Social da Universidade
conhecimento e estranhamento tanto de Federal de Minas Gerais. Pesquisador do
uma identificação quanto de uma alterida- GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e
de –, há nos “Cidade” uma tentativa cons- Sociabilidade da UFMG).
tante de afirmação da cidade. Mesmo que
através de múltiplas representações. Em
Bibliografia
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A
seus textos verbais e visuais encontram-
construção social da realidade. 19. ed.
se as contradições da cidade que permitem Petrópolis: Vozes, 2000.
movimentos distintos na relação entre o FRANÇA, Vera. Jornalismo e vida social:
que está exposto e construído, entre a re- a história amena de um jornal mineiro. Belo
60 presentação para quem a vê e para quem Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
ela se dirige. KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem.
A cidade, como sabemos, mesmo singu- 4. ed. São Paulo: Ática, 2000.
lar, não deixa de ser múltipla. Está em LANDOWISK, Eric. Uma semiótica do cotidiano
(Le Monde, Libération). In: ________. A sociedade
movimento e em constante mutação. Nes-
refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo:
se sentido, o jornal, nos cadernos “Cidade”, Educ e Pontes, 1992. p.117-125.
diz de um “como somos” e de um “quem so- LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa:
mos” a partir de territórios (de espaços) e Edições 70, 1988.
de momentos9 (tempos). E esse movimento MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto
será contínuo e complexo, assim como o é à venda – Jornalismo na sociedade urbana e
a vida social. industrial. 2.ed.São Paulo: Summus, 1988.
MESQUITA, Zilá. Do território à consciência
territorial. In: MESQUITA, Zilá; BRANDÃO,
Sobre os autores: Carlos R. (orgs.). Territórios do cotidiano: uma
introdução a novos olhares e experiências. Porto
Frederico de Mello Brandão Tavares é Alegre: Ed. UFRGS; Santa Cruz do Sul: UNISC,
mestre em Comunicação Social pela Uni- 1995. p.76-92.
versidade Federal de Minas Gerais. Pes- ORLANDI, Eni P. Tralhas e troços: o flagrante
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Pensamos o tempo aqui como
momento variado: “O tempo do
quisador colaborador do GRIS (Grupo de urbano. In: ________ (org.). A cidade atravessada:
cotidiano é um plural, o tempo
Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da Os sentidos públicos no espaço urbano. Campinas:
dentro do tempo” (LYNCH, 1988,
UFMG). Professor dos cursos de Comuni- Ed. Pontes, 2001. p. 9-24. p.21).
PINHEIRO, Paulo Sérgio; ALMEIDA, Guilherme
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