A Dimensão Social Do MERCOSUL - Web - Spread

A dimenso social
do
Marco conceitual
A dimenso social do MERCOSUL

Marco conceitual
Socia = Estados Associados
êunio de Ministros e Diretores de Desenvolvimento
Aclara gao
Durante o processo de edigao deste Nvro, dois importantes eventos

polticos ocorreram no MERCOSUL: a suspenso temporal da Repblica
do Paraguai e adeso da Repblica Bolivariana da Venezuela. A
Repblica do Paraguai, por meio da Secretaria de Agio Social, tem
acompanhado todo o processo at o ms de junho de 2012.
Para abordar o contexto cima, nesta publicagao o ISM tem seguido as

disposigoes das seguintes normas do MERCOSUL:
MERCOSUL / CMC / DEC. N 28/12 REGULAMENTAQO DE ASPECTOS

OPERATIVOS DA SUSPENSO DA REPBLICA DO PARAGUAI; e
MERCOSUL / CMC / DEC. N 27/12 ADESO DA REPBLICA BOLIVARIANA

DA VENEZUELA AO MERCOSUL.
Reunio de Ministros e Diretores de

Desenvolvimento Social (RMADS)
Instituto Social do MERCOSUL
C
S
S
D
C
C
C
C
Contedo
Prlogo, Luiz Incio Lula da Silva, 7

Apresentao, Christian Adel Mirza, 11
Introduo, 13
1. MERCOSUL ontem e hoje, 23

2. Polticas pblicas e desenvolvimento social, 35
3. A agenda social e seus desafos, 57
Referncias bibliogrfcas,75
Prlogo
O MERCOSUL uma das experincias exitosas de integrao regional

desenvolvidas na Amrica Latina. Apesar da complexidade de qualquer
processo de integrao, o nosso bloco tem dado mostras de excepcional
vigor. Basta dizer que, desde que foi criado, em 1991, o fuxo comercial
entre os pases do MERCOSUL passou de 5 para 50 bilhes de dlares, e
os investimentos produtivos intra-bloco mais do que dobraram. Com a
entrada da Venezuela, passamos a representar mais de 70% do territrio,
da populao e do PIB da Amrica do Sul. Somos hoje uma das poucas
regies do mundo onde no h guerras. Protegemos os direitos humanos
e estamos aprofundando cada vez mais as nossas democracias.
No ltimo perodo, avanamos muito, tanto na esfera econmica
quanto social. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. Geramos empregos, distribumos renda e promovemos incluso social, mas
ainda temos importantes desafos a superar. Apesar das conquistas recentes, na Amrica Latina, segundo a ONU, os 20% mais ricos da populao tm uma renda mdia per capita quase 20 vezes maior do que
os 20% mais pobres. No MERCOSUL no diferente. A injusta distribuio de oportunidades penaliza de forma mais severa as mulheres, os
jovens, as comunidades afrodescendentes, os trabalhadores rurais e os
trabalhadores informais.
Prlogo 9
O MERCOSUL ter que se voltar cada vez mais para essa popula-
desenvolvimento social do MERCOSUL representa, sem sombra de
o, implementando polticas regionais capazes de atender as suas ne-
dvida, uma dimenso prioritria da nova maneira de encarar a inte-
cessidades bsicas de bem-estar. Apenas a livre circulao de bens, ser-
grao regional. A coordenao e harmonizao das polticas de sade,
vios e capitais no d conta de sustentar a integrao econmica e, ao
educao e previdncia do MERCOSUL, que j foram iniciadas h mais
mesmo tempo, superar a persistente fratura social existente na regio. A
tempo, podem e devem se aprofundar. O desenvolvimento econmico e
harmonizao e a coordenao de politicas pblicas de proteo e pro-
o desenvolvimento social so indissociveis, e devem se complementar.
moo social tornaram-se uma exigncia imperiosa para o desenvolvi-
A agenda regional no pode prescindir da integrao da infraestrutura
mento regional. Em 2007, quando decidimos criar o Instituto Social do
fsica, fnanceira e comercial, e todas elas devem contribuir para maior
MERCOSUL, juntamente com os meus colegas Nstor Kirchner, da
bem-estar e dignidade de nossos povos.
Argentina, Fernando Lugo, do Paraguai, e Tabar Vsquez, do Uruguai,

pensvamos precisamente em dar um rosto humano ao MERCOSUL.
Com a publicao deste livro, o Instituto Social do MERCOSUL

presta uma importante contribuio ao debate sobre a integrao social.
O incio do sculo XXI testemunhou mudanas substantivas,
Parabenizo a toda equipe do ISM pelo trabalho realizado e recomendo a
transformaes polticas e econmicas muito signifcativas na Amrica
sua leitura aos que sonham com um MERCOSUL cada vez mais demo-
do Sul: na Venezuela (1999), depois na Argentina e no Brasil (2003), Bo-
crtico, social e participativo.
lvia e Uruguai (2005) e mais tarde no Equador (2007), Paraguai (2008)

e Peru (2011), entre outros. Nesses pases os povos elegeram democraticamente novos governantes e decidiram deste modo apontar para novas
orientaes polticas, econmicas, sociais e culturais. A cidadania expressou assim o desejo de mudanas na regio como resposta contundente s frustraes acumuladas de milhes de latino-americanos que
no se resignavam a seguir submetidos pobreza e desigualdade social.
Desde ento o MERCOSUL assumiu outro enfoque para aprofundar os
processos de integrao regional, no qual a dimenso social ocupa papel
fundamental.
com grande satisfao que recebi o convite para escrever o prlogo deste primeiro trabalho de refexo conceitual, organizado pelo
ISM, sobre os pressupostos da integrao social do MERCOSUL. O
Luiz Incio Lula da Silva

Ex-presidente da Repblica do Brasil
Apresentaqo
A dimenso social do MERCOSUL deixa em evidncia uma realidade plausvel do processo de integrao regional, diferente dos
aspectos comerciais, alfandegrios ou tarifarios, porm igualmente
fundamentais. A presente publicao surge da iniciativa da Reunio de
Ministras, Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do
MERCOSUL (RMADS), mbito institucionalizado do qual depende
diretamente o Instituto Social do MERCOSUL (ISM).
O marco conceitual da dimenso social do MERCOSUL constitui um passo signifcativo na convergncia de olhares, perspectivas e
enfoques ao redor da questo social contempornea que se conjugaram logo de profundos e extensos debates realizados em quase
dois anos e com o impulso do Conselho do ISM (CISM).
Este documento no esgota a discusso relativa s polticas sociais,
mas um avano substantivo que contribui ao desenho de polticas pluriestatais e regionais que havero de concretizar o prprio Plano Estratgico de Ao Social aprovado pelo Conselho Mercado Comum (CMC)
e na Cpula de Presidentes realizada em junho de 2011 na cidade de
Assuno. Portanto, deve-se ressaltar o carter aberto na construo do
seu contedo, o qual haver de cumprir com o seu objetivo sempre que
motive o debate em crculos cada vez mais amplos do Bloco Regional.
Apresentao 13
Introdugo
A consolidao da Comisso de Coordenao de Ministrios da

rea Social do MERCOSUL (CCMASM), assim como a de diversos
espaos, redes e grupos especializados a nvel regional, estimula
precisamente a continuar a tarefa de atualizar, ajustar ou ampliar as
principais concluses e desafos colocados no presente documento;
porque foi assim como se concebeu, como material avanado no
caminho rumo a mais integrao, mais justia social e equidade, e
menos pobreza e desigualdade. Em defnitiva: mais e melhor MER-
A criao do Instituto Social do MERCOSUL (ISM) em 2007 res-
COSUL, mais e melhor Desenvolvimento Social.
pondeu necessidade de consolidar o processo iniciado com a institucionalizao da Reunio de Ministros de Autoridades de Desenvol-
Christian Adel Mirza

Diretor Executivo
Instituto Social do MERCOSUL
Assuno, dezembro de 2012
vimento Social do MERCOSUL (RMADS), cuja fnalidade essencial

foi precisamente hierarquizar a dimenso social da integrao regional. Em efeito, a instaurao daquele Instituto como instrumento
tcnico-poltico que apoiasse a tais propsitos da RMADS, exigiu no
s defnies na ordem programtica e normativa, mas tambm, luz
dos avanos obtidos, comprometeu a explicitao do marco conceitual
que orienta sua tarefa na rea social.
Por outro lado, a Cpula de Assuno, realizada em junho de
2011, analisou e aprovou um Plano Estratgico de Ao Social (PEAS)
que envolve todos os Ministrios e Secretarias com competncia no
campo das polticas sociais no MERCOSUL. Esse Plano havia sido
visualizado alguns meses antes- como a enunciao das prioridades
polticas dos Estados Parte no que concerne aos problemas sociais que
afetam grandes coletivos sociais na Regio e cuja abordagem me-recia
a convergncia dos mltiplos esforos realizados at o presente. O
processo teve alguns marcos importantes que merecem ser destacados
para compreender melhor os resultados obtidos at o momento:
14 A cmenso social do MERCOSUL - Marco concetua
Introdugo 15
Iniciativa de Assuno sobre a Luta contra a Pobreza Extrema. C-
Adogao por parte do Conselho do Mercado Comum (CMC) do do-
pula de Presidentes, junho de 2005. Nessa cpula se expressava
cumento preliminar do Plano Estratgico de Acao Social do MER-
que a consolidao da democracia no MERCOSUL depende da
COSUL; Salvador, Babia, dezembro de 2008. O documento con-
construo de uma sociedade mais equitativa e justa, o que
tinha cinco eixos de discusso e dezenove diretrizes. Naquela
obriga a assumir a tarefa prioritria de um Plano de Ao de
oportunidade os chefes de Estado manifestaram: Acolheu os
maior alcance para responder os graves desafos da atual situa-o
avanzos na construyo dos Eixos e Diretrizes do Plano Estra-
social.
tgico de Agao Social do MERCOSUE, para a elaborado do

Plano Estratgico encomendado pelos Presidentes e Chefes de
Comunicado Conjunto dos Presidentes do MERCOSUL, Cpula de
Estado do MERCOSUL, por ocasio da Cpula Presidencial de
Presidentes, junho de 2005; no seu artigo 27, reafrma a priorida-
Crdoba, em 21 de julho de 2006. Salientou a amplitude e o
de de defnir uma Agenda Social Integral e Produtiva orientada a
enfoque integrado do referido documento, o qual abrange a
desenvolver iniciativas e polticas ativas para reduzir o dfcit
erradicado da fome, o combate pobreza e s desigualdades
social, promover o desenvolvimento humano integral e a inte-
sociais, fortalecimento da assistncia humanitria, circulado de
grao produtiva. Neste sentido, reconheceram a importncia de
pessoas, participado social, direitos humanos e diversida-de,
elaborar um Plano Estratgico de Ao Social (PEAS) para
sade, educaâo e cultura, integrado produtiva, agricultura
identifcar medidas destinadas a impulsionar a incluso social e
familiar, economia solidria e cooperativa. Destacou as inicia-
assegurar condies de vida mais dignas para nossos povos. Para
tivas aprovadas pela Reunio de Ministros e Altas Autoridades de
estes efeitos, instruram os Ministros com competncia na
Desenvolvimento Social relacionadas ao combate fome,
temtica social para elaborar linhas estratgicas que dotaro o
pobreza e s desigualdades sociais e ressaltou o compromisso de
mencionado Plano de contedo.
seus Governos de implement-las.
Criao do Instituto Social do MERCOSUL pela Deciso 03/07, no
Declaracao dos Chefes de Estado em Foz do Iguau, dezembro de
Rio de Janeiro, janeiro de 2007. Esta instituio inicia suas ativida-
2010. A mesma destaca: Assinalaram que o documento da Co-
des em fevereiro de 2011, com toda a equipe tcnica formada
misso de Coordenado de Ministros de Assuntos Sociais do
depois de um rigoroso processo de seleo dos candidatos, re-
MERCOSUL (CCMASM) representa uma importante contri-
alizado em 2010.
buido na consecuâo dos objetivos de aprofundamento da dimenso social da integrao. Reafrmaram que as polticas so-
ciis so polticas de Estado que resultaram na diminuido das
trados no mercado. O carter estrutural da sociedade do capital, de
desigualdades sociais e na reduo signifcativa da pobreza nos
fato, demarca campos, mas no impede a luta e o desejo por aquisi-
pases da regio na ltima dcada. Sublinharam que o PEAS
es no mbito da educao, cultura, civilidade, qualidade de vida,
refete essa prioridade no mbito regional. Ressaltaram que o
desenvolvimento humano, autonomia, equidade, avano cientfco e do
PEAS representa o elemento central do pilar social do MER-
campo civilizatrio (Sposati, 2009).
COSUL e dar urna contribuido fundamental para os esforgos

dos pases do Bloco para enfrentar desafos compartilhados.
Em seguida se propem algumas refexes vinculadas relevncia da dimenso social no contexto da consolidado das democracias na
Regio e como sustentao tica-poltica dos mandatos da cidadania.
Aprovagao por parte do Conselho do Mercado Comum (CMC)
O captulo I se examina brevemente a gnese e evoluô histrica da
da verso fnal do Plano Estratgico de Acao Social (PEAS), Cpu-
perspectiva
la de Assunqao junho de 2011. O documento continha nove eixos
contemporneas do debate sobre as polticas sociais e seu lugar no
principis e vinte e seis diretrizes estratgicas. A ideia bsica
processo de integrado regional. O captulo II aborda tpicos de carter
apresentar um marco conceitual pertinente, consistente e co-
terico que enquadram as principis categoras analticas e os
erente para orientar tanto o ISM no seu papel tcnico, como guiar
conceitos fundamentis que informam o devir das polticas pblicas e
a implementaô do PEAS, na medida em que se trata de urna
as prticas institucionais concretas que desenvolvem na Regio, para
aô a partir de e sobre urna mesma realidade socioeconmica a
culminar no captulo III, que aborda os principais desafos da Agenda
nvel regional. Em consequncia, este documento constitu a
Social do MERCOSUL.
social
do
Bloco
para
situar
as
coordenadas
primeira tentativa de estabelecer um consenso sobre o marco

conceitual do desenvolvimento social entre os Estados Parte do
Democracia, integra gao e equidade
MERCOSUL, no qual se propem algumas ideias de referncia
A estabilidade democrtica se deve em boa medida ao normal
em um contexto geral, no qual o padro de acumulaô, producto
funcionamento das instituiês e ao cumprimento das regras de ouro
e distribuiô e consumo continua sendo bsicamente capitalista.
de qualquer sistema poltico que se considere como tal. No entanto,
No obstante a preciso formulada, fundamental advertir as
para que efetivamente se possa aprofundar e garantir sua permanncia
enormes diferengas de abordagem da questo social que os governos

do Bloco encararam no ltimo decnio em relaô s estratgias assumidas em dcadas passadas as quais primavam os enfoques ce-s
devem-se garantir os direitos civis, polticos e sociais, pois um

autntico regime democrtico republicano se sustenta na defesa
irrestrita dos direitos humanos na sua mais ampia acepô, isto inclu,
necessariamente, a cobertura das necessidades bsicas
A dmenso social do MERCOSUL - Marco concetua

htroducao 19
da populacho, a integrado social como pilar fundante e a equidade

como critrio orientador do sistema.
Transversalidade de um enfoque dirigido a resistir e evitar todo

tipo de discriminaô, seja por questes tnico-raciais, por
Assumir a dimenso social da integrado baseada em um desenvolvimento econmico da distribuiâo equitativa, tendente a garantir o
desenvolvimento humano integral, que reconhece o indivduo como
cidado sujeito de direitos civis, polticos, sociais, culturis e
gnero ou geracionais;
Participado comunitria, sociedade civil fortalecida

organizacionalmente;
Perspectiva territorial e descentralizada das intervenges
econmicos. Desta maneira, a Dimenso Social da integrado regional
pblicas, considerando a reduâo das assimetrias intra e
se confgura como um espado inclusivo que fortalece os direitos
transfronteirigas.
cidados e a democracia.
A Declarao de Princpios do MERCOSUL Social sintetiza os
Resulta plausvel a correlao direta entre o afanamento da
temas que tinham ocupado a atengao e gerado acordos as reunies de
democracia e o desenvolvimento social: toda vez que aos cidados
seja impossvel ou difcil suprir suas necessidades bsicas a demo-
Ministros e Autoridades do MERCOSUL Social at aquele momento.

Os fundamentos conceituais se referem :
cracia ser lesionada, e a medida que um segmento da populao se
Centralidade da dimenso social da integrado que pretenda
mantenha excludo dos frutos do progresso e do avano tecnolgico a
promover um desenvolvimento humano e social integral;
democracia ser incompleta (Terra, 1990). No se trata somente de
Indissociabilidade do social e econmico na formulado, desenho,

implementaâo e avaliaâo das polticas sociais regionais;
Reafrmado do ncleo familiar como eixo de intervengo

privilegiado das polticas sociais na regio;
Ressaltar a relevncia da seguranza alimentar e nutricional;

Centralidade do papel do Estado;
Proteâo e promoâo social a partir de urna perspectiva de
direitos, superando a viso meramente compensatria do social;
advertir o que manifesta a abundante evidencia emprica ao res-peito,

mas principalmente ressaltar o princpio tico-poltico que sustenta a
relao vinculante entre bem-estar, exerccio pleno dos direitos e
legitimidade democrtica. O debate sobre as polticas de proteo
social e seu impacto na construo de um novo patamar de direitos
os direitos sociais- e de uma nova dimenso da cidadania cidadania
social no apenas estaria diretamente vinculado s di-menses
poltica e civil da democracia, mas seria a prpria base de organizao
dos estados modernos (Jaccoud, 2009).
i. Declaraco de Buenos Aires Por um MERCOSUL com rosto humano e perspectiva social, Buenos Aires,
14/07/2006.
2. Se refere VII Reunio de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL, Bolvia,
Chile, Per, em 2004; Declaraco de Assunco e a Declaraco de Montevidu, em 2005; e Declaraco
de Buenos Aires, em 2006.
Neste sentido, os avanos notveis em termos de superao da

pobreza e melhoramento da qualidade de vida de milhes de cida-dos
da Regio, assim como o descenso da taxa de mortalidade in-
fantil, a melhora no acesso aos servidos de sade e educaâo, entre
programas e projetos sociais regionais, mas tambm sua insero no
outras conquistas, no devem nos paralisar, mas ser o estmulo para
plano do desenho da planifcao das polticas sociais, na busca de um
continuar no caminho para erradicar a fome e a indigncia, superar as
relacionamento cada vez mais orgnico. Isto e, incorporar no s suas
situaôes de pobreza e gerar mais oportunidades a muitos cidados
demandas dentro de um esquema defnido e estruturado de ao, mas
que ainda no alcangaram os nveis de dignidade que merecer
tambm aquelas propostas que democraticamente se defnam. Para isso
Do mesmo modo, os efeitos redistributivos das polticas so~ ciais
se vislumbram como pr-requisito e desafo de fortalecimento dos
devem ser acompanhados tambm por medidas no plano tributrio, de
espaos decisrios e de sua mecnica de tomada de decises aos
modo que aquelas conquistas sociais sejam sustentveis e que se
efeitos de dar uma resposta efetiva e a tempo a mais demandas, cada
aprofundem as estratgias em direâo equidade. A reduâo da brecha
vez mais complexas, de uma comunidade ativa e participativa. No
social no pode ser nica e exclusivamente produto da aplicaâo das
podemos renunciar ao surgimento de instncias concretas que
polticas sociais, estas vo precisamente de mos dadas com medidas
possibilitem
econmicas, tendentes a reduzir a presso fscal dos setores sociais
permanentemente sobre o rumo das nossas aes. Ser neces-srio
vulnerveis.
conjugar a ao poltica com a ao social, de modo que se consolide
um
pensamento
crtico,
capaz
de
elucidar
Paralelamente, a regularizado dos mercados de trabalho, a
um coletivo hegemnico capaz de sustentar a longo prazo as
criaâo de novas fontes de trabalho decente, e o aumento das re~
transformaes em curso. Pensar em um MERCOSUL onde os
tribuiôes salariis demostraram ter efeitos diretos na melhora da
cidados se vejam identifcados e construir uma identidade regional
renda familiar e, por conseqncia, na diminuiâo da desigualdade
implicam democratizar as relaes de poder e promover a participa-
social. Parece evidente que quanto maior o bem-estar geral, maior a
o orgnica dentro de um amplo Bloco que continue aprofundando
predisposiâo a formar parte dos assuntos pblicos, o que resulta em
seus objetivos de incluso social.
outra forma de robustecer a democracia e ampliar os horizontes de

participado cidad. Neste sentido, parece indispensvel incor porar
aês concretas para criar um novo tipo de relacionamento com a
sociedade civil. Este deve gerar instncias de participado real dos
atores sociais3. A participado real compreende no s a incor poraô
dos cidados de direito para a implementaâo dos planos,
3. Movimentos sociais, organizaces de bairros e rurais, organizaces no governamentais...
I. MERCOSUL ontem e hoje
As origens do MERCOSUL se remontam nos anos 90 e a partir de

ento em sucessivas etapas o processo de integrado foi aprofun-dando
sua estrutura, seus objetos e suas conquistas. Desde ento, a
conformado do Bloco permitiu continuar somando scios da regio
como una plataforma estratgica de projeô prpria regio e do
Cone Sul ao mundo.4
No contexto atual, o MERCOSUL tem objetivos diferentes aos
inicialmente propostos. Os primeiros anos se desenvolveram sob urna
concepâo de integrado regional que ponderava quase exclusivamente
os fatores e indicadores de crescimento econmico-comercial. Assim,
desenvolveu-se na primeira dcada um MERCOSUL mercantilizado
at que fnalmente a crise do fm do milnio provocou a diminuio das
relaes comerciais intra-regionais, des-vanecendo as perspectivas de
crescimento e aumentando os nveis de pobreza e desemprego. Mais
tarde, o MERCOSUL foi deixando para trs aquela concepâo
centrada exclusivamente no mercado e cercada por assuntos
aduaneiros, tarifrios e comerciis, para ir incorporando outras facetas
da integrado regional, repensando seu
4. O Bloco regional MERCOSUL est formado pelos Estados Parte fundadores, Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai, mais Venezuela, recentemente incorporado.
MERCOSUL ontem e hoje 25
espao territorial com um olhar continental e avanando na dimen-so
vos segmentos da populao denominados novos pobres indiv-
poltica do processo iniciado h mais de vinte anos.
duos e famlias que se constituram como os principais destinatrios
Nos primeiros anos do presente sculo, a partir de vises pro-
das polticas sociais assistencialistas e focalizadas. Desta maneira se
gressistas a nvel nacional, os diversos governos do Bloco iniciaram
aprofundou ainda mais a desigualdade, afetando severamente os n-
processos de transformao que gradualmente se projetaram para o
veis de coeso, equidade e integrao social nos Estados da Regio.
contexto regional. A partir desse momento, o cenrio da integrao se
Portanto, no contexto atual, os desafos do MERCOSUL so amplos,
transformou e a ideia de um projeto estratgico e de carter integral
com uma proporo da populao a pesar de todas as medidas
comeou a ser aprofundada para dar lugar dimenso social. A
tomadas ainda ausente dos benefcios do esquema atual de
convergncia de vrios objetivos sociais neste espao comum no foi
intercambio comercial ampliado e buscando conciliar uma integra-o
produzida instantaneamente, j que a iniciativa do MERCOSUL, em
com objetivos mais amplos das suas polticas. O cenrio regional
seus incios, minimizava, ou diretamente exclua de sua agenda as
planteado supe a necessidade de outorgar ao MERCOSUL e seus
dimenses social, cultural, poltica, produtiva, ambiental e identi-tria
Estados associados um novo sentido coordenao de esfor-os
no seu modelo de integrao. A crise social, econmica e poltica que
regionais, aprofundando o processo de integrao e as linhas de
afetou a regio, principalmente entre 1998 e 2002, colocou em
convergncia em polticas pblicas regionais. A reconceituao dos
evidencia as limitaes e o esgotamento daquele modelo de de-
grandes objetivos centrais, na medida em que estes gerarem maiores
senvolvimento no mbito dos Estados Parte, debilitando tambm o
nveis de bem-estar e desenvolvimento6, determinar o desenvolvi-
MERCOSUL e as capacidades dos Estados encarregados de levar
mento das sociedades que se relacionam dentro do espao geogrf-co
adiante os processos de integrao regional que deixaram de operar
compartilhado com o Cone Sul das Amricas.
com a lgica mercantilista e burocrtica nas suas instituies.

A nova questo social5 se plasmou com maior violncia, deixando altos nveis de inequidade, pobreza, desemprego e excluso
social em vrios pases da regio. A este processo se somaram transformaes e mudanas nas conjunturas regionais, identifcando no5. A questo social urna aporia fundamental, na qual urna sociedade experimenta o
enigma de sua coeso e trata de impedir o risco de se romper. um desafo que interroga, pe em questo a
capacidade de urna sociedade existir como conjunto vinculado por relacoes de interdependncia. (Castel,
1997).
6. Para Amartya Sen (2000), autor no qual se inspiram as concepes atuais de desenvolvimento
social que elaborou as bases conceituais para uma noo de desenvolvimento com
liberdades, uma concepo adequada de desenvolvimento deve ir alm da acumulao de
riqueza e do crescimento econmico. Em sua concepo, o desenvolvimento implica a
ampliao das liberdades necessrias para que os sujeitos possam tomar decises ao respeito
de suas vidas e, portanto, requer o incremento das capacidades individuais, que esto
relacionadas ao aumento das decises e oportunidades disponveis para cada indivduo.
Desta maneira, para promover o desenvolvimento, seria preciso eliminar as principais fontes
de privao da liberdade: pobreza e a falta de oportunidades econmicas, e tambm a
eliminao da negligncia sistemtica e a intolerncia dos servios pblicos. Seo Brasil,
em A Dimenso Social do MERCOSUL, Reunio de Ministros e Autoridades de
Desenvolvimento Social do MERCOSUL e Estados Associados, junho de 2006.
Conceber o MERCOSUL repensado no mbito de um projeto
A partir de uma viso geral dos grandes desafos a serem abor-
poltico e estratgico, que inclu tanto aspectos de integrado
dados a partir da dimenso social no MERCOSUL, faz-se necess-rio
econmico-social como aqueles que implicam continuar valorizando
e pertinente colocar novos elementos sobre os quais as refexes sero
as polticas sociais com perspectiva regional, aos efeitos de continuar
orientadoras da nossa refexo em matria de Poltica Social. Neste
superando o enfoque utilitarista e economicista do bem-estar.
sentido, fundamental a importncia do papel do Estado na gesto das
A relevncia e o entendimento da Dimenso Social no processo
polticas sociais as quais j no deveriam ser pensadas como
de integrado regional supe conceber as polticas sociais no como
subsidirias dos efeitos no desejados do crescimento econ-mico,
compensatrias e subsidirias do crescimento econmico, mas assu-
mas como um eixo transversal que articula todo o processo de
mir que todas as polticas pblicas conformam urna estratgia de de-
integrao. Neste sentido tem validez o fato de recuperar as re-fexes
senvolvimento humano. Em consequncia disso, tanto h condiês
desenvolvidas em seu momento por Alicia Kirchner (2006): A
econmicas para o desenvolvimento social, como condiês sociais
Dimenso Social do MERCOSUL no deve ser mais uma parte do
para o desenvolvimento econmico. necessrio no perder de vista
emaranhado de reas envolvidas, mas tem de ser central, porque o
que todas estas aês sero em vo se no geram aês concretas que
social entendendo-se o social como ao para a promoo da
facilitem o acesso, apropriaâo e exerccio de urna cidadania plena
pessoa e sua realizao individual em uma sociedade inclusiva-, em
dos povos da regio. Esta concepô nos coloca diante do principio
pases como os nossos, cujos povos sofreram anos de abandono,
irrenuncivel de dotar a integrado regional de sua dimenso tica, o
excluso e pobreza, deve constituir a pedra angular que sustente e
que essencial se queremos conceber e desenvolver urna integrado
articule toda a rede de polticas pblicas.
plena e socialmente justa. Por outro lado, as problemticas sociais ho
Atualmente, no processo de integrao do MERCOSUL social,
de ser assumidas com toda sua complexidade, procurando completar a
vem-se discutindo sobre a importncia da incorporao das polticas
integridade na resposta aos problemas existentes. Sobre esse
sociais no desenho de modelos de desenvolvimento, debate que d
fundamento o MERCOSUL faz aluso Dimenso Social a partir de
lugar questo seguinte, ou seja, ao tipo de polticas sociais que se
urna perspectiva de intervengo social necessariamente articulada,
impulsionam, e o papel crucial que elas exercem no desenvol-vimento
pois a verdadeira dimenso de urna poltica social leva em conside-
da
rado todos os campos da realidade, em seus aspectos econmicos,
experimentadas na Regio no perodo 2002-2010 e a aplicao de
sociais, polticos e culturis.
7. XIII Reunio de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL e Estados

Associados. Ata N 02/07, anexo 5, Montevidu, 23 de novembro de 2007.
Regio.
melhora
das
condies
econmicas
gerais
planos de programas sociais especfcos trouxeram como resultado a

diminuio da pobreza e da indigncia (CEPAL, 2010) e, em menor
escala, da desigualdade.
Estes avanzos geraram espatos para o debate sobre as polticas
controles adequados, reduâo dos recursos e polticas clientelistas que
sociais e se comeôu a buscar novos rumos considerando as ques-tes
afetaram em seu conjunto os dispositivos consolidados em dcadas
estruturais e de mais longo prazo, superando una inclinaô de curto
anteriores.
prazo e optando por urna viso estratgica. Neste novo horizonte a
Por outro lado, no passado recente (ltimo quarto do sculo XX)
poltica social cometa a recuperar e reformular una nova re-laô
se aplicaram polticas que abjurando daquele modelo de Estado-,
entre poltica social e cidadania (Kirchner, 2006). Em geral, o que est
destruram os dispositivos de cobertura e proteâo social substituindo-
sendo discutido o que constitu o maior desafo da regio: como
os por formulaôes minimalistas e exclusivamente compensatrias
superar o fracasso das polticas sociais das dcadas passadas em sua
que provocaram o desamparo de ampios setores da populacho e sua
tentativa de reduzir a desigualdade
e assegurar polticas que
fortaleâm o acesso e apropriaô de maiores nveis de cidadania.
excluso do exerccio dos direitos sociais e que agudizaran! um

processo que acumulava pobreza h muito tempo atrs. Foi com o
Consideramos fundamental, e como ponto de partida do pro-
incio do presente sculo que se superou um conceito do Estado
cesso de integrado regional, optar por um enfoque que busque re-
Mnimo ausente ou prescindvel para retomar um novo ca-minho
cuperar a histria e as particularidades de cada um dos pases em
de construyo solidria, responsvel e efcaz ante as situaôes de
relaâo s diversas formas de abordar a questo social . A inefcin-cia
vulnerabilidade socioeconmica.
das polticas sociais era resultado da impossibilidade de superar em
O ex-presidente Luiz Incio Lula da Silva afrmava desta maneira
seu desenho um enfoque terico da convergncia, que pretenda
que o sculo XIX foi da Europa, e o sculo XX foi dos Estados
assemelha-se ao Estado de Bem-estar europeu.
Unidos, no podemos perder a oportunidade de mudar essa histria.
Desta maneira, se pretenda um ideal de desenvolvimento que
H 10 anos olhvamos para a Europa e para os Estados Unidos e de
no levava em consideraâo a realidade prpria de cada pas e, con-
repente, em dois anos, fzemos urna coisa chamada Comunidade Sul-
sequentemente, as possibilidades reais de desenvolvimento. Sendo
americana de Naês e todos ns participamos do MERCO-SUE'.
assim, outros fatores foram decisivos no processo de deteriorizaâo
Neste sentido, fundamental dirigir o olhar ao interior de nossa regio
das matrizes de bem-estar clssicas, vinculados formaâo de fortes
e encontrar as diferengas de cada pas as fortalezas que conduzam a
corporales com interesses setoriais, burocracias inefcientes e sem
urna sinergia regional que possibilite maiores nveis de autonoma e
4. Atualmente a Amrica Latina continua sendo o continente mais desigual do mundo.

5. A Questo Social foi o reconhecimento de um conjunto de novos problemas vinculados s condices
modernas de trabalho urbano a partir das grandes transformaces sociais, polticas e econmicas geradas
pela Revoluco Industrial na Europa no sculo XIX (Gmes, 1979).
desenvolvimento da regio. Optar por um desenvolvimento endgeno,

que olhe o interior da nossa Amrica, que re-conheâ e fortaleza as
capacidades prprias de cada territrio com urna participado ativa das
pessoas na construyo de poder a partir

de urna tica de participado e consenso. Neste sentido as polticas
a) Da integridade e das polticas sociais
sociais tm un papel estratgico neste modelo de desenvolvimento, a
Primeiramente se assume que o conjunto de intervengoes p-
partir da busca de una abordagem integral e territorial que articule
blicas parte de um conceito-chave que se refere integralidade desde
disciplinas, setores e recursos, orientadas a gerar mecanismos
o desenho original at a implementaâo de todos os planos e pro-
genunos de integrado social cidad.
gramas sociais. Entendendo por integralidade a incluso das mul-
Com a aprovao do Plano Estratgico de Ao Social (PEAS),
tidimenses que operam na realidade, de modo que se obtenham
em junho de 2011, se da um passo substantivo na consolidado da di-
resultados plausveis e sustentveis. Assim, so to relevantes os
menso social do MERSOCUL, construindo um guia programtico
fatores econmicos que condicionam fortemente as possibilidades do
para os quatro Estados Parte que condensa a vontade do conjunto do
desenvolvimento humano, como aqueles que vm de trajetrias
Bloco em dez eixos fundamentis e vinte e seis diretrizes estratgicas.
educativas e culturis, como tambm os vetores psicossociais dos
O PEAS contem indicaes e objetivos especfcos no que se
grupos e setores que so destinatrios daquelas polticas. Por outra
refere a: 1) Erradicar a fome, a pobreza e combater as desigualdades
parte, a integralidade das polticas pblicas implica o desdobramen-to
sociais; 2) Garantir os direitos humanos, a assistncia humanitria e
articulado das polticas setoriais se apoiando e se complementando
igualdade tica, racial e de gnero; 3) Universalizar da sade pblica;
urnas s outras, de modo que os ganhos no sejam limitados a certas
4) Universalizar a educao e erradicar o analfabetismo; 5) Valorizar e
esferas ou manifestares dos problemas sociais, mas afetem
promover a diversidade cultural; 6) Garantir a incluso produtiva; 7)
positivamente e sinergicamente o resultado fnal. Para ilustrar este
Assegurar o acesso ao trabalho decente e aos direitos humanos de
enfoque basta reconhecer que a cobertura educativa no sufciente se
previdncia social; 8) Promover a sustentabilidade ambiental; 9) As-
no se opera simultneamente no nvel de nutricio desde a remota
segurar o dilogo social; e 10) Estabelecer mecanismos de cooperao
idade e durante a fase de gestaô; no possvel que urna crianza
regional para a implementao e fnanciamento de polticas sociais.
desenvolva plenamente suas capacidades intelectuais se no dispe de
O Plano Estratgico de Agao Social se constitu como um guia
urna base alimentar adequada.
que indica as prioridades em matria de polticas pblicas da re-gio,

defnidas pelo conjunto de ministrios e organismos pblicos do
b) Dos direitos humanos como argumento tico e poltico
MERCOSUL. E se por um lado determina as reas temticas e
Em segundo lugar, cabe precisar que os direitos humanos con-
problemas que os quatro Estados Parte enfrentam, por outro h cri-
sagrados umversalmente exigem que os Estados garantam seu pleno
trios ou enfoques que os atravessam transversalmente.
gozo sem mais restrigoes que aquelas que permitam um acesso

igualitrio e equitativo para todos ao conjunto de bens (materiais e

simblicos) e servidos que os satisfaâm. Deste modo, os direitos
de uma famlia do sculo XXI. Assim, uma famlia est formada por
sociais, econmicos, civis, polticos e culturis so os pilares funda-
indivduos conectados por laos afetivos, de sobrevivncia, ou de
cionais sobre os quais se constri urna sociedade integrada e inclusiva.
reproduo, sendo um leque to amplo que inclui desde o estere-
No so os direitos humanos meras declarares retricas, mas o
tipo de pai, me e flhos, at o reconhecimento de unidades familiares
fundamento a partir e pelo qual se formulam e instrumentan! as
constitudas por casais do mesmo sexo com ou sem flhos. Em
polticas pblicas. Em consequncia disso, os cidados so sujeitos de
qualquer caso, as polticas apontam a consolidar as unidades bsicas
direitos e no somente objetos passivos, receptores dos produtos das
de convivncia que asseguram a proteo, o cuidado e a cobertura de
polticas pblicas. A prpria condiâo de cidadania leva a um direito
seus componentes a fm de lhes oferecer as mesmas possibilidades de
inerente mesma, isto , o direito no s a participar dos frutos do
desenvolvimento pessoal em um mbito de satisfao das neces-
desenvolvimento e do progresso tecnolgico, mas tambm de
sidades humanas.
participar ativamente na determinaâo das prioridades, defnigao dos

objetivos e na vigilncia do cumprimento do acordado democr-
d) Do enfoque de gnero
ticamente pelo coletivo social. Dito de outra maneira, no possvel
Em quarto lugar, o enfoque de gnero nas polticas sociais im-
urna expanso e robustecimento das democracias se no for atravs do
plica gerar igualdade de oportunidades de todos os seres no s para
respeito e da promoâo dos direitos humanos em sua mais ampia
aceder aos recursos, mas tambm para desenvolver seus potenciais,
acepâo. Portanto todas as metas das polticas sociais esto refe-
tomar decises e exercer seus direitos. Neste sentido toda poltica
renciadas para garantir seu mais pleno exerccio, atendendo precisa-
social deve estar vinculada ao desenvolvimento e promoo das
mente as diferengas emergentes no seu ponto de partida.
relaes equitativas e a eliminao de toda forma de discriminao,

seja por sexo, gnero, classe ou etnia, ou inclusive pela condio de
c) Da famlia como centro e foco de ateno
migrantes. A partir disso as polticas sociais devem contemplar as
Em terceiro lugar, tem-se a famlia como ncleo principal de
inequidades histricas que se desenvolveram na construo das
atengo das polticas sociais a partir de urna concepâo que abarca as
relaes entre homens e mulheres, assim como reformular os papis e
mltiplas confguraês e estruturas que ela assume as realidades
modelos de identidade excludentes que afetam o desenvolvimento das
contemporneas. No se trata aqui de estabelecer taxativamente como
pessoas, tanto de mulheres, como de homens. Em suma, uma
deve estar constituda urna famlia, mas muito evidente que esta no
abordagem de gnero nas polticas sociais implica identifcar os di-
se restringe a um padro tradicional, mas, pelo contrrio, as polticas
ferentes dispositivos que operam na excluso social das mulheres,
sociais se adaptam variedade de expresses e formas
desenhando estratgias que tendam a restituir direitos ao mesmo
II. Polticas pblicas e desenvolvimento social
tempo em que reconfgurem prticas que tendam a gerar uma rela-o

social igualitria entre homens e mulheres.
e) Do enfoque territorial
Em quinto lugar, a territorialidade e a descentralizao das intervenes pblicas supem reconhecer que nos bairros das grandes
cidades, nos povoados e nas vilas, nos assentamentos rurais onde a
populao vive e convive- onde se materializam os planos, programas
Os enfoques tericos do desenvolvimento social so variantes subs-
e projetos sociais concretos. Isso implica, em consequncia, re-
tantivas de duas variveis fundamentais para entender seus correlatos
conhecer as assimetrias e desigualdades, as vantagens e desvantagens
empricos. Isto , as polticas pblicas aplicadas a partir de seu
geradas a partir de trajetrias diversas e singulares. A tenso entre
fundamento conceitual: por um lado a noo de cidadania no marco de
polticas homogneas e particulares no impede adequar com acerto as
uma democracia pluralista e, por outro, o papel do Estado em uma
intervenes pblicas de modo a obter os resultados desejados,
economia de livre mercado. Por certo que, a partir de uma perspectiva
reequilibrando ou redistribuindo recursos em posse de uma justa
no capitalista, aqueles enfoques mudam radicalmente, pelo que
igualao no acesso e exerccio efetivo dos direitos cidadania. Dito
resulta relevante consider-los tambm no espectro terico na medida
enfoque territorial considera as disparidades tanto dentro de cada pas,
em que se sustentam em concepes bem diferentes em torno ao
como entre os pases que compem o MERCOSUL, seguindo o
desenvolvimento e o bem-estar.
mesmo princpio de igualao de oportunidades que os Estados devem

garantir a seus povos.
Matrizes de bem-estar
A partir do modelo de bem-estar, que constituiu o paradigma de

proteo social implementado nos Estados europeus e em algu-mas
das naes latino-americanas nas primeiras dcadas do sculo XX at
os nossos dias (mesmo reconhecendo as grandes diferen-as em
termos de conquistas e concrees que distanciam os pases do
MERCOSUL, particularmente Argentina, Brasil e Uruguai em
comparao com outras naes do subcontinente), assistimos a profundas transformaes de ordem econmica, social e poltica que
36 A dlmenso social do MERCOSUL - Marco conceltua
Polticas pblicas e desenvolvlmento social 37
impactaram de maneira signifcativa nas estruturas estatais, em suas
to por J. Locke), desenvolvido por Robert Castel (2003), que sugere
funes, em sua capacidade de atender adequadamente os problemas
uma reapropriao por parte dos no proprietrios do produto de seu
sociais derivados daquelas mudanas.
trabalho (ou pelo menos de uma parte dele), atravs de sua ins-crio
Toda referncia analtica que se faa das polticas sociais faz
em um sistema de proteo e no por possuir um patrimnio, de modo
necessria sua vinculao com os modelos de desenvolvimento que
que se constituam em indivduos includos no prprio sistema
implcita ou explicitamente os informam e determinam, razo pela
(Castel y Haroche, 2003).
qual importante ressaltar os marcos tericos e seus correlatos so-
Desta maneira a identifcao das caractersticas especfcas do
ciais. Neste sentido, convm recordar que o velho Estado de bem-estar
modelo tradicional do Estado de Bem-estar com um modelo de
foi tributrio particularmente em alguns pases latino-ameri-canos
desenvolvimento econmico protecionista (muito prximo ao key-
de um modelo de desenvolvimento protecionista sustentado na poltica
nesiano), permite entender o papel reservado ao Estado em sua fun-
de substituio de importaes e subsdios s indstrias nacionais na
o social. Papel central no desenho e articulao de um sistema de
aposta por dinamizar os mercados internos. Esse modelo precisava
coberturas mltiplas para o trabalhador (empregado particular ou
expandir uma classe mdia que ento fosse capaz de aumentar o
pblico) e sua famlia, que atendia as contingncias e riscos aos quais
consumo, gerar economias e investimento produtivo.
se devia responder de maneira efcaz, gerando um mecanismo de
Os Estados de Bem-estar se desenvolveram basicamente a partir
aposentadorias e passividades, mltiplas coberturas por perda tem-
da confgurao de um conjunto de dispositivos e sistemas de proteo
porria do emprego, diante de doenas ou por invalidez temporria ou
social ao trabalhador e sua famlia, implicando uma poltica social de
defnitiva, acidentes trabalhistas, folga, etc.
cunho universalista, de modo a garantir o acesso indiscriminado da
Lembremos, por outro lado, que no se pode explicar a constru-
populao aos bens, servios e s prestaes sociais; e no qual as
o daquele sistema de protees sem considerar a ao permanente e
polticas sociais tinham um papel redistributivo da renda. O Estado
efcaz das organizaes sindicais que, seja pela presso, pela mobi-
Social foi o grande ordenador de uma sociedade assegura-dora (na
lizao e negociao como tambm pela auto-gerao de organiza-
denominao de F. Ewald) que deu forma aos esquemas de proteo
es solidrias, mutuais e de ajuda mtua, contriburam a aumentar as
social, como a proviso de suportes necessrios (materiais simblicos,
bases daqueles modelos de bem-estar. Podia-se afrmar que de algum
relacionais e culturais) para poder contar com a condi-o objetiva de
modo aqueles Estados de bem-estar emergentes nas primei-ras
possibilidades (Castel y Haroche, 2003) de optar e decidir sobre seu
dcadas do sculo XX foram o resultado do consenso tcito ou
prprio destino. o conceito de propriedade social (por oposio a
explcito entre classes e setores sociais, um acordo implcito entre
propriedade privada como fundamento propos-
Capital e Trabalho que gerou como resultado conquistas arrebatadas
e tambm concesses outorgadas, demandas de negociares entre
aâo e deciso em matria de polticas pblicas. Cabe consignar que
interesses opostos, mas reconciliveis em um ponto, porque havia
no campo das polticas sociais as decises sempre afetam o padro
possibilidades reais de satisfazer mnimamente as necessidades de
redistributivo e, portanto, obrigam os governantes e os decisores a
toda a sociedade.
selecionar diferentes alternativas que so de natureza poltica por ex-
Passada a poca de ouro na Europa (os anos gloriosos) e a crise
celncia e no atend-las como meras questes administrativas ou de
petroleira de impacto mundial do ano 1973, e depois da reestrutura-
carter tecnocrtico. Os efeitos destas decises (polticas regressivas
o produtiva do capitalismo (a partir de sua crise de acumulao) na
ou progressistas) comprometem, portanto, uma postura poltica.
Amrica Latina, os traaos caractersticos do modelo que se aplicou em
Certamente o modelo de desenvolvimento exige conjugar urna
nosso continente se associaram abertura indiscriminada das
poltica econmica com urna poltica social de maneira equilibrada,
economias nacionais, o abandono do protecionismo e dos subsdios
realista e tambm apelando aos objetivos de mdio e longo prazo que
para as indstrias nacionais, a desregularizaâo crescente dos mer-
abram a rota aos modelos ideis de coeso e integrado social. O
cados de trabalho e privatizaês. Assim foi como a hegemona do
fundamento de carter tico na promoâo e defesa dos direitos hu-
capital fnanceiro imps uma racionalidade especulativa e de curto
manos se corresponde ao objetivo da estabilidade social e poltica, no
alcance na matria de investimentos produtivos. Os resultados es-
para adoar o confito tenaz e persistente, inevitvel ao fnal do marco
tiveram visveis nos anos noventa: precarizaâo e instabilidade tra-
de uma economia capitalista, mas para administr-lo a favor dos mais
balhista, destruido de fontes de emprego, cima de tudo no setor
desprotegidos. Esta urna das premissas de um Estado ao servio do
manufatureiro, aumento da pobreza e da excluso social. O entendi-
povo.
mento consensuado entre Capital e Trabalho se havia quebrado ignorando as afanosas conquistas do movimento obreiro de outrora.
Polticas sociais e econmicas: bem-estar e Estado de Bem-estar
As discusses sobre um novo modelo de desenvolvimento im-
Por outro lado, se aceitamos a distingao entre poltica social,
bricado a urna poltica social no subsidiria da poltica econmica
bem-estar social e Estado de Bem-estar feita por Gough (2003), po-
ganham especial relevncia quando assistimos a um signifcativo giro
demos estabelecer urna articulaâo com a poltica econmica, com
das orientales polticas a partir das mudanzas de governo nos pri-
frequncia indiferenciada da poltica social. Ou seja, para alguns no
meiros anos do presente sculo. Da nossa perspectiva, um modelo de
h melhor poltica social que urna boa poltica econmica, como se a
desenvolvimento que se preze como desenvolvimento humano, ser
primeira se tratasse de um simples resultado ou efeito automtico da
sempre integral. O foco posto no bem-estar da populao e o aumento
segunda. Neste sentido, as polticas sociais so produtos especfcos
sensvel da qualidade de vida se constituem na guia de toda
de governo ou corpos encomendados por governos. So
40 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceitua
Polticas pblicas e desenvolvimento social 41
formas de intervengo na esfera da reprodujo da forga do trabalho e a
(1986, 1990) sobre o papel da Poltica Social em contextos democr-
famlia, enquanto que a poltica econmica intervengo estatal na
ticos e de transformado social. Para Trra, um sentido restringido das
esfera da produô (Gough, 2003). Deste modo, as polticas sociais
polticas sociais supe urna nivelaâo dos distintos membros da
preservam sua especifcidade quando sugerem algumas pr-ticas
sociedade em geral e em particular das carnadas subalternas da mes-
institucionais, processos e resultados perfeitamente distingu-veis das
ma, com a fnalidade de cobrir as diferentes dimenses fsiolgicas e
polticas econmicas. Para o autor, o bem-estar social se refere ao
sociais da reprodujo dos indicadores: alimentado, educaâo, mora-dia,
resultado fnal na condiâo de indivduos ou grupos. A medida
vestimenta e calado, lazer e transporte. No entanto, a partir de urna
desejvel mais comum do bem-estar na literatura sobre o tema a
concepâo mais ampia, podem-se considerar como o conjunto de
igualdade, no entanto estabelece que ... a ideia de bem-estar se
polticas orientadas para assegurar a satisfago de necessidades da
expressa melhor a travs do conceito de capacidades enunciado por
populacho e a criar as condiês propcias ao desenvolvimento social
Sen (1992) e de nosso conceito de satisfago da necessidade humana
e pessoal, em todos aqueles aspectos que no sejam somen-te o
(Doyal y Gough, 1991). Um Estado de Bem-estar , ento, um
resultado do estabelecimento da democracia poltica, a paz e a ordem
conjunto de produtos de polticas que perseguem o objetivo de
pblica, ou do desenvolvimento econmico, cientfco ou tecnolgico
melhorar o bem-estar humano, defnido desta maneira (Gough, 2003).
(Trra, 1990).
Ou como afrma Moreno (2001), o Estado de Bem-estar um
Sendo assim, o mencionado enfoque ressalta a condiâo de in-
conjunto de instituiês pblicas provedoras de polticas sociais
tegridade do conjunto das polticas pblicas e sua anlise sistmica,
dirigidas melhora das condiês de vida e a promover a igualdade de
que supe urna articulaâo equilibrada e congruente entre as polticas
oportunidades dos cidados.
econmicas e as polticas sociais, enfatizando o critrio de inclu-so
A partir desta perspectiva, ambas as categoras de polticas p-
dos sujeitos no desenho, implementaâo e avaliaâo das polticas e
blicas (econmicas e sociais) devero necessariamente se conectar e se
programas de desenvolvimento social (a participaâo no urna
imbricar em urna estratgia unifcadora para o desenvolvimento [hu-
varivel instrumental, mas substantiva que garante a obtengao dos
mano]. Concebendo esse desenvolvimento no como o mero cresci-
impactos desejados).
mento econmico, ou aumento agregado dos ativos, bens ou servidos

totais produzidos por urna sociedade, mas como o desenvolvimento
Regimes de bem-estar
das potencialidades de todos os membros da sociedade, a fm de urna
Os esforgos sistemticos por estabelecer um marco normativo do
realizado plena das necessidades humanas (Max Neef, 1986).

Tambm destacamos as contribuiês de Juan Pablo Trra
Bem-estar, a partir de urna construyo analtica de corte comparativo,

recorreram a intricados testes sobre as realidades e processos
diversos. Assim, podemos lembrar os estudos de Richard Titmus e
da famlia no mercado; fnalmente, 4) o modelo mediterrneo no qual
tambm as transcendentes contribuiôes de EspingAndersen. De
a famlia se constitui como fator essencial de microsolidariedade
acord com Moreno (2001), dois grandes modelos de bem-estar to-
complementar aô estatal.
maram forma a partir do fnal do sculo XIX: o primeiro quando se
Vrios autores examinaram a pluralidade das realidades sociais e
instalou um regime de seguranza social pioneiro na Prssia de
institucionais a partir da perspectiva latino-americana. Assim, Fil-
10
Bismarck , que implantou um conjunto de prestaês sociais para os
gueira (1998) prope um esquema de anlise sobre a relaô entre
trabalhadores, regime de carter essencialmente contributivo; e o
Estado, Famlia e Mercado, a travs de trs modelos de regimes de
segundo modelo, anos mais tarde, tipo Beveridge, mais universal as
bem-estar: universalismo estratifcado, regimes duais de bem-estar e regi-
proteôes sociais ao conjunto da cidadania no Reino Unido.
mes excludentes. Em relaâo ao primeiro, mediante critrios de uni-
A tipologia elaborada por Esping-Andersen, e indo alm das
versalidade relativamente ampia, conseguem incorporar urna parte
crticas multivariadas que lhe formularam, Moreno (2001) reformu-la
importante da populacho aos efeitos das polticas sociais, mas este
os trs tipos tradicionais com um esquema de quatro tipos: 1) o
acesso est fortemente diferenciado em tipo e qualidade dos bene-
modelo anglosaxo (de inspirado e fundamento liberal) caracterizado
fcios (assim, estratifcado). Nos pases com regimes dualistas de
por prestaôes pblicas homogneas, com acesso a subsdios e
bem-estar, esta estratifcaô tende a excluir, a grosso modo, a me-tade
servidos de tipo residual e com a demonstrado de rendas (means
da populacho nacional. Nos modelos excludentes, por ltimo, os
tested) e um papel importante do mercado como provedor dos ser
benefcios da poltica social so o privilgio de urna minora. O
viôs e bens; 2) o modelo continental, fortemente infuenciado pelo
importante desta caracterizaâo analisar que a integrado social da
sociabcristianismo, de carter contributivo determinado por um sis-
Amrica Latina est dada pela coexistncia destas modalidades que,
tema de seguranza social que ampara os trabalhadores e suas familias,
desde o segundo ps-guerra em adiante, ela coexistiu em proporgoes
com urna participado complementar dos agentes corporativos na
variveis de acord com a sociedade em questo (Isuani, 2008).
proviso de dados satisfatrios; 3) o modelo escandinavo (de orientado
Desta maneira, um dos aspectos que caracteriza a Regio a
socialdemocrata) e fnanciado por impostes gerais, proviso universal
diferenga nos sistemas de proteâo social, expressada na convivncia
e prestaôes econmicas generosas e menor participado
entre regimes de poltica social realmente existentes, onde urna par te

da populacho consegue acessar a coberturas e benefcios de qualidade
10. Mais precisamente, Bismarck introduziu o Seguro Social como mecanismo de cobertura das situaces
derivadas do regime assalariado, tanto em consideraco aos acidentes de trabalho, como a atenco da
inatividade temporria ou defnitiva sobre a base de um regime contributivo.
do Estado nacional e, ainda que o fnanciamento seja maioritariamente prvido pelos prprios lares, conta com a proteô relativa e
indireta, muitas vezes atravs de mecanismos informis. Isso con-

Poltlcas pblicas e desenvolvlmento social 45
vive com outra parte da populacho que obtm, s vezes de maneira
servador que se traduziu na implementao de polticas neoliberais
precria e instvel, urna proteâo provida diretamente pelo Estado
de claro efeito regressivo na consideraâo do papel do Estado como o
cuja qualidade varia entre mdia e baixa, e um ltimo tero (podia-se
garante da integrado social e a redistribuiâo da renda por via po-
incluir mais um como produto da nova questo social) est composto
lticas sociais de carter universalista.
por urna parte da populacho cujo acesso s condiês mnimas de vida
A esse respeito, ressaltamos as considerares de Lo Vuolo (1998),
no est garantido pelas polticas sociais, salvo pela coincidncia,
com relao ao auge da doutrina e das prticas econmicas e
muitas vezes efmera, com os mecanismos de focalizado da poltica
institucionais neoliberais dos anos noventa: Passada a denominada
assistencial (Andrenacci e Repetto, 2006).
dcada perdida para nosso continente, instalou-se no debate pblico
A partir desta estratifcao observamos que a Amrica Latina
a questo dos modelos ou paradigmas do desenvolvimento, com
aparece como uma sociedade de trs-teros, ainda que as pro-posiôes
especial nfase no papel das novas polticas sociais que foram
da populacho entre os trs hajam variado com a histria. Sobre esta
ensaiadas em forma paralela e com carter subsidirio das polticas de
integrao social parcial e estratifcada, resultado e ao mesmo tempo
estabilizado macroeconmica. E logo, na dcada de noventa,
produtora de urna poltica social incapaz de resolver as desigualdades
implantou-se um esquema consolidado em boa parte do subconti-
estruturais que deram lugar a um tipo de cidadania restringida e muito
nente, cuja marca relegou as polticas sociais a suas funges amor
desigual por setores e territrios, sobrevenho a reforma de poltica
tecedoras. No foi surpreendente ento a proliferaâo dos planos
social da segunda metade dos 80 e acima de tudo da dcada de 1990.
focalizados para combater a extrema pobreza e a expanso de urna
A qual, dadas as caractersticas sinaladas, agudizou os nveis de
mirade de programas fnanciados pelos organismos multilaterais, os
polarizado e excluso social.
mesmos que recomendaran! os pacotes de medidas econmicas que
Crise do Estado de Bem-estar
inibiram quase por completo as possibilidades de abordar estratgias
Quando aquele modelo econmico de corte protecionista en-trou
de desenvolvimento social. Os mesmos organismos internacionais de
em crise na Amrica Latina (particularmente para aquelas na-es que
fnanciamento que hoje ressaltam que para que as naes latino-
haviam efetivamente comeado um modelo signifcativo de proteo),
americanas possam crescer econmicamente devem atacar a fundo o
racharam-se os pilares que sustentavam o Estado de Bem-estar, o
problema da pobreza (Banco Mundial, 2006).
estado providencia, nas palavras de P. Rosanvallon (1981): os cimentos
No entanto, o ocorrido as ltimas dcadas e at o inicio do
cederam ante a impossibilidade de sustentar seu fnan-ciamento, entre
presente sculo, evidenciou urna forte incongruncia e contradicho
outros fatores, mas tambm o modelo caiu em desgrana diante do
entre polticas econmicas e polticas sociais, quando, em realidade se
avanzo de um discurso ideolgico de cunho neocon-
tratava de analisar os vetores que impulsionaram o desenvolvi-
ment e as necessidades para sua instrumentalizaâo vivel. Para ns,
6. A integridade do enfoque social. As polticas sociais deixaram
a questo central se coloca exatamente quando no epicentro da
de ser exclusivamente compensatrias, e apontaram a incorporar um
mencionada estratgia se coloca o bem-estar e a qualidade de vida das
carter promocional (scio-educativo) e integral, procurando gerar as
pessoas.
condiês para o desenvolvimento social. Em efeito, se nos anos

noventa as polticas pblicas foram destinadas a corrigir ou mitigar os
Polticas sociais emergentes
efeitos prejudiciais das polticas econmicas, a perspectiva pro-
J faz urna dcada que polticas sociais de cunho progressista
gressista nos pases do MERCOSUL reorientou aquelas em fungao da
vm se desenvolvendo na Regio, havendo-se registrado as primeiras
centralidade dos direitos humanos em sua mais ampia acepâo. No
mudanzas as orientales no Brasil (2003) e na Argentina (2003) e um
obstante, mantiveram-se programas e projetos sociais de corte
pouco mais tarde no Uruguai (2005) e no Paraguai (2008). Isso
assistencial e mitigatrio, corretivo e compensador, mas se incor
possibilitou identifcar alguns traaos que caracterizam as polticas
porou urna viso integral com o propsito de superar as limitaês
sociais regionais cima das diferengas singulares, de modo que se
mais estruturais e atacar as causas que produzem e reproduzem a
valorizem os avanzos em matria de dispositivos de proteâo social.
pobreza. Assim mesmo, esse enfoque ressalta a condiô de integralidade do conjunto das polticas pblicas e sua anlise sistmica, que
1. O retorno do Estado. Se a consigna dos anos oitenta e noventa
supe urna articulaâo equilibrada e congruente entre as polticas
foi minimizar o Estado, e desmantelar cima de tudo- os dispositi-
econmicas e as polticas sociais, enfatizando o critrio de incluso de
vos de proteâo social, com a promessa de que o mercado autorregu-
cidados no desenho, na implementaô e na avaliaâo das polticas e
lado iria redistribuir a cada um de acord com o esforz colocado na
programas de desenvolvimento social.
producto, provendo os bens e servidos para o bem-estar, a consigna

lanzada pelas forjas da oposiâo convertidas agora em governo, foi
7. Inclinando a balana universalidade. Diferentemente do mo-
exatamente em direô contrria. O retorno do Estado implicou, a
delo neoliberal, que colocou no critrio da focalizado boa parte das
partir das novas orientaês progressistas, retomar as responsabi-
polticas sociais, o modelo progressista tenta romper com aquela
lidades abandonadas e imprimir urna forte intervengo nos mercados,
lgica para retomar a tendncia universalidade das prestaês e
especialmente em alguns casos, em relaâo regularizado dos
servidos, garantindo seu acesso a toda a populacho. A necessidade de
mercados de trabalho. A tnica da negociado coletiva foi instituda
reduzir a pobreza e a indigncia se formulava no marco das polti-
como urna prtica desejvel e particularmente em alguns casos, em
cas neoliberais a partir da individualizaâo dos problemas sociais e
urna prtica institucionalizada e totalmente legitimada.
a apelaô modifcado dos padres de conduta dos setores vulne-
rveis. A premissa do neoliberalismo assumia naturalmente as dife-
ta simples sua instrumentaô gerando altos custos transacionais e
renas e desigualdades sobre a base de uma competio no mercado
operativos, com as difculdades adicionis para selecionar com
que gerava inevitavelmente perdedores nessa contenda. Precisa-
preciso os lares em situaô de pobreza e extrema pobreza. Sucede
mente, o papel do Estado devia se limitar ateno dos cidados em
que so numerosas as famlias que fcam fora dos programas de
situao de pobreza extrema, das sequelas que o ordenamento eco-
transferncia de renda ou programas alimentares por escassas ou
nmico e produtivo deixava para trs. Da mo dos governos carac-
mnimas diferengas de renda.
terizados como de esquerda, progressistas, ou de raiz popular, todos

propuseram nos seus discursos a relevncia do universalismo como
critrio orientador para reencaminhar suas reformas sociais.
5. Transferncias de Renda Condicionada em expanso na Regio. O

combate pobreza mediante transferncias condicionadas urna das
inovaôes j instaladas na Regio. Alas cabem aqui vrios comentrios.
4. A focalizao subsidiria, um conceito atualizado. Se trata de
Em primeiro lugar que ... em nenhum dos casos analisados o investi-
aplicar o mean test, ou seja, a comprovao de meios como mecanis-
mento social aplicado aos PTC supera 1% do PIB, ainda que tenham
mo seletivo das populaes destinatrias dos programas de combate
um peso considervel dentro do Gasto Pblico Social, o que supe um
pobreza e a excluso social, argumenta-se a favor de outro con-ceito
esforz fscal signifcativo que se soma s contribuiôes fnanceiras dos
somado ao de universalidade: a focalizao subsidiria. Dito em
organismos internacionais, muito particularmente do BID que renovou
outros termos, para garantir o pleno exerccio dos direitos faz falta, de
vrias linhas de crdito de longo prazo e em condiôes muito
todos os modos, considerar que os pontos de partida das famlias, dos
especiis. Em segundo lugar, os programas de transferncia condicio-
grupos e classes sociais so dspares. Ao afrmar que a igualdade de
nada tiveram impactos signifcativos na reduâo da extrema pobreza e
oportunidades um objetivo bsico das polticas so-ciais, fca evidente
em menor medida no descenso da taxa de pobreza. No entanto, no foi
a assimetria pr-existente entre os cidados para fazer uso destas
importante o impacto na desigualdade social, ainda quando
oportunidades. Entra em jogo ento a ideia de que a focalizao dos
contriburam de alguma maneira diminuido da desigualdade social
programas e prestaes no contributivas estaria favorecendo o
medida pelo coefciente de Gini. Em terceiro lugar, ... resultou funda-
melhor aproveitamento (a efetivao dos direitos de cidadania) dos
mental a ancoragem territorial dos PTC, contemplando precisamente
servios e bens pblicos que se declaram de acesso universal. A
as diferengas e singularidades das populaôes a nvel local e regional.
focalizao se justifca na medida em que se subordina
A participado das administraôes municipais foi benefciosa na iden-
universalidade como critrio direcionador das polticas sociais, e no o
tifcaâo dos grupos mais vulnerveis e sua conexo com a malha de
substitua na prtica institucional. No obstante, no resul-
proteâo social em suas distintas expresses institucionais. O risco
de reproduzir as prticas do clientelismo se reduz substancialmente
PAL, 2010). Cabe lembrar que durante a crise observada em 2008 os
quando existem mecanismos de controle social que vigiam e alertam
governos da Regio mantiveram os nveis incrementis do Gasto
quando se descobrem irregularidades ou manuseios sem controle na
Social no sentido contrrio do que ocorrera na ltima dcada do
distribuiâo das prestaôes econmicas. Neste sentido, a presenta de
sculo passado. A prioridade colocada na atengao das necessidades
mbitos institucionalizados de participado cidad nos quatro pases
sociais cima de tudo dos setores mais vulnerveis, demonstra no s
conferem maior confabilidade e certeza ao processo de seleâo e assi-
a especial sensibilidade das esquerdas ante s situaês de pobreza e
naâo das prestaôes econmicas (Mirza et al., 2010).
indigncia, mas a intencionalidade de imprimir um carter anticclico

ao Gasto Pblico Social (GPS) com a fnalidade de que opere como
6. Aumento do Investimento Social. Em um mundo convulsiona-
freio e absorgao dos efeitos negativos das crises do capital. No
do por urna crise fnanceira e do modelo de acumulaô neoliberal que
obstante, tanto o gasto pblico em geral, como o gasto social,
parecera no ter fm, necessrio deixar claro a postura com respeito
continuam sendo altamente pr-cclicos, especialmente nos setores de
ao conceito de Gasto Pblico Social e sua substituido pelo conceito de
educaâo e sade. Porm, para enfrentar a crise fnanceira
Investimento Social. Neste sentido, toda vez que se fale de gasto
internacional, a grande maioria dos pases desenvolvern! polticas
social se corre o risco real que seja passvel de corte orga-mentrio
sociais e fscais ativas: no s defenderam, mas tambm incremen-
como urna medida de ajuste diante de situaês de crise econmica.
taran! o gasto para incrementar diversos programas de estmulo ao
De fato, este tipo de medidas signifcou no passado urna transferncia
emprego e de subsdios e transferncias. Isso demonstra que, diante
das piores consequncias das crises conjunturais da economia
das contradiques econmicas, deve-se fortalecer o trabalho em matria
globalizada aos setores sociais mais desprotegidos. Ao contrrio, a
de poltica social e destinar maiores quantidades de recursos
converso do Gasto Social em Investimento Social implica urna
precisamente em ditas etapas (CEPAL, 2010).
perspectiva de longo prazo, para o desenvolvimento de capacidades,

portanto muito mais difcil de ser recortado. No enten-dimento de que
7. Reformas sociais. Em vrias das naês da Regio se incremen-
o Gasto Pblico Social deveria ser reconceitualiza-do como um
taran! reformas sociais que foram transformando a fsionoma de
Investimento Social, observou-se urna tendncia ao seu aumento,
alguns setores fundamentis na esfera de producto de bem-estar.
principalmente nos valores destinados sade e educaâo, sendo
Sade e educaâo foram os setores privilegiados tanto que tambm se
relevante e mantida nos anos recentes. Assim que a Amrica Latina
modifcaran! algumas das prestaês sociais no contributivas
passou de 12,2% do PIB como mdia em 1990-1991 a 18% em 2007-
histricas como o caso das assinaês familiares no Uruguai e na
2008, sendo levemente superior a 20% no MERCOSUL (CE-
Argentina. A re-estrutura global dos sistemas de sade, aumentando
e redistribuindo os recursos pblicos, estabelecendo controles de
mbitos a nvel estadual e municipal como os Conselhos de Direitos
qualidade as prestagoes, privilegiando a atengao primria em sade
formados por representantes do governo e da sociedade civil, com
priorizando a promogao e prevengao, a descentralizagao dos servidos
estrutura custeada pelo Estado e poder de voto e/ou consulta sobre a
sanitrios com participagao de agentes locis e a regularizado dos
defnio das polticas pblicas. O propsito de todos eles aponta a
mercados, tudo isso faz que as reformas em curso consolidem a
melhorar a gesto pblica, procurando efeitos sinrgicos das aes
universalizagao no acesso, uso e desfrute dos direitos correlativos. No
estatais e reduzindo custos de execuo. Convivem ditos espaos de
setor da educagao tambm se registraram mudanzas relevantes ainda
intercmbio e articulao com as esferas especfcas e setoriais de
que incompletas e insufcientes; certamente se elevaram os indicadores
atuao, manifestando problemas de competio entre agncias p-
relativos matrcula (cima de tudo no ensino fundamental), mdia
blicas, difculdades de articulao vertical e prerrogativas excluden-tes
de escolarizagao e incorporagao dos setores mais excludos em
que inibem a existncia de intervenes similares, o que constitui uma
zonas urbanas e rurais; tambm se registraram conquistas signifcativas
soma de barreiras que freiam ou atrasam as mudanas da cultura
na redugao do analfabetismo. Em conjunto as reformas ainda so
burocrtica.
parciais e em alguns casos se focalizaram em urna re-engenharia

organizacional, com certo descuido dos contedos pedaggicos
9. Polticas sociais e polticas econmicas. As polticas sociais his-
substantivos. No entanto, as transformares de ambas as polticas
toricamente estiveram subordinadas aos desgnios das polticas eco-
setoriais do conta de estratgias que foram iniciadas tendo como
nmicas, especialmente em tempos da hegemonia neoliberal. Para
fnalidade a integrado social.
algumas teorias, as polticas sociais deveriam somente aplicar corretivos ou paliativos em funo das consequncias ou efeitos que as
8. Maior preocupagao pela articulagao de polticas setoriais. H
polticas econmicas produzissem. Para outras, as polticas sociais
vrios anos est em funcionamento o Conselho Nacional de Coor-
devem se amalgamar s polticas econmicas no marco de uma es-
denado de Polticas Sociais como rgo estatudo formalmente no
tratgia de desenvolvimento bem defnida. O ocorrido nos ltimos
organograma do Estado, tanto na Argentina como no Uruguai. En-
vinte anos evidenciou uma forte incongruncia e contradio entre
quanto no Paraguai o Gabinete Social tomou a iniciativa da articula-
polticas econmicas e polticas sociais. Em efeito, assumia-se ento
gao entre agncias pblicas para o desenvolvimento de planos e pro-
que as polticas sociais deviam esperar as assinaes ora-mentrias
gramas sociais, no Brasil esta fungao est concentrada em boa parte na
residuais, uma vez determinada a poltica macroecon-mica. Na
prpria Presidncia e no MDS (Ministrio de Desenvolvimento Social
verdade, a poltica social se subordinava quela poltica, que
e Luta contra a Fome), ainda quando se observam mltiplos
privilegiava os indicadores fscais, monetrios, comerciais, entre
outros. A mudanza de orientaôes polticas do ltimo decnio teve seu
11. Perspectiva territorial e descentralizao das polticas sociais. Fi-
correlato no campo das polticas sociais, que giraram radicalmente seu
nalmente, parece evidente que nesses ltimos anos tanto o desenho
eixo para no comprometer as prioridades determinadas pelas
como a implementao das polticas pblicas sociais incorporaram a
situaôes extremamente graves e no sujeit-las aos equilbrios
abordagem a partir e em funo das caractersticas territoriais. A
macroeconmicos. O panorama na Regio refete atualmente urna
diversidade cultural, econmica e geogrfca que expressam os espa-
tendncia com descontinuidades e contradiques na medida em que se
os fsicos tida no s como dado de referncia que no se pode
aplicaram fortes medidas dirigidas a reduzir a pobreza, mas com
passar por alto, mas tambm como exigncia de adequao das po-
impactos ainda fracos em relaô reduô da desigualdade social,
lticas pblicas s necessidades singulares das localidades urbanas e
sendo que, por outro lado, se registraram em alguns anos indicadores
rurais articuladas com espaos maiores, apontando reduo das
de concentrado da riqueza. Certamente, este um dos temas
assimetrias e desvantagens acumuladas em dcadas passadas. Mas,
emergentes das atuais agendas polticas em praticamente todos os
sem dvida, a participao dos atores locais constitui um elemento
pases do MERCOSUL, ressaltando a vocaô redistributiva e o
central das novas prticas institucionais na construo de respostas s
compromisso dos governos que indica urna tendncia contnua.
problemticas sociais com perspectiva territorial. Neste sentido, a

descentralizao supe a incorporao da consulta e a participa-o
10. De objetos da assistncia pblica a sujeitos de direitos. justo
das comunidades, o envolvimento direto dos governos locais e a
reconhecer e advertir que a mudanza de perspectiva e conceptu-
transferncia de recursos, competncias e poderes aos mbitos mais
alizaâo das polticas sociais aposta na maior participaâo dos ci-
prximos da populao (juntas locais, conselhos municipais, entre
dados atravs da criaâo de novos mbitos institucionalizados e
outros).
descentralizado da implementaâo dos planos e programas sociais. Os

destinatrios das polticas sociais no se consideram como objetos
(passivos) da assistncia pblica, mas como sujeitos de direitos,
cidados ativos com capacidades para desenvolver urna autonoma
crtica e participativa. Ainda mais quando algumas das aês vo
explcitamente direcionadas a gerar e promover um maior grau de
conscincia sobre os direitos exigveis de vastos contingentes de cidados que esto em situaâo de vulnerabilidade socioeconmica.
III. A agenda social e seus desafos
Abordar os grandes desafos da atualidade em relao ao tipo de polticas sociais que necessrio implementar na Regio conduz indefectivelmente a instalar como eixo transversal das polticas sociais o
respeito pelos direitos humanos e, em consequncia, a promoo,
acesso e apropriao dos direitos de cidadania.
Assim o estipula a Reunio de Ministros e Autoridades do Desenvolvimento Social (RMADS) na declarao de seus princpios:
Do MERCOSUL Social pensamos em cidados, promovemos aes
em torno da proteo e promoo social a partir de uma perspectiva de
direitos que se prope o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades no acesso a um real desenvolvimento humano integral. No
aprovamos as vises fragmentadas da realidade, mas assumimos a
complexidade das problemticas e buscamos dar uma resposta integral
aos problemas existentes, pois a verdadeira dimenso de uma poltica
social leva em considerao todos os campos da realidade, em seus
aspectos econmicos, sociais, polticos e culturais 11.
Nesse contexto, fundamental analisar a capacidade do Estado
na construo da cidadania atravs das polticas sociais, j que na
n. Declaracao de Princpios do MERCOSUL Social.
A agenda social e seus desafos 59
relaâo entre poltica social e cidadania se podem distinguir dois
afrmar que as polticas sociais so exigentes em relaâo qualidade
aspectos. Um deles tendeu a identifcar criticamente os graus de
das instituiês sociais que requerem, assim como em relaâo aos re-
universalidade real e acesso efetivo dos cidados aos conjuntos de
cursos fnanceiros, efcincia, transparncia e integridade. O termo
direitos, habitualmente distinguidos em civis e pessoais, polticos e
capacidade se refere no s proviso direta de servidos sociais por
sociais, mais toda una gama de novas geraôes de direitos fusio-
parte do Estado atravs do gasto pblico, mas tambm capacidade
nveis (Andrenacci, 2003) com estas trs distingoes bsicas. Outro
do Estado para regulamentar e estimular os atores no estatais na
uso, mais recente, associa a noâo de cidadania ao exerccio da parti-
satisfago dos requerimentos dos setores sociais.
cipado poltica e cultural efetiva dos cidados em suas comunidades
Portanto, pensar o Estado no faz-lo nicamente como se
locis ou nacionais, e no nvel em que os Estados nacionais e locis
pretendeu a partir da literatura neoliberal, a partir da sua capacidade
representam aos cidados ou so permeveis incidncia dos inte-
administrativa ou tecnocrata, mas, mais importante ainda, a partir da
resses individuis e coletivos daqueles.
sua capacidade poltica. Esta dimenso do Estado se orienta no sentido
O aspecto que interessa ressaltar aqui que tanto o sistema de
de forjar o consenso ou pactos/acordos sociais necessrios para
direitos e deveres como a participado poltica e cultural efetiva tm
coordenar aôes, o que do contrrio terminara em iniciativas
consequncias materiais de varivel intensidade, as quais tendem a
segmentadas ou divergentes.
consolidar urna posiâo do indivduo-cidado na estrutura social e
Existe um acord nos pases do MERCOSUL em relaâo im-
poltica do Estado-naâo. A cidadania materializa, desde este ponto de
portncia de recuperar o papel estratgico do Estado em sua fungao
vista, urna sorte de status jurdico, poltico e socioeconmico
poltica, como mbito pblico de convergncia dos interesses coleti-
(Andrenacci e Repetto, 2006). Os modelos de proteâo e promoâo de
vos e, portanto, como mxima instncia de articulaco social na apli-
polticas sociais defnem modalidades diferentes de cidadania, atravs
cado de suas polticas governamentais, orientadas ao bem comum.
de regimes de bem-estar
12
que tm como consequncia modelos
diferentes de estratifcaâo social.

Estas ideias voltam a colocar, ao mesmo tempo em que ex-pem,
Ainda assim, ser necessrio desenhar mecanismos que fortaleâm as

capacidades Estatais para que possa desempenhar ditas fungoes.
Reforjar as capacidades estatais implica:
as caractersticas do papel que deve desempenhar o Estado como
Um maior nvel de autonoma relativa sobre a necessidade de
principal agente do pblico e, em particular, de urna poltica social
aumentar a margem de liberdade de aô a respeito dos atores
baseada em um enfoque de direitos. Neste sentido, se pode
externos e internos;
12. A articulaco do Estado com as esferas do mercado, a famlia e a comunidade constitu o regime de bemestar (Esping-Andersen, 1990, 1999).
Maiores nveis de efetividade, sobre a possibilidade de produzir

os impactos esperados em relaâo aos efeitos buscados, para
garantir que as instituies sejam o mbito efetivo de interao

social;
Maior nvel de legitimidade, em relao aceitao ativa da organizao estatal por parte dos atores externos e internos;
No devemos deixar de reconhecer o papel do trabalho digno

como mecanismo de integrao social por excelncia. O mercado de
trabalho representa a pea principal entre o crescimento econmi-co e
a reduo da pobreza, tal como destacou a CEPAL em vrios estudos
Maiores nveis de participao real da sociedade, no s nos
(CEPAL, 2000a, 2000b; Naes Unidas, 2005). A criao de emprego,
processos de accountability, mas tambm no reconhecimento e
as melhoras das remuneraes reais associadas ao aumento da
envolvimento na resoluo das necessidades propostas a partir
produtividade e a cobertura e caractersticas da pro-teo social dos
dos territrios.
empregados so os mecanismos que permitem tra-duzir o crescimento

em maiores rendas e maior bem-estar para os lares com membros
Em resumo, o giro que se queira dar a partir das polticas sociais
economicamente ativos.
requerer, entre outros fatores, do fortalecimento das capacidades
Neste sentido, se requer pensar na solidariedade para a prote-o
polticas e administrativas dos Estados nacionais e sub-nacionais. Isso
social de maneira integral, vale dizer, dentro e fora do mundo do
possibilitar a construo de uma institucionalidade social acorde com
trabalho, em sistemas que combinem mecanismos de proteo e
os desafos que prope a Regio em matria de polticas sociais. Desta
promoo social e polticas de gerao de emprego. Alm de buscar
maneira ser vivel o desenho estratgico de polticas sociais que
formas de melhorar a capacidade das economias nacionais para gerar
dem resposta complexidade das problemticas regionais a partir de
empregos de maior qualidade e estender a base contributiva, deve-se
uma abordagem integral e intersetorial. Pensar neste tipo de polticas
avanar no que diz respeito a garantir um fnanciamento adequado e
implica incorporar ou aprofundar diversos atributos que as polticas
estvel para complementar a proteo pela via laboral, com
sociais devem ter, o que conformar grandes desafos em re-lao ao
mecanismos solidrios de proteo no contributiva. Isto nos coloca
caminho que vo percorrer. Entre eles podemos mencionar:
nas problemticas que a Regio deve abordar em curto prazo, para

pensar em um desenvolvimento estratgico das polticas sociais.
Abordagem integral: implica a necessidade de integrar e articular
Talvez a combinao de polticas de transferncia condicionada de
a assistncia, a promoo e o desenvolvimento a partir de uma
dinheiro com polticas de promoo social seja um caminho transi-
perspectiva cidad. importante no negar a dimenso assistencial, j
trio, mas de nenhuma maneira um fm em si mesmo, em direo s
que intrnseca a toda poltica social. Isso no implica cair no as-
polticas de maior universalidade e construo de cidadania. Este ser
sistencialismo, o que gera uma populao objeto das polticas como
nosso horizonte em relao possibilidade de garantir atravs dos
cativos de um Estado paternalista que no constitui cidados.
Estados nacionais dentro do Bloco do MERCOSUL no s o
acesso, mas a apropriaâo dos direitos atravs do fortalecimento de
mo tempo em que se operam modifcares nos esquemas, critrios e
capacidades pessoais e comunitrias, j que a s restituiâo de um
modalidades de polticas e programas sociais. A articulaâo do plo
direito, por exemplo, no garante o desenvolvimento de pessoas, fa-
contributivo com o plo no contributivo se encaminha sobre a base
mlias e comunidades.
da universalidade e da focalizado subsidiria. Simultneamente devero se reforjar aquelas intervengoes pblicas tendentes a incluir
(Reconstruir um novo Estado de Bem-estar: este um dos desa-
mais cidados ao mercado de trabalho e ampliar o sistema de se-
fios globais mais signifcativos e complexos da Regio; efetivamente
guranza social, desenvolvendo programas especfcos de formaâo
j h um caminho percorrido em direâo a transformar os sistemas de
contnua e requalifcaâo laboral.
proteâo social no MERCOSUL. No entanto, a caracterizaâo do

perodo iniciado h quase urna dcada se assimila mais a urna transi-
Aprofundar as reformas sociais a partir de um enfoque de universa-
gao moderada que a urna fase consolidada de mudanzas profundas.
lidade e gratuidade dos bens e servios sociais pblicos: Em quase toda a
Segundo um infuente artigo de Peter Hall (1993) as mudanzas de
Regio se implementaram reformas sociais no sentido de expandir a
paradigma as polticas se produzem atravs de trs ordens de mu-
oferta pblica, memorando a acessibilidade s prestaôes sociais e
danza: primeiro, ajuste de instrumentos disponveis; segundo, mu-
colocando a nfase na extenso dos servidos educativos e de atengao
danza de instrumentos ou tcnicas mas no de objetivos; terceiro,
sanitria. nesta direâo que se deve assegurar a continuidade e o
mudanza de instrumentos e objetivos (Adelantado, 2010). A partir
aprofundamento das reformas sociais com critrios de universalidade
desta perspectiva no h dvida que a matriz de bem-estar transcor re
e gratuidade dos servidos e bens pblicos. O exerccio efetivo dos
em um processo vigoroso de mudanzas e as polticas sociais como
direitos de cidadania para importantes segmentos populacionais do
produtos especfcos dos governos se reformulam modifcando tanto
MERCOSUL depende quase exclusivamente da capacidade do Estado
seus objetivos como seus instrumentos. A Regio toda precisa de urna
para proporcionar a satisfago das necessidades de ditos se-tores
transformado que v alm da ordem instrumental-operativo para se
sociais.
situar no que precisamente sublinhava Hall, urna mudanza de

paradigma de integrado social e poltica.
Transformar as estruturas produtivas de maneira concomitante

justia social: isso supe advertir que os esforgos que se continuem
Superar os traos liberal-residualistas das polticas sociais: isso su-
fazendo no campo das polticas sociais no tero efeitos duradouros e
pe primeiro reconhecer que nesta transiâo a um novo modelo de
irreversveis a menos que se intervenha no campo propriamente da
proteâo social subsistem traaos prprios dos anos noventa, ao mes-
producto com impactos na distribuido primria da renda, que inclui
tanto as polticas das estruturas produtivas, como aquelas especial-
Fortalecer urna coalizo scio-poltica hegemnica no marco de um
mente dirigidas retribuigao do trabalho, que implica o aporte pro-
projeto emancipatrio: A participado dos atores sociais de suma
ducto salarial ou no salarial (Trra, 1990). Isso signifca a reformula-
importncia para garantir que o projeto democrtico de transforma-
gao dos esquemas e padres de retribuigao do trabalho, a reviso de
ges continu afanzando na Regio, pelo que haver que incentivar a
certos modos de produgao que tendem a reproduzir precisamente a
implicagao dos movimentos sociais, das organizages da sociedade
pobreza, e a especial promogao dos formatos e modalidades de carter
civil com urna perspectiva ampia e inclusiva. Os avanzos nesse sen-
associativo de geragao de riqueza tanto a nvel urbano como rural.
tido deram exemplos multivariados; assim como em alguns dos

pases se abriram novos espatos e mbitos institucionalizados, em
Repensar e reelaborar a prpria nocao de desenvolvimento em um
outros se re-hierarquizaram os organismos de carter local e mu-
mbito democrtico: J faz muito tempo que a nogao de desenvolvi-
nicipal, de tal maneira que mais atores sociais se somam no debate dos
mento superou sua identifcagao quase exclusiva com o crescimento
assuntos pblicos. Por outra parte, um projeto emancipatrio signifca a
econmico; isto , entendido como o aumento simples dos bens,
promogo de urna cidadania proativa, capaz no s de lograr urna
objetos e artefatos (Max Neef, 1986; Sen, 1992; Amin, 2003), para
autonoma de agncia, mas, e cima de tudo, o status de autonoma
reconceitualiz-lo a partir de um enfoque mais completo e integral,
crtica: A autonoma crtica implica a capacidade de comparar regras
concebendo-o no como aumento somado aos ativos, bens ou ser
culturis, para analisar as regras de nossa prpria cultura, para
vigos totais produzidos por urna sociedade, mas como o desenvol-
trabalhar com outros, para mudadas e, in extremis, para dar o passo
vimento das potencialidades de todos os membros da sociedade, a fim
outra cultura (Doyal y Gough, 1991).
de urna realizagao plena das necessidades humanas (Max Neef, 1986).

O conceito de desenvolvimento humano assumido por todos os
Desmercantilizacao: ser o grau em que o bem-estar se distancie
organismos internacionais implica, em consequncia, a reviso da
do poder aquisitivo e, portanto, do modo em que o indivduo se inserta
pertinncia e valor adjudicado aos equilbrios macroeconmicos e ao
no mercado. O sentido de no contributivo signifca do ponto de vista
indicador onipresente do PIB como nicas medidas para registrar o
econmico o acesso a algo fora das relages de mercado, isto ,
avanzo aos estgios superiores do desenvolvimento. Porm, a
desmercantilizado ou desmercadorizado (Sposati, 2009). Na medida
reelaboragao do conceito de desenvolvimento no supe desconsi-
em que os Estados recuperem seu papel e fortalegam suas capacidades
derar a relevncia do crescimento econmico, mas submet-lo aos
para gerar mecanismos de redistribuido e de integra-gao social, se
interesses e necessidades da populacho, com especial cuidado na
reduziro as margens de estratifcagao nos nveis de bem-estar,
preservagao dos recursos naturais e o cuidado do meio ambiente.
recuperando nveis perdidos de universalidade. Implica
reposicionar o Estado no marco das polticas sociais e dos processos
tecido social para proteger a famlia. Com isso se pretende que as
de integragao socioeconmica, passando de urna matriz centrada no
oportunidades e recursos que se geram lhes permitam recuperar ou
mercado a urna matriz centrada no Estado. Como se destaca, ser
dispor de habilidades e destrezas, funcionalidade e resolugo efcaz
importante atender o fortalecimento de suas capacidades no s ad-
para a conducho da vida cotidiana, fomentando a organizado e a
ministrativas, tcnicas, mas principalmente polticas, para a recupe-
associatividade em um espado territorial local dando o sentido de que
ragao deste papel.
as mesmas pertencem ao seu entorno (Kirchner, 2006). Enfm, diante

das polticas de desfamiliarizagao afrmamos que a famlia o sujeito
Desfamiliarizagao: ser o grau no qual o bem-estar deixe de ser
das polticas sociais a partir de urna modalidade de coopera-gao
exclusiva responsabilidade das famlias e, por consequncia, princi-
integral e intersetorial: a famlia e a pessoa como sujeito potencial, a
palmente das mulheres. Na medida em que os Estados se afastam da
comunidade como sujeito facilitador e o Estado ativo como garante da
estrutura de producto de riscos e proteges h dois resultados poss-
protegao social atravs de polticas sociais integris.
veis: ou se produzem processos adaptativos das famlias, comunidades

e/ou mercados para absorver ditos riscos (o que no implica que
Desclientelizagao: entendemos como o grau em que o acesso
estejam em condiges de faz-lo); ou se incrementam os riscos no
poltica pblica deixa de estar sujeito s relages clientelares (An-
cobertos em quantidade e qualidade para certos grupos sociais. O
drenacci, 2006) e se encaminha at maiores nveis de universalismo.
problema que, para que as famlias, as comunidades e os mercados
Justamente se trata de romper com o crculo vicioso que geram as
possam internalizar e absorver estes riscos, devem-se cumprir certas
polticas sociais assistencialistas sobre a dependncia dos individuos
pr-condiôes. Quando estas condiges no esto dadas, os novos
de um Estado paternalista, cerceando toda possibilidade de
riscos que no encontram resposta no Estado e que tampouco a en-
emancipagao e acesso a maiores patamares de cidadania por parte da
contraro em modalidades adaptativas de mercado, famlia e comu-
populagao. A poltica social no um conjunto de decises do Estado
nidade, se expressaro em trs problemas que vo afetar profunda-
sobre os grupos que considera mais conveniente intervir. Con-
mente a coeso social de urna nagao (Filgueira, 2007). Em defnitiva,
siderando estes elementos, e analisando a poltica social, observa-se
no urna relagao de dependncia sob um Estado paternalista o que
um conjunto de intervenges da sociedade sobre si mesma (com o
pensamos como sistema de protegao, mas necessrio reconhecer a
Estado como agente institucional com maior ou menor importncia
importncia do papel do Estado como ator fundamental na estrutura de
relativa segundo o caso), as quais pautam os modos em que se produz
produgao e protegao de riscos. Neste sentido, fundamental que o
o processo de integrago social. Estas intervenges estabelecem, ou
fato de recorrer assistncia seja s com o fm de reparar o
co-estabelecem (de acord com suas diferentes intensidades e mo-
dalidades), condiôes mnimas ou bsicas comuns de reprodujo e
Polticas contra-cclicas: necessrio incorporar ao desenho de
socializao para os indivduos e grupos que coexistem no espao de
polticas socioeconmicas um novo vis anticclico do investimento
um Estado-naâo (Andrenacci e Repetto; 2006).
social (no concebemos o monto destinado ao social como gasto so-
Este conjunto de condies mnimas bsicas que chamamos
cial). As distintas crises que sofreu a Regio mostram como em um
patamar da cidadania. Sobre esse limiar, a poltica social determina
momento de contrao econmica, produto dos ciclos do sistema ca-
igualdades sociais mnimas e desigualdades sociais mximas, que so
pitalista, o primeiro que se reduz o oramento em polticas sociais,
as pautas essenciais da cidadania moderna.
mostrando desta maneira um carter pr-cclico do investimento so-
A cidadania implica o pertencimento de um indivduo a um
cial. fundamental o investimento social orientado aos grupos de
Estado-naâo. Seu pertencimento implica para um indivduo a
menor renda, com polticas contra-cclicas de longo prazo que con-
qualidade de sujeito de um conjunto de direitos e deveres que com-
trarresten! o vai-e-vem das contingncias, com garantas explcitas e
partilha com todos os outros cidados e que confgura um mnimo
nveis de qualidade garantidos. Os sistemas de proteo e promoo
comum (tericamente universal, mas estratifcado na prtica) de
social aparecem assim como uma alternativa integral de grande utili-
prerrogativas, regras de convivncia e obrigaes no marco do
dade; no entanto, requerem avanos substantivos em matria de se-
Estado-naâo. necessrio optar por urna viso da poltica social que
guranza fnanceira e estabilidade institucional. A isso se deve somar o
rompa com aquelas concepes neoliberais da poltica social,
fato de que o aumento do investimento social tenha como principal
enfocadas em urna concepô utilitarista do todo social (comuni-dade
objetivo a reduo das desigualdades atravs de uma redistribuio
como receptora ou depositria passiva de programas sociais
mais justa e equitativa. Cabe destacar que, nos momentos mais sen-
focalizados e estancados).
sveis da crise internacional, a Regio aplicou medidas anti-cclicas
O desafo reverter as concepês de desenvolvimento social
para amortecer os efeitos da crise na populao mais vulnervel.
com um forte componente assistencialista, paternalista e individualista

onde o sujeito despojado de seus direitos sociais, localizndose
Polticas para reduzir a pobreza: fundamental incorporar como
como merecedor ou cliente (de acord a urna lgica cliente-lista
uma das linhas transversais das polticas sociais a noo de cresci-
onde se pretende obter crdito pblico eleitoral com diversas
mento pr-pobre (Kakwani e Perna, 2000). Particularmente, pre-
intervengoes). Esta viso a que se deve superar, j que conduz ao
ferimos dizer desenvolvimento pr-situaâo-de-pobreza, ou seja, a
assistencialismo; uma assistncia dirigida intencionalmente a par tir
adoo de uma estratgia direcionada a favor das pessoas em situa-
de um paternalismo cativo, com um forte personalismo que ge-rou
gao de pobreza, de forma que estas se benefciem proporcionalmen-te
quase exclusivamente clientelismo poltico.
do desenvolvimento em maior medida, que os setores mais enri-
quecidos. A agao do Estado no sentido de direcionar os resultados do
entre os Estados Parte e obteve muito mais fcilmente os pontos de
crescimento econmico para as pessoas em situagao de pobreza
convergncia poltica e estratgica que urna dcada e meia atrs, e que
imprescindvel, dado que o crescimento que resulta das forjas do
hoje se mostra como um sistema que consolidou urna articulagao da
mercado tende a favorecer proporcionalmente mais ao quintil de
dimenso social atravs do incio da CCMASM, um programa de
maior concentragao de riquezas que ao quintil de menor acesso, j que
ago integral com a aprovagao do PEAS e que manifesta atravs
o primeiro tem vantagens inerentes (capital humano, social e material)
dos projetos de carter regional sua tradugo mais tangvel em nos-
a urna economia de mercado (RMADS, 2006).
sos territrios e comunidades.

Grande parte do xito desse processo foi dado pelo dilogo ati-
Melhorar a gesto pblica: supe aumentar a efcincia na apli-
vo entre diversos setores do MERCOSUL; precisamente a recente
cagao e administragao dos servidos e prestages estatais em todos os
criagao da fgura do Alto Representante Geral constitui um elemento
seus nveis. Tambm implica a desburocratizagao e simplifcagao dos
propcio para manter a dimenso social na agenda global do Bloco.
fuxos e procedimentos administrativos com o foco colocado na
A projegao do Bloco ao resto do subcontinente exige que aque-le
consecugao de resultados qualitativamente superiores em tem-pos
cumpra um papel muito destacado nos itinerrios de urna integra-gao
mais curtos. Tambm devero se conciliar de melhor maneira a
mais ampia, e a dimenso social tambm facilita urna perspectiva
planifcagao de mdio e longo prazo com a geragao de respostas de
comum que problematiza precisamente a dimenso econmica e
aplicagao concreta e urgente, de acord com as demandas e neces-
comercial em fungao dos interesses, necessidades e demandas dos
sidades sociais. A busca de formatos novadores e soluges pragm-
povos. As chaves passam pela solidariedade, o respeito diversidade e
ticas aos problemas sociais sem dvida- um desafo para todos os
a busca de parmetros de equidade e liberdade para as nages que
responsveis da gesto pblica em dilogo permanente com os
apostem na conquista de um espago no sistema-mundo (Wallers-tein,
cidados e os mltiplos atores sociais implicados.
1979, 1984), e se coloquem em posigao mais vantajosa para seus
Conseguir urna integragao latino-americana plena sobre a base

da igualdade, da solidariedade, da liberdade, o respeito, a diversida-de
prprios interesses simultneamente tanto como bloco integrado e

quanto estados nacionais.
e a participagao cidad: as chaves da integragao foram o consenso em

torno ao rumo do Bloco MERCOSUL, a atenuagao das assime-trias
Em defnitiva, todos os aspectos detalhados levam a assumir que
estruturais e a confanza no mtuo benefcio como resultado dos
so muitos os desafos que o MERCOSUL tem adiante. Ser
intercmbios comerciis intra-regionais. Porm, faz alguns anos que
necessrio aunar esforgos em vistas a construir um espago de inte-
se adicionou urna perspectiva social que acelerou a aproximagao
gragao onde as particularidades e diferengas de cada um dos pases
72 A dimenso social do MERCOSUL - Marco conceltua
possibilitem urna sinergia regional que dote aos pases da Regio de
cas e programas sociais, e a diuso das mesmas na sociedade tm um
maiores graus de autonomia das presses internas e externas. Nis-so
papel importante na promoâo de boas prticas em polticas pblicas.
radica a forga do Bloco e a esperanza das demandas sociais por serem
Alas no devenios esquecer-nos de passar da ideia aâo, j que se
resolvidas. Respeitar e incluir as particularidades implica re-conhecer
no conseguirmos gerar polticas sociais regionais que promovam a
as assimetrias entre os pases do Bloco. No intervir sobre elas atenta
equidade, a integrado social e a igualdade, perderemos de vista o
diretamente contra qualquer possibilidade de construyo de urna
principal objetivo deste espado de integrado, que melhorar as con-
identidade regional defnida pela integrado equilibrada, solidria e
diôes de vida dos povos. Sem polticas de redistribuiâo de renda que
plural. Por sua vez, a sustentabilidade do Bloco no s radica em
combatam a excluso social e a pobreza, que gerem emprego de
conseguir competitividade e crescimento, mas tambm em gerar
qualidade, e sem polticas que incrementem nveis de acesso e apro-
condiôes que contribuam sinergicamente ao acesso e exerc-cio dos
priaâo de cidadania, estaremos longe de conformar urna conscincia
direitos de cidadania, como plataforma essencial para dotar de
regional sobre a importncia deste espado de integrado. Depende de
legitimidade ao processo de integrado e para contribuir criaâo do
todos ns a continuidade das conquistas e o curso que siga este
sentido de pertencimento a urna identidade regional.
espado; as potencialidades e os desafos esto vista.
Esta s ser possvel na medida em que todos os cidados se

reconheâm, vejam refetidos seus rostos, comeândo por gerar me-
Nossos desafos e nossos sonhos e, em geral, os desafos e pro-
canismos que possibilitem urna participaâo real na estrutura do
psitos de aprofundar o MERCOSUL se inscrevem em um processo
MERCOSUL. O aprofundamento e o incremento desta identidade o
que gerou difculdades, mas ao mesmo tempo propiciou oportunidades
que possibilitar superar vises de desenvolvimento especulativas
para sustentar a integrado de nossos povos. Impulsamos um
onde prevalecem os interesses nacionais sobre os desafos e
MERCOSUL que garanta o desenvolvimento integral de nossos
necessidades regionais. Pensar o MERCOSUL implica transcender a
povos. Concluindo, o MERCOSUL deve ser um espado onde con-
viso local em direô ao regional. Comeâr a encontrar as fortalezas
virjam as demandas de urna cidadania cada vez mais participativa,
em matria social implicar em primeira instncia sistematizar e
mais consciente de seus direitos, deveres e obrigaês, mas, cima de
avaliar as diversas necessidades e polticas sociais implementadas.
tudo, consciente de seu pertencimento ao espado maior de apoio,
O conhecimento sobre as diversas polticas sociais a partir de

avaliaôes rigorosas pode ser de grande utilidade para gerar consensos
sobre que tipos de polticas so necessrios, assim como para redesenhar os programas atualmente em vigncia. A avaliaâo de polti74 A dlmenso social do MERCOSUL - Marco conceltua
conformando a conscincia regional que o processo de integrado

demanda nesta instncia13.
13. Declaraco de princpios do MERCOSUL Social. Carta de Montevidu, XIII Reunio da RMADS.
Montevidu, 23 de novembro de 2007.
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MARCELO MONDELLI
Tcnica do Departamento
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CARMEN GARCA
Chefe do Departamento de Promogao e

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Siglo XXI Editores.
80 A dimenso social do MERCOSUL Marco conceitua
ESTEFANA VIZIOLLI
ORLANDO AGUIRRE
A DIMENSO SOCIAL DO MERCOSUL
TEXTO
Christian Adel Mirza

Mariano Nascone
Marcelo Mondelli
Carmen Garca
EDIO Carla
Arago
PRODUO EDITORIAL
Tekoha
TRADUO DO ESPANhOL Carolina
Dohmen (pp. 15-16) Daiane Pereira

Rodrigues (pp. 17-78)
ISBN: 978 - 99967 - 716 - 0 - 6
Assuno, Paraguai, dezembro de 2012
INSTITUTO SOCIAL DO MERCOSUL
Cnel. Rafael Franco 507 e Juliana Insfrn

Assuno, Paraguai
Telefax: +595 21 207 858
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A dimenso social

A dimenso social do MERCOSUL

Socia = Estados Associados

^eunio de Ministros e Diretores de Desenvolvimento

Durante o processo de edigao deste Nvro, dois importantes eventos

Para abordar o contexto cima, nesta publicagao o ISM tem seguido as

MERCOSUL / CMC / DEC. N 28/12 REGULAMENTAQO DE ASPECTOS

MERCOSUL / CMC / DEC. N 27/12 ADESO DA REPBLICA BOLIVARIANA

Reunio de Ministros e Diretores de

Instituto Social do MERCOSUL

Prlogo, Luiz Incio Lula da Silva, 7

1. MERCOSUL ontem e hoje, 23

O MERCOSUL uma das experincias exitosas de integrao regional

desenvolvimento social do MERCOSUL representa, sem sombra de

o, implementando polticas regionais capazes de atender as suas ne-

dvida, uma dimenso prioritria da nova maneira de encarar a inte-

cessidades bsicas de bem-estar. Apenas a livre circulao de bens, ser-

grao regional. A coordenao e harmonizao das polticas de sade,

vios e capitais no d conta de sustentar a integrao econmica e, ao

educao e previdncia do MERCOSUL, que j foram iniciadas h mais

mesmo tempo, superar a persistente fratura social existente na regio. A

tempo, podem e devem se aprofundar. O desenvolvimento econmico e

harmonizao e a coordenao de politicas pblicas de proteo e pro-

o desenvolvimento social so indissociveis, e devem se complementar.

moo social tornaram-se uma exigncia imperiosa para o desenvolvi-

A agenda regional no pode prescindir da integrao da infraestrutura

mento regional. Em 2007, quando decidimos criar o Instituto Social do

fsica, fnanceira e comercial, e todas elas devem contribuir para maior

MERCOSUL, juntamente com os meus colegas Nstor Kirchner, da

bem-estar e dignidade de nossos povos.

Argentina, Fernando Lugo, do Paraguai, e Tabar Vsquez, do Uruguai,

Com a publicao deste livro, o Instituto Social do MERCOSUL

O incio do sculo XXI testemunhou mudanas substantivas,

Parabenizo a toda equipe do ISM pelo trabalho realizado e recomendo a

transformaes polticas e econmicas muito signifcativas na Amrica

do Sul: na Venezuela (1999), depois na Argentina e no Brasil (2003), Bo-

crtico, social e participativo.

lvia e Uruguai (2005) e mais tarde no Equador (2007), Paraguai (2008)

Luiz Incio Lula da Silva

A consolidao da Comisso de Coordenao de Ministrios da

A criao do Instituto Social do MERCOSUL (ISM) em 2007 res-

COSUL, mais e melhor Desenvolvimento Social.

Christian Adel Mirza

vimento Social do MERCOSUL (RMADS), cuja fnalidade essencial

14 A cmenso social do MERCOSUL - Marco concetua

Iniciativa de Assuno sobre a Luta contra a Pobreza Extrema. C-

Adogao por parte do Conselho do Mercado Comum (CMC) do do-

pula de Presidentes, junho de 2005. Nessa cpula se expressava

cumento preliminar do Plano Estratgico de Acao Social do MER-

que a consolidao da democracia no MERCOSUL depende da

COSUL; Salvador, Babia, dezembro de 2008. O documento con-

construo de uma sociedade mais equitativa e justa, o que

tinha cinco eixos de discusso e dezenove diretrizes. Naquela

obriga a assumir a tarefa prioritria de um Plano de Ao de

oportunidade os chefes de Estado manifestaram: Acolheu os

maior alcance para responder os graves desafos da atual situa-o

avanzos na construyo dos Eixos e Diretrizes do Plano Estra-

tgico de Agao Social do MERCOSUE, para a elaborado do

Comunicado Conjunto dos Presidentes do MERCOSUL, Cpula de

Estado do MERCOSUL, por ocasio da Cpula Presidencial de

Presidentes, junho de 2005; no seu artigo 27, reafrma a priorida-

Crdoba, em 21 de julho de 2006. Salientou a amplitude e o

de de defnir uma Agenda Social Integral e Produtiva orientada a