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Samizdat 2

março de 2008

Capa e Diagramação: Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-


Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas
Henry Alfred Bugalho 2.5 Brasil Creative Commons.

Autores
Todas as imagens publicadas são de domínio
Ana Cristina Rodrigues público ou royalty free.
Denis da Cruz

Giselle Natsu Sato

Henry Alfred Bugalho As idéias expressas e a revisão das obras são


de inteira responsabilidades de seus autores.
José Espírito Santo

Jurandir Araguaia

Marcia Szajnbok

Pedro Faria

Volmar Camargo Junior

Autores Convidados

Aline Gallina

Ana Carolina Brazil

Marcello Henrique

Priscila Lopes

Textos de:

Gregório de Matos

Machado de Assis

Walt Whitman (trad. Henry Alfred Bugalho)

Imagem da capa:

Walt Whitman

www.samizdat-pt.blogspot.com
Índice

Por que Samizdat? 1


Henry Alfred Bugalho

Recomendações de Leitura 3
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA

MACHADO, O CRONISTA

Aposentadoria 8
Volmar Camargo Junior

A Pirâmide do Mundo 10
Henry Alfred Bugalho

Koyaanisqatsi 12
Marcello Henrique

Príncipe Heróico 13
Ana Carolina Brazil

O Beijo 14
Denis da Cruz

Exame último 17
José Espírito Santo

MICROCONTOS 19
Sonhos Moídos 26
Jurandir Araguaia

TRADUÇÃO 28
Folhas da Relva, de Walt Whitman

Como Billy Bob Jones mudou o Mundo 31


Pedro Faria
Borboleta 33
Ana Cristina Rodrigues

Estrelas 34
Marcia Szajnbok

Agonia 35
Giselle Natsu Sato

Penetrável 36
Aline Gallina

Estrambolia Melancótica 36
Aline Gallina e Priscila Lopes

Peixe Seco 37
Priscila Lopes

Sobre os Autores do SAMIZDAT 38


www.samizdat-pt.blogspot.com

Por que Samizdat?


Henry Alfred Bugalho

“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,


distribuo e posso ser preso por causa
disto”
Vladimir Bukovsky

Em reação, aqueles que se


acreditavam como livres-pensadores, que
Inclusão e Exclusão não queriam, ou não conseguiram, fazer
parte da máquina administrativa - que
estipulava como deveria ser a cultura, a
Nas relações humanas, sempre há
informação, a voz do povo -, encontraram
uma dinâmica de inclusão e exclusão.
na autopublicação clandestina um meio
de expressão.
O grupo dominante, pela própria
natureza restritiva do poder, costuma
excluir ou ignorar tudo aquilo que não
pertença a seu projeto, ou que esteja
contra seus princípios. Datilografando, mimeografando,
ou simplesmente manuscrevendo, tais
autores russos disseminavam suas
Em regimes autoritários, esta
idéias. E ao leitor era incumbida a tarefa
exclusão é muito evidente, sob forma de
de continuar esta cadeia, reproduzindo
perseguição, censura, exílio. Qualquer
tais obras e também as passando
um que se interponha no caminho dos
adiante. Este processo foi designado
dirigentes é afastado e ostracizado.
"samizdat", que nada mais significa do
que "autopublicado", em oposição às
publicações oficiais do regime soviético.

As razões disto são muito simples de


se compreender: o diferente, o dissidente
é perigoso, pois apresenta alternativas,
E por que Samizdat?
às vezes, muito melhores do que o
estabelecido. Por isto, é necessário
suprirmir, esconder, banir.

A União Soviética não foi muito A indústria cultural - e o mercado


diferente de demais regimes autocráticos. literário faz parte dela - também realiza
Origina-se como uma forma de governo um processo de exclusão, baseado no
humanitária, igualitária, mas logo se que se julga não ter valor mercadológico.
converte em uma ditadura como qualquer Inexplicavelmente, estabeleceu-se que
outra. É a microfísica do poder. contos, poemas, autores desconhecidos
não podem ser comercializados, que não

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Samizdat 2 - março 2008

vale a pena investir neles, pois os gastos


seriam maiores do que o lucro.
Ao serem obrigados a burlarem a
A indústria deseja o produto pronto e indústria cultural, os autores conquistaram
com consumidores. Não basta qualidade, algo que jamais conseguiriam de outro
não basta competência; se houver quem modo, o contato quase pessoal com os
compre, mesmo o lixo possui prioridades leitores, o diálogo capaz de tornar a obra
na hora de ser absorvido pelo mercado. melhor, a rede de contatos que, se não é
tão influente quanto a da grande mídia,
E a autopublicação, como em qualquer faz do leitor um colaborador, um co-autor
regime excludente, torna-se a via para da obra que lê. Não há sucesso, não há
produtores culturais atingirem o público. grandes tiragens que substitua o prazer
de ouvir o respaldo de leitores sinceros,
que não estão atrás de grandes autores
populares, que não perseguem ansiosos
os 10 mais vendidos.
Este é um processo solitário e
gradativo. O autor precisa conquistar
leitor a leitor. Não há grandes aparatos
midiáticos - como TV, revistas, jornais -
onde ele possa divulgar seu trabalho. O Os autores que compõem este projeto
único aspecto que conta é o prazer que a não fazem parte de nenhum movimento
obra causa no leitor. literário organizado, não são modernistas,
pós-modernistas, vanguardistas ou
qualquer outra definição que vise rotular
e definir a orientação dum grupo. São
apenas escritores interessados em trocar
Enquanto que este é um trabalho experiências e sofisticarem suas escritas.
difícil, por outro lado, concede ao criador A qualidade deles não é uma orientação
uma liberdade e uma autonomia total: ele de estilo, mas sim a heterogeneidade.
é dono de sua palavra, é o responsável
pelo que diz, o culpado por seus erros, é
quem recebe os louros por seus acertos.

Enfim, "Samizdat" porque a internet


é um meio de autopublicação, mas
"Samizdat" porque também é um modo
E, com a internet, os autores possuem de contornar um processo de exclusão
acesso direto e imediato a seus leitores. A e de atingir o objetivo fundamental da
repercussão do que escreve (quando há) escrita: ser lido por alguém.
surge em questão de minutos.

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Recomendações de Leitura
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA

Marcia Szajnbok
Patrono da Cadeira 16 da Academia
Brasileira de Letras

Gregório de Matos Guerra, advogado


e poeta, nasceu na então capital do Brasil,
Salvador, BA, em 7 de abril de 1623, e faleceu
em Recife, PE, em 1696.

Foram seus pais Gregório de Matos, fidalgo


da série dos Escudeiros, do Minho, Portugal, e
Maria da Guerra, respeitável matrona. Estudou
Humanidades no Colégio dos Jesuítas e depois
transferiu-se para Coimbra, onde se formou em
Direito. Regressou ao Brasil aos 47 anos de
idade. Na Bahia, recebeu os cargos de vigário-
geral e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por
não querer completar as ordens eclesiásticas.
Apaixonou-se pela viúva Maria de Povos,
com quem passou a viver, com prodigalidade,
até ficar reduzido à miséria. Passou a viver
existência boêmia, aborrecido do mundo e de
todos, e a todos satirizando com mordacidade. Estabeleceu-se posteriormente em
Pernambuco, onde conseguiu fazer-se mais querido do que na Bahia, até que faleceu,
reconciliado como bom cristão, em 1696, aos 73 anos de idade.

Como poeta de inesgotável fonte satírica não poupava ao governo, à falsa


nobreza da terra e nem ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis
e degredados, os mulatos e emboabas, os “caramurus”, os arrivistas e novos-ricos,
toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. Perigoso e
mordaz, apelidaram-no de “O Boca do Inferno”.

Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio
geográfico e social. Sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no
lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo
a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de
mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava “as
valentias desta musa”, coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros
especiais. Não se pode afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente
de sua autoria.

Fonte: http://www.academia.org.br/

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Samizdat 2 - março 2008

SONETO

Carregado de mim ando no mundo,

E o grande peso embarga-me as passadas,

Que como ando por vias desusadas,

Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo

Caminho, onde dos mais vejo as pisadas

Que as bestas andam juntas mais ousadas,

Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,

Erra, quem presumir que sabe tudo,

Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,

Que é melhor neste mundo, mar de enganos,

Ser louco c’os demais, que só, sisudo.

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Autor em Língua Portuguesa

MACHADO, O CRONISTA

Machado de Assis

Biografia

Joaquim Maria Machado de Assis


(1839-1908) é considerado o maior escritor
realista do Brasil e, provavelmente, o
maior escritor da literatura brasileira.
Nasceu numa família muito humilde e,
para ajudar a família, começou a trabalhar
como aprendiz de tipógrafo na Imprensa
Nacional em 1856. De 1858 em diante
escreve para diversos jornais importantes
com regularidade.

Dentre suas principais obras estão


seus contos (O Alienista e A Cartomante
estão entre os mais famosos) e os
romances Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro.
Foi o principal fundador da Academia
Brasileira de Letras e o seu primeiro
presidente. A crônica brasileira moderna
tem, em Machado de Assis, um dos seus
principais fundadores. Machado escrevia
suas crônicas sob pseudônimos. Só 40
anos após sua morte é que se descobriu o verdadeiro autor das chamadas Crônicas
de Lélio.

Na crônica a seguir, Machado de Assis aborda com ironia a questão da abolição


da escravatura, que havia ocorrido no dia 13 de maio de 1888.

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Samizdat 2 - março 2008

Crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de 1888.

No golpe do meio (coup du milieu, mas


eu prefiro falar a minha língua), levantei-
me eu com a taça de champanha e declarei
que acompanhando as idéias pregadas
por Cristo, há dezoito séculos, restituía
a liberdade ao meu escravo Pancrácio;
que entendia que a nação inteira devia
acompanhar as mesmas idéias e imitar o
meu exemplo; finalmente, que a liberdade
era um dom de Deus, que os homens não
podiam roubar sem pecado.

Pancrácio, que estava à espreita,


entrou na sala, como um furacão, e veio
abraçar-me os pés. Um dos meus amigos
(creio que é ainda meu sobrinho) pegou
de outra taça, e pediu à ilustre assembléia
que correspondesse ao ato que acabava
de publicar, brindando ao primeiro dos
cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro
Carta da Lei Áurea discurso agradecendo, e entreguei a carta
ao molecote. Todos os lenços comovidos
apanharam as lágrimas de admiração.
Bons dias!
Caí na cadeira e não vi mais nada. De
noite, recebi muitos cartões. Creio que
Eu pertenço a uma família de profetas estão pintando o meu retrato, e suponho
après coup, post factum, depois do gato que a óleo.
morto, ou como melhor nome tenha
em holandês. Por isso digo, e juro se
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e
necessário fôr, que tôda a história desta
disse-lhe com rara franqueza:
lei de 13 de maio estava por mim prevista,
tanto que na segunda-feira, antes mesmo
dos debates, tratei de alforriar um molecote - Tu és livre, podes ir para onde
que tinha, pessoa de seus dezoito anos, quiseres. Aqui tens casa amiga, já
mais ou menos. Alforriá-lo era nada; conhecida e tens mais um ordenado, um
entendi que, perdido por mil, perdido por ordenado que...
mil e quinhentos, e dei um jantar.
- Oh! meu senhô! fico.
Neste jantar, a que meus amigos
deram o nome de banquete, em falta de - ...Um ordenado pequeno, mas que
outro melhor, reuni umas cinco pessoas, há de crescer. Tudo cresce neste mundo;
conquanto as notícias dissessem trinta e tu cresceste imensamente. Quando
três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar nasceste, eras um pirralho dêste tamanho;
um aspecto simbólico. hoje estás mais alto que eu. Deixa ver;
olha, és mais alto quatro dedos...

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- Artura não qué dizê nada, não, O meu plano está feito; quero ser
senhô... deputado,e, na circular que mandarei aos
meus eleitores, direi que, antes, muito
- Pequeno ordenado, repito, uns seis antes da abolição legal, já eu, em casa, na
mil-réis; mas é de grão em grão que a modéstia da família, libertava um escravo,
galinha enche o seu papo. Tu vales muito ato que comoveu a tôda a gente que dêle
mais que uma galinha. teve notícia; que êsse escravo tendo
aprendido a ler, escrever e contar, (simples
suposições) é então professor de filosofia
- Justamente. Pois seis mil-réis. No
no Rio das Cobras; que os homens puros,
fim de um ano, se andares bem, conta
grandes e verdadeiramente políticos, não
com oito. Oito ou sete.
são os que obedecem à lei, mas os que
se antecipam a ela, dizendo ao escravo:
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até és livre, antes que o digam os poderes
um peteleco que lhe dei no dia seguinte, públicos, sempre retardatários, trôpegos
por me não escovar bem as botas; efeitos e incapazes de restaurar a justiça na
da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o terra, para satisfação do céu.
peteleco, sendo um impulso natural, não
podia anular o direito civil adquirido por
Boas noites.
um título que lhe dei. Êle continuava livre,
eu de mau humor; eram dois estados
naturais, quase divinos.

Tudo compreendeu o meu bom Texto extraído do livro: Obra Completa,


Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido Vol III. Machado de Assis. 3ª edição. José
alguns pontapés, um ou outro puxão de Aguilar, Rio de Janeiro. 1973. p. 489 -
orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe 491.
não chamo filho do diabo; cousas tôdas
que êle recebe humildemente, e (Deus fonte: http://www.tvcultura.com.
me perdoe!) creio que até alegre. br/aloescola/literatura/cronicas/
machadodeassis.htm

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Samizdat 2 - março 2008

Aposentadoria
Volmar Camargo Junior

Voltávamos para a sede de B.V. (uma passageiros precisavam esquivar-se das


das muitas cidades chamadas B.V. que goteiras.
há pelo Rio Grande). A escola onde
lecionávamos ficava dentro da jurisdição O motorista, vamos chamá-lo Gringo,
do município, mas fazíamos, entre ida — ou melhor, “Seu” Gringo — conhecia
e volta, quase quarenta quilômetros de aquelas estradas de fazenda como
estrada de chão todos os dias. ninguém. Já era adiantado da noite,
e, segundo ele, havia grande chance
Era chuva que Deus mandava, e de a chuva engrossar ainda mais. Por
parecia que São Pedro tinha aberto as uma boca só, todo mundo votou contra
cancelas do céu de deixado a rolar água. quando o Seu Gringo disse que achava
No micro-ônibus da prefeitura onde, por bom tomarmos um atalho.
lei nem poderíamos viajar, estava todo o
plantel de professores da Escola Municipal Eu poderia apostar que Seu Gringo
X (não é “dez”; é “xis” porque não vou tinha um tanto de sangue germânico,
dar o nome do santo). O carro era muito porque não raro, o homem tinha uns
velho, mas ainda na ativa. Chamavam- acessos de “alemoíce”. Encasquetou
no carinhosamente, em honra do estado na idéia, e meteu-se pelo caminho
dos faróis, “Fonforéco d’um zóio só”. E mais curto. É da sabedoria popular nos
em dia de chuva, como era o caso, os

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cinco continentes que atalhos não são trecho tinha, pelo que ficamos muito
aconselháveis. Hans Christian Andersen gratos. O normal dessas vias é serem
e os Irmãos Grimm estão aí para não me “cascalhadas” ou “empedradas” — dá
deixar mentir. no mesmo — mas em situações como
aquela, não serviriam para nada nem
A estradinha, de fato, não era das cascalho, nem valeta. Ficou só o barro e
piores. Quando já estávamos quase nos o aguaceiro.
arrependendo de duvidar do “motora”, e
ele, exibindo seu modo muito particular Descemos, e a água não nos
de mostrar a todos que ele é quem estava arrastava por pouco. Conseguimos subir
com a razão, justamente nesse momento no tal barranco para, com a pouquíssima
aconteceu o que era visto. O “Fonforeco” luz dos aparelhos de telefonia móvel,
apagou. Bem numa subida. E São Pedro, assistirmos ao espetáculo de camarote.
nada de dar arrego. Em instantes, o Fonforeco deslizou
um pouco; depois mais um pouco; na
Era para ser apavorante, um grupo de terceira, deslanchou de vez em uma ré
dez pessoas no meio do nada (na verdade, sem controle ladeira abaixo. Pendeu
estávamos, sim, no meio de uma fazenda, para a direita, escorregou e acabou com
a Granja Santa Y.), a quilômetros de as rodas enfiadas na valeta, fazendo
qualquer coisa, debaixo da maior chuva. com que o corpo do carro pendesse para
Estava muito, muito escuro. O Gringo, por aquele lado até, finalmente, tombar. Breve
acaso, não tinha uma lanterna no ônibus. silêncio. Era aterrador. Alguém soltou um
Foi então que alguém lembrou da única “Puta Merda!” tão sentido que não deu
utilidade de um celular em uma estrada pra agüentar. Caímos na gargalhada.
de colônia: a luz.
Foi aí que alguém teve a idéia de olhar
Confirmando a previsão do experiente para os celulares. Pois um deles estava
italiano com sangue (e teimosia) de mostrando, com costumava-se dizer, “um
alemão, a chuva aumentou. Como já dito, pauzinho de sinal”. Por acaso, era o meu.
era uma subida, que por aqui chamamos Disquei o número de alguém conhecido
muito por “perambeira” ou “perau”. da prefeitura. A bateria do aparelho só deu
A torrente descia por aquela estrada tempo para dizer “Busca nós na subida
barrenta feito uma cachoeira. O veículo da Granja Santa Y”. Como se vê, o lugar
começou a se mexer sozinho. Alguém já tinha fama.
falou, meio em tom de ordem, “vamo
descer, gente”. E outro, decididamente Pra encurtar a conversa: voltamos
imperativo, e gritando, disse “Devagar!”. para B.V. na Kombi da Secretaria de
Um a um, os professores e o motorista Obras. Duas vezes tivemos que descer
desceram a escadinha, enfiando em para empurrar. A chuva? Essa só parou
seguida o pé no barro. uns três dias depois.

Para quem não sabe como é uma Depois dessa, o “Fonforeco d’um zóio
estrada de fazenda, eis a descrição: em só” finalmente foi aposentado.
geral é de terra, ladeada por valetas
fundas o suficiente para a água da chuva (publicado no Recanto das Letras em
não “empoçar”. Algumas têm, em uma ou 03/02/2008)
nas duas margens, um barranco. Aquele

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Samizdat 2 - março 2008

A Pirâmide do Mundo
Henry Alfred Bugalho

Tudo não passou de uma questão de como cidades individuais e adotaram a


espaço. nova nomenclatura de BosWash —, na
Europa ocidental, nas margens do Rio
As cidades cresceram, lançando seus Indo, Xangai e na Coréia do Sul.
braços de asfalto por todas as direções,
fábricas, comércios, residências, metrôs, Mesmo com o meio de transporte mais
trens, aeroportos. Cresceram tanto que veloz, ainda se levava mais de três horas
se fundiram, confundiam-se, não se podia para cruzar tais cidades de um extremo
mais definir onde uma acabava e outra ao outro.
começava.
Quando a expansão horizontal não
A primeira megalópole surgiu no se tornou mais possível, tanto por limites
Japão, também conhecida como Tokyoto geográficos quanto pela conclusão de que
(a aglomeração das cidades de Tóquio, o crescimento populacional jamais poderia
Nagoya, Osaka, Kobe e Kyoto). Tal ser detido, qualquer um familiarizado
fenômeno logo se reproduziu na costa com a teoria malthusiana conhece as
leste dos Estados Unidos — quando noções de progressão geométrica da
Boston, Nova York, Filadélfia, Baltimore e população, engenheiros deliberaram que
Washington deixaram de ser consideradas o melhor seria iniciar as construções de

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arcologias, um dos sonhos mais bizarros administração e a ordem de despejo


e fascinantes da ficção científica. Grandes afixada nas portas de todas as habitações,
monstruosidades de concreto, aço e vidro a revolta se instaurou.
se ergueram em meio às intermináveis
cidades. — Para onde eles iriam?

O que se pretendia como sendo Certamente, uma pergunta sem


uma solução, demonstrou ser mais um resposta, pois não havia mais espaço.
agravante ao problema. Uma atrás do
outra, as arcologias se ergueram e, ao
O exército foi acionado, mas encontrou
invés de reduzir o espaço que as cidades
resistência. Mais tropas enviadas, porém,
ocupavam, passaram a arrebanhar mais
os rebeldes receberam reforços de outros
habitantes e, das dezenas de milhões,
andares inferiores, que temiam que a gana
tais megalópoles atingiram, facilmente,
expansionista dos andares superiores
a marca de centenas de milhões de
também os atingissem, num negro futuro
habitantes. E, quando não havia mais
não muito distante. Isto era a guerra civil.
espaço para se construir arcologias, a
solução foi adicionar novos andares,
novos subsolos, aos já existentes, até o Os combates duraram anos.
ponto em que nem isto mais foi possível, Desesperados com as derrotas, os
ao risco da estrutura não suportar o ricos tomaram uma decisão drástica
próprio peso. — toneladas de explosivos foram
estrategicamente alocados nos andares
inferiores e, com uma ordem do Comando
Mesmo assim, a população não deixou
Geral de Guerra, detonados.
de aumentar. As arcologias, tão belas,
sistemáticas e organizadas no princípio,
se tornaram superlotadas. Andares que Como uma resolução tão estúpida foi
acomodavam, no máximo, cinqüenta mil considerada e executada é um mistério
moradores, recebiam cento e cinqüenta, sepultado com a arcologia, que implodiu
duzentos mil. com seus vários milhões de moradores.

Em certo momento, a população das Nenhum campo de golfe jamais foi


arcologias se tornou tão numerosa que construído.
eles, os edifícios, receberam o estatuto
de cidades; posteriormente, os andares, www.miriades.blogspot.com
por causa de suas imensas populações,
também se tornaram cidades, enquanto
os edifícios, estados.

Os moradores dos andares altos,


das suntuosas coberturas, solicitavam
à administração estadual mais espaço,
queriam desalojar os moradores duma
cidade inteira — entenda-se andar —
para construírem um campo de golfe.

Quando a autorização foi dada pela

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Samizdat 2 - março 2008

Koyaanisqatsi
Marcello Henrique
Esse foi um dos trabalhos mais Longe dos campos de batalha, a cidade
legais da ECO (UFRJ) que eu fiz. Curti moderna surge esmagando a paisagem
de verdade escrevê-lo. Tudo bem, eu de outrora. A selva de pedras é palco
fui obrigado, mas isso não significa que para um frenético ritmo de vida. Sob os
não tenha sido divertido. Por isso quero imponentes arranha-céus os mais bizarros
compartilha-lo. cenários são casualmente esquecidos.
Nos becos, a miséria, a fome e a tristeza
É a representação escrita do filme de vidas sem esperança passam ao largo
Koyaanisqatsi, do diretor Godfrey Reggio da rotina alienada. A Cidade – o ente,
(aliás, vale a pena assistir!) quase vivo – não tem tempo para dar
atenção a isso. É necessário seguir em
seu alucinado ciclo de construir, destruir,
construir, destruir, construir e destruir.Mola
mestra dessa engrenagem, o Homem
Koyaanisqatsi esta agora por toda a parte. Multidões
deslocam-se para todos os lugares e para
Muito, muito tempo atrás. A Natureza lugar nenhum pelas ruas da metrópole.
ainda é a única responsável por tudo que Não são pessoas. São ternos, capacetes,
acontece no planeta azul. Em harmonia, uniformes, compromissos e agendas,
fauna e flora compõem silenciosamente o alucinados. O Bombeiro, o Policial, o
cenário: nada vive, nada morre, nada se Soldado, o Executivo. Não importam os
constrói, nada se destrói.A Terra, porém, nomes, não importam os sentimentos,
parece saber o que a esperava num futuro esses, escondidos no brilho dos olhos por
ainda distante e se revolta. O Vento, trás de tudo isso. Mas isso, meus caros,
célere, não hesita em carregar nuvens e só é visível em câmera lenta. A cidade
o que mais vier furiosamente, anunciando não tem tempo. Nunca tem.
os novos tempos. Lá embaixo, as ondas
dançam a dança que só elas sabem, À noite, as ruas ligam os trabalhadores,
no oceano sem fim. A Terra está viva... exaustos, de seus postos aos lares. Nos
Fumaça. E onde há fumaça, há fogo. apartamentos, pontinhos de luz iluminam,
Os homens marcham firmes passos a felizes, a cidade, que descansa. Nos
caminho do salvador progresso; ou da metrôs e trens, o fluxo é contínuo e
temida destruição, quem iria saber? É automático. Na próxima cena, salsichas
o começo do fim do reinado da Mãe são empaladas em séria na linha de
Natureza. produção. Pago um prêmio para quem me
disser a diferença!. A cidade é um copo
De alquimia a tecnologia de ponta, d’água e seus habitantes, moléculas de
a ciência evolui vertiginosamente. O H²O.
fogo, o mesmo dominado por selvagens
para cozinhar, agora jorra de explosões Do espaço, a Terra parece dormir.
assassinas, certeiros, em direção a Assim como um micro chip, em que bits
inocentes, tão humanos quanto eu ou circulam a mil por hora, parece inerte aos
você. A guerra torna-se uma realidade. nossos distantes olhares.
Nasce a indústria bélica.

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Chegamos mais perto, mais e mais procura de mundos melhores (“vá, há


perto, e o que encontramos? Rostos. A outros mundos além desse”, disse certo
câmera olha dentro dos olhos do Sr. Sou- personagem em certo livro...), fugindo do
só-mais-um-na-multidão. O que eu vi? caos que ele mesmo criou. É a vida em
Vazio. Afinal o que aguarda aqueles olhos desequilíbrio.
no futuro? Talvez ele não se preocupe
muito com isso? É preciso construir, Koyaanisqatsi!
destruir, construir, destruir...
http://www.eupensoeuexisto.blogspot.com/
Num último grito desesperado, o
Homem constrói as carruagens siderais
e lança-se ao Espaço infinito. Talvez a

Príncipe Heróico
Ana Carolina Brazil
Depois de procurar O Mais Isolado Mas... E as horas cavalgando sozinho
dos Castelos, enfrentar o Dragão pelos campos, enquanto treinava? E a
Guardião e procurar A Mais Alta Torre, busca pelas Maiores Aventuras, a luta
finalmente tinha alcançado o fim de seu com Monstros Horrendos, os desafios a
treinamento de Príncipe Heróico e estava Lutadores Poderosos, as caçadas aos
a poucos passos de cumprir aquilo que Dragões Mágicos – e, claro, encher a cara
estava escrito, despertando a Princesa de cerveja na taverna enquanto desfiava
Adormecida para futuramente casar- seus Grandes Feitos?
se com ela e herdar todo o seu próprio
reino! Trocaria tudo isso por horas diante da
lareira, um cachorro correndo no tapete
Ela estava deitada numa cama no junto das crianças pequenas, a Princesa
meio do quarto, o Príncipe Heróico deu Adormecida amavelmente bordando
solenes passos em sua direção. Segundo brasões a seu lado?
a Antiga Lenda, bastava apenas Um Beijo,
um Único Beijo, para quebrar a Maldição Definitivamente, não.
e despertar a Princesa Adormecida!
O Príncipe Heróico deu meia-volta.
Enquanto a observava em seu sono Logo apareceria outro Dragão Guardião
profundo, não podia negar que ela era e a Antiga Lenda seria cumprida por
bonita. Não parecia ter muito mais do que Alguma Outra Pessoa.
dezesseis anos, os cachos castanho-
avermelhados caíam levemente por
seu rosto e ombros, os lábios rosados
pareciam um botão de rosa pronto para
ser tocado pelos seus... Vai ver seria http://prisaodevidro.blogspot.com/
agradável ser seu marido e Senhor de um
Vasto Reino.

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Samizdat 2 - março 2008

O Beijo
Denis da Cruz
Não me conformei, mas acredito que
meu rosto mostrava compreensão. Aquele
encontro às escondidas era o momento
perfeito para selar a corte que há muito
eu vinha fazendo à Allice. Porém, nada
saiu como meu coração desejava.

- Você sabe que sou prometida, Tom


– finalmente levantou o semblante. Seus
olhos azuis mostravam certa súplica –
Não posso contrariar meus pais neste
momento difícil. Dê-me mais um tempo.
Interessante como algumas coisas
são tão importantes em nossa vida. Aqui, Ela estava certa. Eu era um mero
escondido na penumbra desta noite, sinto órfão, aprendiz de ferreiro. Não tinha
a tensão do meu desejo. nada para oferecer. Se quiséssemos ficar
juntos, teríamos que fugir.
Estranho reconhecer que minha
vida sempre girou em torno de algo Allice tirou do pescoço uma corrente
aparentemente simples: o beijo. dourada. Entregou-me com um pingente
na forma de um coração.
Quanto tempo faz? Não sei. Minha
memória fez questão de expulsar várias - Há coisas mais importantes que um
coisas por quais passei. Mas desta simples beijo.
história me lembro de cada momento.
Deu um breve sorriso. Seus lábios
Allice. Este era seu nome. vermelhos, tão desejados, afinaram de
uma forma que a deixou ainda mais linda.
- Tom – disse ela naquele passado Virou-se ao ouvir o trote distante de um
tão distante. – Meus pais estão muito cavalo e saiu do nosso reduto.
doentes.
Foi-se o meu beijo, ficou em meu
Os cabelos loiros cobriam-lhe o rosto coração o ardente desejo.
bonito que não ousava erguer-se para
mim. Por alguns meses, nos comunicamos
por pequenos bilhetes. Os pais de Allice
- Mas... não retrocediam na doença e Joe, seu
irmão, era nosso pombo-correio. Garoto
incrível, sempre alegre; fazia votos para
- Por favor, me perdoe – continuou que nosso relacionamento desse certo. O
ela. – Eu sei que prometi um beijo. Mas conquistei tempos antes, dando-lhe uma
não posso; não agora. pequena adaga que fiz na forja de meu
senhor, usando sobras de metal. A partir

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daquele dia, Joe foi um fiel escudeiro. o nada.

Por mais que o tempo tenha passado, Atrás dela um homem lhe segurava
não consigo me livrar das imagens da pior pelos cabelos. Sorriu desdenhoso
das minhas noites; a escuridão engoliu enquanto eu descia do cavalo com o
meus sonhos e levou consigo meu beijo. florete empunhado firmemente.

Lembro-me bem. Acordei com um “Ainda posso salvá-la”, lembro-me de


som fraco arranhando a janela da ferraria. ter pensado.
Vivíamos num povoado pacato, não havia
razões para medo. Abri e me deparei - Tom? – disse o homem sorrindo
com Joe; suas roupas encharcadas de ainda mais. – Ela me contou sobre você.
sangue. O garoto que quer um beijo – gargalhou.

Puxei-o para dentro enquanto olhava - Solte-a! – tentei gritar, mas só


para a imensidão escura. consegui que a frase saísse gaguejante.

- Ele vai levar Allice – disse fracamente. - Ah, o amor, o beijo; o beijo, o amor –
Parecia haver sangue até mesmo dentro soltou Allice e veio em minha direção.
das órbitas de seus olhos. – Ele vai matar
a todos.
Meu corpo parecia ter petrificado. Não
conseguia tirar meus olhos daquela figura
Pude assistir a vida fugindo do corpo hipnotizante que se fundia as robustas
de Joe. Eu não sabia do que se tratava, sombras do ambiente.
mas se Allice fosse morrer, eu morreria
com ela.
- Isto é tão lindo. Um rapazote
apaixonado que vem para salvar sua
Peguei um florete e me apropriei amada – seu rosto estava frente ao meu;
do cavalo do meu senhor. A escuridão seus olhos pareciam ordenar que eu não
me abraçava enquanto meu coração me mexesse. – Ela vai morrer, Tom. Vai
apontava a direção. morrer agora e levará com ela o que você
mais deseja: o beijo.
As sombras debruçavam pesadas
em toda a pequena propriedade da E assim foi. Aquele maldito virou-se e
minha amada. Parecia haver movimento rasgou com as mãos a garganta de Allice.
apenas no silo. Cavalguei e forcei o A vi arfar o próprio sangue e se debruçar
cavalo a arrombar as portas com as patas sobre a poça vermelha.
dianteiras.
A cena me tirou do transe e avancei.
Queria que o tempo curasse as feridas Cravei a espada nas costas do assassino.
da mente. Mas não cura. Rasgados no Vingança. Pelo menos isto eu teria.
chão do silo, estavam os corpos dos pais
e de dois irmãos mais velhos de Allice. Ela
Ele virou-se sorridente; o florete
estava pouco mais ao fundo; ajoelhada
atravessando seu ventre. Finalmente
e de vestes brancas, manchadas com o
percebi o que estava diante de mim.
próprio sangue, olhava para mim e para
Aquela criatura gargalhou enquanto

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Samizdat 2 - março 2008

tirava a espada do corpo e pude ver suas pela criatura que, depois de muito brincar,
imensas presas. matou a todos.

Ergueu-me do chão, grudando em Dimitre foi um grande mestre, porém


meu pescoço. não colaborou em nada na minha busca
por vingança. Dizia que isto não devia
- Patético. Mas vou te presentear com ser a motivação nem para a mais vil das
algo pior que a morte. Viva, garoto, para criaturas. Mas ainda hei de encontrar
sempre, sentindo a perda da sua querida aquele monstro e cobrar a dívida de morte
Allice. que tem comigo.

Grudou as presas em minha garganta Interessante como algumas coisas são


e pude sentir as veias ferverem. Parecia tão importantes em nossa vida. Depois
que fogo circulava pelo meu corpo e que de quase de dois séculos daquela maldita
minha alma estava sendo sugada para noite, estou aqui novamente escondido
dentro da boca daquele monstro. na penumbra, esperando ansiosamente
por aquilo que nutre minha vida.
Quando minha vida se foi, me senti
invadido por sombras. Meus olhos se Uma mulher vem em minha direção.
abriram. Eu sugava o punho do assassino
de Allice enquanto ele sorria. O gosto Lembro-me de ter sorrido quando
ferroso saciava uma fome sem limites. Dimitre me contou alguns termos usados
por nós, os vampiros. O que mais me
- Chega! – disse ele puxando o braço. chamou atenção foi quando ele explicou
– Bem vindo às trevas. como chamamos o ato de mordermos
uma pessoa para nos alimentar.
Deixou-me ali, entre os cadáveres, e
embrenhou-se na noite. A fome ainda era Ela está próxima. Já está sob meu
intensa e sorvi o que restou do sangue de domínio.
Allice e de seus familiares.
- Não resista – digo saindo das
Fui transformado numa besta sombras. – É apenas o Beijo. O Beijo de
assassina. Escondia-me durante o dia, um vampiro.
caçava durante a noite. Por onde eu
passava, deixava uma trilha de corpos
e procurava aquele que me amaldiçoou.
Jamais irei esquecer seu rosto. Por muito
tempo, a única coisa que me fazia lembrar
que eu era humano, era o coração dourado
com que Allice me presenteou.

Finalmente encontrei um igual a mim,


Dimitre. Ensinou a me alimentar sem matar
e a descobrir muitos dos meus dons das
trevas. Contou-me que, provavelmente,
a doença dos pais de Allice era causada

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Exame último
José Espírito Santo

Cambaleio e é com coragem que sigo e olho em frente e fito um por um os meus
interlocutores. Meus olhos castanhos gastos, cansados não me respondem e não
correspondem atempadamente a todos os meus anseios. Toda eu sou tormento e
dor quando entro trémula em silêncio na sala grande e fria. E já não consigo ser
eficaz. Não tenho mais a capacidade de estar a sós comigo mesma e nessa calma
ver com a clareza e discernimento de antes. Sempre omnipresente está a dor! A muito
custo mantenho minha presença e compustura. e meu ânimo já não é o que era.
Tenho a doença, aquela doença, sabem !... E sei que minhas hipoteses de cura são
extremamente reduzidas. A radioterapia e os outros tratamentos provavelmente não
farão mais do que adiar um pouco o que já é inevitável.

Relembro os inúmeros testes desde a infância e meninice escola doce até à


Universidade imponente e austera, de Coimbra, onde fui aluna regular na maior parte
das matérias e até acima da média, quase exemplar em algumas cadeiras, as minhas
preferidas. Onde troquei as festas e farras pelo aturado estudo noite dentro, noites e
noites a fio, tanta vez... Recordo meu início de carreira, meus ideais, meu empenho
pelo ensino nesta profissão que amo e à qual me fui habituando a dar tudo. Lembro
o riso e o choro, a solidão e o namoro, a força de minha mocidade. E as exigências e
apoio contante de meus pais que já se foram, bem hajam, Deus os tenha.

E sinto medo. Porque hoje vou a exame e este teste é diferente, de todo desprovido
de qualquer estudo ou preparo. O resultado não depende de mim mas sim deles.
Daquele grupo de desconhecidos que se perfila ao fundo por detrás da secretária.
Serão humanos ou será que serei para eles apenas mais um número, roda dentada
de métrica de eficiência e contenção de custos de tostões onde se continua gastando
milhões sem quê nem porquê? Não sei. Por isso estou temerosa. E espero...

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Samizdat 2 - março 2008

Uma voz lá do fundo, clara e fria, mecanográfica ordena que me levante. A


deliberação vai ser proferida. Estou ansiosa, é o momento que chega. E ouço incrédula
a decisão. Na qual eles dizem que a incapacidade alegada não é devida. Que deverei
voltar e terei de me apresentar ao serviço fazendo o mesmo de sempre (provavelmente
com as exigências de sempre). Quase não acredito, solto uma lágrima. Quero gritar
mas não sou capaz. E fito as faces incrédula. Procuro em vão ajuda e compreensão
mas não encontro pessoas, apenas rodas dentadas, cuidadosamente programadas
e instrumentalizadas.

De repente percebo tudo e vejo que nada adianta lutar contra essa máquina surda.
Que me aprova! Má sorte passar neste exame sem exame. Meu último!

P.S:

Meu personagem é inteiramente fictício. No entanto a história se inspira em factos


bem reais. Em Portugal vários professores foram considerados aptos para continuar
suas funções após análise pela “Caixa Geral de Aposentações” apesar de padecerem
de doenças graves como o cancro. Alguns já faleceram. Felizmente que agora (mais
vale tarde que nunca) estão fazendo algo para evitar esse tipo de situações.

Aproveito para apresentar extracto de notícia do jornal “O Público” na Net

“... A Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) garante que a Escola


Alberto Sampaio, em Braga, garantiu “todas as condições humanas” ao docente
recentemente falecido que a Caixa Geral de Aposentações havia considerado apto
para leccionar, apesar de ter cancro na traqueia.”

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MICROCONTOS

Contos Mínimos
José Espírito Santo
Bebedeira
Fechou-as colocando a rolha nas duas. Num único momento, ao mesmo tempo.
Então, pensou “Que bom!”. Estava perto de obter o dom da ubiquidade.

Compreensão
Ela amava-o. Só que às vezes era uma pessoa confusa. Não entendia bem o que
diziam. Por isso, quando lhe perguntaram, respondeu “Não!”. E ficou solteira.

Corrida

Terminou. Treze segundos separaram o primeiro do décimo quarto.

Intenção

Após a entrada, no quarto quarto, no primeiro segundo ignorou quaisquer terceiros.


Para depois se dar totalmente a sentidos sentidos.

A casa

A casa deles era grande. Levantavam-se bem cedo e chegavam à cozinha já


depois da hora de almoço.

Viagem

Dois sobreiros conversam entre si. Diz o primeiro “Estou farto disto pá. Queres ir
comigo para a América?”. Responde o segundo “Gostava mas não posso. É aqui que
tenho as minhas raízes!”

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Acidente
Então, o pneu da frente disse para o de trás “Queres trocar de lugar comigo?”

A tartaruga e a lebre
A tartaruga sabia que a história estava escrita para ela ganhar. Dormiu em vez de
correr. Perdeu.

Ao contrário

Então, nesse preciso momento, a loira entendeu a piada. Passam duas horas.
Riu-se do que ele contou.

Procura

Andavam em círculos, à procura do centro...

Fala

Nunca fazia perguntas. Decididamente, só falava com quem não conhecia.

Escrita
Levava consigo para todo o lado o pequeno bloco de notas. Saiu. Á medida que
o tempo passava, observava e riscava as palavras. Ao final da tarde regressou o
vazio.

A formiga e a cigarra

Fartava-se de trabalhar. Até que chegou o inverno e a deslocalização. Foi


despedida. Mais vale ser cigarra e pertencer a um bom partido político...

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Céu

Era bom, honesto e íntegro ajudando os outros o mais que podia. Naquela noite
vestiu-se a rigor e saiu para ir com a mulher ao Concerto. A partir daí tornou-se mau,
uma verdadeira peste. Vigarizou, roubou, mandou matar. Morreu e não foi para o céu.
E ainda bem (pensou). Porque detestava verdadeiramente o som de Harpa.

Timidez

Eram os dois tímidos. Tão tímidos que namoravam há cinco anos sem saber. Um
dia, terminaram. Sem saber.

Atrapalhadas
Marcia Szajnbok

Atrapalhada, lado A

Dormiu mal, acordou atrasada. Vestiu qualquer coisa, tomou num gole o café
requentado. Irritou-se com o marido: maldita mania de apagar cigarros no pires!

No elevador, a vizinha-perua, maquiada a essa hora como se fosse a uma festa


black-tie! Quem ela pensa que é, afinal, Gisele Bündchen?

Na saída, escorregou diante do porteiro e da vizinha. Quis chorar.

Atabalhoada, não enxergou o moço com a pilha de papéis na mão. Espalhados


pela calçada, os documentos dele se misturaram ao conteúdo caótico de sua bolsa
de mulher. Na confusão, um breve encontro dos olhares. Corou. Desculparam-se.
Sorriram.

Seguiu em frente, transformada na própria Gisele na passarela.

Atrapalhada, lado B

Finalmente ia conferir se o tal Papai Noel existia mesmo. Se estivesse lá o trenzinho


elétrico tão ansiosamente esperado, era prova de que sim, e pronto! Ninguém o
convenceria do contrário!

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Samizdat 2 - março 2008

O coração disparou. Sob a árvore um pacote grande, papel dourado, laço vermelho
imenso. Ele veio, pensou, ele existe e eu sou feliz!

Toda a manhã o pai passou montando trilhos. Postos no lugar locomotiva e vagões,
chegaram os primos. Uma revolução aqueles primos! A prima menor, atrapalhada,
entrou correndo, sem olhar por onde andava.

Pisou no trilho.

Emudecido e pálido, sentiu a dor da infância terminada.

Denis da Cruz

A Chave?

Era nervoso e impaciente.

Esqueceu as chaves dentro do carro. Num acesso de ira, arrebentou o vidro.

Não estava na ignição, mas nas mãos do seu filho que, ao seu lado, olhava
espantado.

Ciúmes

Acostumado com boas obras, deu carona para uma grávida num dia chuvoso.

Tão logo ela foi deixada em casa, foi morta pelo marido. Enciumado, há muito
desconfiava que o filho não era seu.

Inferno

Matou o filho dentro do carro, esquecendo-o ali com as portas trancadas.

Não se perdoou.

Trancou a si mesmo, esperando as portas do inferno se abrirem. Demorou. Ele


mesmo as escancarou. Matou-se ali, no banco do carro, arrebentando os miolos com
um tiro na cabeça.

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Ana Cristina Rodrigues

Vida de traça

Vivo metido em palavras. A história progride entre lágrimas, gritos, acidentes.


Chega o fim. O papel acaba.

Paro para decidir. Poe? Eça?

Aposto numa comida leve. Rumo para o Sidney Sheldon mais próximo.

Faz bem para a digestão.

Volmar Carmargo Junior

Assédio
Olhei. Ele não viu. Mexi o cabelo. Nem notou. Sorri, tossi, deixei cair o celular.
Nada. “Oi!” Será que é surdo? Chamei um brigadiano. “Foi esse aí!”. Levaram. Voltei
para casa realizada.

Olho-gordo
— Que cachorro lindo, Ju!
— É, né Pa?
— Muito. Só que...
— O quê?
— Nada.
— Fala!
— Bobagem.
— Ó, preciso ir. Se cuida.
— Tchau...
À tarde, Ju foi atropelada. Amigos e parentes comovidos: Pa adotou o cão.

Má Sorte
— Joguei no bicho: galo na cabeça. Gato preto cruzou meu caminho. Chutei.
Dono do gato me acertou uma paulada. Deu galo.
— Na cabeça?
— É. Na minha.

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Samizdat 2 - março 2008

Henry Alfred Bugalho

Não confie em tudo que lê

O projétil atravessa a janela e atinge João na testa. No jornal que lia, a


manchete:

“Diminuem os casos de balas-perdidas na cidade”.

Continhos
Pedro Faria

A diferença entre desejar e receber

Igor estava sentado numa cadeira, em sua faculdade. Essa se localizava próxima
a um famoso morro, lar de uma famosa favela, que por sua vez era lar de alguns
não tão famosos traficantes. O dia estava quente, a aula estava chata, e Igor estava
debruçado numa janela, pensando. Sobre balas.

“Doeria”, pensava ele pela milésima e última vez, “tomar um tiro?”.

“Pessoas diferentes reagem de maneiras diferentes a um tiro. Talvez, eu poderia


tomar um tiro no braço e gritar que nem um louco, ou levar um na cabeça e não sentir
tanta dor”.

“Claro, idiota, você estaria morto! Como sentiria alguma coisa?”.

“Ora, eu não sei! Talvez eu não morresse na hora. Talvez eu ainda sentisse
algo”.

“Meu Deus, que idiota! Bem, não posso discutir com isso. Você venceu”.

“Mas e...” - Só que nesse momento o sinal tocou. O professor e os alunos se foram.
Apenas Igor ficou, olhando para fora, os olhos abertos, uma bala em sua testa.

No fim, só ele soube o que sentiu. Ou não sentiu.

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Confissão

Eu tinha uma esposa. Eu a amava.

Nós casamos jovens, e nosso relacionamento era muito apaixonado. Porém,


depois de alguns anos, seu fogo apagou.

Ela era linda.

O que eu mais amava em seu corpo eram seus longos cabelos ruivos.

Depois que o fogo apagou, ela se tornou frígida. Não queria mais nada comigo.

Pensei que estava me traindo, portanto mandei seguirem-na.

Nada. Nenhum amante.

Ela simplesmente ficara gelada.

Então a joguei em um incinerador.

Gelada ela não está mais, lhes garanto isso.

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Samizdat 2 - março 2008

Sonhos Moídos
Jurandir Araguaia

A coleção de preciosas xícaras era a o que não a chateava, conseguia trocá-


paixão de Dona Izaura. Nunca fora rica, las em lojas de antiguidades ou com
mas era pessoa fina, de bom trato e ótimo colecionadoras de províncias distantes.
gosto. Alguns dedicam a vida ao próximo, Todas eram criteriosamente guardadas
outros a acumular fortunas, a viúva só em um antigo armário inglês com portas
queria aumentar o número de louças. Com de vidro. Com o tempo adquiriu outro
o tempo ficou conhecida pela dedicação. similar, nacional, mas de inconteste
Nas datas em que era presenteada, elegância.
ganhava mais peças. Vinham dos cinco
continentes. As pessoas se esmeravam Cada xícara contava uma história.
em trazer-lhe as mais diversas prendas.
- E o que vai ser da coleção quando a
Ela mesma afirmava nos senhora morrer? – perguntavam.
aniversários:
- Fica tudo para Melissa – sua única
- Querem me ver feliz, tragam filha.
xícaras.
Dedicava horas à limpeza, organizando
Obviamente algumas eram repetidas, e apreciando. Nunca se soube que

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alguma quebrara. Melissa empenhava-se Dando aulas em escola, Melissa


nos estudos de Botânica. Queria correr o afastara-se, definitivamente, do seu
mundo fazendo pesquisas, embrenhando- sonho. Uma noite, em silêncio, Izaura
se em matas. Assim que se formou a mãe resolveu partir. Velório, enterro, sossego.
bancou cara pós-graduação. Na casa Melissa tentou empregos no campo de
eram as duas. Foi dura a vida da jovem. pesquisa. Estava velha, sempre tinha
Com poucos recursos, a mãe fez de alguém com currículo melhor, mais
tudo pra vê-la formada, mas não dispôs elaborado. Ficou amarga. A coleção ali,
de nenhuma peça, embora algumas já parada, empoeirando-se aos poucos.
fossem classificadas por especialistas
como raridades de valor imenso. Em um surto, começou a descer ao
chão todas as peças. Dançava entre elas.
Ao terminar a pós-graduação em cidade Cantarolava.
distante, Melissa voltou para casa. Enviou
muitos currículos, marcou entrevistas - Mamãe as amava mais o que a
e conseguiu um posto em uma equipe mim. E chutava uma contra a parede.
de determinada ONG que percorreria a Segurava outra nas mãos e, ops, deixei
América. Sonho encaminhado. Faltando cair. A coleção virou cacos durante dois
um mês para o início da viagem, Dona dias de loucura. Não foi ao emprego, não
Izaura caiu em doença misteriosa que atendia a campainha, o telefone tocava até
levava todas as suas forças. Melissa silenciar. Rugas e olheiras surgiam. Dois
fez de tudo para que se curasse. Izaura dias depois, em um átimo inesperado,
insistia: atendeu a um telefonema, disposta a
maltratar quem quer que fosse. Era um
- Não perca seu sonho, viaje. Eu homem, um colecionador de cidade
me viro – e dizia isso entre acessos distante. Disse ter recebido fotos e um
preocupantes de tosse. Vieram médicos, catálogo enviados por Izaura – sem que
exames, diagnósticos. Melissa soubesse uma amiga a ajudara a
elabora o rol. Mencionou preço. Era uma
- Ela está muito velha. Vários órgãos pequena fortuna.
comprometidos. Sua mãe não durará
muito. Temos apenas que esperar... - Pode vir, disse Melissa, ela será toda
sua.
Viagem adiada. Melissa cuidava da
mãe em tempo integral. Conseguiu um No dia seguinte ele desembarcou
emprego por ali e, através da ajuda deno aeroporto. Correu diretamente para
vizinhos e parentes, conseguia sempre ter
a casa. Na porta um bilhete mandava-o
alguém ao leito. A doença prolongava-se,
entrar sem bater. Foi o que fez. Tateando
Izaura resistia. Ficava fraca, restabelecia-
na escuridão achou um interruptor ao
se, nova complicação. Internações, volta
lado. Percebeu que pisava em cacos. Ao
para casa. Um ano, dois, cinco, dez. acender a luz notou o corpo de Melissa
envolto em sangue, pulsos cortados, e
Melissa envelhecera precocemente. A milhares de pequenos pedaços do que
mãe nem morria e nem melhorava. um dia fora um sonho...

- As xícaras, filha, são suas, todas


suas.

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Samizdat 2 - março 2008

TRADUÇÃO

Folhas da Relva
Walt Whitman
trad.: Henry Alfred Bugalho

Walt Whitman (31 de maio de 1819 - 26 de


março de 1892) foi um poeta Americano, ensaísta,
jornalista e humanista. Ele pertence ao período
de transição entre o Transcendentalismo e o
Realismo, incorporando ambas perspectivas em
suas obras. Whitman está entre os mais influentes
poetas do cânone americano, comumente
chamado de “o pai do verso branco”. Seu trabalho
é também muito controverso, particularmente a
coleção de poemas de “Folhas da Relva”, descrita
como obcena por sensualidade manifesta.

(fonte: Wikipédia)

Folhas da Relva (seleta)

Para Você

Desconhecido! Se tu, ao passar, encontrares-me e desejares falar comigo, por


que não falarias comigo?

E por que eu não falaria contigo?

Eu me sento e observo

Eu me sento e observo todas as mágoas do mundo, toda opressão e opróbrio;

Ouço os convulsivos soluços secretos dos rapazes, angustiados consigo próprios,


arrependidos por seus feitos;

Vejo, na vida mundana, a mãe maltratada por seus filhos, morrendo, negligenciada,
macilenta, desesperada;

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Vejo a esposa maltratada pelo marido —vejo o traiçoeiro sedutor de moças

Reparo na mágoa do ciúme e do amor incorrespondido — vejo estes panoramas


na terra;

Vejo os trabalhos da guerra, da peste, da tirania — vejo mártires e prisioneiros;

Observo a escassez no mar — observo os marinheiros jogando a sorte sobre


quem deve morrer, para preservar a vida dos outros;

Observo a indiferença e o degredo lançado por pessoas arrogantes sobre


trabalhadores, sobre pobres, negros e afins;

A tudo isto — a toda maldade e agonia sem fim, eu, sentado, observo.

Vejo, escuto e me calo.

Enquanto eu ouvia ao Erudito Astrônomo

Enquanto eu ouvia ao erudito astrônomo;

Enquanto as provas, as figuras, eram organizadas em colunas diante de mim;

Enquanto me eram mostradas cartas e diagramas, para adicionar, dividir e


mensurá-las;

Enquanto eu, sentado, ouvia ao astrônomo, enquanto ele palestrava com muita
aclamação no auditório,

Quão rápida, inexplicavelmente, entediei-me e me nauseei;

A ponto de me levantar e flanar para fora, vagando só,

Através do místico sereno noturno, e, de quando em quando,

Admirei, em silêncio perfeito, as estrelas.

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Samizdat 2 - março 2008

Ouço a América cantando

Ouço a América cantando, aos variados cânticos ouço;

Aqueles dos mecânicos — cada um cantando o seu, tal qual deve ser, contentes
e fortes;

O carpinteiro cantando o dele, ao medir a tábua ou a trave,

O pedreiro cantando o dele, ao se preparar para o trabalho, ou a deixar o


trabalho;

O barqueiro cantando aquilo que lhe pertence em seu barco — o marujo


cantando no convés do vapor;

O sapateiro cantando ao se sentar em seu banco — o chapeleiro cantando ao se


levantar;

O canto do lenhador — do lavrador, em seu caminho de manhã, ou no intervalo


do almoço, ou ao crepúsculo;

O delicioso cantarolar da mãe — ou da jovem esposa a trabalhar — ou da garota


a coser ou lavar — cada uma cantando o que lhes pertence e a ninguém mais;

O dia, o que pertence ao dia — à noite, o grupo de jovens amigos, robustos,


afáveis,

Cantam, bocas escancaradas, suas fortes canções melodiosas.

(fonte: http://www.bartleby.com/142/)

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Como Billy Bob Jones mudou o Mundo


Pedro Faria
Billy Bob Jones nasceu numa grande Era de se esperar que Billy Bob
família feliz. Seu pai, Jiminy Bob Jones, manifestasse algum sintoma neurológico
era um milionário, que fizera seu dinheiro da patologia que permeava sua árvore
construindo aterros sanitários. Possuía genealógica. No caso de Billy Bob, o
diversas mansões, porém a que mais tumor em seu cérebro causou anosmia,
gostava localizava-se no centro de um de ou perda do olfato.
seus aterros, o maior de todos eles.
Aos doze anos fora operado. Porém, a
Quando a Alta Sociedade da cidade cirurgia deixou uma sequela inesperada:
soube que Jiminy Bob construiria uma Billy Bob desenvolvera um problema no
casa de vinte e dois aposentos dentro de cérebro. Quando seu cérebro recebia a
um lixão, as reações foram diversas: informação de um odor e o classificava
como “bom”, ele enviava para Billy Bob
“Ora, que original!”. o sinal de “ruim”. Ou seja, para Billy Bob,
cheiro de rosas em um campo pareciam
muito como esterco velho, e vice versa.
“Apenas uma mente mui engenhosa
deselvolveria tal idéia!”.
Como morava em um lixão, Billy Bob
não se importava. Porém, sua condição
“Mais uma inovação de Jiminy Bob
lhe obrigava a ficar confinado em tal
Jones, o pioneiro!”.
morada.

Na verdade, o verdadeiro motivo pelo


Para resolver o problema de sua
qual o pai de Billy Bob construíra sua
educação, seus pais contrataram
mansão dentro de um lixão, era o fato
professores particulares, que eram
dele ser clinicamente insano.
obrigados a usar roupas mergulhadas
no lixo e em fezes para dar as aulas de
Jiminy Bob, como muitos antes de sua Billy Bob. Para impedir vômitos, Jiminy
família, tinha uma propensão genética a Bob lhes dava máscaras de oxigênio, e
tumores cerebrais. para impedir a recusa, muito, mas muito,
dinheiro.
Alguns de seus antepassados ficaram
cegos, outros surdos. Com dezoito anos, Billy Bob perdera
os pais num acidente automobilístico: O
Jiminy Bob ficara louco. carro deles fora atingido por um caminhão
de lixo, dirigido por um lixeiro e seu
Fora isso, Billy Bob crescera feliz, companheiro, Jack Daniels. Mais uma
e amava seu pai, mesmo quando ele ironia para a lista da família Jones.
aparecia em sua escola particular apenas
com uma toalha enrolada na cintura, Billy Bob chorou durante dias. Amava
seus seios masculinos balançando, muito seus pais, e suas mortes lhe
reclamando que o duende tinha cagado pegaram de surpresa.
na banheira de novo.

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Samizdat 2 - março 2008

Decidira então sair para conhecer o do mundo, revelou sua idéia:


mundo, ver as coisas como eram, adquirir
alguma experiência fora de sua mansão Ele enviaria grande parte do lixo do
no lixão. mundo, retirado dos maiores aterros
sanitários da Terra, para o Sol, em grandes
Mudara de idéia no momento que contâineres de sua própria criação,
saíra do alcance dos doces e suaves construídos por ele e por seus cientistas,
aromas do aterro sanitário que chamava tão ávidos por mudança quanto ele.
de lar. Dera meia volta e se abrigara nos
vapores aromáticos do lixão. O mundo aplaudiu a idéia de Billy
Bob. Logo, os contâiners foram levados
Nessa mesma noite, Billy Bob foi por todo o planeta, coletando o lixo de
dormir pensando em como mudar o enormes aterros sanitários. Em pouco
mundo ao seu redor, em benefício das tempo, os contâiners se posicionaram de
pessoas, que precisavam conviver com bases por todo o globo, e seriam lançados
aquele cheiro horrível, e nem se davam sincronizadamente.
conta disso.
Durante a contagem regressiva, o
Foi nesse ponto que a insanidade de mundo aplaudia. Fotos do excêntrico
Billy Bob começou a bater na porta de bilionário Billy Bob Jones circulavam
sua mente. por todos os noticiários do mundo.
Jornalistas diziam que ele seria mais um
Dormira, e em seu sono, a resposta no hall de grandes mentes da história da
veio. Era de simples conceito, porém de Humanidade.
execução complicada. Mas não importava:
Ele era filho de Jiminy Bob Jones, e isso Em sua casa, Billy Bob acompanhava
significava apenas uma coisa: a contagem em seu laboratório pessoal.
Esperava ansioso pelo momento que
Dedicação. coroaria sua grandeza.

Bem, duas coisas: Dedicação e (É necessário notar que, nesse


loucura. ponto, a loucura já tinha se assentado
completamente na cabeça de Billy Bob.
Ele constantemente falava sozinho, e
Billy Bob passou então os próximos
até via duendes ocasionalmente, talvez
doze anos de sua vida estudando
mais uma herança de seu pai. Só que o
engenharia espacial. Durante esse
seu duende cagava no tapete da sala, ao
tempo, contratara algumas das mais
invés de na banheira.)
brilhantes jovens mentes da engenharia
e da tecnologia espacial. Investira quase
todo o seu dinheiro na Bolsa, e graças Começou a contagem.
mais à sorte do que à conhecimentos
ecônomicos, aumentara sua fortuna em 10; 9; 8; 7; 6; 5; 4; 3; 2; 1:
dez vezes.
Lançamento!
Finalmente, aos 28, Billy Bob Jones,
umas das mais ricas e inteligentes mentes Aplausos ecoaram pelas maiores

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avenidas do planeta. Os contâiners foram Civilizações caíram, a selvageria


levados por foguetes para o Sol. tomou conta do povo, religiosos clamaram
o perdão de Deus, o Apocalipse havia
Bem, pelo menos esse era o plano. chegado.

Em certo ponto, ainda próximos E no meio de tudo isso, Billy Bob Jones
da Terra, os contâiners explodiram. caminhava sereno pelas ruas, com seu
Quantidades inacreditáveis de lixo detonador na mão, um sorriso no rosto, e
entraram em órbita, transformando nosso respirando mais fundo do que nunca.
planeta em uma rocha fedida no meio do
espaço.

Borboleta
Ana Cristina Rodrigues
Hoje, finalmente arrumei a casa. Pela Dobrei o papel em cuidadosos
primeira vez depois que você se foi, fiz a pedacinhos (lembra do curso de origami
faxina que prometi a mim mesma. que fizemos juntos?). Transformei
tudo aquilo em uma borboleta de papel
Minha vontade foi rasgar os livros que branco.
lemos. Quebrar ao meio os cd´s com as
músicas que embalaram nossas noites de Soprei-a da janela do 15º. andar,
amor. Amassar as contas velhas, pagas nesse dia chuvoso, como tantos em São
em conjunto. Paulo.

Quis destruir o passado como se assim Ela começou a cair, devagar. Como se
pudesse exorcizar a sua presença. meus sentimentos tivessem dado vida à
borboleta! Ou teria sido o meu sopro?
Mas preferi não.
Sei que vi o pequeno ser de papel
Ao contrário, guardei tudo. Arrumei adejar, batendo as brancas asas contra o
os livros na ordem que decidimos juntos. fundo cinza.
Organizei os cd’s por ordem de preferência
das músicas. Até as contas velhas eu E hoje, finalmente, nossa casa voltou
arquivei com todo o cuidado... a ser só minha.

No fim, peguei uma folha em branco. Seu fantasma foi exorcizado nas
asas frágeis de uma borboleta de papel
Nela, escrevi todo o amor, toda a branco.
raiva, toda a tristeza, todo o rancor, toda
a alegria. Todos os sentimentos que
alimentei por você.

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Samizdat 2 - março 2008

Estrelas
Marcia Szajnbok
estrelas

de muito longe
há muito tempo
luz tardia no espaço lançada
agora umedecida
em reflexo abandonada
na superfície noturna do mar

um resto de brilho apenas


morta a substância
a energia pura reduzida
de matéria totalmente esvaziada

(lindas... vês?
e, vendo-as, sonhas?
- comigo... sonhas?)

sonhos vívidos
nos despertam pelo tato
ultrapassam as imagens,
têm gosto, temperatura, cheiro
no corpo adormecido
um toque, um afago, um beijo

apertam-se os olhos
na ilusão ou inefável ensejo
de segurar dentro o sonho
na vigília transformado em desejo

(assim sou... assim és...


somos luz de estrelas
que em quase instante
num ponto qualquer do infinito
se encontram
se tocam
se fundem
e tornam incandescente o universo)

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Agonia
Giselle Natsu Sato
Estou trancada num barraco imundo, amarrada por fios e cordas, deitada no chão
de terra, não me sinto mais humana, sou um bicho enjaulado, fedendo a suor, mijo,
imunda, à beira da loucura,só quero sobreviver ou ter uma morte rápida.

Mas sei que é pedir muito.

Como policial cada minuto neste cativeiro significa o esforço dos companheiros
que já devem ter cercado o morro e tomado cada viela.

Os traficantes estão desesperados porque o movimento está parado, a polícia está


cercando outros morros, prejudicando as bocas que não podem vender as drogas.
Eles não vão agüentar muito tempo a pressão.

Tenho 22 anos, passei no último concurso para a Polícia Civil, ainda estou novinha
na função. Estava fazendo um reconhecimento de área em uma favela no Rio de
Janeiro quando pegaram meu parceiro. Tentei revidar, mas uma pancada muito forte
na cabeça fez com que perdesse os sentidos.

Acordei assim. Preferia estar morta. Ouvi quando meu parceiro foi executado. Eles
deram muitos tiros, mas não o mataram logo; ele sofreu muito nas mãos daqueles
bandidos covardes. O barraco onde estou fica no alto do morro, ouço os helicópteros
sobrevoando a área e os bandidos estão monitorando cada passo da polícia pelo
rádio. Estou nas mãos deles há seis horas, são muitas vozes discutindo o que fazer.
Matar, queimar, fuder, estou perdida, se pudesse me
matava agora. A polícia está apertando o cerco e eles estão cada vez mais
agitados.

Eles entram e me colocam em pé, são oito bandidinhos de merda, alguns ainda
adolescentes. Tento falar mas levo um, dois, perdi a conta dos socos. Minha boca
sangra, alguns dentes caem e eles não param de bater. Um deles parece o líder, é
mais velho, atarracado,olhos injetados, muito doidão. Ele arranca minhas roupas e
expõe meu corpo magro, xinga, grita que sou uma puta, polícia de merda, me arrasta
pelos cabelos, fura os meus seios com um facão, morde meus mamilos, suplico,
imploro e eles riem. Sou uma aberração que urra numa poça de sangue: — Me mata,
me mata por favor, me mata.

Imploro. Eles não ouvem, estão fumando e cheirando sem parar, cada vez mais
loucos e violentos. Não sei quantas vezes fui penetrada, por quantos, não sei como
suportei tanta dor. Fui tragada pela escuridão e lá busquei conforto. Nada mais importa
agora. Penso nos meus pais, chamo o nome da minha mãe várias vezes, esperando,
apenas, o final da dor.

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Samizdat 2 - março 2008

Penetrável
Aline Gallina
Ela soma o ar da janela
Tropeça na mão direita a cada 20 segundos
O dia cinza reflete em seu corpo
sujo
Bolas pretas gigantes que se movem
no rosto -
Precisa escondê-las hoje
- rolam para debaixo da cama
Não guarda mais o segredo das cartas antigas
Eis a caixa da caixa
Onde vive, morta para dormir
No necessário.
A paçoca de papel e capim, sua -
melhor amiga - do peito.
De quantas chamas é feito o dia?
24 goles ásperos e a cortina para
cada lado do ombro.
Perde as pontas dos dedos em cada passado.
Imprime a sombra no rosto, pois
a lua fere quando sorri.

Estrambolia Melancótica
Priscila Lopes e Aline Gallina

Tenho vontade de mim mesmo


vontade sob consciência de fato,
de tanto que se viveu, e viverá,
os cegos só enxergam minha ausência.
Tenho horror, tenho pena...
E não vale a pena descrever os sentimentos
outros. Mas se invento um novo tento
meu amor é simples como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho fome
umbilical por todos que de passado
a contemporâneo me alimentam
e a sede nova-mente é de novo
que em mim se prolonga. A corola
revela levemente suas pétalas

(e cinco espinhos são) na minha mão.

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Peixe Seco
Priscila Lopes
Girava, girava (saltos no ar)
Juntando os elementos da terra
- Mas vai durar? Até quando?
Por que é tão frágil o que nasce
da pedra?
Era um peixe quase golfinho
tamanha a peraltice
– prateava o céu azul
Infantil e lindo –
não percebia o turista deslumbrado:
o peixe estava partindo.

Era um peixe quase pássaro;


à noite, tentava ser gaivota:
salt-ar gaivoando
das águas – arriscar se perder,
sim, arriscava. Lá embaixo
o escuro assombrava:
nem de algas nem de plânctons mas de latas
sacolas plásticas, pequenos dejetos, restos
de placas, e algumas lágrimas:
aDeus.

Sobre as Autoras
Aline Gallina é de Florianópolis (SC), estudante de Artes Plásticas e de Arquitetura
e Urbanismo. Já participou de diversas antologias de contos e poesias pela Câmara
Brasileira de Jovens Escritores, também pela Editora Mar de Idéias (Menção Honrosa).
Possui um poema-plaquete com previsão de lançamento em Santa Catarina para
março de 2008. E-mail: aalien.soul@gmail.com

Priscila Lopes também é de Florianópolis, Bacharel em Relações Internacionais


e estudante de Letras (Francês). Já participou de diversas antologias de contos e
poesias pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores, também pelas editoras DeLeon
e Mar de Idéias, além da Revista Poité (UFSC). Mantém uma coluna semanal no site
do fotógrafo Marco Cezar (www.marcocezar.com.br) com a personagem Taty Paty
Matias.

http://cincoespinhos.blogspot.com

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Samizdat 2 - março 2008

Sobre os Autores do SAMIZDAT

Ana Cristina Rodrigues é historiadora por formação e escritora por vocação.


Escreve desde os doze anos de idade, porém digamos que começou em 2001 com
fanfics de Star Trek. Evoluiu e hoje é plenamente capaz de escrever sem usar o
cenário alheio, com vários contos espalhados na web. Coordena a Fábrica dos Sonhos,
tendo organizado a primeira coletânea desse grupo, Espelhos Irreais. Participa
do projeto Intempol, com o conto ‘Vida de Estagiária’ traduzido no ezine argentino
Axxon. Publicou em sites e zines brasileiros, como Scriptonauta, Círculo de Crônicas,
Scarium, Desfolhar, Blocos Online, Somnium, e argentinos - além da Axxon, o zine
Sinergia.Modera diversas comunidades no Orkut sobre FC e Fantasia, tenta terminar
um doutorado, escrever um romance de ‘fantasia’, é a primeira mulher presidente do
Clube de Leitores de Ficção Científica, funcionária da Biblioteca Nacional e mãe do
Miguel. E mesmo assim, consegue tempo para namorar.
http://www.docespensantes.blogspot.com/

Denis da Cruz
Advogado, Servidor Público, marido de Elisa e pai dos pequenos Lívia e Kalel.
Escritor amador, faz da literatura um agradável e despretencioso passatempo. Mais
detalhes, o leitor poderá flagrar nos textos que serão apresentados na Samizdat,
afinal, já escreveu certa vez: “não sou nenhuma de minhas personagens, mas sou
todas elas vivendo ao mesmo tempo”.
http://www.recantodasletras.com.br/autores/kzar

Giselle Sato
http://www.trilhasdaimensidao.prosaeverso.net/

Henry Alfred Bugalho


Formado em Filosofia e especialista em Literatura e História. Romancista, contista
e bloggeiro nas horas vagas. Mora atualmente em Nova York.
www.maosdevaca.com

José Espírito Santo


Informático com licenciatura e pós graduação na Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, trabalha há largos anos em formação e consultoria, sendo
especialista em Bases de Dados, Sistemas de Gestão Transaccional e Middleware
de “Messaging”. A paixão pela escrita surgiu recentemente, tendo no ano de 2007
produzido os livros “Esboços” (contos) e “Onde termina esta praia” (poesia). Vive com
a família em Portugal em Alverca, uma pequena cidade um pouco a norte de Lisboa.
http://www.riodeescrita.blogspot.com/

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Jurandir Araguaia
Escritor goiano, nascido em Brasília aos 8/11/65.

Formado em Educação Física e Administração de Empresas, tendo cursado o


primeiro grau entre os muros e paredes do Colégio Marista de Goiânia.

Retornou ao hábito de escrever a partir de agosto/06, após constatar que: ou


começava a escrever agora ou não escreveria nunca. O tempo se escorre pela
ampulheta e a vida, na outra vida, se aproxima a cada grão de areia que cai.

http://www.jurandiraraguaia.com/

Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, trabalha
como psiquiatra e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas estrangeiras, lê
sempre que pode e brinca de escrever de vez em quando. Paulistana convicta, vive
desde sempre em São Paulo.

Pedro Faria
Estuda Matemática na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, músico amador
e escritor quando dá na telha. Nascido e criado no Rio.

http://civilizadoselvagem.blogspot.com/

Volmar Camargo Junior


Gaúcho. Formado em Letras pela Universidade de Cruz Alta, não leciona por sua
própria vontade. Começou a namorar via postal, e acabou trabalhando no Correio. É
casado com a bela Natascha, e com ela mora em um cartão postal: Canela, na Serra
Gaúcha. Dividem o apartamento com Marie, uma gata voluntariosa e cínica. Escreve
por prazer, e até agora não havia pensado em uma razão para publicar.
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj

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