A notícia estampada nos jornais de hoje é estarrecedora:
79 mil crianças de 6 anos são reprovadas
A incompetência dos governos federal, estadual e municipal para com as
políticas públicas de Educação é algo generalizado, mal intencionado e inusitado. O Ensino Fundamental com duração de nove anos é uma invenção que atesta as dificuldades de se criar e aprovar leis que favoreçam verdadeiramente as crianças e a Educação no Brasil. Ao invés de determinar em lei que a escolarização deve ser obrigatória desde os 6 anos de idade na Educação Infantil até o final do Ensino Fundamental, o governo adicionou um ano ao Ensino Fundamental, já que o mesmo é obrigatório. Com isso, o ensino que era de oito anos, iniciando-se, para o educando, aos 7 anos de idade, passou a contar com 9 anos de duração, sendo que a criança entra no Ensino Fundamental aos 6 anos. Essa lei obrigou as redes públicas e privadas de Educação a oferecerem vagas para todas as crianças nessa faixa etária, o que, em princípio, parece muito bom. Entretanto criou problemas para muitos infantes que passaram a, precocemente, ocupar os bancos escolares enfileirados das salas bancárias de nossas escolas. Até a promulgação da nova legislação, as crianças com 6 anos de idade freqüentavam as Escolas de Educação Infantil (chamadas de pré-escolas). Apesar da existência de muitas aberrações pedagógicas em todos os níveis educacionais, em grande parte das redes públicas de Educação, os equipamentos destinados ao atendimento das crianças de zero a seis anos de idade estão relativamente adequados, com mobília e demais equipamentos adaptados às idades das crianças atendidas. Além disso, em muitas redes o brincar na Educação Infantil já vem sendo respeitado como um direito das crianças e como meio de aprendizagem. Com a nova legislação, as redes dispuseram de um período para se adaptar, de modo que as escolas que oferecem o Ensino Fundamental pudessem receber bem as crianças de seis anos de idade. Entretanto, estampa-se nos jornais de hoje (em especial no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo) a notícia em destaque acima. As crianças de 6 anos que deveriam estar brincando na Escola de Educação Infantil, encontram-se submetidas ao trabalho desgastante do Ensino Fundamental. A questão da inadequação das escolas às necessidades das crianças não é nova e nem se aplica apenas aos menores de 6 anos. A maneira escolástica como se organizam a absoluta maioria dos equipamentos escolares de Ensino Fundamental reflete a inabilidade e a falta de conhecimento da realidade infanto-juvenil por parte dos educadores de todos os cantos do país. Não é por mero acaso que a coisa vá tão mal no nosso Ensino como um todo. A inadequação didático-pedagógica é patente desde sua base. Alguns problemas são evidentes e dispensariam até mesmo algum comentário extraordinário, mas destacaremos alguns exemplos a título de elucidação, como é o caso das turmas de crianças com 4 e 5 anos de idade com até 35 alunos, para uma única professora em sala, como ocorre em muitas Escolas de Educação Infantil do Brasil todo, inclusive de São Paulo — o estado mais “desenvolvido” do país —, enquanto que a recomendação dos pesquisadores mais progressistas da área é de que jamais se exceda o número de 25 alunos por professor. Outro exemplo de absurdo é a adoção de livros didáticos na Educação Infantil, que é muito mais comum do que se possa imaginar. Há uma escola na zona Sul de São Paulo que, pelo menos até o ano de 2009, adotava 3 (três) livros didáticos para cada aluno. A justificativa era uma verdadeira “pérola”: “ — Os pais querem que seus filhos usem os livros.” Ainda há o problema da “escolasticização” da Educação Infantil, com muitíssimas escolas obrigando as crianças a permanecerem sentadinhas e comportadas em suas mesas, com o lápis à mão e alguma tarefa escolar sendo objetivamente executada. Mas para além dos problemas, muito sérios, de caráter pedagógico, há ainda os de caráter administrativo. É pequeníssimo o número de escolas que contam com trabalho realmente “de equipe” entre seus educadores, e quase inexistente a democratização da gestão com efetiva participação da comunidade escolar. Com o absurdo da retenção no primeiro ano do Ensino Fundamental a que têm sido submetidas as crianças de 6 anos, o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) estão se preparando para divulgação de novas diretrizes para o Ensino Fundamental, visando a “evitar” a reprovação das crianças no 1º ano. Entretanto, precisamos repensar e reconstruir a Educação Infantil. Em primeiro lugar, é necessário delimitar com maior precisão quais são as características que definem o que seja uma criança. Afinal de contas, o que há de tão diferente num indivíduo de sete anos com relação a um de seis? Alguém poderia dizer que por volta dos sete anos a criança entra na fase das operações concretas, quando passa a realizar “operações de pensamento” (Piaget). Se assim o é, hábil em realizar operações concretas, a criança passaria a contar com muito maiores possibilidades de apreensão da realidade e de capacidades intelectuais por meio das brincadeiras e jogos. Se tais brincadeiras e jogos forem planejados pedagogicamente com a intenção de proporcionar meios de aprendizagem científica, social, política, essas atividades assumirão o caráter de trabalho transformador do mundo da criança. Suas ações na escola ganharão o status real de “atividade” (Leontiev) e sua realização humana e pessoal passará a ser uma conquista construída com seu esforço e dedicação. Por volta dos dez anos, muitas crianças atravessam uma nova fase de transformações físicas e emocionais. Muitas meninas estão prestes a experimentar a menarca e vários meninos iniciam o estirão pubertário, característico da pré-adolescência. Apesar de que sempre seja possível ensinar e aprender por meio de jogos e brincadeiras bem elaborados, neste momento a transição para um modelo de escola com demanda de maior concentração em leituras e exercícios mentais, desde que oferecido criteriosamente, envolvendo os meninos e as meninas em atividades coletivas que incluam tarefas teóricas e práticas em torno de temas relevantes, seria oportuna. Findos dois ou três anos de transição, os adolescentes, agora com 12 ou 13 anos de idade, estariam engajados em estudos profundos dos fenômenos científicos que poderiam ser experimentados “como que brincando”, agora nos laboratórios de maior precisão e nas experiências orientadas por seus professores em seu cotidiano escolar. Dos 6 ou 7 aos 10 anos, meninos e meninas poderiam, por exemplo, brincar muito de montar jornais, blogs, sítios de Internet, fanzines e outros meios de comunicação que demandassem pesquisa e aprendizado de língua, calculo e ciência de uma maneira descontraída e interessante. O espaço e o tempo escolar poderiam ser muito mais bem organizados e aproveitados por todos. Com o passar dos anos, por exemplo, os “cantinhos” de atividades da Educação de crianças mais novas seriam substituídos gradativamente por “cantinhos” de descobertas científicas, sociais, culturais. As “aulas-passeio” seriam revertidas, aos poucos, em verdadeiras aulas de descobertas, geradoras de assuntos e conteúdos a se tratar nos trabalhos escolares. Tantas outras atividades da Educação Infantil poderiam ser utilizadas com as crianças de 7 a 10 anos, tais como as ligadas à expressão corporal, à música, ao folclore e à diversidade cultural, num modelo educacional verdadeiramente interdisciplinar. A educação se revestiria de muito mais sentido e o interesse poderia ser aguçado na grande maioria dos educandos. Cabem muitas discussões, muita pesquisa e muitos debates em torno deste tema, mas diante da situação caótica da Educação de nossas crianças de hoje, valeria a pena adotar-se uma Educação Infantil de 0 aos 10 anos.