DIVERSÃO

ENREDADO NA
MADRUGADA
Passar a noite jogando em rede é uma opção para adultos, e mais
ainda para os adolescentes que não podem dirigir ou entrar em casas
noturnas. As lan houses preenchem a lacuna que existe entre a
infância e a idade adulta e prometem um ambiente de lazer e
segurança em tempos de medo, principalmente dos pais.

TEXTO DE LETÍCIA CASTRO E VERA LÚCIA STUMM. noite. As atrações eram futebol, pião.” Se já idade. Esta é uma iniciativa das lan houses,
FOTOS DE VALÉRIA GUILARDI tentou jogar os jogos que o filho gosta? Pau- pois não há nenhuma legislação que as
lo é taxativo: “Não, eu só vejo que é sempre obrigue a fazer isso.

D
epois de uma semana inteira
ralando, finalmente chega a
sexta à noite: você pega o car-
ro, reúne os amigos e vai para
um barzinho relaxar. Afinal,
você merece. Mas, e se você não trabalha,
não tem idade para dirigir e muito menos
pra beber? Quais as opções para essa fase?
A maioria das casas noturnas exige a maio-
ridade, por venderem bebidas alcoólicas, o
que já exclui esse público.
As lan houses recebem pessoas de ida-
des diversas, principalmente jovens e pré-
adolescentes, pais e até mesmo avôs. Sim, no
masculino, pois as mulheres ainda são
minoria. Mas há curiosidades, como conta
Paulo Júnior: “Tem até uma senhora que vai
lá jogar o Show do Milhão”. Uma raridade,
uma mulher, mais velha, que vai jogar sozi-
nha em um ambiente cheio de garotos.
Afinal, por que sair do conforto da sua
casa, se os mesmos jogos podem ser jogados
de qualquer lugar, até da própria casa? “Ah,
tem vários motivos, como a velocidade. E
eu tenho um Lentium 4”, explica Paulo Ri-
cardo Ferreira Júnior. Seria só esse o moti-
vo? Conta bastante, mas contribui o fato de
que também vão lá os colegas de escola e
amigos do prédio. Além disso, os garotos fi-
cam livres da vigilância dos pais. É uma al-
ternativa de lazer noturno para quem está
começando a descobrir a noite, principal-
mente nos finais de semana, quando acon-
tecem os “corujões”, noites em que as lan
houses funcionam a noite toda.
Os pais nem sempre entendem os fi-
lhos, mas, nessa idade, isso não é novidade.
A cena de decidir quem leva e quem busca
da festa é rotina nessa faixa etária. No caso
das lan houses, não é diferente: eles se reve-
zam para não sobrecarregar ninguém. Paulo
Ricardo Ferreira, pai de Júnior, diz que não
se importa de buscar o filho de 13 anos,
mas acha que ficam muito tempo sentados
na frente do computador. Como é esporádi-
co, acha que dá para ir levando, e ressalta
que esse hábito fez com que o filho abando-
nasse algumas atividades físicas. “No meu
tempo não tinha nada disso, ainda mais à
o mesmo jogo, o bandido e o ladrão”. O jogo
é o Counter Strike, o grande preferido nas
lan houses, seguido por jogos como Battle
Field, War Craft 3, Quake e Fifa.
Joner Cyrre Worm, proprietário da Nu-
ke Lan House, na zona sul de Porto Alegre,
comenta que, em geral, os pais não sabem
muito bem o que os filhos fazem lá, apenas
os largam e voltam na hora combinada para
levá-los para casa. Acabou a “função do
pai”, como diz Paulo: levar, buscar, pagar.
Mas há quem se interesse mais pelo que os
filhos fazem. Por isso mesmo, Joner tem
planos para um Ciber Café ao lado da lan
house, onde os pais podem aguardá-los,
conferir se o lugar é seguro, e para atingir
outro público, que gosta de bater papo na
Internet ou precisa fazer trabalhos.
No quesito segurança, há várias
iniciativas. Uma delas é a de colocar web
cams na loja, e os pais, de casa, podem veri-
ficar se o ambiente é saudável para os seus
filhos e até mesmo darem uma espiadinha
neles quando estiverem jogando. Outra me-
dida muito bem aceita entre os pais é a de
solicitar autorização para os menores de
Um sentido
a menos: com os fones
de ouvido, é possível
mergulhar no jogo
Estas e outras características das lan
houses facilitam a vida dos filhos que que-
rem convencer os pais a deixá-los sair à noi-
te, especialmente porque lá são proibidos ci-
garros e bebidas alcoólicas. Drogas, nem
pensar. Resumindo, os pais acham uma op-
ção segura da qual os filhos gostam, aten-
dendo à necessidade deles de terem uma vi-
da social ativa, à noite, longe da incerteza da
segurança nas festinhas, uma outra opção
para menores de idade. Joner, que tem filhos
que freqüentam a sua lan house, lembra
bem: “o que é que tem nestas 'festinhas'? Be-
bida, cigarro, e as lan houses tentam se des-
vincular disso”. Grande parte das lan houses
premia com horas grátis quem tem boas no-
tas, dependendo da média escolar.
A grande dúvida dos pais é se essa ati-
vidade é realmente saudável, se não com-
promete o comportamento e a vida social
dos freqüentadores. Normalmente, as pes-
soas têm uma idéia preconceituosa de que
quem passa muito tempo na frente do com-
putador seja anti-social, esquisito, um
“nerd”. Segundo Celso Cândido de Azam-
buja, doutor em psicologia clínica, só o fato

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de eles se encontrarem já é positivo. “Eles
se encontram para interagir, jovens preci-
sam de jovens. Só não seria saudável se es-
se hábito substituísse outras atividades im-
portantes na vida deles. Ou seja, se isso se
torna um vício.” Logo, os pais precisam es-
tar atentos e saber que nenhum hábito é to-
talmente negativo ou positivo, mas sim os
excessos. Há pontos positivos, como o estí-
mulo à lógica, à rapidez de raciocínio e ao
trabalho em equipe.
Leonardo Farenzena Felin, proprietário
da franquia de Porto Alegre da lan house
Monkey, que possui outras 57 franquias pelo
país, diz que, além do trabalho em equipe,
surgem também grandes amizades em lan
houses. “Eu mesmo fiz muitas aqui. Já vi até
pessoas que não tinham amigos na escola se
soltarem e ficarem mais sociáveis.” Segundo
ele, existe um público cativo, e a freqüência
cria laços, estimulados pelo companheiris-
mo que foi necessário ao jogar em equipe.
Cláudia Presser Sepé, professora de
Português para Comunicação na Unisinos,
visitou uma destas casas para embasar seu
anteprojeto de pesquisa para o doutorado, e
observou o comportamento dos jovens nas
lan houses. “Eles gritam, se xingam, é a ma-
neira de eles se comunicarem.” É uma co-
municação diferente, em que eles nem
olham para o lado. “Nem perceberam a mi-
nha presença”, diz a professora.
Vale lembrar: apesar de as lan houses
serem uma grande atração noturna para me-
nores de idade, maiores também as
freqüentam. E nas mais diversas situações.
Estevão Kirsch Koff é sócio em uma lan hou-
se localizada ao lado de um dos mais fre-
qüentados postos de conveniência de Porto
Alegre, e conta que há grupos de pessoas
que saem do serviço e vão jogar com os cole-
gas de trabalho. Além disso, servem como
Infra-estrutura:
não é preciso
levar lanche
de casa
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Alta
concentração:
aquecimento para a festa de mais tarde, ou nada distrai
para encerrar a noite. “Tem jovem que sai da os jogadores
festa porque achou chata e vem jogar.”
A alimentação é a mais rápida possível.
Alguns levam lanches de casa, outros com-
pram salgadinhos ou chocolates na própria
casa, quando ela vende. Outras só possuem
sanduíches e refrigerantes, por serem vizi-
nhas de redes de fast food, como Mc
Donald's, Pizza Hut e postinhos.
O público, além de ser variado, é vasto.
A maioria das lan houses faz o corujão nos
finais de semana e feriados, pois quem cos-
tuma jogar em geral tem aula no dia
seguinte. Mas há casas que fazem corujão
todas as noites. “O pessoal adulto é o que
mais utiliza esse horário”, diz Leonardo.
Em geral, as mulheres só aparecem pa-
ra acompanhar os namorados, ou para ar-
ranjar algum. Júnior diz que há uma lan
house em que vão meninas, sim, mas elas
quase nem jogam. “Ficam no mIRC, ou em
outros programas de bate-papo, ou em volta
dos meninos que elas conhecem.”
Uma coisa é certa: passar a noite em
frente ao computador, jogando, parece não
cansar nunca. Júnior é sincero: se pudesse,
jogaria todos os dias. Mas há um custo por
hora de jogo, que pode variar bastante, de-
pendendo do horário, e sai caro no final do
mês. Poderia-se pensar que este é um desejo
isolado de quem não está todos os dias den-
A regra ainda
tro de uma lan house, mas não é verdade.
Leonardo e Estevão, ambos proprietários de
lan houses, passam dias e noites dentro das
não é clara
lojas, jogando os mesmos jogos, e, mesmo Segundo o Centro de Apoio da
assim, não enjoam. “Eu jogo muito menos Infância e da Juventude de Porto
do que eu gostaria”, diz Leonardo. Quando Alegre, por enquanto, a legislação
recebeu a equipe da Primeira Impressão, Es- existente é o Estatuto da Criança e
tevão estava jogando, ao lado de seu sócio. do Adolescente. E é com base no
“É só ter menos gente e ter máquinas vagas ECA que, em Porto Alegre, que pos-
que a gente está jogando”, diz Estevão. sui 39 alvarás emitidos na atividade
Jogos Eletrônicos/Fliperama, e 136
em Jogos Vídeogame e Locação de
Cartuchos, há um Projeto de Lei do
Vereador Beto Moesch (PLL 182)
tramitando na Câmara de Vereado-
res. Ele pretende disciplinar a entra-
da de menores, o horário de per-
manência, limites por faixa etária e
tempo de uso das máquinas, além
de fazer com que as casas possuam
um banco de dados para acompan-
har a idade e o turno de estudo dos
freqüentadores, evitando que faltem
às aulas para irem jogar.
O Conselho Tutelar entrará em
ação para fiscalizar e atender denún-
cias. De acordo com o Vereador, o
mais importante é que a sociedade
participe do debate que essa lei vai
provocar.