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FRANCOIS CHATELET OLIVIER DUHAMEL EVELYNE PISIER-KOUCHNER Jorge Zahar Editor LO 1 nese do Pensamento Politico: Conceitos Fundamentais A cidade grega Uma das fontes principais do pensamento politico moderno na cultural mediterraneo-européia é, sem nenhuma divida, a civili- jo grega cldssica; a outra fonte so os textos sagrados do povo ico e sua reativagao pela cristandade e o Isla (cf., adiante, I, 3). Entre os produtos marcantes do que é chamado de “milagre 0” (para designar o conjunto das invengGes institucionais, lite- s, artisticas, cientificas, tedricas, técnicas), 0 mais caracteristico é forma politica original que é a Pélis, a Cidade. Quando essa se tituiu durante o século VI a.C., as organizagGes politico-sociais licionais eram, na civilizagaéo da Hélade, realezas de tipo feudal, le predominavam grandes familias — os “bem nascidos” — que ‘iam sua autoridade politica, religiosa, juridica e econdmica so- um pequeno povo de agricultores, artesdos e pescadores; e, nas as bdrbaras, vastos impérios comandados por um déspota que im- 1a uma dominacao absoluta, apoiado em castas militares, sacer- jis e técnico-administrativas. Durante a época “feudal” da Grécia, violentos conflitos opunham, um lado, as grandes familias entre si, e, por outro, essas as popu- s dos campos e das cidades (cidades que iam se tornando cada mais numerosas e ativas). Esses conflitos tornaram-se téo violentos em varios territérios, as partes envolvidas concordaram em soli- a um personagem, reputado por sua sabedoria e seu desinteresse, fixasse regras para o jogo social. Foi o que ocorreu em Atenas, le — por volta dos anos 600 a.C. — Dracén e Sdlon, sucessivamen- foram encarregados de enunciar os principios ordenadores das rela- 14 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS Ges entre os membros da coletividade. Esses legisladores (nomotet assumem a tarefa, menos de instaurar uma constituigéo, do que definir os enunciados fundamentais conhecidos de todos, determinant com precisdo a participagéo de cada um na defesa e na gestao di questées comuns da Cidade, as instancias de onde devem provir decisdes que envolvem a coletividade, a arbitragem dos conflitos punigdo dos crimes e dos delitos. ‘Assim, regras costumeiras, no mais das vezes deixadas a interpi tagdo de tribunais que julgam em segredo, sao substituidas por texte claros e ptiblicos: as Jeis. Deve-se sublinhar 0 fato de que a obra esse cial de Drac6n foi exigir que os juizes tornassem publicamente nhecidos os argumentos que legitimavam suas sentengas. E, em mead do século IV a.C., quando o historiador Herdédoto quer explicar a toria da Grécia sobre 0S Barbaros, quando das duas guerras médici ele pde em evidéncia a superioridade dos cidadaos combatentes, q' nado tém outro senhor além da Lei e que comandam a si mesmos, ¢1 comparagdo’com os guerreiros do Império Persa, que obedecem a ui homem e nado tém outras motivagGes além do interesse e do temor. A Lei como principio de organizagao politica e social concebid como texto elaborado por um ou mais homens guiados pela reflexdo, aceita pelos que serfio objeto de sua aplicagdo, alvo de um respeit que nao exclui modificagdes minuciosamente controladas: essa € pro vavelmente a invencdo politica mais notéria da Grécia classica; é el que empresta sua alma a Cidade, quer essa seja democratica, oligdr- quica ou “monarquica”. A. A Cidade como lugar natural da sociedade dos homens Quando, no inicio de A Politica (Livro I, 2:, 1252 a 24-1253) a 37), Aristoteles quer definir a Cidade, ele a opde a duas outras for- mas de agrupamento animal: a familia, que reine os individuos do mesmo sangue, e a aldeia, que agrupa os vizinhos em fungio do inte~ resse. Nos dois casos, 0 objetivo é a sobrevivéncia. A Cidade, por seu turno, tem como fim o eu Zein o que significa: “Viver como convém que um homem viva”. Essa definigfo se esclarece quando se sabe que, em outros textos, Aristételes especifica, por um lado, que “o homem nao é nem uma GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 15 nem um Deus” — que é um meio entre esses extremos —, e, outro, que faz parte da esséncia dele ser “um animal que possui » logos”, ou seja, a capacidade de falar de maneira sensata e de refletir os seus atos. Desse modo, a famosa férmula “o homem é um animal politico” (polis = cidade) fica que somente na Cidade — organizagao fundada nao sobre a bruta, nao sobre interesses passageiros, ndo sobre as Pprescrigdes deuses — é que o homem pode realizar a virtude (= a capacidade) rita em sua esséncia. Essas andlises de Aristételes — cabe subli- | ghar — apresentam o aspecto principal da concepgao grega classica. q Essa se caracteriza por outros aspectos igualmente importantes, ‘que € preciso conhecer se quisermos compreender a significacio e o | aleance das outras invengGes politicas feitas pela Grécia: © os gregos consideram geralmente que a sociabilidade é produ- zida pela natureza ¢, portanto, que nao se trata de fundé-la, mas de ordend-la; eles imaginam de bom grado uma idade de ouro “pré- histérica” (“na qual os deuses apascentavam diretamente os homens”, diz Platao), que teria sido submergida por um cataclisma, levando assim a um estado patriarcal; @ se eles desenvolveram discursos histéricos, nao possuiam de ne- ahum modo a idéia — cristé e pés-cristé — de um decurso da histéria Tinear e dotado de um sentido; a representagio do tempo que domina €a do ciclo, que faz reaparecer as mesmas situagdes; a nogdo de um progresso global esta excluida; a de uma acumulacao das riquézas suscita a maior desconfianga; o trabalho miatetial € concebido como algo que deprecia, e somente a atividade do lazer (scholé) é produtiva; @ a humanidade como espécie € compreendida como a mais elevada do género animal, participando da animalidade por sua sensi- Dilidade e do “divino” por sua capacidade de raciocinar; no seio dessa espécie, a natureza produz ethnai dos quais o “divino” esta ausente e que so naturalmente escravos. E um excesso (hybris) téo grande querer ser um deus como agir como animal; o grego, por sua situagéo | geogrdfica e sua cultura (paideia), considera-se como privilegiado | quanto a possibilidade de realizar a “virtude” do homem: a Cidade |— como comunidade consciente — € precisamente a forma politica permite a explicitagdo dessa virtude. Somente ela permite a co- ‘ividade instaurar uma ordem justa, e, ao individuo, viver de tal lo que atinja a satisfagdo legitima — sob o império das leis... 16 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS Resta determinar em que consiste essa ordem e que satisfacao ela promete. B. A democracia Herédoto apresenta uma classificagZo dos regimes politicos que ira se tornar célebre (Histéria, TI, 80-82): * © bom regime é aquele no qual comanda apenas um — a monar- quia —, que governa para sua gléria e a de seus stiditos? © ow aquele no qual comanda uma minoria — a oligarquia —, cons- tituda de cidaddos reconhecidos como “superiores” por seu nasci- mento, sua riqueza, sua competéncia religiosa ou militar? * ou aquele onde comanda a maioria — a democracia —, maioria constituida pela populagéo dos camponeses, dos artesdos, dos comer- ciantes, dos marinheiros? A contribuigao singular de Atenas consiste em ter respondido pra- ticamente, instaurando esse tltimo regime e, sobretudo, inventando uma outra defini¢do da democracia. No final do século VIa.C. e durante 4 segunda metade do século seguinte, o poder democratico realizou uma série de reformas que estenderam o estatuto de cidaddos plenos A totalidade dos habitantes masculinos nascidos atenienses, assegurando-Ihes assim a igualdade diante da lei (isonomia) e 0 acesso as magistraturas. instituida uma Centena de municipalidades, agrupadas em dez tribos, que sao admi- nisiradas por um conselho que compreende todos os cidadaos nelas englobados. O poder central é exercido pela Assembléia Popular, que retine todos os cidaddos dez vezes por ano ¢ nas circunstancias graves; & ela que toma as decisdes soberanamente, adota decretos, elege os magistrados encarregados do executivo, designa de seu seio os membros das cdmaras de justica; e o faz por maioria, todo cidadao tendo direito de palavra. As magistraturas executivas — dos estrategistas aos inspe- tores dos mercados — sao colegiais, limitadas; e necessitam-se de sérias raz6es para que um magistrado seja reeleito para suas fungdes. Decerto, as desigualdades devidas & condi¢do social nao séo completa~ mente apagadas: mas essa organizagio civica — que poe o poder “no | meio” e recusa que ele seja apandgio de alguém — visa a conjurar nao somente o aparecimento de um tirano, mas também a instalagdo GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 17 uma casta ou de uma classe separada da sociedade e que se apropric © poder politico. Até os anos 430 a.C. 0 éxito da democracia foi grande, tanto na monia de seu funcionamento interno como na ampliagdo de sua sxpansio ao exterior. Com as derrotas sofridas na guerra contra Es- a, inicia-se uma crise, que estd na origem das mais significativas eflexdes politicas surgidas no pensamento grego. Entre essas, devem- se considerar como exemplares a de Tucidides e a de Platao. Na Historia da Guerra do Peloponeso, Tucidides — que constata a degenerescéncia do regime democrAtico, incapaz de conduzir a guerra de gerir seus problemas internos — constréi um monumento a Pé- icles. O que ele compreendera e seus sucessores haviam esquecido, é que a democracia — o melhor dos regimes politicos, por garantir a sonomia e assegurar as liberdades privadas — exige uma constante ateng’o de todos os cidadaos. Ela sé subsiste se os dirigentes que 0 ‘govo escolheu nao deixarem nunca de caleular e de tefletir sobre suas ecisdes. Regime de liberdade que leva aos grandes empreendimentos, a entra em colapso quando esses nao sao conduzidos somente pelo cipio da inteligéncia (0 nous), do intelecto calculador que nao ape- elabora estratégias de prudéncia, mas visa também a no lesar nem orecer nenhum dos grupos constitutivos da coletividade. De modo inteiramente contrério, Platéo — refletindo ou utili- ado a seu modo o ensinamento de Sécrates?. — desenvolve uma ‘ica bastante viva da democracia, No essencial, essa critica, se baseia es seguintes argumentos: @ A massa popular (oi polloi) assimilavel por natureza a um mal escravo de suas paixdes e de seus interesses passageiros, sen- 1 a lisonja, inconstante em seus amores e em seus 6dios; confiar- © poder é aceitar a tirania de um ser incapaz da menor reflexdo menor rigor. © Quando a massa designa seus magistrados, ela o faz em fungao competéncias que acredita ter constatado — em particular, as walidades no uso da palavra — e disso infere irrefletidamente a ca- cidade politica. @ Quanto as pretensas discussdes na Assembléia, sao apenas Zisputas contrapondo opinides subjetivas, inconsistentes, cujas contra- agSes e lacunas traduzem bastante bem o seu carter insuficiente. 18 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS Em suma, a democracia é ingovernavel; o exemplo de Atenas © prova, uma cidade que perdeu a guerra contra Esparta e condenou Sécrates & morte. Sua desordem leva tirania e induz todos a imo- talidade. A refutagio é banal; mas o argumento que a apdéia coloca um problema politico capital: o da telacao entre Saber e Poder. C. Saber e poder Tucidides reprovava nos demagogos que se haviam apossado da democracia 0 fato de nao conduzirem a agdo politica segundo as regras de uma reflexdo tigorosa. Platéo é mais exigente: prolongando a cri- tica radical realizada por Sécrates, mediante a implementagao do pro- jeto de um Saber indubitavel, ele estabelece a tese segundo a qual a definigéo da ordem da Cidade justa supoe uma ciéncia do Politico, que € ela mesma parte de um Saber mais amplo, o Saber do que na verdade é Assim, a recusa da democracia Pressup6e a refutacaio’ dos principios nos quais esse tegime se funda, principios de que os sofistas foram os porta-vozes; : Os sofistas: assim sao designados os professores de retérica que Se instalaram na jovem democracia ateniense Para ensinar aos cidadios como falar de modo persuasivo, a fim de‘fazer triunfar sua causa diante dos tribunais e suas idéias nas instancias politicas. Como o Papel do discurso . era decisivo, eles foram efetivamente ,os- mestres da demo- cracia. A arte deles era, antes de mais nada,. formal:. ensinavam seus alunos a técnica oratéria, 0 bom uso dos argumentos, a hierarquia dos efeitos. Mas tornaram-se também os defensores da novidade: reti- ram de bom grado suas “provas” da experiéncia histérica, das desco- bertas artesanais, dos trabalhos dos “fisicos” e dos médicos, que eles mesclam com referéncia as lendas tradicionais da Grécia com o Pan- teo religioso. Todavia, por trés dessa Pratica, revela-se uma concepcao mais Profunda: quando Protagoras declara que “o homem é a medida de “todas as coisas”, afasta essa tradic&o; afirma que a Cidade é 0 pro- duto do ato dos homens e que as leis resultam de convengées, Na mesma 6tica, Critias chegaré a afirmar que os deuses sao criagdes dos governantes para dar estabilidade a ordem social. Para legitimar o regime democratico, Protdgoras reinterpreta a sua maneira o mito de Prometeu; ele diz que os deuses, que distribufram desigualmente o talento entre os homens, deu-lhes (para compensar a sua fraqueza em GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 19 omparagdo com os animais), a todos igualmente, a capacidade de Jelgar o bem comum (cf., para todos esses Pontos, os didlogos Pro- Ségoras ¢ Gorgias, de Platéo). Novamente é reafirmada a preeminén- ‘<2 do homem, que nfo tem outro juiz além dele proprio, E contra essas teses que, segundo Platao, a reta filosofia deve se Sigir — em nome do que é divino no homem... Essa filosofia nao tem dificuldade em mostrar que, se se tomar a sério a sofistica, blo- queia-se qualquer possibilidade de enunciagéo duradouramente valida ©, por conseguinte, qualquer politica coerente. Uma tal politica s6 pode ser fundada num conhecimento exato da ordem das coisas. Tudo se passa, portanto, como se o fildsofo dispusesse de uma alternativa: * ou a concepcdo dos sofistas — e, mais geralmente, dos “amantes da terra” — € correta, caso em que é preciso optar pela democracia © por seu aborto, a tirania, com seu cortejo de violéncias, de injusti- gas ¢ de serviddes. Calicles, personagem do Gorgias,! que sintetiza os tragos dos sofistas mais resolutos, retira a conseqiiéncia do cardter convencional da lei; por exemplo: se a lei (nomos) nao é garantida por uma ordem qualquer, a dos deuses ou da natureza (physis), entao cada um esté no direito de agir com o objetivo de satisfazer livremente seus impulsos naturais — de pretender ser tirano. * ou existe uma ordem superior — que nfo é falsa ordem da natu- reza ou dos deuses tradicionais —, que sé pode ser apreendida pelos que se esforgam no sentido de domar os préprios apetites sensiveis e de exercitar o “olho da alma” através de uma educaciio sistematica do loges, da atividade discursiva: esses vero se esbocar no mundo intelegivel o esquema da Cidade perfeita, que corresponde ao da alma individual bem regrada e a distribuicZo césmica dos caracteres humanos. Esse esquema é o seguinte: uma classe de cidadaos deve prover as necessidades materiais da coletividade; sua virtude é trabalhar e obe- decer; pertencem a essa classe que o cosmos fez nascer com uma alma na qual predominam os apetites. Uma outra tem como missio rechagar os inimigos e garantir a seguranga interna; sua virtude é a impetuosi- éade ea disciplina; € composta pelos individuos cuja alma € orgu- 1 Ao contrério de sua maneira habitual, Platao no pde em cena sob o nome de Célicles um personagem histérico. Decerto, sob essa denominacio, ele cons- truiu o «ipo por exceléncia do inimigo da reta filosofia. 20 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS lhosa e corajosa. Finalmente, uma outra garante a autoridade soberana © gere a coletividade; é constituida pelas naturezas filosdficas, pelos “filhos das Idéias”, que provaram — pelo exercicio e pelo estudo — sua capacidade para saber e, portanto, para comandar. Uma tal orga- nizagéo supde que os homens e as mulheres sejam igualmente cidadaos © que os bens e os filhos sejam comuns (ou seja, supde o aniquila- mento da familia); que o filésofo-rei Pproceda, gragas a seu saber, as melhores combinagdes eugénicas e a selegéo que permita a classifica- ¢4o de cada cidadao na classe adequada a sua natureza. As Leis propdem um Programa politico que atenua amplamente a rigidez desse modelo. Sugeriu-se que a Republica — onde tal modelo € exposto — seria ,talvez uma fabula moral. Resta 0 fato de que a Callipolis permanecéu como o tipo por exceléncia da Utopia raciona- lista, que — em nome da perfeicéo — submete o Poder ao Saber € a organizacao social as exigéncias da Ordem unificadora. D. O cidaddo na Cidade A politica platénica rompe tdo fortemente com a representacdo grega da Cidade que nao provocou admiragéo em seu tempo. A refle- xo politica reagiu contra ela e contra a irrupgio de demagogia que se alastrou por todas as cidades no século IV a.C. Xenofonte — tam- bém discfpulo de Sécrates — esforgou-se por restaurar o ideal de um poder que, apoiando-se na tradigo teligiosa, gerisse a coletividade como um pai governa seu lar. Isécrates considerava que a desgraca das. Cidades gregas provinha de sua diviséo, e buscou uma autoridade que as confederasse, mantendo-Ihes a autonomia; desse modo, anun- ciou a “suserania” que iriam exercer Filipe da Macedénia e Alexandre o Grande. Entretanto, a reag&o mais interessante € a de Aristoteles. Ele adota a posigao filoséfica, a que considera indispensdvel a referéncia as Idéias; mas ccnsidera que a utilizac&o feita por Plato dessa réferéncia é ine- ficaz e perigosa. Assim como a morte injusta de Sécrates foi o evento que desencadeou a vocagiio de Platdo, do mesmo modo o fracasso empirico de Platéo — sua incapacidade de convencer Dionisio de Siracusa — determinou, para Aristételes, uma interrogacdo que estar4 na origem de uma concep¢ao politica ainda hoje viva. Seu Projeto é ndo apenas o de tornar a filosofia praticével no seio da Cidade tal como ela é, mas também de dar-lhe credibilidade como instrumento GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 21 fedrico capaz de determinar, para cada cidade e em geral, qual a melhor Constituigéo e quais as virtudes e capacidades exigidas dos ‘cidadaos. Esse projeto implica uma defesa e uma reabilitagdo da Cidade real eontra todos os seus detratores, tanto contra os discfpulos dos sofistas que — como Calicles — exaltam o individualismo, como contra os utopistas que sonham com um retorno A tradigado “monarquica” ou imventam um modelo que incita 4 implantagdo de um poder que exerca uma autoridade coercitiva e ilimitada. Contra os primeiros, ele faz valer as exigéncias da sociabilidade natural, condigdo necessdria para uma existéncia feliz e virtuosa; contra os segundos — e, em particular, contra Platéo —, exalta o ideal realista da Cidade, que faz da liber- dade dos cidadaos a condicao prévia de toda organizacgdo justa. A critica da Callipolis é de extremo vigor: a comunidade dos bens, das mulheres e dos filhos se opde a natureza € desconhece o fato de que, se a Cidade é a unidade de uma multiplicidade, ela 6 feita de pequenos grupos e de individuos que sao distintos uns dos outros (e se apegam @ sua distingdo). O erro de Platéo é querer reduzir seres diferentes @ igualdade aritmética e aplicar autoritariamente uma proporcionali- dade geométrica & ordem social, quando nesse dominio opera uma contingéncia que torna impossivel a aplicacéo estrita do raciocinio cientifico. Mas o essencial da critica refere-se ao governo dos filésofos. Aris- t6teles est convencido da exceléncia da filosofia. Mas, porta-voz da tradigdo civica grega, ele considera que é um erro atrlbuir o poder definitivamente a uma parte do corpo social, sem que nada o limite. A separacaéo dos cidaddos em trés classes, uma das quais comanda de modo absoluto, parece-Ihe contradizer a vocagéo da Cidade. Os cida- daos nao tém outro senhor além da lei: e essa tem como fungdo ga- tantir a liberdade de todos e realizar a justica, punindo o criminoso na proporgao de seu crime, devolvendo a cada um o que lhe foi ilegalmente subtrafdo, distribuindo a cada cidadio “o igual pelo igual” (por exemplo, a isonomia) e o “desigual pelo desigual” (por exemplo, a recompensa em fun¢o dos méritos). A prépria lei néo é nem uma construgao artificial, nem um dado da pura Raziio: é a expressio poli- tica da ordem natural, levando em conta a situagio da cidade e de sua hist6ria, assim como a composicao do corpo social. Por isso, a questo das Constituigdes e de sua hierarquia é secunddria: quer seja monérquico, oligarquico ou democratico, o regime moderado vale mais do que o excessivo; e uma combinacio equilibrada de democracia e 22 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS oligarquia permite, sem divida, a melhor existéncia. Mas o importante € que a lei seja o principio. Pois a fungio da Politica é, para Aristo- teles, conjurar risco constante da serviddo. Sua teoria da escraviddo — que nos parece monstruosa — tem também como objetivo estabe- lecer que, entre a vida politica e a serviddo, hd uma antinomia: se ha servidio — e Aristételes ndo concebe a Possibilidade de nao haver —, ela € de ordem natural, nao de ordem politica. INDICACOES BIBLIOGRAFICAS HERODOTO (século V aC), Histoires. L. I, Les Belles-Lettres, 1939. Tucipwes (465 a.C-395 a.C.), Histoire de la guerre du Péloponése. L. 1, Les Belles-Letires, 1962. PLATAO (427 a.C.-347 a.C.), Protdgoras, Gorgias, NRF, col. “Idées”. 1979. La République, Les Belles-Lettres, 3 vols. Critias, Les Belles-Lettres, Les Lous, Les Belles-Lettres. ARISTOTELES (384 a.C.-322a.C.), Politique, Vrin, 1977. M.-I Finley, Democratie antique et démocratie moderne (1972), Payot, 1975; C. Mossé, Les institutions grecques, PUF, 1967; J.-P. Vernant, Les origines de la Pensee grecque, PUF; id., Mythe et pensée chez les Grecs, 1 e 11, Maspero, 1965; F. Chatelet, La naissance de I'Histoire, Minuit, 1961, reed. UGE, “10/18”, 1974, 2 vols; M. Austin e P. Vidal-Naquet, Economies et société en Gréce ancienne, Maspero, 1972; R. Weil, La Politique d’Aristote, A. Colin, col. “U", 1966, N.B. — Salvo indicagéo em contrario, os textos mencionados nas referén- cias bibliograficas foram publicados em Paris. 2. O império romano Com ele, segundo Hegel, comeca “a prosa do mundo”. Seria leviano interpretar essa formula de modo pejorativo: se é verdade que a civilizagéo romana nc teve a riqueza de invengdo da grega, soube transportar para o real idéias elaboradas por essa e construir institui- ges de uma eficiéncia incontestavel. Seu prosaismo é, antes de mais naga, um sentido constante do fato consumado e de sua inscrig&o nas estruturas coletivas O pragmatismo do pensamento e da pratica poli- tica romanas nao aceita 0 compromisso e a oportunidade a nao ser GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 23 ma medida em que concordem com a tradig&o de grandeza e poténcia da cidade de Romulo. Os enunciados juridicos e as legitimagées filosé- ficas intervém como quadro, como marca e como perpetuagao da agao fundadora da comunidade civica. Assim, o direito, a respublica e o imperium atuam enquanto instituem a ordem militar e administrativa estabelecida de fato pelo Povo e pelo Senado. A. As virtudes republicanas Inclusive na época do pior despotismo imperial, Roma sempre se proclamou republicana. Esse semblante parecia indispensdvel ao seu poder. Ela transformou-se em si mesma somente quando se desem- baragou do arcaismo representado pela realeza e definiu o direito. © 0 direito: quando, por volta de 450 a.C., os decénviros fize- ram gravar a Lei das Doze Taboas, estava constituida a base do direito romano. Seu objeto é, em primeiro lugar, a familia. O cidadao, o homem livre, é 0 pater familias: senhor absoluto da “casa”, cabe-lhe Tepresentar junto aos juizes quando julgar que ele proprio, os seus ou suas propriedades sofreram algum dano, bem como exigir as repara- gGes e penas adequadas. Quando o direito se enriquece com prescrigdes cada vez mais numerosas e precisas, quando se estende aos “peregri- nos”, depois a todos os que adquirem o direito de cidadania, ele forma um cédigo estrito, regulamentando o conjunto da vida social e defi- nindo as liberdades e os deveres de cada um. Sera preciso ver nisso uma expresso da concepgdo estdica que, reconhecendo a existéncia de uma ordem do mundo inelutavel e racional, considera a submissio la ao destino como a tnica virtude? E significativo que esse cédigo tenha como objetivo principal regulamentar do modo mais claro e equanime possivel o que é, e nao propor um deve-ser. @ Paralelamente, afirmavam-se as Instituigées Republicanas, A sigla que as designa — SPQR, Senatus Populusque romanus — assinala que o poder que nelas se exerce é, pelo menos, duplo. O historiador grego romanizado, Polibio (200 a.C.-125 a.C.), analisando a expansio de Roma e a vitéria sobre Cartago, concluiu pela exceléncia de uma organizacao politica que soube constituir uma mescla harmoniosa de trés regimes. O pensamento de Polibio é amplamente tributdrio da tradigo dos filésofos e dos historiadores classicos; combinando habil- mente a concepgdo da histéria de Platao e sua teoria da decadéncia 24 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS com as andlises de Aristételes relativas. aos méritos comparativos das diversas Constituigdes, investigando as retificagdes sucessivas realizadas pelos romanos em fungao das circunstancias e de sua expansao territo- rial, Polibio apresenta a Republica como sistema que equilibra as van- tagens da monarquia (asseguradas pela autoridade firme e benevolente dos cénsules), da aristocracia (realizadas na prudéncia e na sabedoria do Senado) e as da democracia (garantidas pelas disposigdes que tém como objetivo o respeito pelos interesses e direitos do povo). Esse equilibrio é, na opinidéo de Polfbio, o melhor meio de conjurar a degenerescéncia inscrita “por natureza” nas realidades sujeitas ao devir. Por mais edulcorada que seja essa imagem e por mais falaciosa que se revele essa esperanga, certo que sio ambas constitutivas da idéia que os cidaddos faziam de suas instituigdes: e isso a ponto de manté-las enquanto as legides faziam e desfaziam os imperadores. Entretanto, foi a Cicero (106 a.C.-43 a.C.) que coube o privi- légio de definir os principios que servem de fundamento para essa Cidade ecuménica (= universal) na qual Roma conquistadora estd se transformando. Inspirando-se nos estéicos Panécio e Possidénio, ele considera que existe uma J/ei natural, valida para todos os homens, que est4 inscrita na prépria ordem do cosmos; trata-se de uma lei que podemos conhecer usando a reta razio, uma lei imutdvel e eterna, que deve ser tomada como regra absoluta de toda Constituigao e de toda legislagio. A natureza (cosmos) — que, segundo o estoicismo, é a mesma coisa que a Razdo — é, assim, a norma da organizagao justa e da ago virtuosa: bastaria aprender a conhecer suas incitagdes e obedecé-las com toda lucidez para agir como convém. Infelizmente, os maus habitos e os movimentos passionais nos arrastam para bem longe dos seus ensinamentos. Desse modo, as legislagées de fato aparecem, no mais das vezes, como produtos dessa ignorancia. O mérito das instituigdes romanas, contudo, consiste em ter definido a comunidade por elas regida com base num vinculo juridico e numa ordem politica estritamente deter- minada. Por causa disso, a respublica ganha uma outra consisténcia: formada por experiéncia e por reflexio, é também — de certo modo e na medida em que a contingéncia histérica permite — a expressaéo da lei natural. A Cidade ecuménica pode assim ser compreendida, enquanto concede progressivamente o direito de cidadania e faz com que os povos conquistados se beneficiem das garantias do direito ro- GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 25 mano, como o nucleo de uma organizagéo universal que faz de cada individuo um cidadio do mundo, um cosmopolita. Sem o querer, Cicero prepara a ordem imperial. E isso em medida tanto maior quanto, retomando o tema da constituigao mista, esboga a imagem do princeps, do principe-drbitro, “tutor e defensor da res- publica’. Dezesseis anos depois da morte de Cicero, Otavio Augusto receberd 0 titulo de Imperator. B. O “imperium romanum” © Império — como forma politica — inscreve-se no destino de Roma; é em seu quadro e gracas ao tipo de ordem que ele exerce que a cidade ira realizar sua virtude e difundir universalmente sua civi- lizagio. O poder que ele define, juntamente com a sacralidade que cedo se lhe acrescentard, atualiza de modo exemplar a triparticéo das fungées sdcio-politicas que € caracteristica — segundo Georges Dumé- zil — da cultura indo-européia. Sob a tutela de César Augusto onipo- tente, equilibram-se — segundo a hierarquia — as trés “forgas” cons- titutivas da comunidade: * no topo, a classe dos sacerdotes-reis, os senadores, os magistrados civis, que tem o encargo de se comunicar com os deuses € de admi- ‘aistrar a respublica sob a invocagao de Jupiter; '* a classe dos guerreiros que defendem a cidade e, sob a invocacio ‘de Marte, estende sua gloria; * Quirino, a classe dos agricultores e dos artesios, que provéem as essidades materiais. Na pessoa de César Augusto, encontram-se reunidos os diversos ibutos correspondentes a essas trés fungGes: o imperador — que é porque o consensus o quis — é& senhor na ordem politico-religiosa, j4 que detém a potestas admi- tiva e a auctoritas, qualidade moral que lhe permite julgar o que conveniente ao bem ptblico; enquanto imperator, € 0 chefe supremo das legides; finalmente, como princeps, tem uma espécie de encargo “patronal”, Ihe d4 a missio de empreender, nos dominios relativos 4 vida mica ou artistica, tudo o que pode contribuir para a felicidade honra da cidade. 26 HISTORIA DAS IDEIAS POLITICAS A extensdo territorial de Roma no Oriente mediterraneo concor- reu para reforcar os aspectos religiosos do poder imperial. E, ao mesmo tempo em que cresciam desmesuradamente os aparelhos administrati- vos e militares, o império tornou-se 0 local de uma circulag&o de ca- pitais, de mercadorias e de populagGes tao intensa e tao diversificada que a vocagao ecuménica tende a se perder. Nessa situacao, trés problemas politicos fundamentais se colocam: © Inicialmente, um problema “constitucional”: 0 da sucesso im- perial. Circunstancias excepcionais presidiram a designagdo de Otdvio- Qualquer que tenha sido a natureza desse poder, nao se poderia ques- tionar o fato de que nao foi mantida a ficcdo de continuidade com a tradigdo republicana, e que o “principe” nao foi eieito ao mesmo tempo pelo Senado, pelo Povo e pelas legides, encarregadas de formar um consensus. Foi excluido que a filiagdo real tivesse algum papel, mas considerou-se normal que o imperador em exercicio preparasse a sua sucesso. As andlises historicas de Tacito constituem uma espécie de meditagéo — razoavelmente pessimista — sobre os papéis respectivos do acaso e da necessidade, da forca bruta e da reflexao, da sorte e do azar, da descontinuidade e da continuidade, no acesso dessa ou daquela personalidade 4 fungado suprema. Pragmatismo e fatalismo combinam-se estranhamente, sem prejuizo notdvel para a poténcia romana, enquanto as forgas unificadoras predominam sobre os fatores de dispersio... © Um segundo problema nasce da propria estrutura do poder imperial: a onipoténcia, a sacralidade e o tipo singular de legitimidade de fato que a ele se liga engendrarh, nos que exercem esse poder e nos que dele fazem parte, uma angustiada reflexdéo sobre o comando. Séneca (4 a.C.-65), que foi preceptor de Nero, e Marco Aurélio, que foi imperador de 161 a 180, interrogavam-se — na perspectiva defi- nida pelo estoicismo — sobre a relagéo do individuo com seu destino _ sobre o papel que cada um tem na deciséo dos eventos. A idéia (origindria da filosofia cldssica grega e do antigo estoicismo) de um cdlculo racional que permite guiar a conduta é substitufda paulatina- mente por uma doutrina da dignidade, que consiste em se conformar com a virtude e em aceitar o destino, a despeito da loucura dos ho- mens e da histéria. ® Oterceiro problema é mais precisamente politico. Quanto mais © império se expande, tanto mais se multiplicam os fluxos que o atra- ‘vessam, tanto mais a pax romana torna-se fragil. Pesam ameacas nas frontciras distantes; os povos recém-conquistados apresentam o per- GENESE DO PENSAMENTO POLITICO 27 manente risco de se rebelarem. Se permanece em Roma, o imperador abandona suas legides; se se bate nas fronteiras, perde o controle da sede administrativa. Além disso, a gesto desse imenso conjunto exige em numero cada vez maior de pessoas. Os fatores de dispersaio tor- gam-se cada vez mais fortes. O edito de Caracala, que em 212 conce- de a cidadania a todos os habitantes do Império, nfo bastaré para conjurar os efeitos desintegradores. E nessa situago que se desenvolve a pregacio cristé na bacia do Mediterraneo. Em 312, o Imperador Constantino pde fim as persegui- g0es anticristaés; em 324, ele funda Constantinopla, sua capital oriental; em 337, morre batizado. ENDICACOES BIBLIOGRAFICAS saceRo (106 a.C.-43 a.C.) Des Lois, Les Belles-Lettres, 1968. Des Devoirs, in Les stoiciens. Les stoiciens, textos selecionados por E, Bréhier, NRF, La Pléiade, 1962. = Benveniste, Vocabulaire des institutions indo-européennes, Minuit, 1969, 2 vols G. Dumézil, Mythe et épopée, NRF, 3 vols., 1968, 1971, 1973. P Grenade, Idéologie de l'imperialisme romain, Les Belles-Lettres, 1974. A. Michel, Les idées politiques @ Rome d’Auguste @ Marc Auréle, A. Colin, col. “U", 1969. © Nicolet, Les idées politiques a Rome sous la République, A. Colin, col. “U”, 1970. 3. O monoteismo: a Cristandade e o Isla Os dois eventos importantes do primeiro milénio nessa érea da civilizagdo sao incontestavelmente o éxito politico de duas religides re- weladas: a Cristandade e o Isla. Suas visdes do mundo, parentes e diversas, irdo marcar duradouramente as idéias e os costumes. Uma © outra encontram suas rafzes nos textos sagrados do povo judaico, reunidos no que se chamou de Velho Testamento. Esses textos tém de original, em comparacéo com a tradi¢éo greco-latina, o fato de afirmarem a preemiéncia absoluta de um Deus tnico, pessoal e cria-

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