S U M Á R I O
arte em miniatura:
O mundo ao alcance das mãos
A arte de construir miniaturas de casas, indústrias,
igrejas, carros e caminhões atrai cada vez mais
admiradores e impressiona pela riqueza de detalhes
Flávia Amarante e Maria Cristina Marmili
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porta-luvas
Perfeição e delicadeza
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porta-luvas
antigos, construções em ruínas, estações
ferroviárias, sítios e outras cenas comuns do
interior de estados como São Paulo, Minas
Gerais, Paraná e Pernambuco. As miniaturas
surpreendem pelo realismo e cuidado com que
são construídas. Tudo é feito e pintado à mão,
até as minúsculas portas, janelas, telhas e
torneiras.
Com o nome Efeitos do Tempo a exposição
das maquetes já percorreu as cidades de São
Paulo, Piracicaba, Campinas e Franca. A reação
dos visitantes, que vai da surpresa à nostalgia,
emociona o artista: “As peças, de alguma forma,
mexem com alguém e, muitas vezes, trazem
uma recordação. Já aconteceu de chorarem na
minha frente... e eu também choro”, conta Antonio.
Com sua arte, Antonio Lima busca retratar O que era apenas um hobby, virou profissão
a realidade do país. Muitas de suas peças em 1985 quando Antonio Lima começou a
tendem para a pobreza e destruição, guardar suas criações. A inquietação e o amor
expressando a visão do artista sobre o assunto pela profissão levam o artista plástico a uma
e tecendo uma crítica sutil à desigualdade social. busca constante pela perfeição. “Se eu vivesse
“As pessoas devem cuidar mais das construções, mil anos não daria tempo de fazer tudo que eu
pois muitas estão sendo demolidas, e os ricos quero” e conclui: “Como eu resumo meu
devem olhar para os pobres”, afirma. trabalho? É tudo, é a minha vida”.
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Lixo transformado em arte
Criatividade não falta na vida de Geraldo Alegre por 40 anos onde cuidava de uma frota
Zaratim, aposentado de 66 anos que fez de de aproximadamente 500 veículos e foi um dos
um quarto de sua casa, em Piracicaba (SP), primeiros funcionários da Caterpillar. Entre as
um verdadeiro ateliê. Com muita habilidade e peças preferidas de seu acervo, que possui de
utilizando apenas um estilete e uma tesoura, 80 a 85 réplicas, está a igreja do Monte Alegre.
ele transforma objetos que iriam para o lixo Observar suas obras é, ao mesmo tempo,
em verdadeiras obras de ar te. Caixas de observar também um pouco da história da vida
papelão, lápis velho, peças de carro, arame, do artista e do município de Piracicaba. Constrói
isopor viram pequenas réplicas de tratores, as peças inspiradas em fotos e lembranças da
caminhões, bondes, maria-fumaças, igrejas e infância e juventude. “Eu tento resgatar um
usinas que encantam adultos e crianças. “Eu pouco da história da cidade, que muitas pessoas
utilizo apenas materiais que eu tenho em casa, não valorizam mais”.
nada é comprado”, explica Geraldo. Além disso, é uma bela iniciativa de incentivo
A paixão pelos meios de transpor te à preservação do meio ambiente: “Isso que eu
começou na adolescência, quando trabalhava faço é uma gota d’água no oceano, é preciso
com o pai no transporte de cana-de-açúcar. que cada pessoa faça sua
“Eu sempre gostei de trabalhar como motorista parte”, afirma Zaratim.
de caminhão”, diz. Morou na Usina Monte Sua exposição passa
por escolas, salões e
eventos em Piracicaba,
levando cultura,
história e ecologia
para os visitantes e
revelando um outro
mundo, pequeno
nas dimensões,
mas enorme na
criatividade.
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porta-luvas
Réplicas encantam ao
traduzir sonho da infância no adulto
No dicionário Aurélio, “réplica” quer dizer desafio de criar um veículo já existente em um
“exemplar de uma obra de arte que não é tamanho menor. E isso já dura oito anos”, diz.
original”. Para muitas pessoas construir réplicas A vontade de recriar esses veículos também é
de objetos, veículos e até mesmo de cidades é explicada pelo psicólogo. “Ele possui um
muito mais que isso. Paixão, hobby, desafio ou conteúdo simbólico. O Jeep representa a força”,
lembranças da infância podem explicar o motivo salienta.
pelo qual elas disponibilizam tempo, dinheiro e Em 1999, o mecânico, que iniciou a carreira
dedicação a esta atividade, tornando as réplicas aos 12 anos, usou o dinheiro da venda de um
verdadeiras contadoras de história. Segundo o Buggy, também feito por ele, para iniciar seu
psicólogo Sérgio Kodato, da USP (Universidade sonho. O primeiro modelo replicado foi o Jeep
de São Paulo – Campus de Ribeirão Preto), as Willys, que circulou pelas ruas brasileiras em
pessoas que constroem réplicas buscam o tempo 1951. Fabricado pela americana Willys, foi criado
perdido. O tema escolhido para a imitação, na para o Exército ianque, mas conquistou o
maioria das vezes, está associado ao passado. mercado mundial. A réplica, que corresponde à
“Subconscientemente, essas pessoas querem metade do tamanho do original, custou R$ 3
recriar momentos felizes e de alguma forma mil e demorou um ano para ficar pronta. O
retê-los. Para elas, é a concretização de um veículo é cheio de detalhes e possui todas as
desejo infantil e imaginário”, explica. características do original. “Tive a preocupação
Hobby ou saudosismo, a construção de de deixá-lo igualzinho”, ressalta Barizon. Com
réplicas é uma atividade cada vez mais comum motor de 200 cilindradas, original da
e que surpreende crianças, jovens e adultos. motocicleta Honda Estrada, o jipe tem
Não há quem não fique admirado pela beleza, capacidade para cinco passageiros e possui
precisão dos detalhes e a magia que remonta seta, farol, luz de freio e até CD Player.
épocas já vividas. Pelas mãos do mecânico
Wagner Barizon, de
Ribeirão Preto (SP),
réplicas de veículos das
décadas de 30, 50 e 60
ganharam vida. O artesão
viu na facilidade de ter
sua própria oficina a
oportunidade de desafiar
a mente na construção de
três modelos clássicos de
jipes: Jeep Willys, Bugatti
e Vemag Candango. “A
paixão por jipes veio da Jeep Willis, o primeiro replicado por
infância e se juntou ao Barizon, circulou no Brasil em 1951
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porta-luvas
Bugatti e DKW
Mas Barizon não parou por aí. O trabalho, à ré, cinco marchas e é fiel ao original em
sempre feito à noite e aos finais de semana, todos os detalhes. A réplica, pintada em
continuou ao ver a miniatura de um Bugatti Italiano amarelo e preto, custou R$ 6 mil. “O valor foi
1936 com cerca de 30 centímetros. “Encontrei-o mais alto por causa da tração”, explica.
na oficina mecânica de um amigo. Era um carrinho Todos os modelos construídos por Wagner
de criança”, conta. A fabricação começou em 2002 Barizon são conversíveis. “É para dar maior
e durou dois anos. O investimento também foi comodidade aos passageiros. Se todos tivessem
maior – R$ 5 mil. Segundo ele, a maior dificuldade teto não seria possível dirigi-los”, afirma.
foi construir os pára-lamas dianteiros. Foi preciso Eles não circulam pelas ruas, mas já
fazer dois estepes para ficar igual ao original. O freqüentam exposições em Ribeirão Preto e
veículo é vermelho e preto, com detalhes cromados região. Devido à falta de lugar para guardá-los
e painel de madeira, como o original. – hoje o Willys e o Candango estão em sua
A última invenção do mecânico ficou pronta oficina e o Bugatti, na de um amigo –, o
em janeiro deste ano: o DKW-Vemag Candango, artesão pensa em vender pelo menos dois
modelo 1961. deles. “Só se aparecer um colecionador que
A miniatura tem 2m70 de comprimento, cuide deles com o mesmo carinho que eu”,
1m25 de largura e 83cm de altura. O Candango faz questão de afirmar. O hobby de Barizon
original, fabricado em 1958 pela DKW, tem 3m44 está longe de acabar. Seu novo projeto é construir
de comprimento por 1m70 de largura. O modelo a réplica de um Fusca, mas ele ainda não tem
recriado, com trações 4x2 e 4x4, possui marcha data para iniciar o trabalho.
Imagem de arquivo
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Imagem de arquivo
Arte-Educação
A exposição tem monitores especialmente produção de um texto sobre história de uma
treinados para receber os alunos do Ensino das Companhias de Reis da cidade, uma redação
Fundamental nas visitas. O trabalho exposto sobre a experiência vivida durante a visita à
servirá de atividade extra-curricular para exposição e uma pesquisa fotográfica sobre
estudantes. Eles realizarão três atividades: a esta manifestação da cultura popular caju-
ruense. “Queremos contribuir com a
memória histórica e a preservação
desse fazer ar tístico da cultura
popular de Cajuru. A exposição cria
um espaço de discussão, que
privilegia a riqueza do significado da
Festa de Santos Reis para a
comunidade local e regional”, afirma
Luciene Belleboni. Além dela, fazem
parte do projeto o produtor executivo
Lucas Aukar de Camargo, a
assistente de produção Betânia
Belleboni e o designer visual Rafael
Barbero.
Pode ser vermelha, de preferência, se a impregnar mesmo quem está lá por Cajuru
pessoa for mestre, falar bastante, rimar e versar apenas de passagem. José Porto Aguiar, de 72
com gosto. E as máscaras fortes, horrendas anos, alferes da Companhia de Reis União, é
mesmo, de botar medo em criança, são marca uma espécie de depositário fiel desta memória,
registrada. que é muita fé e um tanto de imaginário
coletivo. “Tem Alferes que tem o dom dos
versos. Eu sou mais calmo. Mas vejo tudo
com o coração. Canto, beijo bandeira, me
ajoelho e faço meus versos do meu
jeito. Nós, Alferes, somos
O s como os anjos que, com barro
alferes no rosto, enganaram
são a Herodes e salvaram o
alegria e a menino Jesus” ,
renitência afirma.
visível das
Companhias de
Reis no embate
mudo contra a
modernidade
globalizada. “Pago
promessa da minha
avó. Pago faz 22
anos e não paro mais.
Pago com o coração
alegre”, fala, emocio-
nado, Adezílio Paulino
de Souza, 43 anos, o
“Xoxim” como é conhecido.
Alferes de versos fáceis e
piedosos da Companhia de
Reis Sagrada Família, Xoxim
já ensina ao filho Vitor Hugo
as artes da louvação. O
garoto, de 2 anos apenas,
é o mais jovem alferes do
Brasil e mantém viva a
tradição.
As emoções e a
devoção em Santos Reis Alferes da Companhia de Reis
teimam em transbordar e Magos do Oriente
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porta-luvas MÚSICA
Uma noite
para não ser
esquecida
lembra
Dalva
de Oliveira
Quem poderia imaginar um encontro da Fátima juntou ao grupo Júlio Peronti (que,
Dalva de Oliveira com seu filho Pery Ribeiro em no espetáculo interpreta Herivelto Martins e Pery
2007? Dalva morreu em 1972. O encontro Ribeiro), Clayton Almeida (Nilo Chagas) e estava
aconteceu no dia 22 de abril, em São Carlos, formado o Trio de Ouro, grupo que, comandado
em um estúdio de gravação e eu explico: Pery por Herivelto Martins, fez grandes sucessos na
foi conhecer Vilma, a cantora que vai interpretar música brasileira a partir dos anos 30.
sua mãe no espetáculo Viva Dalva 90 Anos da O acompanhamento musical é feito por
Estrela produzido para comemorar os 90 anos Fernando Barros (violão), Ricardo Finazzi
de nascimento da cantora, diva da música (contrabaixo), Thadeu Romano (acordeon e
brasileira. bandoneon), Alessandro Silva (clarinete e sax),
Tudo começou com o músico Fernando Misael Sena (violino) e Emílio Mar tins
Barros, violinista apaixonado por Herivelto (percussão).
Martins, pai de Pery e marido de Dalva de Ao ser perguntado sobre como via a idéia
Oliveira. Em uma conversa com Vilma Faggioli, do espetáculo e sobre o ensaio, Pery Ribeiro
seu entusiasmo pelo trabalho do compositor respondeu: “O ensaio tem o meu aval. Aval de
levou-o a descobrir histórias sobre a vida do Imagem de arquivo
casal e a vida de Dalva de Oliveira em Itirapina,
onde ainda mora uma de suas tias, Dona Lucila.
Foi esta que narrou muito do que o
espetáculo procura reproduzir. Fernando e Vilma
levaram a idéia para Fátima Camargo, diretora
do Projeto Contribuintes, que também tem laços
com Itirapina e cuja família também conheceu
Dalva de Oliveira.
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porta-luvas
quem viveu tudo isto e vê pessoas absorvendo sua morte. A força da história de Dalva é muito
as canções e a postura de minha mãe. A Vilma grande.”
é espetacular. Não precisa imitar. Se conduz Zuza Homem de Mello: produtor musical,
como minha mãe. Canta como minha mãe. presente na platéia e que conheceu Dalva,
Chega muito perto. Os arranjos são muito bons, Herivelto e o Trio de Ouro, afirma que Viva
o tratamento melódico e harmônico é excelente”. Dalva 90 Anos “é um espetáculo honesto,
Um momento mágico aconteceu no ensaio, sincero, puro. Um tesouro a descoberta da Vilma
quando Pery e Vilma cantaram Ave Maria. Vilma Faggioli. Há momentos que parece dublagem.
não conseguiu conter a emoção e chorou. Emoção pura. Um espetáculo para ficar em
Aliás, emoção que se repetiu na estréia do cartaz no Brasil por pelo menos dois anos”.
Viva Dalva 90 Anos da Estrela, realizado em A admiração de Zuza por Vilma não é única.
Rio Claro, no Teatro do Sesi, no dia 11 de Mas, isto tem explicação e é ela mesmo quem
maio. explica: “a música é um estado de espírito e
Como a emoção brotando junto com suas essas músicas cantadas por Dalva de Oliveira
palavras, Pery Ribeiro, que chorou quando ouviu têm muita emoção. Dalva tinha emoção. Vivê-
Ave Maria no Morro, afirmou que tem a honra la nesse espetáculo é um sonho”.
de ver o quanto sua mãe é cultivada. Disse, Felizes os que puderam presenciar a estréia
ainda, “que o espetáculo está muito verdadeiro, do Viva Dalva 90 Anos da Estrela. Lotado, o
não é um lugar comum. Minha mãe está mais teatro não pôde abrigar uma fila de pelo menos
viva do que nunca. Tenho orgulho disso”. mais 30% da sua capacidade que esperou
Para ele, o fato de a vida de sua mãe estar fora a possibilidade de ver o espetáculo.
sendo resgatada por meio de um espetáculo Mas, já estavam programadas pelo menos
como esse, produzido em uma cidade do interior três novas apresentações: dias 11 e 12 de
de São Paulo, distante dos grandes centros “é Julho, no Teatro do Sesc, em São Carlos e dia
algo maravilhoso. Tenho muito orgulho, me dá 15 de Julho no Teatro do Sesc de Araraqura.
muito prazer. Sou filho de uma mulher que É o que informa Fátima Camargo, idealizadora
desmente a falta de memória do Brasil, pois e produtora do Viva Dalva.
ela sempre é lembrada. Quase 40 anos após É ela também quem explica o que o
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porta-luvas
espetáculo procura mostrar : “É uma nasceu no dia 5 de Maio de 1917, prestou-lhe
homenagem aos 90 anos de nascimento de uma justíssima homenagem, apresentando ao
Dalva de Oliveira, um dos mais importantes seu filho a placa que será colocada na praça
patrimônios da música brasileira. Nossa que lhe dá nome.
proposta foi criar um caminho para reacender Viva Dalva 90 Anos da Estrela é uma
o interesse pela grandeza artística de Dalva e promoção do Projeto Contribuintes da Cultura,
de Herivelto Martins. O trabalho musical de da FAI - Fundação de Apoio ao Desenvolvimento
ambos contém interpretações inigualáveis e Científico e Tecnológico, da Universidade Federal
um reper tório que deve ser relembrado e de São Carlos. O espetáculo Viva Dalva aguarda
divulgado ao público de todas as idades, nos avaliação do Ministério da Cultura para se
dias de hoje e sempre”. beneficiar dos incentivos da Lei Rouanet.
Zuza Homem de Mello resume,
de forma simples: “era uma pessoa
muito simples, mas com um poder
de percepção de onde está o fulcro
de uma canção. A obra gravada
pela Dalva é uma obra fulgurante.
É sem dúvida uma das cinco
maiores cantoras brasileiras de
todos os tempos. Ela é um marco
na história da música popular
brasileira”.
Antes do início do espetáculo,
Imagem de arquivo
a cidade de Rio Claro, onde a estrela
Dalva de Oliveira nasceu Vicente Paula de Oliveira, filha de uma família muito humilde.
Foi faxineira, costureira. Passou por orfanato, infância com poucos brinquedos, mas, felizmente,
com muita música. Cantou sob a lona de circos. Juntou-se à dupla Preto e Branco, o que deu
origem ao Trio de Ouro. Casou-se com Herivelto Martins, um dos maiores compositores
brasileiros de todo os tempos e, com ele, teve dois filhos, Pery e Ubiratan. Separada de
Herivelto, sofreu com as manchetes escandalosas de todos os jornais e viveu uma grande
polêmica musical com o ex-marido, mas sucesso maior em carreira solo, graças a sua grande
empatia com o público. Seus sucessos mais lembrados são Máscara Negra, Bandeira Branca,
Tudo acabado, Que será, Calúnia, Poeira de Chão, Kalu, Olhos Verdes, Segredo, Pastorinhas,
todas apresentadas no Viva Dalva 90 Anos da Estrela. Dalva morreu em 31 de Agosto de 1972.
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porta-luvas TRADIÇÃO
Bauru, o original
desde 1934
São Paulo, início da década de 30. A cidade nisso, (Eu tinha lido em um opúsculo livreto de
ainda vivia as mudanças deflagradas pela alimentação para crianças, da Secretaria de
Semana de Ar te Moderna de 1922. Da Educação e Saúde, escrito pelo Ex-prefeito
Faculdade de Direito do Largo São Francisco Wladimir de Toledo Pisa, também freqüentador
saíram as idéias que culminaram nos do Ponto Chic - que a carne era rica nesses
movimentos políticos mais impor tantes da dois elementos) bota umas fatias de roast beef
história do Brasil, incluindo a Revolução junto com o queijo e já ia fechando de novo
Constitucionalista de 1932. No Largo do quando eu tornei a falar: Falta vitamina, bota
Paissandu, o pequeno e refinado bar “Ponto aí umas fatias de tomate. Este é o verdadeiro
Chic” é o ponto de encontro de intelectuais, BAURU. Quando eu estava comendo o segundo
estudantes e boêmios. sanduíche chegou o “Quico” - Antônio Boccini
Casimiro Pinto Neto era um dos privilegiados Jr., que era muito guloso e pegou um pedaço
que circulava em ambos os locais nessa época. do meu sanduíche e gostou. Aí ele gritou para
Orgulhoso de sua cidade natal, foi apelidado o garçom: Me vê um desses do ‘Bauru’.”
pelos colegas de faculdade como “Bauru”. Desde então, a fama do sanduíche correu
Inspirado por esse cenário, o próprio Casimiro por si própria. Os amigos foram experimentando
conta como, numa noite de 1934, entrou no e o nome “pegou”. Para pedir, todos falavam:
Ponto Chic com muita fome e foi logo pedindo “Me vê um do Bauru”. Com a difusão do lanche,
ao sanduicheiro Carlos: surgiram diversas variações da receita original,
“Abre um pão francês, tira o miolo e bota sendo que a mais conhecida - e que foi
um pouco de queijo derretido dentro. Depois verdadeiramente o grande difusor do seu nome
disso o Carlos já ia fechando o pão eu falei: - é a de presunto, queijo e tomate no pão
Calma, falta um pouco de albumina e proteína francês ou de forma, tostado.
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porta-luvas
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porta-luvas
Brasil”, conta ele. O simpático bar
já diz ao que veio logo na fachada:
acima da por ta, uma foto de
Casimiro Pinto Neto quando ainda
era estudante de Direito. O interior
é pura história: paredes repletas de
belas fotos de pessoas nascidas em
Bauru ou que têm estreita ligação
com a cidade. Personalidades
famosas como o Rei Pelé e o
Bauru Chic: cardápio variado e decoração temática astronauta Marcos Pontes dentre
tantos outros, sendo que a maioria
professor universitário de Educação Física, ele dos retratos trazem dedicatórias. O
decidiu que esse seria o tema ideal para o seu mesmo cuidado com a decoração foi aplicado
negócio depois da aposentadoria: “Queria criar ao cardápio, que traz dez variações do Bauru
um bar temático, que valorizasse a história da cuidadosamente selecionadas, incluindo a
cidade servindo o sanduíche mais famoso do receita original.
Em busca do
reconhecimento
nacional
A criação do selo e da sala no museu
foram os primeiros passos para um projeto
ainda mais ambicioso. A diretora de
museus da Secretaria Municipal do
Desenvolvimento Econômico, Cynthia
Bombini Ferreira, com a ajuda do
pesquisador Paulo Sérgio Folcato, está
reunindo uma vasta documentação a fim
de obter por parte do IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
o reconhecimento do Bauru como
Patrimônio Cultural. O processo teve início
em 2005, quando Cynthia teve acesso a
um documento registrado em cartório pela
esposa e filhas de Casimiro, descrevendo
a receita ditada por ele: pão francês sem
miolo, fatias de rosbife, rodelas de tomate
italiano e mussarela derretida em banho-
maria”. “Será um dos primeiros pratos
nacionais a receber esse tipo de
reconhecimento”, ressalta ela. A receita do legítimo Bauru, registrada em cartório
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porta-luvas
A receita original
Ingredientes
A popularidade do Bauru não aconteceu por acaso. Além de ser um lanche saboroso, seu
preparo é bastante simples e você pode fazer em casa. Outro ponto favorável é o fato de ser
uma refeição saudável, bem balanceada do ponto de vista nutricional e com valor energético
baixo: 306,56 Kcal (considerando as calorias do queijo antes do derretimento; parte da
gordura do queijo é descartada no banho-maria o que deve reduzir esse valor). Segundo
relatos de familiares e amigos, essa receita era especialmente favorável à Casimiro pois ele
sofria de problemas estomacais.
Ingredientes:
• 1 pão francês sem miolo;
• 3 fatias de queijo mussarela;
• 3 rodelas de tomate; O queijo é derretido
• 3 fatias de rosbife (veja a receita abaixo); em banho-maria
• 3 rodelas de pepino (picles)*;
• Sal e orégano a gosto.
* o pepino é opcional pois só foi incorporado à receita em 1950.
Modo de preparo:
Prepare numa assadeira um banho-maria: coloque um pouco de água e leve ao fogo para
aquecer. Abra o pão em duas partes e retire o miolo. Em uma das partes, coloque as fatias de
rosbife frio, as rodelas de tomate e as de pepino. No banho-maria, coloque algumas fatias de
queijo. Quando estiver derretido, coloque o queijo na outra fatia de pão e una as duas partes.
O calor de queijo aquecerá os demais ingredientes do sanduíche.
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porta-luvas CONTO
1948 - Um ano diferente para Descalvado. nas costas. Logo aparteou: “reio nem em costa
Desde 1937, quando Vargas instituiu o Estado de animal, quando mais de homem, muito
Novo, que não se elegia uma Câmara Municipal. menos de edil”. E deste ideal, de proteger os
A cidade durante anos foi governada por animais, nasceu uma obsessão: A construção
prefeitos nomeados. A 2ª Grande Guerra Mundial de uma obra que perpetuasse seu nome e seu
tinha terminado apenas três anos antes, mas interesse nos animais. A proposta nasceu
ainda deixava profunda, suas cicatrizes. Mas concreta na Câmara: um bebedouro para
1948 trazia de volta a democracia. Descalvado animais ao lado da estação ferroviária. Foi
elegeria a maior Câmara de sua história. Nada acolhida pelo Plenário e pelo Prefeito. Mãos a
menos que 21 Vereadores, entre efetivos e obra, os funcionários municipais construíram o
suplentes seriam empossados pelo MM. Juiz bebedouro. Dia de inauguração. A cidade
da Comarca, em 1º de janeiro. O Plenário viria amanheceu em festa. Feriado municipal, a
reunir Vereadores ilustres, oradores eloqüentes, população vestida com roupa de domingo,
escolhidos dentre as maiores personalidades Prefeito e Vereadores, Juiz, Promotor, Delegado,
da época e que apresentariam projetos de o Padre e os coroinhas, a Banda Santa Cecília,
grandeza para o Município, tal como a criação que não poderia faltar, a entoar seus dobrados.
do Ginásio Estadual, trazendo um grande Rojões, bandeiras. O povo se comprimindo no
benefício para os estudantes, que até então, largo da estação, muitas palmas. O orador não
viajavam diariamente por trem até poderia ser outro, senão o ilustre Vereador,
Pirassununga. Na Câmara, um Vereador se autor da propositura. No seu jeito simples,
destacaria por sua simplicidade, seus discurso decorado, empunha o microfone da
pronunciamentos polêmicos e sua rádio propaganda, fala palavras
oratória controvertida, além de bonitas, emudece a população.
cultivar um sonho: a proteção “reio nem em Terminada a oratória, emocio-
aos animais. Talvez tenha sido nado, não resiste a um ato
costa de animal,
precursor da Sociedade heróico: retira o paletó,
Protetora dos Animais. Não se quando mais de afrouxa a gravata, arregaça
conformou quando em homem, muito as mangas da camisa, debruça-
pronunciamento, um colega menos de edil” se sobre o bebedouro. Mergulha
disse que muitos assuntos só as mãos suadas de emoção nas
poderiam ser resolvidos com reio águas límpidas, enche-as com o
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porta-luvas
precioso líquido, levando à boca e bebendo acontecesse. Mas nada acontecia. Uma
como o mais sedento dos seres. Depois vira-se gargalhada geral para encerrar uma solenidade
para o povo e brada em bom tom: “Está tão sonhada. Ah, ilustre Vereador, que como a
inaugurado o bebedouro dos animais”. Pobre maioria dos políticos, deveria ter se lembrado
infeliz. Não faltou presença de espírito a um do ditado popular: “Muitas vezes, as palavras
anônimo opositor político, que em meio ao valem prata, mas o silêncio, vale ouro...” Hoje
povo, encobrindo o som da banda, o espoucar quem quiser, pode conhecer o bebedouro que
dos rojões, os aplausos, a gritaria, berra a plenos fica na rua D. Pedro II, bem ao lado da futura
pulmões: “Claro, o demagogo Vereador foi o praça “Florência Maria de Jesus” perto da
primeiro animal a beber”. O Vereador, rubro, estação ferroviária. Um patrimônio histórico que
estourando de raiva, fez que não ouviu, apertou o tempo não destruiu. As palavras do Vereador
as mãos do Prefeito, do Juiz e de quem mais se perderam ao vento, mas sua vontade se
pôde. Pediu que fosse jogada água benta, que consolidou: até hoje, quase 50 anos depois, os
os animais bebessem, que o povo cantasse, animais ainda saciam sua sede no bebedouro
que a banda tocasse, enfim, que algo que ele deveria ter inaugurado...calado.
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CAR TAS
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
>> “Já tive a oportunidade de ler as quatro edições dessa revista, que por sinal é muito boa,
pois destaca a rica cultura que temos em nossas cidades e que muitas vezes passa
despercebida, além de enfocar os artistas anônimos que muito enriquecem nossa cultura.
Parabéns a essa revista que resgata a cultura do nosso interior paulista, porque uma cidade
que não preserva sua cultura é uma idade sem identidade.”
João Luiz de Souza – Mauá (SP)
Resposta: João, nossos agradecimentos aos seus comentários. Porta-Luvas tem mesmo
como proposta esse resgate da cultural regional.
>> “Sou o Tinoco (da dupla Tonico e Tinoco) e quero parabenizá-los pela matéria “Música
caipira na história de um teatro”. Em viagem para a cidade de Caconde, recebe a revista
Porta-Luvas e, ao chegar em São Paulo, resolvi escrever para vocês. Coloco-me à disposição e
gostaria de receber as futuras edições da revista, pois a achei de ótima qualidade”.
Tinoco – São Paulo
Resposta: Caro Tinoco, só procuramos contar a todos um pouco da cultura regional de nosso
Estado, para a qual você e seu irmão já contribuíram muito.
>> “Parabenizo pela revista Porta-Luvas. Planejo, a partir do próximo semestre, passear com
minha filha pelas cidades da região (para que ela conheça mais sobre o nosso Estado) e o
periódico muito nos ajudará”.
Magali Paixão – jornalista – Piracicaba (SP)
Resposta: Professora Susete, estamos sensibilizados pelos seus comentários. Eles nos
fortalecem mais na busca de cada dia produzir uma revista com qualidade. Não imaginávamos
que a Porta-Luvas poderia ser utilizada em sala de aula. Mas, creia, isso aumenta nosso
compromisso em fazer da Porta-Luvas uma revista que contribua para a formação de nossa
juventude. Seu nome foi incluído no nosso cadastro de assinantes e a senhora deverá receber
as próximas edições. As edições anteriores já estão no site - www.emana.art.br/
link_porta_luvas.html.
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>> “Venho, por meio desta, parabeniza-los por esta revista Porta-Luvas, a qual vem
preencher uma lacuna na área de cultura e lazer nesta região que é a divulgação dos eventos
das cidades. Parabéns.”
Luis Antonio Gonçalves - São Carlos – SP
Resposta: É uma pena que alguém jogou a revista. Ainda bem que você a encontrou e pode
apreciar o trabalho que desenvolvemos.
Fale conosco > Envie as cartas ou e-mails para esta seção com nome, RG, endereço
e telefone. A revista Porta-Luvas se reserva o direito de, sem alterar o conteúdo, resumir
e adaptar os textos publicados.
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