FAZER E ACONTECER:
Ensaio sobre possíveis e impossíveis relações entre ética e política.
BRASÍLIA
2010
RESUMO
Título: Fazer e Acontecer: ensaio sobre possíveis e impossíveis relações entre ética e política.
Neste ensaio evidencia-se que a gênese do pensamento ocidental deu origem tanto ao que se
entende, atualmente, por política quanto àquilo que continua a ser denominado de ética.
Entretanto, se em sua origem estes dois domínios estão conectados, não é evidente que haja
equivalência entre eles, e nem que sua sobreposição – como nota-se no clamor atual que exige
“ética na política” – seja adequada ao resgate de seus limites. Procura-se, portanto,
restabelecer as diferenças e reforçar os laços entre estes dois domínios. Para isso, distingui-se
algumas conexões que aumentam a “força de existir” de tais domínios daquelas que os afetam
negativamente. Em especial, a principal distinção feita é a de que a política lida com os
acontecimentos, ao passo que a ética trata daquilo que os homens fazem. Investiga-se, assim,
por quê confundir os feitos humanos com aquilo que acontece no espaço entre os homens
pode diminuir a potência da política e extrapolar as limitações da ética.
ABSTRACT
Title: Doing and Happening: an essay about possible and impossible relations between ethics
and politics.
This essay shows that the genesis of western thought has led both to what is meant nowadays
by politics and to what is still called ethics. However, if in its origin the two are connected, it
is not clear that there is equivalence between them, or that their overlap - as is noted in the
current cry that asks for “ethics in politics” - is adequate to rescue its limits. The aim is
therefore to restore the differences and to strengthen the ties between these two areas. To do
so, we distinguish a few connections that increase the “power of existence” of such areas from
those that affect them negatively. In particular, the main distinction is that politics deals with
the what happens, whereas ethics deals with what men do. It is investigated, so, why
confusing the human deeds with what happens in the space between men may decrease the
power of politics and may lead us beyond the limitations of ethics.
1 “Sem a virtude que sabe morrer, a vida é servidão”. Cf. Sêneca, Ep. 77. 13. apud ARENDT, 2001.
2 Cf. Prefácio de KANT, 1997.
3 Se seguirmos pensando com Kant, é possível que nem precisemos considerar tais possíveis mudanças, já que,
para ele, “esta divisão está inteiramente de acordo com a natureza das coisas, nem temos que introduzir-lhe
qualquer espécie de aperfeiçoamento”. Cf. Prefácio de KANT, 1997.
4 Enfatizamos que o objeto de estudo da Ética seja a liberdade humana, embora julguemos desnecessária tal
ênfase, dado o fato de que esta liberdade poderia ser entendida como o resultado de certo tipo de ações, que são
sempre e somente empreendidas pelos homens. Mais ainda, Arendt nos guia no sentido de compreender tanto
que “nem um animal nem um deus é capaz de ação”, quanto que “esta liberdade é a condição essencial daquilo
que os gregos chamavam eudaimonia, ‘ventura’”. Cf. ARENDT, 2001. pp. 31 e 40.
5 ARENDT, 2001. p. 40.
6 Esta última questão, “porque ser livre?”, faz sentido pelo fato de que a liberdade não seria condição inata do
ser humano. Assim, não se trata somente da questão “o que é ser livre?”, senão que saber em que condições, de
que modo e com quais “razões” um homem escolhe a liberdade. Como afirma Arendt, “ser livre significava ao
mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar”.
Além disso, ela indica que Aristóteles, na Política, diz que “a vida do homem livre é melhor que a do déspota”,
assumindo, com isso, que o déspota não seria um homem livre. Ou seja, se a liberdade era uma condição política
alcançada pela igualdade possível somente no espaço público, em contraste com o espaço privado da família,
pensadores da tradição filosófica ocidental, iremos nos deter nas relações possíveis entre a
ética, a política e aquilo que surge dessa relação – e, sobremaneira, na impossibilidade de uma
relação que reduza um domínio ao outro. Assim, não procuraremos estabelecer um purismo
estéril em cada um dos domínios, e nem, muito menos, procuraremos desconectar a ética da
política, ou vice-versa. Entretanto, valeria notar, desde já, que algumas relações – como a
atualmente mencionada “ética na política”, ou como no desenvolvimento contemporâneo do
conceito de biopolítica7 – podem ser conflitantes e, em extremos, aniquiladoras da própria
política; e, por conseguinte, da ética. No entanto, deixaremos que estas conclusões sejam mais
bem exploradas em momento oportuno, favorecendo, neste ensaio, somente alguns dos
argumentos que poderiam subsidiar tais críticas.
Será a partir destes argumentos que poderemos fundamentar nossa opção, nem tanto
arbitrária, por caracterizar, desde o título deste ensaio, a ética como “fazer” e a política como
“acontecer”. Além do mais, procuraremos problematizar o que entendemos por relações
“possíveis e impossíveis”. É necessário que fique claro que não pretenderíamos, neste breve
ensaio, indicar e delimitar todas as possíveis relações entre a política e a ética, de modo a
normatizar essas relações, nem de modo a descrevê-las completamente. O que entendemos,
aqui, por “possíveis relações” poderia ser mais bem descrito, aproveitando alguns dos
conceitos expostos na Ética de Espinosa, como “relações desejáveis”, porquanto aumentam a
força de existir, fazem variar os estados de intensidade e revelam paixões alegres8. Do
mesmo modo vale para as “impossíveis relações”, que seriam mais bem descritas como
“relações indesejáveis”, já que diminuem a força de existir (dos domínios relacionados) e
revelam paixões tristes. Assim, por levar em conta a dignidade da política e o imperativo de
sua existência, além de sua ligação com a vida, com a natalidade e com a alegria, não nos
parece “desejável” estabelecer qualquer relação entre ela e a ética que diminua suas forças
mútuas – o que nos levaria a poder apresentar estas relações como se fossem “impossíveis”.
Tratando do primeiro sistematizador daquela ciência que ficou conhecida pelo nome
isso indica que “ser livre significava ser isento da desigualdade presente no ato de comandar”. Cf. ARENDT,
2001. pp. 41-42, nota 21 e ARISTÓTELES, 2002. 1325a24.
7 Conceito fundado por Foucault e posteriormente trabalhado também por Agamben. Cf. FOUCAULT, 2000b.
“Foucault percebeu que o sexo e, portanto, a própria vida, se tornaram alvos privilegiados da atuação de um
poder que já não tratava simplesmente de disciplinar e regrar comportamentos individuais, mas que pretendia
normalizar a própria conduta da espécie”. Cf. DUARTE, 2007. p. 3.
8 O professor Luiz Orlandi apresenta, em “Anotações sobre Deleuze e ética”, ainda não publicadas, a visão de
Deleuze para os enunciados espinosistas de que nos valemos aqui. Segundo ele, “quando uma ideia encontra
uma outra ideia, acontece que as duas relações ora se compõem para formar um todo mais potente, ora uma
decompõe a outra e destrói a coesão de suas partes. E eis o que é prodigioso: esses conjuntos de partes vivas que
se compõem e se decompõem segundo leis complexas” (com adaptações). Cf. DELEUZE, 2002. p. 130.
de Ética, vale recordar que Aristóteles, em um de seus livros9 sobre o tema, aborda, por um
lado, a ética e o “agir bem” (eupraxia) do homem e, por outro, a “ciência política”10e a
felicidade (eudaimonia). Neste sentido, fala tanto dos feitos realizados pelo “agir bem”,
quanto das obras que permanecem, pelo exercício da excelência (areté) em viver bem e
conduzir-se bem. Não é infundado, portanto, que os gregos utilizem a mesma palavra, ergon11,
para falar tanto das obras quanto dos feitos. Aliás, esta também é a palavra utilizada para
“função”, o que nos faz compreender melhor o caminho da investigação aristotélica, dado que
ele parte do “princípio” de “determinarmos primeiro qual é a função própria do homem” 12.
Assim, poderíamos dizer que Aristóteles chega à “felicidade” não somente porque seria esta a
opinião corrente e mais facilmente aceita pelos filósofos de seu tempo, mas principalmente
porque ele vê neste particular modo de vida 13(no bios politikos) algo realmente “distinguidor”
do ser humano, que propiciaria aos melhores (aristoi) homens a felicidade. Este modo de
vida14 sobrelevaria o homem a uma condição de liberdade sem, no entanto, descartar as
necessidades15, que dão condições (embora não suficientes) para a liberdade. E, se ainda há
algo que seja “necessário” para a liberdade – esta como condição e “consequência”16da
felicidade –, este algo seria encontrado no exercício ativo da excelência e na boa ação
(eupraxia). Aristóteles ainda acrescenta que “tal exercício ativo deve estender-se por toda a
vida”17. Vale recordar que Aristóteles, em suas várias “definições” de felicidade, deixa claro
9 “Aristóteles é o criador da ética como ciência. Dentre as obras que tratam do tema creditadas ao filósofo estão:
Ética a Nicômacos, Ética a Êudemos e Ética maior”. Cf. ARISTÓTELES, 2001. contra-capa.
10 A “ciência política”, neste caso, se distinguiria da Política, já que sua obra homônima trata particularmente
das Leis, embora essa obra seja, em alguma medida, uma “continuação” desta Ética. “Não é o caso então de
investigar em seguida com quem ou como podemos aprender a legislar? Será, como em todos os outros casos,
com um estadista? (Já vimos que a legislação é um ramo da ciência política.)”. Cf. ARISTÓTELES, 2001.
1181a. A nota de rodapé 324 deixa ainda mais clara esta questão, afirmando: “A ‘nossa discussão’ é a Política, à
qual a Ética Nicomaquéia serve de introdução”.
11 Cf. nota 44.
12 ARISTÓTELES, 2001. 1098a.
13 Aristóteles observa que, dentre alguns modos de vida, talvez um deles nos descrimine de todas as demais
formas de vida. Já que este modo de vida (ligado à “atividade vital do elemento racional”) nos conduz (ou nos
permite acesso) ao bem, então, ele diz, “o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma
de conformidade com a excelência”. Cf. IDEM. Ibidem.
14 Não exploraremos se este modo de vida (o bios politikos) estaria ligado à “vita activa” ou à “vita
contemplativa”, ou a ambas, já que não é este o interesse do presente ensaio, embora tal investigação pudesse ser
bastante frutífera. Sobre este ponto, podemos notar que Aristóteles e Arendt tomam posições um pouco distintas,
já que seus argumentos seguem caminhos diferentes – embora não necessariamente opostos ou contraditórios.
Não está claro se eles chegam, efetivamente, às mesmas conclusões sobre as possíveis “ligações” do bios
politikos e nem se a expressão “vita contemplativa”, de origem latina, significaria (ou foi utilizada na tradição) o
mesmo que o bios theoretikos, de origem grega. Cf. ARENDT, 2001. pp. 20-26; ARISTÓTELES, 2001. 1098a –
1099a.
15 Estas necessidades, como mencionadas por Aristóteles, poderiam ser, pelo menos, tanto “as atividades vitais
de nutrição e crescimento”, quanto os “bens exteriores”. Cf. ARISTÓTELES, 2001. 1099b.
16 Vale relembrar que a felicidade, para Aristóteles não era buscada por qualquer outro motivo que não por ela
mesma – e daí sua importância e escolha. Entretanto, o filósofo não descarta, pelo que supomos, que a felicidade
tenha “consequências” (como efeitos), entre as quais poderiam estar a imortalidade ou o próprio “reforço” da
liberdade, num certo círculo virtuoso.
17 ARISTÓTELES, 2001. 1098a. Este último ponto nos parece crucial para compreender de que maneira se
pode alcançar a felicidade (ou, talvez devêssemos dizer, “exercitá-la”).
pelo menos um fator: trata-se de algo que se conquista, ainda que naturalmente 18, e de algo
que depende da vida humana (e, particularmente, de um modo de vida peculiar). Por isso ele
afirma que, “definimos a felicidade como uma forma de viver bem e conduzir-se bem” 19. É
também por isso que a felicidade, do mesmo modo como não surge (necessariamente) da
providência divina20 e nem graças à sorte21, não pode ser quitada de (ou “desatribuída” a)
alguém, por algum fracasso devido aos favores da fortuna22.
Avançando algum tempo na história da Ética, poderíamos alcançar século XVII e
lançar vistas ao pensamento de Espinosa. Em sua obra dedicada ao tema, ele lança a questão
sobre “o que pode [fazer] um corpo?23”. Com isso, alerta para o fato de que, embora a
filosofia tentasse alcançar as leis da natureza, pela Física, as formas do pensamento, pela
Lógica, e procurasse dominar o corpo e as paixões, pela Ética, nem ao menos se sabia o
potencial do corpo (e, também, do pensamento e da natureza). Ironicamente, Espinosa
apontava para um aspecto ignorado pela Ética e que, para ele, seria a própria ética. Não se
tratava, entretanto, de fundar a ética sob a metafísica, mas, ao contrário, de refundar a ética
dentro dos domínios do corpo e da natureza. Assim, nos parece possível afirmar que, ao
reaproximar a ética do mundo e dos homens, Espinosa apontava as relações que haveria entre
ela e a política. E, ao apontar os conflitos existentes entre os apetites, deixava claro que as
relações entre as paixões deveriam ser mais bem observadas, já que este poderia ser o locus de
onde brota a política e onde se funda a ética – o que nos levaria a perceber que é no inter
homines esse(estar entre os homens), sinônimo de “viver” para os romanos24, que se acha
tanto a ética quanto a política.
Já no próximo século, veríamos esta questão ser novamente apresentada, embora sem
menção ao corpo, e substantivamente alterada: “o que posso fazer?”, pergunta Kant,
afirmando ser essa uma das três questões centrais da filosofia, as quais, resumidas, poderiam
nos indicar, afinal, “o que é o homem?25”. Se a relação entre a ética e as ações dos homens, e
18 Essa possível “naturalidade” da conquista pode ser dar por um hábito [êthos], por uma virtude [areté], por
uma prática moral [ethiké], ou por ações [praxis] específicas – todas atividades que dependem, como concluímos
o argumento, “da vida humana”, isto é, de um esforço ou de um aprendizado humano.
19 ARISTÓTELES, 2001. 1098b8.
20 ARISTÓTELES, 2001. 1099b9.
21 IDEM, Ibidem.
22 IDEM, Ibidem.
23 Literalmente, Espinosa comenta, no escólio da proposição II do livro III, que “nem mesmo sabemos o que
pode um corpo”. Cf. SPINOZA, 2003.
24 “ O idioma dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as
expressões ‘viver’ e ‘estar entre os homens (inter homines esse), ou ‘morrer’ e ‘deixar de estar entre os homens’
(inter homines esse desinere)”. ARENDT, 2001. p. 15.
25 Kant afirma que pelo menos três perguntas fazem os homens filosofar: 1) “O que eu posso saber?” 2) “O que
eu devo fazer?” 3) “O que eu devo esperar?”. Assim, a pergunta que importa à filosofia, como resumo das três
anteriores, é “O que é o ser humano?”. Para responder sobre o que posso – e, principalmente, sobre o que não
posso – conhecer, ele lançou mão de sua Crítica da Razão Pura. Cf. KANT, 1987; e ARENDT, 1993b. pp. 19-
20, 27-29.
sua consequente liberdade26, ainda pareceria próxima, talvez não se possa falar da mesma
forma sobre a relação entre a ética e a política, para Kant. Seu desinteresse pelos assuntos
políticos é notável e, dada sua formulação centrada no Homem (e não nos homens, em sua
pluralidade, como enfatiza Arendt), podemos afirmar que a questão sobre o que é o homem
diz respeito à atitude do “eu”, quando afastado de todos os “outros”, em plena liberdade e
independência. Assim, para Kant, se a Razão Pura deve lidar com as questões sobre “o que
posso conhecer?”, será a Razão Prática que poderá investigar, acerca daquilo que não posso
conhecer27, os limites da liberdade, ou seja, os domínios da Ética. E essa estrita localização da
Ética no campo do pensamento, da razão, afastaria o “fazer” humano de sua liberdade de
ação, renunciaria completamente o “poder” do corpo e resumiria a ética ao “imperativo
categórico” que dá a ela vestimenta de Moral. Não passa despercebido o fato de que Kant,
efetivamente, abarca a Ética pela Metafísica e, mais ainda, que restringe sua parte racional ao
campo da Moral28.
Também tratando da moral, embora numa abordagem bastante diferenciada, Nietzsche
liga sua ideia de nobreza (ou de espírito nobre) à felicidade 29, talvez mais próximo de
Aristóteles do que poderíamos inicialmente supor. Desse modo, seguindo tanto o pensamento
aristotélico quanto o de Nietzsche, ainda que passemos por argumentos distintos,
retornaremos à noção de “atividade” e de “fazer bem” (eupraxia). A felicidade dos
ressentidos, que podem ser compreendidos aqui como opostos30 aos nobres31, aparece como
“passividade”, diz Nietzsche. Outra característica do ressentimento – ou ao menos do
ressentido – é que “ele entende do silêncio”32. Poderíamos retomar o pensamento aristotélico
para lembrar que este silêncio estar em oposição tanto ao discurso (lexis) como à opinião
(doxa), que são apresentados por Aristóteles como sendo constitutivos33 do exercício da
26 Parece-nos importante sublinhar o fato de que, se a pergunta sobre “o que devo fazer?” tem seu correlato na
ideia de liberdade, como enfatiza Arendt, não ocorre da mesma forma com a noção de ação. Arendt alerta que “a
segunda questão [“o que devo fazer?”] de modo algum lida com a ação, e em nenhum lugar Kant a leva em
consideração”. Cf. ARENDT, 1993b. p. 28.
27 “ As questões metafísicas, em Kant, tratam precisamente do que não posso conhecer. No entanto, não posso
evitar pensar acerca do que não posso conhecer, porque isso refere-se ao que mais me interessa: a existência de
Deus; a liberdade, sem a qual a vida seria indigna para o homem, seria ‘bestial’; e a imortalidade da alma”.
IDEM, Ibidem.
28 “ Deste modo, surge a ideia de uma dupla metafísica: uma Metafísica da natureza e uma Metafísica dos
costumes. A Física terá pois, além de sua parte empírica, uma parte racional . Outro tanto sucede com a Ética;
embora, aqui, a parte empírica possa denominar-se particularmente Antropologia prática, e a parte racional
receber o nome de Moral”. Cf. Prefácio de KANT, 1997.
29 Ou, antes, seria ao contrário, já que “os ‘bem nascidos’ se sentiam mesmo como os ‘felizes’”. Cf.
NIETZSCHE, 2001. p. 30.
30 Esta “dicotomia”, ao que nos parece, serve mais a mostrar a distância que os separa – nobres e ressentidos –
do que sua simples oposição.
31 Poderíamos reforçar o argumento sobre distância entre nobres e ressentidos se levarmos em conta que “o
ressentimento do homem nobre, quando nele aparece, se consome e se exaure numa reação imediata, por isso
não envenena”. Assim, os nobres não conseguem “levar a sério por muito tempo seus inimigos, suas
desventuras, seus malfeitos inclusive”. Cf. IDEM. p. 31.
32 IDEM. p. 30.
33 Relembremos que o exercício da excelência pode ser ativo tanto no discurso (lexis) quanto na ação (praxis).
Além disso, podemos compreender a doxa tanto como “opinião” quanto como “fama”, esta última podendo ser
excelência e parte da vida política. Um último ponto, desta parte da primeira Dissertação, que
deve ser mencionado, diz que um nobre preza por “uma certa imprudência” 34, à qual
poderíamos tanto contrapor à ideia de phrônesis (prudência) aristotélica como, de outro modo,
aliar à noção de excelência (areté) dada, também, por uma “sabedoria prática” (que, da
mesma forma, é uma possível acepção de phrônesis). Sem pretender resolver o impasse, este
ponto nos abre caminho suficiente para adentrar nos domínios da política, sem esquecermos
que, apesar de genuinamente ligadas, ainda há considerações necessárias a serem feitas sobre
as “relações impossíveis” entre ética e política.
43 Sobre a ideia de imortalidade, poderíamos entender que, para Arendt, os homens seriam imortalizados pela
permanência (histórica) e relevância (exemplar) de suas obras e feitos – e ela mesma não faz distinção entre
obras e feitos, como exposto na nota 44. Assim, “a diferença entre o homem e o animal aplica-se à própria
espécie humana: só os melhores (os aristoi), que constantemente provam ser os melhores (aristeuein) e que
‘preferem a fama imortal às coisas mortais’, são realmente humanos”. Mais ainda, ela enfatiza – o que nos
reforça o argumento – que “a luta pela imortalidade” é o “o modo de vida do cidadão, o bios politikos”. Cf.
ARENDT, 2001. p. 28-29.
44 “ A língua grega não faz distinção entre ‘obras’ e ‘feitos’, mas chama-os de erga quando são suficientemente
duráveis e grandiosos para ser lembrados”. ARENDT, 2001. p. 28. nota 19.
45 “A hostilidade cristã em relação à esfera pública, a tendência que tinham pelo menos os primeiros cristãos de
levar uma vida o mais possível afastada da esfera pública, pode também ser entendida como consequência
evidente da devoção às boas obras”. “Como modo sistemático de vida, portanto, a bondade não é apenas
impossível nos confins da esfera pública: pode até mesmo destruí-la”. Cf. ARENDT, 2001. pp. 84-87.
46 “O critério com que Maquiavel julgava a ação política era a glória, o mesmo critério da antiguidade clássica;
e a maldade, como a bondade, não pode assumir o resplendor [a possibilidade de figurar na esfera pública] da
glória”. ARENDT, 2001. pp. 87-88.
47 Cf. MAQUIAVEL, 2007. cap. 15 apud ARENDT, 2001.
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NIETZSCHE, Friedrich W.. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Cia das Letras,
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