Anda di halaman 1dari 15

A Cadeirologia e o Mito da

Postura Correta

Ada Ávila Assunção1


The Mith of Correct Posture

1
Professora do Departamento de
O artigo contesta a abordagem tradicional sobre as posturas adotadas pelos trabalhadores
Medicina Preventiva e Social da
Faculdade de Medicina da Universi- durante a realização de suas tarefas, a qual procura identificar e prescrever a postura
dade Federal de Minas Gerais. correta sem considerar a ação humana durante o cumprimento dos objetivos da produção.
Mestre e Doutora em Ergonomia pelo
Descrevendo os resultados de um estudo ergonômico realizado no setor de caixas de um
Laboratório de Ergonomia Fisiológica
e Cognitiva da École Pratique des hipermercado, apontam-se os limites da análise que desconsidera a dinâmica do arranjo das
Hautes Études (Paris – França) partes do corpo em situação real de trabalho. Ao final, são apresentadas as vantagens e as
desvantagens das posturas sentada e em pé.

Palavras-chave: saúde do trabalhador, ergonomia, postura, em pé, sentado.

This study confronts the traditional approach to postures adopted by workers during the
performance of their tasks, which attempts to identify and prescribe the correct posture
without considering human action during the fulfillment of production aims. Describing the
results of an ergonomic study of supermarket cashiers, the author illustrates the limitations
of an analysis that ignores the dynamics of the arrangement of the parts of the body in real
work situations. In the end, the advantages and disadvantages of seated and standing
postures are given.

Keywords: worker health, ergonomics, posture, standing, seated.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 41

capitulo a cadeirologia.p65 41 24/08/05, 13:45


Introdução pal por onde as mercadorias são traslada-
das, como se verá mais adiante.
Freqüentemente, os estudos dos postos de
Para tratar uma demanda, o trabalhador
trabalho recomendam uma cadeira e uma
mobiliza as informações sobre as caracterís-
estratégia de formação que visam conscien-
ticas do serviço solicitado que estão estoca-
tizar o trabalhador a respeito da postura mais
das em sua memória, avalia o humor do cli-
correta a ser adotada. Os achados de litera-
ente, prepara uma estratégia para abordá-
tura e as situações analisadas nos estudos
lo, adota uma certa postura, ou seja, arran-
citados ao longo deste artigo permitem criti-
ja os seus segmentos corporais no contexto
car o referido modelo de intervenção, que
de um dado ambiente térmico, sonoro e lu-
prescreve cadeiras e posturas corretas como minoso. Uma abordagem reduzida da situa-
única alternativa de solução para os proble- ção do trabalho contentar-se-ia em avaliar
mas identificados. as dimensões antropométricas, desconsi-
Será apresentado um modelo de análise derando o uso que o funcionário faz do seu
que tenta compreender as razões que levam mobiliário.
os trabalhadores a adotar posturas estereoti- Laville (1968) mostrou que na indústria
padas mesmo conhecendo as necessidades microeletrônica a rigidez das posturas aumen-
de seu corpo ou conscientes dos efeitos do ta com as dificuldades surgidas ao longo do
comportamento postural adotado. desenvolvimento da atividade, bem como são
A abordagem da cadeira, aqui denomina- associadas à velocidade imposta pela estei-
da cadeirologia, reduz o conceito de postu- ra. Na situação estudada pelo autor, a ne-
ra ao desconsiderar a dinâmica do aparelho cessidade de tratar sinais durante a realiza-
músculo-esquelético e ao desprezar as ou- ção das tarefas conduz à seguinte postura: o
tras funções do organismo implicadas na fi- tronco aproxima-se da bancada para permi-
siologia postural, como a função visual, a tir uma boa distância olho-objeto, cujo foco
mecânica circulatória, a posição dos órgãos visual depende da imobilização cervical, ex-
internos, o sistema neurológico. plicando, assim, a hipercontração dos mús-
Sustentando-se em um modelo reducionista culos da região. São exemplos que ilustram
de ser humano, ou seja, o homem-máquina, a importância em se considerar o conjunto
a cadeirologia elabora recomendações para das exigências da tarefa e não apenas a con-
concepção do mobiliário incompatíveis com tração muscular, como se ela fosse um resul-
as possibilidades do corpo humano. A incom- tado direto do comportamento estressado do
patibilidade gera conflitos entre os aparatos trabalhador, independentemente da flutuação
oferecidos pelo mobiliário e a utilização real dos fatores de produção em um ambiente
que o trabalhador faz deles. Não é incomum organizacional rígido.
verificar os funcionários de um banco, por O estudo de Assunção & Lima (2000) em
exemplo, dispensarem a oferta de conforto uma fábrica de jóias ilustra o caráter multi-
de um certo aparato do posto de trabalho, fatorial da determinação da postura. Além
finamente detalhado, mas que não possui de repetitivas, as tarefas realizadas solicitam
qualquer serventia prática. É emblemático o habilidade e destreza manual, movimentos
caso de um bancário que não utiliza o en- firmes e precisos. Para além da repetição, a
costo para o dorso para evitar o distan- precisão dos movimentos realizados na re-
ciamento do guichê e, assim, manter a vigi- gião distal dos membros superiores impõe
lância ao seu entorno e à gaveta que com- uma carga estática à musculatura da região
porta o numerário. Afinal, o risco de assalto proximal e solicita, assim, o conjunto do apa-
é um dos principais problemas vivenciados relho músculo-esquelético dos membros su-
nas agências bancárias. periores. Nota-se a exigência de responsabi-
Sob a mesma lógica, o funcionário de uma lidade e atenção no desenrolar das ativida-
grande cadeia de hipermercado não conse- des de trabalho, o que conduz a um aumen-
gue utilizar o assento em seu exíguo espaço to da contração muscular estática, a qual,
de trabalho. A gerência opta por retirar os por sua vez, pode contribuir para a sobre-
assentos e a trabalhadora não discorda, pois carga muscular global. Ou seja, os resulta-
não poderia assentar-se e, ao mesmo tempo, dos obtidos mostram que o trabalho, apesar
manipular o teclado colocado em uma su- de repetitivo, não é essencialmente manual.
perfície acima do plano de trabalho princi- Ele também exige concentração, atenção e

42 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 42 24/08/05, 13:45


responsabilidade, e todas essas exigências A voz do ser humano não é um microfone,
estão certamente determinando as posturas, os seus ouvidos não são amplificadores, os
principalmente as estáticas. seus olhos não são holofotes, as suas articu-
Além disso, as tarefas são realizadas sob lações não são polias, (Laville, 1977). O tra-
pressão temporal e os erros são temidos, pois balhador muda de postura para solicitar a
acarretam desperdícios de matéria-prima. A musculatura que estava em repouso, selecio-
pressão temporal e o medo de errar podem na as imagens que são importantes para de-
aumentar a atividade muscular (Bongers et cidir, privilegia os ruídos indicadores do fun-
al., 2002). cionamento da máquina... O ser humano não
Os resultados acima e a análise da situa- pode ser comparado a uma máquina. A
ção do caixa de hipermercado, que será apre- máquina não tem uma idéia do mundo que a
sentada neste artigo, reforçam os pressupos- rodeia. O ser humano tem uma idéia e modi-
tos da Ergonomia sobre a multideterminação fica esta idéia à medida que o mundo se trans-
da postura adotada e o caráter global dos forma pela sua ação. Não seria esta carac-
gestos humanos. Os dois pressupostos são terística a força do processo civilizatório hu-
apresentados a seguir. mano?
Os conhecimentos sobre as características
Qual modelo de ser hu- psicofisiológicas do ser humano em situação
real de trabalho permitem afirmar que existe
mano orienta as análises uma importante variabilidade inter e intra-
da Ergonomia? individual e que em toda atividade profissio-
nal existe uma atividade mental. Além disso,
Quando se pretende estudar os aspectos a regulação individual e coletiva exerce um
humanos e técnicos ligados à realização do papel importante na realização da produção.
trabalho, a Ergonomia propõe-se a avaliar No setor da alimentação coletiva, uma dis-
as competências para realizar a tarefa e a tribuição informal dos trabalhadores nos
sua variabilidade. As pesquisas mostram que, postos do restaurante visa estabelecer um
conhecendo as exigências do trabalho, os “compromisso” entre os objetivos da produ-
traços da atividade do operador poderão ser ção, as exigências das tarefas com forte
estudados e certos elementos da situação componente físico e as deficiências mús-
poderão ser rearranjados para se obter o culo-esqueléticas de um grupo de cozinhei-
conforto para um trabalhador em particular. ras. A margem de liberdade existente permi-
A atividade visual, por exemplo, varia em te que os objetivos da produção sejam atingi-
função da claridade e da curva de adapta- dos e que os indivíduos que estejam sofrendo
ção do olho ao escuro. Tais características de dores e da diminuição da força muscular
não são absolutamente idênticas em todos os possam continuar trabalhando (Assunção,
indivíduos. As diferenças podem ter origens 1998; 2003).
diversas: constitucionais, culturais, de forma- As regras e as normas de produção coe-
ção etc. Entretanto, os indivíduos contornam rentes com os objetivos de rentabilidade eco-
as dificuldades. Os daltônicos, por exemplo, nômica assentam-se numa noção artificial de
às vezes, descobrem tarde que portam defi- um trabalhador jovem, do sexo masculino,
ciência, pois orientam-se menos pelas cores em boa saúde, com os receptores sensoriais
do que pelos traços das luzes, ou seja, eles intactos e resistentes aos riscos presentes,
mobilizam as outras habilidades que atenuam imutáveis ao longo do tempo e opacos às
os efeitos das deficiências. agressões presentes nos ambientes nocivos
A Ergonomia leva em conta a ação do in- (Wisner & Marcelin, 1971). Nem sempre as
divíduo mobilizada pela inteligência e pela normas de produção consideram o saber-
experiência, descartando o modelo mecâni- fazer construído ao longo do tempo em que
co do ser humano em situação de trabalho. o trabalhador depara-se com as situações
Para a Ergonomia, o funcionamento do ho- reais de trabalho. Desconsiderando a varia-
mem em situação de trabalho não pode ser bilidade humana, tais normas são incoeren-
comparado a um modelo mecânico do tipo tes e desumanizam o trabalho (Lima, 2001).
transformação de energia ou a um modelo Quando os projetistas das situações de tra-
informatizado de tratamento de dados. balho tentam reduzir o papel do trabalha-

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 43

capitulo a cadeirologia.p65 43 24/08/05, 13:45


dor, considerando-o análogo aos sistemas téc- conduz à hipótese de que as exigências
nicos, quando eles uniformizam as exigências biomecânicas provocam reações severas no
de trabalho, normatizam os procedimentos, organismo e, assim, de maneira geral, elas
estabelecem regras rígidas de tempo, não são superiores às capacidades funcionais in-
podem prever o conflito provável, explícito ou dividuais.
não, entre as características dos trabalhado- As pressões exercidas sobre os tecidos mo-
res e o sistema de produção (Abrahão, 2000). les podem provocar reações dos tecidos en-
No plano cognitivo, a Psicologia traz co- volvidos. Geralmente, e de maneira bem re-
nhecimentos sobre certos mecanismos de fun- sumida, as reações são: a) mecânicas e fisio-
cionamento do indivíduo; por exemplo, como lógicas – variações do comprimento, do vo-
ele leva em conta as novas informações para lume, rupturas; b) fisiopatológicas – mudan-
modificar as suas representações mentais, ça na concentração iônica das células dos
quais são as propriedades dessas represen- músculos, evolução das características do
tações, como elas se constituem (Wisner, potencial de ação do músculo, insuficiência
1987). Em relação ao conteúdo cognitivo crônica do líquido sinovial, rupturas das fi-
da tarefa, o principal aspecto a ser conside- bras de colágeno do tecido do tendão, hiper-
rado é a tomada de decisões. No entanto, é
trofia do epineuro, perturbando o potencial
conveniente abordar as dificuldades em per-
de ação nas fibras nervosas, com conseqüen-
ceber os sinais quando o trabalhador está
tes alterações motoras e sensitivas (Assunção,
cansado ou em situações de desconforto lu-
s/d).
minoso ou térmico que perturbam a identifi-
Os conhecimentos da disciplina citada são
cação e o reconhecimento da informação.
úteis e indispensáveis para abordar as postu-
O sofrimento de fadiga psíquica pode es-
ras no trabalho e orientar a concepção dos
tar presente nos casos em que, por exemplo,
a falta de sono provocada pelos horários postos, mas são insuficientes. Algumas análi-
extremos do trabalho gera uma sobrecarga ses focalizadas na Biomecânica desconsideram
e pode explicar as alterações de humor ou o caráter dinâmico do corpo e deixam mar-
deixar o indivíduo mais susceptível (estando gens para construir o mito da postura correta.
mais cansado) aos riscos biomecânicos exis- O esqueleto humano pode ser comparado
tentes no ambiente de trabalho. a um conjunto de três peças empilhadas umas
Assim, de que adiantaria a implantação sobre as outras: a cabeça, o tórax e a bacia.
de uma cadeira de dimensões adequadas se As formas e as dimensões das peças são di-
a tensão provocada pelos desajustes da ferentes entre si. Mesmo assim, elas conse-
organização do ambiente de trabalho pro- guem se manter empilhadas na posição verti-
voca hipercontração da musculatura dorsal cal graças a um minucioso e intenso trabalho
e cervical? do conjunto do corpo.
A Biomecânica é a disciplina que estuda as Para se obter um arranjo estável das três
forças estáticas e dinâmicas que agem sobre peças, é necessário colocar o centro de gra-
o corpo e que pode contribuir fortemente para vidade de uma peça sobre o centro de gravi-
a concepção dos espaços de trabalho. No dade de sua vizinha de baixo, o que solicita
entanto, articular à avaliação biomecânica a um perfeito alinhamento vertical dos centros
análise das outras dimensões humanas já ci- de gravidade para evitar uma tensão sobre o
tadas pode contribuir para evitar uma abor- invólucro do conjunto, que é formado pelos
dagem reduzida do trabalhador, a qual expli- tecidos moles que compõem o aparelho mús-
ca, em muitos casos, entre outros fatores, o culo-esquelético.
insucesso do mobiliário implantado. O alinhamento é obtido por meio de meca-
nismos finos, pois, como lembra Bienfait
Qual Biomecânica? A di- (1993), “cada gesto é feito de um conjunto
de ações que se complementam para atingir
nâmica do corpo e o mito o objetivo final”. Uma tensão inicial provoca
da postura correta uma sucessão de tensões isoladas. Todos os
gestos humanos são globais e recrutam, nos
O aumento de Lesões por Esforços dizeres do autor, o conjunto do sistema
Repetitivos no mundo todo (EASHW, 2000) locomotor.

44 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 44 24/08/05, 13:45


De maneira bastante didática, Bienfait ou deformidade progressiva, independente-
explicita as duas grandes funções do sistema mente da atitude (ereta, deitada, agachada,
locomotor: a deambulação e a preensão. A encurvada) nas quais essas estruturas estão
primeira é uma função ascendente que parte trabalhando ou repousando (Kendall, 1995).
da cintura pélvica e dos membros inferiores; A postura saudável seria o estado de equi-
a segunda é uma função descendente que líbrio muscular e esquelético no qual os mús-
parte da cintura escapular e dos membros culos funcionam mais eficientemente e posi-
superiores. Os conhecimentos da fisioterapia ções ideais são proporcionadas para aco-
são ainda mais elucidativos e podem contri- modar os órgãos torácicos e abdominais.
buir para o entendimento do ser humano em A postura estereotipada é uma relação
situação de trabalho quando afirmam que, defeituosa entre as várias partes do corpo.
em cada função, os movimentos das duas cin- Por exemplo, os punhos hiperfletidos ou
turas são ligados por dois sistemas cruzados. hiperextendidos podem levar à compres-
Ou seja, na deambulação, a cintura esca- são dos nervos periféricos aí localizados
pular equilibra a cintura pélvica, que projeta (Claudon, 1995). Das definições propostas,
o membro inferior. Na preensão, ocorre o denota-se que, certamente, determinadas
inverso, pois a cintura pélvica serve de ponto posturas devem ser evitadas pelo risco que
de apoio para os movimentos do tronco e da elas podem trazer para o equilíbrio do corpo.
cintura escapular, que dirigem o membro Porém, os conhecimentos mencionados não
superior. autorizam a culpar o trabalhador que, em
A noção de dois sistemas cruzados que se tese, assumiria a postura estereotipada por
equilibram entre si esclarece sobre o caráter não ter consciência da postura saudável.
dinâmico do gestual humano, que, por sua Os efeitos são estudados pelos estudos
vez, fragiliza os argumentos que sustentam a epidemiológicos que nos últimos vinte anos
prescrição de uma postura ideal supostamente buscaram identificar os fatores de riscos para
fixa no tempo e no espaço. Ora, mórbido o adoecimento músculo-esquelético em po-
seria o corpo congelado. Então, como pres- pulações de trabalhadores. Alguns resulta-
crever a postura correta? dos são elucidativos.
Em estudo de laboratório, Hagberg (1981)
Qual é a melhor postura? provocou tendinite aguda em mulheres que
realizavam elevações repetidas dos ombros
Postura é o arranjo relativo das partes do durante uma hora de observação. Outros
corpo. A postura é o principal elemento da autores sugerem que as associações entre
atividade do ser humano, ou seja, não se tra- tendinite e trabalho com os braços elevados
ta apenas de manter-se em pé ou sentado, podem ser relacionadas com a repetitividade
mas de “agir” dando um suporte à tomada das extremidades dos membros superiores
de informações e à ação motora no meio de enquanto os ombros e os braços permane-
trabalho. Vista dessa forma, a postura é um cem sob força muscular estática a fim de
meio para localizar as informações exterio- garantir a estabilidade dos membros supe-
res e preparar os segmentos corporais e os riores suspensos e sem apoio (Winkel &
músculos a fim de agir no ambiente. Trata- Westgaard, 1992).
se, assim, de organizar o espaço em referên- Entre trabalhadores de uma linha de mon-
cia ao seu corpo para localizar-se, deslocar- tagem expostos a elevações repetitivas dos
se e agir numa perspectiva dinâmica. braços e obrigados a sustentá-los durante
A postura é um meio de expressão e comu- longos períodos da jornada de trabalho, foi
nicação, é um sinal da condição sociocultural comum a descoberta de dor à palpação do
do indivíduo e, assim, meio de expressão da músculo trapézio entre aqueles que se quei-
condição no grupo. Se não, como explicar xavam de dores nos ombros. Em outro estu-
os braços cerrados e presos para trás dos do transversal, as mulheres que executavam
trabalhadores humildes que, por vezes, abai- flexões repetitivas dos ombros apresentaram
xam as suas cabeças para ouvir a sua hie- dor e sensibilidade temporária à palpação
rarquia? Por fim, e não menos importante, do ombro. Nesse estudo, a exposição con-
uma das funções da postura é proteger as sistia em flexões repetitivas dos ombros num
estruturas de suporte do corpo contra lesão ângulo que variava de 0 a 90 graus e a

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 45

capitulo a cadeirologia.p65 45 24/08/05, 13:45


uma cadência de 15 flexões por minuto (Bjelle, Realizaram-se entrevistas abertas, registros
1981). das verbalizações espontâneas dos trabalhado-
Os resultados de uma pesquisa evidenciam res durante as observações, levantamento das
que os estudantes avaliados contraíram uma opiniões dos usuários, estudo do volume da
tendinite temporária quando submetidos a produção, observações abertas e observa-
flexões repetidas dos ombros. Pode-se lem- ções sistemáticas com a ajuda de cronôme-
brar também da exposição dos fatores de tro e câmera de vídeo. Durante as observa-
hipersolicitação das estruturas músculo-es- ções diretas, foram realizadas entrevistas
queléticas em casos de atividades esportivas. simultâneas, tendo como objetivo esclarecer
Os nadadores de competição que executam pontos específicos.
movimentos repetitivos dos braços acima da As observações do trabalho tiveram o ob-
cabeça apresentam a síndrome dolorosa do jetivo de analisar as diferentes zonas de tra-
ombro. Dez por cento dos lançadores já apre- balho das recepcionistas, tais como: leitora
sentaram um episódio de tendinite. Numa pes- ótica, teclado, impressora de cheques e de
quisa que entrevistou 2496 nadadores, 15% tickets de cartão de crédito, caixa anti-rou-
declarou apresentar uma incapacidade im- bo, gaveta para o numerário, retira-metais,
portante do ombro como conseqüência de armazenamento de sacos para embalagem
uma síndrome dolorosa. etc. Estudou-se a utilização do espaço de tra-
Enfim, a postura é responsável pela manu- balho disponível. Procedeu-se a uma análise
tenção dos segmentos corporais no espaço, dos gestos efetuados e das posturas adotadas,
fundamental para se lutar contra a gravida- contextualizando-os. Avaliaram-se as habili-
de e depende das características biome- dades mobilizadas durante o relacionamen-
cânicas do corpo humano, das informações to com o público e, finalmente, as estratégias
internas e extereoceptivas (musculares, arti- para cumprimento dos objetivos globais do
culares, labirínticas, visuais, auditivas), das trabalho.
estruturas nervosas de integração e de co- Foram escolhidos dias diferentes para as
mando dos músculos antigravidade e das ati- filmagens, respeitando-se, ao máximo possí-
vidades desses músculos. vel, as variações de fluxo de clientes no
A análise da postura adotada no trabalho hipermercado. Dessa forma, foram filmadas
implica identificar os seus determinantes, várias situações. Importante é lembrar a re-
como afirma Lima (2000): “a postura assu- cusa, aceita de pronto pelos pesquisadores,
mida por um trabalhador nunca é somente o de algumas recepcionistas em serem filma-
resultado de idiossincrasias pessoais, mas é das sob a alegação de um certo nervosismo
determinada pela inter-relação complexa dos em tais situações.
múltiplos fatores constituintes da situação de Neste artigo, serão apresentados os resul-
trabalho”. Para tal, recomenda-se avaliar o tados de 45 minutos de observação regis-
espaço onde o corpo está agindo, os equipa- trados pela filmadora, entre 19h e 19h45,
mentos, os instrumentos e os objetos manipu- num dia considerado de grande movimento
lados, a variabilidade do estado do trabalha- (sexta-feira), e os resultados das observações
dor: ele está cansado, mais velho, é novato, realizadas durante o atendimento de dois
ela está grávida? Esses aspectos não são abor- clientes por uma segunda recepcionista, num
dados pela cadeirologia. horário de menor movimento (12h30 a
13h30 de um sábado).
Métodos e procedimentos As entrevistas foram realizadas nos mo-
mentos de ausência de clientes, principalmente
no início da manhã. No entanto, durante as
A partir da demanda inicial que colocou o
observações diretas, foram realizadas entre-
problema da melhor postura de trabalho —
vistas simultâneas para esclarecimento de
em pé ou sentado —, os resultados das aná-
pontos específicos levantados durante as ob-
lises realizadas serviram de base para escla-
servações.
recer e propor as medidas de melhoria dos
Foram criadas as seguintes variáveis para
postos de caixa em um hipermercado. Alguns
a observação direta: escanear, escanear e
aspectos foram aprofundados com o objetivo
multiplicar, digitar o código da etiqueta, acio-
de melhor compreender o contexto em que se
nar e limpar a esteira, preparar o saco plás-
insere o trabalho, ou seja, a tecnologia e a
tico e entregá-lo ao cliente, ensacar. As va-
organização.

46 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 46 24/08/05, 13:45


riáveis correspondem às operações da fase muito intensa leva o trabalhador a adotar uma
de tratamento do artigo. Na outra fase do postura mais adaptada ao esforço que é
trabalho da recepcionista no atendimento a prioritário na ação e, assim, o conforto
cada cliente, fase comercial, as variáveis postural previsto pode ser alterado para se
observadas foram: verificar documentos do atingir os objetivos da ação. As torções e as
cliente, imprimir cheque e recibo, entregar flexões do corpo são influenciadas pela in-
os documentos ao cliente. compatibilidade entre as dimensões dos ele-
O programa Kronos ajudou no tratamento mentos do trabalho e as dimensões do traba-
dos dados. Assim, as operações foram deco- lhador.
dificadas em um protocolo de observação que Observou-se, por exemplo, uma recepcio-
objetivou também identificar os períodos de nista registrar as mercadorias na posição
posturas em pé e sentada em relação com as sentada, mas apoiando os quadris sobre os
operações realizadas. O programa Kronos, bordos da cadeira, sem poder apoiar o dor-
que foi alimentado com dados extraídos da so, já que teria de alcançar o teclado.
crônica da atividade após a escolha das va- No entanto, em algumas situações em que
riáveis citadas de acordo com as hipóteses o ciclo fundamental se modifica, a postura o
elaboradas durante as observações abertas, acompanha. São momentos caracterizados
possibilitou reconstituir a organização tem- pelo tipo de mercadoria a ser registrado ou
poral da atividade e apresentá-la em forma então pelo momento da evolução da esteira.
de gráficos. Esse tratamento de dados permi- Desta forma, na maioria das situações, a
te, igualmente, colocar em evidência a se- postura é o resultado das exigências visuais
qüência das operações, bem como a sua e cognitivas, bem como do mobiliário. Por
variabilidade. exemplo: se o plano de trabalho é mais largo
Por meio da análise das filmagens, foi rea- do que o comprimento do tronco, como é o
lizado um estudo detalhado dos gestos e caso da esteira por onde os produtos são
movimentos adotados pelos trabalhadores, registrados, e se o trabalhador procura, de
relacionando-os com as operações anterior- acordo com os objetivos preestabelecidos,
mente avaliadas. vigiar o carrinho de compras do cliente, ele
se colocará nas pontas dos pés, curvando o
Resultados: o caso da tronco sobre a esteira para garantir a
visualização do conteúdo do carrinho.
caixa de hipermercado
As mercadorias registradas têm forma e
peso diferentes. Manipulá-las implica solici-
A análise das operações e dos movimentos
tar diferentes grupos musculares. Observou-
que as acompanham colocam em evidência
se, por exemplo, que a recepcionista sempre
o caráter repetitivo da tarefa, pois a traba-
se levanta, se estiver sentada, quando ela vai
lhadora executa a mesma operação, adotan-
registrar uma mercadoria pesada. De ma-
do a mesma postura. Porém, ela varia 25%
neira geral, os artigos registrados serão de-
no caso da recepcionista 1 e 3% para a re-
positados na segunda esteira, aguardando o
cepcionista 2, de acordo com a quantidade
ensacamento. Observam-se estratégias para
de produtos semelhantes a serem digitados,
ensacar em seguida ao registro, nos casos
com o volume e o peso, e com o desenrolar
de artigos pesados — caixa de cervejas em
da jornada de trabalho.
lata, pacote de cinco quilos de arroz —, já
A amplitude dos movimentos da recepcio-
que o produto é erguido para ser passado
nista varia de acordo com o tamanho, o peso
sobre a leitora, aproveitando-se para ganhar
e a posição do produto sobre a esteira: pega
o artigo com a mão esquerda, transfere o tempo ensacando-o imediatamente.
artigo de mão, passa o artigo com a mão Alguns artigos como roupas, revistas, CDs,
direita na leitora, com a mão esquerda vai ovos, por exemplo, também são ensacados
pegar outro artigo, enquanto a mão direita imediatamente após o registro. Na maioria
deposita o artigo registrado na esteira dois. das vezes, a recepcionista preocupa-se em
De acordo com o sentido ou a direção do fazer uma triagem dos produtos a serem
esforço — empurrar ou puxar a mercado- ensacados. Outra estratégia é ajuntar arti-
ria, por exemplo — e com a sua freqüência, gos gelados ou congelados para acelerar e
a exigência física varia muito. Uma carga garantir as boas condições de transporte.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 47

capitulo a cadeirologia.p65 47 24/08/05, 13:45


A recepcionista controla o número de sa- lido, não é suficiente para a certeza de que o
cos de embalagem fornecidos, retirando e produto foi registrado. É imperativo contro-
fornecendo paulatinamente ao cliente. A dis- lar se aparece, a quantidade de vezes em
tribuição dos sacos plásticos é custosa do que aparece e se não há erro entre o valor
ponto de vista postural, obrigando a flexão impresso e o valor real. Pode-se afirmar que
anterior do tronco. Nem sempre os sacos são o trabalho de caixa de hipermercado não é
facilmente manipuláveis: acontece de não um trabalho manual. Ao contrário, existe uma
estarem perfeitamente perfurados ou de es- forte solicitação das funções mentais.
tarem colocados um no outro. O teclado é situado acima do scanner, lo-
O ensacamento do produto multiplica o calização que implica a adoção de uma pos-
número de fontes de informações a serem tura de flexão do tronco para frente para
consideradas pela recepcionista. Assim, ela permitir o seu alcance. Nem sempre a dis-
deverá olhar o carrinho que está sendo es- tância de 53 cm fica na zona de alcance da
vaziado e os pacotes que estão sendo depo- recepcionista, dificultando ou mesmo impos-
sitados sobre a esteira e, ainda, a evacuação sibilitando a adoção da postura sentada, de-
dos produtos registrados para evitar aglome- pendendo das dimensões dos segmentos cor-
ração. porais superiores da recepcionista. As Figu-
Nota-se que é freqüente a manipulação do ras 1 e 2 mostram que a recepcionista as-
teclado, pois nem sempre existem as etique- senta-se na fase de relação comercial (verifi-
tas, ou pode acontecer de estarem ilegíveis. ca documento, imprime recibo, entrega do-
A localização do teclado obriga o trabalho cumento), quando não está escaneando, pois
do membro superior direito em extensão sem nesse momento não precisa ver o visor nem
apoio possível do cotovelo. tocar o teclado ou solicitar a musculatura do
As recepcionistas adotam a estratégia de dorso para ajudar no levantamento do peso.
ler atentamente o valor que aparece na tela Contudo, ocorre de a recepcionista não se
do scanner. Elas dizem, a este propósito, que assentar nem na fase comercial, como ilus-
o erro tem que ser controlado e que o sinal tra a Figura 3. Que outros fatores estariam
sonoro, emitido a cada vez que o artigo é determinando a postura em pé ou sentada?

Figura 1 Seqüência das operações realizadas e a postura adotada (sentada ou em pé)


pela recepcionista 1, observada durante 45 minutos.

Período considerado de muito movimento.

sentado

48 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 48 24/08/05, 13:45


Figura 2 Seqüência das operações realizadas e a postura adotada (sentada ou em pé)
pela recepcionista 2 no atendimento ao cliente 1.

Período considerado de pouco movimento.

Figura 3 Seqüência das operações realizadas e postura adotada (sentada ou em pé)


pela recepcionista 2 no atendimento ao cliente 2.

Período considerado de pouco movimento.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 49

capitulo a cadeirologia.p65 49 24/08/05, 13:45


A recepcionista é obrigada a contar as uni- dos materiais e do espaço de trabalho. Al-
dades para, em seguida, registrar (digitando guns desses fatores interagem entre si, deter-
ou escaneando, se o produto permitir) e, na minando imprevistos que serão regulados
seqüência, digitar a cifra correspondente ao pelos funcionários. Os esforços físicos a se-
número de produtos desejados pelo cliente. rem exercidos compreendem tanto os esfor-
O modo operatório depende da qualidade ços que contribuem para a transformação
da etiqueta, já que alguns produtos acondi- do produto — ação sobre os instrumentos,
cionados em caixa de papelão não são lidos sobre os artigos, sobre os elementos a serem
imediatamente, talvez pela qualidade do pa- sustentados pelo corpo — quanto os esfor-
pel. O mesmo acontece com revistas ou ca- ços decorrentes das posturas adotadas.
dernos. Nesses casos, a recepcionista gira o Há conflitos: cliente que duvida da soma,
produto várias vezes, tentando fazer a boa cliente que reclama do produto que passou e
apresentação da etiqueta para a leitora. Os que ele diz não ter colocado no carrinho,
produtos frios apresentam, muitas vezes, cliente que não aceita o engano cometido
umidificação das etiquetas, o que impossibi- pelos outros setores ao etiquetar ou pesar o
lita a leitura ótica, obrigando a recepcionista produto, cliente que não aceita a negativa
a digitar o código. do cartão do crédito... Essas são situações
A dimensão da esteira pode induzir as ati- que geram um clima tenso e as recepcionis-
tudes do cliente, levando este a entregar o tas, na medida do possível, tentam admi-
produto diretamente à recepcionista ou en- nistrá-lo ou então chamam o coordenador
tão a empilhar vários produtos na tentativa de caixa.
de esvaziar o seu carrinho com a esperança de Pode ocorrer de o coordenador levar a
terminar logo. Isso pode trazer perturbações, mercadoria até as prateleiras para verificar
como o fato de o produto cair ou então de a o verdadeiro preço, pois acontece de as etique-
recepcionista ser obrigada a ser mais atenta tas terem um valor diferente do apontado pela
para evitar que um produto seja dissimulado leitora ótica e visualizado no monitor pelo clien-
entre os outros. te.
A terceira esteira, situada no plano inferior A operadora movimenta constantemente a
às outras duas, nem sempre é utilizada. Ocor- cabeça, dirigindo o olhar para diversos pon-
re freqüentemente uma aglomeração de pro- tos, tentando selecionar as informações im-
dutos, levando a recepcionista a interromper portantes que vão orientar a sua ação. As-
o registro para ajudar ou esperar o cliente a sim, para ela, é importante avaliar a situa-
esvaziar a segunda esteira. Essas atitudes são ção do carrinho, verificar se ainda há espa-
acompanhadas de uma extrema atenção ço na esteira, estar atenta às semelhanças e
para seguir o fluxo do cliente que deposita e às diferenças entre os produtos aparentemen-
do acompanhante que ensaca. No caso de o te idênticos, observar em detalhes as proprie-
cliente não estar acompanhado, a recepcio- dades das mercadorias e o comportamento
nista observa o estado da segunda esteira e do cliente.
pode ser levada a interromper o registro para Desse modo, percebe-se que o trabalho das
proceder ao ensacamento. recepcionistas, apesar da existência de pe-
quenos ciclos que se repetem, no caso do re-
Em momentos de menor fluxo de clientes,
gistro de artigos pelas características descri-
as recepcionistas, quase de maneira sistemá-
tas, requer uma intensa atividade mental (As-
tica, embalam os produtos, cumprindo, as-
sunção & Souza, 1999; Assunção, 2002).
sim, a meta de bem servir o cliente. Entretan-
to, em períodos mais acelerados, esta con-
duta é limitada. Discussão
As recepcionistas possuem estratégias de
ajuntar produtos semelhantes, sendo que Os conhecimentos sobre a postura senta-
nestes casos passa apenas o primeiro sobre do-em pé são extraídos da fisiologia e da
a leitora, registra o número de vezes para, a biomecânica. Estar de pé significa que todo
seguir, comandar a operação de multiplicar. o peso do corpo é suportado pelo pé e que
A atividade real do trabalho das recepcio- as pessoas vão trabalhar contra a lei da gra-
nistas sofre influências da política comercial, vidade. Vários músculos do dorso e das per-
das características dos clientes, do ambiente, nas são solicitados para manter a postura

50 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 50 24/08/05, 13:45


em pé. O sistema cardiovascular trabalha No caso das recepcionistas do checkout,
igualmente contra a gravidade para fazer o deve-se sublinhar que a solicitação muscular
sangue retornar dos membros inferiores em é importante, pois, em se tratando de um tra-
direção ao coração e, assim, favorecer a troca balho manual, rápido e de precisão, como
de nutrientes entre os tecidos. Se houver, mostram os resultados apresentados, há di-
como no caso das recepcionistas do caixa de minuição dos pontos de apoio necessários
hipermercado, uma postura estática, esta para manter a estabilidade do corpo. A
provocará uma diminuição das trocas nutri- cadeirologia negaria os fatores mencionados
cionais dos discos intervertebrais responsá- ao concentrar-se exclusivamente na procura
vel pelos distúrbios osteomusculares que mo- de uma cadeira perfeita e na prescrição de
tivaram a demanda do estudo.
uma postura ideal.

Em pé, sentado ou sen- Em pé


tado-em pé?
A partir da posição ereta, o movimento
Os resultados de uma revisão da literatura voluntário da coluna em qualquer direção é
realizada por Messing (1998) e citada por iniciado pela contração concêntrica dos mús-
Vézina & Lajoie (1996) mostram que vários culos responsáveis por essa ação.
estudos epidemiológicos sugerem que os anos Existe uma contração muscular isométrica
de trabalho passados em postura em pé imó- quando o músculo não muda de comprimento
vel poderiam causar problemas de circula- durante a contração muscular: por exemplo,
ção e problemas no aparelho músculo- quando ele se mantém em uma postura ou quan-
esquelético. Ryan (1989) realizou um estudo
do a carga a ser deslocada é mais elevada
numa população de 513 trabalhadores de
que a força de tensão que o indivíduo desen-
sete supermercados. Os resultados mostra-
volve. Uma contração é isotônica quando a
ram que os caixas permanecem 89,8% do
tensão que ela provoca é constante e o mús-
tempo em pé, enquanto que os trabalhado-
res do depósito permaneciam 44,9% nesta culo encurta. O organismo humano acomo-
mesma posição, e que há uma relação entre da-se mal à contração muscular isométrica
o tempo passado em pé e o número de pro- prolongada, resultando em fadiga muscular.
blemas nas pernas e nas costas. Se as situações de trabalho exigem uma rigi-
Diniz & Ferreira Jr. (1993-1994) mostra- dez máxima, os problemas acentuam-se.
ram elevada prevalência de sintomas múscu- Além da solicitação muscular, a postura
lo-esqueléticos em 79 operadores de checkout ortostática solicita a ação dos discos interver-
em mercados de São Paulo que responde- tebrais. As pressões no disco intervertebral
ram a questionários anônimos: 77% deles são mais elevadas nessa posição do que na
referiram-se à dor em pelo menos uma re- posição deitada, mas usualmente menores do
gião corporal durante a última semana de que na sentada. Quando em pé, as pessoas
trabalho. devem realizar esforços para compensar a
De acordo com Vézina & Lajoie (1998), força da gravidade. Isso é possível pela pres-
as conseqüências do trabalho estático em pé são dos discos intervertebrais, que mantêm
são as seguintes: aparecimento de varizes os corpos separados, retesando os ligamen-
devido à pressão hidrostática nas veias das tos longos e evitando o achatamento da co-
pernas, desenvolvimento de edema nos mem- luna. No entanto, como apresentado anteri-
bros inferiores devido à diminuição da circu- ormente, pressões contínuas sobre o disco
lação linfática, sintomas de dor nos membros podem provocar degeneração do mesmo.
inferiores e na região lombar, sendo que o A posição em pé com o peso do corpo sen-
quadro doloroso nesta região é relacionado
do suportado principalmente por uma das
com o maior risco de ferimentos durante a
pernas, estando a outra relaxada, aumenta
manutenção de cargas.
a atividade eletromiográfica ao nível da quinta
Uma fadiga generalizada é possivelmente
relacionada à carga cardiovascular e tam- vértebra lombar no lado da perna que su-
bém ao trabalho muscular mais importante porta o peso (Dolan et al. 1988).
na postura em pé do que no caso da postura A posição em pé ideal não é usualmente
sentada. mantida por longos períodos, pois as pessoas

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 51

capitulo a cadeirologia.p65 51 24/08/05, 13:45


recorrem ao uso assimétrico das extremida- sobre a parte posterior das coxas. A pressão
des inferiores, usando alternadamente a per- intradiscal é aumentada se comparada com
na direita e a esquerda como o principal a postura em pé, mas se o trabalhador pu-
apoio. Quando o peso do corpo apóia-se em der variar a postura serão garantidas as tro-
um só membro inferior, a pelve eleva-se do cas nutricionais necessárias aos discos.
lado oposto e uma concavidade lateral lom- De qualquer maneira, em relação à posi-
bar surge nesse mesmo lado. A fim de com- ção de pé, o trabalho cardiovascular é me-
pensar a referida inclinação lombar, a re- nos importante na situação de trabalho sen-
gião toráxica forma uma concavidade do lado tado. Nesta situação, a freqüência cardíaca
oposto e a cervical, por sua vez, fica cônca- e a pressão sangüínea são menos elevadas,
va no mesmo lado do apoio. o equilíbrio e a estabilidade são mais fáceis e
É importante lembrar que o indivíduo, para a solicitação músculo-esquelética é menos
se manter de pé, tem de se movimentar sobre importante.
a sua base de sustentação. As curvaturas não A posição sentada confortável para a maio-
estão corretamente alinhadas devido à pos- ria das pessoas é aquela que mantém as ar-
tura adotada — no caixa do hipermercado, ticulações intervertebrais em algum ponto da
por exemplo, a flexão anterior da coluna para amplitude média, permitindo liberdade de
melhor visualizar as informações registradas movimento e tendo os músculos anteriores e
pela leitora ótica. Nesse caso, uma atividade posteriores balanceados. Nesta posição, a
bem maior sobre as áreas musculares é en- tensão entre as superfícies das articulações
tão requerida para manter a postura ereta. apofisárias é menor do que na posição em
Nota-se, assim, uma contradição entre os pé e fica concentrada nas porções mediana
objetivos do conforto postural e as exigências e superior das articulações (Dunlop et al.
das tarefas. 1984). Contudo, da mesma forma que para
Na posição em pé, a cintura pélvica é in- a posição de pé, mesmo uma posição senta-
clinada para a frente devido à tensão nos da confortável não pode ser mantida por
músculos anteriores da coxa. Essa inclinação, períodos prolongados por razões explicitadas
juntamente com a compressão exercida pelo mais adiante, sendo importante, assim, que
peso do corpo sobre a coluna lombar, acen- o design do assento possibilite as mudanças
tua a lordose nesse nível, que pode ser ainda na postura.
mais acentuada por fatores como gravidez, Desvios da amplitude média por períodos
obesidade e uso de sapatos de salto alto. prolongados conduzem à sobrecarga nas
articulações e nas estruturas ligamentares.
Numa coluna normal, a posição sentada com
Sentado uma postura encurvada pode levar ao
hiperestiramento dos ligamentos interver-
É verdade que a postura sentada pode tra- tebrais e das fibras anulares posteriores, au-
zer vários prejuízos para a saúde se o posto mentando consideravelmente a pressão
de trabalho não for bem concebido. A pos- intradiscal, provocando, mais tarde, degene-
tura sentada e imóvel, de acordo com a qua- ração dos componentes do disco.
lidade do apoio, pode provocar fadiga mus- Como dito anteriormente, a pressão intra-
cular lombar e compressão da massa mus- discal é geralmente mais elevada na posição
cular das coxas, que gera dores nos mem- sentada sem apoio do que na posição em pé,
bros inferiores. O organismo adapta-se mal o que ocorre, em grande parte, devido ao
às perturbações provocadas pela posição músculo psoas maior, que possui uma ação
sentada. vigorosa como estabilizador da coluna lom-
Da mesma forma que na postura em pé, bar nessa posição ao mesmo tempo em que
há diferentes maneiras de estar sentado. De exerce um considerável efeito compressivo
acordo com os estudos disponíveis, os efeitos sobre a coluna. As alterações na lordose lom-
não desejados podem ser evitados se o ar- bar são acompanhadas de aumento ou dimi-
ranjo físico considera as necessidades reais nuição na pressão intradiscal, a depender da
para a operação realizada durante a posi- inclinação do assento ou do encosto e da al-
ção sentada (Abrahão & Assunção, 2002). tura do suporte lombar, da cadeira e da mesa.
O ajuste da altura da cadeira pode influen- Em uma cadeira bem projetada, a pressão
ciar o retorno venoso se houver compressão intradiscal pode ser inferior àquela observa-

52 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 52 24/08/05, 13:45


da na posição em pé (Oliver & Middleditch, tarefas. O corpo, conhecendo as respostas
1998). No entanto, as vantagens de um bom musculares a diferentes posições nas quais
projeto de cadeira não autorizam uma análi- uma carga pode ser transportada, elabora,
se que desconsidere todos os outros determi- em nível subconsciente, estratégias para re-
nantes da postura. O ser humano, em situa- pousar (e depois solicitar) grupos muscula-
ção de trabalho, coloca todo o seu corpo e a res quando eles começam a sofrer fadiga.
sua inteligência no projeto de sua ação para Por isso é impossível manter uma mesma pos-
alcançar os objetivos pretendidos. A cadei- tura prolongadamente, mesmo que seja aque-
rologia nega a inteligência da postura. la considerada correta pela cadeirologia.
A postura sentada nem sempre é nociva. A manutenção de uma atitude determina-
Os estudos cinematográficos mostram que se da durante um período prolongado pode
não há pressão temporal e se as exigências provocar diferentes tipos de problemas. O
gestuais, posturais e visuais não são fortes, a que permite a adoção de uma postura espe-
imobilidade total desaparece, pois é possível cífica é a atividade muscular dinâmica defi-
ao indivíduo melhorar a circulação sangüí- nindo os movimentos que permitem passar
nea, solicitar diferentes músculos e outros de uma postura a outra. Uma posição este-
órgãos de maneira alternativa. reotipada é também a manifestação de uma
Os resultados da análise ergonômica colo- má adaptação do trabalho ao indivíduo: or-
cam em evidência que a postura adotada pelo ganização da tarefa, dimensionamento do
trabalhador é multideterminada e não fruto posto de trabalho, iluminação, cadência.
de uma casualidade ou de idiossincrasias Uma postura pode ser, ao mesmo tempo,
pessoais, nos termos utilizados por Lima um problema particular e um sintoma de uma
(2000). Ou seja, ela é a maneira inteligente desordem mais profunda da organização do
de a recepcionista organizar os seus segmen- trabalho. Ou seja, a postura adotada não é
tos corporais para controlar a mercadoria, produto do inteiro arbítrio do indivíduo, ela
evitar o erro, ser cortês com o cliente e acele- é determinada pelas características do con-
rar o atendimento. texto de trabalho, aí incluídas as dimensões
Diferentes posições implicam diferentes res- do mobiliário e dos equipamentos, pressão
postas musculares que são desejadas pelo temporal, estado de saúde do trabalhador.
trabalhador ao executar a sua tarefa. A dis- A organização da postura participa na rea-
tribuição das tensões na coluna depende da lização da tarefa e permite facilitar a sua
posição da carga transportada. Por exem- execução e ganhar tempo. As tarefas solici-
plo, se uma carga é transportada no alto do tam a mobilização das capacidades múscu-
dorso (trabalhadores que transportam saco lo-esqueléticas, sensoriais, cognitivas e afe-
de cimento sobre os ombros), o tronco com- tivas. As diversas dimensões do corpo huma-
pensa inclinando-se para a frente, de modo no são envolvidas durante a atividade de tra-
que o músculo eretor da coluna seja mais balho. Os resultados da análise ergonômica
solicitado do que seria no caso da posição do trabalho permitem compreender aquilo
em pé sem transporte de carga. Se a carga é que uma análise superficial nomeia de pos-
transportada abaixo do nível dos ombros, tura incorreta, que seria produto da escolha
será o músculo psoas maior que vai sofrer individual e, assim, passível de mudança por
maior contração, indicando que a carga está meio de treinamento. Ou seja, a abordagem das
causando uma extensão da coluna vertebral posturas adotadas no trabalho pode se be-
(Oliver & Middleditch, 1998). neficiar da análise ergonômica da atividade.
Quando o centro de gravidade é desloca-
do para os lados, como é o caso quando se
mantém um peso em uma das mãos, o eretor Agradecimentos
da coluna contralateral contrai-se para evi-
tar inclinação lateral indesejada. A autora agradece a leitura atenta e os
Essa dinâmica corporal é reproduzida pe- comentários valiosos feitos por Dr. Carlos
las recepcionistas durante a realização de suas Alberto Diniz.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 53

capitulo a cadeirologia.p65 53 24/08/05, 13:45


Referências Bibliográficas

ABRAHÃO, J. I.; ASSUNÇÃO, A. A. A con- BONGERS, P. M.; KREMER, A. M.; & ter
cepção de postos de trabalho infor- LAAK, J. Are psychosocial factors, risk
matizados visando à prevenção de proble- factors for symptoms and signs of the
mas posturais. Ver. Saúde Col. UEFS, shoulder, elbow, or hand/wrist?: A review
1(1):38-45, 2002. of the epidemiological literature. American
ABRAHÃO, J. I. Reestruturação produtiva e Journal of Industrial Medicine
variabilidade do trabalho. Psico. Teo. 41:315-342, 2002.
Pesq. 16(1):49-54, 2000.
CLAUDON, L.; & CNOCKAERT, J. C.
ASSUNÇÃO, A. A. De la déficience à la Biomécanique des tissus mous. Modèles
gestion collective du travail: les troubles biomécaniques d’analyse des contraintes
musculo-squelettiques dans la restauration au poste de travail dans le contexte des
collective.1998 Thèse de Doctorat troubles musculosquelettiques. Doc. Méd.
d’Ergonomie. Paris: École Pratique des du Trav. 58:140-148,1994.
Hautes Études.
DINIZ, C. A.; & FERREIRA Jr., M. Prevalência
___________. Doenças osteoarticulares de de sintomas músculo-esqueléticos em ope-
origem profissional. In: PEDROSO, E. R. P radores de checkout em mercados. Rev.
& ROCHA, M. O. C. (orgs.) Clínica Mé- Bras. de Saúde Ocup. 25: 75-91,
dica. 2 ed. São Paulo.; Atheneu [no pre- 1993/1994.
lo].
DOLAN, P.; ADAMS, M. A.; & HUTTON,
___________. Gesto repetitivo, trabalho va-
W. C. Commonly adopted postures and
riável. In: SALIM, C. A.; & CARVALHO, L.
F. (orgs.). Saúde e Segurança no their effect on the lumbar spine. Spine,
Trabalho: contextos e vertentes. Belo Ho- 13(2):197, 1988.
rizonte: PRODAT/FUNDACENTRO, pp.
DUNLOP, R. B.; ADAMS, M. A.; & HUTTON,
77-92, 2002.
W. C. Disc space narrowing and the
___________. O saber prático construído lumbar facet joints. J. Bone J. Surg.
pela experiência compensa as deficiências (Br.), 66-B, 706, 1984.
provocadas pelas condições inadequadas
de trabalho. Trabalho e Educação, European Agency for Safety and Health at
12(1):35-49, 2003. Work. Repetitive strain injuries in the
Member States of the European Union: the
___________. O trabalho no caixa de um resultats of information request. Luxembourg:
hipermercado: estudo ergonômico. Rela- Office for Official Publications of the
tório de pesquisa. UFMG, Laboratório de European Communities, 2000.
Ergonomia, 129 p., 1999.
HAGBERG, M. Work load and fatigue in
ASSUNÇÃO, A. A.; & LIMA, F. P. A. Condi- repetitive arm elevations. Ergonomics,
ções ergonômicas em uma fábrica de jóias.
24:543-555, 1981.
Relatório de pesquisa. UFMG, Laboratório
de Ergonomia, 2000. KENDALL, F. P.; MCCREARY, E. K.; &
BIENFAIT, M. Os desequilíbrios estáti- Provance, P. G. Músculos: provas e
cos. São Paulo: Summus editorial, 1993, funções. São Paulo: Manole, 1995, 453 p.
149 p.
LAVILLE, A. Cadence de travail et posture.
BJELLE, A.; HAGBERG, M.; MICHAELSON, Le Travail Humain, 31(1-2):73-94,
G. Occupational and individual factors in 1968.
acute shoulder-neck disorders among in-
dustrial worker. Br. J. Ind. Med. 38:356- ___________. Ergonomia. São Paulo: Pe-
363,1981. dagógica e Universitária, USP, 1977.

54 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 54 24/08/05, 13:45


LEONARD S. A. The role of exercise and Montréal: Formations CSST-IRSST, UQAM,
posture in preventing low back injury. 1998.
AAOHN Journal, 38(7):318-322,
VÉZINA, N.; & LAJOIE, N. Le siège assis-
1990.
debout: une solution de rechange à la
LIMA, F. P. A. A ergonomia como instrumen- posture debout statique. Obje. Prev.
to de segurança e melhoria das condições 19(4):38-41, 1996.
de trabalho. Anais do I Seminário de WINKEL, J.; & WESTGAARD, R. Occupational
Segurança do Trabalho e Ergonomia and individual risk factors for shoulder-
Florestal - ERGOFLOR. Belo Horizonte, neck complaints. Part II. The scientific basis
junho de 2000. (literature review) for the guide. Int. J.
Ind. Ergonomics, 10:85-104, 1992
OLIVER, J.; & MIDDLEDITCH, A. Anatomia
funcional da coluna vertebral. Rio WISNER, A. Componentes cognitivos e psí-
de Janeiro: Revinter, 1998, 325 p. quicos da carga de trabalho. In: _____
Por dentro do trabalho: ergonomia,
RYAN, G. A. The prevalence of musculoskeletal método e técnicas. São Paulo: FTD/Oboré,
symptoms in supermarket workers. 1987.
Ergonomics, 32(4):359-371, 1989.
WISNER A.; & MARCELIN J. A quel homme
VÉZINA, N.; LABERGE, M.; & LAJOIE, A. le travail doit-il être adapté. Rapport n. 22.
Debout, assis ou assis-debout? CNAM, Paris, 13 p. 1971.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004 55

capitulo a cadeirologia.p65 55 24/08/05, 13:45

Anda mungkin juga menyukai