Anda di halaman 1dari 68

SAMIZDAT

www.revistasamizdat.com

27
abril
2010
ano III

ficina

G. K. Chesterton analisa a relação entre

Cães e Homens
SAMIZDAT 27
abril de 2010

Edição, Capa e Diagramação: Editorial


Henry Alfred Bugalho
A formação do cânone literário não é uma ciência exata.
Revisão Geral Motivada por fatores políticos, culturais, acadêmicos e, por
Maria de Fátima Romani fim, às vezes estéticos,
A decisão coletiva entre qual escritor será lembrado, e
Autores qual será esquecido é injusta, relega às sombras narradores
Ana Cristina Rodrigues de povos dominados e exalta de dominadores, por vezes, aco-
Caio Rudá lhe o reacionário e reprime o revolucionário e, sem justifica-
Cirilo S. Lemos
tiva alguma, também realiza o caminho inverso.
Giselle Natsu Sato
Não há como prevermos quem, de nossa época, será lido
pelos pósteros; nada garante que nossos grandes autores de
Henry Alfred Bugalho
hoje não acabarão abandonados em prateleiras empoeiradas
Joaquim Bispo de sebos. Não há garantias, não há certezas.
José Guilherme Vereza Os dois autores canônicos trazidos pela SAMIZDAT nesta
Jú Blasina edição, Emílio de Meneses e G. K. Chesterton, trazem em
Leandro da Silva comum a ironia de terem sido celebridades literárias em suas
Léo Borges épocas, mas que gozam de pouco prestígio atualmente.
Marcia Szajnbok Um dos fãs mais importantes de Chesterton foi Jorge Luis
Maria de Fátima Santos Borges, mas nem as várias referências a ele feitas pelo maes-
Mariana Valle tro foram suficientes para retirar Chesterton das penumbras
Maristela Deves
da História.
Polyana de Almeida
Memória e esquecimento: estes são os motores da cânone
literário.
Wellington Souza

Henry Alfred Bugalho


Textos de:
Emílio de Meneses
G. K. Chesterton

Imagem da capa:
http://www.flickr.com/photos/
randysonofrobert/2144529026/sizes/l/
Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada
a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
www.revistasamizdat.com
Todas as imagens publicadas são de domínio público, royalty
free ou sob licença Creative Commons.
Os textos publicados são de domínio público, com consenso
ou autorização prévia dos autores, sob licença Creative Com-
mons, ou se enquadram na doutrina de “fair use” da Lei de
Copyright dos EUA (§107-112).
As idéias expressas são de inteira ­responsabilidade de seus
autores. A aceitação da revisão proposta depende da vontade
expressa dos colaboradores da revista.
Sumário
Por que Samizdat? 6
Henry Alfred Bugalho

AUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESA


Emílio de Meneses, o sátiro 8

MICROCONTOS
Caio Rudá de Oliveira 11

CONTOS
A Beata 12
Ju Blasina

As canções de papel machê 14


Ana Cristina Rodrigues
Saudade 16
Fátima Romani
Seda Branca 18
Henry Alfred Bugalho
Carta I 20
Maria de Fátima Santos

Carta II 21
Maria de Fátima Santos

Simplício Aroeira descobre o que é a morte 22


Cirilo S. Lemos

O mergulho 26
José Guilherme Vereza

A repulsa 28
Léo Borges

Fragmentos: III. O O Alimento 32


Marcia Szajnbok
Sempre há uma verdade... (Parte 3) 34
Maristela Scheuer Deves
Ínfimo Brilho 36
Giselle Natsu Sato

TRADUÇÃO
Cães 38
G. K. Chesterton

TEORIA LITERÁRIA
Enigma Archinov 42
Leandro da Silva

CRÔNICA
A Vingança de Zeus 46
Joaquim Bispo
Apenas uma mulher 50
Ju Blasina
Nossas falsas necessidades cotidianas 52
Henry Alfred Bugalho

POESIA
Sobre mulheres e flores 54
Caio Rudá de Oliveira
Blavinos 56
Ju Blasina
Concisos 58
Wellington Souza
Poemas 59
Mariana Valle
Dez de março 60
Polyana de Almeida

SOBRE OS AUTORES DA SAMIZDAT 62


O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
http://www.flickr.com/photos/32912172@N00/2959583359/sizes/o/

ficina
5

www.oficinaeditora.com
Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
­distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky

Henry Alfred Bugalho Inclusão e Exclusão se converte em uma ditadu-


henrybugalho@hotmail.com ra como qualquer outra. É a
microfísica do poder.
Nas relações humanas,
sempre há uma dinâmica de Em reação, aqueles que
inclusão e exclusão. se acreditavam como livres-
pensadores, que não que-
O grupo dominante, pela
riam, ou não conseguiam,
própria natureza restritiva
fazer parte da máquina
do poder, costuma excluir ou
­administrativa - que esti-
ignorar tudo aquilo que não
pulava como deveria ser a
pertença a seu projeto, ou
cultura, a informação, a voz
que esteja contra seus prin-
do povo -, encontraram na
cípios.
autopublicação clandestina
Em regimes autoritários, um meio de expressão.
esta exclusão é muito eviden-
Datilografando, mimeo-
te, sob forma de perseguição,
grafando, ou simplesmente
censura, exílio. Qualquer um
manuscrevendo, tais autores
que se interponha no cami-
russos disseminavam suas
nho dos dirigentes é afastado
idéias. E ao leitor era incum-
e ostracizado.
bida a tarefa de continuar
As razões disto são muito esta cadeia, reproduzindo tais
simples de se compreender: obras e também as p ­ assando
o diferente, o dissidente é adiante. Este processo foi
perigoso, pois apresenta designado "samizdat", que
alternativas, às vezes, muito nada mais significa do que
melhores do que o estabe- "autopublicado", em oposição
lecido. Por isto, é necessário às publicações oficiais do
suprimir, esconder, banir. regime soviético.

A União Soviética não


foi muito diferente de de-
mais regimes autocráticos.
­Origina-se como uma forma
de governo humanitária,
igualitária, mas
Foto: exemplo de um samizdat. Corte- logo
sia do Gulag Museum em Perm-36.

6
E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum ­movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por ­modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q­ ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores ­interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od­ iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- ­objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- ­escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da ­grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,

SAMIZDAT é uma revista eletrônica


­ ensal, escrita, editada e publicada pelos
m
­integrantes da Oficina de Escritores e Teoria
Literária. Diariamente são incluídos novos
textos de autores consagrados e de jovens
­escritores amadores, entusiastas e profis-
sionais. Contos, crônicas, poemas, resenhas
literárias e muito mais.

www.revistasamizdat.com

www.revistasamizdat.com 7
Autor em Língua Portugesa

http://www.flickr.com/photos/sgmdigital/2423632945/sizes/o/
Emílio de Menezes,
o sátiro
Os textos a seguir foram ontem: — Que houve aqui?
transcritos da seção "Colmeia" "A história registra diaria- — Nada. Uns tirozinhos
do jornal A Imprensa, onde o mente fatos interessantes no à-toa...
autor mantinha periodicamen- que diz respeito às crenças
te uma coluna literária. — Mas vocês prenderam?
de cada um."
— Sim, decerto. Prendemos
Ahn! ... Palavra que não este revólver.
sabia que a história fizesse
semelhante asneira. ***
Cartaz de ontem, à porta
de uma redação: *** Impressão de rua.
"O sr. senador... não com- Isto é um país sui generis. O pobre petiz, no largo
parecerá hoje ao Senado." Está bem assentado que o do Paço, vende uma droga
analfabetismo nos flagela e qualquer para tirar nódoas;
Se começam a noticiar comprime-o um largo cír-
tudo que não vai acontecer, que os que sabem ler não o
fazem. Entretanto morre um culo de basbaques. "Se as
vão ter um noticiário supim- nódoas não saírem, devolve-
pa! homem que nunca fez outra
coisa senão vender livros e se a importância!" cameloteia
*** deixa ... uma fortuna de mais o pequeno.
Temos, graças a Deus! um de sete mil contos. Palavra Mas eis que surge um
Instituto Poliartístico. que não percebo! guarda municipal; o vende-
Agora, só nos fica faltan- *** dor não tem licença e o de-
do... a Arte. fensor dos interesses do fisco
A nossa inefável polícia: leva-o ao primeiro posto a
*** Há um conflito. Dão-se explicar-se.
De um jornal da tarde de tiros de revólver- Chegam os Bobo de camelo! que tão
repórteres.

8 SAMIZDAT abril de 2010


mal roubas o fisco! Por que desastres de automóveis e mo; em Chicago o termôme-
diabo não te fazes contraban- descarrilamentos na Central. tro registrou 32 e 40 graus
dista de sedas, jóias e elefan- - Morrerá neste ano um abaixo de zero.
tes? Ganharias muito mais e cidadão de avançada idade, Há certos telegramas cuja
não te levariam preso! muito estimado por seus publicação deve ser proibida
*** amigos e a quem todos os pela Saúde Pública o citado,
Trecho de um discurso seus netos chamam de vovô, por exemplo. Lendo-o num
patriótico, ontem pronun- exceto um, que ainda não dia de calor como o de on-
ciado por uma professora sabe falar. tem, pode acontecer a qual-
suburbana: - Haverá diversas reclama- quer cidadão o que sucedeu
ções sobre a falta d'água e comigo: dei trinta espirros e
- A nossa bandeira é constipei-me por quinze dias.
verde-amarela! sobre o aumento das contas
do gás. ***
Nós temos dever de amar
ela! - Os telegramas da Euro- Foi preso ontem como ga-
pa referir-se-ão amiudadas tuno, um pobre-diabo encon-
*** vezes à questão do Oriente trado na caixa-d'água de uma
Filosofia moderna. e à polícia imperialista da casa de família.
Alemanha. Indagando o guarda que o
- O homem prático deve
tratar de conseguir o máxi- - Morrerão na Europa prendeu o que fazia ele ali,
mo com o esforço mínimo.. três pessoas importantes que nada respondeu o suposto
. Olha, eu ando sem dinheiro estiveram vivas durante este gatuno.
e... ano inteiro. E fez bem: tal indagação
- Basta, já despendeste - Fará intenso frio na ilha era simplesmente idiota; com
vinte palavras; toma lá cinco de Spitzberg e o calor no 36 graus à sombra não se
tostões; é o máximo. Sahara será insuportável no pergunta a um homem o
verão. que faz numa caixa-d'água;
***
- O Brasil continuará à refresca-se, naturalmente:
- Por que é que se chama
beira de um abismo. ***
de ano bom o ano que se
começa? - Haverá diversas reformas A questão do carnaval
em diversas repartições de preocupa atualmente todos
- Porque se tem a impres-
diversos ministérios. os espíritos; o carnaval será
são de que ele não poderá
- O ano terminará impre- ou não adiado?
ser igual ao que se acabou.
terìvelmente a 31 de dezem- O Brasil, tem-se dito e
***
bro. repetido: é um país essencial-
Algumas das principais mente carnavalesco; de forma
***
profecias do Múcio, que que muitos cidadãos preca-
serão brevemente publica- Está fazendo sucesso vidos já resolveram retirar-se
das no Almanaque do Barão na Europa o novo sistema para o interior, receosos de
Ergonte a sair à luz: pedagógico da dra. Montes- uma revolução.
sori, que permite às crianças
- O ano de 1912 terá 365 Já se fala de uma organi-
aprenderem a escrever antes
dias, repartidos em quatro zação de ligas pró-Momo,
de saber ler.
trimestres de três meses cada pró-Zé Pereira, etc.
um. Olhem a grande novidade!
Nós conhecemos no jornalis-
- Haverá neste ano diver-
mo muita gente que nunca fonte: http://www.cce.
sos fatos de grande impor-
aprendeu a ler e que escreve ufsc.br/~nupill/literatura/
tância, outros de importância
que é uma beleza! BT5529002.html
menor; a maior parte não
valerá nada. ***
- O ano será fértil em Diz um telegrama de Nova
Iorque: reina frio intensíssi-

www.revistasamizdat.com 9
Emílio de Meneses

Era filho de Emílio Nunes Correia de Meneses e de


Maria Emília Correia de Meneses, único homem
dentre oito irmãs. Seu pai era também um poeta.
Faz seus estudos iniciais com João Batista Brandão
Proença, e depois no Instituto Paranaense. Sem ser
de família abastada, trabalha na farmácia de um
cunhado e, ainda com dezoito anos, muda-se para
o Rio de Janeiro, deixando em Curitiba a marca de
uma conduta já distoante ao formalismo vigente: nas
roupas, no falar e nos costumes.

Boêmio, na capital do país encontra solo fértil para


destilar sua fértil imaginação, satírica como poucos.
A amizade com intelectuais, entretanto, fez com que
tivesse seu nome afastado do grupo inicial que funda-
ra a Academia. Torna-se jornalista e, por intercessão
do escritor Nestor Vítor, trabalha com o Comendador
Coruja, afamado educador. Em 1888 casa-se com
uma filha deste, Maria Carlota Coruja, em 1888, com
quem tem no ano seguinte seu filho, Plauto Sebastião.

Mas Emílio não estava fadado para a vida domésti-


ca: neste mesmo ano separa-se da esposa, mantendo
um romance com Rafaelina de Barros.

Autor de versos mordazes, eivados de críticas das cia. Não muda, entretanto, seus hábitos. Continua
quais não escapavam os políticos da época, mestre o mesmo boêmio de sempre, a povoar os jornais da
dos sonetos, Emílio de Meneses é portador de uma época com suas percucientes anedotas.
tradição - iniciada com o Brasil, em Gregório de
Matos. Apesar de preterido pelo silogeu nacional, Emílio
veio finalmente a ser eleito (15 de agosto de 1914)
Tendo sido nomeado para o recenseamento, como segundo ocupante da cadeira 20, cujo patrono é
Escriturário do Departamento da Inspetoria Geral Joaquim Manuel de Macedo, e na qual jamais veio a
de Terras e Colonização, em 1890, Emílio aposta na tomar assento, falecendo em 1918. Seria saudado por
especulação da falácia econõmica do Encilhamento, Luís Murat.
criada pelo Ministro da Fazenda Ruy Barbosa: como
muitos, fez rápida fortuna, esbanja e, terminada a Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlio_
farsa, como todos os outros investidores, vai à falên- de_Meneses

http://www.flickr.com/photos/hidden_treasure/2474163220/sizes/l/
O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada

ficina
10 SAMIZDAT abril de 2010
www.oficinaeditora.com
Microcontos

Minimalismo insólito
Caio Rudá de Oliveira

Somatizou

http://www.flickr.com/photos/erin_ryan/2718885808/sizes/o/
A gravidez era psicológi-
ca, mas nasceram dois guris
saudáveis. Necrofilia

O corpo jazia. Os libidi-


nosos saprófagos comiam-no
despudoradamente.

Gastronomia aplicada IV

A vingança não seria mais


um prato comido frio. Assa-
ria seu inimigo.

www.revistasamizdat.com 11
12
Contos

SAMIZDAT abril de 2010


A Beata
Ju Blasina

http://www.flickr.com/photos/paraflyer/431193936/sizes/o/
Beth aparentava a típica seus mínimos detalhes. E
beata: os cabelos longos, já pecava, a noite toda, toda Henry Alfred Bugalho
A
sem corte, geralmente guar- a noite... As demais beatas, GUI
dados em trança, tocavam-
lhe as coxas cobertas por
saias que terminavam junto
na tentativa de proteger o
padre daquela monopolista
religiosa, faziam fila à porta
Nova York
aos joelhos, sempre marca-
dos pelas tantas horas em
do confessionário. Mas Beth
era abençoada pelo dom da para Mãos-de-VAca
devoção. Usava camisas lar- paciência e não esmorecia
gas, na tentativa frustrada jamais!
de esconder os seios far-
O Guia do Viajante Inteligente
Só o padre sabia o por-
tos. Sempre abotoava até a quê de tanta oração, dos www.maosdevaca.com
última casa, sempre rezava cabelos tão longos e bem
até a última conta. O terço cuidados, do corpo tão es-
de madrepérola que carre- condido nas roupas com-
ga no pulso e o crucifixo portadas. O padre e o belo
do pescoço eram as únicas marido sadomasoquista. O
jóias que exibia com orgu- último gostava de puxar-
lho. Percebendo isso, rezava lhe os cabelos enquanto a
para afastar tal sentimento penetrava. O primeiro não
egoísta. confessava, mas gostava de
Rezava também para imaginar a cena. O sexo
atrair a aprovação dos céus, violento, que tanto agradava
para perdoar aqueles que a ambos, tinha seu preço
lhe caçoavam, para casti- nas marcas deixadas no
gar os que blasfemavam, corpo e na alma da beata.
para acordar e para dormir. Sorte que, para os pecados
Rezava para tudo! Antes de havia as orações, e para os
cada refeição, antes de cada hematomas, pomada. A reza
relação — rezava muito era a pomada de sua alma
para satisfazer ao marido, e o padre, o doutor que a
tão exigente. E tendo as pre- prescrevia. E todo dia ela
ces atendidas, rezava ainda precisa de uma nova dose.
mais depois. Não falhava uma missa
Era a primeira a chegar sequer, para desespero do
à igreja e a última a sair. padre, desgosto das outras
Não se misturava as outras beatas e principalmente,
beatas que lhe invejavam a satisfação do marido — o
http://www.flickr.com/photos/wbyeats74/4242363440/sizes/l/

olhos nus, tamanho cabelo, que para ela, era tudo o


tamanho fervor, tamanha que importava. Que Beth, a
disciplina, e secretamente, beata, era uma boa esposa,
tamanha beleza, tamanha disso nem Deus discordava.
casa, tamanho marido. Já se era tão boa enquanto
Ao avistá-la adentrando a beata, depois de tantas con-
igreja, o padre sempre fugia fissões, até o padre tinha lá
temendo o pedido de outra suas dúvidas...
confissão. Tão temente era
ela... Não omitia um deta-
lha sequer de seus pecados.
Contava ao padre tudo, em

www.revistasamizdat.com 13
Contos

As canções de papel machê


Ana Cristina Rodrigues

14 SAMIZDAT abril de 2010


Eu consegui minha pri- um amigo dela fez um convi- nha, cada parte é lixo, mas
meira guitarra no verão de te para a nossa baterista. juntas fazem lindos objetos.
1969. Para isso passei um Ele não sabia que Mario, o Como nós...
ano inteiro guardando o di- namorado gigantesco da Dite, - A banda?
nheiro ganho ajudando meu também estava presente. A
pai na mercearia. Empacotei briga generalizou-se, João - Sim, eu queria que esse
milhares de dúzias de ovos, quebrou o nariz e Judite três verão não acabasse nunca... A
ensaquei compras para todas unhas, mas os instrumentos banda, cantar... A companhia
as senhoras de perfume enjo- não sofreram nada. de vocês. Principalmente a
ativo da vizinhança, esfreguei sua, Paulo. Você foi impor-
No fim do verão, demos tante demais para mim.
o chão até ele ficar brilhan- nosso último show. Dite iria
do. E valeu a pena. casar-se e depois da confu- O coração bateu, descom-
A primeira semana de fé- são, Mario havia se tornado passado. Era agora.
rias, passei trancado no meu contrário à participação dela - Clarice, eu...
quarto. Eu e a guitarra. To- na banda. João e eu, ambos
quei até meus dedos sangra- fazendo dezoito anos, ia- - Meu pai foi transferido
rem e criarem calos. Quando mos prestar serviço militar. para outro estado. Mudamos-
achei que dava para enganar, Depois do final do baile, nos em uma semana. Passei
dei o passo seguinte: criar nos despedimos, prometen- o verão inteiro querendo não
uma banda. Eu na guitarra, do uma reunião da banda pensar nisso, em tudo o que
João, meu melhor amigo, em breve. Os dois irmãos vou perder. E vocês consegui-
no baixo e a irmã dele na foram para casa, enquanto ram, mesmo que agora eu vá
bateria. Judite era mais velha, eu acompanhei Clarice, que perder ainda mais coisas do
mas apoiou o projeto desde morava mais perto de mim. que antes...
o início. Os sentimentos entalados Beijou-me de leve na boca
Só faltava uma voz. Pre- na garganta, por meses a fio, e foi em direção à casa. Eu
cisávamos de alguém para pareciam sentir o fim da fiquei ali, parado, olhando ela
cantar, e Dite trouxe Clarice estação. Queriam irromper, se afastar, o coração apertado
para minha vida. Desde a aproveitar os últimos dias de com tudo o que eu não disse
primeira vez que a vi, no calor, antes que tudo termi- e nunca ia dizer.
primeiro ensaio sério de nasse. Assim terminou o verão
nossa banda, seu olhos doces Não consegui. Andávamos de 1969. Cresci, casei, tive
no rosto calmo e o sorriso lado a lado, como fizéramos filhos e enviuvei. Em cima da
sereno ficaram marcados na tantas vezes naquele verão. mesa do meu escritório, as
minha memória. Discutimos sobre tudo o que fotos da minha família. Em
Ali começara a carreira não era importante. Lembra- um canto especial, um porta-
efêmera do “Papel Machê”, mos os shows, as confusões, retrato de papel maché, com
nome sugerido pela própria as brigas de João e Dite por uma foto dos quatro inte-
Clarice. Sabia que não dura- qualquer bobagem... grantes do conjunto, tirada
ríamos muito, mesmo assim Paramos em frente à casa antes da última reunião pelo
foram os melhores dias de dela e continuamos a conver- pai dos dois irmãos... Judite
minha vida. Os bailinhos sa, encostados no Porshe da me enviara alguns anos de-
de sábado do quarteirão mãe de Clarice. pois. Ela atrás, abraçada com
http://www.flickr.com/photos/krister462/4118306782/sizes/l/

eram animados por nós João, os dois fazendo careta.


Ela fitava as estrelas, que No primeiro plano, Clarice
com versões dos grandes pareciam reluzir no seu
sucessos da época. A voz de e eu, rindo. Nunca mais vi
olhar Evitava virar o rosto nenhum deles.
Clarice adoçava tudo, e viver para mim enquanto falava.
valia a pena. Toda a tarde, De repente, após um súbito Penso que aquele verão
tocávamos na sorveteria do silêncio, ela suspirou e olhou poderia ter durado para sem-
bairro. Nosso pagamento era para mim. pre. Foram os melhores dias
a banana split especial, que da minha vida, os do verão
podia ser dividida com folga - Sabe porque eu sugeri o de 1969.
pelos quatro. E vez por outra, nome “Papel Maché”?
uma festa não renumerada - Eu nem sei o que é...
de algum amigo.
- É uma forma de artesa-
Claro, algumas confusões nato. Pedacinhos de papel
aconteceram. Na festa de amassados e colados... Sozi-
aniversário da minha prima,

www.revistasamizdat.com 15
Contos

Fátima Romani

Saudade
16 SAMIZDAT abril de 2010
Acordou em uma cama de alguém que possa vir mento
de hospital, sem entender buscá-la.” É pior do que se entrevar...
direito ainda o que havia “Depois... Porque não me
acontecido. Só se lembrava Ela e Paulo sempre
diz logo? Estão em estado tinham sido como duas
da derrapagem, da chuva, grave?”
da dor quando fora jogada metades, é muito difícil
para fora do carro, quebran- “Infelizmente, só vai po- encontrar alguém como ele,
do as costelas e mais nada. der saber depois que o mé- alguém com quem se en-
Onde estavam os outros? dico que a atendeu chegar.” contra paz, só de olhar, olho
Ela estava a sós naquele Quando o médico, um no olho, coração pra cora-
quarto. Desespero, solidão... ortopedista, chegou, não ção. E Carlinhos, também
veio só, estavam com ele seu filho tinha ido embora.
Estava muito longe de Uma mãe não foi feita para
casa, era uma viagem de uma assistente social e um
psiquiatra. A notícia era perder um filho. O contrá-
férias, estavam a caminho rio sempre acontece, é a
de uma praia distante, um mais séria do que ela pen-
sava. Em primeiro lugar lhe lei natural, os mais velhos
acampamento, gostavam vão primeiro. Enterrar um
tanto disso, principalmente deram um tranquilizante
forte, depois, foram lhe con- filho é enterrar um pedaço
Carlinhos, que levava tudo da gente, que foi tirada de
na brincadeira. Seu filho, tando todos os detalhes.
dentro da gente, cresceu ali,
um menino lindo de dez O carro tinha capotado, nove meses, e depois ain-
anos que amava a natureza rolado pelo barranco, ficado da continua ligada a nós...
e aventuras. completamente destruído, Outro trecho da mesma
E Paulo? Sempre fora um Paulo e Carlinhos presos canção:
bom motorista e a veloci- nas ferragens, ela só escapa-
ra por ter sido jogada para Que a saudade é o revés
dade nem estava tão alta, de um parto
mas a estrada mal cuidada fora. Estar dopada salvou-a
e a chuva forte e inesperada de novo, o choque não a A saudade é arrumar o
não lhe haviam dado chan- matou ali mesmo, naque- quarto
ce de escapar da derrapa- le momento, ao saber da Do filho que já morreu...
gem. notícia.
Eles foram embora e ela
Olhou para si mesma, Teria que voltar à sua ficou...Não poderia segui-los
as costelas enfaixadas, por casa, rever tudo, não pode- agora, tinha muito ain-
causa da fratura, com certe- ria abandonar tudo o que da que viver, pessoas que
za. Ainda sentia dores, mas seu marido e ela haviam poderiam precisar dela.
parecia que estava tudo no construido juntos, desde Precisaria retrabalhar esse
lugar. Apertou a campainha namorados. Agora, não esta- luto, transformá-lo em algo
ao lado cama, precisava ur- va mais inteira, haviam-lhe que lhe permitisse viver.
http://www.flickr.com/photos/krister462/4118306782/sizes/l/

gentemente de informações, arrancado, de repente, as Lembrou-se de uma frase


alguém que lhe dissesse partes mais importantes de que lera um dia:
onde estavam seu marido e sua vida. Como na canção
de Chico Buarque: “Saudade é o amor que
seu filho. Depois de alguns fica.” Ela ficara, o imenso
minutos transformados em Oh pedaço de mim amor pelos dois ficara, jun-
horas pela ansiedade e pela Oh metade arrancada de to com a saudade.
incerteza, uma enfermeira mim
entrou, finalmente.
Leva o teu olhar
“Por favor, onde estão
meu marido e meu filho?” Que a saudade é o pior
tormento
“Calma, senhora, preci-
so do nome e do telefone É pior do que o esqueci-

www.revistasamizdat.com 17
Contos

http://www.japaneseprints-london.com/images/HPIM0623.jpg
Henry Alfred Bugalho

Seda Branca
Exausto, larguei armas e agrisalhados, descendo em Já ouviu algo a respeito do
chapéu e meti a cara no rio. direção ao rio. “Homem de Branco”?
Caminhava há dias, após Saudei-o e recebi a Neguei.
haver sido destacado para resposta de que vinha em
as fronteiras do Norte. O O nome de nascimento
paz. O viajante se sentou dele era Bai Hong-nu, fi-
Imperador Qinzong temia ao meu lado e acendeu
os revoltosos que se proli- lho duma família humilde,
uma fogueira. Anoitecia e educado para ser soldado,
feravam na região e concla- compartilhamos um jantar
mara guerreiros de todos os assim como vejo que você
improvisado. é. Lutou em muitas guerras
rincões do mundo.
Decorridas horas de si- e caiu nas graças do Im-
Ouvi som de flauta e me lêncio, o senhor falou: perador. Foi promovido a
pus em alerta, espalhava- general, senhor de muitos
se o rumor de que bandos Estou cansado, vivi mui-
tas dificuldades nestes guerreiros, e venceu todas
de ladrões e assassinos se as batalhas na quais pe-
escondiam na floresta, mas últimos meses e não encon-
tro pouso em lugar algum. lejou. Porém, numa noite,
avistei um senhor, cabelos quando o Imperador aden-

18 SAMIZDAT abril de 2010


trou o alojamento da con- guerra eram contrapartes por ser a morte inadiável,
cubina favorita, encontrou do bem e da paz. Aos seus todos se matariam ao nas-
Hong-nu adormecido nos discípulos, propagava que cer do sol.
braços dela. o tempo de paz estava por Quando os tambores
Enfurecido, o Imperador terminar e que, em breve, do Imperador soaram e as
conclamou a guarda, com quem o amava teria de tropas iniciaram a marcha
ordens para executar Hong- brandir armas contra um rumo ao bastião de Wán,
nu, porém, este, com expe- poderoso oponente. trinta mil revoltosos, pu-
riência de anos a serviço do Assim, no início da pri- nhais mirados para o cora-
Imperador, conhecia bem o mavera, Wán e um exército ção, sangraram até a morte.
castelo e suas incontáveis de cem mil combatentes As tropas imperiais não
passagens secretas; neste la- se dirigiram ao Sul, com a encontraram sobrevivente
birinto, Hong-nu se embre- missão de matar e destro- algum.
nhou e escapou da sanha nar o Imperador Qinzong.
inclemente do Imperador. Wán era um dissimulado, E você estava entre os
Fugiu para o Norte e apa- durante todo este período, soldados do imperador, para
gou seu passado. Vestia-se ele apenas buscava uma saber tudo isto? Perguntei.
apenas de branco, na ausên- oportunidade para se vin-
cia dum nome, nos povoa- gar do Imperador que o O senhor acendeu um
dos onde passava, alcunha- degradou e lhe retirou a cigarro e, com um sorriso
ram-no Wán, o homem da mulher amada, à qual, di- iluminado pela claridade da
seda branca. ziam, Qinzong havia man- fogueira, respondeu.
Wán olvidou seu passado dado decapitar.
Não. Estive com o pu-
de guerra e, de vila em vila, Inevitavelmente, o Impe- nhal afiado no peito, mas,
evitando as grandes cida- rador designou tropas para no último instante, refleti:
des, pregava uma inusitada deter o exército de Wán. Somos muitos, não conse-
mensagem de paz e perdão. Durante três meses, Wán guiremos escapar, mas um
Arrebanhou discípulos, que desbaratou o contingente só homem facilmente se
ouviam fervorosamente imperial, porém, a escassez envereda nas montanhas e
seus ensinamentos. E eram de suprimentos, o cansaço some.
tantos, que fundaram um e as chuvas incessantes do
povoado. verão foram responsáveis Sou Bai Hong-nu, conhe-
pelos primeiros revezes. Re- cido como Wán, o homem
Pessoas vinham de todas da seda branca. O punhal
as partes para escutarem as cuaram para as montanhas.
não entrou no meu coração.
lições de Wán e sua reputa- Vendo a grande oportu- Vivo e congrego um novo
ção alcançou o grande Céu. nidade para derrotar o opo- exército. E você será meu
Guerreiros baixavam armas nente, o Imperador enviou primeiro guerreiro.
e se uniam aos acólitos de um grande exército, que
Wán, esposas abandonavam cercou Wán e seus guerrei- Com que forças eu pode-
seus lares para acompanha- ros. Emboscados nas monta- ria resistir àquele homem,
rem o sábio. nhas, o fim era evidente. que trazia no olhar a ener-
gia do Céu, da Terra, do
Porém, sutil e impercep- O exército de Wán tinha Fogo e dos Ventos?
tivelmente, o conteúdo da duas escolhas, lutar até a
doutrina de Wán começou morte e os que fossem cap- A minha espada é sua,
a mudar. Da paz, abnegação turados sofreriam torturas Wán. Respondi. Até a mor-
e perdão incondicionais, e ultrajes inimagináveis, ou te.
Wán instruía que para tudo desistirem e privarem-se de
neste mundo há exceção, de suas próprias vidas.
que não há claridade sem Wán deliberou com seus
sombras, e que o mal e a capitães e concluíram que,

www.revistasamizdat.com 19
Contos

a carta I Maria de Fátima Santos

Minha querida Matilde E rias-te, desengonçavas o teu corpo mui-


to virgem para rires do meu desassossego,
das minhas mãos tremendo por não sabe-
Escrevo-te de um lugar de guerra rem como desatar os nós dos teus vestidos,
Um lugar sem nome não terem o mister de retirar os panos
Escrevo-te num dia da semana entre dois com que tapavas os segredos do teu corpo.
domingos – será hoje dia santo?! Naquela tarde, a tua capulana estava
E nem sei se é Janeiro, ou se será Dezem- atada com um nó corrido. Quando o nó se
bro, ou um outro mês que fique de per- desfez, assim num por acaso, surgiu o teu
meio corpo livre de mais atavios. Sublime.

Mas o ano em que escrevo, esse, sei: mil Tu, minha Matilde, a mostrares-te nua, e
novecentos e sessenta e oito eu de olhos piscos como se os entonteces-
sem luzes de meio-dia em Agosto.
Eu já fiz vinte anos e tu farás dezoito.
Ai Matilde, minha doce Matilde, que na-
Matilde bem amada
quela tarde cheiravas a sargaço e a limos.
Consolação da minha alma triste. Can- Ou seria de estarmos na maré vaza e o
ção que me cantam os anjos quando ando cheiro vinha dos caranguejos que por ali
de arma em punho a catar sei lá eu bem se passeavam, e das lapas, curiosas, a solta-
que inimigo. rem-se das rochas?
Tão calmos que eram os teus abraços. Seria o cheiro que tu tinhas, ou seria a
Neles me aninho em sonhos doces, como maresia, minha doce amante, minha queri-
doce é o teu regaço onde irei deitar-me da?
todos os dias que me restarem depois deste
Mas que importa saber a que cheiravas,
degredo.
se eu sei que o teu perfume é o dos lírios
No teu colo macio é onde durmo quan- no altar de todas as Nossas Senhoras que
do tenho a bênção de um recolhimento. E há por esse mundo?!
revivo-te.
Minha adorada Matilde!
Meu querubim, minha alfazema, meu
Deste lugar de sangue e ódio, deste local
tesouro ignoto de preciosas pedras. Minha
tão longe, envio-te mãos cheias, cordões e
abelha rainha, imensamente nua daquele
mais cordões de letras a dizerem: Amo-te.
pano.
Que a palavra se repita, que reverbere dela
Tu a unires as sobrancelhas, a franzir os o ar dos locais onde respires.
teus olhos mais verdes do que os muitos
Este que será teu para toda a eternidade
verdes por onde me caminho.
Tiago
Tu a dizer-me: a capulana, deixa estar,
Tiago, que ela há-de soltar-se.

20 SAMIZDAT abril de 2010


a carta II Maria de Fátima Santos

Meu querido António um calendário em que, um de nós, o destino


sabe qual da gente há-de aí escrever, um dia
a seguir ao outro, o tempo de falta para nos
É madrugada e eu levantei-me zonza de reencontrarmos, seja no céu ou no espaço,
sono. Acordei com o lençol gelado. A cama em forma de anjos ou em partículas liberta-
tão fria na zona onde devias deitar-te. E é das de cada um dos nossos átomos.
hoje, que estamos no Inverno, e chove, e tem
até nevado. Mas foi assim tal e qual no pino Foi assim que disseste, e agora deu-se: foi
do Agosto. no Natal passado que deixaste de ser o Antó-
nio a entrar, risonho ou rabugento, as botas
Tenho a mantilha preta sobre os ombros e enlameadas a pisarem cada bocado de tapete.
tirito. Vou ligar o aquecimento. Agora estou
melhor. Mas este frio é outro. Serás anjo ou pedaço desintegrado, amo-te
demais para ficar chorando.
Este frio não se acomoda com as molé-
culas subindo moles pelas paredes da sala Estas cartas de amor, como lhes chamo,
onde te escrevo. Este meu frio não vem do fazem abater em mim o frio de que padeço, e
ar circundante que dança numa roda de ar volto para a cama certa de que um dia destes
quente. Este frio não me arrefece as solas dos tenha resposta tua no correio.
pés que estão morninhas metidos nas pantu- Maria Angélica
fas que me deste num Natal passado.
O frio que me tolhe, não impede que os
dedos das minhas mãos escrevam cada letra:
eu a querer dizer-te, simplesmente, amo-te,
morro de saudades, e eles a inventarem pala-
vras soltas, a dizerem do frio que me enrege-

http://www.flickr.com/photos/photoshoproadmap/3369358662/sizes/l/
la a alma desde há tantas noites.
Não lhes perdi o conto.
Aponto-as, uma após a outra, tal como as
manhãs e as tardes.
Com giz da cor do fogo, faço um traço
em cruz como me ensinaste, numa folha de
calendário que pendurei na parede. Aquela
parede branca da cozinha.
Um dia olhaste para ela de cima abaixo, e
pediste, mais ou menos com estas palavras,
e os teus olhos luziam com a luz que lhes
era de costume, aquela que me alumia hoje
apenas de recordá-la:
Não pendures nada neste muro.
Nada que não seja, um dia que aconteça,

www.revistasamizdat.com 21
Contos

Simplício Aroeira
descobre o que é a Morte
Cirilo S. Lemos

http://www.flickr.com/photos/kevinkemmerer/3779569440/sizes/l/

22 SAMIZDAT abril de 2010


O nó precisa ter sete Meu cadáver é para apo- Morrer é, sim, uma experi-
voltas e correr sem im- drecer na terra, alimentar ência da vida. Pois vamos
pedimento quando eu me as ervas que crescem em lá.
atirar ribanceira abaixo. A tufos por entre os carros Equilibro-me no galho,
alvorada é boa hora para calcinados, adubar esse pe- a corda no pescoço. Daqui
morrer. Quando a passara- dacinho da mãe terra. Não posso ver a serra azulada
da começa a algazarra e as pra engordar urubu. Não contornando o horizonte,
abelhas voam e os besou- pra virar bosta de urubu. ondulando feito o álcool
ros zumbem e as flores se Se eu quisesse ser bosta, no meu sangue. Estufo o
abrem. Alegria besta, essa bastaria continuar vivo. peito, recito versos de um
do bosque, de esfregar na Mais um gole de cacha- poeta morto e pulo.
minha cara que tudo vai ça, que é pra compensar o A traquéia quebra, mas
continuar igual quando eu tempo perdido. o que me impressiona
me for.
Esse sou eu: velho, po- mais é o estalo do galho
Escolho uma mangueira bre, bêbado, quase um se partindo logo acima de
morta para pendurar o mendigo. O que foi que mim. Rolo pela ribancei-
laço. Que nada vivo divi- construí nessa vida? De ra como um pneu velho,
da comigo o crédito pela que me valeram todos um turbilhão de trapos
minha morte. aqueles livros lidos, todas e cabelos quicando nas
O morro não é muito aquelas besteiras escritas, pedras e raízes. A poeira
alto: arredondado, cortado toda aquela abstinência me entra nos olhos, boca,
por um barranco onde de álcool? O tesouro que ouvidos, nariz, em cada
vagabundo despeja carcaça acumulei é esta barba poro e cada orifício, en-
de carro, lixo e, desconfio, desgrenhada e cinza a se quanto eu penso: isso não
corpo de gente. Encosta- misturar com o cabelo, é acaba nunca?
dinha na borda, a árvore essa bengala, é esse cache- Mas acaba. Deitado em
morta, cuspindo raiz para col imenso pendurado no meio ao lixo, aos cacos de
além do barro seco. Atrás pescoço nem sei pra quê. vidro, aos dejetos e toda
de nós, a estrada de terra Dá trabalho subir nos sorte de sujeira, eu vejo
de onde vim. galhos secos da mangueira, que acaba. Ossos que-
A forca me espera, mas mas eu consigo. Passo o brados, cortes profundos
não posso deixar de es- nó corrediço no pescoço e e sangue vazando pela
piar os urubus trocando o ajusto com cuidado. Não boca, um gosto enjoativo
olhares, sussurrando rapi- há para que ter pressa: de ferrugem e cachaça. O
nagens de urubus. Estão suicídio é arte, um teatro pescoço parece não existir
falando de mim, aguardan- cujos atos devem ser exe- mais. Só resta a sensação
do ansiosos para saborear cutados bem devagar. Há nem boa nem ruim de um
meu cadáver. que se degustar cada sen- completo vazio onde deve-
Isso vai ser um proble- sação, o toque do vento e ria estar o corpo.
ma. do sol e da corda na pele, A visão agora é um
saborear a textura de cada quadro desfocado e imutá-
Bebo um grande gole
uma, o doce e o amargo vel: uma parede de lixo ao
da garrafa de cachaça que
na saliva, o medo de viver lado esquerdo, uma árvore
carrego dentro do paletó.
e a angústia de morrer. ressequida coalhada de

www.revistasamizdat.com 23
urubus assustados e um Um avião passa fazendo são de luz e fogos verme-
céu de chumbo brotando sombra no meu rosto. lhos por todo o universo.
do chão e preenchendo Não posso ouvi-lo, ape- Então só resta escuridão e
todo o fundo. Alguma nas preencher com a ima- um banquete.
coisa está muito errada. ginação seus movimentos
O céu não deveria sair do mudos. Três sonhos a me ocu-
chão nem o lixo formar
É outro devaneio, penso. par nessa letargia monó-
uma parede vertical. Isso
Mas vejo que não: é um tona.
só se explicaria se eu esti-
vesse deitado com o lado lagarto gigantesco acima Uma moça da minha
esquerdo no solo. Acho de minha cabeça. juventude, que se abaixa
que é isso, então. Não Não, nem lagarto, nem graciosa para apreciar
dá para saber ao certo, a avião. Consigo distinguir o um desenho feito a giz na
visão vai e volta e eu não bico nojento, a pele sar- calçada, os cabelos de um
consigo perceber nenhum nenta debaixo das penas castanho escuro que reful-
outro sentido funcionando. escuras e fedorentas. Seu ge um brilho prateado. Ela
Olfato, paladar, audição, olho a me observar tal sorri para mim depois de
nada disso é acessível qual um planeta imenso falar de alguém querido
agora. pairando nas alturas. Em que sofrera morte fortuita.
algum lugar abaixo do Um sorriso de pura tris-
pescoço, meu corpo deve teza, e ainda assim o mais
Quanto tempo se pas- belo que eu já vi.
estar tendo calafrios de
sou desde que saltei do
pavor. Um livro de Nietzs-
barranco?
A primeira bicada ar- che me cuspindo na cara
Agora que não passo que Cristo era um idiota,
ranca-me o lábio superior.
de uma cabeça confusa assombrando-me com
Posso senti-lo descarnado,
presa a um corpo evanes- palavras hereges e sujas,
deixando à mostra parte
cente, o tempo se desfez até ser usado por minha
das gengivas roxas e dos
num único e interminável tia para alimentar uma pe-
dentes. O urubu ergue a
agora. No final das contas, quena fogueira nos fundos
cabeça para engolir a car-
morrer não é exatamen- do quintal.
ne. O movimento de sua
te como eu imaginei. A
garganta empurrando meu A visita a uma casa de
mesma monotonia de estar
lábio para seu estômago é repouso próxima à Cen-
vivo, mas não se pode cha-
engraçado. Dou-me conta tral do Brasil. Por fora
tear ninguém com recla-
de que nunca vi um bicho a beleza da arquitetura,
mações.
desses tão de perto. Ele por dentro os corredores
Sonho: uma ruiva gri- abre suas asas e arranca de cerâmica ensebada,
tando comigo na porta de mais um naco da minha abarrotado de espectros
um bar, nós dois bêbados boca, esculpindo-me um humanos revolvendo-se
o suficiente para discu- sorriso perpétuo. Mais na própria sujeira. Uma
tir nossa vida sexual em urubus se aproximam, os celebração ao que somos
público. Ela não é minha bicos escancarados. Quan- lá no fundo.
mulher, não tenho idéia de do um deles estoura meu Imagino, abrigado den-
quem possa ter sido. olho, é como uma explo- tro da treva profunda, que

24 SAMIZDAT abril de 2010


não tenho mais rosto, só nas de outros vermes.
uma massa pútrida de res- “Podemos nos alimen- Um detetive...
tos de carne e ossos escu- tar de você, querido?”, ele
recidos. Nesta eternidade sibila, uma forma de cobra Uma loira gostosa...
que estou aqui – um dia horrenda, translúcida,
ou mil anos – muito refle- leitosa.
Um assassinato...
ti sobre o que é a morte.
Minha mente estreme-
E cheguei à conclusão de
ce e se encolhe. O verme
que é como uma fila de E o pau comendo entre
avança e devora outro
banco, só que bichos car- as máfias italiana e
pedaço dela. De mim. Ele
niceiros fazem coisas com chinesa.
­
ri do meu desespero, sabo-
seu cadáver. Isso é a mor-
reando lembranças minhas
te. Nada de harpa, nada de
da infância, sonhos, emo-
tridente. Apenas um longo
ções. Outra mordida e lá
e tedioso aguardar.
se vai a imagem da moça
Algo mordisca a borda
da minha consciência.
graciosa de cabelos casta-
nhos, o sorriso inesquecí-
O Covil
Um intruso em meu
vazio?
vel transformando-se num
suco adocicado a escorrer
dos
“Quem está aí?”
A resposta vem na
pela boca arreganhada do
verme. Inocentes
forma de um serpentar Bocado por bocado, ele
vai comendo tudo o que www.covildosinocentes.blogspot.com
na base do pensamento.
Assusto-me: algo se ali- fui. Contorce o corpo de
menta da única coisa que prazer a cada mordida. Eu
ainda ficou de mim. me torno cada vez menor,
até que tudo o que resta
Um novo serpentear
de mim, de todas as coisas
me agita a mente. Seja o
que fui e de cada aspecto
que for, parece procurar
que assumi, é o medo da
por algo. Reconheço a
última mordida.
sensação de mordida. Pela
primeira vez desde que E quando ela vem, até
me matei, sinto algo se- mesmo o medo se dissipa.
melhante a dor. Vem em Nem o verme me assus-
ondas, irradiadas a partir ta mais. Agora eu e ele
do ponto onde o invasor somos um, e juntos ras-
se conecta comigo através tejamos de volta para as
do abocanhar agudo. profundezas do nada.

Posso ouvir sua voz,


tocar seus sentimentos do
doentes e a partir disso w
gr nl
delinear sua forma: um
át
oa
verme. Formado por cente- is d

www.revistasamizdat.com 25
Contos

O mergulho José Guilherme Vereza

http://www.flickr.com/photos/syymza/3952429571/sizes/l/
Que coragem que nada. doer o pescoço. Fez sinal tecendo em volta. Tentou
Bastou Maria Neuza ouvir da cruz, pegou o elevador - movimentar pernas e bra-
dizer da maior atração do uma gaiola que subia ran- ços, mas percebeu que não
novo parque de diversões gendo e deixando a cidade tinha controle sobre nada.
da cidade, um bungee jump em miniatura. Lá em cima, Era um crucifixo estático
de 130 metros de altura, deixou-se amarrar. E nem voando de cabeça para bai-
para despertar sua inquieta pestanejou. xo. Enfim, o nada.
curiosidade pelo desconhe- A primeira sensação foi Os ares de uma liberda-
cido. Decidiu pelo mer- o vento cortando o rosto, de jamais provada foram
gulho e pronto, ninguém criando rugas e pregas com batendo no seu corpo, numa
precisou saber disso. sobras de pele. Os olhos velocidade fria e vertical.
Foi num dia comum, foram obrigados pela ob- Veio também a certeza
logo que o parque abriu viedade da física a ficarem plena e incontestável de que
suas portas, entre dez e bem fechados,o que im- não podia deixar escapar a
onze da manhã.Olhou a pedia qualquer espiadela única chance na vida de se
lonjura do topo da torre até para ver o que estava acon- sentir dona absoluta de si

26 SAMIZDAT abril de 2010


mesma. Big Brother e acabou posan- dia seguinte. Experimentou
E Maria Neuza viajou. do nua na Playboy. Que se o Kama Sutra em praias,
danem os vizinhos. Naque- poltronas de primeira
Primeiro foi à Europa, les instantes intermináveis e classe de avião,últimas filas
onde se entupiu de vinho, vertiginosos, de cinemas, caçambas de
museus e perfumes. Depois, roda gigante, bancos de
à África negra, quando as Maria Neuza era senhora
absoluta das suas opiniões, fusquinha. E ainda inventou
savanas e as hienas pare- novas formas de amar e ser
ciam jardins e bichinhos caprichos e desejos,e em
nome deles mergulhou mais amada.
de estimação. Achou chato.
Partiu logo depois para a ainda. Quando se sentiu reali-
Oceania, aportou em Hong Comeu pato assado zada e feliz, fez uma força
Kong, deslumbrou-se com com carambola, strogonoff imensa para abrir os olhos,
os néons de Tóquio, foi di- de salsichão,bebeu vinho enfrentando o vento que
reto para Nova York, onde branco com picanha, cus- castigava as bochechas, lhe
encheu sacolas e o saco piu arroz trufado e pediu comprimia os peitos, e eter-
de tanto passar cartão de doce de abóbora de sobre- nizava um sorriso sincero e
crédito. mesa.Mostrou a língua pro restaurador. Precisava espiar
maitre metido a besta e só um pouquinho o que de
Cansou. fato e de real se passava em
arrotou.
Preferiu sensações mais sua volta.
intimistas. Como por exem- Gostosos momentos.
Dos sonhos, restavam
plo, a felicidade secreta de Resolveu variar os sabo- apenas alguns centímetros.
ser reconhecida, rica, famo- res. Da mesa do restaurante
sa, respeitada. Experimentou granfino, saiu à cata dos Nem teve tempo de sen-
também o aconchego de meninos que não namorou tir saudade.
uma família amorosa, com nos tempos da escola e, Foi puxada subitamen-
a completude de um raro mesmo podendo encon- te para cima pelo feixe de
marido, filhos, empregada trar todos, preferiu um só, elásticos e nylon, preso aos
de forno e fogão,faxineira, exatamente aquele de quem pés e à cintura. E como um
passadeira, carro do ano nunca tinha recebido ao iô-iô perdendo a sua força,
na garagem e cachorro que menos um picolé. lembrou que tinha esque-
não faz cocô no tapete. Dos E foi fundo. Urrou de cido a panela de feijão no
filhos, deu pra ver bem as gozar por todos os poros. fogo.
suas caras. Eram lindos, Revisitou seus âmagos o Talvez queimasse o almo-
sadios e inteligentes. Os mais que pode, tantas vezes ço.
primeiros já eram adultos quis.
formados pela vida e pela Talvez apanhasse do
melhor das universidades. A Enjoou do rapaz, asco marido.
caçulinha, uma coisa linda súbito. Pegou outro, mais
e espevitada, olhos azuis e outro e mais outro, tantos
pele dourada preferiu ou- que enfileiravam-se aos
tras trilhas: foi finalista no seus pés. Recebeu flores
de cada um deles, a cada

www.revistasamizdat.com 27
28
Contos

SAMIZDAT abril de 2010


A repulsa
Léo Borges
http://www.flickr.com/photos/bobydimitrov/2961805198/sizes/o/
Ana, nas aulas de dese- sua criação, refletiu sobre o fato de não saber desenhar,
nho, sofria com a humi- medo que as pessoas tinham tratou os rabiscos com uma
lhação dos coleguinhas. por baratas e não enxergou raiva incontida, apertando a
Diziam que a menina só fundamento nesse temor. Se ponta da caneta na barriga
sabia encher os papéis com elas transmitiam doenças da mãe numa ingênua tenta-
contornos esquisitos, linhas é porque andavam sobre o tiva de ferir o nascituro, em
perdidas que pareciam pos- lixo e excrementos que os gestos que, se não fossem
suir significado apenas para próprios humanos produ- tão infantis, seriam realmen-
ela. Naquele dia, entretanto, ziam. Não era incomum te macabros.
enxergaram algo em seus Ana se deparar com estes O que alimentava seu ci-
traços. pequenos artrópodes nos úme era o amor despropor-
Só que o que viram não armários da cozinha, pelos cional que todos tinham por
foi um jardim florido ou ralos, sob o fogão e até mis- aquele feto, um endeusamen-
nuvens escondendo o sol, turados ao enxoval do ir- to desmedido que crescia
paisagens que, normalmente, mão que ainda não nascera. dia a dia, transformando-
habitam o imaginário infan- E a impressão que tinha, em se numa adoração tal que
til. E apesar de Ana garantir qualquer dessas situações, acabava por manter Ana
que seu desenho era um era sempre a mesma: bichos num estado permanente de
fofo bebê, ele foi entendido inocentes, fugidios, com- insignificância. “Está me ma-
pelas outras crianças como panheiros do lar, criaturas chucando, Ana”. “Estou me
o mais asqueroso dos inse- divinas que, inadvertidamen- esforçando, mãe! Quero que
tos: “Ela desenhou uma ba- te, se expunham, prontas ele nasça parecido com meu
rata!”, enojaram-se. Algumas para serem esmagadas. O desenho!”. O castigo de Ana
chegaram mesmo a vomitar problema, como ficava claro por esse episódio não che-
e a menina foi admoesta- para a garota, não eram gou a ser tão longo quan-
da por um dos instrutores: os insetos, mas as pessoas, to o que recebera quando
“não desenhe mais esse tipo cujo pânico nada mais era encharcou com inseticida o
de coisa!”. A forma que o que um sinal inequívoco de berço do bebê vindouro. E
amontoado de riscos tomou fraqueza. nem tão ruim, pois, tranca-
teria sido apenas repulsiva Ana, naquela noite, resol- da no quarto, ela teve tempo
se o transtorno que passou a veu escrever em seu diário o para treinar seus rabiscos
causar não fosse tão pertur- ocorrido na escola e men- nos papéis que encontrou
bador. Mas, mesmo assim, cionou que omitira o fato de pela frente.
Ana não se livrou de sua sua mãe. Na rápida conversa Fergônia considerava a
estranha arte, guardando-a que mantiveram no jantar, raiva de Ana uma coisa
como a mãe que protege o Fergônia estranhou o sorriso besta e torcia para que seu
filho aleijado das injúrias e que não deixava a filha. Não bom senso aflorasse e a
maldades. a via assim desde que com- filha pudesse, enfim, feste-
De início, se entristeceu prara as canetas para colo- jar também a chegada do
profundamente com a oje- rir. Na ocasião, pediu para menino. Ana pensava pouco
riza criada. Percebeu, con- que Ana desenhasse em seu nisso, queria apenas contar
tudo, que se viram sentido próprio ventre, no sexto mês sobre sua conquista artística,
no desenho, pelo menos foi de gestação, um rosto sor- mas este assunto não era
compreendida. O importan- ridente em homenagem ao importante; secundário, tor-
te para ela era conquistar a bebê – o varão que os fami- nava-se proibido para que o
atenção através das linhas e, liares tanto queriam. “Dese- apetite da mãe na mesa de
por isso, mesmo com um re- nhe direito, Ana, é um ser jantar não fosse incomoda-
sultado tido como medonho, muito precioso o que está do. Fergônia possuía pavor
o inverso do que pretendia, aí”. A menina, que passava mortal de baratas, de modo
ficou alegre. a repudiar a ideia de ter que amores como o que por
um irmão tanto quanto o ora afloravam, certamente,
Para melhor defender

www.revistasamizdat.com 29
teriam um impacto arrasa- se imediatamente da imensa Espichou uma das mãos e,
dor no convívio familiar. barriga da mãe e do que o com singeleza, alcançou o
“Desenhei um bebê, mas médico falara: “não se colo- inseto, que ficou estático. O
minhas amigas enxergaram que em situações de grande carinho, embora socialmente
uma barata. Fizeram cara de impacto emocional”. Ver grotesco, era sinceramente
nojo, como minha mãe tam- aquela cena foi uma coisa afetuoso. Mas, um súbito
bém já fez. Sentem repulsa que lhe encheu de prazer, e aterrorizante grito pôs
de meus trabalhos. Eu detes- porém, chamar a mãe para fim àquela aliança. Com
to as pessoas, seres cruéis e compartilhar do seu deleite violentas contrações, Fergô-
nojentos. Seria bom se todos poderia ser de uma nefas- nia – que surgira após ser
fossem como os insetos, que ta imprudência. Ou talvez chamada pela filha – caía
vivem sem arrogância. Se o não. Quem sabe não seria tonta, entrando em trabalho
que criei foi feio, que tenha esta a grande oportunidade de parto.
sido apenas para os outros. para Fergônia se reconciliar Os vizinhos, assustados
O bebê de minha mãe, ao com a verdadeira humilda- com o que ouviram, arrom-
contrário, não é horrível de, aquela que só os bichos baram a porta e foram pres-
para ninguém, só pra mim”. repulsivos possuem? tar auxílio. A indiferença de
Ana, enquanto escrevia, – Mãe! Ana diante da cena só foi
percebeu o pequeno vulto O espetáculo fez a meni- menos perturbadora que a
na sua casinha de bonecas. na imaginar a mãe parin- aparência inumana daquele
As compridas e finas an- do uma barata gigantesca: bebê, cuja pele possuía uma
tenas oscilantes não dei- primeiro as indefectíveis repugnante textura.
xavam dúvidas: era uma antenas aparecendo pela va- – Nasceu prematuro – foi
barata! Sem ser apenas mais gina, logo a robusta carcaça a explicação inventada por
uma entre as inúmeras que áspera e, por fim, as longas uma perplexa socorrista ao
existiam pelos cômodos, e inquietas patas emergindo ter em mãos a massa amar-
esta parecia mais íntima e com suas inúmeras micros- ronzada que emitia os pri-
provava isso, andando livre serras afiadas. O obstetra, meiros grunhidos de choro.
do comportamento arisco primeira testemunha do ex- Levaram mãe e filhos
que caracteriza a espécie. traordinário acontecimento, para o hospital. Com os
O coraçãozinho da menina usaria de ácida frieza para olhos esbugalhados, uma das
pulsou forte pela alegria comunicar o nascimento da mulheres, acuada no canto
do encontro. A barata, cuja criatura: “é bastante saudá- da sala, não saiu do lugar
sombra aumentava à medida vel, dona Fergônia...”, diria, – possivelmente paralisada
que se contrapunha à luz com o horror escapando-lhe pelo medo de acompanhar
do abajur, transitava com sob a forma de suor, contro- aquilo a que chamavam de
mansidão entre as canetas lado apenas pelo interesse criança. Para que sua pre-
de colorir. Já a menina, que sombrio que certos eventos sença ali fosse de alguma
curtia o farfalhar típico, de- causam, “esta não veio pelo forma útil, limpou o quarto
sejou que sua mãe também esgoto, veio mesmo por seu às pressas. Esqueceu-se ape-
viesse apreciar a casinha útero...”. nas de certo papel largado
de plástico servindo como Ao se desgrudar do no chão. Nele, listras malfei-
palco para o desfile de tão ventre sintético, a barata tas lembravam uma barata,
rejeitado ser. continuou com o passeio mas as lágrimas e o sangue
Estacionada perto de um errante, monitorada pelo da placenta que o man-
dos brinquedos, a barata, de olhar maravilhado de Ana. chavam, destruíam a sua já
súbito, se espremeu e entrou Passou por cima do desenho pouca clareza.
pela roupinha de uma bone- que seria seu espelho, até
ca sem braço, inchando-a e encontrar restos de biscoi-
causando-lhe a impressão de tos. Feliz, Ana rastejou-se
estar gestante. Ana lembrou- vagarosamente para perto.

30 SAMIZDAT abril de 2010


O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
http://www.flickr.com/photos/32912172@N00/2959583359/sizes/o/

ficina
31

www.oficinaeditora.com
Contos

Fragmentos:
III. O Alimento
Marcia Szajnbok

http://www.flickr.com/photos/goodmami/249171435/sizes/l/

32 SAMIZDAT abril de 2010


O importante é picar chos: cortes rápidos, da concha e das mãos
tudo bem picadinho. pura ira dilacerando sujas da menina inde-
Os tomates em cubos, os interiores. As berin- licada. Livres. O azeite
as abobrinhas em jelas, é preciso que se bom vai na panela.
cubos, os pimentões, ponham na água para Junte o alho. Esprema a
as berinjelas, tudo em não ficarem escureci- berijela num guardana-
perfeitos e simétricos das. Depois, os peitos po branco e limpo. Por
cubos. Seria bom ver o sem leite. E o rosto. último, pique as cebo-
mundo sempre assim, O rosto transformado las. Benditas as cebolas
a vida posta em sime- numa tela de Picasso, e bendito quem inven-
trias bem medidas. A mas sem olhos. Dois tou de picá-las. Elas
faca é rápida nas mãos furos, dois vazios em cedem. As camadas se
treinadas e os cubos seu lugar. No fim, o que desmancham ao con-
se amontoam lindos e restaria? Os ossos. Uma tato do metal da faca e
coloridos sobre a tábua. carcaça. Uma cela de a água vem, brota em
Como seria fazer-se calcáreo, uma concha. ondas, encharca.A porta
em cubos? Cortar-se Era uma vez um mo- abre-se sem cerimônia:
em pequenos pedaços, lusco que fez de conta “’tá chorando, mãe?”.
a começar pelos pés? que era uma mulher, Não, filho, não. São as
Os dedos fatiados um a mas nunca soube como cebolas, só as cebolas...
um, como em máquina sair de sua concha. O
de cortar frios. As per- molusco morre, a con-
nas, as cobiçadas per- cha permanece. Não Fragmentos é uma
nas, cortadas em tiras, está mais lá, o molusco. série de textos curtos, em
músculos desfiados em Só o invólucro. A me- geral de parágrafo único,
meio ao sangue escuro nina na praia apanha a que descrevem uma situ-
e grosso. Picando os concha, leva-a consigo, ação da realidade e seus
legumes, pensava no cuida do pedaço de ecos no mundo interno
corpo. Via-se ali des- cálcio morto como se dos personagens, como
pedaçada, reduzida aos lá houvesse vida. Ah, se, num documentário
átomos, despida do ser como é fácil enganar o da vida real, uma voz
que já não aguentava mundo! É simples fazer- de fundo narrasse o que
carregar. A faca afiada se de vivo quando vida se passa no íntimo dos
não hesitaria nas vísce- já não há. Devem rir-se atores-autores, que aliás
ras moles, empapadas. muito, os espíritos dos poderiam ser qualquer
Nesse ponto, nada de moluscos, tão livres um de nós...
simetrias ou capri- agora, tão livres. Livres

www.revistasamizdat.com 33
Contos

http://www.flickr.com/photos/papazimouris/2920165920/sizes/l/
Maristela Scheuer Deves

Sempre há
uma verdade....
(Parte 3)

34 SAMIZDAT abril de 2010


O lugar onde
Passei o resto da ma- o simples pensamento do a boa Literatura
nhã vomitando. Gripe, bife escorrendo sangue
com certeza, insistiu me fazia salivar.
é fabricada
minha mãe, mas não

http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
A situação se repetiu
conseguiu fazer com que
nos dias seguintes: eu
eu tomasse mais chá. Eu
acordava e, embora não
nunca fora muito fã de
tivesse febre (ao contrá-
alho, mas naquele dia
rio, minha temperatura
ele decididamente me
parecia estar até mes-
embrulhava o estômago.
mo mais baixa do que o
Na verdade, era pior: a
normal), ficava mal assim
simples visão do chá me
que botava os pés para
fazia suar ainda mais, ao
fora do quarto. Só con-
mesmo tempo em que
seguia comer carnes mal
sentia o frio se apossando
passadas e me recusava
do meu corpo.
terminantemente a ir ao
Achei melhor voltar médico — não por medo,

http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
para a cama, até porque mas porque sair ao sol
a claridade do sol pare- me deixava quase cega de
cia ferir meus olhos. A dor.
cabeça doía com a luz,
O pior, no entanto,
e eu só queria o escuro
eram os sonhos. Ou
do meu quarto, com as
pesadelos, talvez eu deva
janelas fechadas e a ca-
dizer. Neles, eu andava
beça sob as cobertas. O
nas ruas, no meio da noi-
mal estar continuou o dia
te, escondendo-me furti-
todo, e não quis sequer
vamente nas sombras. Era
almoçar. À noite, minha
uma caçada, mas dessa
mãe conseguiu me con-
vez eu não era eu a caça:
vencer a sair da cama,
eu era a caçadora. E que-
prometendo fazer o que
ria sangue.
eu quisesse para jantar.
http://www.flickr.com/photos/trashd/533370323/sizes/l/

— Bife, um bom bife


mal passado — pedi, (continua no próximo
surpreendendo-me assim mês...)
que as palavras deixaram
a minha boca. Eu, que
nunca comia nada que
estivesse definitivamente
torrado, querendo carne
mal passada? No entanto,
ficina
www.oficinaeditora.org

35
Contos

Ínfimo brilho
Giselle Sato

36 SAMIZDAT abril de 2010


Ela observava as ondas, deixando que
as marolas lambessem seus pés descal-
ços, ignorando a areia grossa, maresia
e gosto de sal. A barra da saia negra
acumulando fragmentos de conchas e
pedrinhas, formando um rastro atrás
de si.

Seguia a solidão e só havia o vento e


a água gelada. Mar revolto, vento forte,
o céu não tomou suas dores e exibiu
o por do sol mais bonito. Sentiu-se
afrontada e apontou o dedo acusador:­
-Sem compaixão ou misericórdia, mila-
gres ou acalanto. Vazio! Nada mais tem
sentido...

O sol em um suspiro tímido, deixou


escapar um finíssimo raio, um toque
sutil, leve demais...

Percebendo o ínfimo brilho, aceitou


o sinal e estendeu a mão cuidadosa.
Sentiu o calor, a mágoa e o rancor en-
fraquecidos, aquietaram-se. Então com-
preendeu, pela primeira vez, em tantos
e tantos anos.

E o som do seu coração, encheu os


ares...Vida!

A mulher guardou o fio de esperan-


ça no peito, e em segundos a escuridão
abraçou seu mundo de saudades.

http://www.flickr.com/photos/robertpaulyoung/2770018939/sizes/l/

www.revistasamizdat.com 37
Tradução

Cães G. K. Chesterton
trad.: Henry Alfred Bugalho

38 SAMIZDAT abril de 2010


Cínicos geralmente falam colisão de barcos no mar, o não encontrará o significa-
dos decepcionantes efeitos abraço de jovens alemães e do desta palavra escrita em
da experiência, mas, graças o encontro de cometas no qualquer livro tão claramente
a uma, descobri que quase espaço. quanto está escrita em minha
todas as coisas não malignas Este é o segundo valor alma.
são melhores na experiên- moral da coisa; a partir do Pode estar escrito em um
cia do que na teoria. Pegue, momento em que você tem livro que meu cachorro é
por exemplo, a inovação que um animal sob seus cuida- um canino; e disto pode-se
introduzi tardiamente em dos, logo você descobre o deduzir que ele deveria caçar
minha vida doméstica; ela que é de fato crueldade para com uma matilha, pois todos
é uma inovação com qua- os animais, e o que é ape- os caninos caçam com uma
tro patas na forma de um nas gentileza. Por exemplo, matilha. Portanto, pode-se ar-
Terrier Escocês. Sempre me algumas pessoas chamaram- gumentar (neste livro) que, se
imaginei como um amante me de inconsistente por ser eu tenho um Terrier Escocês,
de todos os animais, porque um anti-vivisseccionista e, eu preciso ter vinte e cinco
nunca encontrei qualquer mesmo assim, apoiar espor- Terriers Escoceses. Mas meu
animal que definitivamente tes comuns. E apenas posso cão sabe que eu não lhe peço
me desagradasse. A maioria dizer que eu até me imagi- para caçar com uma matilha;
das pessoas traça o limi- no dando um tiro em meu ele sabe que eu não dou a
te em algum lugar. Lorde cachorro, mas que eu não me mínima se ele é um canino
Roberts não gostava de gatos; imagino vivisseccionando-o. ou não, enquanto ele for meu
a melhor mulher que conhe- Mas há algo mais profun- cachorro. Este é o segredo
ço tem objeções a aranhas; do no assunto do que tudo real do assunto que evolucio-
um teosofista que conheço isto, mas já é tarde da noite, nistas superficiais parecem
protege, mas detesta, ratos; e e tanto o cão quanto eu esta- não captar. Se a história
muitos importantes huma- mos sonolentos demais para conhecida for a prova, a civi-
nitários tem uma objeção a interpretá-lo. Ele está deitado lização é muito mais antiga
seres humanos. diante de mim, aconchegado que a selvageria da evolu-
Se o cão é amado, ele é diante do fogo, assim como ção. O cão civilizado é mais
amado como um cão; não muitos cachorros devem ter antigo que o cão selvagem da
como um compatriota, ou se deitado diante de muitos ciência. O homem civilizado
como um ídolo, como um fogos. Eu estou sentado ao é muito mais primitivo que
mascote, ou como um pro- lado da lareira, assim como o homem da ciência. Sen-
duto da evolução. A partir muitos homens devem ter se timos em nossos ossos que
do momento em que você é sentado ao lado de várias la- somos primordiais, e que as
http://www.flickr.com/photos/randysonofrobert/2144529026/sizes/l/

responsável por um estimado reiras. De algum modo, esta visões da biologia são excên-
animal, naquele momen- criatura completou a mi- tricas e efêmeras. Os livros
to abre-se um abismo tão nha humanidade; de algum não importam; a noite está
vasto quanto o mundo entre modo, não consigo explicar o chegando e está escuro de-
crueldade e a coerção neces- porquê, um homem precisa mais para ler livros. Contra
sária de animais. Há algumas ter um cachorro. Um homem a luz da lareira que se apaga,
pessoas que falam daquilo precisa ter seis pernas; aque- obscuramente pode-se traçar
que chamam de “punição las outras quatro patas são os contornos do homem pré-
corporal”, e classificam sob partes dele. Nossa aliança é histórico e do cão.
este título a tortura medonha mais antiga do que as passa-
infligida a cidadãos desafor- geiras e pedantes explicações (Este ensaio foi extraído
tunados em nossas prisões e que são oferecidas sobre nós de um artigo do Daily News,
fábricas, e também ao pe- dois; antes de haver evolução, mais tarde reunido como
teleco que alguém dá a um existíamos nós. Você pode “On Keeping a Dog” em Lu-
menino travesso, ou à chico- encontrar escrito num livro nacy and Letters).
tada num terrier intolerável. que eu sou mero sobreviven-
Você até pode inventar uma te de um embate de macacos http://www.cse.dmu.
expressão chamada “concus- antropóides; e talvez eu seja. ac.uk/~mward/gkc/books/
são recíproca” e deixá-la para Estou certo que não tenho dogs.html
entender que você inclui sob objeção. Mas meu cão sabe
este título beijar, chutar, a que sou um homem, e você

www.revistasamizdat.com 39
40 SAMIZDAT abril de 2010
Gilbert Keith Chesterton, co- “Assim como se pode conside-
nhecido como G. K. Chester- rar São Francisco o protótipo
ton, (Londres, 29 de maio de dos aspectos romanescos e
1874 — Beaconsfield, 14 de emotivos da vida, assim Santo
junho de 1936) foi um escritor, Tomás é o protótipo do seu
poeta, narrador, ensaísta, jor- aspecto racional, razão por
nalista, historiador, biógrafo, que, em muitos aspectos, estes
teólogo, filósofo, desenhista e dois santos se completam. Um
conferencista britânico. dos paradoxos da história é
que cada geração é converti-
da pelo santo que se encontra
Era o segundo de três irmãos. mais em contradição com ela.
Filho de Edward Chesterton E, assim como São Francisco
e de Marie Louise Grosjean. se dirigia ao século XIX pro-
Casou-se com Frances Blogg. saico, assim São Tomás tem
Concluiu os estudos secundá- mensagem especial que dirigir
rios no colégio de São Paulo à nossa geração um tanto
Hammersmith onde rece- inclinada a descrer do valor
beu prêmio literário por um da razão.”
poema sobre São Francisco
Xavier. Ingressa na escola de
arte Slade School de Londres Em uma de suas principais
(1893) onde inicia a carrei- obras, “Ortodoxia”, defende
ra de pintura que vai depois os valores cristãos contra os
abandonar para se dedicar ao chamados valores moder-
jornalismo e à literatura. Es- nos, a saber, o cientificismo
creveu no Daily News. Nasci- reducionista e determinista.
do de família anglicana, mais Dono de uma retórica exem-
tarde converteu-se ao catoli- plar, coloca em debate crítico
cismo em 1922 por influência idéias como as de Mark Twain
do escritor católico Hilaire e Nietzsche.
Belloc, com quem desde 1900
manteve uma amizade muito
próxima.

Ao falecer deixou todos os


seus bens para a Igreja Ca-
tólica. A sua obra foi reunida
em quase quarenta volumes
contendo os mais variados
temas sob os mais variados
gêneros. O Papa Pio XI foi
grande admirador de Chester-
ton a quem conhecera pesso-
almente.

Na sua introdução a “São


Tomás de Aquino” deixou
escrito:

http://www.platypusinnovation.com/static/eif/image/chesterton.jpg

www.revistasamizdat.com 41
Teoria Literária

Enigma Archinov
Leandro da Silva

Sobre a relação entre arqueologia do capitalismo, literatura e memória,


sobretudo as fundamentações histórico-culturais para os direitos humanos
concensuais do agora.

Ao se lembrar de fatos cia o que se aconteceu nos da de mãos-em-mãos. Seja


e personagens, totalmente anos stalinistas da União So- uma publicação estritamente
esquecidos e que originaram viética, e a luta propriamente política, ou político-cultural,
percepções, temáticas e rea- clandestina. Em um Estado ou um simples poema. Assim
lidades, a sensação é estar à que tentava controlar a tudo os povos da União Soviética
sós, como ficou o protagonis- e massificar ao máximo a viam como uma das alter-
ta do assunto deste artigo. cultura, as pessoas para satis- nativas tal instrumento, que
Liberdade de expressão, fazer suas necessidades cultu- fez parte dos embates com a
descentralização da cultura rais tinham como instrumen- megaestrutura stalinista.
e literatura livre, pautas que to o chamado Samizdat, uma Um homem simples, um
passam por através dos tem- auto-publicação em baixa operário russo que passou
pos, e que têm como referên- tiragem e artesanal, passa- por todos os processos políti-

42 SAMIZDAT abril de 2010


co-sociais anteriores, durante, enclausurado até eclodir a
e após a Revolução Russa, Revolução de 1º de Março
se não é um dos principais de 1917, e ser libertado junto
agentes que fizeram possí- à Makhno e os principais
veis um confronto com todo inimigos do Estado e sistema
um Estado, e principalmente tzarista.
a fé de que é possível sem- Retornou com Makhno
pre expressar-se mesmo nas para a terra dele, a Ucrânia,
condições mais opressoras. onde a Revolução também
Nem se tem uma “tradução” estava acontecendo, sobretu-
precisa de seu nome para o do no campo, onde Makhno
português, próximo à Archi- era como a um herói dos
nov ou Arshinov, por intei- povos camponeses. Dali, uni-
ro: Piotr Andrievich Marin ram as vilas e formaram um
Archinov. Exército Insurrecional pró-
Poucas fontes para es- prio afinado ideologicamente
crever um artigo sobre sua com a ideologia anarquista
relação com a liberdade de porém, aberto a todos os
expressão e produção literá- camponeses que queriam
ria. A maioria das fontes hu- lutar pelos direitos mais
manas foram “desaparecidas” nobres, principalmente pela
ou assassinadas bem como reforma agrária e autogestão.
as fontes bibliográficas foram São reconhecidos os feitos do
queimadas ou “recicladas”. Exército Insurrecional Makh-
No entanto, pode-se dizer o novista, enfrentou os exérci- novischina”.
que é oficial para o Estado tos “brancos”, aliou-se com o
Russo atual ou o que é reco- Exército Vermelho dos bol- Sobreviventes por sor-
nhecido a partir dos pouquís- cheviques e o salvou por vá- te e feridos, os poucos que
simos registros, um persona- rias vezes nas batalhas contra conseguiram, se exilaram na
gem histórico nascido numa a burguesia e aristocracia França, Archinov, Makhno,
aldeia russa, que ao entrar locais e internacionais, no entre outros. Juntos lançaram
em contato com os primei- cenário pós-guerra mundial. novas ideias para o anarquis-
ros grupos bolcheviques na Foi quando após conflitos mo mundial após as experi-
categoria ferroviária, tornou- com os bolcheviques, sobre- ências do anarquismo russo
se militante, e após alguns tudo na tentativa de criação e ucraniano. Escreveram
confrontos com o sistema da “ditadura do proletaria- “Plataforma Insurrecional
tzarista, ao sofrer a repressão do”, a partir da capital russa, Anarquista” um documento
teve contato com anarquistas, Lenin e Trotsky considerou que pede a todos militantes
e assim abandonou o marxis- o exército que já os salvou libertários do mundo a se
mo. Participou de várias gre- uma ameaça. Em uma bata- organizarem melhor, pois o
ves e confrontos, organizou lha considerada de traição, fracasso na Revolução Russa
os anarquistas russos, virou o Exército Vermelho massa- foi em parte reflexo da de-
uma referência, foi persegui- crou pelos flancos o Exército sunião entre anarquistas, que
do publicamente pelo Estado. Insurrecional Makhnovista, fizeram várias lutas isoladas
Condenado à morte, fugiu da e assim foi eliminada uma que não puderam conter o
prisão, se exilou na França, grande oposição aos planos golpe da “ditadura do pro-
depois retornou, continuou de centralização bolchevi- letariado”. O documento
suas atividades, o Estado o que, junto ao marinheiros de foi mal recepcionado, pois
capturou de novo, tudo isso Kronstadtff, também inspira- os anarquistas do mundo o
nos primeiros anos do século dos pela corrente libertária ( interpretaram como uma
XX. Preso, na capital russa, anarquista ). Archinov, conta ordem de organização “for-
conheceu Nestor Makhno, tudo isso e muito mais em çada” em que todos deveriam
outro anarquista, e lá ficou seu livro “História da Makh- estar dentro para sobreviver,

www.revistasamizdat.com 43
Errico Malatesta, foi um dos Pouco depois, durante a Archinov fez algo extraordi-
que rejeitaram as ideias de purga stalinista, em 1937, nário.
Makhno e Archinov. Archinov some. Ninguém “Há uma escola de pen-
Isolados e frustrados, os sabe o que aconteceu, poucos samento que crê que Ar-
anos 20 passaram-se vendo se manifestam. Após alguns shinov colocou seu repúdio
da França o stalinismo frear anos e depois com a queda ao anarquismo como uma
as conquistas da revolução do stalinismo, é revelado seu cortina de fumaça para que
e eliminar a oposição socia- paradeiro e o registro do seu ele pudesse retornar à Rús-
lista brutalmente na nova sumiço aparece: “Deportado sia para ajudar a organizar
União Soviética. por acusação de restaurar o o movimento anarquista
anarquismo na Rússia So- clandestino lá. Nós sabemos
Foi quando numa opor- viética”. Parece que ele foi
tunidade, Archinov quis que o grupo Dielo Trouda
filmado em 1937 na depor- manteve contato com esse
reverter toda sua frustração, tação. Mas, mal se sabe ao
pois na França ainda perse- movimento, e Ante Ciliga no
certo para onde foi e aonde Enigma Russo se refere a ele
guiam os sobreviventes do foi enterrado.
Exército Insurrecional Makh- como extremamente bem or-
novista, aproveitou o fato de Como assim? ganizado. Nós não podemos
ser expulso da França, para Décadas após décadas, ter a certeza de uma forma
gerar uma condição e dar as gestões do Estado seja ou de outra, até que todos
realidade a um antigo plano: na antiga União Soviética os registros mantidos pelas
retornar para a Rússia. quanto na nova Federação autoridades russas sejam
Russa, desde o tempo de olhados pelos pesquisadores.
Lançou panfletos que Esperamos que algum pes-
negam a importância do Lenin e Trotsky, escondem
os arquivos das atrocidades quisador faça em breve.”
anarquismo, rejeitou a cor-
rente libertária e defendeu o cometidas como crimes pró- Ed, em Libcom no artigo
stalinismo, fazendo saudações prios de Estado. Uma gestão Biográfico sobre Archinov,
à política da União Soviética após outra, foi apagando tais http://libcom.org/history/
do momento. Em considera- arquivos, de acordo com o arshinov-peter-1887-1937
ção com a enorme importân- que era bom ou ruim para o Por fim, aí está uma parte
cia de Archinov para a re- regime. Assim foi com toda da construção moderna do
volução e até mesmo para a a produção literária e ainda direitos fundamentais do
formação dos primeiros anos está sendo, mal se sabe se cidadão, esquecida, provavel-
do bolchevismo, anteriores a uma obra da época foi ou mente em forma de ossos nos
sua adesão ao anarquismo, não forjada, ou se uma foto antigos campos siberianos de
Stalin “perdoou” Archinov foi ou não remontada. A cul- trabalho forçado, cemitérios
e aceitou sua repatriação e tura sujeita a uma dimensão enevados do stalinismo.
filiação no Partido Comunis- que reduz as manifestações
ta. Ferido e doente, Makhno individuais e coletivas, sem-
ficou surpreso com a atitude pre estará propícia a encon-
trar meios paralelos para se
Fontes:
de Archinov, e o considerou
não só um traidor, mas al- propagar, pois são as pessoas
que a fazem, o que precisam *Arquivo Público Históri-
guém que renegou o que ele co de Moscou
viveu, após ter feita a famosa e o que sentem.
“autocrítica soviética”. Archinov, não pôde ir *História da Makhnovis-
ao enterro de Makhno e se china, de Archinov
De volta a sua terra natal,
Archinov em pleno stali- esclarecer. Makhno morreu *www.libcom.org
nismo, ocupou funções do pensando que fora totalmen- *www.nestormakhno.info
Partido Comunista, e atuou te repudiado, pelos anarquis-
como revisor em Moscou. Os tas espalhados pelo mundo a
anarquistas do mundo intei- fora, e por seu velho compa-
ro o consideraram como a nheiro, Archinov.
decepção dos anos 30. Há quem acredite que

44 SAMIZDAT abril de 2010


www.revistasamizdat.com 45
Crônica

http://www.abcgallery.com/I/ingres/ingres20.JPG

Joaquim Bispo

A Vingança de Zeus

46 SAMIZDAT abril de 2010


Nos tempos de Homero, era Foi isso que os membros do descomprometida, sem ame-
público que os deuses interfe- casal alemão – ele de ascen- aças de responsabilidades
riam na vida dos homens, às dência grega, 29 anos, e ela futuras, é a ambição de quase
vezes por motivos mesquinhos por aí – decidiram, mas, em todos os homens. Todas as
e de maneira impertinente. vez de recorrerem a um banco fantasias masculinas tilintam
Nos tempos que correm, não de esperma, contrataram um de alegria ante tão excitan-
pensamos em deuses traqui- vizinho para cumprir a par- te perspectiva. Além disso,
nas quando as nossas vidas te do fornecimento seminal, consta que a senhora é uma
tomam rumos inesperados, devido ao facto de ter extra- estampa de mulher, pelo que
mas ficamos desconfiados da ordinárias parecenças físicas não se percebe por que foi
qualidade do argumentista da com o marido infértil. Além preciso pagar 2000 euros ao
nossa realidade. disso, o vizinho dava garantias vizinho que, com 34 anos, não
de sucesso: era casado e pai devia precisar de tal incentivo.
Há tempos, na Alemanha,
de dois filhos, bem bonitos, Estamos, certamente, peran-
um casal, desesperando de
por sinal. te um excelente negociador
não conseguir ter filhos, como
que obteve um pagamento
tantos outros, obteve dos tes- Será que, a partir daí,
pelo que teria feito de graça,
tes de fertilidade a mais cruel entregaram o processo a um
alegremente. Na verdade, foi
das respostas: o marido era laboratório que se encarregas-
só com o dinheiro que estava
infértil. se de recolher o esperma do
a ganhar que ele argumen-
vizinho e o colocasse no útero
Para qualquer ser humano, tou à própria esposa, quando
da mulher? Não. Fosse porque
esta é uma notícia perturbado- ela tomou conhecimento do
desconfiam da tecnologia, ou
ra. O seu eu físico, genético, propósito das inúmeras saídas
por outra razão não revelada,
fica por ali, não se prolonga nocturnas do marido.
o combinado foi que o vizinho
para lá dele, a eternidade fica
copulasse com a senhora, de Neste ponto, tudo pare-
condenada. Resta a possibi-
modo natural, três vezes por cia correr bem e a contento
lidade de prolongar o seu eu
semana, até que ela engravi- de todos: o vizinho tinha o
cultural, memético, que, para
dasse. melhor trabalho do mundo; a
muitos, é até mais identitá-
sua mulher confortava-se com
rio. Para isso, há que arranjar Não sabemos o que sentiu
a entrada da receita extra; o
uma criança, dê por onde der: o vizinho quando foi con-
homem esperava ter em casa,
adopção, barriga de aluguer, vidado, mas adivinhamos.
brevemente, uma criança
inseminação artificial. Nesta Deve ter agradecido a todos
parecida consigo, para educar;
última, ao menos, a parte ge- os deuses do panteão germâ-
a mulher iria, finalmente, ser
nética da esposa está presente. nico a graça que lhe tombou
mãe, de maneira totalmente
na cama. Copular de forma

www.revistasamizdat.com 47
humanizada, sem ter de recor- assiduamente, mas a senhora estaca zero, ou antes, à estaca
rer a impessoais burocracias e não engravidava. A eficiên- um, e, provavelmente, tenta
frios procedimentos laborato- cia do copulador contratado lembrar-se onde é que viu um
riais. Mas, pode-se especular não merecia reparos, mas, ao outro homem parecido com o
que o facto de saber quem fim de seis meses e setenta e marido; este, dada a ausência
era o pai poderia vir a ser de duas jornadas de trabalho, o de resultados do contrato em
enorme utilidade, se fosse casal começou a duvidar da que tanto investiu, sente-se o
necessário apontar a paterni- sua eficácia para terminar a mais manso dos herbívoros e,
dade biológica, em caso de obra dentro do prazo previsto para readquirir alguma dig-
futuras carências económicas e intimaram-no a provar as nidade, lançou um processo
da criança – que estas contas habilitações. Mais uma vez, judicial contra o vizinho, para
não se pensam, mas estão a resposta laboratorial foi de- tentar recuperar, ao menos, os
sempre presentes na contabili- soladora – também o vizinho 2000 euros. Além disso, deve
dade genética inconsciente de era infértil – só que, desta precisar deles para o próximo
cada um – que os genes não vez, com consequências mais contrato.
brincam na hora de garantir a devastadoras.
O vizinho, que também
preservação.
O alegre copulador passou, pode vir a precisar, foi quem
Foi neste ínterim que Zeus repentinamente, de o mais mais perdeu, apesar das be-
– quem mais? – interveio, feliz dos homens para um dos nesses. Não quer devolvê-los,
para gorar os planos deste gru- mais castigados pela sorte: argumentando que forneceu
po tão bem conluiado. Talvez não só a mulher o tinha traído, a mão-de-obra – salvo seja
se tenha apiedado da posição como os filhos não eram seus – conforme combinado, mas
humilhada do seu infértil e – supremo golpe – não po- nunca garantiu a consecução
compatriota, talvez tenha deria vir a tê-los. do projecto.
querido mostrar a Odin qual
Ela, quando confrontada O caso está para ser decidi-
o panteão mais poderoso, ou
sobre a origem da prole, ainda do pelo tribunal de Estugarda,
talvez tenha ficado invejoso
tentou desculpar-se com Odin, e é por isso que dele tomámos
da sorte olímpica do vizinho
disfarçado de padeiro, uma conhecimento, através do
– que ele, apesar de Zeus, tem
vez, e de técnico de televisão jornal Bild – que pela boca de
de tomar formas de cisne, de
por cabo, da outra, mas o ma- Zeus jamais o saberíamos.
touro, ou outras, para conse-
rido já não vai em mitologias
guir unir-se à mulher ou até à
e exigiu o divórcio.
deusa que deseja.
Do casal de soluções
Bem que o vizinho ale-
criativas, a mulher voltou à
mão se esforçava, pontual e

48 SAMIZDAT abril de 2010


Ele tinha
nome dediante
“O Cantode
da si sua
lado visão ao concertista.
vampiresco, noturno,
aventureiro – enfim, o meu
chão
diante.a partitura do final
Sereia
SAMIZDATde Bach”, já que a
— Giulia Aquela mesma figura ca- de uma recente compo-
a mais difícil das missões:
Moon é, segundo fontes eu que passava as noites
bela melodia sempre se davérica, que levara tan- sição
SAMIZDATsua – a—primeira
Com tan-a

ficina
seguras (rsrs) um nome teclando com amigos so-
mostrava como um fatal tos a sucumbir,
turnos e escrevendo apontava-
contos tos autores,
lembrar quenacionais
estava eme
artístico. Como é o seu
cumprir a vontade de Deus
enome
irresistível convite ao
de batismo, e por
lhe seus
cruéis na terríveis olhos
Tinta Rubra. estrangeiros,
harmonia comabordando
a música
o vampirismo, é possível
além-túmulo.
que a opção pela adoção ausentes. E como todos os inacabada de Bach. Ter-
fugir de certos clichês
deQuase
um pseudônimo? Você
um ano após o outros,
SAMIZDAT também— OsMozart
vampi- minando,
do gênero,viu ou que a perna
ao fazê-lo
publica textos como “você paralisou-se.
ros são um dos Junto à ima-
temas
www.oficinaeditora.com
que, já estava olivre.
corre-se riscoCorreu
de desca-o
início das mortes, passava
mesma”, diferentes dos de tempos em sentiu
tempos,o racterizar o tema?
pela região umcomo
viajante gem macabra, mais rápido que pôde,
textos escritos Giu- voltam a ser moda. A que
austríaco,
lia Moon? excepcional cheiro da putrefação. As sem
GIULIA olhar paranão
— Bem, trás.existe
O
você atribui este fascínio

http://www.flickr.com/photos/erzs/1357413280/sizes/o/
náuseas dominaram-no, uma lei que diga
som de sua composição que tais
estudante
GIULIA — de música,
O meu nome que temos por estas cria- e tais características são
real é SueliWolfgang
chamado Tsumori. “Giu-Ama- o que o fez libertar-se da servia de trilha sonora
turas? obrigatórias para um perso-
lia Moon”
deus é umQuando
Mozart. nickname paralisia, caindo
GIULIA — Acho que as de joe- para
nagema vampiro.
fuga, enquanto
Acho que
que adotei quando entrei lhos a largos
pessoas gostamvômitos. Em ele
de vampiros pensava
depende como,
do bom até de
senso o
soube da maldição, não
na Tinta Rubra. Ao in- porquea são, em primeiro cada autor. aquela
Um bom senso
se meio engasgos, tosses e momento, música
vésalarmou, disse
de escolher, comoapenas
os lugar, vilões com um bom que o faça reconhecer que,
que gostaria de
outros, um nome romenoouvir o ânsias, ouviu a frase mor- nunca havia lhe parecido
layout. São parecidos com sem algumas características
vampiresco
tal concertocom títulose de
fúnebre de tal: “Termine a música”. tão viva e tão mórbida.
os seres humanos, têm as básicas, o seu personagem
nobreza como “condessa”
conhecer o seu autor. Foi Confuso,
vantagens dadesnorte-
juventude Prometeu não mais
não é um vampiro, mastocá-
e “lady”, reuni dois nomes eterna, imortalidade, la.
alertado de que a história
curtos que tivessem algum
ado, Mozart tentou dons
se alguma outra criatura. Os
psíquicos, força física. É vampiros do meu livro
era
tipo verdadeira,
de significado de para
que as levantar apoiando-se No dia seguinte, o
um monstro que tem um Kaori são os vampiros clás-
pessoas
mim. Eu já não queriam
sempre gostei do no órgão,
arsenal de que
armas sua mão
variado: jovem Mozart já bebem
sicos: predadores, não se
mais estudar música,soava
nome “Giulia”, porque e atravessou
a força, o poder como se nadaa
psíquico, encontrava
sangue (e só pela cidade.
sangue), não
sensual, gracioso e fácil de sedução, a esperteza. Pode andamum a luz do dia,pelo
têm
ele poderia ser o próxi- ali estivesse. Caiu sobre “Mais levado
ser pronunciado. E “Moon”,
mo,
porquee osou
diaumafatalapaixo-
estava o vômito, começando a ou
agir com a “mão pesada” Canto da Sereia de Bach”,de
muita força e capacidade
com sutileza, dependendo se regenerar de ferimentos.
se
nadaaproximando...
pela lua, adoroNada ficar recobrar a razão e ten- diziam. Contudo, soube-
da situação. Mas também Mas já escrevi contos em
devaneando
disso sob uma lua
o espantou. tando
pode ser afastar-se
sentimental, daquele
frágil, se
quenaoshospedaria
vampiros são que ele
seres
cheia ou ler histórias que prenúncio
enfim, pode da
ter morte.
todas as fra- havia partido durante
microscópicos, por exem- a
Dia vinte
envolvam e oito,
noites “Toca-
de luar – quezas
De da mente
bruços sobrehumana,
a terra, plo. Os clichês
madrugada, ruins
são são
e salvo,
ta e Fuga
além em Ré
de achar Menor”,
a grafia de pois já foram humanos um apenas aqueles que são mal
tudo
“moon” como
muitohaviam dito,os sentiu
legal, com algo prendendo-o
dia. Para o autor, é um per-
após o sinistro concerto.
trabalhados pelo autor.
e“o”s
lá lado a lado,
estava lembrando
Mozart pelo
den-Bugalho
sonagempé. Não
muitoteve cora-
estimulante, No cemitério, ao invés do
Henry Alfred
dois olhos arregalados de
tro do cemitério. Com os gem http://www.lostseed.com/extras/free-graphics/images/jesus-pictures/jesus-crucified.jpg
e issodefazolhar
com que parao ver o
produ- esperado músico morto,

O Rei dos
espanto. Quando lancei o SAMIZDAT — Muitos
olhos fechados, deixava-se que
to daera. E novamente
criação a
tenha grandes foi encontrada apenas
primeiro livro, não havia chances de suplicou:
ficar bom.“Ter-E, autores da nova geração
extasiar
razão para com as compo-
assinar de outra
voz suave uma inscrição com
encantaram-se na terra,
os
para o leitor, é aquele vilão
forma, já
sições deque a maioria
Johann Sebas-dos mine a música”. Fazendo parecida
vampiros com o trecho
por causa dos de

Judeus
(ou vilã) bonitão, sacana
meusBach,
tian leitores
numme estado
conhe- uma desesperada
e malvado que adoramosoração jogos departitura.
alguma RPG, especial-
Desde
cia como “Giulia Moon”. E mental, tateou
odiar. Vilões o solo
assim até
sempre mente “Vampiro: a Más-
então, não se noticiou
de euforia sobrenatural. cara” (publicado no Brasil
assim ficou. Nunca publi- fizeram sucesso,
Subitamente, o som encontrar uma pois pedraadora- mais vítimas do “Canto
quei nada como Sueli,se
pois mos esses contrastes: beleza pela Devir). Você perten-
extinguiu. O jovem
Giulia continua sendo,des-
pelo pontiaguda. Com ela, da
ce aSereia de Bach”.
este grupo ou seu
com maldade, delicadeza
menos para
pertou mim, oemeu
do transe dirigiu começou a desenhar no
com crueldade, e assim por interesse é anterior? Qual

do www.revistasamizdat.com 49
w
gr nl
át
oa
is d
Crônica

Apenas uma mulher


Ju Blasina

http://faculty.umf.maine.edu/~walters/web%20104/ww1%20women%20RR%20mechanics.jpg

50 SAMIZDAT abril de 2010


Sentada numa cadeira fosse melhor recompensada,
simples de sua casa humilde, poderia dar a elas uma cama
ela é apenas uma mulher melhor, uma vida melhor, um
tentando fazer o seu melhor, futuro melhor. Mas por hora,
buscando dividir o tempo tudo que pode lhes dar é um
entre trabalho e família, breve beijo de despedida.
entre contas e calendários, Mas hoje, ah... Hoje tudo
rezando por um melhor ma- vai mudar! Manifestarão
rido, lutando por um melhor seu descontentamento com
emprego, sonhando com um as deploráveis condições de
melhor armário. Apenas uma trabalho, com o salário in-
mulher... Como se alguma justo, com a excessiva carga
mulher no mundo fosse “ape- horária, com a proibição
nas” alguma coisa. Ela é mãe, ao voto, com tantas coisas...
é filha, é amante, é amiga, é Se ao menos uma delas for
irmã. Ela é mulher. ouvida, serão vitoriosas! Em
Mais tarde, deitada na seus planos tudo parecia
cama que divide com as perfeito, mas a realidade é
filhas, ela pensa no futuro. sempre imprevisível. Alguns
Não somente no seu, mas no chamam de destino, outros,
futuro das mulheres que ain- de fatalidade, mas a mulher
da não nasceram. No futuro trancada naquela fábrica
de suas filhas e das filhas chamou de fracasso.
de suas filhas. Num futuro Ela verifica novamente
distante, bem distante da sua as portas na esperança tola
triste realidade. de que a força de vontade
Amanhã será um dia possa aportar-lhes uma saída,
importante, um dia daqueles mas não... Para seu desespe-
que exigem coragem, toda a ro, todas as portas parecem
coragem que puder reunir, trancadas. Neste momen-
e ela sabe onde encontrá-la. to, ela sabe que é o fim do
Com o sono roubado pela caminho, todas elas sabem e
ansiedade, ela deixa a cama talvez muitas já antes sou-
pé por pé, rumo as suas bessem, porém, ainda assim
armas mais letais: esmaltes, precisavam lutar, valia a pena
batons e bobs — parecem ob- tentar...
jetos inofensivos, mas como O que ela não sabe é
mulher ela sabe reconhecer que, junto com as cento e
o poder que eles trazem. trinta outras mulheres que
Prepara-se para a guerra, sucumbiram naquele incên-
se sente invencível e mal dio, num fatídico oito de
percebe o amanhã chegar an- março, ela acabava de abrir a
tes do desenrolar do último mais importante de todas as
cacho. Não há tempo para portas. Uma porta por onde
delongas, não há muito para os sonhos ousam atravessar.
o café, mas sempre há um Uma porta, através da qual
último olhar em seu maior ela poderá passar milhares e
tesouro: as filhas, que dor- milhares de vezes, em outro
mem seguras na cama des- tempo, em outra vida, em
confortável. Pede a Deus que outro corpo, na força e na
esteja com elas na sua ausên- liberdade que habita a alma
cia — o que, graças às tantas de cada mulher.
horas de trabalho, tem sido
mais frequente do que gosta-
ria de admitir. Se ao menos

www.revistasamizdat.com 51
Crônica

Henry Alfred Bugalho

Nossas falsas
Foto: Henry Alfred Bugalho

necessidades cotidianas
52 SAMIZDAT abril de 2010
O lugar onde
Não gosto de telefones sem TV, computador, carros, a boa Literatura
celulares. Nunca gostei. energia elétrica, internet.
Quando todo mundo já Acostumamo-nos e nos é fabricada
carregava um celular no acomodamos com falsas
necessidades.

http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
cinto, ostentando o novo
clamor da modernidade, eu As inovações parecem se
relutava. Já era adepto da apegar ao nosso ser de tal
internet, mas do celular - maneira que o humano se
Deus me livre! confunde com elas.
Mas não dá para lutar A realidade do homem
contra o óbvio. primitivo, caçando com lan-
Enquanto que, alguns ça, residindo em cavernas
anos atrás, quando duas e descobrindo o fogo, é tão
pessoas iam se encontrar, alienígena para nós quanto
era preciso marcar data, um suposto marciano verde
local e hora exatos, senão em sua nave espacial.
o desencontro era inevitá- As falsas necessidades
vel, hoje as pessoas andam, são tão poderosas que em-
falam e perguntam: “onde burrecemos e nos atrofia-
você está? Ah, sim, estou te mos. Se, por acaso, há uma

http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
vendo!” queda de luz no prédio
Antes, se não se encon- numa noite de tempestade,
travam, era assunto encer- desesperamo-nos, tateando
rado; cada um ia para sua no breu, e não sossegamos
casa e fim. até ver a lâmpada se acen-
dendo mais uma vez.
Rendi-me e também te-
nho meu telefone celular... E Ao sermos libertados
me indago como conseguí- de certas restrições pela
amos viver sem ele antes. modernidade, tornamo-nos
Há 15 anos, praticamente enfim seus escravos.
ninguém tinha; há 25 anos, Temos acesso a todas as
até telefone fixo era rarida- informações do mundo, po-
de. Minha mãe era uma das demos nos comunicar com
poucas a ter telefone em pessoas do outro lado do
casa no quarteirão, por isto, planeta, tudo instantânea e
as vizinhas passavam o nos- imediatamente, mas somos
so número e anotávamos mutilados. Arranque-nos
o recado para elas quando deste acomodamento e en-
alguém ligava. colheremos, até sumirmos
Há 150 anos, que parece diante da nossa insignifi-
ser muito tempo, mas para cância.
o curso da História é me- Temos tudo à mão, ape-
nos que um segundo, nem nas para mascarar o nada
sequer existia o telefone. que nos tornamos.
E hoje mal conseguíamos O futuro aniquilou a
conceber como seria a vida
sem ele, assim como é difí-
cil pensarmos num mundo
nossa humanidade.
ficina
www.oficinaeditora.org

53
Poesia

Sobre mulheres e flores


Caio Rudá de Oliveira

o despertar de uma mulher ¹

o despertar de uma mulher


é uma melodia serena
feito um balanço no parque
lá e cá, deslizando no ar
um movimento leve e paciente
cadenciado, contra o qual insurgem
lapsos de descompasso

não importam as intermitências


o despertar de uma mulher é sutil e elegante
é uma flor com hora certa para desabrochar

¹ Este poema segue a poética do concludo. Para


saber mais sobre ele, confira a teoria, aqui mes-
mo na Samizdat, no artigo Teorizando o conclu-
do.

54 SAMIZDAT abril de 2010


http://www.flickr.com/photos/remonrijper/3445819004/sizes/o/
nunca me dê flores, meu bem

nunca me dê flores, meu bem


já demais as tenho
ademais, far-te-á enciumado
elas me lembram todos que por minha vida passaram
e tu sabes, nunca fui só tua

querias-me donzela
lamento, não a pude ser
ganhaste-me cheia de máculas
porém o amor é redentor, tu sabias
cultivaste-me assim mesmo
como fez o jardineiro
que a ti vendeu essas flores

mas repito, meu bem, nunca me dê flores


deixa-as no jardim
como não fez o jardineiro
que a ti e a todos que te imitam o gesto as vendeu
deixa-as perfazerem sua biografia
brotar, fertilizar e secar

não é demais dizer


nunca me dê flores, meu bem
já demais as tenho
ademais, hoje somos as flores, o jardim e eu uma coisa só
só te peço que não sejas meu jardineiro
pois não sou mais tua nem de ninguém
e assim serei para sempre virgem

www.revistasamizdat.com 55
Poesia

Blavinos Ju Blasina

BLAVINO 20 — Tic-tac

Tic

Tac-tic
Já são doze

Badaladas horas
Em dias seguidos por
Noites em claro. Ouço eu

O tilintar das moedas caídas

Ao chão feito migalhas dou-


-rando o tempo perdido
Para não passar

Sem ti até
O tic-tac

Dói

56 SAMIZDAT abril de 2010


BLAVINO 21 — Ilusão

Ilusão

Serei eu
Miniatura

Singular nos
Delírios do além
Ou imaginária criatura

Estranho sonhar de outrem

http://www.flickr.com/photos/judepics/190101132/sizes/o/
Serei eu marionete de
Deuses, destino
Ou sorte? Só

Não serei
Na morte

Ilusão

www.revistasamizdat.com 57
Poesia

Concisos Wellington Souza

ACORDAR

Todas as noites podo minhas asas


pecaminosas
que teimam em amanhecer.

AMOR VIRTUAL

São dois cegos


apaixonados
– não mais a dizer.

DESATANDO-NOS

...e mais uma vez


calçaremos

http://www.flickr.com/photos/trojanguy/2880085384/sizes/l/
as botas machadianas. PARAFRASEANDO ALGUÉM

Depois de ti,
hasteei bandeira
branca
e pedi paz.

58 SAMIZDAT abril de 2010


Poemas Mariana Valle

TEMPO

http://www.flickr.com/photos/thomashawk/2442371176/sizes/l/
Tudo na vida passa.
Não há desgraça
que não se abrande,
não há ferida
que não cicatrize,
não há dor
que se eternize.
Quão divino remédio
é o tempo,
senhor dos mistérios,
maravilha de invento!

QUEM

Quem espera não alcança, dança.


Quem arrisca não se arrepende, apenas não se rende ao medo.
Para quem vai à luta, não existem segredos para o sucesso.
Quem corre atrás garante o ingresso.
Aquele que omite, não mente, mas deixa de dizer a verdade.
Quem nunca vai embora não inspira saudade.
Quem não chora, mama sim, e nem precisa ser criança...
Quem ama sem medo não perde a esperança.
Quem não pergunta, não sabe responder.
Quem não aprende também não ensina.
Quem está em cima, sempre pode descer...
E, enfim, quem está lendo, também pode escrever.
Quem é você e o que tem a dizer?

www.revistasamizdat.com 59
Poesia

Dez de março
Polyana de Almeida

Trilha centelha
navalha sentidos.
Estraçalhados.
Eu cativa.
Março não chega.

Eu conto um.
Eu conto dois.
Eu conto infinitos,
meses destinos.
Uma lança à espreita enfia,
rasga a carne,
peito arreganhado:
vê como bate,
como deseja
um coração desesperado?
Até março.

Ao mês do impossível se faz a espera,


a espera que diz:
não corra tanto. Que há na correnteza
além do devir?
Por que não fica aí contente com esse nada?
Por que espera que na corrida se desfaça o nada?
Esse nada será um outro nada,
invariavelmente.

Mas conto os grãos da ampulheta,


leves,
eu cardíaca,
escoam serenos,
em tortura.
(escorre sangue dos meus olhos,

60 SAMIZDAT abril de 2010


retina pétrea,
acorrentados)

Ao mês do impassível se faz a guerra,


a guerra que diz:
não sofra tanto. Que há no sofrimento
além do sentir?
Por que não ultrapassa de vez a trincheira?
Por que não deixa que os tiros abatam logo?
O abatimento se dará em qualquer lado,
invariavelmente.

Luz exígua
instiga futuros.
Mundos.
Eu vida.
Dez de Março...

Eu conto um.
Eu conto dois.
Eu conto vazios
dias vestígios.
Esvaziados,
me esvaindo em pedaços.

E sinto esvoaçar,
sinto fugir a pele,
carne etérea,
não sou nem mesmo mais corpo:

http://www.flickr.com/photos/19799714@N00/1672201975/sizes/o/
vê como transcendo o tempo,
como me espalho
sobre o tempo,
quando não há mais corpo?

Amanhã menos um.


Depois de amanhã menos dois.
Depois de depois de amanhã, três.
E março.

Mas março não chega.

(Há um ano, uma espera fez-se presente; e hoje, ausente,


diz que há mortes que sim, que carregam no bojo o sopro
da vida)

www.revistasamizdat.com 61
SOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa

Henry Alfred Bugalho


Formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em
Estética. Especialista em Literatura e História. Autor
de quatro romances e de duas coletâneas de contos.
Editor da Revista SAMIZDAT e um dos fundadores
da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia
Nova York para Mãos-de-Vaca”. Mora, atualmente, em
Nova York, com sua esposa Denise e Bia, sua cachor-
rinha.
henrybugalho@gmail.com
www.maosdevaca.com

Revisão
Maria de Fátima Brisola Romani
Nasceu em SP em 1957 mas mudou-se para Salvador
em 1984 onde reside até hoje. É arquiteta e artista plás-
tica, além de tradutora (inglês e italiano) e revisora de
textos. Escreve poesias esporadicamente desde adoles-
cente e há cerca de um ano começou a escrever contos.
Pretende concorrer ao mestrado em Artes Cênicas na
Escola de Teatro da Ufba.

62
62 SAMIZDAT abril de 2010
Colaboração

http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Maria de Fátima Santos
Nasceu em Lagos, Algarve, Portugla em 1948. Vi-
veu a adolescência em Angola e reside em Lagos.
Licenciada em Física, é aposentada de professora do
Ensino Secundário. Já participou na SAMIZDAT e por
afazeres de vida afastou-se. Tem poemas em diversas
antologias, e publicou em Janeiro de 2009 um livri-
nho com pequenas histórias, aquelas que lhe voam
no teclado: Papoilas de Janeiro é o título, com ilus-
trações de TCA do blogue http://abstractoconcreto.
blogspot.com/ Muito material está publicado nos
blogues e www.intervalos.blogspot.com e http://tris-
teabsurda.blogspot.com/ Escreve pelo gosto de deixar
que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.

Mariana Valle
Por um amor não correspondido, a carioca de
Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o
beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua
amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o
papel com erotismo. E também com seu choro. Em
reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade.
Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi
na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-
ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias
histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro
e outras divulgadas nos links listados em seu blog
pessoal: www.marianavalle.com

Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.

www.revistasamizdat.com 63
Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.

Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.

Leandro da Silva
Pampeano, gaúcho das tecnologias “rústicas” dos
ancestrais indígenas. Estudante de espanhol. Escreve
para complementar a realidade, crendo que todos
podem escrever e, que isso não é profissão e sim,
humanização. Relacionando sociedade, ideologia e
memória coletiva, principalmente. Sobre o pampa,
literatura de ficção científica e africanismo, unindo-
os ou não,.

64
64 SAMIZDAT abril de 2010
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.

episcopum@hotmail.com

José Guilherme Vereza


Publicitário, redator, executivo, professor, aluno, marido,
pai, filho, cunhado, tio, sobrinho, genro, sogro, amigo, bota-
foguense, tijucano, lebloniano, neopaulistano, escritor, leitor,
eleitor, metido a cozinheiro, guloso, nem gordo nem magro,
motorista categoria B, pedestre, caminhante, viajante, seden-
tário, telespectador, pilhado, zen, carnívoro, beatlemaníaco,
cinemeiro, desafinado, sinfônico, acústico, capricorniano,
calorento, alérgico a ditaduras, sonhador, delirante, insone,
objetivo, subjetivo, pragmático, enérgico, banana, introspec-
tivo, extrovertido, goleiro, blogueiro, colunista do Bolsa de
Mulher, colaborador do Mundo Mundano, tem livro publi-
cado, conto premiado, teve texto encenado no teatro, fez ro-
teiros para televisão, criou uma infinidade de comerciais e
aprendeu que aproveitar a vida intensamente é ser de tudo
um muito. Samizdat é seu mais recente energético..

Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.

www.revistasamizdat.com 65
Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra
e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas
estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de es-
crever de vez em quando. Paulistana convicta, vive
desde sempre em São Paulo.

Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão
Preto, onde cursou economia na Universidade de São
Paulo. Hoje, reside novamente no bairro em que nas-
ceu. Participou das antologias do concurso Nacional
de Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas
de Gaveta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e
ensaios literáios em um blog (Hiper-link), na revista
digital SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária.
“Escrever é um modo de ser outro ser”.

Cirilo S. Lemos
Nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense,
em 1982, nove anos antes do antológico Ten, do
Pearl Jam. Foi ajudante de marceneiro, de pedreiro,
de sorveteiro, de marmorista e mais um monte de
coisas. Fritou hambúrgueres, vendeu flores, criou
peixes briguentos. Chorou pela avó, chorou por seus
cachorros. Então cansou dessa vida e foi estudar
História. Desde então se dedica a escrever, trabalhar
como voluntário numa escola municipal e fazer feliz
a moça ingênua que aceitou ser mãe dos seus filhos.

66 SAMIZDAT abril de 2010


Polyana de Almeida
Paulistana, 28 anos. Escritora, publicitária, mestre
em Literatura Russa, sonhadora, amante do passado,
apologista da nostalgia. Entre os afazeres da escrita

http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
e do cotidiano, contempla o mundo e questiona: “há
vida sem arte?” No meio do caminho, trôpega, em
desalinho, ela vai se perdendo, caindo, decaindo, a
responder: “sem arte, para mim, vida não há.” E le-
vanta: palavras, palavras, palavras. Corpo. E o sangue
a pulsar.
SAMIZDAT fevereiro de 2010

Ana Cristina Rodrigues


Historiadora e escritora lusocarioca, fascinada
pela exploração de novos mundos: seja no passa-
do, no futuro ou em tempos que ainda não existi-
ram. Uma contista que se esforça arduamente para
tornar-se romancista um dia, além disso coordena
antologias, comunidades e coletivos de escritores.
Publicou contos em vários zines e antologias no Bra-
sil e no exterior, além do livro ‘AnaCrônicas’, uma
coletânea de contos curtos.

www.revistasamizdat.com 67
Também nesta edição, textos de

Ana Cristina Rodrigues Leandro da Silva

Caio Rudá Léo Borges

Cirilo S. Lemos Marcia Szajnbok

Giselle Natsu Sato Maria de Fátima Santos


http://www.flickr.com/photos/jimmybrown/3323780747/sizes/l/

Henry Alfred Bugalho Mariana Valle

Joaquim Bispo Maristela Deves

José Guilherme Vereza Polyana de Almeida

Jú Blasina Wellington Souza

68 SAMIZDAT abril de 2010

Anda mungkin juga menyukai