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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
■-— Responderemos propóe aos seus leitores:
-— aborda questóes da atualidade
- J-¡ controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
¡ dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
■ ■=---- — ' este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xlh Maio 2001 468
"Avanca para aguas profundas!" (Le 5, 4)

A Perseguigáo Religiosa movida pelo Nazismo

A Atitude de Pió XII frente ao Nazismo

Os Cristáos e a Propriedade Particular

"Voltar do Amanhá" por G. Ritchie e A. Sherrill

A Pílula do Dia Seguinte

Sexo no Além?

"Cada Pessoa tem um Anjo" por A. Grün


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MAIO 2001
Publica?áo Mensal N°468

Diretor Responsável
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB "Avanca para aguas -
Autor e Redator de toda a materia profundas!" (Le 5, 4) 193
publicada neste periódico
Igreja e Nacional-socialismo:
A Perseguicáo Religiosa movida pelo
Diretor-Administrador:
Nazismo 194
D. Hildebrando P. Martins OSB
Entrevista esclarece
Administrado e Distribuicáo: A Atitude de Pió XII frente ao Nazismo.. 207
Ed¡9óes "Lumen Christi"
Lícita ou nao?
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501 Os Cristáos e a Propriedade Particular. 213
Tel.: (0XX21) 291-7122
Viagem fora do corpo:
Fax (0XX21) 263-5679
"Voltar do Amanhá" por G. Ritchie e A.
Endereco para Correspondencia: Sherrill 223
Ed. "Lumen Christi" Questáo candente:
Caixa Postal 2666 A Pflula do Dia Seguinte 229
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Concepcóes espiritas:
Sexo no Além? 234
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Muito atual:
na INTERNET: http://www.osb.org.br "Cada Pessoa tem um Anjo" por
e-mail: lumen.christi@osb.org.br A. Grün 239

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"No inicio do Novo Milenio" (Joio Paulo II). - Os Dinossauros e a Biblia. - Criafáo ou
Evolu?áo? - Persegui?áo Religiosa na Albania Comunista. - "O Grao de Trigo" (A. Mes-
quita Galváo). - "Os Fatos da Vida" (Brian Clowes).- A ONU e a Globalizacáo (M.
Schooyans).

(PARA RENOVACAO OU NOVA ASSINATURA: R$ 35,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 3,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, para agencia 0435-9 Rio na


C/C 31.304-1 do Mosteiro de S. Bento/RJ, enviando em seguida por carta ou fax
compro van te do depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderecado as EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edigóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro - RJ
"AVANQA PARA AGUAS PROFUNDAS!"
(Le 5, 4)

"Avanga para aguas profundas!", eis a ordem que Jesús dá a Pedro após
urna noite de pescaría frustrada. Pedro, com sua experiencia de pescador, res
ponde ao Mestre que já tentara pescar por toda a noite anterior - o que parecía
tornar despropositada a norma dada por Jesús. Todavía o Apostólo póe de lado
sua sabedoria e continua: "Já que mandas, langarei as redes" (Le 5,4). A fé de
Pedro foi amplamente recompensada, pois conseguiu captar tanto peixe que
as redes se rompiam. Em conseqüéncia Jesús diz a Pedro: "Nao tenhas medo!
Doravante serás pescador de homens" (Le 5,11).
Como se vé, o episodio quer ser transparente. A pesca realizada ñas
condicoes descritas é imagem do que acontece no plano espiritual. Pedro re
presenta o cristao a quem Jesús chama para a profundidade e a grandeza de
alma. A todos, indistintamente, é dirigida a vocacáo para a santidade ou a per-
feigáo espiritual, como lembra o Concilio do Vaticano II (Constituicáo Lumen
Gentium cap. V). Quem ouve tal chamado, talvez se sinta impelido a dizer com
o Apostólo: "Senhor, até hoje tentei corrigir-me da minha mediocridade, mas
tenho a impressáo de nada haver conseguido". O desánimo e o conformismo
tendem a dominar o cristao após os arroubos da juventude frustrados pela in
clemencia da luta. Esse estado de ánimo nao pode ser duradouro; o "Avanga
para aguas profundas!" continua a ressoar aos ouvidos de cada um pela vida
inteira. Deixe entáo de lado a mesquinha sabedoria humana, e dé fé á palavra
do Senhor: "Já que mandas, renovarei minha esperanea...". E o resultado há de
ser paralelo ao de Pedro surpreendido pela copiosa pescaría.
Maís precisamente, tal episodio sugere grandes verdades:
1) todo cristao é chamado a aguas profundas, aguas que exigem a esta
tura e a coragem de um herói. O heroísmo nao é predicado de poucos individu
os privilegiados, mas é o termo normal da vida crista. Aspirar á grandeza de
alma nao é arrogancia nem presungio vaidosa, mas é o normal da vida crista.
2) Essa nobre meta assusta, visto que a natureza humana é frágil e se
deixa freqüentemente derrotar. Muitos concebem entáo a tendencia a se con
formar com urna conduta de vida "mediana".
3) Eis, porém, que o Senhor nao cessa de incitar a superar a recordacáo
do passado e olhar para o futuro com esperanca e confianga: "Avanga para as
aguas profundas!"
4) O cristao responde ao preceito, movido pela fé: "Creio na tua Palavra".
Sao Paulo fez a experiencia de crer, e crer "loucamente" (cf. 2Cor 11, 24-29);
conseqüentemente no fim da vida podia dizer: "Sei em quem acreditei... Ele nao
me frustrou, nao me chamou para o impossível" (2Tm 1,12).
Possa este mes de maio, que é o mes da Virgem que acreditou {cf. Le 1,
45), sacudir o torpor de quem vai adormecendo, e despertar todos para o dese-
jo de urna vida espiritual mais profunda e densa! "Avanga para aguas profun
das!"
E.B.
193

PERGUNTE E RESPONDEREMOS'
kJJ

Ano XLII - Ns 468 - Maio de 2001

Igreja e Nacional-socialismo:

A PERSEGUigÁO RELIGIOSA MOVIDA


PELO NAZISMO

Em síntese: O artigo analisa a situagáo interna da Alemanha an


tes da ascensáo de Adolf Hitler ao poder e vai mostrando como se foi
configurando a atitude hostil do ditador á Igreja; considera a reagao dos
católicos a tal agressáo, evidenciando o sofrimento do Papa Pió XII daí
decorrente.
* * *

A revista mexicana ECCLESIA, em seu número de abril-setembro


2000, pp. 249-268, publicou o artigo de Peter Gumpel intitulado La
Persecución Religiosa durante el Nazismo. Visto que é urna fonte de
¡nformacóes preciosas, vai, a seguir, proposta a súmula de tais páginas
em traducáo portuguesa.

O autor comeca propondo tres observacóes preliminares:

TRES OBSERVARES
1) É muito importante relatar os acontecimentos que formaram o
paño de fundo da perseguicáo nazista á Igreja Católica. Com efeito, já
decorreram 68 anos após a ascensáo de Hitler ao poder em 30 de Janeiro
de 1933, e 56 anos após a sua morte. Isto significa que muitas das pes-
soas que hoje vivem ainda nao haviam nascido naquela época ou, ao
menos, eram urna geracáo táo jovem naqueles tempos que nao Ihe era
possível avaliar de modo realista e objetivo o alcance dos acontecimen
tos que entáo tiveram lugar.

2) Fácilmente acontece que autores que escrevem sobre um pas-


sado mais ou menos remoto nem sempre concordam, ou mesmo diver-
gem, entre si. Em conseqüéncia, os leitores que, por falta de formacao

194
A PERSEGUICÁO RELIGIOSA MOVIDA PELO NAZISMO 3

histórica, nao tém condicóes de analisar criticamente tais obras, ficam


perplexos; em muitos casos deixam-se engañar e julgam de maneira
equivocada e injusta os acontecimentos do passado. Este perigo hoje
em día é mais grave do que em tempos idos, porque a opiniáo pública
nao é formada por obras científicas, mas sim pelas noticias colhidas nos
meios de comunicacao.

3) É outrossim um fato notorio que em muitos países a Igreja Cató


lica é atacada nao somente por causa de seus pronunciamentos fiéis á
Lei de Cristo (relativos ao divorcio, ao homossexualismo, á manipulacáo
genética...), mas também pelo que ocorreu no passado, especialmente
na seqüéncia de 1933 a 1945, quando se travou a luta contra o nacional
socialismo. O Papa Pió XII tem sido falsamente acusado de omissáo
frente ao regime hitlerista perseguidor dos judeus. A propósito manifes-
tou-se o Cardeal Angelo Sodano, Secretario de Estado do Vaticano, aos
8 de margo de 1999, referindo-se a "calúnías lancadas após a guerra
contra o Servo de Deus Pió XII, de venerável memoria, ignorando os
dados da historia e até manipulando-os para fazé-los coincidir com teses
preconceituosas. Esta é urna forma maligna de perseguicao"
(L'Osservatore Romano, 10/03/99, p. 6).

"Após esta breve, mas indispensável, introducáo, abordarei quatro


pontos decisivos", diz o autor.

QUATRO QUESTÓES
"Tenho em vista abordar, ainda que brevemente, os quatro seguin-
tes pontos:

I. Como foi possível que Hitler tenha subido ao poder na Alemanha


e como se comportou inicialmente frente á Igreja Católica?

II. Qual foi a atitude da Igreja Católica antes da chegada de Hitler


ao poder e como se conduziu ¡mediatamente após tal chegada?

III. Como, urna vez consolidada a autoridade de Hitler, se foi de-


senvolvendo a perseguicao á Igreja e qual foi a reacao desta ao perse
guidor?

IV. Qual há de ser o juízo definitivo sobre o comportamento da Igre


ja Católica frente a Hitler e ao nacional-socialismo?"

Passemos ao primeiro ponto:

I. Como foi possível a ascensáo de Hitler ao poder e como se


comportou inicialmente frente á Igreja Católica?

É de notar, de ¡mediato, que Hitler nao chegou ao poder em conse-


qüéncia de urna revolucio ou de um golpe de Estado. Na verdade, aos

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

30 de Janeiro de 1933 foi nomeado Chanceler do Reich de maneira legal


pelo entáo Presidente da República o Marechal Paúl von Hindenburg.
Naqueia época nem o Presidente von Hindenburg nem a grande maioria
do povo alemáo estavam em condicoes de prever, ou mesmo de suspei-
tar, as desastrosas conseqüéncias de tal nomeacao.

Verdade é que Adolf Hitler nao era um desconhecido: já em 1923


havia tentado um golpe de Estado em Munique, que fora sufocado com
violencia e derramamento de sangue. Depois disto Hitler foi processado
e condenado a um período de cárcere. Urna vez cumprida a pena, per-
correra toda a Alemanha, pronunciando discursos impregnados de vio
lencia e concepcóes radicalmente racistas. Os seus seguidores mais fa
náticos eram conhecidos por sua agressividade contra quem nao pen-
sasse como eles; disso tudo resultaram conflitos públicos com grande
número de morios e feridos. Donde surge a pergunta: como foi possível
que um homem, com tal folha corrida, tenha chegado a ser chefe de urna
nacáo que sempre manifestara alta cultura e elevado senso cívico? - A
resposta é fornecida por um conjunto de fatores heterogéneos,
correlacionados entre si.

Antes do mais, é preciso levar em conta o empobrecimento catas


trófico que afetou varios setores da sociedade alema em conseqüéncia
da derrota sofrida pela Alemanha na primeira guerra mundial (1914-18).
O Tratado de Versailles, que pos fim as hostilidades, ¡mpós aos alemáes
um ressarcimento táo pesado que tornava impossível o ressurgimento
da economía alema. Disto se seguiu urna ¡nflacáo sem igual na historia
do país. E, quando a Alemanha se viu em condicóes de nao poder pagar
o que as potencias vencedoras exigiam, teve seus territorios ocidentais
ocupados e explorados por tais potencias. Somente os vultosos emprés-
timos que recebeu dos Estados Unidos da América, permitiram aos pou-
cos urna lenta e difícil recuperacáo económica. Note-se, porém, que tais
empréstimos foram bruscamente suspensos após a queda da Bolsa de
Wall Street em 1929 - o que ocasionou a falencia de muitos Bancos,
fábricas e empresas alemas. Aumentou entáo vertiginosamente o núme
ro de desempregados, que no inicio da década de 1930 chegava a seis
milhóes de pessoas, as quais o governo alemáo nao podia oferecer auxi
lio adequado. Muitas familias alemas comecaram a passar fome e viver
na mais profunda miseria.

Ora tal cenário desesperador nao podia deixar de favorecer a es


calada de políticos extremistas, entre os quais Adolf Hitler. Alias, nao
somente Hitler se aproveitava da situacáo; projetavam-se também os
comunistas, cujo número de adeptos ia crescendo gradatívamente; era
assim real o perigo de que a esquerda marxista tomasse o poder medi
ante um golpe de Estado ou através de maioria no Parlamento; muitos

196
A PERSEGUIQÁO RELIGIOSA MOVIDA PELO NAZISMO 5

alemáes tinham conhecimento do que faziam os comunistas na Rússia;


lembravam-se de que terroristas russos haviam tentado instaurar repú
blicas comunistas em varios Lánder (territorios) da Alemanha após a
derrota de 1918. Valendo-se de tais preocupacóes, Hitler foi conseguin-
do aumentar constantemente o número de seus seguidores.

Este quadro geral, posterior a 1929, há de ser completado por ulte


rior consideracáo. Com efeito; após a queda da monarquía alema e a
proclamacáo da república, surgiram na Alemanha dezenas de Partidos
políticos, grandes, medios e pequeños, nenhum dos quais conseguirá a
maioria absoluta. Por conseguinte, todos os governos subseqüentes ti-
veram que se formar mediante coalizóes, que eram instáveis e de curta
duracáo. Sucederam-se com freqüéncia a dissolucáo do Parlamento e
novas eleicóes políticas - situacáo esta que foi suscitando a descrenca
de muitos cidadáos em relacáo ao sistema político vigente. Difundia-se
mais e mais o desejo de ver no Governo um homem forte, capaz de por
ordem na administracáo do país.

Ora Hitler parecía a muitos ser esse homem forte, principalmente


porque era o único político que apregoava libertar a Alemanha das pesa
das cadeias do Tratado de Versailles.

Mais ainda: ñas eleicóes que precederam a nomeacáo de Hitler


como Chanceler do Reich, o seu nome obtivera o maior número de vo
tos, embora nao maioria absoluta. Hitler foi assim obrigado a formar um
governo de coalizáo, com o apoio de outros partidos; julgava-se que tais
aliados de Hitler refreariam o seu furor e conseguiriam equilibrio no go
verno da nacao. Era, de resto, difundida a opiniáo de que Hitler, urna vez
chegado ao poder, teria sido mais moderado do que prometiam seus
discursos demagógicos. A historia, porém, desmentiu esta expectativa,
embora Hitler a fomentasse, dando a crer que se manteria tranquilo, es
pecialmente em relacáo aos cristáos do país.

Pergunta-se agora: qual foi a atitude de Hitler frente á Igreja Cató


lica no primeiro período do seu governo?

Dois días depois de chegar ao poder, isto é, a 1o de fevereiro de


1933, Hitler pronunciou solene discurso programático, transmitido por
todos os meios de comunicacáo, no qual enfatizou a grande importancia
das comunidades cristas da Alemanha e Ihes assegurava liberdade e
protecáo do Estado.

Apesar disto, como nos anos anteriores, continuaram a se verificar


invectivas dos nacional-socialistas contra membros da Igreja e associa-
cóes católicas da Alemanha. Quando as autoridades eclesiásticas pro-
testavam contra tais feitos preocupantes, mostrando que estavam em

197
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

contraste com as declarares do Chanceler, este invariavelmente res


pondía que nao os aprovava e os explicava pelo fato de aínda nao ter
pleno controle da situacáo no territorio nacional.

Nao tardou muito o dia em que Hitler conseguiu o pleno dominio de


toda a Alemanha. Com efeito; aos 27 de fevereiro de 1933, o Reichstag
ou o Parlamento alemáo foi incendiado; difundióse o rumor de que os
próprios nazistas haviam ateado o fogo - suposicáo, porém, que nunca
foi comprovada. Nao está excluida a suspeíta de que o incendio tenha
sido causado por um jovem comunista holandés, mentalmente desequi
librado, que foi surpreendido pelos bombeiros enquanto andava pelo
Parlamento em chamas. Como quer que fosse, Hitler aproveitou o fato
para acusar os comunistas, propagando a noticia de que o incendio era
claro sinal de um próximo golpe de Estado que estariam por realizar. O
Chanceler foi mais além, apelando para urna cláusula da Constituicáo de
Weimar, que regia a Alemanha a partir de 11/08/1919. Esta Magna Carta,
redigida sob o impacto dos movimentos terroristas do pós-guerra, outor-
gava ao Presidente do Reich o poder de cancelar artigos da Constituícáo
em casos de perigo para a seguranca nacional e conceder ao Chanceler
faculdades muito ampias para garantir a paz interna do país. Ora dois
dias após o incendio do Parlamento, o Presidente von Hindenburg, pres-
sionado por Hitler, conferiu ao Chanceler poderes quase ilimitados para
governar; este os aproveitou para suprimir o Partido Comunista, prender
varios membros do mesmo assim como adversarios políticos sob o pre
texto de que ameacavam a seguranca nacional.

Poucos dias mais tarde, isto é, aos 5 de marco de 1933, haveria


eleicoes para a renovacáo do Parlamento; na véspera Hitler reafirmou
sua intencáo de tutelar e proteger a plena liberdade das confissoes cris
tas da Alemanha.

Todavía também desta vez Hitler nao obteve maioria absoluta no


Parlamento. Isto o levou a pedir a todos os Partidos que Ihe renovassem
por um período de quatro anos as faculdades extraordinarias que o Presi
dente do Reich Ihe concederá temporariamente. Ora na sessáo parlamen-
. tarde 23 de marco de 1933 Hitler obteve tais faculdades; somente o Partido
Social-democrático Ihe deu voto negativo, ao passo que o Zentrum ou o
Partido abertamente cristáo e essencialmente católico Ihe deu voto positivo.

Esta atitude pode causar estranheza. Mas há que recordar que o


Zentrum só se pronunciou de tal modo após haver obtido de Hitler urna
nova declaracáo relativa á plena garantía de liberdade e incolumidade
das comunidades cristas.

Urna vez obtidos os poderes extraordinarios, Hitler podía governar


doravante sem ouvir o Parlamento e sem a obrigacáo de seguir a Consti-

198
A PERSEGUIgÁO RELIGIOSA MOVIDA PELO NAZISMO 7

tuicáo do país. Estava assim aberto o caminho para a ditadura em todos


os setores, ou seja, no executivo, no legislativo e no judiciário. Em conse-
qüéncia os Partidos políticos perderam sua razáo de ser; alguns foram
supressos para favorecer "a unidade nacional"; outros, para evitar seme-
Ihante fim, se dissolveram por iniciativa própria, constando entre estes o
Zentrum, que na data de 5 de julho de 1933 decidiu dissolver-se.

Passamos agora ao segundo ponto do nosso propósito:

II. Qual foi a atitude da Igreja Católica antes e depois da ascen-


sáo de Hitler ao poder?

Antes da chegada de Hitler ao poder, o episcopado alemáo conde-


nou categórica e repetidamente o movimento nacional-socialista; proibiu
aos católicos filiar-se ao mesmo e votar em favor dele. A grande maioria
dos fiéis seguiu tal orientacao. As estatísticas das eleicóes políticas que
precederam o dia 30 de Janeiro de 1933 revelam que a quase totalidade
dos católicos permaneceu fiel ao Partido cristáo, o Zentrum, conhecido
como antagónico ao Partido de Hitler. Esta forte oposicáo dos Bispos e
dos fiéis católicos se baseava no livro Mein Kampf e nos discursos de
Adolf Hitler; este exaltava a supremacia do Estado a ponto de suprimir a
liberdade dos cidadaos; professava urna ideología racista nítidamente
paga, burlando assim a condenacáo do anti-semitismo proclamada pelo
Santo Oficio por ordem de Pió XI em 1928. Em suma, Hitler se fazia de
mero oportunista, que mentía conscientemente para lograr seus objeti
vos plenipotenciarios.

Esta tomada de posicáo do episcopado alemáo coincide com a do


Nuncio apostólico na Alemanha, Mons. Eugenio Pacelli, que em comeco
de 1930 tora nomeado Secretario de Estado por Pió XI. Durante sua per
manencia na Alemanha, Pacelli pronunciou 44 discursos públicos e em
cerca de quarenta deles atacou teses fundamentáis nao só do comunis
mo, mas também do nacional-socialismo.

O pensamento de Pacelli - futuro Pió XII - a respeito de Hitler foi


claramente manifestado pelo próprio Pacelli a urna pessoa de sua total
confianca, ou seja, á Irma Pascualina Lehnert, que o acompanhou du
rante o seu govemo pontificio no Vaticano. Chamada a depor no proces-
so de Beatificacáo de Pió XII, exprimiu, sob juramento, o modo de consi
derar Hitler e sua atividade tal como Pió XII Iho confiara. Eis o testemu-
nho dessa Religiosa, testemunha altamente qualificada:

"Um pensamento angustiante perturbava o Nuncio quando partiu


da Alemanha: o continuo crescimento do nacional-socialismo. Como lora
ele perspicaz já entáo aojulgar Hitler e quantas vezes alertou ele o povo

1 Minha Luta (N.d.R.).

199
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

alemao frente ao tremendo perigo que o ameagava! Personalidades de


diversas proveniencias e de todas as classes deram-lhe a entender, no
momento de sua partida, o que esperavam de Hitler: o ressurgimento e a
grandeza da Alemanha. Certa vez perguntei ao Nuncio se nao julgava
que tal homem podia ter em si algo de bom que pudesse talvez ajudar o
povo alemao. O Nuncio, sacudindo a cabega, disse: 'Eu muito me enga
ñaría se pensasse que tudo isso pode ser encaminhado a um termo feliz.
Esse homem está totalmente possuido; destrói tudo que nao serve a ele;
tudo o que ele diz e escreve, traz a marca do seu egocentrismo; esse
homem é capaz de passar por cima dos cadáveres e de eliminar tudo o
que parega um obstáculo. Nao posso entender como tanta gente na Ale
manha, inclusive entre as pessoas mais preparadas, nao o percebem e
nao sabem deduzir as conclusóes do que ele escreve e diz. Quem entre
tantos terá lido ao menos sua expressiva obra Mein Kampf?'. Quando
mais tarde veio a Roma um daqueles hitleristas de entáo, disse-me: 'Quan-
ta miseria moral, quanta humilhagáo e quanta vergonha se teña podido
poupar a nos e ao mundo se tivéssemos escutado o Nuncio Pacelli!"
(Pascualina Lehnert, PIÓ XII, II privilegio di servirlo. Tradugáo do ale
mao por Marola Guarducci, Rusconi 1984, pp. 53s).

A nomeacáo de Hitler como Chanceler do Reich criou urna situa-


cáo totalmente nova e pos o episcopado alemao diante da obrigacáo de
tomar urna decisáo dramática: continuaría sua oposicáo pública ao naci
onal-socialismo e correría o risco de um novo Kulturkampf (como nos
tempos de Bismarck), o que equívalería a urna violenta perseguicao da
Igreja na Alemanha, ou devería tratar de encontrar um modus vivendi que
nao comprometesse de modo algum a fé e a doutrina da Igreja Católica?

As repetidas afirmacóes, solenes e públicas, de Hitler, asseguran-


do que respeitaría plenamente a Hberdade da Igreja ou mesmo a tutelaría
e protegería, pareceram á maioria dos Bispos da Alemanha oferecer res
paldo para optar pela segunda alternativa, mesmo que mantivessem viva
a desconfianza com relacáo á credibilidade do novo Chanceler.

Por isto, no dia 28 de marco de 1933, isto é, tres días após a con-
cessao de poderes extraordinarios a Hitler por parte do Parlamento, os
Bispos retiraram a anterior condenacáo do nacional-socialismo, decla
rando, porém, que ¡sto nao signíficava que a Weltanschauung (cosmovisao)
desse movimento fosse compatível com a fé e a doutrina católicas.

Tal decisáo do episcopado alemao foi considerada prematura por


parte do Cardeal Pacelli, Secretario de Estado, que nao fora previamente
informado a respeito e julgava que teria sido melhor esperar para ver se
as palavras de Hitler seriam confirmadas pelos atos do seu governo.
Contrariamente a quanto foi afirmado por alguns autores, o Vaticano nao

200
A PERSEGUIgÁO RELIGIOSA MOVIDA PELO NAZISMO 9

influiu de modo algum na dissolucáo do Zentrum; quando, após o fato, o


Cardeal Pacelli foi informado, manifestou o seu mais vivo desacordó com
o acontecimento, desacordó documentado por quem o ouviu em conver
sas particulares.

As relacóes entre Hitler e a Igreja Católica entraram em nova fase,


quando se deram os primeiros passos para chegar a urna Concordata
entre a Santa Sé e o Reich. Antes de tratar deste tema, impóem-se algu-
mas consideracóes oportunas:

a) Antes do mais, deve-se ter presente que as Concordatas nao


sao tratados de amizade, mas, na maioria dos casos, sao acordos con
cluidos pela Santa Sé com nacóes ñas quais os católicos sao minoría.

b) O objetivo que leva a Santa Sé a assinar urna Concordata é


sempre essencialmente de índole pastoral: assegurar aos católicos a li
be rdade no exercício do culto e de todas as atividades que formam parte
integrante da vida católica.

c) No tocante á Concordata com o Reich, é preciso recordar que


na época da monarquia alema foram estipulados varios tratados desse
tipo, sempre porém com os monarcas respectivos. Tendo caído o regime
monárquico após a primeira guerra mundial, tais Concordatas perderam
todo o seu valor. Isto criou um vazio perigoso, que podía redundar numa
atitude hostil frente aos católicos alemáes, atitude alias manifestada por
quase todos os Partidos políticos nao católicos como também por parte
dos protestantes, que constituiam a maioria dos cristáos da Alemanha.

Gragas aos esforcos do Nuncio Pacelli, já haviam sido concluidas


varias Concordatas com alguns Estados alemáes (Baviera em 1924,
Prússia em 1929, Badén em 1932). Todavía nunca fora possível concluir
urna Concordata com todo o Reich na época pré-hitleriana.

Vejamos agora como se desenrolaram os fatos.

Em 1933 nao foí a Santa Sé quem pediu a Concordata com o Reich,


mas o próprío Hitler foí quem ofereceu a oportunidade, propondo condi-
coes muito favoráveis á Igreja. Tal oferta era um passo improvisado; v¡-
nha a ser algo de pouco interessante ao Papa Pió XI e a seu Secretario
de Estado o Cardeal Pacelli, que nao confiavam ñas declaracóes do
Chanceler e queriam averiguar, antes do mais, se as garantías dadas por
ele resultariam em fatos concretos do seu Governo. Todavía deve-se
observar que a Igreja nunca recusou concluir Concordatas quando Ihe
foram oferecidas. Na década de 1920 a Santa Sé havia tratado
secretamente com o governo comunista da Rússia a respeito da possibi-
lidade de iniciar contatos em vista de urna Concordata, coisa que na ver-
dade nao chegou a efetívar-se.

201
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

A posicáo do Vaticano era táo delicada que urna resposta negativa


da Santa Sé significaría urna abe tía ruptura com desastrosas conse-
qüéncias. Com efeito; em casos de recusa, Hitier certamente teria pro
clamado ao mundo que as suas propostas eram muito vantajosas para a
Igreja e teria acrescentado: "Estendi a mao em sinal de paz para a Igreja
Católica; mas a Igreja a ignorou. Pois bem; se nao quer a paz, terá a
guerra".

Após ampia consulta aos Bispos, aos diretores de varias associa-


cóes católicas da Alemanha, como também a homens políticos de gran
de autoridade nao simpatizantes com o nazismo, a Santa Sé chegou á
conclusao de que era melhor iniciar as conversares. Em conseqüéncia,
depois de longas e penosas reunióes, com grande cautela e tenacidade
da parte do Cardeal Pacelli, que neste caso, como em tantos outros,
atuou sempre segundo as decisivas orientacóes do Santo Padre Pió XI,
a Santa Sé assinou a Concordata com o Reich.

Houve quem lancasse em rosto á Santa Sé o fato de ter assinado o


primeiro pacto internacional firmado por Hitier. Isto nao é verdade. A
Concordata com a Santa Sé foi concluida aos 20 de julho de 1933, ao
passo que, já aos 7 de junho do mesmo ano, Hitier havia assinado um
tratado internacional com a Inglaterra, a Franca e a Italia, ou seja, o cha
mado "Pacto das Quatro Nacóes".

Também se tem afirmado falsamente que o Vaticano confiou im


prudentemente em quanto Hitier Ihe oferecia de vantajoso. A verdade é
assaz diferente. É notorio que as autoridades do Vaticano, desde o inicio
das conversares, e posteriormente por ocasiáo da conclusao da
Concordata, estavam convictas de que Hitier nao manteria a palavra so-
lenemente empenhada. A prova disto é o que, semanas após o dia 20 de
julho de 1933, o Cardeal Pacelli, Secretario de Estado, disse ao diploma-
ta inglés Ivone Kirkpatrick: estava certo, afirmava, de que Hitier nao res-
peitaria a Concordata e a única esperanga era a de que nao violasse ao
mesmo tempo todas as cláusulas da mesma. Com efeito, nos primeiros
meses Hitier baixou alguns decretos em defesa dos interesses católicos,
mas depois foi violando sistemáticamente todas as cláusulas da
Concordata e deu inicio a progressiva perseguigáo da Igreja Católica,
como constará da terceira parte da nossa exposigáo.

III. Como se desenvolveram as relacóes entre a Igreja e o po


der nacional-socialista após a definitiva consol idacáo do dominio
absoluto de Hitier na Alemanha? Como foi perseguida a Igreja Cató
lica e qual foi a sua reacáo ao agressor?

A Concordata entre a Santa Sé e o Reich suscitou reacoes muito


diversas na Alemanha. Os católicos alemáes respiraram tranquilos por-

202
A PERSEGUICÁO RELIGIOSA MOVIDA PELO NAZISMO 11

que ao menos a maioria julgava que cessariam as invectivas a que esta-


vam sendo submetidos em muitas regióes; pensavam outrossim que, se
tais ataques nao acabassem, a Santa Sé teria em máos um instrumento
de direito internacional que Ihe permitiría protestar publicamente e de
modo eficaz, dado a influxo do Vaticano na opiniáo das nacoes.

Ao contrario, foi totalmente negativa a reacáo da maioria da popu-


lacáo da Alemanha, que sempre fora hostil á Igreja Católica; de modo
particular, mais se irritaram os fanáticos seguidores de Hitler. O Chanceler
tomou consciéncia disto na primeira sessáo do Conselho de Ministros;
informado do descontentamento reinante, proibiu qualquer discussáo a
respeito da Concordata e, para acalmar os ánimos, declarou que, tendo
solucionado o problema da Igreja Católica, o seu governo gozava de mais
liberdade para tratar de outras questóes e, de modo especial, da luta
contra os judeus.

A conexáo entre a Concordata e a perseguicáo aos judeus nao


tinha fundamento algum no texto da Concordata; foi um expediente
falacioso utilizado por Hitler para suavizar a ¡ndignacao de quem nao
estava disposto a renunciar á luta já iniciada contra a Igreja Católica. Por
outro lado, como as próprias autoridades vaticanas e os católicos mais
perspicazes tinham previsto, Hitler nunca tivera a intencáo de respeitar a
Concordata; muito ao contrario, em breve foram sistemáticamente entra-
vadas todas as atividades da Igreja, com excecáo apenas das estrita-
mente litúrgicas ou paralitúrgicas. Os periódicos, as revistas e os livros
publicados pelos católicos logo foram severamente censurados e poste
riormente supressos. As escolas confessionais foram embargadas em
sua acáo educadora de forma astuta e, sem demora, obrigadas a fechar.
As numerosas associacóes católicas foram constrangidas a se agregar
as associacóes nazistas ou mesmo expressamente proscritas e dissolvi-
das. Os funcionarios estatais de todos os níveis foram dispensados des
de que houvesse a mínima sombra de dúvida a respeito de sua adesáo á
ideología nacional-socialista. Sob diversos pretextos, os conventos e as
casas religiosas foram confiscados. Os sacerdotes e os Religiosos foram
sistemáticamente vigiados, até mesmo dentro das igrejas: eram denun
ciados á Gestapo se explicassem a doutrina católica de modo nao acei-
tável pelos nazistas. Quase a terca parte dos clérigos diocesanos e regu
lares sofreu perseguicáo por parte da policía política e considerável nú
mero deles foram levados aos cárceres ou aos campos de concentracáo,
onde muitos morreram. A mesma sorte tocou a numerosos leigos e lei-
gas que nao eram do agrado do nazismo, simplesmente porque continu-
avam a exercer aquelas atividades que, segundo a Concordata, Ihes era
lícito desenvolver. Rapazes e mogas que nao pertencessem á Juventude
Hitlerista nao eram admitidos aos exames de segundo grau e muito me-

203
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

nos ás Universidades; nao Ihes era possível nem mesmo encontrar tra-
balho ñas fábricas, ñas empresas ou no artesanato. Em poucas pala-
vras, com o passar do tempo, instaurou-se urna auténtica perseguicáo
em todos os níveis contra aqueles que quisessem permanecer fiéis á sua
fé católica e vivenciá-la segundo os ditames da sua consciéncia.

Houve mais ainda. Nos periódicos e ñas revistas, como também


nos programas radiofónicos, empreendeu-se urna campanha sistemáti
ca contra a Igreja Católica, contra o Papa, os sacerdotes, os Religiosos e
os fiéis em geral; foram classificados como ¡nimigos do Reich e freqüen-
temente acusados, em termos baixos, de todo tipo de delitos contra a
Moral. Basta ler a imprensa nazista daquela época para tomar conscién
cia dos meios pelos quais foi movida essa campanha difamatoria, que
alias nao se limitou a quanto acabamos de dizer. A opiniáo pública foi
constantemente influenciada por filmes que exibiam cenas e cantos
anticatólicos, sem que a Igreja tivesse a possibilidade de se defender
adequadamente frente a tais ataques; fora despojada de todos os meios
de comunicacáo pública através dos quais ela poderia reagir a tais
invectivas maldosas e caluniosas.

Como se compreende, os Bispos católicos protestaram repetida


mente perante as autoridades do Reich; a Santa Sé fez o mesmo, envi
ando notas diplomáticas ñas quais eram enumeradas as constantes e
flagrantes violacóes da Concordata. O governo alemáo ou nao respondía
a tais protestos ou replicava acusando a Igreja de atuar de maneira ilegí
tima contra as disposicoes das autoridades estatais.

Em 1937 a medida chegara ao auge; por conseguinte naquele ano


a Santa Sé publicou a encíclica Mit Brennender Sorge (Com candente
preocupacáo). Nesse documento eram denunciadas, perante o mundo
inteiro, e de modo muito duro, as continuas e gravíssimas derrogacóes á
Concordata; era condenada a idolatría do Estado, que sacrificava os
¡nalienáveis direitos da pessoa humana; eram denunciadas a inspiracáo
paga da ideología nazista, a sua doutrína e a sua prática cruelmente ra
cista e outros males.

A encíclica foi lida em todas as igrejas católicas no domingo da


Paixáo. Muito fortaleceu os fiéis católicos, mas desencadeou violenta
reacáo por parte dos nazistas, aumentando de maneira extremamente
penosa a intensidade da perseguicáo movida á Igreja na Alemanha.
Pergunta-se agora: qual foi a atitude dos próprios católicos frente á
perseguicáo que os assolava? - Nao há dúvida, muitos perderam o áni
mo e deixaram-se impressionar pelos grandes sucessos que Hitler con-
seguiu na década de 1930, tanto através da sua política social no interior
da Alemanha quanto em sua política exterior. As grandes potencias

204
A PERSEGUIgÁO RELIGIOSA MOVIDA PELO NAZISMO 13

vencedoras da primeira guerra mundial concederam-lhe o que haviam


recusado aos governos democráticos anteriores ou, ao menos, tolera-
ram suas conquistas territoriais, procurando assim viver em paz com o
ditador, apesar de suas facanhas evidentemente contrarias ao direito in
ternacional (tratava-se da invasáo da Austria e dos Sudetos, que, segun
do Hitler, deviam fazer parte do grande Reich ou da Grande Alemanha).
Todavía nao é menos certo que a ¡mensa maioria dos católicos
permaneceram fiéis á Igreja, mesmo á custa de grandes sacrificios e,
nao poucas vezes, de maneira genuinamente heroica. Esta fidelidade é
urna página de gloria para a Igreja, a qual nao deve cair no esquecimen-
to. Os próprios nazistas, tendo Hitler á frente, admitiram que, enquanto a
Igreja continuasse a exercer seu profundo influxo, a ideología nazista
jamáis seria aceita por grande parte do povo alemáo.

Finalmente póe-se a interrogacio:

IV. Qual há de ser o juízo definitivo a respeito do comporta-


mentó da Igreja Católica frente a Hitler e ao nacional-socialismo?

Na base de quanto foi até aqui exposto, podemos propor as se-


guintes conclusóes:

Desde o inicio Hitler e seus mais próximos seguidores estiveram


animados por um odio patológico á Igreja Católica, considerada (com
razáo) por ele como o mais perigoso opositor do quanto tencionava rea
lizar na Alemanha.

Dáo prova disto, entre outras coisas, os discursos, já publicados,


de Hitler perante o círculo de seus íntimos adeptos (sao os chamados
Tischgespráche, conversas de sobremesa). Igualmente vém ao caso o
Diario de Joseph Goebbels, as Ordenanzas de Martín Bormann, os deli
rantes arrazoados de Alfred Rosenberg, as ordens emitidas por Heinrich
Himmler aos SS e á Gestapo...

Entre o nacional-socialismo e a Igreja Católica existia urna radical


e insolúvel divergencia. Hitler e seus mais próximos colaboradores nao
souberam respeitar as mais elementares normas moráis, mas foram
movidos por criterios de absoluto relativismo dialético e oportunista, que
nao levava em conta nem a verdade nem os direitos mais fundamentáis
dos cidadáos e das instituicóes. Todos aqueles que nao se dobrassem
incondicionaimente ao seu modo de pensar e agir eram considerados e
tratados pelos nazistas como inimigos a ser aniquilados.

Tal atitude devia induzi-los necessariamente a empreender urna


luta encarnicada contra o Cristianismo e, de modo particular, contra a
Igreja Católica. Esta, por sua própria índole, nao podia aceitar compro-
missos com um sistema radicalmente criminoso.

205
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Precisamente por causa da díversidade fundamental existente en


tre os principios inspiradores das duas partes opostas, a luta foi travada
com armas totalmente diversas: o Estado nacional-socialista podia usar,
e de fato usou, todo tipo de meios postos á sua disposicáo. Ao contrario,
os católicos fiéis a Cristo e á Igreja dispunham somente das armas do
espirito: a fé, a esperanca e a caridade, que Deus derramara em seus
coracóes. Em última análise, eles só podiam sofrer a perseguigáo, per
manecer firmes em sua posicáo e, caso a ocasiáo se apresentasse, pa
decer o martirio.

A perseguicáo da Igreja na Alemanha nao somente nao se conte-


ve, mas se agravou durante a segunda guerra mundial. Só terminou quan-
do se encerrou o confuto mundial, isto é, antes que Hitler pudesse levar a
termo as palavras com que havia declarado que, após a sua vitória, ele
achataría a Igreja como se achata um sapo, conculcando-o debaixo dos
pés. - Eis que assim, mais urna vez, se cumpriu a promessa do Senhor:
"As portas do inferno nao prevaleceráo contra ela" (Mt 16,18).

"Antes de terminar, parece-me oportuno tecer ainda algumas bre


ves consideracóes:

a) De caso pensado, limitei-me á perseguicáo desencadeada pe


los nacional-socialistas contra a Igreja na Alemanha. Por isto nao tratei
dos horrendos crimes perpetrados pela ideología nos países ocupados
pelos nazistas durante a segunda guerra mundial nao somente contra os
judeus, os poloneses, os ciganos, os prisioneros russos, os homossexu-
ais, os adventistas, mas também contra muitos membros da Igreja Católica.

b) Dos mílhares de documentos hoje em día publicados, assim como


dos numerosos testemunhos de pessoas contemporáneas dos fatos atrás
mencionados, depreende-se que a Santa Sé e, de modo especial, o San
to Padre Pió XII, realízaram todos os esforcos possíveis para impedir os
crimes nazistas; procuraram ir ao encontró dos perseguidos, e com tal
eficacia o conseguiram que puderam salvar centenas de milhares de
pessoas ameacadas de morte cruel.

Apesar de tudo isto, em varios países se levanta urna campanha


difamadora precisamente contra esse grande Papa. Tal campanha, em
alguns casos, é fruto de ignorancia culpável ou preconcebida; em outros
casos, é o resultado de um onda sistemáticamente organizada com o
único intuito de desacreditar a Igreja Católica.

A nos, católicos, toca o dever de nao sofrer em silencio tal campa


nha, mas, sim, de reagir contra ela de modo claro e bem documentado. É
este um dever de lealdade e de fidelidade para com a Igreja, o Papa Pió
XII e a própria VERDADE".

206
Entrevista esclarece

A ATITUDE DE PIÓ XII FRENTE AO NAZISMO

Em síntese: Nikolaus Kunkel, oficial do exército alemáo que serviu


em Roma, em 1943, relatou a urna agencia de noticias alema os projetos
e as manobras do nacional-socialismo frente ao Vaticano e aos judeus,
após a ocupagáo da Italia pelos alemáes em setembro de 1943. Revelou
assim, mais urna vez, como era delicada a situagáo de Pió XII, ameagado
de um golpe mortal por parte dos nacional-socialistas. Daia agáo discre
ta, mas eficaz, do Papa em prol dos judeus, que foram abrigados, em
grande número, dentro dos muros da Cidade do Vaticano.
* * *

O jornal L'OSSERVATORE ROMANO, edicáo francesa semanal de


19/12/00, p. 8, publicou urna entrevista concedida pelo oficial alemáo
Nikolaus Kunkel á Katholische Nachrichtenagentur (KNA) a respeito
dos planos do nacional-socialismo relativos ao Vaticano, a Pió XII e aos
judeus em 1943, quando as tropas alemas ocuparam a cidade de Roma
e cercaram o Estado do Vaticano. - O texto merece ser conhecido pelo
grande público. Eis por que vai, a seguir, traduzido para o portugués.

"A MAIORIA DOS JUDEUS RESIDENTES EM ROMA ENCON-


TROU REFUGIO NO VATICANO
Hoje Nikolaus Kunkel tem 80 anos; em 1943 era oficial do Quartel-
General do Comando da Praga de Roma. Foi testemunha direta das in-
cursóes dirigidas contra os judeus pelos SS (oficiáis de Polícia alemaes)
e do fato de que a maioria deles escapou refugiando-se no Vaticano.
Após a guerra, Kunkel ocupou um cargo de responsabilidade num Ban
co. Entrevistado pela KNA, forneceu importantes ¡nformacóes, como se
depreende do que se segué:

KNA: Sr. Kunkel, aos 10 de setembro de 1943, após a dissolucáo


do eixo Roma-Berlim por parte do governo Badoglio, o exército alemáo
ocupou a capital da Italia... Segundo o Embaixador Emst von Weizsácker,
que representava o governo alemáo junto á Santa Sé, Hitler sempre evo-
cou a possibilidade de prender o Papa e deportá-lo para o grande Reich.
Mais precisamente terá dito: 'Se o Papa resistir a essa medida, haverá a
possibilidade de que seja assassinado quando tentar fugir'. Que recorda-
cóes tem o sr. a respeito?

Kunkel: Durante todo o período que passei em Roma, ou seja,


cerca de nove meses, nos todos, os oficiáis, estávamos convencidos de

207
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

que a qualquer momento podíamos receber a ordem 'Ocupai o Vaticano1.


Diante dessa eventualidade, e para ganhar tempo, elaboramos um plano
interno, o Mob-plan, que naturalmente nao consta do jornal de guerra.
Estou certo de que também no Vaticano essa eventualidade foi levada a
serio. A falta de lógica de Hitler tornava-a algo de realizável.

KNA: O fato de que até Pió XII reconhecia esse risco deixa supor
que ele preparou urna declaracáo de 'renuncia ao cargo' válida no caso
de ser preso. Sem dúvida, quería ele dizer: 'Poderáo prender o Cardeal
Pacellí, nao porém o Papa1.

Kunkel: A sorte é que tal nao aconteceu, mas o risco era real.

KNA: Havía contatos entre o Comando de armas alemáo da Praga


de Roma, o General Rainer Stahel, Chefe da Luftwaffe (Forga Aérea
alema) e o Vaticano?

Kunkel: Sím, e eram freqüentes. O contato oficial do Vaticano


conosco era feíto pelo Padre Pankratius Pfeifer, Superior Geral dos
Salvatorianos, que muito dialogou com o General, mas também muito
com os SS e a policía. A assim dita Seguranca interna de Roma estava
ñas máos da Policía alema, que era dirigida por SS e por Kappler.

KNA: Quem detinha o poder realmente? Kappler estava sujeíto ao


Comando de Armas da Praga?

Kunkel: Por direito, sim, mas na verdade os SS constituiam um


Estado no Estado. Kappler devia prestar contas ao General, mas na rea-
lidade os SS levavam a sua vida própria, sem que soubéssemos o que
acontecía no seio da sua híerarquia. No tocante á Seguranca os SS co-
mandavam em colaboracáo com a Policía fascista italiana.

KNA:... portanto tratava-se das forcas de Policía que nao se pas-


saram para o governo Badoglio.

Kunkel: Sim, e elas representavam um fator determinante. Ao passo


que Badoglio mudou de opiniáo a respeito dos aliados (Inglaterra e Esta
dos Unidos), o Marechal Graziani, Ministro da Guerra de Mussolini, se
voltava para os alemáes.

KNA: Um mes e meio após a ocupacáo de Roma, aos 16 de outu-


bro de 1943, os SS decretaram urna ¡ncursáo contra os judeus. O Gene
ral Stahel, Comandante de Armas da Praga, terá sido informado desse
projeto? Terá podido impedi-lo?

Kunkel: Em meados de outubro, circulavam vozes segundo as quais


urna tropa de oficiáis SS devía ser enviada á cidade de Roma e hospe-
dar-se num pequeño hotel perto da Praga Barberini. A tarefa dessa tropa

208
A ATITUDE DE PIÓ XII FRENTE AO NAZISMO 17

devia ser a de deportar os judeus. Desde o fim da década de 30, a Italia


tinha urna legislacáo racista que era aplicada com muita tolerancia. Pare
ce que já havia em Roma urna especie de ghetto judeu. Quando tal ru
mor se manifestou como algo de bem fundamentado, o General Stahel
convocou e informou os oficiáis das Seccóes la, Ib e le, declarando ser
ele totalmente contrario a semelhante operacáo. Algumas semanas após
o inicio de nova colaboracáo com os italianos sob a direcáo do General
Graziani, urna deportacao de judeus italianos teria suscitado indignacáo
e desordem na populacáo. Nos tínhamos a intuicáo de que nao era real
mente essa a plena opiniáo do General - na verdade, ela era muito mais
profunda! -, mas essa alegacáo que enfatizava a ordem pública proce
día de um raciocinio correto; o General continuou dizendo que, para im
pedir tal operacáo, ele precisaría de ter quem o apoiasse principalmente
em Berlim. Na verdade, o Embaixador alemáo junto ao Vaticano, Ernst
von Weizsácker, teria podido ajudá-lo. Com efeito, von Weizsácker era
conhecido como candente inimigo do regime nacional-socialista. O Ge
neral enviou-me á residencia do Embaixador levando urna carta lacrada,
que conseqüentemente eu nao li. Mas o General me disse que nessa
carta ele pedia ao Embaixador fizesse o possível em Berlim a fim de
sustar a decisáo do governo.

Lembro-me de que, quando cheguei á residencia de von


Weizsácker, fizeram-me esperar numa ante-cámara - o que me aborre-
ceu, porque ninguém me ofereceu um assento. O Embaixador trouxe-me
a carta, também por ele lacrada. Pediu-me que a devolvesse ao General
e Ihe dissesse que naquele momento 'ele nao podia ser útil, muito infeliz
mente1. Lembro-me precisamente dessa frase. Quando Ihe restituí a car
ta, o General exprimiu-se de maneira muito vaga a respeito do Embaixa
dor. A seguir, telefonou para Himmier, mas nada sei de mais exato a tal
propósito.

KNA: No dia 16 de outubro realizou-se a incursáo contra os judeus


de Roma. No mesmo dia, o Bispo Alois Hudal, Reitor da Alma, e o Padre
Pankratius Pfeifer foram visitar o General e Ihe referiram que o Papa
certamente se dirigiria á opiniáo pública mundial se nao pusessem fim
¡mediato a tal incursáo. No dia seguinte, isto é, aos 17 de outubro, Himmier
prescreveu a suspensáo das operacóes.

Kunkel: Tínhamos a impressáo de que os SS haviam programado


urna intervencáo que chegara a um ponto morto e que se tornara pública.
Hoje sabemos que cerca de mil judeus foram detidos. Segundo nos, a
maioria dos judeus de Roma ouvira falar dos planos dos SS, dado o atra
so das medidas preparatorias, e assim puderam salvar-se.

KNA: Dos 8.000 judeus de Roma, 7.000 puderam encontrar abrigo?

209
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Kunkel: Estávamos certos de que grande parte deles podia refugi-


ar-se ñas dependencias do Vaticano, que sao muitas em Roma. Com
efeito, as pessoas perseguidas puderam encontrar af refugio de maneira
relativamente simples.

KNA: 7.486 pessoas encontraram refugio no Vaticano...

Kunkel: Nao sei exatamente o número.

KNA: Como isso ocorreu na prática? De que modo os judeus con-


seguiram pór-se a salvo?

Kunkel: Provavelmente entrando dentro da Praca de Sao Pedro.


As outras partes do Vaticano, com seus muros elevados, nao sao acessí-
veis, ao passo que na Praca de Sao Pedro havia apenas dois postos de
guardas alemáes ao longo da fronteira entre a Italia e a Cidade do Vatica
no, para impedir que os soldados alemáes entrassem uniformizados no
territorio do Vaticano. Os civis podiam atravessar livremente essa linha.

KNA: A fronteira entre a Praca de Sao Pedro e a cidade de Roma


era, de algum modo, definida?

Kunkel: Nao. Como hoje, nao havia naquela época senao urna
iHiha tracada em arco entre as colunas. Ao longo dessa linha estavam
nossas sentinelas.

KNA: É conveniente enfatizar que Himmler foi levado a suspender


as operacóes anti-semitas por causa do que haviam dito o Bispo Hudal e
o Padre Pfeifer ao General Stahel, a saber: que, se as ¡ncursóes contra
os judeus continuassem, o Papa Pió XII teria levantado vibrantes protestos.

Kunkel: Na época interpretamos tal fato a partir do nosso ponto de


vista. Tínhamos a impressáo de que a operacáo SS fora adiada até que
a maioria dos judeus se tivesse posto ao abrigo. Para nos, isso significa-
va urna vitória: de 8.000 ou talvez 9.000 judeus, somente 1.000 foram
detidos pelos SS. Naturalmente hoje esse mil sao considerados vítimas.
Naquela época vimos 7.000 judeus que nao se tornaram vítimas e que
puderam salvar sua vida. Todavía muitos fatos e numerosas pessoas e
instituicoes provavelmente conthbuíram para salvá-los.

Alguns dias após a incursáo, e apesar de sua saúde frágil, o Gene


ral Stahel foi transferido para a frente oriental.

KNA: E agora a questáo decisiva: o sr. julga que um protesto mais


vigoroso do Papa Pió XII teria podido salvar mais judeus em Roma, na
Italia e nos países europeus ocupados?

Kunkel: Naquela época conversei a respeito com o meu Superior,


o Major Bóhm, protestante de Hamburgo. Ambos estávamos de acordó

210
A ATITUDE DE PIÓ XII FRENTE AO NAZISMO 19

em que, dado o caráter imprevisível de Hitler, teria sido nociva qualquer


intervencáo importante dirigida pelo Papa á opiniáo pública.
KNA: Rolf Hochhuth, em seu livro Der Stellvertreter1, afirmou que
Pió XII devia ter levantado vibrantes protestos. O Papa, por conseguinte,
seria culpado dessa grave omissáo.

Kunkel: É fácil falar depois dos acontecimentos. Nos, que estáva-


mos a servio do Comandante alemáo da Praga de Roma, concordáva-
mos estritamente em julgar que urna vigorosa tomada de posicáo teria
tido conseqüéncias negativas.

KNA: O comandante Supremo do Sul, o Feld-Marechal Albert


Kesseiring, com o qual o Papa Pió XII estava em contato, teria o poder de
deter as operacóes anti-semitas?

Kunkel: Nao. O poder dos SS era tal que a Wehrmacht (as forcas
armadas), das quais Kesselring fazia parte, nao Ihes poderia causar obs
táculo. Teria sido necessário um 20 de julho, mas um 20 de julho bem
sucedido!

KNA: Pensa o sr. que nao se pode levantar acusacáo alguma con
tra Pió XII?

Kunkel: Pió XII encontrava-se na mais difícil das situacóes possíveis.

Lembro-me de urna conversa com o Padre jesuíta Otto Faller a


propósito da guerra da Alemanha sobre duas frentes. Ele me disse: 'Ima
gine que o Papa também combate urna guerra de duas frentes; mais
precisamente, ele combate contra o comunismo e, de outro lado, contra
o nacional-socialismo'. Eis em que pé se achava a situacao naqueles
dias. Dadas as circunstancias, nao se pode levantar alguma crítica con
tra a obra de Pío XII. Se se tivesse pronunciado mais vigorosamente,
teria suscitado reacoes que teriam posto em perigo a seguranca.

KNA: Teriam podido chegar a prender Pió XII eventualmente?


Kunkel: Sim, havia também essa possibilidade.".

APÉNDICE
O MARTIRIO DO SILENCIO
Em sua edicáo portuguesa de 21 de outubro de 2000, o jornal
L'OSSERVATORE ROMANO publicou um artigo referente a Pió XII com
0 título "O Martirio do Silencio", do qual vai aquí extraída a parte final:

"Eis a imagem que se nos apresenta esculpida no testemunho que,


em Maio de 1964, o Servo de Deus Padre Pirro Scavizzi ofereceu de Pió XII...
1 O Representante (N.d.R.).

211
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Em 1942, depois de regressar a Roma da frente russa pela segun


da vez no comboio-hospital em que trabalhara como capelao da Ordem
de Malta, o Padre Scavizzi visitou o Papa para Ihe expor o resultado da
missáo de assisténcla ás pessoas perseguidas, realizada secretamente
pelo próprio Pontífice, e Ihe falar sobre os horrores nazistas na Austria,
Alemanha, Polonia e Ucrania. Eis a sua declaracáo textual:

«De pé ao meu lado, o Papa escutava-me comovido e trémulo;


levantou as máos ao céu e retorquiu-me:

"Dize a todos, a quantos puderes, que o Papa agoniza por eles!


Dize que muitas vezes tinha pensado em fulminar o nazismo com a
excomunháo, em denunciar ao mundo civil a crueldade do exterminio
dos Judeus. Sentimos as gravíssimas ameagas de retorsáo nao contra a
Nossa pessoa, mas contra os pobres filhos que se encontram sob o do
minio nazista. Por varios trámites, chegaram-nos recomendagóes
vivíssimas, a fim de que a Santa Sé nao assumisse urna atitude drástica.
Depois de muitas lágrimas e de tantas oragoes, julguei que um meu pro
testo nao só nao teña beneficiado ninguém, mas haveria de suscitara ira
mais feroz contra os Judeus, multiplicando os atos de crueldade, porque
sao indefesos. Talvez o meu protesto me granjeasse o louvor do mundo
civil, mas aos pobres Judeus causaría urna perseguigáo ainda mais im-
placável do que aquela que já padecem!"».

Maconaria para Leigos e Ma9ons, por Wilson Ribeiro. Ed. Master


Book, Sao Paulo (SP) 1999, 140x210 mm, 123 pp.

O autor da obra é grau 33" da Magonaria Adhoniramita, importante


rito que introduziu a Magonaria no Brasil. Julga que a Magonaria está
precisando de ser renovada e, por isto, "revela ao grande público todos
os segredos magónicos até onde eles sao segredos, e mostra quanto a
Ordem foi útil a humanidade e ao Brasil, especialmente a classe mais
humilde" (4S capa). O livro vem a ser um encomio á Magonaria precon-
ceituoso e muito pessoal. Alias, o entusiasmo do Sr. W. Ribeiro pela Or
dem é tal que perde o senso crítico. Com efeito; ás pp. 20-22, ao tratar da
origem da Magonaria, diz que ela "é urna inspiragáo... vinda da Fonte
Inesgotável da Sabedoria"; "nao descarto a possibilidade de que seres
de outros planetas que tenham visitado o nosso planeta tenham trazido
conhecimentos complementares á nossa Magonaria"- o que realmente é
fantasía mais do que historiografía. Áp.54o autor afirma que Joáo XXIII
era magon e compós urna "Oragáo aos Magons"! Por este e outros moti
vos a obra perde muito do seu valor; é fortemente tendenciosa.

212
Lícita ou nao?

OS CRISTÁOS E A PROPRIEDADE PARTICULAR

Em síntese: A propriedade particular é lícita a todo homem por


direito natural, desde que seja honesta. A Igreja ensina esta doutrina,
acrescentando, porém, que sobre toda propriedade particular pesa urna
hipoteca social - o que quer dizer que o proprietário deve procurar bene
ficiar o próximo com os bens que Deus Ihe concede. A Tradigáo da Igreja
acentuou fortemente a necessidade de que o cristáo esteja vigilante para
nao se apegara bens materiais que embotariam o coragáo, indispondo-o
para os bens transcendentais. O voto de pobreza professado pelos Reli
giosos depende de um carisma próprio, que Deus dá livremente, sem
que isto impega o cristáo legítimo proprietário de chegar á santidade.
* * *

Via e-mail a revista PR recebeu a seguinte mensagem:

«O cristáo e os bens materiais: Me é difícil, muitas vezes, distinguir


o correto ensinamento cristáo com relagáo ao uso dos bens materiais.
Conhecemos passagens em que Cristo faz críticas aos ricos (cf. Mt 19,
26-29 - O Jovem Rico: é mais fácil um camelo passarpelo fundo de urna'
agulha que um rico entramo Reino de Deus; cf. Le 12, 16-21 -aparábo
la do homem rico, que pensava em aumentar suas posses; cf. Le 12,22-
34 - as vas preocupagóes). Também aprendemos que a Igreja prega a
pobreza como virtude, com grandes exemplos, pois Jesús Cristo, mesmo
sendo Deus, Filho de Deus Todo-Poderoso, preferiu nascer pobre numa
manjedoura, entre pastores e animáis, ter como pai e máe nesta Térra
gente simples, terum oficio humilde de carpinteiro, etc. Porisso, santos e
mestres da Igreja abragaram a pobreza como ideal, como S. Francisco
de Assis, S. Francisco de Paula, Madre Teresa de Calcuta, etc.

Entretanto, também ouvimos dizer e lemos em livros de Historia


que o Judaismo considera natural o enriquecimento material de seus fi
éis (vide a condenagáo da Igreja Católica a prática da usura praticada
pelos judeus no séc. XVI). Por sua vez, nossos irmáos Calvinistas/
Presbiterianos, sendo também cristáos como nos, Católicos, pregam que
a riqueza material é dom de Deus e desejável (cf. WEBER, Max, Ética
Protestante e o Espirito do Capitalismo, Ed. Presenga, 43 ed., 1996).

A organizagáo de leigos católicos chamada T.F.P. (Tradigáo, Fami


lia e Propriedade) defende a posse da propriedade privada como um dos
pilares da Civilizagáo Crista. Á excegáo dos que abragam a pobreza na
213
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

vida religiosa, para melhor dedicarem-se a Deus e a Igreja, nao consigo


perceber que virtude possa haverem o cristáo leigo neste mundo desejar
ser pobre, padecer privagóes, nao poder alimentarse corretamente, nao
ter condicóes de pagar um tratamento médico adequado quando adoece,
nao poder custear urna boa escola para seus filhos, depender da canda-
de alheia etc. Será pecado contra as leis de Deus desejar progredir ma
terialmente para poder oferecer maior conforto á familia, prover saude e
boa formagáo para os filhos, empregar um número maior de pessoas em
seus negocios, fazermais caridade, pegar mais dízimo a Igreja e possibi-
litar a evangelizagáo de um número maior de irmáos? Lembro-me que o
Bom Samaritano (cf. Le 10, 30-35) precisou dispor de boa quantiapara
pagar hospedagem e tratamento ao homem feudo. José de Arimateía (ct.
Le 23 50-53) e Nicodemos (cf. Jo 19, 39) eram homens ricos e providen
ciaran um sepultamento digno ao Senhor. Portanto, pergunto: E pecado
ser rico, ou desejar enriquecer? Como deve agir o cristao leigo em rela-
gao aos bens materiais?».
Em resposta dizemos que a propriedade particular é lícita, desde
que honesta e utilizada em favor do proprietário e do próximo carente.
Estas proposicoes de direito natural tém sido ensinadas pela Igreja atra-
vés dos tempos, enfrentando correntes diversas de pensamento a res-
peito, como se verá a seguir.
1. O Testemunho Bíblico

O direito de propriedade particular é táo condizente com a Lei de


Deus que esta chega a proibir a cobica desregrada de bens alheios: "Nao
desejarás a mulher do teu próximo, nem sua casa, nem seu campo, nem
seu servo ou sua serva, nem seu boi, nem seu asno, nem coisa alguma
que Ihe pertenga" (Dt 5, 21, citado na ene. "Rerum novamm").
A S Escritura, no Antigo Testamento, apresenta o exemplo de nu
merosos justos (Abraáo, Isaque, Jaco, Davi, Jó...) que, em meio mesmo
ás riquezas, se tornaram amigos de Deus.
No Novo Testamento, o Senhor reconheceu a legitimidade das pos-
ses temporais, anunciando salvacáo ao rico publicano Zaqueu {cf. Le 19,
7-10), permitindo que mulheres abastadas O servissem em seus itinera
rios apostólicos (cf. Le 8, 1-3), mantendo boas relagóes com José de
Arimatéia e Nicodemos (cf. Jo 19, 38s)... Cristo ensinou a praticar a es-
mola e a beneficencia corporal (dar de comer, de beber, de vestir...), o
que supóe naturalmente a posse de bens materiais e o direito de dispor
deles (cf Mt 25, 31-46; Le 21,1-4). Note-se outrossim que S. Joáo Batis
ta, ao pregar penitencia, nao impunha aos soldados renunciassem ao
seu salario, mas apenas quería que se contentassem com o que ganha-
vam(cf. Le 3,10-14).

214
OS CRISTÁOS E A PROPRIEDADE PARTICULAR 23

Verdade é que um cedo desapego é vivamente recomendado nos


escritos do Novo Testamento, porque favorece a liberdade do coracáo e
torna o cristáo mais apto para cultivar os valores espirituais e definitivos.
E por isto que, quando um jovem perguntou a Jesús o que devia
fazer de bom para possuir a vida eterna, o Senhor Ihe apontou primeira-
mente a observancia dos mandamentos e, a seguir, Ihe deu o conselho:
"Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, e dá aos pobres, e terás
um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me" (Mt 19, 16-21). Diante
desta orientacao, o jovem recuou triste, "porque era possuidor de muitos
bens"! (19, 22). O fervor arrefeceu por causa do apego á materia.

O apego as riquezas, que obceca e amesquinha o homem, é con


denado por Jesús com palavras veementes:

"É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de urna agulha do que
um rico entramo Reino de Deus" (Mt 19, 24).

Sao Paulo apregoa a simplicidade de vida aconselhada por Jesús


e mostra os perigos da avareza:

"Nada trouxemos para o mundo, nem coisa alguma dele podemos


levar. Se, pois, temos alimento e vestuario, contentemo-nos com isso. Os
que se querem enriquecer, caem em tentagáo e citadas, e em muitos
desejos insensatos e perniciosos, que mergulham os homens na ruina e
na perdigáo. Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por
cujo desenfreado desejo alguns se afastaram da fé, e a si mesmos afli-
gem com múltiplos tormentos" (1Tm 6, 7-10).

Urna das razoes ponderosas da sobriedade de vida é a conscién-


cia que o cristáo há de ter, de que é peregrino na térra, a caminho da vida
definitiva; a qualquer momento podem cair os véus que o separam dos
valores eternos, de modo que o cristáo deve estar sempre livre para dei-
xar tudo com prontidáo. É o que incute a bela passagem de Sao Paulo
em 1Cor7, 29-31:

"Eis o que vos digo, irmáos: o tempo se fez breve. Resta, pois, que
aqueles que tém esposa, sejam como se nao a tivessem; aqueles que
choram, como se nao chorassem; aqueles que se regozijam, como se
nao se regozijassem; aqueles que compram, como se nao possuíssem;
aqueles que usam deste mundo, como se nao usassem plenamente. Pois
passa a figura deste mundo".

Note-se: o Apostólo nao diz que o tempo é breve, mas... que se fez
breve... Fez-se breve, porque, com a vinda de Cristo, entrou neste mun
do o Reino de Deus inicial com seus valores eternos. Por conseguinte,
nao há mais tempo a perder; o tempo tornou-se pouco para atender á

215
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

grandeza do Eterno presente. Daí a recomendagáo de uma vida, tanto


quanto possível, desembaracada dos vínculos temporais, "pois passa a
figura deste mundo".

Vejamos agora

2. A Tradicáo da Igreja

Muito interessante é uma homilía de Clemente de Alexandria


(t pouco antes de 215) intitulada: "Que rico pode ser salvo?". Pode-se
dizer que contém o cerne da sistematizacáo da doutrina social crista.
Clemente ai comenta as palavras de Jesús: "É mais fácil um camelo
passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de
Deus" (Mt 19, 24); afirma que as riquezas sao dadas ao homem pela
munificencia de Deus bom; como tais, nao sao nem boas nem más; é o
homem que Ihes dá a sua qualificacáo ética. Nao sao as riquezas que
precisam de ser destruidas, mas os vicios do coracáo, que provocam a
avareza dos que possuem, e a cobica dos que nao possuem. O rico vem
a ser um usufrutuário dos dons de Deus.

Por conseguinte, a propriedade particular é legítima; será moral-


mente má no caso de ser objeto de ganancia e avareza. A mais impor
tante reforma que o homem possa e deva fazer, é a do seu coracáo.
A tese de Clemente ficou definitiva na Tradicáo crista. Os escrito
res subseqüentes acentuaráo principalmente o combate á cobica desre-
grada e á ambicáo, usando expressóes altamente significativas, que po-
dem deixar o leitor surpreso; incutiam a vivencia do Evangelho numa
sociedade que se ressentia ainda de vestigios do paganismo.

Entre outros, no século IV destaca-se Sao Basilio, bispo de


Cesaréia (t 379), que, além de pregar justiga e senso humanitario, deu o
exemplo: as portas de Cesaréia, construiu uma nova cidade, que o povo
chamava "a Basilíada", assim apresentada pelo bispo a Elias, governa-
dor da Capadócia:

"Dir-se-á que prejudicamos os negocios públicos, erguendo ao nos-


so Deus uma casa de oragáo, magníficamente construida, tendo em seus
arredores habitagóes, das quais uma liberalmente é reservada ao chefe;
as outras sao inferiores e destinadas, conforme a sua condigno, aos ser
vidores de Deus, utilizáveis igualmente por vos, magistrados, eporvosso
cortejo. A quem prejudicamos por construir abrigos para os estrangeiros,
para as pessoas em tránsito, oupara aquetas que precisam de reconfor
to, para os enfermeiros, os médicos, para os animáis de carga com os
séus condutores? Para manter tais estabelecimentos, é indispensável a
colaboragao prestada pelos diversos oficios... Sao portanto necessárias

216
OS CRISTÁOS E A PROPRIEDADE PARTICULAR 25

outras casas adequadas as industrias; e há muitas outras coisas que


contríbuem para tomar o lugar agradável" (L. 74).

Havia nessa cidade um abrigo para pessoas idosas, um hospital,


com urna ala reservada as doencas contagiosas, e a distribuicáo de sopa
popular.

Basilio se insurgiu contra a ganancia egoísta em numerosos tex


tos:

"Possuir mais do que o necessário é prejudicar os pobres, é rou-


bar".

"Quem despoja das suas vestes um homem, terá nome de ladráo.


E quem nao veste a nudez do mendigo, quando o pode fazer, merecerá
outro nome? Ao faminto pertence o pao que tu guardas. Ao homem nu, o
manto que tica nos teus baús. Ao descaigo, o sapato que apodrece na
tua casa. Ao miserável, o dinheiro que tu guardas enfumado" (Homilía 6, 7).

Santo Agostinho (t 430), é inegavelmente, um dos maiores geni


os da humanidade. Os seus escritos se destacam nao so pela profundi-
dade do conteúdo, mas também pela elegancia despretensiosa e sim
ples de sua forma.

Eis notável espécimen de sua doutrina relativa a ricos e pobres:

"Vemos as vezes que um rico é pobre, e o pobre pode oferecer-lhe


seus prestimos. Eis, chega alguém a beira de um rio, e, quanto tem de
posses, tem de delicado: nao conseguirá atravessar; se tira a roupa para
nadar, teme resfriarse, adoecer, morrer... Chega um pobre, mais robusto
e preparado. Ajuda o rico a atravessar, faz esmola ao rico.

Portanto, nao se considerem pobres somente os que nao tém


dinheiro. Observe cada um em que é pobre, porque talvez seja rico
sob outro aspecto e possa prestar ajuda. Talvez possas ajudar alguém
com teus bragos e até mais do que se o ajudasses com teu dinheiro.
Aquele lá precisa de um conselho e tu sabes dá-lo; nisto ele é pobre e
és rico, e entáo nada tens a perder; dá-lhe um bom conselho e faze-
Ihe tua esmola.

Neste momento, irmáos, enquanto falo convosco, sois como men


digos diante de Deus. Deus é quem nos dá, e nos damos a vos; todos
recebemos dele, o único rico.

Assim procede o corpo de Cristo; assim se entrelagam seus mem-


bros e se unem na caridade e no vínculo da paz, quando alguém possui
e sabe dar a quem nao possui. No que tens, és rico; e é pobre quem nao
tem isso.

217
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Amai-vos, pois, e querei-vos bem. Nao cuidéis apenas de vos mes-


mos, pensai nos necessitados que vos rodeiam. E, embora isto acarrete
fadigas e sofrimentos nesta vida, nao percais a coragem: semeai ñas
lágrimas, colhereis na alegría. Pois nao é assim, irmáos meus? O agricul
tor, quando lavra a térra e póe as sementes, nao está as vezes receoso
do vento frío ou da chuva? Olha o céu eo vé ameagador; treme de frío,
mas vai em frente e semeia, pois receia que, esperando um dia sereno,
passe o tempo e ¡á nao possa semear. Nao adiéis vossas boas obras,
irmáos! Semeai no invernó, semeai boas obras mesmo quando choráis,
pois 'quem semeia ñas lágrimas, colhe na alegría'" (Comentario ao SI
125).

O S. Doutor desmascara a eventual soberba e auto-suficiéncia de


quem possui, e, de maneira suave e persuasiva, incita seus ouvintes ao
amor fraterno, que é o cume da perfeicáo.

Sao Paulino de Ñola (t 431) é outra figura notável. Nascido em


Bordéus (Franca), exerceu importantes cargos civis antes de ser batiza-
do em 391. Vendeu entáo seus bens, distribuindo-os aos pobres; ao con-
verter-se, foi seguido por sua esposa Terásia, com a qual passou a viver
vida retirada do mundo. Foi ordenado presbítero em 394, e em 409 tor-
nou-se bispo de Ñola (Italia Meridional). Também este escritor se preocu-
pou com a temática "riqueza-pobreza", que assim explana num de seus
sermóes relativo ao óbolo da viúva (Me 12, 41-44):

"Lembremo-nos, aínda, daquela viúva que, despreocupada com os


seus, conforme atesta o próprío Juiz, e, pensando únicamente no futuro,
deu aos pobres tudo o que Ihe restava de alimento. Outros concorreram
com o excesso de sua abundancia; ela, porém, mais pobre talvez que
muitos pobres, tendo por única fortuna duas moedas; mais rica, entretan
to, na alma que todos os ricos, avara dos tesouros celestes, esperando
únicamente os beneficios da recompensa eterna, entregou tudo quepos-
suía dessa fortuna que sai da térra e para ela retorna. Deu o que tinha,
para possuir o que nao vía; deu o corruptível, para adquirir a imortalida-
de. Esta pobre nao fezpouco caso da economía disposta e ordenada por
Deus, acerca do crédito futuro. Por isso, o Provisor nao se esqueceu déla
e, como juiz do mundo, já antecipou a sua sentenga. Elogiou no Evange-
Iho a quem iría coroar no juízo futuro.

Emprestemos a Deus dos seus próprios dons. Nada possuímos


sem auxilio, urna vez que nem existir podemos sem sua vontade. Que
poderemos considerar como nosso, se, por urna divida especial e ¡men
sa, nos mesmos nao somos nossos? Pois nao só fomos feitos por Deus,
mas também resgatados. Alegremo-nos, porque fomos resgatados por
um grande prego, isto é, pelo sangue do próprío Senhor".

218
OS CRISTÁOS E A PROPRIEDADE PARTICULAR 27

O autor lembra, desta maneira, a importancia de um coragáo puro,


livre de qualquer apego desregrado. Quem possui tal coragáo, intui valo
res que os olhos da natureza sao incapazes de perceber.

Passemos a

3. O Magisterio da Igreja

Prolongando a voz das Escrituras, o magisterio da Igreja, através


dos séculos, rejeitou, como erróneas, sucessivas tendencias a negar ou
a restringir exageradamente o direito de propriedade.

Registrou-se, por exemplo, na antigüidade e na Idade Media, o surto


periódico de concepcoes pessimistas ou dualistas que tinham a materia
e o uso dos bens materiais na conta de algo de mau ou de satánico;
assim o Ebionitismo (de ebion, pobre, em hebraico) no séc. II, o
Maniqueísmo nos séc. III/IV, as correntes dos Cataros, dos Valdenses e
dos Joaquimitas, do séc. XI ao séc. XIII.
Verificaram-se também, entre os cristáos, tendencias socialistas e
comunistas anarquistas, que a Igreja reprovou: no séc. II, por exemplo, o
gnóstico Epifánio preconizava o comunismo integral, apelando para a
justica de Deus, como se esta tivesse outorgado a todos os homens os
mesmos direitos sobre toda e qualquer coisa; no séc. III apareceram os
"Apostólicos" ou "Apóstatas" (= os que renunciavam), os quais se vanglo-
riavam de imitar os Apostólos, nada possuindo.
No século XIV urna corrente mística franciscana exagerava a po
breza de Cristo e dos Apostólos, negando-lhes o direito de possuir ou
mesmo de usufruir, fosse em particular, fosse em comum..., negando-
lhes, por conseguinte a liceidade de se servir de bens materiais, de os
vender, comprar ou trocar...; tais teses provocaram explícita declaracáo
por parte do Papa Joáo XXII:

"Será considerado herege todo aquele que sustentar que Jesús


Cristo e seus Apostólos, em relagáo as coisas de que se servirán), nao
praticaram senáo o mero uso de tato (nao de direito); daíse poderia con
cluir que tal uso era ilícito, conclusáo esta que seria blasfematoria" (Cons-
tituigáo Quia quorumdam de 10 de novembro de 1323; cf. outrossim a
bula Cum inter nonnullos de 12 de novembro de 1323).
Tal é o chamado erro da "pobreza absoluta de Cristo".
No séc. XVI os Anabatistas provocaram a guerra dos camponeses
na Alemanha (1522-1525), pregando com anarquia e piihagem a vinda
de novo Reino de Deus, em que haveria comunháo de bens.
Nenhum desses movimentos contrarios á propriedade particular
prevaleceu no Cristianismo porque, em última análise, significavam a

219
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

negacáo da Encarnacáo, ou seja, da santificacáo de tudo que há de hu


mano e material, pela vinda do Filho de Deus a este mundo; também a
materia foi, do seu modo, objeto da Redengáo, ensina o misterio da En-
camacao; em conseqüéncia, toca a todo individuo humano nao somente
o direito, mas também o dever, de a dominar e a fazer concorrer para a
gloria de Deus.

Os Papas, a partir de Leáo XIII, vém com insistencia reafirmando o


tradicional conceito cristáo de propriedade, tendo em vista,

de um lado, as modernas teorías do socialismo e do marxismo,


que querem absorver no totalitarismo económico e político o individuo e
seus direitos,

de outro lado, o liberalismo económico, que leva ao capitalismo


selvagem e á opressáo.

O principal problema contemporáneo versa sobre os bens produzi-


dos por colaboracáo do capital do empresario e do trabalho dos operari
os. Lembram os Papas que qualquer exclusivismo, seja por parte dos
capitalistas, seja por parte dos trabalhadores, se torna injusto; preconi-
zam que o trabalho nao seja considerado como simples mercadoria e
que o salario respectivo exprima a dignidade pessoal do operario, facul
tando a este a constituicáo e o desenvolvimento da familia e possibilitan-
do-lhe a elevacáo do padráo de vida.

As encíclicas papáis também se referem, com certa freqüéncia, ao


papel dos governos civis perante a propriedade particular. - Lembram
que nao é lícito ao Estado frustrar, como quer que seja, o uso do direito á
posse individual, pois isto seria violar a personalidade humana. Toca,
porém, aos legisladores civis regrar o emprego dos bens particulares em
vista do bem comum. Isto pode ser feito, por exemplo, retirando do dominio
particular alguns bens que interessam á seguranca pública ou que conferiri-
am aos seus proprietários um poder exagerado. Sao palavras de Pió XI:

"Há certas categorías de bens que - é razoável pensar - devem


ser reservados a coletividade, desde que confiram poder económico tal
que, sem perigo para o bem público, nao podem ser deixados ñas máos
de cidadáos particulares" (Quadragesimo anno).

Essa socializacáo, porém, só é desejável quando realmente exigida


pelo bem comum ou como único meio eficaz de remediar a um abuso ou
de assegurar a ordem das forcas produtivas de um país.

A socializacao ou nacionalizacáo assim concebida é recurso extre


mo, pois contém a ameaca de absolutizacao do Estado. Este pode, antes
de estatizar, promover a propriedade coletiva em máos de sociedades
220
OS CRISTÁOS E A PROPRIEDADE PARTICULAR 29

controladas por leis; nestas sociedades grande número de pessoas, in


clusive os funcionarios e operarios das empresas, podem tornar-se co-
proprietários.

Na verdade, a propriedade particular nao é baseada apenas em


razóes de ordem religiosa; ela tem seu fundamento também no direito
natural. Donde

4. Argumentos Filosóficos

1) A propriedade particular é exigencia da natureza intelectual


do homem. Este pode prever o seu futuro, á diferenca dos animáis irra-
cionais, que se contentam com a satisfácelo de suas necessidades ¡me
diatas. Ora, para subsistir hoje e no tempo futuro, o homem precisa de se
apropriar de bens naturais (bens de consumo e igualmente bens de pro-
ducáo).

Este argumento vale especialmente para os genitores, responsá-


veis por urna familia. Os pais tém a obrigacao de cuidar da alimentacáo,
do vestuario e da educacáo dos filhos; seria antinatural que o Estado o
fizesse em lugar dos genitores. Por isto, estes tém o direito de adquirir e
possuir os bens necessários ao cumprimento de tais deveres; a solicitu-
de materna e paterna Ihes permite também transmitir esses bens, como
heranca, ás geracóes futuras, assegurando a estabilidade e a indepen
dencia da familia.

2) A propriedade particular é a expressáo da pessoa humana e


o fruto do seu trabalho. Decorre do trabalho desta ou de seus antepas-
sados; é o espelho do individuo, que precisa de um aconchego preserva
do pela privacidade, onde o individuo seja ele mesmo, cercado dos si-
nais que identificam o seu eu.

Com outras palavras: a propriedade particular possibilita e alimen


ta a iniciativa pessoal e, com esta, a alegría e o entusiasmo; mediante a
propriedade particular, o homem tem nao somente de qué viver, mas
também um por qué viver mais concreto e ¡mediato - o que, para muitas
pessoas, é de grande valia, a fim de que desenvolvam sua genuína per-
sonalidade.

3) A propriedade particular estimula o trabalho. Com efeito; todo


homem é espontáneamente atraído pela perspectiva da recompensa di
reta e pessoal de seus esforcos; é esta que incita as pessoas a aceitar
tarefas arduas, tarefas que elas, de outra forma, nao empreenderiam ou
só empreenderiam negligentemente.

A propriedade particular, favorecendo a concorréncia sadia entre


individuos e grupos, propicia o progresso e evita o monopolio mediocre e
estagnado exercido pelo Estado absolutista.

221
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

É o que o Papa Leáo XIII assim comenta: "O homem possui tal
natureza que a perspectiva de trabalhar sobre um fundo que Ihe perten-
9a, duplica seu ardor e sua aplicacáo". Donde concluí o Pontífice que a
supressáo da propriedade particular acarretaria que "fossem o talento e
a habilidade destituidos de seu estimulante e, conseqüentemente, ficas-
sem as riquezas estagnadas em suas fontes; em lugar da igualdade so-
nhada (no tocante á posse dos bens materiais), haveria igualdade no
desnudamente, na indigencia e na miseria" (ene. Rerum Novarum).

4) A propriedade particular é penhor de urna sociedade articu


lada ou organizada, ao passo que a propriedade meramente coletiva
tem por conseqüéncia urna sociedade massificada, sem diversificacáo
nem liberdade. Bem repartida, a propriedade particular realiza sadia divi-
sao dos centros de influencia e defende os cidadáos contra a concentra-
cáo de todo o poder ñas mios do Estado. Atualmente, frente aos regimes
totalitarios, a propriedade particular é de alta importancia para garantir a
liberdade dos individuos e a sua independencia em relacáo ao poder civil.

Em conclusáo, podemos reafirmar: o direito de propriedade é um


direito natural, como nota sabiamente R.G. Renard:

"A propriedade faz pane da natureza do homem e da natureza das


coisas. Como o trabalho, ela encerra um misterio; é a projegáo da persona-
lidade humana sobre as coisas. A pessoa tende á propriedade por um impul
so instintivo, do mesmo modo que a nossa natureza animal tende ao alimen
to. O apetite da propriedade é táo natural á nossa especie como a fome e a
sede; apenas é de notar que estes sao apetites da nossa natureza inferior,
ao passo que aquele procede da nossa natureza superior. Todo homem tem
alma de proprietário, mesmo os que se julgam inimigos da propriedade. É
isto que se entende guando se afirma gue a propriedade decorre do direito
natural" (L'Eglise et la Question Sociale, París, pp. 137s).

O voto de pobreza professado pelos Religiosos depende de um


carísima próprio, que Deus dá livremente, sem que isto impega o cristao
legítimo proprietário de chegar á santidade.

Crónicas Selecionadas, porDom Urbano José Allgayer. - Gráfica


e Editora Sao Cristóváo, Erechim (RS), 2001, 210 x 140 mm, 303 pp.

Eis urna interessante coletánea de crónicas radiofónicas (também


publicadas em ¡ornáis) do sr. Bispo Emento de Passo Fundo (RS). No decor-
rer de dezoito anos, semanalmente o Pastor Diocesano foi abordando temas
de atualidade, que até hoje conservam pleno significado: Deus, Biblia, Abertu
ra á Vida, Familia, Ecumenismo, Doutrina Social Crista, Apólogos e Parábo
las... O livro, de estilo agradável e sólido conteúdo, será muito útil a quem deseje
conheceropensamento da Igreja frente ao mundo moderno. Enderego da Edito
ra: Rúa Dr. Joáo Caruso 633, Distrito Industrial, 99700-000 Erechim (RS).

222
Viagem fora do corpo:

"VOLTAR DO AMANHA"
por George G. Ritchie e Elisabeth Sherrill

Em síntese: O livro refere as peripecias de pretensa viagem fora


do corpo efetuada por umjovem soldado norte-americano, quando certa
vez caiu em estado de coma num Hospital militar. Descreve o céu e o
inferno como se fossem novas edigóes do que há de bom e menos bom
na térra. Jesús Cristo, sob a forma de um homem refulgente de luz, terá
acompanhado o viajante, mostrando-lhe as localidades do além. - Em-
bora o relato e a experiencia narrada tenham por autor alguém de nivel
superior ou um psiquiatra, trazem todas as características de urna estória
fantasiosa, nao merecedora de crédito.
* * *

O Dr. George G. Ritchie é um psiquiatra norte-americano que julga


poder descrever sua experiencia de "viagem pelo além" num livro que em
1980 estava em sua oitava edicáo brasileira1. Na quarta capa da obra
encontra-se um resumo do conteúdo respectivo nos seguintes termos:

'"Eu vi o céu e o inferno'. Essa frase nao foi retirada de nenhuma


poesía. Sao palavras do Dr. George Ritchie, que resumem sua fantástica
experiencia. Ele morreu e nove minutos depois, inexplicavelmente, esta
va vivo de novo. Em VOLTAR DO AMANHA, o leitor percorrerá, junto
com este psiquiatra norte-americano, os caminhos para além da vida.
Foram nove minutos, mas com a intensidade de anos".

A seguir, seráo apresentadas em destaque as principáis fases des-


sa viagem fantástica; ao que se seguirá breve comentario.

1. As principáis etapas

1.1. Saída para fora do corpo

O Dr. Ritchie volta aos anos de sua juventude, quando era soldado
do exército norte-americano e caiu em coma num Hospital militar. Foi
entáo que fez a experiencia sensacional a qual comecou do seguinte
modo:

"Achava-me num quarto minúsculo, o qual eu jamáis vira... Onde


estaría eu? E como ali chegara?...

1 Voltar do Amanhá. Tradugáo de Gilberto Campista Guarino. - Ed. Nórdica, Sao


Paulo 1980(8aedigáo) 135x210mm, 115 pp.

223
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Levaram-me para a sala de radiografías e... eu devo ter desmaiado


ou qualquer coisa...

Alguém estava deitado sobre a cama. Cheguei mais para perto.


Tratava-se de um jovem de cábelos castanhos e curtos, imóvel. Mas...
aquilo era ¡mpossível! Eu acabara de saltar daquela cama! Por um mo
mento lutei com o misterio do que se passava" (pp. 33s).

Esse jovem imóvel era o próprio George Ritchie, cuja alma ou cujo
espirito (o autor nao usa algum destes dois vocábulos), egresso do cor-
po, contemplava sua realidade corporal.

O autor continua, dizendo que esse núcleo incorpóreo de sua per-


sonalidade saiu assustado pelos corredores do Hospital, interpelou os
atendentes que encontrou, mas de nenhum recebeu resposta {vivia ele
em outra dimensao), até que finalmente voltou ao seu cubículo de enfermo.

1.2. A Vinda do Homem de Luz

O jovem entáo tomou consciéncia de que estava morto corporal-


mente, mas vivo em seu "ser desencarnado" (p. 44). Nesse momento
deu-se o seguinte fenómeno:

"Comecou a operar-se urna mudanca na luz do quarto; de repente,


percebi que se havia tornado mais brilhante, muito mais brilhante do que
fora... O brilho aumentava vindo de parte nenhuma, parecendo resplan
decer ao mesmo tempo por toda a parte... Brilhava tanto que chegava as
raias do impossível; era algo como se um milháo de macárteos ardessem
a um só tempo" (p. 44).

Finalmente a luz se identificou:

"Percebi nao se tratar de luz, mas de um homem que ingressava


no quarto... Coloquei-me de pé e, enquanto o fazia, lá eclodiu a certeza
estupenda:

'Vocé está na presenca do Filho de Deus'.

... Se se tratava do Filho de Deus, entáo seu nome era Jesús,...


mas nao meu Jesús dos meus livros da Escola Dominical. Este era gen
til, temo, compreensivo e - provavelmente - um tanto ou quanto débil.
Aqueta Pessoa era o próprio poder, mais velho do que o tempo e, no
entanto, mais atual do que ninguém que eu já houvesse encontrado.

E, ácima de tudo, eu sabia que aquele Homem me amava... Muitís-


simo mais do que poder, era amor incondicional o que emanava dessa
Presenca... Esse amor conhecia cada aspecto negativo do meu ser - as
altercares com a minha madrasta, meu temperamento explosivo, os

224
"VOLTAR DO AMANHA" 33

devaneios sexuais, que jamáis pude controlar, cada pensamento e cada


acáo maus e egoístas, desde o dia em que nasci, tudo isso ele conhecia... e
aceitava-me tal como eu era, e do mesmo modo me amava" (pp. 44s).

1.3. Exame de consciéncia

Á luz do Filho de Deus, é dado ao jovem rever toda a sua vida


passada:

"Centenas, milhares de cenas sucederam-se, todas iluminadas pela


luz clarividente, urna existencia em que o tempo parecía ter cessado. Em
circunstancias normáis urna simples olhadela em tantos eventos tomaría
semanas; e eu sequer tinha a sensacáo dos minutos passando...

Foram evocados episodios do meu tempo de curso colegial - da


tas, exames de química, melhor tempo da escola na corrida de urna mi-
Iha. Revi o dia em que colei grau, minha admissáo á Universidade de
Richmond...

A pergunta estava implícita em cada cena, parecendo... ter sua


origem na luz cheia de vida ao meu lado: 'Que fez vocé da sua vida?' (p. 47).

"Nenhuma condenacáo vinha da gloria resplandecendo á minha


volta. Ele nao censurava nem reprovava. Simplesmente... me amava.
Aquilo tudo era urna prova do seu amor... Ele permanecía, aguardando
minha resposta á pergunta aínda em suspenso no ar ofuscante: 'Que tem
vocé para me mostrar daquílo que fez com a sua vida?"1

1.4. O Inferno

Após o exame de consciéncia, em que Jesús nada condena, mas


faz ver a George o que ele fez de bom e de menos bom, comeca urna
longa viagem:

"Com um estremecimento, notei que nos movíamos. Eu nao tinha


consciéncia de haver deixado o hospital; no entanto ele nao estava á
vista... Parecía que estávamos bem alto sobre a Térra, juntos em direcáo
a um longínquo ponto de luz... Estávamos alto, deslocando-nos com ra
pidez...

O ponto distante ganhou as dímensóes de urna grande cidade, na


direcáo da qual estávamos descendo" (pp. 50s).

"A luz conduziu-me para dentro de um bar-churrascaría sujo, perto


do que parecía ser urna grande base naval. Urna porcáo de pessoas,
marinheiros em sua maioria, fazia urna fila de dar voltas, dentro do esta-
belecimento, enquanto outras socavam as botas de madeira na parede.
Alguns poucos tomavam cerveja, mas a maior parte parecía beber uís-
que táo rápido quanto rápidos pudessem ser os dots suados garcons.

225
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Observei entáo uma coisa chocante. Uma parte dos homens que
estavam de pé dentro do bar pareciam incapazes de levar os drinques
até os labios. Seguidamente, tentavam agarrar as doses ao alcance da
máo; estas, porém, passavam através das canecas, do balcáo de madei-
ra de lei e, até mesmo, dos bracos e corpos dos beberróes á volta deles.

Faltava a cada um desses individuos a auréola de luz que circun-


dava os outros... Os vivos... nao podiam ver os desencarnados em sede
desesperadora... nem Ihes sentir o empurra-empurra frenético para che-
gar até aqueles copos...

Eu pensei que já tivesse visto bebedeira grossa ñas festas de con-


gracamento em Richmond; todavía o jeito pelo qual civis e militares se
comportavam ali batia todo o resto. Vi quando um marujo ainda moco se
ergueu, cambaleante, de um tamborete e deu dois ou tres passos,
estatelando-se no chao. Dois dos seus companheiros abaixaram-se e
comecaram a arrastá-lo para longe da aglomeracio" (pp. 54s).

1.5. OCéu

Tendo contemplado o inferno assim descrito, George é levado a


ver o céu:

"Saímos no parque silencioso, onde reinava sadia expectativa.


Depois entramos num edificio abarrotado de maquinário tecnológico.
Dentro de uma estranha estrutura esférica, um estreito jirau levou-nos
até sobre um reservatório de alguma coisa que parecía ser agua comum.
Entramos e saímos de lugares que se assemelhavam a gigantescos la
boratorios, bem assim no que poderia ter sido alguma especie de obser
vatorio espacial. E, á medida que prosseguíamos, meu estado de estu-
pefacao crescia.

'Senhor', especuleí... 'será isso... o céu?1 A tranqüilidade, a rever-


beracáo luminosa, tudo era - seguramente - celestial! Também o eram a
ausencia de 'self, de ego. 'Quando esses seres estavam na Térra, acaso
ultrapassaram desejos egoísticos?'

'Sim, eles os ultrapassaram, e continuaram a ultrapassá-los'. Na-


quela atmosfera concentrada e ansiosa, a resposta brilhou como a luz do
sol" (p. 66).

"Foi entáo que, a infinita distancia, longe demais para ser registra
da por qualquer tipo de visao de que já ouvira falar... foi entáo que divisei
uma cidade. Cintilante, aparentemente sem fim, brilhante o suficiente para
se impor á distancia inimaginável que medeava. A claridade parecía ori-
ginar-se das próprias paredes e rúas desse lugar, e de seres que eu
sabia estavam se deslocando por ela. Para ser mais preciso, a cidade e

226
"VOLTAR DO AMANHÁ" 35

tudo o que a integrava parecía ser estruturado em luz, do mesmo modo


que a Figura ao meu lado.

Até aquele momento eu nao havia lido o Apocalipse. Fiquei de quei-


xo caído diante daquele remoto espetáculo, imaginando quáo brilhantes
deveriam ser cada predio e cada habitante para se fazerem vistos a tan
tos anos-luz de distancia. Seriam aqueles seres resplandecentes - pen-
sava eu, maravilhado - os que haviam conservado Jesús como centro de
sua vida? Estaría finalmente contemplando os que O teriam procurado
em tudo? Os que nisso se haveriam empenhado tanto e com tal profici-
éncia que se havíam assimilado a Ele, penetrando a sua própria forma?"
(p. 68).

1.6. O retorno á Térra

Continua o texto sem interrupcáo:

"Mal propusera a questao, e duas das figuras radiosas como que


se destacaram da cidade, vindo ao nosso encontró, arremetendo através
daquela infinitude na velocidade da luz.

Mas, na mesma proporcáo em que elas vínham em nossa dírecáo,


nos nos afastávamos... até mais rápidamente. Aumentou a distancia, a
visao esmaeceu. Mesmo que eu exclamasse em protesto de angustiosa
frustracáo, e conquanto o fizesse, sabia que minha visáo imperfeita nao
reunía condicóes para, senáo por um átímo, reter um qué daquele céu
verdadeiro, supremo. Ele me havia mostrado tudo que eu mesmo tornara
possível... Agora estávamos muito longe, deslocando-nos velozmente.

De repente, paredes fecharam-se á nossa volta. E tudo ficou táo


estreíto, tao a semelhanca de urna caixa, que levou alguns segundos até
que eu reconhecesse o pequeño quarto de hospital de onde nos afastá-
ramos ao que parecía ser urna vida.

Jesús aínda se erguía ao meu lado; caso contrarío, a conscíéncia


nao poderia ter suportado a transícáo do espaco infinito para as dímen-
sóes cubículares daquele quarto. Nos meus pensamentos, a cidade glo
riosa aínda faíscava e incandescia, acenando e atraindo-me. Notei, com
total indiferenca, que havia um vulto deítado sob o lencol, na cama que
quase tomava o quarto minúsculo" (pp. 68s).

Com dificuldade George tentou adaptar-se á sua vida reencarnada


no leito do hospital, mas finalmente conseguíu-se situar...

Eis, em síntese, o relato da viagem do soldado norte-americano,


posteriormente psiquiatra Dr. George Ritchie. A estória pode ¡mpressio-
nar. Donde a pergunta:

227
36 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

2. Que dizer?

O Dr. Raymond Moody Jr, na Apresentacáo do livro (pp. 5s), dá


pleno abono ao relato do Dr. Ritchie, agregando-o á colecáo de narrati
vas paralelas que Moody Jr. tem em seu arquivo. Por conseguinte, valem
para a obra de Ritchie as observacóes publicadas em PR 447/1999, pp.
368-375 a propósito do livro "Luz do Além" de Moody Jr.

A fim de evidenciar a inconsistencia da historia relatada pelo Dr.


Ritchie, nao sao necessárias longas ponderacóes.

1) Antes do mais, note-se que nenhum telescopio dos mais pos-


santes jamáis descobriu no espaco um panorama urbano semelhante ao
que o soldado norte-americano diz ter contemplado. Verdade é que, para
evitar qualquer objecáo, Ritchie imagina a Cidade Santa posta a distan
cia inimaginável - o que é um postulado gratuito. A Jerusalém celeste de
Apocalipse 21 s é urna cidade simbólica, cuja configuracáo difícilmente
pode ser reconstituida; nao pode ser tomada ao pé da letra como se
fosse o céu prometido aos justos e fiéis.

2) Todo ser humano traz em seu inconsciente categorías ¡natas ou


arquetipos relativos a valores fundamentáis: felicidade, vida, maternida-
de... Assim Ritchie terá descrito a bem-aventuranca celestial segundo os
modelos que um homem de cívilízacáo ocidental pode conceber: alta
tecnología, ¡mensa biblioteca, música segundo tonalidades inexistentes
na Térra (p. 65). Um africano ou um asiático teria projetado o além se
gundo modelos de sua civilizacáo própria.

3) O inferno é concebido como nova edícáo dos lugares e das ma-


neiras que ocasionam e caracterizam o pecado cometido no aquém. Na
verdade, o inferno nao é um lugar, mas é um estado de alma marcado
pela grande frustracáo de haver perdido o único Bem que dá sentido á
vida humana,... único Bem trocado por bagatelas e bolhas de sabáo.

4) A figura de Jesús no livro é a de um homem de luz - o que


caracteriza muíto pálidamente a imagem do Senhor Jesús. Ele ai é tao
somente amor, que ajuda cada qual a reconhecer com sinceridade os
feitos de sua vida na Térra, sem, porém, censurar ou reprovar. Esta con-
cepcáo pode insinuar um Jesús bonachao segundo imaginam alguns crís-
táos mal orientados. Jesús é, sim, Amor,... Amor que ama o pecador,
mas odeia o pecado.

5) Na verdade, segundo a fé crista (e George Ritchie é cristáo), o


além é "aquilo que o olho nao viu, o ouvido nao ouviu, o coracáo do
homem jamáis percebeu" (1Cor 2, 9) - o que excluí a concepgáo de vida
postuma configurada ao aquém, em nova edícao revista, melhorada e
aumentada!

228
Questáo candente:

A PÍLULA DO DÍA SEGUINTE

Em síntese: O Dr. Helio Begliomini, membro de diversas socieda


des nacionais e internacionais, denuncia ao público a pílula do dia se-
guinte pelos efeitos contrarios á saúde e a vida humana que ela acarreta.
Os interesses económicos de grandes firmas estimuíam a difusao desse
contraceptivo, camuflando as conseqüéncias negativas que ele possa
terpara a mulher e para a sociedade em geral.
# * *

O Dr. Helio Begliomini é membro de diversas sociedades nacionais


e internacionais, entre as quais a Sociedade Brasileira de Uroiogia, o
Colegio Brasileiro de Cirurgióes, a Société Internationale d'Urologie, a
Confederacáo Americana de Uroiogia, o International Coliege of Surgeons,
ABÉIS, ASOBRAMES, ABRAMES, ACL... Enviou á Redacáo de PR inte-
ressante artigo que vai, a seguir, publicado e é motivo de profunda grati-
dáo da revista ao distinto colaborador.

A "PÍLULA DO DIA SEGUINTE" ESTÁ NO MEIO DE NOS.


CONSIDERACÓES ÉTICAS.
"Primum non nocere"
("Em primeiro lugar, nao fazer o mal", aforismo de Hipócrates)
O inicio do novo milenio foi marcado por urna noticia bombástica.
Exatamente nos primeiros dias de fevereiro fui surpreendido no consulto
rio com a apresentacáo do produto "Postinor-2", que nada mais é do que
"a pílula do dia seguinte", sutilmente divulgada como "contracepcao de
emergencia". O produto é fabricado por Gedeon Ritcher Ltd, industria de
Budapeste-Hungria; embalado e comercializado no Brasil até o momen
to pelo Aché Laboratorios Farmacéuticos S.A.
Trata-se de duas pílulas do progestogénio sintético levonorgestrel,
cada qual com 0,75 mg para ser tomada a primeira até 36 horas do con
tato sexual e, a segunda, 12 horas após a primeira.
Posteriormente fiquei sabendo que o produto já estava sendo ven
dido ñas farmacias desde meados de 2000. A divulgacáo nao foi alar
mante como costumam ser os lancamentos de industria farmacéutica,
recheados dos mais sofisticados artificios persuasivos do marketing e
nutridos com polpudos investimentos financeiros.

229
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

Quase de modo sorrateiro, acanhado e ao pé do ouvido, o propa


gandista falou-me do produto. Atua de tres modos diferentes, prevenindo
a ovulacáo, a fertilizacáo (anticapacitacáo do espermatozoide) e o pro-
cesso de implantacáo do embriao na parede do endométrio ou, por efeito
direto sobre o embriao na fase de blástula, acáo esta última similar aos
dispositivos intra-uterinos (DIUs).

Enquanto ele falava, eu ¡a, pasmado, refletindo. Este último meca


nismo é microabortivo, urna vez que a fecundacáo ocorre geralmente
ñas trompas. Alias, o produto age também neste sitio, diminuindo a mo-
bilidade tubária.

Na prática, torna-se difícil saber de qual forma a gravidez foi evita


da ou interrompida, urna vez que se faria necessário analisar microscópi
ca e pormenorizadamente o produto "menstrual" pós-coito, a fim de se iden
tificar ou nao o conteúdo embrionario, o que nao é realizado rotineiramente.

E o propagandista arrematou a explanacáo em tom festivo: "Agora


já temos no nosso meio a mais moderna tecnología estrangeira: a pílula
do dia seguinte!".

Em outras palavras, agora está sendo oferecido á populacáo, de


forma consciente ou nao, um microabortivo de acáo hormonal. Assim
parece que na sociedade hodierna o crime depende do tamanho da víti-
ma ou do impacto que esta pode causar publicamente. Destarte, "com a
pílula do dia seguinte" nao haverá morte na cabeca de seus protagonis
tas pela supressáo da vida em seus estágios preliminares, pois seus
mecanismos de acáo se camuflam e se mesclam, desviando-se a aten-
cao da acáo antinidatória. Ademáis, a sociedade sibarita, pragmática e
consumista que campeia sobremodo nos grande centros, favorecerá a
rápida disseminacáo do produto.

A pretexto de liberdade de opinióes, protecáo dos "direitos da mu-


Iher", incentivo ao pseudofeminismo e subjacentes interesses
antinatalistas, tém-se entre nos, com o abono dos órgáos governamen-
tais, um microabortivo de fácil acesso e simples uso com o eufemismo de
ser "o contraceptivo de emergencia".

Na verdade, este produto é um desrespeito á mulher, urna afronta


á dignidade da pessoa como um todo e um atentado á vida humana.
A propósito, quanto vale urna vida? Para os adeptos do Postinor-2,
a vida embrionaria na fase de blástula vale R$ 16,74 {aproximadamente
US 8,00 dólares). Da mesma forma, muito apreciaría dizer que a vida dos
donos e acionístas das empresas (produtora e distribuidora), dos seus
diretores, gerentes, supervisores, propagandistas... etc vale igualmente
a mesma irrisoria quantia. Entretanto, a minha formacáo médica e

230
A PÍLULA DO DÍA SEGUINTE 39

humanista aceña racionalmente para o valor incomensurável, único,


indiviso e irrepetível da vida humana, independentemente de forma, ta-
manho, cor, idade, religiao, ideología, condicao social, económica, geo
gráfica, política, estado de saúde, normalidade física mental... etc, que o
ser vívente possa albergar.

O valor da vida aproxima-se do inefável gesto gerador,


desinteresseiro e altruista do Criador.

Nao há dúvidas de que sobre cada cabega responsável pela auto-


rizacáo, fabricacao e promocáo deste produto, reside urna co-responsa-
bilidade na acáo perversa contra a vida de milhares de embrides
desconhecidamente microabortados.

O laboratorio responsável pela distribuicáo do produto em nosso


meio é genuinamente a maior industria farmacéutica nacional, e um dos
principáis no ranking do mercado brasileiro.

Se o lancamento fosse feito por urna multinacional, poder-se-ia di-


zer que ela tém a pecha de utilizar cobaias humanas do terceiro mundo
em detrimento do primeiro, o que na realidade, hoje em dia, também
seria urna afirmacáo leviana e falsa.

O Aché tem merecido elogios nao somente por comercializar urna


enorme quantidade de produtos éticos e de grande utilidade prática, como
também por estar sempre envolvido em campanhas ecológicas,
educativas, bem como na realizacáo de projetos sociais e de promocáo
humana. Com o Postinor-2, numa só tacada, chafurda-se num ambicioso
mercado, maculando a sua imagem, sua ética e seu passado.

Este fato se deve a urna filosofía reinante, marcada pela incoerén-


cia de principios. É comum observar-se isto também ñas emissoras de
radio e televísáo. Se por um lado colaboram com campanhas educativas
e culturáis e com projetos sociaís, por outro, apresentam programas, fil
mes, novelas que deseducam, desestruturam a familia e promovem a
violencia e tudo o que dáo a impressáo de combaten Em outras palavras,
a mesma mao que salva é a que mata. Tudo a pretexto da liberdade de
expressáo da imprensa, que é ávidamente atraída pelos interesses eco
nómicos e teleguiada pelos indicadores de audiencia. Infelizmente, os
fins justificam os meios numa sociedade onde se vive da forma "salve-se
quem puder".

Curiosamente, do ponto de vista ético a pílula do dia seguinte en-


contra óbices e nao se tém visto manifestares pelos órgáos competen
tes contra a liberacáo do seu uso. Parece que os Conselhos de Medicina
estáo obnubilados em seus ideáis, preferindo nao enfrentar os podero
sos opositores do maior principio existente no planeta, condicáo sine qua

231
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

non da própria medicina e denominador comum de todas as religióes,


qual seja o direito e o respeito insopitável pela vida.

Já o bimilenar e genial juramento de Hipócrates que todo médico


deve professar a respeitar com galhardia, assim se expressa neste parti
cular: "Juro ... aplicar os regimes para o bem dos doentes, segundo o
meu saber e a minha razáo, nunca para prejudicar ou fazer mal a quem
quer que seja. A ninguém darei, para agradar, remedio mortal, nem con-
selho que o induza á destruigáo. Também nao darei a urna mulher um
pessário abortivo.... Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze
eu, a minha vida e a minha arte boa reputagáo entre os homens e para
sempre; se dele me afastar ou infringir, suceda-me o contrario".

Em tese, o Código de Ética Médica em vigor desde 1988 é farto em


artigos que bem ilustram premissas explícitas ou implícitas a favor da
vida.

Entre os diversos artigos, tém-se:

Artigo 1 ° - A Medicina é urna profissáo a servigo da saúde do ser


humano e da coletividade e deve ser exercida sem discríminagáo de qual-
quer natureza.

Artigo 2o - O alvo de toda a atengáo do médico é a saúde do ser


humano, em beneficio da qual deverá agir com o máximo de zeio e o
melhor de sua capacidade profissional.

Artigo 4o ■ Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desem-


penho ético da Medicina e pelo prestigio e bom conceito da profissáo.

Artigo 6o - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida hu


mana, atuando sempre em beneficio do paciente. Jamáis utilizará seus
conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o exterminio
do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra a sua digni-
dade e integridade.

Artigo 43° ■ É vedado ao médico descumprir legislagáo especifica


nos casos de transplantes de órgáos ou tecidos, esterilizagáo, fecunda-
gao artificial e abortamento.

Artigo 66° - É vedado ao médico utilizar, em qualquer caso, meios


destinados a abreviara vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de
seu responsável legal.

Por sua vez o mesmo Código de Ética Médica dá respaldo ao mé


dico, defendendo a sua autonomía e liberdade de atuacáo, exemplificada
nos seguintes artigos:

Artigo 7o - O médico deve exercer a profissáo com ampia autono


mía, nao sendo obrigado a prestar servigos profissionais a quem ele nao

232
A PÍLULA DO DÍA SEGUINTE 41_

deseje, salvo na ausencia de outro médico, em casos de urgencia, ou


quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente.
Artigo 8o - O médico nao pode, em qualquer circunstancia ou sob
quaiquer pretexto, renunciar á sua liberdade profissional, devendo evitar
quaisquer restrigóes ou imposigoes que possam prejudicar a eficacia e
corregió de seu trabalho.

Artigo 28° - É direito do médico recusara realizagao de atos médi


cos que, embora permitidos por lei, sejam contrarios aos ditames de sua
consciéncia.
O Postinor-2, longe de ser um avanco farmacológico, encerra um
desrespeito ao ser humano, á vida em seus primordios e á própria medi
cina, que nao nasceu para o aniquilamento, mas para mitigar o sofrimen-
to, curar enfermidades e resgatar vidas. Conscientes dessa nobre mis-
sáo, médicos, enfermeiros, Conselhos Regionais de Medicina, farmacéu
ticos, devem-se unir contra esta investida, que afronta e vilipendia a mais
sublime materia prima dos profissionais da saúde: a vida.
APÉNDICE
Eis a noticia que o jornal O GLOBO publicou em sua edicáo de 11/
01/01, p. 30:

PíLULA DO DÍA SEGUINTE EM ESCOLAS CAUSA A REVOLTA DE PAÍS NA INGLATERRA


Menina de 15 anos morreu após tomar o polémico medicamento

Londres. O que foi planejado para ser parte de um ampio programa


de educacáo sexual está gerando urna grande polémica entre professo-
res e pais de alunos das escolas públicas secundarias da Inglaterra. Ado
lescentes, algumas com apenas 11 anos, estáo recebendo as arriscadas
pílulas anticoncepcionais do dia seguinte.
A iniciativa visa a reduzir os índices de gravidez entre adolescen
tes británicas {so no ano passado, 95 mil meninas deram á luz). Embora
autorizada pelo Ministerio da Saúde, é duramente combatida pelos pais.
Por questóes éticas, médicos e enfermeiros que atendem as menores
ñas escolas omitem de seus pais se elas estáo tomando o medicamento,
que tem 95% de eficiencia se tomado até 48 horas após a relacáo sexual.
Jenny Bacon foi urna das primeiras vozes contra a adocáo do polé
mico contraceptivo ñas escolas. Sua filha Caroline, de 15 anos, sofreu
um derrame e morreu depois de ingeri-lo:
- Esconder dos pais um problema dessa gravidade é construir o
abismo na comunicacáo entre pais e filhos.
Michael Craine, diretor da escola John Port, no condado de Derby,
defende, dizendo que as adolescentes, que antes buscavam clínicas clan
destinas, agora seráo assistidas por enfermeiras treinadas para ajudá-las.

233
Concepgóes espiritas:

SEXO NO ALÉM?

Em síntese: O espiritismo admite que, no além, haja desejos sexu-


ais e até mesmo casamentos heterossexuais. Tal concepgáo é baseada
na tese de que no ser humano existem espirito, perispírito ou corpo fluídico
e corpo físico; o perispírito seria a sede da cobiga sexual. - Responde
mos que a concepgáo crista entende o ser humano como composto de
corpo material e alma espiritual apenas. A morte separa esses dois inte
grantes e faz que a alma subsista sem corpo até o día da ressurreigáo da
carne no fim dos tempos. A alma separada nao experimenta as necessi-
dades da vida vegetativa (comer, dormir, genitalidade...) - necessidades
alias que nem mesmo após a ressurreigáo da carne a afetaráo, pois diz o
Senhor Jesús: "Seráo como anjos de Deus" (Mt22, 30).
* * *

A REVISTA ESPÍRITA ALLAN KARDEC, edicáo de abril/junho 2000,


pp. 17-20, publicou um artigo intitulado "Sexo no além". Pelas idéias es-
tranhas que apresentam, estas páginas merecem comentarios.

A seguir, transcreve remos os trechos do artigo que interessam (com


certa amplidáo, para que se perceba claramente o pensamento espirita),
ao que seráo acrescentadas algumas reflexóes.

1. A concepgáo espirita

Ás pp. 18-20 lé-se o seguinte:


«Para muitos, a existencia da sexualidade fora dos limites da car
ne é urna surpresa.

Para nos, espiritas, no entanto, é apenas mais um aspecto da con-


tinuidade da vida além da materia. O Espirito nao tem sexo conforme o
entendemos na Térra. Ele mantém a forma sexual da última encarnacáo,
mas, na realidade, o Espirito é assexuado. No entanto, nao é porque
esteja despido do corpo físico que, de urna hora para outra, ele se des
prende dos hábitos e costumes cultivados em sua existencia terrena.
Liberado do corpo físico pelo fenómeno da morte, o espirito passa
por urna fase de adaptacáo, que poderá ser longa ou curta, conforme o
grau evolutivo de cada um.

Enquanto nao houver a total compreensáo de que já nao sofre a


influencia das necessidades da materia, a sua mente registrará sensa-
cóes como fome, sede, dor e até desejos, os quais faráo parte de seu
cotidiano na outra dimensáo.

234
SEXO NO ALÉM? 43

Para compreender a problemática sexual no Além, ou seja, na Vida


Espiritual, é preciso ter, pelo menos, urna nocáo dos elementos que com-
póem o ser humano.

• Segundo a Doutrina Espirita, ele é formado de tres partes: o espi


rito, que nao tem forma, apresentando maior ou menor luminosidade,
conforme seu estágio evolutivo; o perispírito, ou corpo fluídico, de consti-
tuicáo sutil; e o corpo físico.
Os corpos espiritual e físico sao formados pela mesma substancia
em diferentes estados vibratorios. Sao constituidos de materia ou ener-
gia condensada.

Embora formado de materia quintessenciada, o perispírito também


ocupa lugar no espago. Ele preexiste e subsiste á morte, ou seja, á
dissociacáo do corpo físico. Ele é o molde de que se utiliza o espirito
para formar o corpo físico. Nele é registrada toda a trajetória do espirito
em cada encamacao bem como as influencias de qualquer natureza re
sultantes de suas acóes durante a permanencia na Térra. O Apostólo
Paulo deu-lhe o nome de corpo espiritual.
Após a desencarnacáo, o perispírito sofre algumas alteracoes para
se adaptar, novamente, á dimensáo espiritual.
Com relacáo a alimentacáo, por exemplo, sofre alteracóes na mas-
sa muscular e no aparelho digestivo, de sorte que a alimentacáo no Pla
no Espiritual é semelhante á da Térra, porém de forma fluídica. Até que
se adapte ao sistema de sustentacáo em esfera superior, essa alimenta
cáo é receblda em proporcóes gradualmente reduzidas.
Quanto maior se evidencia o enobrecimento do espirito desencar
nado, tanto menor e mais leve será a quantidade ingerida desta substan
cia. O corpo perispiritual, pela dif usáo cutánea, através da sua porosidade,
nutre-se de produtos sutilizados ou sínteses quimioeletromagnéticas, hau-
ridas no reservatório da natureza e no intercambio de raios vitalizantes
de amor com que os seres se sustentam entre si.
As alteracóes do perispírito chegam também ao campo da sexualida-
de. Assim é que, após a desencarnacáo, embora o espirito ainda conserve
os órgáos sexuais, eles nao atendem as mesmas funcóes que tinham na
Térra, nao ocorrendo o ato sexual propriamente dito, porque lá nao existe a
procriacáo. Existem, no entanto, o namoro e - pasmem! - até o casamento,
que poderá se consolidar na próxima encarnacáo do casal. Lá, os mecanis
mos de permuta psíquico-magnética, entre os espíritos afins, sao o suficien
te para o equilibrio e a harmonía dos mesmos, dentro do seu grau evolutivo.
O grau de influencia da energía sexual, no plano espiritual, depen
de da condicáo de cada espirito. Os mais evoluídos geralmente se liber-

235
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

tam das necessidades materiais, dentre elas o sexo, em menos tempo e


com maior facilidade.

O espirito André Luiz nos ensina: 'A morte nao é um banho revelador
que transforma o mau em bom ou vice-versa', logo o espirito continua
com os mesmos hábitos e necessidades. Assim é que o glutáo encontra
rá maior dificuldade para se adaptar á alimentacao fluídica, bem como os
que sao apegados ao sexo levaráo mais tempo para se adaptar á nova
forma de troca das energías sexuais».

2. Refletindo...

Proporemos quatro consideracóes:

2.1. O composto humano

A doutrina católica ensina que o ser humano se compóe de corpo


material e alma espiritual. Esta é o principio vital da pessoa e responde
por todas as funcóes do individuo: vegetativas, sensitivas e intelectivas.
Nao há meio-termo entre materia e espirito.

Verdade é que Sao Paulo, em 1Ts 5, 23 fala de "corpo (soma),


alma (psyché) e espirito (pneuma)". Note-se, porém, que esta é a única
passagem em que Sao Paulo apresenta a divisáo tri-partida (espirito,
alma e corpo). O Apostólo nao professa urna antropología sistemática. O
próprio vocábulo "espirito" (pneuma) pode ter mais de um significado
conforme o Apostólo: assim, por exemplo, designa o Espirito Santo der
ramado em nossos coracóes em Rm 5, 5; 1Ts 4, 8; Gl 4, 6; 3,5; Fl 1, 19;
Rm 8, 9; 1Cor3,16. Espirito (pneuma) pode também significar o compo
nente mais digno do homem, distinto do corpo (cf. 1Cor 5, 3s; 7, 4; Cl 2,
5) ou da carne (1Cor 5,5; 2Cor 7,1). Em 1Ts 5,23, Sao Paulo, acrescen-
tando espirito a corpo e alma, quer designar a vida da graca ou a filiacao
divina que a psyché (alma) recebe quando batizada.

Veja-se a propósito ainda Mt 10, 28: "Nao temáis os que matam o


corpo, mas nao podem matar a alma".

Corpo espiritual, conforme Sao Paulo (1Cor 15, 44), é o corpo


material glorificado pela presenca do Espirito Santo.
2.2. Morte e estado postumo

A morte vem a ser a separacáo de corpo e alma, separacao devida


ao fato de que o corpo, desgastado pela idade ou pela doenca, já nao
oferece á alma as condicoes para que exerca as suas funcóes.

A alma permanece separada do corpo até o día da ressurreicáo da


carne no fim dos tempos. Permanece lúcida e plenamente consciente,
colhendo os frutos do que semeou na Térra.

236
SEXO NO ALÉM? 45

A ressurreicáo se dará no fim dos tempos, e nao logo após a mor-


te, como se depreende do Novo Testamento:

Jo 6, 54: "Quem comerá minha carne e beber o meu sangue, terá


a vida eterna, e euo ressuscitarei no último dia". Cf. Jo 6, 44.

1Cor 15, 22s: "Visto que todos morrem porAdáo, todos recupera-
rao a vida por Cristo. Cada um por sua vez: as primicias sao Cristo; de-
pois, quando Ele voltar, os que sao dele". Cf. 1Ts5, 15-17; 2Cor5, 2-5.

2.3. As necessidades corporais

Na vida postuma, nem mesmo após a ressurreicáo dos corpos,


nao haverá necessidades corporais ou de ordem vegetativa e sensitiva,
como sao o comer, o dormir, a genitalidade... O Senhor ensina que as
criaturas humanas, no além, "seráo como anjos de Deus" {Mt 22, 30).
Isto nao quer dizer que seráo insensíveis aos valores humanos; estes,
porém, seráo vistos em Deus ou em funcáo da visáo face-a-face da Bele-
za Infinita. Por conseguinte estará afastada a hipótese de casamentos
no além.

2.4. "O que o olho nao viu..."

Mais urna vez importa registrar a tendencia humana de conceber a


vida postuma á semelhanca da vida presente melhorada e ampliada...
Para o cristao fiel, a sorte no além ultrapassa toda expectativa, por mais
otimista que seja. É algo táo elevado que nao há palavras humanas para
descrevé-lo. O Novo Testamento usa urna locucáo muito breve para
insinuá-lo: estar com Cristo:

Fl 1, 23: "Meu desejo é morrer para estar com Cristo, e isso é


muito melhor".

Le 23, 43: "Hoje estarás comigo no paraíso".

Sao Paulo diria ainda: "O que o olho nao viu, o que o ouvido nao
ouviu, o que o coracáo do homem jamáis percebeu, eis o que Deus pre-
parou para aqueles que o amam" (1Cor 2, 9).

APÉNDICE

Á guisa de ilustracáo de quáo longe pode ir a doutrina "materialis


ta" do Espiritismo, vai, a seguir, transcrito o episodio extraído da p. 20 da
mesma revista:

«Inquietares da libido

Com o título 'Nossa Vida no Além1 a doutora Marlene Nobre publi-


cou um livro, fundamentado em estudo de mensagens enviadas por mais
de 500 espíritos, através de Chico Xavier, que informam sobre os seus

237
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

primeiros tempos de vida no além, as dificuidades e lutas de adaptacáo á


nova dimensáo.

É o caso do jovem Ivo Barros Correa Menezes, morto em acídente


de automóvel, no dia 26 de setembro de 1978, em Belo Horizonte: em
varias cartas dirigidas á sua máe, ele dá testemunho das dificuidades de
adaptacáo no mundo espiritual, inclusive com relacáo aos seus anseios
sexuais: 'Continuo desencarnado e prossigo querendo casar-me e ser
pai de familia. Estimo os avós que me favorecem aqui com os melhores
ensejos de ser feliz, mas, no fundo de mim mesmo, o que desejo real
mente é formar na juventude do meu tempo e adotar urna vida caseira,
pródiga de béncaos e paz. Máe Neide, é que seu filho anda partido em
dois, tamanho é o meu anseio de realizar-me na condicáo de homem
(...), aquele desejo de passear com urna garota a tiracolo observando se
ela me serviría para um casamento futuro, prevalece comigo.

Muitos rapazes se desligam com facilidade desses anseios. Tenho


visto centenas que me participam estarem transfigurados pela religiáo, e
outros adotam exercícios de yoga com o objetivo de cortarem essas raízes
da mocidade com o mundo. (...) Dizem que aqui os pares certos trocam
emocóes criativas e maravilhosas no simples toque de máo; no entanto,
estou esperando o milagre, e até já experimentei, mas a garota nao apre-
sentava energías que atraíssem para longos diálogos sobre as maravi-
Ihas da vida por aqui. Fiz forca e ela também; no entanto nos separamos
espontáneamente porque nao alimentávamos espiritualmente um aooutro
(...) Mas nao há de ser nada. Acredito que vou entrar no cordáo das maos
entrelacadas e depois Ihe darei noticias'.

Finalmente, na décima-sexta carta dirigida á sua máe, ele notificou


a sua transformacao e a de outro jovem com o mesmo problema.

"Nossos desejos de natureza inferior foram atenuados, ao ponto


de esquecermos a fase de inquietacáo da 'libido'. Temos a felicidade de
notificar-lhe, máezinha Neide, que estamos realmente melhores e mais
fortes.

As suas preces com a Vovó Craozita nos descerraram novos cami-


nhos e nesses caminhos permanecemos com os tesouros de oríentacao
e resistencia que Jesús colocou em nossas próprias almas".

"As cartas do jovem Ivo sao um testemunho nao só da real existen


cia do sexo no Além, mas também das situacóes delicadas de ajuste dos
anseios sexuais trazidos da vida terrena ao diferente modelo de permuta
de energía entre os desencarnados. Suas mensagens estáo eívadas de
profundos ensinamentos e devem ser lidas por todos aqueles que real
mente se ¡nteressem pela educacáo sexual iluminada pelo amor".

238
Muito atual:

"CADA PESSOA TEM UM ANJO"1


por Anselm Grün

O autor é conhecido por famosa obra intitulada "O Céu correa em


vocé" (Ed. Vozes). A mesma Editora publicou em 2000 um livro do mes-
mo escritor sobre os Anjos.

Anselm Grün comeca apontando a atualidade do tema "anjos": o


esoterismo o tem explorado, colocando na mesma perspectiva anjos,
gnomos, duendes... Muitos católicos sao devotos de seu anjo da guarda
ou de algum anjo que, como dizem, apareceu aquí ou acola. Até a Maco-
naria no 28° grau do Rito Escocés Antigo e Aceito professa a existencia
de sete anjos que presidem aos sete planetas conhecidos dos antigos:
Miguel, a Saturno; Gabriel, a Júpiter; Uriel, a Marte; Zerahhiel, ao Sol;
Hamaliel, a Venus; Rafael, a Mercurio; Tsafiel, á Lúa.

Frente a esse conjunto eclético, Anselm Grün quer apresentar a


pura tradicáo bíblica. Para tanto comenta vinte e quatro quadros do Anti
go e do Novo Testamento que referem a atuacáo de algum anjo. O texto
bíblico é aplicado á vida do leitor, devendo contribuir para despertar con-
fianca na tutela dos anjos, que acompanham a criatura humana na térra
desde o nascer até o morrer.

O livro é interessante; procura ter valor exegético e pastoral. Toda


vía merece reparos:

1) Á p. 13 diz o autor:
"Nos nao somos obrigados a crer nos Anjos. Os Anjos nao sao
objeto de nossa fé. Só podemos crer em Deus. Mas nos Anjos a fé no
amor de Deus pode concretizar-se e ganhar consistencia".

Tal sentenca é ambigua; pode ser interprtada em sentido contrario


ao pensamento da Igreja, que em seu Catecismo afirma:

"328. A existencia dos seres espirítuais nao corpóreos, que a Sagrada


Escritura chama habitualmente anjos, é urna verdade de fé. O testemunho
da Escritura a respeito é táo claro quanto a unanimidade da Tradicáo.

330. Enquanto criaturas puramente espirítuais, sao dotados de inte


ligencia e de vontade; sao criaturas pessoais e imortais. Superam em perfei-

1 Tradugáo de Carlos Almeida Pereira. - Ed. Vozes, Petrópolis 2000, 140x210mm,


109 pp.

239
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 468/2001

gao todas as criaturas visfveis. Disto dá testemunho o fulgor de sua gloria".

Por conseguinte a existencia dos anjos vem a ser artigo de fé. Com-
preende-se, porém, que os anjos nao tém semblante humano nem tém
asas. A iconografía se encarregou de torná-los sensíveis ao grande pú
blico, prejudicando por vezes o auténtico conceito de anjo.

2) O autor nao leva em conta suficiente o que a sadia exegese


ensina a respeito dos anjos nos livros mais antigos da Biblia. Com efeito,
aparece ai urna figura um tanto misteriosa chamada em hebraico mal'ak
Yahweh = enviado ou mensageiro do Senhor; cf. Gn 16, 7-14; 18, 2s; 21,
17-19; 22,11-14; 31, 11-13; Ex 3, 2-6... Ora parece distinto de Deus; ora
identifica-se com Deus (aparece o anjo ou o mensageiro de Deus, mas
fala o próprio Deus). Os exegetas apresentam teorias para explicar tal
figura. Em última análise, pode-se dizer que se trata de um mensageiro
investido por Deus com determinada missáo e plenos poderes, de modo
que é o próprio Deus quem ¡ntervém e age por meio do seu mal'ak. Com
o passar do tempo, foi-se clareando o conceito de mal'ak; distinguiu-se
realmente de Deus. Assim, por exemplo, em 1Rs 19, 5-11, aparece pri-
meiramente o anjo do Senhor (5-8) e, a seguir, o próprio Deus (9-11); o
anjo realiza urna missao de preparacáo e servico, ao passo que o Senhor
se manifesta ou revela a Elias, como a Moisés se revelara.

Ainda no tocante á exegese bíblica merece especial atencáo o ca


pítulo 6 do livro: "O Anjo que impede a passagem". O autor explana o
texto de Nm 22, 22-35, que trata da muía que falou a Balaáo e do anjo
que impediu a passagem, sem referencia alguma ao género literario do
episodio - o que nao corresponde ao genuino modo de aproveitar a Es
critura na piedade crista.

3) Em todo o seu livro o autor se compraz em exaltar a acáo dos anjos


na vida dos homens; a sua eloqüéncia é um tanto pessoal e imaginosa:

"Os Anjos ouviam nosso choro de criangas, quando nos sentíamos


feridos e incomodados, entregues ao arbitrio e ao desprezo. Os Anjos
estiveram junto a nos em nossas dores, em nossas angustias, em nossa
impotencia... Ver o Anjo em minha própria vida significa, para mim, deixar
de lado a fixagio doentia na historia de minhas feridas e agravos, de
meus fracassos e derrotas. Entrar em contato com o Anjo significa para
mim descobrir os vestigios dos Anjos em minha vida" (p. 108).

Na verdade, a existencia dos Anjos da Guarda é abonada pela Tra-


dicao e o Magisterio da Igreja; este se manifesta pela Liturgia, que desde
época remota celebra os Anjos como tutores dos homens. É, portanto,
certo que cada cristáo, desde o Batismo, tem seu anjo guardiao; em nos-
sos dias há quem professe que todo ser humano, desde o nascimento,
tem seu Anjo da guarda. Nao se pode definir com precisáo a maneira

240
como este exerce seu ministerio. Como quer que seja, é muito recomendada a
oracáo: "Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade
divina, sempre me rege, governa, guarda e ilumina. Amém".

Em suma, o livro de Anselm Grün pode estimular a devogáo dos leitores, mas
nao se poderá esquecer que nem sempre guarda o devido equilibrio em suas afir-
macoes, cedendo a intuicoes subjetivas do autor.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

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Apresento neste livro, em edicáo bilingüe, urna boa parte dos poemas de Raíssa
Maritain e também alguns dos seus pontos de vista sobre a Poesía. Como Introdu
cáo, nada melhordo que as palavras de Jacques Maritain ñas primeiras páginas de
Poémes et Essais, transcritas logo a seguir. No final, Registros e Comentarios. A
Cronología é um resumo da cronología que aparece em Cahiers Jacques Maritain, n°
7-8, em comemoracáo ao centenario de Raissa, em 1983. Ñas Notas, alguns escla-
recimentos. O que entendí, estudei e acompanhei, com aquela atencáo especial
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