Diz o CP, art. 15, que se o agente desistir de prosseguir na execução do crime
(desistência voluntária) ou agir novamente para evitar que o resultado se produza
(arrependimento eficaz) – desde que efetivamente impeça a consumação – responderá
apenas pelos atos já praticados.
Por outro lado, o arrependimento eficaz depende de uma nova conduta do agente
para evitar a produção do resultado e, portanto, a consumação do crime. Se ele
simplesmente parar de agir, não conseguirá evitar o resultado. Por isso, precisa agir
novamente, só que agora “em sentido contrário”, para evitar a consumação. Consiste em
arrependimento eficaz a conduta de quem joga sua esposa do barco para matá-la afogada
e, antes do evento morte, arrepende-se, jogando uma bóia salva-vidas para içá-la ao barco
novamente. Percebam que se o agente simplesmente parasse de agir, o que ele fez já seria
suficiente para matar a vítima. Ele precisou, portanto, agir novamente para evitar o resultado
e somente com uma ação “em sentido contrário” ele conseguiria evitar a consumação.
Em qualquer caso, é preciso deixar bem claro que não pode haver consumação. Se
houver consumação, nem houve desistência, nem o arrependimento foi eficaz. O agente
responderá, no caso, pelo crime consumado. Voltando ao exemplo do sujeito que jogou a
mulher do barco, se ele a resgata ainda viva, mas ela vem a morrer antes de chegar ao
hospital, responderá por homicídio consumado.
Imaginemos um sujeito que efetua um disparo de arma de fogo contra alguém com
intenção de matá-lo. A pontaria ruim lhe rende obter apenas uma lesão no braço da vítima.
Ai começa a choradeira: a vítima pede que não seja assassinada, pois tem filhos etc. O
agente, embora podendo prosseguir no crime, simplesmente desiste e vai embora.
Pergunto: qual foi o resultado até aqui produzido? Uma lesão. E essa lesão foi produzida por
vontade? Foi sim. Logo, embora o agente tenha iniciado a execução de um crime de
homicídio, como desistiu voluntariamente de consumá-lo, responderá por aquilo que já
tenha consumado até então: uma lesão corporal de natureza leve.
E se a vítima perder o braço por causa disso? Entramos na área dos chamados
crimes qualificados (ou agravados) pelo resultado. É óbvio que o disparo não tinha a
intenção de amputar-se um braço, até porque a intenção era de matar. Contudo, o
comportamento doloso de atirar na vítima rendeu ao agente uma lesão corporal dolosa com
um resultado não querido nem assumido, mas previsível e violador do cuidado objetivo
necessário. Em outras palavras, temos um crime preterdoloso: lesão corporal dolosa e
resultado mais grave (perda de um membro) culposo, o que nos leva a enquadrar o fato no
art. 129, §2º, III, com pena de reclusão de dois a oito anos.
Vamos agora voltar ao exemplo do sujeito que joga a mulher do barco. Esse exemplo
é de arrependimento eficaz. Se o agente, para matar a mulher afogada, vem a jogá-la na
água e, arrependendo-se, antes que qualquer resultado ocorra, vem a resgatar a vítima.
Vejam só: embora um pouquinho apavorada, a mulher volta ao barco absolutamente ilesa.
Pergunto: houve arrependimento eficaz? Claro, o agente, agindo novamente, impediu o
homicídio que havia iniciado. Outra pergunta: houve com a mulher algum resultado natural
lesivo? Penso que não, até porque, como afirmei, ela volta ao barco “antes que qualquer
resultado ocorra”. Sendo assim, uma última pergunta: o agente praticou algum crime? A
resposta é negativa: se ele deve responder apenas pelos resultados já produzidos, não
tendo havido resultado algum (que se enquadre em norma penal incriminadora), não haverá
tipicidade com relação a qualquer crime.
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