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INTRODUÇÃO

O Programa de Proteção a Testemunhas, implantado no Brasil através da Lei no.


9.807/99 tem sua criação relacionada a uma série de fatores, dentre os quais podemos destacar
a impunidade característica de um Estado que atesta sua incompetência, a falência de seu
sistema de segurança pública e que procura transferir ao administrador responsabilidades
constitucionalmente suas.

A proteção de vítimas e testemunhas é de fundamental importância para o


desenvolvimento das investigações criminais, a instrução processual e a diminuição da
impunidade. A justificativa da criação de programas com este fim encontra-se na Constituição
de 1988. De acordo com a Carta Magna, o Estado brasileiro tem por obrigação dar atenção
especial a estas pessoas e seus familiares, que, em razão de seus depoimentos, encontra-se em
situação de risco eminente.

Foi, inicialmente, uma resposta à necessidade de preservação das testemunhas de


homicídios cometidos por policiais, grupos de extermínio ou crime organizado, e que hoje
colabora com a apuração de crimes que envolvem tortura, trabalho escravo, tráfico de armas e
seres humanos, narcotráfico, corrupção e crimes eleitorais.

Juridicamente, podemos dizer que o programa foi resultado da necessidade de proteger a


integridade e promover a segurança das vítimas, testemunhas, réus colaboradores e,
principalmente, a satisfação do princípio da verdade real, que deve nortear o processo penal
pátrio.

O debate que se propõe enfrentar diz respeito ao desenvolvimento do programa de


proteção a testemunhas e vítimas ameaçadas. O tema é atual e relevante vez que aborda a
problemática da criminalidade organizada no Brasil e suas implicações na sociedade. O
resultado disso é um programa teoricamente eficaz, mas que encontra dentro do próprio
sistema as dificuldades para sua realização.
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A lei estabelece regras a serem traçadas pelo Poder Executivo para organizar o
programa de proteção, destinando verbas no orçamento para este fim. Também menciona
medidas efetivas para que a testemunha e a vítima possam passar ilesas por toda a
investigação, podendo inclusive mudar o nome completo do próprio protegido e de toda a sua
família. Foi ainda mais além, ao preocupar-se em proteger o participante do crime
investigado, identificando os criminosos, recuperando o produto do crime e localizando uma
possível vítima que esteja com sua integridade física ameaçada, na maioria das vezes quando
se tratar de crimes permanentes.

Para ser acolhido no programa, o interessado, o representante ministerial, a autoridade


policial, o juiz, órgãos públicos ou entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos
deverão formular o pedido, que deverá levar consigo comprovação suficiente de sua
necessidade. O deferimento do pedido dependerá de decisão, por maioria absoluta dos
membros de um conselho deliberativo do programa. Por fim, se der certo, o interessado
poderá ter, dentre outras medidas, pelo prazo máximo de dois anos, prorrogável em situações
excepcionais, segurança em sua residência, controle de telecomunicações, escolta e
segurança, transferência de residência, preservação de identidade, alteração de nome, ajuda
financeira, suspensão provisória de atividades funcionais, apoio e assistência social, médica e
psicológica. Por sua vez, os réus primários, quando voluntariamente tenham prestado efetiva
colaboração à investigação policial e ao processo crime, se necessário, também terão direito a
se beneficiar do socorro legal em menção.

Diante dessas considerações, buscou-se desenvolver pesquisa monográfica para


responder os seguintes questionamentos: qual a representatividade das provas testemunhais no
sistema processual brasileiro? Quais as principais características do sistema de proteção a
testemunhas em outros países? Há providências que possam ser tomadas para melhorar o
desempenho do programa?

A justificativa deste trabalho é a contribuição dada para solucionar um crime, que


muitas vezes, tem um preço alto: a mudança de vida. Em troca de um depoimento, que pode
colocar em risco a testemunha, o Estado oferece oportunidade para ela recomece do zero, em
novo endereço. Um fator crucial é fazer com que a pessoa tenha a mesma vida social que
tinha antes de testemunhar o crime, com manutenção de atividade de sustento. Mantê-lo
acompanhado da família é importante nesse aspecto, e, às vezes, é preciso remover os
familiares, uma vez que passam a sofrer as mesmas ameaças do denunciante.
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Tem-se, como objetivo geral, analisar a problemática que envolve a não efetivação do
Programa de Proteção a Testemunhas no Brasil, com enfoque à impunidade. Os objetivos
específicos são compreender a representatividade das provas testemunhais no sistema
processual brasileiro; analisar as principais características do sistema de proteção a
testemunhas em outros países; e discutir as melhorias que podem ser feitas para melhorar o
desempenho do programa.

Em relação aos aspectos metodológicos, no que tange à tipologia da pesquisa, as


hipóteses serão investigadas através de pesquisa bibliográfica. Quanto à utilização dos
resultados será pura, visto que objetiva apenas ampliar o conhecimento, sem transformação da
realidade. Segundo a abordagem, é qualitativa, à medida que se aprofundará na compreensão
das ações e relações humanas e nas condições e freqüências de determinadas situações
sociais. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, pois buscará descrever, explicar,
classificar, esclarecer e interpretar o fenômeno observado, e exploratória, já que objetiva
aprimorar as idéias através de informações sobre o tema em foco.

No primeiro capítulo, serão analisados os programas, similares aos existentes no Brasil,


em outros países, analisando suas peculiaridades, características e resultados, a fim de que o
Direito brasileiro possa extrair as boas idéias de países como Estados Unidos, Canadá, Itália,
Alemanha e Inglaterra.

No segundo capítulo, será analisado o valor da prova testemunhal para o processo penal,
abordando a Teoria Geral da Prova, as fases da formação do testemunho, a capacidade para
ser testemunha, o fundamento do dever de testemunhar e ainda o falso testemunho.

No terceiro capítulo, a abordagem se dará em torno do programa de proteção a


testemunhas e vítimas ameaçadas no Brasil. Analisaremos o fenômeno da criminalidade
organizada, a polêmica delação premiada e os requisitos para participação e permanência dos
beneficiários no programa.

O ponto principal deste trabalho é, pois, buscar meios de efetivação das leis já
existentes para a proteção de testemunhas, visando à sugestão de soluções da problemática da
impunidade, através do combate ao crime organizado e à corrupção existente em órgãos
estatais responsáveis pela segurança pública. Não há, portanto, uma lacuna no ordenamento
jurídico brasileiro em relação a este tema. Apenas faz-se necessário o cumprimento do que já
está legalizado.
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1 A PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS E O COMBATE AO CRIME


ORGANIZADO EM ALGUNS PAÍSES

É de grande valia o estudo do desempenho do Programa de Proteção a Testemunhas em


outros países para que possamos extrair as experiências bem sucedidas e evitar os erros que,
por ventura, tenham ocorrido. Além disso, a exposição de relatos positivos estimula a
sociedade a participar com mais empenho, o governo a investir mais em um projeto pioneiro e
extremamente necessário para a Justiça do país e as pessoas a contribuírem através de seus
testemunhos.

Fazendo alusão a José Braz da Silveira (2007, p. 128), cumpre-nos ressaltar que
“proteger as vítimas e as testemunhas que acabam contribuindo no combate à perversa ação
criminosa é proteger a sociedade por inteiro”.

Diante disto, é importante que sejam analisados individualmente os países em que o


programa mais se destaca, em especial os Estados Unidos que, através do Serviço Marshall,
desenvolve o mais forte esquema de proteção a prova testemunhal, sendo possível a mudança
de endereço, troca de nome e, em casos mais graves, o beneficiário pode fazer cirurgias
plásticas custeadas pelo Governo Americano.

1.1 O Programa de Proteção a Testemunhas na Itália: O Tratamento de


Choque Italiano

A máfia é uma instituição organizada que atua à margem do Estado, ou melhor, da


legalidade. É uma espécie de poder paralelo, em que os mafiosos participam de atividades do
Estado, como licitações, construções; em contrapartida, os agentes públicos obtêm ganhos
financeiros, ou outros benefícios privados. Apresentam-se como de tipo gangsterística, ou
seja, promovem, quando convém, a eliminação física dos seus adversários.

A estrutura da máfia em seu apogeu levou anos para ser construída. A máfia siciliana é
considerada a mãe de todas as demais, apesar das ramificações existentes. A condição de
mafioso não é uma afiliação política, tampouco religiosa. No entanto, o mafioso jura, ao
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tornar-se um membro, que a máfia vem antes da família e de Deus. O objetivo principal deles
é fazer dinheiro. As famílias – que são as gangues individuais – procuram diferentes meios de
buscar isso, sendo a extorsão a forma mais comum.

A extorsão praticada pelos mafiosos em muito se assemelha ao que ocorre no Brasil no


que tange os traficantes. Um exemplo disso é a cobrança de “pedágios” aos comerciantes para
que seus estabelecimentos não fossem, porventura, assaltados, numa menção oculta de que
tais crimes seriam praticados pela máfia, por ocasião do não aceite.

Entre os anos 70 e 90, a máfia matou milhares de homens, dissolvendo seus corpos em
tambores de ácido ou simplesmente deixando-os à míngua, na rua. Porém, mesmo diante do
cenário de horror que estava por trás do assassinato de juízes, policiais e jornalistas que
tentavam conter a máfia, a Itália mostrou sua força no combate ao crime organizado, através,
principalmente, de seu povo, que começou a exigir o fim da impunidade e da covardia. O
resultado positivo na última década deve-se, além disso, ao cumprimento de leis já existentes,
a criação de outras novas e por ter o seu exército em campo.

Constituída por três grandes organizações: a Cosa Nostra, a Ndrangheta e a Camorra, e


uma menor, a Sacra Corona Unita, a máfia italiana mostrava-se invencível, diante do tímido
ideal de justiça da sociedade daquele país.

Foi a partir da criação da Procuradoria Nacional Antimáfia que os primeiros sinais de


declínio dessas organizações paralelas começaram a manifestar-se. Um atentado ao juiz
Giovanni Falcone, datado de 1992, que resultou na sua morte, na de sua esposa e de três
seguranças, foi o divisor de águas no combate ao crime organizado de então. Para assassinar
Falcone, uma estrada foi dinamitada com precisão cirúrgica, o que demonstra o
aperfeiçoamento da sociedade cosa nostra.

Era o início do chamado maxiprocesso. Mais de 400 mafiosos foram julgados em uma
casamata especialmente construída para servir de tribunal. Os réus ficavam em grandes celas
no fundo da sala de julgamentos, de onde freqüentemente gritavam e ameaçavam as
testemunhas à medida que o julgamento seguia. Ao final de tudo, 338 mafiosos foram
condenados.

Além disso, cento e nove prefeitos foram afastados porque mantinham ligações com a
máfia e a prisão preventiva por 48 horas sem mandado judicial foi liberada naquele período.
A fim de evitar as manobras de uma justiça lenta, um decreto proibiu o habeas corpus. O
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Código Penal foi modificado, sendo inclusive instituída a prisão perpétua para mafiosos e
seqüestradores.

Para diminuir o poder dos mafiosos, que insistiam em controlar seus negócios de
dentro da prisão, a Itália criou uma lei dura, que foi ratificada pela sociedade e por
organizações de direitos humanos, de isolamento total dos mafiosos. O patrimônio da máfia
também foi atingido, através do seqüestro e conseqüente doação de apartamentos e fortalezas.

A partir de 1992 o exército ocupou os edifícios públicos, garantindo aos cidadãos e


aos policiais a sensação de que não estavam abandonados. Tal atitude foi essencial para que o
povo não mais se calasse diante da força da máfia. Aliados a isso, o programa de proteção e
garantias para as testemunhas, a total independência de atuação de juízes e promotores e o
combate aos colaboradores do crime organizado, como comerciantes, médicos e advogados,
ratificaram a implantação de combate ao crime organizado na Itália.

Durante a Operação Mãos Limpas, centenas de mafiosos foram presos, julgados e


condenados. Até mesmo o primeiro-ministro Giulio Andreotti foi acusado de envolvimento
com mafiosos. A reação destes não tardou: 24 juízes e promotores foram assassinados
enquanto a Máfia era investigada. Embora ela não desaparecesse por completo, perdeu muito
poder, embora sua aura ainda seja preservada em filmes e histórias. Seu declínio é uma prova
categórica da teoria defendida por muitos – a de que o crime organizado só é neutralizado
mediante enérgicas ações do Estado e da sociedade.

O sucesso do programa na Itália deve-se ao programa de proteção e garantias às


testemunhas, à autonomia de juízes e promotores para atuar e combater o crime organizado,
além do trabalho que foi desenvolvido para tirar o apoio que a máfia tinha da opinião pública.

As medidas de combate ao crime organizado, entretanto, iniciaram-se pelo


Legislativo. De início, uma lei determinou a apreensão e o confisco de bens, possibilitando o
ataque direto à riqueza dos mafiosos. A segunda medida foi a especialização das forças de
ordem e a criação de um órgão especializado em investigações antimáfia. A terceira valorizou
informações dos mafiosos que, por diversos motivos, abandonavam o crime. Com a proteção
do Estado, os arrependidos permitiram desvendar crimes que pareciam insolúveis. Somados
ao engajamento e ao total afinamento entre a polícia e o Poder Judiciário, o número de
pessoas que deixaram a máfia a fim de se tornarem informantes foi grande. O número de
pessoas que passaram para o lado do Estado cresceu consideravelmente, e continua crescendo.
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São pessoas que buscam vantagens, mas que também acreditam que o Estado é mais forte que
a máfia.

O programa italiano conta com 1.110 colaboradores arrependidos, somados à cerca de


4.000 familiares deles. Além disso, são protegidas testemunhas, cidadãos comuns que
testemunharam ações da Máfia, mas que são em menor número, dado o medo que têm em
colaborar. São apenas 61 pessoas. As verbas para proteção dessas testemunhas são secretas e
ilimitadas.

Os procuradores fazem a investigação diretamente e têm força de polícia especializada


de combate ao crime organizado e ao terrorismo, contando apenas com a ajuda da polícia. O
material recolhido em tal investigação não é prova, somente elemento de prova. A máfia
siciliana está na ativa até hoje, porém mais calma e menos violenta.

1.2 Estados Unidos – O Serviço Marshall e o Programa Witsec de Proteção


à Testemunha

O Programa, comumente chamado de Witness Protection Program (WPP), foi criado


em 1970 com a expectativa de que cerca de 30 a 50 pessoas por ano solicitassem seus
serviços; contudo, tem ultrapassando bastante as expectativas iniciais. Desde seu lançamento,
mais de 7500 testemunhas aderiram ao programa. No momento atual, cerca de 20 a 25
testemunhas por mês são acrescentadas. Este número não inclui dependentes. Já houve caso
em que uma testemunha, por exemplo, trouxe 16 familiares para que fossem amparados pelo
programa de governo. A média é de aproximadamente 2,5 familiares por testemunha.
Incluindo membros da família, cerca de 16.000 pessoas já receberam os serviços da WPP.

O Serviço de Proteção à Testemunha dos Estados Unidos atual é uma evolução de


casos isolados datados da década de 60. Naquela época, o governo federal protegia
testemunhas que depunham contra o crime organizado. Dada à continuidade dessa proteção,
esta foi autorizada como parte da Lei de Controle do Crime Organizado de 1970.

À medida que os anos foram passando e o programa foi sendo posto em prática, outras
características começaram a desenvolver-se, como a função do Marshals Service de proteger,
esconder e realocar as testemunhas. Em 1984, após a Lei Ampla de Controle do Crime, a
proteção passou a estender-se a parentes e colegas.
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São três as organizações que gerenciam o Serviço de Proteção à Testemunha:


Marshals Service dos EUA – que fornece proteção, saúde e segurança a participantes do
programa que não estejam encarcerados; Departamento de Justiça Norte-Americano –
autoriza a admissão de testemunhas em perigo; e Bureau Federal de Prisões – custodia as
testemunhas encarceradas.

O Departamento de Justiça Norte-Americano marca a entrevista preliminar com o


Marshals Service para que a testemunha tome conhecimento dos procedimentos do programa
e de tudo que terá a que se submeter na nova vida. Feito isto, o Marshals Service informa ao
Departamento de Justiça se é possível a inserção da testemunha no Programa. A palavra final,
no entanto, é do Secretário de Justiça. Sendo o valor do depoimento maior que o perigo para a
comunidade, ele poderá colocá-la no Serviço de Proteção.

O processo de admissão para o WPP não é automático e envolve diversos fatores, que
são previamente analisados. As informações relevantes incluem a importância do testemunho
de alguém, uma avaliação psicológica do potencial da testemunha para determinar o risco
para a comunidade que a testemunha será deslocada e uma recomendação por parte do
Marshals Service, que avalia a adequação da testemunha para o Programa. Antes de entrar no
programa, no entanto, é imprescindível que as testemunhas quitem quaisquer débitos
existentes e cumpram obrigações civis e criminais.

O custo total de trazer uma testemunha (e família imediata) para o programa é de


aproximadamente US$150.000. A posição dos procuradores americanos para justificar o alto
dispêndio do programa está no argumento de que este é mais precioso instrumento que se tem
na luta contra o crime organizado e contra as grandes atividades criminosas.

O conhecimento das testemunhas afiliadas ao programa ultrapassa a cessão de casuais


observações ou especulações, uma vez que para que o protegido abra mão de sua identidade e
moradia é quase que necessário que haja envolvimento criminal com o bando denunciado. De
acordo com dados do Governo Americano, 97% das testemunhas que aderiram ao programa
têm antecedentes criminais e são profundamente envolvidas em algum tipo de atividade
criminosa. Mesmo assim, de acordo com os Estados Unidos Marshals Service, a taxa de
reincidência criminal de testemunhas com prévias histórias que entraram no programa e foram
mais tarde presas e acusadas de crimes é inferior a 23%. Essa taxa de reincidência entre os
participantes no programa é inferior à metade da taxa daqueles libertados das prisões
nacionais.
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O responsável pela aceitação de casos de proteção à testemunha é o gabinete do


Secretário de Justiça Americano, que definiu casos específicos em que as testemunhas podem
ser atendidas pelo programa. São eles:

Qualquer transgressão definida no Título 18, do Código Americano, Seção 1961 (1),
que cobre o crime organizado e extorsão;

Qualquer crime de tráficos de drogas descrito no Título 21 do Código Norte-


Americano;

Qualquer outro delito grave para o qual uma testemunha possa dar depoimento
podendo sujeitá-la à retaliação por meio de violência ou ameaças;

Qualquer transgressão do Estado que seja similar em natureza a estas descritas


acima.

Certos procedimentos civis e administrativos nos quais os depoimentos dados pela


testemunha possam colocar a segurança dela em risco.

Após o ingresso no Programa, o Marshals Service designa uma nova identidade e uma
nova cidade para a testemunha, sua família e colegas em perigo. Isto requer sigilo absoluto. É
ele que protege a testemunha em tempo integral se ela estiver em área de risco como tribunais,
e notifica a agência de execução de lei local da presença da testemunha e de todo o seu
histórico criminal, podendo também requerer periódicos exames de drogas e álcool. Em troca
disto, deve buscar um trabalho digno para a testemunha, ajudá-la a encontrar moradia,
fornecer ajuda financeira para subsistência e buscar aconselhamento de psicólogos ou
psiquiatras quando necessário.

É de suma importância que o depoimento daquela testemunha a ser protegida seja


essencial para o desenrolar do caso criminal em questão. O relato deve ser confiável e certo de
acontecer, não podendo a testemunha negar-se a prestar depoimento no tribunal. A regra
principal é de que as testemunhas não devem fazer contato com ex-colegas ou familiares não-
protegidos, nem retornar à sua cidade de origem. De acordo com o Marshals Service,
nenhuma testemunha que tenha seguido esta regra foi morta.

Provavelmente, o momento mais arriscado para a testemunha seja quando de seu


depoimento. Por conta disto, existem relatos de casos em que as pessoas protegidas foram ao
tribunal camufladas em caminhão dos correios, helicópteros ou até em barcos de pesca. As
testemunhas encarceradas, por sua vez, prestam depoimentos através de conferência. O
resultado deste cuidado com a integridade física do colaborador da justiça reflete-se nos
números, em geral positivos. Desde o início do programa, foram atingidas 89% de
condenações oriundas do depoimento destas pessoas, em que mais de 10 mil criminosos
foram condenados.
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1.3 A Proteção de Vítimas e Testemunhas no Processo Penal Alemão

É de fundamental importância para o processo o relato da vítima, que é tratada como


importante testemunha. Sendo assim, esta acaba sendo prejudicada, uma vez que, além dos
danos eventualmente sofridos por conta do crime, pode ser ameaçada e sofrer outros danos
quando da persecução penal.

A Lei de Proteção das Vítimas na Alemanha entrou em vigor em dezembro de 1986.


Em decorrência disto, a vítima passa a ter posição de parte autônoma no procedimento,
podendo, por intermédio de um advogado, examinar os autos ou ainda apresentar
requerimentos processuais. Uma possível reparação de danos sofridos, por sua vez, não está
prevista nesta lei.

A partir da promulgação da Lei de Combate ao Crime Organizado, datada de 1992, as


prescrições jurídicas destinadas à proteção de testemunhas de delitos passaram a ser
consideradas. Com isso, a testemunha não é obrigada a prestar informações detalhadas sobre a
sua vida ou endereço na audiência principal.

Com o advento da Lei de Combate à Criminalidade de 1994, surgiu pela primeira vez
a idéia de compensação de danos por parte do autor do delito. Isto foi ratificado com a
promulgação da Lei da Garantia das Pretensões Juscivilistas das Vítimas de Delitos. De
acordo com esta lei, autores de delitos que tiravam proveitos da repercussão de seus crimes
através da comercialização de entrevistas, biografias ou livros de maneira geral deveriam
indenizar a vítima. Esta lei garante à vítima um direito legal à penhora dos créditos do autor
resultantes de contratos de publicação.

Porém, só com o advento da Lei de Proteção das Testemunhas de 1º. De Dezembro de


1998, que as testemunhas passaram a ter a garantia de que na audiência principal seriam
protegidos do confronto direto com o autor, principalmente as vítimas com menos de 16 anos
e pessoas doentes. Estas testemunhas passaram então a ser interrogadas em um outro local,
fora da sala do tribunal, através de uma linha de áudio e vídeo especialmente instalada. Desta
maneira, a interrogação mantém sua intensidade.

Desde então, os interrogatórios também puderam ser gravados em fitas de vídeo


durante a fase de instrução do processo, podendo a fita ser utilizada na posterior audiência
principal. O direito do réu permanece assegurado uma vez que tanto ele, como seu advogado,
têm direitos de co-participação nos interrogatórios dessa natureza. O objetivo deste
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procedimento é proteger principalmente as crianças, enquanto vítimas, de sucessivos


interrogatórios, com conseqüências danosas para elas. Além disso, as testemunhas menores de
16 anos e em determinados casos outras testemunhas podem receber um advogado para a
realização do interrogatório.

1.4 O Programa de Proteção Canadense a Testemunhas de Fontes

O programa canadense de proteção à testemunha é executado pela Real Polícia


Montada do Canadá. O foco do programa são as testemunhas essenciais e seus familiares
imediatos, como pais, cônjuge e filhos. Leva-se em consideração a importância da testemunha
para a apuração do crime e o grau de ameaça que está sofrendo em função de seu testemunho.

Ao ingressar no programa, a testemunha deve assinar o acordo de proteção,


documento escrito em que é confirmada a ciência sobre sua nova vida. É amparada pelo
"Handler", ou seja, protetor. Este se dedica quase exclusivamente ao protegido e à sua família.
É ele quem escolhe o local onde a família vai morar, procura trabalho, dentre outras
providências. A testemunha pode e deve acompanhar o andamento do processo a que seu
testemunho está submetido, através de seu protetor.

Fazendo alusão a Eduardo Pannunzio, em sua obra Direito Humano Internacional -


Avanços e desafios no início do século XXI - Organizador Jayme Benvenuto Lima Júnior,
Recife - PE, 2001. p. 181, podemos comparar os programas do Canadá e dos EUA, como
segue:

Não é sem razão, portanto, que o Código Criminal Federal norte-americano impõe a
observância da 'adequação da pessoa para o ingresso no programa', o que envolve o
seu histórico criminal e uma 'avaliação psicológica' (Tít. 18, cap. 224. seção 3.521 -
minha tradução), cujo resultado irá influir na admissão no serviço. Também o
Witness Protection Act canadense contém expressa disposição nesse sentido,
impondo a avaliação 'da probabilidade da testemunha em se ajustar ao Programa'
(seção 7 (e) - minha tradução) como um dos fatores para o ingresso na proteção
especial.

Os cuidados tomados com relação ao sigilo do paradeiro dos protegidos são similares e
igualmente respeitados na maioria dos países que possuem o programa. Esta situação é
facilmente ilustrada através do desconto de cheques de salário-família, ou do reembolso de
despesas pelo programa. Via de regra, cabe ao protegido conferir o cheque, endossá-lo e
entregá-lo ao protetor, que faz o desconto em outra praça, para só então entregar os valores ao
protegido. Os cheques não podem, em hipótese alguma, serem apresentados à praça onde o
protegido está morando.
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Segundo Stephen White, agente do Programa Canadense em seu relato no site da


Embaixada do Canadá no Brasil, os protegidos recebem, quando do início do programa, as
seguintes informações:

Devem expressar queixas e reclamações aos seus protetores. Se, por qualquer razão,
não se sentirem confortáveis com isso, deverão contatar o Coordenador do Programa
e levar suas preocupações. Não deverão contatar investigadores em seu local de
origem para transmitir suas preocupações. A segurança está em prioridade alta e
deverá ser atendida imediatamente. Os problemas do dia-a-dia serão cuidados assim
que o tempo permitir.

Constantemente, os protegidos são alertados a não recorrerem à imprensa para sua


própria segurança. Caso ocorra falha no sigilo, seja através do desconto de cheques ou por
conta da imprensa, a Divisão de Coordenação é comunicada, a fim de providenciar de
imediato o deslocamento do núcleo familiar sob custódia. É disponibilizado um telefone
exclusivamente para contato entre o programa e o protegido, não podendo este ter acesso
direto ao telefone pessoal de seu protetor.

As correspondências enviadas pelo protegido devem ser entregues ao protetor, que as


encaminha à Divisão de Origem e só de lá partem para seu destino. O inverso também ocorre
com as correspondências recebidas.

Independente do apoio financeiro que o programa dá ao protegido, é imprescindível que


o mesmo busque, tão logo esteja realocado, sua independência financeira. Sobre este tema,
Stephen White, agente da Real Polícia Montada do Canadá, fala ao site da embaixada
canadense:

É essencial que, assim que possível, o protegido seja encorajado a buscar emprego e
tornar-se, dessa forma, auto-suficiente. Existem, entretanto, casos onde será
necessário um período para a obtenção da identificação de suporte àqueles com nova
identidade. Uma série de dificuldades podem ocorrer caso essas pessoas tentem
obter emprego sem a devida identificação básica como Certidões de Nascimento,
Carteira de Trabalho e inscrição no INSS. O protegido terá problemas suficientes em
lidar com as questões de novo empregador sem complicar ainda mais as questões ao
buscar emprego sem a documentação necessária.

Caso seja necessário tratamento médico do beneficiário, o prontuário é feito pela


coordenação de origem e fica em poder do protetor, que os apresenta a quem necessita. O
médico que tratar do protegido será previamente investigado, por questão de segurança, para
que não haja, eventualmente, nenhuma ligação com a vida que o protegido deixou para trás.
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1.5 Na Inglaterra e no País de Gales – Programa de Apoio à Vítima e


Serviço à Testemunha

O principal diferencial do programa inglês com relação à maioria dos outros é o foco
principal, que neste caso é a vítima, e não a testemunha. O programa de apoio à vítima
funciona na Inglaterra e no País de Gales desde 1974 e possui mais de 400 grupos. A
estimativa é de que são atendidas mais de 1 milhão de vítimas por ano.

Nestes países, é oferecido um dos mais completos serviços de apoio social e


psicológico para as vítimas de crimes. Fundamenta-se em cinco direitos básicos, garantidos
constitucionalmente: a independência da vítima, o direito à informação, o direito à proteção, à
reparação de danos morais e materiais e o direito à dignidade da pessoa humana.

Desenvolvido pelo Poder Judiciário, o programa inglês conta com a ajuda de membros
da sociedade civil para que seja executado. Já o programa de apoio a testemunhas
propriamente dito, de natureza exclusivamente estatal, está sediado em Manchester.

Inicialmente, a vítima é indagada pela própria polícia se deseja receber o apoio do


programa. O trabalho é iniciado com a exclusão do desejo de vingança, devolvendo à vítima
seu estado de espírito normal. Depois disso, começa a real busca por apoio, como
indenizações ou mudança de endereço, por exemplo. O foco principal é a retomada da rotina.

A sociedade colabora com o programa através do trabalho voluntário. Atualmente, há


mais de 15 mil voluntários prestando auxílio às vítimas de crimes no Reino Unido.

No Brasil temos um programa similar, chamado CEVIC – Centro de Apoio às Vítimas


de Crimes, embora voltado para a violência doméstica. Em muito se assemelha a o Programa
de Apoio à Vítima do Reino Unido.

O Serviço de Apoio à Testemunha surgiu diante da necessidade de apuração dos


crimes nos quais estavam envolvidas as vítimas e vincula-se às Cortes Supremas da Inglaterra
e do País de Gales. São 84 núcleos espalhados por todo o território destes países.

O programa era inicialmente desacreditado, até mesmo por parte dos próprios
tribunais. Com o passar do tempo e após algumas experiências bem sucedidas, o governo
passou a investir mais e os resultados foram rapidamente constatados. Nele, a atuação dos
agentes é no sentido de encorajar as testemunhas a prestarem seu depoimento nos tribunais,
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atuando na busca pela restauração da dignidade da pessoa, mas sem esquecer a punição dos
infratores.

O programa inglês visa a manter a vítima a salvo de qualquer relação direto com a
justiça criminal, devendo fornecer à vítima todas as informações referentes ao caso em que a
pessoa esteja envolvida e oferecendo-lhe a proteção necessária. Além disso, o direito a uma
indenização compensatória deve ser assegurado. A proteção adequada da vítima é, portanto,
um dever do Estado. A assistência deve ser a mais completa e ampla possível.

Três documentos importantes que formam a base de sustentação do programa


sofreram readaptações recentes por influência do apoio à vitima, quais sejam: a carta
constitucional da vítima; a carta com constitucional dos Tribunais e os modelos nacionais do
cuidado à vítima. Diante disso, significativas mudanças puderam ser verificadas no programa,
como: o minucioso exame de casos de retirada de acusação, o sigilo absoluto com relação ao
novo endereço, e as testemunhas crianças ou de temperamento vulnerável passarem a ser
isentas de careação com o agressor.
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2 A PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO PENAL

A testemunha é uma pessoa diversa dos sujeitos principais do processo e nada mais é
que um terceiro desinteressado. É chamado em juízo para declarar sob juramente a respeito de
fatos que digam respeito ao julgamento do mérito da ação penal, a partir da percepção
sensorial que sobre eles obteve no passado.

O testemunho é um meio de prova disciplinado pelo Código de Processo Penal, em seus


artigos 202 a 225. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o
entendimento de que uma só testemunha não valia como prova. Hoje se admite até mesmo a
condenação com base em um único testemunho, desde que corroborado com os demais meios
probatórios colacionados aos autos. Por outro lado, vários testemunhos podem não ser
suficientes para uma sentença condenatória.

Diante do exposto, cumpre-nos afirmar que o que importa não é o número de


testemunhas, e sim a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o
aferirá. O mais importante para o convencimento do juiz é a qualidade dos testemunhos e não
a quantidade deles.

É de fundamental importância que o magistrado tome as cautelas devidas para


interpretar e valorar um depoimento, conferindo-lhe ou não credibilidade, crendo tratar-se de
uma narração verdadeira ou falsa. Há de se ter cautela, inclusive, com testemunhos de
crianças e adolescentes, haja vista sua fragilidade e capacidade de fantasiar e mentir, frutos da
inexperiência e instabilidade psicológica e emocional por estarem em fase de
desenvolvimento.

O magistrado há de ter paciência e sensibilidade para vislumbrar possíveis farsas e


atitudes de má-fé, sob pena de cometer erro quando de sua sentença. Em caso de dúvida
deverá então absolver o réu que, nesta situação, estará amparado pelo princípio in dubio pro
reo. De acordo com este princípio, a dúvida em relação a existência ou não de determinado
fato deve ser resolvida em favor do imputado.
25

2.1 Um Breve Apanhado Sobre a Teoria Geral da Prova

Podemos conceituar prova como instrumento utilizado para comprovar os fatos da


causa e que tem como principal objetivo o convencimento do juiz. Este é o principal
destinatário da prova, embora as partes também sejam interessadas.

Diante dos princípios da verdade processual e do devido processo legal, faz-se


necessário que os fatos, controvertidos ou não, sejam provados. Até porque, mesmo diante da
confissão do réu, esta não tem valor absoluto, devendo ser confrontada com os demais
elementos de prova dos autos.

Os meios de prova podem ser os especificados em lei ou todos aqueles que forem
moralmente legítimos, embora não previstos no ordenamento jurídico, sendo chamadas de
provas inominadas.

Quanto à forma, a prova classifica-se em testemunhal, documental e material. É a


forma utilizada pelas partes para que apresente em juízo a veracidade de suas manifestações.

A prova testemunhal é apresentada por afirmação pessoal oral e, em alguns casos


expressos por lei, por escrito. Podemos dizer que são as produzidas por testemunhas, pelo
ofendido e a confissão do acusado.

A prova documental é produzida por afirmação escrita ou gravada, como cartas,


escutas telefônicas, escritura pública etc.

A prova material é aquela consistente em qualquer materialidade e que colabore para a


convicção sobre o fato probando. Podemos citar como exemplo os exames de corpo de delito,
as perícias etc.

Sobre o sistema de avaliação das provas, Paulo Rangel (2006, p. 421) diz:

A verdade processual que tanto se busca em um processo tem o seu ponto


culminante na avaliação das provas feita pelo juiz, pois é exatamente o processo
intelectual realizado com o escopo de se atingir esta verdade produzida pelas provas
que assenta em um determinado sistema.

Assim, sistema de provas é o critério utilizado pelo juiz para valorar as provas dos
autos, alcançando a verdade histórica do processo.
26

Como princípios da prova, podemos citar o da comunhão da prova – que diz que, uma
vez no processo, a prova pertence a todos os sujeitos processuais; da liberdade da prova – rege
sobre a busca da verdade por parte do juiz e os limites impostos a ele por lei; e da
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.

2.2 As Fases da Formação do Testemunho

De acordo com José Carlos G. Xavier de Aquino (2002, p. 25), a formação do


testemunho é composta de três etapas: o conhecimento do fato, a conservação desse
conhecimento e a declaração do conhecimento.

O conhecimento pode ser definido como o relacionamento que um sujeito tem com um
dado objeto através de suas percepções humanas: a audição, a visão, o gosto e o olfato,
combinados com os fatores ambientais presentes no fato sobre o qual o sujeito passa a
conhecer.

O que caracteriza o processo de conhecimento é o sujeito defrontar-se com uma


mudança da realidade existente, podendo ser classificado em direto ou indireto. No primeiro
caso, o sujeito vive uma nova experiência diretamente, pois através de seus sentidos presencia
o acontecimento de uma mudança. Manzini (1957, p. 254) lembra que “não é necessário que a
percepção seja conseqüência da presença material da pessoa [...] é válido como elemento de
prova o testemunho de quem pode ver ou ouvir às escondidas, ou seja, sem ser visto por quem
executou o fato ou teve a conversação sobre a qual se depõe”.

O segundo caso ocorre através da transmissão da informação ao sujeito, que apesar de


não ter vivenciado a experiência, teve conhecimento da mesma através de meios muito
ligados a ela.

Apesar de a legislação brasileira reconhecer como testemunhas tanto a pessoa que teve
contato direto como aquela que teve conhecimento indireto, muitos autores discordam.
Alguns defendem que o conhecimento adquirido através de um relato não tem a mesma
credibilidade do que aquele testemunhado diretamente. Citando Malatesta (1960, p. 92):

Todos entendem que, relativamente à certeza de um fato idêntico, o testemunho por


ciência própria tem um valor probatório grandemente superior ao testemunho por
ouvir dizer, do mesmo modo e pelas mesmas razões por nós expostas em outro
lugar, segundo as quais a prova original é superior à não-original.
27

Atenção e compreensão são dois elementos fundamentais para se obter o


conhecimento de um fato e funcionam como complemento das percepções sensoriais do
sujeito.

A atenção é o que diferencia percepção de conhecimento. O sujeito que presencia um


fato sem prestar atenção não pode ser classificado como alguém que adquiriu um
conhecimento novo, muito menos como testemunha.

Estar atento não é uma tarefa que o ser humano dispõe de autonomia para realizá-la,
pois são vários os elementos que influenciam o grau de atenção de uma pessoa: estado de
excitação momentânea, sensibilidade pessoal e casos de debilidade orgânica, como o cansaço.

Além da atenção, existe outro fator que deve trabalhar em conjunto com ela para que
uma informação nova torne-se um conhecimento: é a compreensão. É o processo de realizar
uma comparação entre dados velhos armazenados na memória do sujeito – as experiências –
com os dados do fato presenciado, havendo entendimento do acontecido.

Ou seja, é a capacidade de alguém conseguir relatar um evento de diferentes pontos de


vistas; é distinguir quais fatores situacionais é relevante, sabendo identificar quais levam a
uma situação de causa e efeito. Isso tudo, somado aos aprendizados adquiridos ao longo da
vida, que podem ser oriundos tanto de atividades comuns quanto atividades técnicas

Outro fator que interfere no processo de captação de um acontecimento é o estado de


estado de espírito do observador. É óbvio que o sujeito relaxado e livre de preocupações irá
perceber um fato com maiores detalhes do que aquele que possui um alto nível de stress.

Embora a pessoa nervosa também seja capaz de perceber o ocorrido, sua percepção
não será a mais fiel à realidade, pois seu estado de espírito desvia a sua atenção. Enquanto que
o outro sujeito vai captar melhor a seqüência dos acontecimentos, sendo capaz de relatá-lo
com maior fidelidade.

Como já foi mencionado anteriormente, um dos mecanismos de reconstrução mental é


a fixação, pois ela permite que o conhecimento permaneça armazenado na memória durante o
período de tempo entre o momento do fato ocorrido e o momento do seu relato.

O quanto será registrado mentalmente de um determinado evento varia de pessoa para


pessoa, pois cada ser humano possui uma capacidade memorial de armazenamento diferente.
28

Existem aqueles que possuem enorme facilidade para memorização em detalhes, enquanto
outras armazenam muitas informações, porém pobres em detalhes.

Porém, nem toda lembrança é cem por cento autêntica, algumas sensações misturam-
se com outras já conhecidas em experiências anteriores. Esse processo de confusão e mistura
é feito involuntariamente e inconscientemente, de modo que o narrador acredita estar
relatando o acontecimento com total veracidade.

Como a memória está sujeita a desgastes, quanto maior for o tempo entre o fato e o
depoimento das testemunhas mais lacunas em branco serão criadas na mente da pessoa. Em
geral, esses espaços vazios são preenchidos por outras informações que tenham algum grau de
semelhança. Mas como a memorabilidade é a chave para um testemunho fiel, não é raro que
as novas e não-originais informações acabem resultando em depoimentos contraditórios,
falsos e narrações imaginárias.

Mittermayer (1909, p. 263) adverte: “o intervalo entre o acontecimento e o


depoimento pode modificar consideravelmente a natureza d’este. A imaginação transforma
facilmente a recordação dos factos confiados à memória”.

Portanto, quanto antes a testemunha prestar depoimento, mais irá assemelhar-se à


realidade, exceto nos casos em que, durante o acolhimento, a testemunha tivesse com seu
estado psicológico abalado.

Um testemunho só é classificado como prova judicial no momento em que é relatado


ao magistrado. Caso contrário não haverá prova, apenas pessoas que sabem sobre o
acontecimento.

A definição de um relator é a narração descritiva de uma ocorrência que foi


interpretada por meio da percepção e armazenada na memória de uma pessoa, contudo, é
importante lembrar que a testemunha não conta simples estórias, mas, sim, descreve
experiências.

Como um depoimento é a prova mais usual em um processo penal, recomenda-se ao


juiz que na medida do possível atenha-se ao máximo “às expressões usadas pelas
testemunhas, reproduzindo fielmente suas frases” (art. 215, Código de Processo Penal). O
magistrado também deve evitar a repetição da mesma pergunta, mesmo que em outras
palavras, a fim de preservar a espontaneidade e sinceridade do depoimento.
29

É leigo e limitado pensar que testemunhar é um mero ato de narração, pois o simples
ato da emissão de uma mensagem não necessariamente significa que houve uma
comunicação; é necessária a compreensão por parte da autoridade competente, pois um
depoimento tem como objetivo informar. Por fim, o juiz deve ter em mente que o testemunho
é apenas uma parcela do fato ocorrido e que a pessoa que o relata já o faz interpretando-o.

2.3 A Testemunha como Elo de Ligação Entre o Juiz e o Thema Probandum

Há duas maneiras de se descobrir a veracidade de um determinado fato: presenciar o


fato (conhecimento direto) ou ouvir de alguém que possua alta credibilidade. Um magistrado
ao julgar um caso sempre se encontra na segunda situação na dependência do relato de
terceiros para reconstruir uma imagem de algo que aconteceu no passado.

Eis, portanto, o papel da testemunha: preencher a lacuna existente entre o Juiz e o fato
a ser provado. Sendo assim, é possível identificar dois tipos de juízos durante esse processo: o
juízo da testemunha a respeito de um determinado acontecimento e o juízo do magistrado, que
analisa o nível de credibilidade da testemunha, o que determina se ele irá aceitar ou não o
depoimento apresentado. José Carlos G. Xavier de Aquino (2002, p. 58) define um
testemunho: “é lícito entendê-lo como um juízo de terceiro, auxiliador na formação de um
juízo jurisdicional”.

Portanto, testemunhas devem ser vistas como auxiliadores do magistrado, isto é,


alguém que colabora com a formação do juízo do mesmo. É importante ressaltar que nem
toda testemunha influencia na formação de uma decisão de um juiz, pois existem aqueles que
não são dignos de confiança.

Os dois critérios básicos que devem ser observados ao examinar a prova testemunhal
são a coerência e a credibilidade do autor. A coerência constata-se através de uma
comparação do depoimento prestado com os demais fatos probatórios. Porém, confiar-se
apenas nessa verificação não é adequado. É necessário também “estabelecer a imagem de
conjunto da testemunha”, ou seja, fazer um levantamento dos elementos pessoais que
caracterizam cada ser humano, como profissão, classe social, idade, etc.

Mesmo que aos olhos do magistrado a pessoa não seja digna de confiança, isto nem
sempre implica que o testemunho dela será descartado por completo. Há diversos casos em
que tais testemunhas esclarecem a solução de certos problemas quando é comprovado o falso
testemunho, o que demonstra que o ponto de vista desses testemunhos também possui
30

utilidade. “Contudo, isso não quer dizer que o dictum das testemunhas de confiança tenha um
peso maior para a formação do convencimento do magistrado”, apesar de que seu depoimento
pode vir a ser o responsável pela decisão judicial.

2.4 Capacidade Para Ser Testemunha

É comum em quase todas as legislações que a capacidade para ser testemunha seja
bastante ampla. A legislação brasileira não é exceção, como ilustra muito bem o art. 202 do
Código de Processo Penal: “toda pessoa poderá ser testemunha”.

Ao analisar o texto legislativo, que estende a capacidade de testemunho a todos,


veremos que existem algumas exceções, pois a própria legislação classifica a capacidade em
três níveis: a capacidade jurídica, a capacidade de agir e a capacidade de agir com limitação.

Portanto, uma pessoa que vivencia um fato, mas não consegue percebê-lo, armazená-
lo ou transmiti-lo para outra pessoa, seja por problemas de ordem orgânica ou mental, não
pode ser classificada como testemunha, podendo ser chamada então de incapaz.

Antes de a testemunha iniciar o seu depoimento, ela assume um compromisso com a


justiça, através do qual jura com sua honra dizer a verdade. Os autores dividem-se quanto à
eficácia deste compromisso. Alguns defendem que o homem estará comprometido quando sua
honra está em jogo, pois acham que a consciência de ter a honra manchada causa mais temor
do que as sanções previstas em lei. Enquanto outros autores entendem essa idéia como
altamente utópica e arcaica, e que a existência ou não do compromisso não seria relevante ao
testemunho.

A não prestação desse compromisso não livra a testemunha do dever cívico de dizer
apenas a verdade. Caso não o faça, deverá responder pela prática do crime de falso
testemunho. O magistrado também não deverá fazer qualquer distinção a respeito da validade
do depoimento de tal testemunha, ao menos que se prove que ela faltou com a verdade.

Citando Hélio Tornaghi (1980, p. 188):

A falta da promessa, entretanto, não acarreta qualquer nulidade nem influi na


obrigação de dizer a verdade ou na avaliação do testemunho por parte do juiz. Com
promessa ou sem ela, a testemunha tem o dever jurídico de dizer a verdade, toda
verdade e só a verdade. [...] Não se pense, portanto, que só tem obrigação de dizer a
verdade as testemunhas que prometem fazê-lo; que o dever de veracidade só existe
para quem tem o dever de prometer. Não! A obrigação de dizer a verdade independe
da obrigação de prometer.
31

Existem duas categorias de classificação para aqueles que são dispensados da


prestação de compromisso: a incapacidade natural e a incapacidade legal. A primeira delas diz
respeito aos doentes e deficientes mentais e menores de catorze anos e está fundamentada no
fato de que tais pessoas “não estão em condições de compreender a importância da prestação
do compromisso”. Enquanto que a incapacidade legal abrange parentes do acusado citados no
art. 206 do Código de Processo Penal.

a) doentes e deficientes mentais: apesar de a legislação empregar dois termos


diferentes, tanto o doente quanto o deficiente são pessoas cujas funções cerebrais não
apresentam perfeito funcionamento. Porém, o doente mental diferencia-se do deficiente por
seu distúrbio ser temporário. Seja como for, ambos estão afastados da prestação de
compromisso, não cogitando nem mesmo aqueles que apresentam intervalos de lucidez.

O transtorno mental sempre representa um perigo para um processo judicial, não nos
casos em que nenhum testemunho é possível, mas, sim, nos casos em que a alienação mental
da testemunha não tenha notoriedade, ela não possui nenhuma declaração judicial anterior de
sua incapacidade e se apresenta como uma pessoa normal, prestado compromisso.

b) menores de 14 anos: pode-se apontar esse trecho das Ordenações Filipinas


como inspiração para o direito brasileiro justificar tal incapacidade:

Os menores de catorze anos não podem ser testemunhas em nenhum feito. Porém
havemos por bem, que os julgadores, em feitos crimes muito graves perguntem os
menores de catorze anos sem juramento, por falta de outra prova, para se
informarem na verdade, para não ficarem os delitos graves sem castigo.

Os motivos pelos quais os legisladores não concedem aos menores absolutamente


incapazes a permissão para prestar compromisso são sensatos e de claro entendimento. O
desenvolvimento ainda incompleto não permite à criança uma percepção total dos fatos, nem
saber transmiti-los com a devida clareza, além de não terem noção do tamanho da
responsabilidade que é prestar um testemunho perante o magistrado.

Além do fator da idade psicológica, crianças podem ser facilmente manipuladas, e,


devido ao poder da imaginação infantil, podem criar acontecimentos para si mesmos, o que
requer que seus testemunhos sejam recebidos com certa cautela. O maior questionamento a
respeito desse assunto é qual seria o limite mínimo de idade para aceitação de um testemunho
ou da prestação do compromisso. Eis uma questão extremamente difícil, pois não existe uma
32

idade ideal a ser fixada, uma vez que o amadurecimento não depende apenas do sexo
(mulheres amadurecem mais cedo), mas também varia de indivíduo para indivíduo.

c) senectude: a legislação brasileira não aborda nenhuma restrição em relação ao


testemunho do ancião, porém é fundamental tratar a respeito de como alguns fatores da
terceira idade podem influenciar na veracidade de um depoimento.

É um processo natural da vida o abatimento fisiológico e conseqüente depreciação dos


órgãos. Em geral, esse declínio inicia-se por volta dos cinqüenta anos de idade, e agrava-se ao
longo dos anos. Os primeiros sintomas refletem-se na memória e na percepção.

Lapsos de memórias não são atípicos e experiências já demonstraram que idosos


lembram com maior facilidade sua infância e juventude do que fatos recentes. Portanto, a
cautela usada pelo magistrado em um depoimento infantil também deve ser aplicada quando a
testemunha for idosa.

d) apresentação da testemunha: uma testemunha pode ser apresentada de três


maneiras distintas: através de intimação, conduzida coercitivamente ou voluntariamente.

A intimação nada mais é do que um ato judicial no qual o juiz manifesta sua vontade
de que uma pessoa preste testemunho. Uma vez intimada, tal pessoa passa a ter direitos e
obrigações e fica subordinada ao poder do Estado, pois caso a pessoa intimada recuse-se a
testemunhar responderá por crime de desobediência, ficando sujeita à multa e sendo
conduzida coercitivamente à sua apresentação.

Ademais, de acordo com o art. 220 do Código de Processo Penal, caso a pessoa esteja
privada de deslocar-se por questão de enfermidade ou velhice, ela será ouvida onde estiver.

e) a convocação da testemunha militar e do funcionário público: o art. 221 do


Código de Processo Penal determina que as testemunhas militares “deverão ser requisitadas à
autoridade superior”. Não sendo da alçada da autoridade em questão impedir a apresentação
da testemunha, é pedida a sua permissão apenas por uma questão de hierarquia.

Tratando-se de funcionário público, não é necessário pedir informação para ninguém.


O funcionário será intimado como qualquer outro cidadão, sendo apenas necessário informar
ao chefe do seu setor sobre o dia e horário em que irá prestar depoimento.

f) o momento em que o sujeito adquire a qualidade de testemunha: São as mais


diversas opiniões a respeito do momento que torna alguém testemunha. Há aqueles que
33

defendem a idéia de que qualquer pessoa que presenciou um acontecimento e tem capacidade
de narrar os fatos para outra já está classificada como testemunha.

Outros autores argumentam que o sujeito só torna-se testemunha, do ponto de vista


jurídico, quando recebe uma intimação judicial e cumpre com o seu dever de
comparecimento. Os que discordam dessa idéia apontam que, se assim fosse verdade, os que
não têm obrigação de comparecer não seriam classificados como testemunhas, e aqueles que
se recusam a comparecer não poderiam ser conduzidos de maneira coercitiva. Há ainda
aqueles que afirmam que o juramento é o que caracteriza, por fim, o sujeito como testemunha.

O sujeito obtém a qualidade formal de testemunha com a efetivação da notificação,


quando então nascem, para ele, direitos e obrigações; e assume a condição real de testemunha
quando transmite ao juiz ao seu conhecimento.

2.5 O Fundamento do Dever de Testemunhar

A respeito do dever de testemunhar, a maioria dos doutrinadores concorda que “a


prestação do testemunho se traduz num dever cívico exigível por parte do Estado. O Estado
exige de forma autoritária e por meio de coação a prestação do testemunho”.

Se a função do Estado é organizar a sociedade através da lei, visando a uma


convivência social harmônica, punindo aqueles que agem de modo a perturbar essa harmonia,
o cidadão, em troca, tem como dever cívico colocar-se à disposição do Estado, a fim de
esclarecer fatos correlatados com o processo. Dever este que é estritamente pessoal, portanto,
por razões óbvias, não pode ser transferido a ninguém.

Essa é a idéia base que permite ao Estado coagir a prestação de testemunho de um


cidadão, podendo puní-lo caso não haja cooperação, seja pelo não comparecimento, prestação
de falso de depoimento ou o silêncio da testemunha.

2.5.1 Deveres da Testemunha

O dever de testemunhar, que se estende a todo e qualquer indivíduo, é constituído de


três obrigações: o comparecimento, a prestação de compromisso e o depoimento verdadeiro.

A relação testemunha-Estado pode ser classificada em total submissão por parte do


cidadão que irá prestar depoimento, pois, uma vez que o sujeito é intimado a testemunhar, o
Estado tem em seu poder diversas ferramentas para obrigá-lo a cumprir com seu dever, seja
34

por coação direta – conduzindo coercitivamente aqueles que insistam no não comparecimento
– ou por coação indireta, através de um processo por crime de desobediência, além de
aplicação de multas.

O art. 206 do Código Penal vigente trata a respeito da primeira obrigação, o


comparecimento: “A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor”. De modo que
a sua ausência trará sanções penais como conseqüência, como está na Lei n.6416/77, que
especifica que “o juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem
prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas
da diligência”. É válido dizer que a recusa de prestar depoimento é equivalente ao não
comparecimento.

Contudo, existem algumas exceções que são dispensadas do dever de


comparecimento. A primeira são aquelas pessoas com dificuldade ou incapacidade de
locomoção, seja por deficiência, enfermidade ou velhice, cabendo, portanto, ao juiz deslocar-
se do fórum ao encontro da testemunha para inquiri-la.

A segunda exceção diz respeito aos ocupantes de altos cargos do governo, que
possuem certa flexibilidade de agendar diretamente com o juiz o dia, horário e local para
serem inquiridas. O art. 221 oferece ainda a possibilidade de prestar depoimento por escrito
ao Presidente e ao Vice-Presidente da República, e aos Presidentes do Senado Federal, da
Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal.

Todavia, os grandes oficiais do Estado, bem como os Cardeais, são obrigados a


comparecer em juízo, caso o juiz entenda indispensável a presença deles, para efeito de
reconhecimento ou acareação.

2.5.2 Veracidade do Depoimento

O principal dever de uma testemunha é o de relatar a verdade. Portanto, a partir desse


princípio, toda testemunha tem a garantia de que seu depoimento é verdadeiro, até que se
prove o contrário. E por “dizer a verdade” entende-se que não deve limitar-se a responder
apenas aquilo que lhe foi perguntado, e sim, expor todos os fatos de que tem conhecimento
sobre a situação em processo, mesmo que o assunto não tenha sido abordado pelo magistrado.

Da mesma maneira que a testemunha não deve omitir nenhum fato, também não pode
negar-se a responder nenhuma pergunta. A negação de resposta tem equivalência de falso
depoimento, sendo, portanto, tal atitude também sujeita às mesmas punições.
35

Contudo, o art. 406 do Código de Processo Civil ainda preserva o direito de silêncio
da testemunha: “A testemunha não é obrigada a depor de fatos: I – que lhe acarretem grave
dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou
na colateral em segundo grau”.

Ainda é importante considerar que a testemunha não pode pedir anonimato, devendo
sempre ser identificada e fornecer sua qualificação completa, lembrando que a omissão ou
falsa apresentação dessas informações também configura como falso depoimento - caso a
mentira tenha relevância jurídica.

Além da obrigação de relatar a verdade e nada mais que a verdade, a testemunha não
pode expressar sua opinião a respeito dos fatos. Esta é uma tarefa de alçada do magistrado.
Entretanto, a legislação brasileira permite a manifestação de conclusões pessoais quando não
podem ser separadas da narrativa do fato, por exemplo, se a voz era masculina, feminina ou
infantil.

2.6 Falso Testemunho

A função da testemunha é de narrar ou transmitir ao julgar os fatos pretéritos que


percebeu. A percepção é de fundamental importância para o magistrado no momento em que
os fatos são narrados pela testemunha. O esclarecimento verbal é extremamente importante,
podendo, sem dúvida, ser tendencioso, visando a favorecer uma das partes. Daí o apelido
dado, com certo exagero, à prova testemunhal de prostituta das provas.

Atualmente, existem inúmeras discussões acerca da existência ou não de co-autoria no


crime de falso testemunho. Enquanto alguns defendem a idéia de que se trata de um delito de
mão-própria, outros acreditam que não se deve destacar a possibilidade de uma terceira
pessoa incentivar, ou até mesmo pressionar, a testemunha a agir de maneira ilícita.

O antigo Código Penal incriminava apenas os testemunhos falsos prestados em


processo judicial, porém o novo Código Penal também está punindo aqueles que prestam falsa
afirmação em “investigatórios policiais, administrativos ou em juízo arbitral”.

O sujeito ativo do delito só pode ser a testemunha, nunca a vítima ou o advogado,


tanto que estas sequer estão sujeitas a dizer a verdade. Entretanto, não comete o crime de falso
testemunho o parente do acusado, seja em qualquer grau, haja vista a lei não poder exigir uma
conduta diversa do mesmo. A ação incriminada reside em fazer afirmação falsa, ou negar ou
calar a verdade, em processo judicial, administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral.
36

A falsidade aqui tratada não é o contraste do depoimento da testemunha com a


realidade dos fatos, e sim entre o depoimento prestado e a ciência da testemunha. É dito falso
o depoimento que não está em correspondência com o que a testemunha viu, percebeu ou
ouviu. O critério da falsidade do testemunho não depende da relação entre o dito e a realidade,
mas da relação entre o dito e o estado de consciência da testemunha. Por isso é de suma
importância, aferir-se a capacidade de percepção da testemunha, uma vez que cada pessoa
percebe de forma diferente o que viu. É lição da Psicologia Judiciária que a testemunha pode
ser vítima de ilusões ao fixar a realidade ou ao recompor suas impressões.

Apesar do aumento da área de atuação para incriminar os praticantes de falso


testemunho, as penas se revelam sem a devida rigorosidade, pois o número de ocorrências
desse tipo de delito continua aumentando. Porém, existe um Projeto de Lei no Senado que,
além exigir maior severidade, visa também a punir o praticante do crime, mesmo que sua falsa
declaração não tenha sido relevante na decisão final do processo judicial.

Espera-se que com a aprovação do Projeto de Lei o número de ocorrências de falsos


depoimentos diminua, principalmente, no que diz respeito às chamadas “testemunhas
profissionais”, que são pagos para interpretar perante o magistrado.

A jurisprudência a respeito do assunto é no sentido de que, não é suficiente, para


constituir falso testemunho, que o depoimento seja contrário à verdade e possa causar um
prejuízo. É preciso que tenha sido com intenção dolosa. Não há crime quando a testemunha
labora em erro, em boa-fé ou ignorância. No testemunho influem condições psicológicas,
patológicas e sociológicas tão variáveis, que não se podem traçar regras absolutas para a
fixação da responsabilidade.

2.7 Soluções Utópicas Para a Descoberta da Verdade

Na visão da maioria dos doutrinadores, o uso de máquinas, aparatos e técnicas em


busca da verificação da verdade é extremamente utópico, pois não existe tecnologia que seja
capaz de fazer esse tipo de avaliação com devida precisão.

O chamado “detector de mentiras” não possui nenhum tipo de reconhecimento


científico por parte dos profissionais das áreas de psicologia e fisiologia. Apelar para a
utilização desses tipos de máquinas, além de ir contra direitos individuais garantidos
constitucionalmente, causaria mais problemas do que soluções devido ao seu baixo grau de
37

precisão. Uma coleta de informações erradas iria apenas obstruir ou atrasar a prática da
justiça.

Ada Pellegrini Grinover (2007, p. 625) afirma:

É, assim, nas normas constitucionais e nos princípios gerais da Lei Maior que se
devem subsumir a avaliação substancial do ilícito extrajudicial e a qualificação
processual de sua repercussão dentro do processo, deduzindo-se a proibição de
admitir as provas obtidas contra a Constituição e sua ineficácia, diretamente desta.

Apesar de tantas controvérsias, tais ferramentas ainda são utilizadas no exterior,


sobretudo no setor bancário, desde que com o consentimento do funcionário que será
questionado.

2.8 O Testemunho Como Meio Demonstrativo da Existência Material do


Ilícito Penal

O Art. 167 do Código de Processo Penal diz que: “Não sendo possível o exame de
corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe
a falta.”

Portanto, nos casos em que não é possível realização de uma autópsia, o depoimento
de uma testemunha terá validade equivalente, substituindo a demonstração da existência
material. Exceto quando todas as testemunhas forem doentes ou deficientes mentais ou
menores de catorze anos de idade, neste caso, o exame de corpo de delito, ou algum outro tipo
de comprovação, torna-se indispensável.

Aqueles que ocupam cargos como Presidente e Vice-Presidente da República, ou


ainda os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal
Federal, caso testemunhem um ato criminoso, no qual não haja nenhuma outra evidência, a
não ser o depoimento em questão, deverão ser afastados dos cargos que ocupam.

O procedimento de validar um testemunho como meio demonstrativo da existência


material não requer nenhum tipo de formalidade, bastando apenas a simples coleta do
depoimento sobre a existência da infração e suas circunstâncias.
38

3 O PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E A


TESTEMUNHAS AMEAÇADAS NO BRASIL

A proposta de implantação desses serviços específicos de proteção a testemunha foi


originariamente prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996, que
estabeleceu, no capítulo que trata da Luta contra a Impunidade, a meta de apoiar a criação nos
Estados de programas de proteção de vítimas e testemunhas de crimes, expostas a grave e
atual perigo em virtude de colaboração ou declarações prestadas em investigação ou processo
penal.

Dois anos mais tarde, o Ministério da Justiça assinou com o Governo de Pernambuco
um convênio para apoiar essa iniciativa inédita e pioneira que avançava naquele Estado sob a
coordenação da organização não-governamental Gabinete de Assessoria Jurídica a
Organizações Populares: o Provita, um programa de proteção a vítimas e a testemunhas
baseado na idéia da reinserção social de pessoas em situação de risco em novos espaços
comunitários, de forma sigilosa e contando com a efetiva participação da sociedade civil na
construção de uma rede solidária de proteção. Os resultados já extremamente significativos
que se apresentavam à época levaram a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos a adotar o
Provita como o modelo a ser difundido em outras Unidades da Federação.

Os programas de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas têm a sua


operacionalização e funcionamento realizados por meio de estruturas especialmente
delineadas para tal fim, conforme prevê a Lei 9.807/99: Conselho Deliberativo, Órgão
Executor, Equipe Técnica e Rede Solidária de Proteção.

A notícia de que uma vítima ou testemunha corre risco é levada ao Conselho


Deliberativo, que decide quanto à sua inclusão no Programa, para tanto considerando a análise
do caso feita pela Equipe Técnica e o parecer do Ministério Público. O Órgão Executor,
então, providencia o translado e a acomodação da pessoa em local sigiloso, dentro da Rede de
Proteção. Em situação de perigo eminente, a vítima ou testemunha é colocada
provisoriamente sob custódia dos órgãos policiais, enquanto é feita a triagem do caso.
39

Todos os beneficiários dos programas permanecem à disposição da Justiça, da polícia


e demais autoridades para que, sempre que solicitados, compareçam pessoalmente para
prestar depoimentos nos procedimentos criminais em que figuram como vítimas ou
testemunhas. Esses deslocamentos são sempre realizados sob escolta policial e, conforme as
exigências de cada caso são utilizadas técnicas para o despiste e disfarce da situação em
situação de risco.

3.1 O Sistema Nacional de Assistência à Vítima e a Testemunhas


Ameaçadas

O Provita é resultado da iniciativa do Gajop, entidade de defesa e promoção dos


Direitos Humano e responsável pela execução dos Programas Estaduais de Apoio e Proteção a
Vítimas, Testemunhas e Familiares de Vítimas da Violência, do Acre e de Pernambuco.

Teve início em 1996, no Estado de Pernambuco, e atualmente funciona em dezesseis


Estados do Brasil, sendo eles: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa
Catarina, Distrito Federal, São Paulo e Rio Grande do Sul.

O programa tem como principal característica a participação da sociedade civil. O


espírito de solidariedade, tão esquecido nos dias atuais, revive através do trabalho voluntário e
promove a interação de diversos órgãos, como Polícias, Poder Judiciário e Ministério Público,
por exemplo.

Tem como objetivo dar às testemunhas de crimes ânimo para servir à Justiça,
garantindo sua integridade física e uma vida digna, longe de ameaças e coações. Encontra
amparo legal na Lei no. 9.807/99 e oferece assistência social, médica, psicológica e jurídica,
bolsa de trabalho e cursos profissionalizantes. É o que afirma Pereira (2001, p.10):

O marco de institucionalização desse processo ocorreu com a promulgação, em 13


de julho de 1999, da Lei 9.807, que inovou ao estabelecer normas para a
organização de programas estaduais destinados a vítimas e testemunhas de crimes
‘que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a
investigação ou processo criminal’, e instituiu, no âmbito da Secretaria de Estado
dos Direitos Humanos, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a
Testemunhas Ameaçadas.

Teve como inspiração os programas de proteção de outros países, como Estados


Unidos, Canadá, Reino Unido e Itália. Daí a importância de termos introduzido este estudo
fazendo um apanhado sobre as peculiaridades de cada um. Até hoje nenhuma testemunha teve
40

sua integridade física atingida, face às normas de segurança extremamente rígidas que
envolvem o programa.

Em casos mais sérios, o beneficiário pode mudar de nome, ou ainda ser deslocado para
outro Estado. Nestes casos, o programa auxilia na mudança e procura de moradia, emprego,
escola etc.

3.2 Estrutura e Funcionamento do Programa

A operacionalização e o funcionamento dos programas de proteção a vítimas e a


testemunhas ameaçadas encontram-se tipificados na Lei no. 9.807/99, sendo realizados,
portanto, pelo Conselho Deliberativo, Órgão Executor, Equipe Técnica e Rede Solidária de
Proteção.

O Conselho Deliberativo é responsável pelo ingresso e exclusão de pessoas


ameaçadas, sendo composto por representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e
de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos
humanos. Forma, portanto, uma instância superior com fins de tomada de decisão e garante o
equilíbrio representativo dos diversos órgãos responsáveis pela Segurança Pública, gestão da
justiça, defesa dos Direitos Humanos e a participação da sociedade no programa,
configurando, assim, o segredo do sucesso do Provita.

A Lei no. 9.807, de 13 de julho de 1999, estabelece em seu art. 4º, o que segue:

Art. 4o Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em cuja


composição haverá representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de
órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos
direitos humanos.
§ 1o A execução das atividades necessárias ao programa ficará a cargo de um
dos órgãos representados no conselho deliberativo, devendo os agentes dela
incumbidos ter formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas.
§ 2o Os órgãos policiais prestarão a colaboração e o apoio necessários à
execução de cada programa.

Entre as funções do Conselho Deliberativo previstas em Lei, podemos destacar:

1) decidir sobre a inclusão e a exclusão de beneficiários;

2) definir as providências a serem adotadas pelo Programa Estadual;

3) fixar o teto da ajuda financeira mensal a ser oferecida aos beneficiários e às suas
famílias, isto aos beneficiários impossibilitados de exercer função remunerada ou que
não tenham outra fonte de renda;
41

4) providenciar junto aos órgãos competentes licença remunerada, prevista em Lei para
os beneficiários que forem servidores públicos ou militares;

5) gestionar junto ao Ministério Público e aos juízes competentes para a obtenção de


eventuais medidas cautelares, relacionadas à eficácia da proteção;

6) postular em nome do beneficiário junto aos juízes competentes, a alteração de


registros públicos, visando à mudança de nome completo do beneficiário que assim
necessitar;

7) manter em completo sigilo a identidade dos beneficiários, bem como a sua


localização;

8) solicitar dos órgãos policias constituídos a custódia necessária urgente para manter a
testemunha a salvo;

9) manter controle rigoroso sobre o andamento de processos relacionados às testemunhas


protegidas, visando agilizar a sua tramitação judicial;

10) realizar ao menos uma reunião mensal, considerada ordinária e extraordinária tantas
quantas forem necessárias.

Diante disto, cumpre-nos ressaltar a importância da atuação do Conselho Deliberativo


para o bom funcionamento do programa.

A execução das atividades do Programa, por sua vez, fica sob a responsabilidade do
Órgão Executor, a quem compete realizar a contratação da Equipe Técnica e proceder à
articulação da Rede Solidária de Proteção. Em linhas gerais, é quem vai a campo e executa o
programa, ao contrário do Conselho Deliberativo, que organiza e planeja.

Sobre o Órgão Executor, Pereira (2001, p. 11 e 12), assim se expressa:

Será este o responsável por promover a articulação com as entidades da sociedade


civil para a formação da rede solidária de proteção, bem como por contratar os
profissionais que irão compor a Equipe Técnica.

Entre os direitos e deveres dos órgãos executores do programa, dispostos no convênio que
se firma com o órgão público estadual responsável pela execução do programa em cada
Estado e junto ao governo da União, estão:
42

1) realizar a triagem dos casos a serem submetidos ao Conselho Deliberativo para o


ingresso no programa;

2) manter o Conselho Deliberativo informado sobre a situação psicossocial do


beneficiário do programa, ressalvado o sigilo absoluto em relação ao local da proteção
e a suas identidades;

3) cuidar para que as testemunhas possam comparecer às audiências havidas nos


processos a que estão vinculadas;

4) manter por cinco anos em completo sigilo e segurança, a guarda de todos os


documentos relacionados com os beneficiários protegidos pelo programa;

5) firmar termos de compromissos com todos os beneficiários que ingressarem no


programa;

6) manter contatos permanentes com autoridades e instituições envolvidas na proteção


dos beneficiários;

7) requerer, quando necessário e devidamente autorizado pelo beneficiário, a sua


mudança de nome ou outros documentos correlatos;

8) receber e manter a vítima ou a testemunha em local seguro, até que seja aprovado o
seu ingresso no programa;

9) zelar pela segurança física e psicológica das vítimas, testemunhas e seus familiares
durante todo o período da proteção;

10) oferecer orientação jurídica e psicossocial a todos os beneficiários, durante todo o


período da proteção;

11) manter os beneficiários informados acerca da tramitação dos processos aos quais
estejam vinculados;

12) dar ao beneficiário todas as condições para viver em sociedade normalmente;

13) oferecer acompanhamento à distância, pelo período de seis meses após o desligamento
do beneficiário do programa;
43

14) catalogar e registrar em documento próprio todos os bens pertencentes aos


beneficiários no instante em que ingresso no programa, entre outros.

Por ser quem lida diretamente com os beneficiários e suas famílias, é importante que os
componentes do Órgão Executor sejam pessoas de confiança e a prova do êxito do trabalho
desta equipe reside no fato de que nunca se registrou qualquer baixa, tratando-se em pessoas
protegidas pelo Provita.

A Equipe Técnica é a responsável pela proteção direta dos beneficiários. Trata de


encontrar lugar seguro para os protegidos e mantê-los a salvo de qualquer espécie de perigo.
Discorrendo sobre a mesma, assim se manifesta Pereira (2001, p. 12):

O trabalho nas áreas jurídica, psicológica e social, necessário tanto para embasar as
decisões do Conselho como para realizar o atendimento e monitoramento dos
beneficiários do programa, é realizado por uma Equipe Técnica, liderada por um
coordenador e composta de advogados, psicólogos, assistentes sociais e outros
profissionais, conforme a necessidade de cada Estado.

Os profissionais são selecionados através de concurso, que não é amplamente divulgado,


porque, se assim o fosse, a segurança do programa estaria comprometida.

A rede solidária de proteção, por fim, é o conjunto das associações civis, entidades e
demais organizações não-governamentais que se dispõem voluntariamente a receber os
admitidos no programa, proporcionando-lhes moradia e oportunidade de inserção social em
local diverso de sua residência.

3.3 Requisitos de Ingresso no Programa

Podemos apontar como potenciais beneficiários do programa, as pessoas que se


encontram em situação de risco decorrente da colaboração prestada a procedimento criminal
em que figuram como vítima ou testemunha, que estejam no gozo de sua liberdade e cuja
personalidade e conduta sejam compatíveis com as restrições de comportamento exigidas pelo
programa, ao qual desejam voluntariamente aderir.

No tocante aos requisitos de ingresso e permanência no programa, a Lei foi perfeita. A


primeira tarefa da Equipe Técnica é definir o efetivo grau de risco que está correndo o
possível protegido; depois disto, o Conselho Deliberativo defere ou indefere o ingresso do
requerente. Importante, antes disso, é analisar o perfil do agressor. Deve analisar-se o grau de
comprometimento do mesmo com o crime organizado, sua situação financeira, nível
intelectual e também os antecedentes criminais. Diante disto, torna-se mais fácil diagnosticar
44

o real perigo pelo qual a vítima está passando. Aliado a isso se deve analisar o crime do qual a
vítima é testemunha. Sobre este assunto, Pannunzio (2001, p. 176) se manifesta:

Além desses aspectos, é fundamental um exame do crime sobre o qual a pessoa


possui informações. Naturalmente, crimes de maior gravidade (homicídios, por
exemplo) e/ou qualquer que são perpetrados por grupos organizados (tráfico de
entorpecentes, por exemplo) trazem consigo uma dose extra de perigo às pessoas
que contra eles resolvem testemunhar. Esta constatação, contudo, não pode servir
para desprezar o alto grau de periculosidade que, eventualmente, outras ofensas
consideradas ‘menos graves’ – vide as situações de violência doméstica, entre outras
- representam às suas vítimas ou testemunhas.

A principal condição para que a testemunha venha a receber a proteção do programa é


a disposição de colaborar com a justiça no esclarecimento de crimes. Não basta, entretanto, a
testemunha estar sofrendo ameaças, é preciso estar consciente de que as informações que
possui deverão ser prestadas à autoridade judiciária.

A conduta e a personalidade compatível são requisitos importantes para o aceite do


interessado no seio do programa. Além disso, é necessário que haja a anuência do interessado.
Trata-se de um verdadeiro contrato a ser estabelecido entre a Entidade Gestora do programa e
o interessado a ser protegido.

3.4 Aspectos de Segurança, Sigilo e Restrições à Liberdade do Beneficiário

O nome do protegido pode ser modificado, caso seja necessário. Além disso, o nome
do cônjuge, do companheiro, dos ascendentes, dos descendentes, assim como todo
dependente, desde que seja do convívio habitual do protegido. O pré-requisito para isto está
na gravidade da coação ou da ameaça. Portanto, não se trata de um procedimento comum,
cabendo sua utilização apenas em casos extremos, haja vista a burocracia que há em torno
disso.

Caso tal procedimento seja adotado, o protegido poderá voltar ao nome original, mas é
importante que fique claro que a mudança tende a ser perpétua, porque as ameaças podem se
consumar se o protegido tentar voltar a sua vida normal.

Não cabe, entretanto, ao Conselho Deliberativo julgar a conveniência da mudança do


nome, e sim ao juiz que receber o requerimento. Este, por sua vez, deverá ser encaminhado
pelo próprio protegido. Este procedimento ocorrerá em segredo de justiça e pelo rito
sumaríssimo.
45

O programa terá a duração de dois anos, sendo prorrogado pelo tempo necessário para
a efetivação da proteção. É de grande valia considerar que a Lei não desejou a prorrogação do
prazo, somente em casos excepcionais, dado, principalmente, o custo do programa.

Não raro há casos em que o suspeito que está sendo investigado deixe que a
repercussão inicial cesse para, só então, efetivar suas ameaças. Há que se tratar com muita
sensibilidade desses casos, pois são sentimentos vingativos perpétuos, onde a atividade
criminosa é predeterminada e extremamente perigosa.

O serviço de proteção é marcado pelo sigilo e preocupação com o conforto psicológico


das pessoas atendidas. Testemunhas ficam proibidas de praticar atos simples, como telefonar
para familiares ou viajar sem autorização. Até atividades arriscadas como consumo de drogas
e prostituição são vedadas, pois implicaria risco desnecessário. Há casos em que até travestis,
que assumiram o compromisso de não se prostituírem, foram aceitos pelo programa.

3.5 A Participação da Sociedade na Execução do Programa

Implicitamente a Lei proibiu a existência de programas sem a participação do Poder


Público, - embora eles já existissem antes da vigência da mesma, inclusive com bom nível
organizacional e tendo como objeto somente a proteção de testemunhas de crimes – mas
vislumbrou a ajuda da comunidade na execução do programa.

O programa brasileiro é o único no mundo que trabalha com a perspectiva da


participação direta da sociedade. E quando falamos nisso, fica claro que deverá ser
considerada somente a participação de pessoas e entidades verdadeiramente comprometidas
com a causa. Elas devem preencher o perfil do programa.

O objetivo principal do programa de proteção é o combate à violência e à impunidade.


E é neste contexto que a sociedade deve ser convidada a participar. Firma-se na premissa de
que também as estruturas oficiais podem praticar crimes. Não raro vemos casos de uso de
força de poder do Estado para a prática de crimes ou para facilitar sua proliferação.

A construção de uma rede solidária é a chave para o sucesso do programa. Nem


governo, nem voluntários, nem entidades não-governamentais individualmente conseguem
obter resultados satisfatórios com a proteção de testemunhas. É necessário que haja integração
entre todos estes setores para que seja obtido êxito.
46

Cumpre-nos ressaltar, entretanto, que os participantes dessa equipe multidisciplinar


devem ser pessoas ou entidades verdadeiramente comprometidas com a causa. Os parceiros
devem ser escolhidos com foco na credibilidade comprovada.

A sociedade pode colaborar através de colaboradores, prestadores de serviços e


protetores. Os colaboradores propõem-se a ajudar em busca de apoio financeiro ou estrutural
para o programa. Os prestadores de serviços são muito importantes para a retenção de gastos
do programa. Neste grupo enquadram-se advogados, médicos, psicólogos, odontólogos, entre
outros profissionais liberais que se dispuserem a prestar serviços gratuitos ou a preços
módicos. Os protetores, por sua vez, mantêm contato direto com o beneficiário. Por conta
disso, é necessário que seja uma pessoa de absoluta confiança do programa, uma vez que atua
como elo de ligação entre o protegido e a equipe multidisciplinar.

Sobre a importância da participação da sociedade civil organizada nas ações do


programa brasileiro, Pereira (2001, p. 18) assim se expressa:

A participação da sociedade civil organizada no modelo PROVITA é o seu


diferencial. Foi dela que emergiu o modelo hoje adotado pelo Governo Federal, e ela
participa ativamente na execução e no aperfeiçoamento das atividades a ele
inerentes. A rede voluntária de proteção é quase que integralmente composta por
entidades da sociedade civil. É a participação efetiva da sociedade civil organizada,
inclusive nos Conselhos Deliberativos, que garante ao modelo brasileiro a
característica de ser democrático. Mais do que isso, é sabido que, no Brasil, o
principal responsável pelas violações de direitos humanos é o Estado; a
credibilidade de um programa de proteção eminentemente estatal no Brasil estaria,
portanto, seriamente comprometida.

A participação popular no programa significa economia de recursos e acrescenta o


componente de cidadania e participação aos envolvidos, o que faz desta política pública uma
das mais importantes entre aquelas que compõem o elenco das reivindicações e conquistas
dos movimentos de Direitos Humanos no Brasil.

3.6 Eficiência e Eficácia do Programa de Proteção à Vítima e à


Testemunhas Ameaçadas

Segundo dados do Ministério do Tribunal de Contas da União, não há registro de


morte de beneficiários por atentado, tendo ocorrido dois casos de suicídio e um de morte
natural, decorrente de cirrose hepática.

Somente os programas do Amazonas e do Rio Grande do Sul possuem equipe própria


de segurança. Os demais estados dependem da designação pontual de policiais pela secretaria
de segurança pública para eu os beneficiários sejam deslocados para prestar depoimentos,
47

consultas médicas, mudanças de endereço ou mesmo para proteção provisória. Isso dificulta a
eficácia do programa, uma vez que cerca de 37% (trinta e sete por cento) dos acusados
pertencem às forças policiais.

O fato de que boa parte dos acusados seja da força policial e, aliado a isso, quase todos
os Estados utilizem reforço policial para o deslocamento dos protegidos, configura uma
situação de risco para os beneficiários, uma vez que pode haver retaliação ou coação por parte
dos acusados, através de seus colegas de profissão.

Ainda há de ser melhorado o andamento dos processos que contêm testemunhas dos
programas estaduais. A morosidade desestimula o possível ingresso de testemunhas em
potencial, frustrando os beneficiários e sobrecarregando as entidades executoras, já que
prolonga o tempo de permanência das testemunhas no programa.

A obtenção de trabalho e a reinserção social do beneficiário ficam prejudicadas nos


casos em que há mudança de identidade, devido à impossibilidade de comprovação de
experiência profissional em carteira de trabalho. Os novos documentos emitidos não
apresentam dados de empregos anteriores à mudança de nome, tais como atividades
profissionais desenvolvidas, tempo de trabalho e empregadores, entre outros.

3.7 A Delação Premiada

Diante do sucesso da delação premiada obtido pelo Governo Italiano, o legislador


brasileiro criou uma causa de diminuição de pena baseada na entrega de seus companheiros
por parte do criminoso. A Lei no. 8.072/90, em seu art. 8º, § diz que: “O partícipe que
denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena
reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).”

No direito italiano, a origem do fenômeno dos colaboradores da Justiça foi fortemente


incentivada em meados dos anos 70 para combate de atos terroristas e teve seu ápice nos anos
80 ao mostrar-se eficaz nos processos de apuração da criminalidade mafiosa. A delação,
portanto, é uma tendência penal moderna que se baseia no espírito de colaboração.

A delação premiada é alvo de muitas críticas, por pregar a traição e, por este motivo,
mostrar-se imoral. Sob o aspecto jurídico, rompe com o princípio da proporcionalidade da
pena, uma vez que punirá com penas diferentes pessoas envolvidas em um mesmo fato e com
idênticos graus de culpabilidade.
48

A lei prevê a possibilidade de concessão de perdão judicial com a conseqüente


extinção da punibilidade para os réus colaboradores, desde que sejam primários e tenham
efetiva e voluntariamente colaboradora com a investigação e o processo criminal e desde que
essa colaboração tenha resultado na identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação
criminosa; localização da vítima com a integridade física preservada e recuperação total ou
parcial do produto do crime.

A lei não é clara, entretanto, em dizer se os requisitos apresentam-se de maneira


cumulativa ou alternativa. A corrente dominante entende que sejam alternativos e que basta o
preenchimento de um dos requisitos objetivos e de todos os subjetivos para que o colaborador
faça jus ao benefício do perdão judicial.

Por outro lado, embora represente uma forma de colaboração à Justiça, é importante
que seja levado em consideração que as delações também podem se mostrar carentes de
credibilidade e não devem ser encaradas como verdade absoluta. Não podemos recuperar a
nefasta tradição de basear a produção de provas na pessoa do acusado, como ocorreu no
parado, em regimes antidemocráticos de outrora.

Ao contrário do que é defendido por alguns, a delação premiada ainda não constitui
um instrumento eficiente, por dar margem a injustiças, através da pressão sob o acusado a
afirmar algo de que não tem certeza, ou ainda pela manipulação do Judiciário.

3.7.1 O Fenômeno da Criminalidade Organizada

Diante do contexto atual de globalização, embora haja uma maior prosperidade da


economia, da política ou da cultura, também se beneficia o fenômeno da criminalidade
organizada.

Não há como conceituarmos legalmente o crime organizado, dada a omissão do


legislador nas Leis 9.034/1995 e 10.217/2001. Mesmo assim, com base na doutrina, é possível
elevar suas principais características.

Salta aos olhos, inicialmente, a estrutura hierárquico-piramidal do crime organizado,


assemelhando-se a verdadeiras empresas. É também caracterizado pela impessoalidade, tal
qual uma sociedade anônima. Além disso, é curiosa a divisão de tarefas e a comunhão de
interesses. Neste contexto, nada é feito sem algo em troca, tampouco por boa vontade. O jogo
de interesses rege a vida desses criminosos.
49

Há também critérios de restrição de membros, uma vez que não é permitido a qualquer
um ingressar na associação criminosa.

A busca constante por lucros fáceis e a luta pelo domínio territorial também induzem o
criminoso a comumente corromper agentes públicos, seja como partícipe ou ainda apenas
“fazendo vista grossa”.

A sofisticação dos meios operacionais do crime organizado faz com que a colheita de
provas torne-se mais difícil, uma vez que dificilmente o Estado acompanharia tais avanços
tecnológicos com a mesma rapidez que os criminosos. Aliada a isso, ainda há a intimidação
fortemente exercida pelos criminosos com os integrantes das organizações, bem como a
pessoas estranhas a elas.

3.7.2 A Delação Premiada e o Combate ao Crime Organizado

Podemos caracterizar a delação premiada como um meio eficaz de combate ao crime


organizado, uma vez que através das informações surgidas por meio dela é possível
desestabilizar sua estrutura.

O termo delação advém do latim delatione e significa “denunciar, revelar (crime ou


delito); acusar como autor de crime ou delito; deixar perceber, denunciar como culpado;
denunciar-se como culpado; acusar-se”. (FERREIRA, 1999, p. 617).

Premiar, por seu turno, é “dar prêmio ou galardão a; laurear; galardoar; pagar;
recompensar; remunerar”. (FERREIRA, 1999, p. 629).

Daí se apura que a delação premiada é a “incriminação de terceiro, realizado por um


suspeito, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato);” (JESUS, 2006, p.
9). Diz-se premiada por ser “incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-
lhe benefícios (redução da pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário branco,
etc).”. (JESUS, 2006, p. 9).

Trata-se de uma prova anômala, haja vista que, embora sua qualidade de prova seja
evidente, não há como ser identificada no ordenamento jurídico brasileiro. É, portanto,
instrumento utilizado pelo magistrado para a formação de sua convicção a respeito dos fatos
controvertidos no processo.
50

Por tratar-se de uma declaração voluntária por quem seja suspeito ou acusado de um
delito, não é confissão. Por outro lado, pelo fato de o delator ter interesse processual e por ser
parte, também não pode ser considerada testemunho. O mais coerente, portanto, é somá-la a
outros meios de prova, não sendo sensato valer-se unicamente dela para a formação do livre
convencimento do juiz.

No Brasil, aproximadamente, sete leis fazem menção à delação premiada, tendo sido a
precursora a chamada Lei dos Crimes Hediondos.

3.7.3 Os Requisitos para a Admissão da Delação Premiada

Os requisitos mais importantes para a admissão da delação premiada estão elencados


na Lei no. 9.807/99. Isso devido seu caráter genérico e mais benéfico em relação às demais
legislações.

Para que seja concedido o perdão judicial e para a diminuição da pena, decorrentes da
delação, exige-se a observância dos seguintes requisitos: voluntariedade da colaboração com
o processo criminal ou investigação; resultado que atinja a identificação dos demais co-
autores (ou partícipes, ou a localização da vítima ou a recuperação total ou parcial do produto
do crime).

O perdão judicial, especificamente, reclama pela primariedade do acusado, a


efetividade da colaboração, as circunstâncias pessoais e do fato criminoso – inteiramente
favorável e a localização da vítima com a sua integridade física preservada.

Diante destes requisitos, cumpre-nos ressaltar que não é necessária sempre a


identificação dos demais autores, mais a recuperação do produto do crime e mais a libertação
da vítima. Acolhe-se a alternatividade destes requisitos.

A delação não pode ser vista como uma regra, e sim, como um meio excepcional, a ser
utilizado em caso de extrema necessidade, em que não haja outras provas.

3.7.4 Conseqüências Decorrentes da Delação Premiada

O réu delator poderá usufruir de duas benesses, quais sejam, o perdão judicial ou a
diminuição de sua pena. Os requisitos para que estes benefícios sejam concedidos encontram-
se elencados no artigo 13 da Lei 9.807/1999, conforme segue:
51

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo
criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.

Em suma, podemos afirmar que a concessão destes benefícios dependerá do exame do


caso concreto, cabendo a decisão ao juiz competente, quando da sentença, ao reconhecer se a
colaboração foi eficiente ou não. Portanto, cabe ao juiz a decisão sobre o benefício, cabendo
ao Ministério Público e ao órgão policial apenas o requerimento ao juiz da aplicação do
benefício.

Poderá ainda o delator, diante de ameaça ou coação, ter direito à proteção de sua
integridade física. Caso esteja em liberdade, poderá ser inserido no programa de assistência,
recebendo as medidas ofertadas às vítimas e às testemunhas. Todavia, se estiver encarcerado,
não há possibilidade de enquadrar-se nesse programa, uma vez que já estará sob custódia do
Estado, que deve primar por sua integridade física e moral, direito garantido
constitucionalmente em seu artigo 144.

A função síntese do Estado Social é promover o bem comum (artigo 193 da


Constituição Federal), e para isso, a delação premiada é de enorme valia, uma vez que
arregimenta provas que certamente não seriam obtidas por outros meios de investigação.
52

CONCLUSÃO

Diante da escassez de provas testemunhais, entendemos ser de grande valia a


conscientização acerca da relevância do tema, uma vez que, de acordo com o contexto social
em que vivemos, notamos que muitos crimes não são elucidados porque as testemunhas ou as
próprias vítimas se recusam a falar sobre as circunstâncias da ocorrência. O principal
responsável por esta omissão é o temor provindo de ameaças e atentados perpetrados pelos
interessados na impunidade, de forma que o Poder Público pouco tem feito para garantir a
incolumidade física e psicológica daqueles que colaboram com a justiça.

Compreendemos que a impunidade de inúmeros criminosos não é resultado da


qualidade dos criminalistas, como muitas pessoas pensam, e sim, da ineficiência do sistema
policial e judiciário brasileiro para colocar criminosos na cadeia. Em grande parte dos casos, a
polícia é incapaz de juntar provas que sustentem os inquéritos, o que torna a defesa dos
infratores muito mais fácil.

A nova lei trouxe a nítida impressão que, a partir de sua vigência, inúmeros crimes
seriam esclarecidos e importantes instrumentos estariam disponíveis, em especial, a almejada
diminuição dos atuais índices de violência que assolam o país. Isto, como podemos perceber
oito anos após sua efetiva utilização, não veio a ocorrer.

A corrupção existente na polícia brasileira tornou-se um dos grandes motores do crime,


e um grande obstáculo à redução das taxas de criminalidade. Sem modificar esse quadro,
qualquer tentativa de combater a marginalidade tende a fracassar, porque depende
necessariamente do apoio de uma polícia honesta. É tamanho o envolvimento de integrantes
das polícias civil, federal e militar com a corrupção, roubo, seqüestro, assassinatos e tráficos
de drogas, que não é mais possível esperarmos que essas polícias contaminadas consigam
diminuir as taxas de crime. Este é exatamente o ponto em que a aderência ao Programa de
Proteção a Testemunhas encontra seu maior inimigo: a falta de credibilidade da segurança
pública.
53

A experiência internacional mostra que, nesses casos, de nada adianta fazer discursos
contra o crime se não houver uma vigorosa ação de combate aos graves delitos de conduta dos
policiais. Outra solução seria reforçar o salário dos policiais. Um militar em início de carreira
recebe cerca de 700 reais por mês nas principais capitais do país. Após a promoção a tenente,
cinco anos depois, pode chegar a 1.500 reais. Um policial nos Estados Unidos recebe até dez
vezes mais.

Até 1995, a grande maioria dos processos existentes contra integrantes das corporações,
algo em torno de 90% do total de ações, referia-se a delitos ligados a um desvio de função.
São os chamados abusos de autoridade. Atualmente, 90% da população dos presídios
militares são de policiais flagrados em crimes de roubo, extorsão, tráfico de drogas e
homicídios. Na Polícia Militar de São Paulo e do Rio de Janeiro, a taxa anual de pessoas
punidas por crimes patrimoniais, como roubo, é de 13 por grupo de 10.000 militares. É cinco
vezes maior do que no resto da população.

O programa de proteção à testemunha em vigência no Brasil busca primordialmente


intervir nos efeitos desestruturantes que ocorrem na vida do indivíduo, da coletividade e da
sociedade, para, assim, restabelecer a ordem social e, em última análise, instituir mecanismos
de controle de violência e resgate dos direitos humanos. A dificuldade do Programa de
Proteção à Testemunha começa pela resistência dos beneficiados a se adaptarem à nova
realidade, e termina com a negativa de alguns em abrir mão dos privilégios oferecidos.

Atualmente, a atenção pública está voltada aos vários personagens envolvidos no


fenômeno da violência. Nesse sentido, a vítima não é vista apenas como mero objeto da ação
delituosa, mas como sujeito de direitos que necessita de auxílio na reestruturação de sua vida
familiar e social. O objetivo desse projeto, então, é dar às pessoas e seus familiares, vítimas da
violência, o exercício pleno de seus direitos. Enfim, ser um instrumento eficaz no combate, na
prevenção da violência e na promoção da cidadania.

A idéia do programa, pelo menos teoricamente, é perfeita. Vem à luz inspirada em


mecanismos adotados em países do Primeiro Mundo. No entanto, com todas as vênias, para o
Brasil, onde o efetivo combate à criminalidade está muito distante do desejável, revela-se
medida tendente a resultados que nos parecem incertos demais.

Vivemos num país em que, de dentro dos presídios tidos como de segurança máxima,
criminosos de alto coturno comandam, com significativa independência e em ritmo acelerado,
a vida aqui fora, via celular e laptop. Enquanto a máquina estatal consome o tempo necessário
54

para lutar contra as dificuldades que a situação dos colaboradores exige, para dar
cumprimento às formalidades e providências que se impõem à integridade dos que se
beneficiariam da proteção de que fala o texto legal, bem como de seus familiares, aquelas
poderão sofrer as conseqüências que a lei quer evitar. Se levarmos em consideração que
expressiva fatia do contingente dos acusados neste país, pelas normas penais em vigor, não
chega a cumprir qualquer tipo de pena restritiva de liberdade, pode-se imaginar o risco que
testemunhas e acusados, atraídos pela fórmula trazida no bojo da Lei n.º. 9807/99, passam a
correr, comprometendo a seriedade da situação.

Embora o instituto da delação premiada seja repelido por parte da doutrina, diante da
alegação de que ensina que trair traz benefícios, o mesmo traz incontáveis vantagens à
sociedade, por ser um meio bastante eficaz no combate ao crime organizado. A partir do
momento em que um membro de uma associação criminosa delata seus companheiros, ele
está contribuindo para o bem comum da sociedade. É importante que seja ressaltado que o
objeto da delação premiada não é o benefício do criminoso, mas, sim, o combate ao crime
organizado, tão difundido atualmente no Brasil.

Notamos, portanto, que a modernização e organização das associações criminosas


exigiram uma reestruturação da dogmática penal, com a criação de estratégias diferenciadas
para a obtenção da prova na busca da eficiência penal.
55

REFERÊNCIAS

LIVROS:

AQUINO, José Carlos G. Xavier. A prova testemunhal no processo penal brasileiro. 4. ed.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

BARROS, Antonio Milton de. A lei de proteção a vítimas e testemunhas. Franca: Ribeirão
Gráfica e Editora, 2003.

BATISTA, Nilo. Novas tendências do Direito Penal. Rio de Janeiro: Renan, 2004.

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoque criminológico,


jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRECCO, Rogério. Curso de Direito Penal. 7. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

MARTINI, Paulo. Proteção especial – a vítimas, testemunhas e réus colaboradores. Porto


Alegre: Síntese, 2000.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

SILVEIRA, José Braz da Silva. A proteção à testemunha & o crime organizado no Brasil.
Curitiba: Juruá, 2007.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1998.

LEIS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 9. ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

_______. Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999. Estabelece normas para a organização e a


manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui
o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a
proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva
colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9807.htm>. Acesso em: 15 mai. 2008.
56

_______. Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001. Altera os arts. 1o e 2o da Lei no 9.034, de 3


de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e
repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10217.htm>. Acesso em: 23 mai.
2008.

PERIÓDICOS:

AGUDO, Luís Carlos. Estudos sobre a Lei nº 9.807/99. Proteção a vítimas e testemunhas. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3498>. Acesso em: 21 nov. 2007.

PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos criminosos? . Jus


Navigandi, Teresina, ano 3, n. 34, ago. 1999. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1004>. Acesso em: 26 out. 2007.

PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99 (proteção às
testemunhas). Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1005>. Acesso em: 21 nov. 2007.

SANTOS, Heider Silva. A Delação Premiada e sua (in)compatibilidade com o ordenamento


jurídico pátrio. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1495, 5 ago. 2007. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10244>. Acesso em: 26 mai. 2008.

SOUZA, Marcus Valério Guimarães de. A Lei de Proteção a Testemunhas . Jus Navigandi,
Teresina, ano 4, n. 37, dez. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?
id=1006>. Acesso em: 15 out. 2007.
57

APÊNDICE
58

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ


UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
Curso de Direito

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS NO BRASIL

Aline Militão Pontes


Matr. 0312164/0

Orientadores : Francisca Ilnar de Sousa (de metodologia)


Emerson Castelo Branco Mendes (de conteúdo)

Fortaleza
Novembro, 2007
59

DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

O Programa de Proteção a Testemunhas, implantado no Brasil através da Lei no.


9.807/99 tem sua criação relacionada a uma série de fatores, dentre os quais podemos destacar
a impunidade característica de um Estado que atesta sua incompetência, a falência de seu
sistema de segurança pública e que procura transferir ao administrador responsabilidades
constitucionalmente suas.

A proteção de vítimas e testemunhas é de fundamental importância para o


desenvolvimento das investigações criminais, a instrução processual e a diminuição da
impunidade. A justificativa da criação de programas com este fim encontra-se na Constituição
de 1988. De acordo com a Carta Magna, o Estado brasileiro tem por obrigação dar atenção
especial a estas pessoas e seus familiares que, em razão de seus depoimentos, encontra-se em
situação de risco eminente.

A proposta de implantação destes serviços específicos foi originariamente prevista no


Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996, que estabeleceu, no capítulo que trata da
Luta contra a Impunidade, a meta de apoiar a criação nos Estados de programas de proteção
de vítimas e testemunhas de crimes, expostas a grave e atual perigo em virtude de colaboração
ou declarações prestadas em investigação ou processo penal.

Dois anos mais tarde, o Ministério da Justiça assinou com o Governo de Pernambuco
um convênio para apoiar uma iniciativa inédita e pioneira que avançava naquele Estado sob a
coordenação da organização não-governamental Gabinete de Assessoria Jurídica a
Organizações Populares: o Provita, um programa de proteção a vítimas e a testemunhas
baseado na idéia da reinserção social de pessoas em situação de risco em novos espaços
comunitários, de forma sigilosa e contando com a efetiva participação da sociedade civil na
construção de uma rede solidária de proteção. Os resultados já extremamente significativos
que se apresentavam à época levaram a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos a adotar o
Provita como o modelo a ser difundido em outras Unidades da Federação.

Foi, inicialmente, uma resposta à necessidade de preservação das testemunhas de


homicídios cometidos por policiais, grupos de extermínio ou crime organizado, e que hoje
colabora com a apuração de crimes que envolvem tortura, trabalho escravo, tráfico de armas e
seres humanos, narcotráfico, corrupção e crimes eleitorais.
60

Juridicamente, podemos dizer que o programa foi resultado da necessidade de proteger a


integridade e promover a segurança das vítimas, testemunhas, réus colaboradores e,
principalmente, a satisfação do princípio da verdade real, que deve nortear o processo penal
pátrio.

A referida lei estabelece regras a serem traçadas pelo Poder Executivo para organizar o
programa de proteção, destinando verbas no orçamento para este fim. Também menciona
medidas efetivas para que a testemunha e a vítima possam passar ilesas por toda a
investigação, podendo inclusive mudar o nome completo do próprio protegido e de toda a sua
família. A lei foi ainda mais além ao preocupar-se em proteger o participante do crime
investigado, identificando os criminosos, recuperando o produto do crime e localizando uma
possível vítima que esteja com sua integridade física ameaçada, na maioria das vezes quando
se tratar de crimes permanentes.

Para ser acolhido no programa, o interessado, o representante ministerial, a autoridade


policial, o juiz, órgãos públicos ou entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos
deverão formular o pedido, que deverá levar consigo comprovação suficiente de sua
necessidade. O deferimento do pedido dependerá de decisão, por maioria absoluta dos
membros de um conselho deliberativo do programa. Por fim, se der certo o interessado poderá
ter, dentre outras medidas, pelo prazo máximo de dois anos, prorrogável em situações
excepcionais, segurança em sua residência, controle de telecomunicações, escolta e
segurança, transferência de residência, preservação de identidade, alteração de nome, ajuda
financeira, suspensão provisória de atividades funcionais, apoio e assistência social, médica e
psicológica. Por sua vez, os réus primários, quando voluntariamente tenham prestado efetiva
colaboração à investigação policial e ao processo crime, se necessário, também terão direito a
se beneficiar do socorro legal em menção.

Nessa empreitada, cuidou o legislador em envolver não só a União, como seria natural,
em face mesmo do princípio de competência constitucional, mas, também, os Estados e o
Distrito Federal. Ao Ministério da Justiça, coube a tarefa de supervisionar e fiscalizar os
convênios, quando em jogo os interesses da União Federal. Certamente, nos Estados
federados essa incumbência caberá às respectivas Secretarias de Justiça, a exemplo, também
do Distrito Federal.

A contribuição para solucionar um crime muitas vezes tem um preço alto: a mudança de
vida. Em troca de um depoimento, que pode colocar em risco a testemunha, o Estado oferece
oportunidade para que se recomece do zero em novo endereço. Um fator crucial é fazer com
61

que a pessoa tenha a mesma vida social que tinha antes de testemunhar o crime, com
manutenção de atividade de sustento. Mantê-lo acompanhado da família é importante nesse
aspecto, e às vezes é preciso remover os familiares uma vez que passam a sofrer as mesmas
ameaças do denunciante.

Na tentativa de analisarmos mais profundamente a situação dos assistidos pelo Provita,


entendemos que é necessário refletirmos sobre aqueles que não buscam este mecanismo
estatal de proteção, no sentido de discutir a relação existente entre o recente fortalecimento do
crime organizado e a falta de credibilidade dos cidadãos com programas governamentais.

Por meio desta pesquisa pretendemos buscar meios de efetivação das leis já existentes
para a proteção de testemunhas, visando à solução da problemática da impunidade, através do
combate ao crime organizado e à corrupção existente em órgãos estatais responsáveis pela
segurança pública. Não há, portanto, uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro em
relação a este tema. Apenas faz-se necessário o cumprimento do que já está legalizado.

Nesse sentido, nos colocamos as seguintes questões:

1. Qual é a representatividade das provas testemunhais no sistema processual brasileiro?

2. Quais as principais características do sistema de proteção a testemunhas em outros


países?

3. Quais as melhorias que podem ser feitas para melhorar o desempenho do programa?
62

JUSTIFICATIVA

Segundo dados da Vara do Júri de Santo Amaro-SP, região que registra o maior
número de chacinas e homicídios da Grande São Paulo, de cada dez crimes ali praticados sete
acabam impunes, pois a polícia não consegue desvendar a autoria. Tão difícil quanto
encontrar as armas do crime é reunir quem esteja disposto a testemunhar.

Diante da escassez de provas testemunhais, entendemos ser de grande valia a


conscientização acerca da relevância do tema, uma vez que de acordo com o contexto social
em que vivemos, notamos que muitos crimes não são elucidados porque as testemunhas ou as
próprias vítimas se recusam a falar sobre as circunstâncias da ocorrência. O principal
responsável por esta omissão é o temor às ameaças e atentados perpetrados pelos interessados
na impunidade, de forma que o Poder Público pouco tem feito para garantir a incolumidade
física e psicológica daqueles que colaboram com a justiça.

Compreendemos que a impunidade de inúmeros criminosos não é resultado da


qualidade dos criminalistas, como muitas pessoas pensam, e sim da ineficiência do sistema
policial e judiciário brasileiro para colocar criminosos na cadeia. Em grande parte dos casos, a
polícia é incapaz de juntar provas que sustentem os inquéritos, o que torna a defesa dos
infratores muito mais fácil.

A nova lei trouxe a nítida impressão que, a partir de sua vigência, inúmeros crimes
fossem esclarecidos e importante instrumento estaria disponível, em especial, a almejada
diminuição dos atuais índices de violência que assolam o país. Isto, como podemos perceber
oito anos após sua efetiva utilização, não veio a ocorrer.

A corrupção existente na polícia brasileira tornou-se um dos grandes motores do crime e


um grande obstáculo à redução das taxas de criminalidade. Sem modificar esse quadro,
qualquer tentativa de combater a marginalidade tende a fracassar porque depende
necessariamente do apoio de uma polícia honesta. É tamanho o envolvimento de integrantes
das polícias civil, federal e militar com a corrupção, roubo, seqüestro, assassinatos e tráficos
de drogas que não é mais possível esperarmos que essas polícias contaminadas consigam
diminuir as taxas de crime. Este é exatamente o ponto em que a aderência ao Programa de
63

Proteção a Testemunhas encontra seu maior inimigo: a falta de credibilidade da segurança


pública.

A experiência internacional mostra que, nesses casos, de nada adianta fazer discursos
contra o crime se não houver uma vigorosa ação de combate aos graves delitos de conduta dos
policiais. Outra solução seria reforçar o salário dos policiais. Um militar em início de carreira
recebe cerca de 700 reais por mês nas principais capitais do país. Após a promoção à tenente,
cinco anos depois, pode chegar a 1.500 reais. Um policial nos Estados Unidos recebe até dez
vezes mais.

Até 1995, a grande maioria dos processos existentes contra integrantes das corporações,
algo em torno de 90% do total de ações, referia-se a delitos ligados a um desvio de função.
São os chamados abusos de autoridade. Atualmente 90% da população dos presídios militares
são de policiais flagrados em crimes de roubo, extorsão, tráfico de drogas e homicídios. Na
Polícia Militar de São Paulo e do Rio de Janeiro a taxa anual de pessoas punidas por crimes
patrimoniais, como roubo, é de 13 por grupo de 10.000 militares. É cinco vezes maior do que
no resto da população.

Os abusos praticados pela polícia no Brasil têm origens históricas. O historiador Thomas
Holloway revelou que no começo do século XIX a principal atribuição da polícia nas antigas
colônias era capturar e punir escravos fugitivos com chibatadas. Os fugitivos no Brasil
costumavam receber 200 chicotadas. Nos Estados Unidos, recebiam vinte. Nesses tempos, a
polícia estava a serviço dos donos de escravos contra todo o resto da população. Esse tipo de
mentalidade sobrevive até hoje. A polícia trabalha como se fosse adversária da população e
não como sua aliada. Diante desse quadro a população fica sem saída. Caso opte por
denunciar o policial, o resultado será chantagem, perseguição e risco de vida. Em
Pernambuco, Estado pioneiro em programas de proteção à testemunha, metade das pessoas
inscritas está sob proteção para fugir de policiais.

O programa de proteção à testemunha em vigência no Brasil busca primordialmente


intervir nos efeitos desestruturantes que ocorrem na vida do indivíduo, da coletividade e da
sociedade, para assim, reestabelecer a ordem social e, em última análise, instituir mecanismos
de controle de violência e resgate dos direitos humanos. A dificuldade do Programa de
Proteção à Testemunha começa pela resistência dos beneficiados se adaptarem à nova
realidade e termina com a negativa de alguns em abrir mão dos privilégios oferecidos.
64

Atualmente a atenção pública está voltada aos vários personagens envolvidos no


fenômeno da violência. Nesse sentido, a vítima não é vista apenas como mero objeto da ação
delituosa, mas como sujeito de direitos que necessita de auxílio na reestruturação de sua vida
familiar e social. O objetivo desse projeto, então, é dar as pessoas e familiares, vítimas da
violência, o exercício pleno de seus direitos. Enfim, ser um instrumento eficaz no combate, na
prevenção da violência e na promoção da cidadania.

A idéia do programa, pelo menos teoricamente, é perfeita. Vem à luz inspirada em


mecanismos adotados em países do Primeiro Mundo. No entanto, com todas as vênias, para o
Brasil, onde o efetivo combate à criminalidade está muito distante do desejável, revela-se
medida tendente a resultados que nos parecem incertos demais.

Vivemos num país em que de dentro dos presídios tidos como de segurança máxima,
criminosos de alto coturno comandam, com significativa independência e em ritmo acelerado,
a vida aqui fora, via celular e laptop. Enquanto a máquina estatal consome o tempo necessário
para lutar contra as dificuldades que a situação dos colaboradores exige, para dar
cumprimento às formalidades e providências que se impõe, a integridade dos que se
beneficiariam da proteção de que fala o texto legal, bem como de seus familiares, poderá
sofrer as conseqüências que a lei quer evitar. Se levarmos em consideração que expressiva
fatia do contingente dos acusados neste país, pelas normas penais em vigor, não chega a
cumprir qualquer tipo de pena restritiva de liberdade, pode-se imaginar o risco que
testemunhas e acusados, atraídos pela fórmula trazida no bojo da Lei n.º. 9807/99 passam a
correr, comprometendo a seriedade da situação.
65

REFERENCIAL TEÓRICO

Na busca por compreender a problemática que envolve a proteção de vítimas e


testemunhas no Brasil, observamos a importância não somente em resgatar o processo
histórico da implantação do programa, mas se fazem também relevantes o conhecimento do
valor da prova testemunhal no Processo Penal e a situação atual do Provita no Brasil.

Pincherli (1990, p. 12) resgatando a importância das testemunhas para o processo, diz
que:

Que os sentidos enganam a razão, com as aparências falsas (...) de modo que aqueles
olhos e aqueles ouvidos das testemunhas, com os quais, segundo a imagem de
Bentham, o juiz contempla os crimes e ouve a voz dos réus, são muitas vezes, olhos
que não vêem e ouvidos que não escutam, prerrogativa que o profeta referia ao povo
de Jerusalém, mas que Giuriati declarou extensiva a todo o mundo.
No entanto, os processos não podem simplesmente prescindir da prova testemunhal,
que muitas vezes é a única que se apresenta. Como bem registra Eduardo Espínola Filho,
citando Floriam (1982, p. 110):

Sendo a prova testemunhal, no quadro das provas, a em que o processo penal se


inspira mais copiosamente, pois o testemunho é o modo mais óbvio de recordar e
reconstituir os acontecimentos humanos, é a prova em que a investigação judiciária
se desenvolve com maior energia quase nenhum processo pode desenvolver-se sem
testemunhas; o processo concerne a um pedaço de vida vivida, um fragmento de
vida social, um episódio da convivência humana, pelo que é natural, inevitável, seja
representado mediante viva narrativa das pessoas.

Historicamente, podemos dizer que às testemunhas, vítimas e réus colaboradores foi,


por muito tempo, dispensado um papel de objeto de ação do Estado e da sociedade. Somente
na recente história, passou-se a conhecer as peculiaridades desta categoria social e a partir de
então se inicia uma busca por mudanças no trato sócio-jurídico dessas pessoas tão importantes
para a solução da problemática da impunidade. A Lei no. 9.807/99 inovou no tratamento legal
dispensado à essas pessoas, que passaram a ser vistos como sujeitos de direitos, e atribuiu
responsabilidades ao Estado. Tais responsabilidades podem ser observadas no teor do artigo
1º da Lei, relativo às disposições preliminares que prevê:

Art. 1o As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes


que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a
investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo
Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas
especiais organizados com base nas disposições desta Lei.

§ 1o A União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos,


ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não-governamentais
objetivando a realização dos programas.
66

§ 2o A supervisão e a fiscalização dos convênios, acordos, ajustes e termos de


parceria de interesse da União ficarão a cargo do órgão do Ministério da Justiça com
atribuições para a execução da política de direitos humanos.

Não descreve a lei o que se entende por "vítima ou testemunhas de crimes". Nesse
ponto, a Lei nº 10.354/99 (Lei de Proteção a Vítimas de Violência no Estado de São Paulo),
foi mais específica e, no seu artigo 2º, estabelece o que se entende por vítima de violência:

I) a pessoa que tenha sofrido dano de qualquer natureza, lesões físicas ou mentais,
sofrimento psicológico, prejuízo financeiro ou substancial detrimento de seus
direitos e garantias fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões
previstas na legislação penal vigente como delitos penais;
II) o cônjuge, companheiro ou companheira, bem como o ascendente e descendente
em qualquer grau, ou colateral até o terceiro grau, por consangüinidade ou afinidade,
que possuam relação de dependência econômica com a pessoa designada no inciso
anterior;
III) a pessoa que tenha sofrido algum dano ou prejuízo, ao intervir para socorrer a
outrem que houver sofrido violência ou estiver em grave perigo de sofrê-la; e
IV) a testemunha que sofrer ameaça por haver presenciado ou indiretamente tomado
conhecimento de atos criminosos e detenha informações necessárias à investigação e
apuração dos fatos pelas autoridades competentes.

O programa é um importante instrumento de combate à impunidade no Brasil, dado o


grande peso da prova testemunhal em processos criminais. Sobre a atividade do programa, diz
o Tribunal de Contas da União:

foi garantida a integridade física de mais de 1.200 pessoas desde o início do


programa em 1998, o que contibuiu para a elucidação de mais de 400 crimes de alto
poder ofensivo e repercussão oficial. Ao mesmo tempo, não há registro de nenhuma
morte de beneficiários por atentado, tendo ocorrido dois casos de suicídio de um de
morte natural.

Sobre o instituto da delação premiada, trata o artigo a seguir da possibilidade do juiz


conceder perdão judicial com a extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo
criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.

Entendemos que se trata realmente de uma faculdade do juiz uma vez que deverá levar
em conta para a concessão o disposto no parágrafo único do mesmo artigo, ou seja, deverá
levar em conta para a concessão, a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias,
67

gravidade e repercussão social do fato criminoso. Trata aqui das circunstâncias judiciais
previstas no artigo 59 do Código Penal.

Eis o entendimento de Alexandre Demetrius Pereira, Promotor de Justiça em São


Paulo em artigo publicado na Internet sobre a questão:

No crime de latrocínio consumado (crime mais severamente apenado do Código


Penal Brasileiro) o réu delator diz onde estão os bens roubados que são parcialmente
ou até totalmente recuperados, não obstante a vítima violentamente morta. Segundo
a literalidade da lei fará jus ao perdão judicial, pois basta que alternativamente se
façam presentes uma das condições dos incisos do art. 13 ( I - a identificação dos
demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; OU II - a localização da vítima
com a sua integridade física preservada; OU III - a recuperação total ou parcial do
produto do crime. (on-line)

Diante do exposto, objetivando uma maior compreensão da problemática que envolve


a impunidade no Brasil, se faz necessário discutir quais os mecanismos necessários para a
efetiva proteção de testemunhas no país, além de buscar elementos que contribuam de forma
direta ou indireta, para o debate acerca da corrupção atualmente tão acentuada na segurança
pública.
68

OBJETIVOS

GERAL:

Analisar a problemática que envolve a não efetivação do Programa de Proteção a


Testemunhas no Brasil, com enfoque à impunidade.

ESPECÍFICOS:

1. Compreender a representatividade das provas testemunhais no sistema


processual brasileiro.

2. Analisar as principais características do sistema de proteção a testemunhas em


outros países.

3. Discutir as melhorias que podem ser feitas para melhorar o desempenho do


programa
69

HIPÓTESES

1. O sistema processual brasileiro, baseado no livre convencimento do juiz, faz uso das
provas testemunhais de acordo com a convicção do mesmo. A prova testemunhal se apresenta
de forma paradoxal, uma vez que diversos autores questionam seu valor probatório. É a prova
testemunhal um dos meios que permitem ao juiz, a reconstituição dos fatos, revivendo as
circunstâncias do caso. Destarte, a prova testemunhal no processo penal é ferramenta de
trabalho do magistrado. A verdadeira valoração da prova será dada pelo magistrado que a
analisará diante do caso concreto e em conjunto com os demais elementos probatórios. Não há
dúvidas de que a prova testemunhal é a prova mais utilizada no processo penal. Entretanto,
seu valor já não encontra base na sua simples existência, depende da forma com que foi
prestada, se consiste em prova única, depoimento de policial ou infante. No antigo sistema da
certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis, onde uma só
testemunha não valia como prova. Hoje se admite até uma condenação com base em um único
testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos.

2. Diversos países utilizam programas destinados a proteger testemunhas com a


finalidade de diminuir a impunidade e tornar a prestação jurisdicional mais eficiente.
Portanto, abordaremos resumidamente como se realiza a Proteção às Testemunhas nos
Estados Unidos da América, na Itália e na Inglaterra. A experiência mais remota de proteção a
colaboradores da justiça iniciou-se em 1789, com a criação do US Marshall Service, nos
EUA. Este órgão protegia membros do Poder Judiciário e testemunhas de acusação em crimes
federais. A partir de 1960 o US Marshall sofreu uma radical mudança e passou a abranger
outros tipos de crimes, em razão da necessidade de uma ação eficaz contra o crime
organizado. Atualmente mais de 6.000 pessoas já receberam proteção do US Marshall,
número mais do que suficiente para revelar a importância do Programa, mas existem
problemas. O maior deles é seu alto custo, ora que o governo norte-americano gasta
aproximadamente US$ 110 mil por ano com uma família de quatro pessoas. Em casos
especiais o beneficiado pelo programa tem direito a cirurgia plástica e troca de documentos
com a permissão da Justiça, que inclusive pode anistiar condenados. Na Itália, a Operação
Mãos Limpas (Operazione Mani Puliti) conseguiu diminuir a violência no país, o que pode
ser vislumbrado pelo número elevado de criminosos que foram punidos. O Programa de
Proteção às Testemunhas italiano, denominado Procura Nazionale Antimafia, foi fundamental
para o sucesso da referida operação, que foi implantada, principalmente para apurar crimes de
terrorismo e organizações mafiosas. Já na Inglaterra existe o Victim Support, que além de
70

proteção policial promove também apoio social e psicológico. O caso mais famoso atendido
pelo programa é o do escritor Salman Rushdie, que em razão de seu livro, denominado Versos
Satânicos, sofre perseguições de fanáticos muçulmanos e tem a sua vida garantida graças ao
apoio do Victim Support.

3. O Programa de Proteção às Testemunhas no exterior tem conseguido ótimos


resultados, contudo, ao adaptarmos esses modelos a realidade brasileira, a problemática reside
exatamente no alto custo do Programa. Nesse contexto, a criação de um modelo que exija
menos recursos financeiros, juntamente com a fomentação de parcerias entre Estado e
comunidade é imprescindível. Além disso, é necessário que exista uma célula de segurança
formada por policiais especialmente selecionados e treinados para a tarefa de proteção a
testemunhas, além de um Projeto de Lei inserindo no Código de Processo Penal dispositivo
que priorize a celeridade dos processos que tenham testemunhas e vítimas em programas
públicos de proteção.
71

POSSÍVEL SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 A PROTEÇÃO À VIDA E A PROVA TESTEMUNHAL


1.1 A prova testemunhal como meio de assegurar a apuração do crime e punição dos
criminosos
1.2 O crime organizado no Brasil e os instrumentos legais para enfrentá-lo
1.3 A impunidade e sua recente ascensão
1.4 A corrupção policial

2 O PROGRAMA DE PROTEÇÃO AS TESTEMUNHAS E O DIREITO COMPARADO


2.1 Nos Estados Unidos da América
2.2 Na Itália
2.3 Na Alemanha
2.4 Na Inglaterra

3 O PROGRAMA DE PROTEÇÃO AS TESTEMUNHAS NO BRASIL


3.1 Estrutura e Funcionamento do Programa de Proteção à Vítima e a Testemunhas
Ameaçadas
3.2 Requisitos de ingresso e permanência no programa
3.3 Aspectos de segurança, sigilo e restrições à liberdade do beneficiário
3.4 A participação da sociedade na execução do programa

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

ANEXOS

APÊNDICES
72

ASPECTOS METODÓGICOS

Sendo o Direito em sua maioria pesquisado bibliograficamente, desenvolverei minha


pesquisa através das mais renomadas doutrinas, de jurisprudências e de recentes estudos
acerca deste mesmo assunto.

Além disso, corroborando o que já citei em minha justificativa, o estopim deste projeto
de pesquisa fora um recente enfoque da mídia em crimes ditos “queima de arquivo”. Sendo
assim pretendo viabilizar a execução de uma nova pesquisa, cujo universo será constituído,
em sua maioria, por voluntários do programa e testemunhas que se omitem de prestar
esclarecimentos.

A coleta de dados será feita através de entrevistas, visando a coleta de dados referente o
programa.

A pesquisa ocorrerá na cidade de Fortaleza, durante o ano de 2008, incluindo em seu


cronograma os quesitos abaixo citados:

1. Identificação dos participantes da pesquisa

2. Seleção de perguntas aos participantes

3. Visitas aos locais de pesquisa

4. Coleta de dados

5. Análise dos dados e elaboração do relatório de pesquisa

Também julgo de grande valia a pesquisa documental, que será realizada através da
busca por processos em que o programa de proteção não foi acionado ou não obteve êxito.
73

REFERÊNCIAS

AGUDO, Luís Carlos. Estudos sobre a Lei nº 9.807/99. Proteção a vítimas e testemunhas. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3498>. Acesso em: 21 nov. 2007.

COSTA Jr, Antônio Vicente da. A Proteção ao Réu Colaborador. Artigo publicado no site
http://www.amperj.org.br

JESUS, Damásio de. Justiça e impunidade. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de
Jesus, out. 2000. Disponível em: <www.damasio.com.br>

PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos criminosos? . Jus


Navigandi, Teresina, ano 3, n. 34, ago. 1999. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1004>. Acesso em: 26 out. 2007.

PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99 (proteção às
testemunhas). Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1005>. Acesso em: 21 nov. 2007.

SOUZA, Marcus Valério Guimarães de. A Lei de Proteção a Testemunhas . Jus Navigandi,
Teresina, ano 4, n. 37, dez. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?
id=1006>. Acesso em: 15 out. 2007.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1998.

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