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ARTIGOS

Tema em destaque: Trabalho

Cleito Pereira dos Santos Trabalho, Tecnologia e Vigilância no Capitalismo 10


Contemporâneo

Nildo Viana Inspeção do Trabalho durante o Regime de 15


Acumulação Integral

Leonardo César Pereira Confronto Entre Modelos Explicativos na 20


Compreensão Do Trabalho Infantil

Sherry Max de Souza Política Neoliberal E Sindicalismo No Brasil: Da 30


Oposição À Participação

Tema livre
Maria Angélica Peixoto Educação e Reprodução na Abordagem
Sociológica de Bourdieu e Passeron

Rubens Vinicius da Silva O Papel do Direito no Capitalismo e sua


Inaplicabilidade ao Comunismo
RESENHAS
Século XXI: fim da sociedade do trabalho ou
José Lima Soares
intensificação da jornada?
Resenha do livro Mais Trabalho!

Para compreender o capitalismo contemporâneo


Marcos Lopes
Resenha do livro O Capitalismo na Era da
Acumulação Integral
Trabalho, Tecnologia e Vigilância
no Capitalismo Contemporâneo

Cleito Pereira dos Santos*

Um dos fatos mais relevantes na história do capitalismo é a associação da


tecnologia com os modos de gestão e fiscalização do trabalho. A fábrica moderna
introduziu na divisão do trabalho técnicas e procedimentos referentes à organização da
produção e do processo de trabalho que delimitavam a fiscalização e a disciplina com o
objetivo de reunir e coordenar a força de trabalho conforme os objetivos e interesses dos
capitalistas. A produção ampliada do capital, sua valorização, requer modos de
organizar e gerir que atenda aos propósitos exclusivos do capital.
Analisando o desenvolvimento do capitalismo, Marx (1988) descreve o papel
exercido pela maquinaria na instalação do modo de produção tipicamente capitalista. O
objetivo do capitalista ao introduzir a maquinaria na produção, portanto como capital,
não é aliviar o sofrimento do trabalhador. De acordo com ele, a maquinaria é meio de
produzir mais-valor. Se na manufatura a transformação do modo de produção tem como
ponto de partida a força de trabalho, na grande indústria o meio de trabalho é, então, o
objeto por excelência do revolucionamento da produção. (Marx, 1988, p.5).
A lógica do capital está assentada no fato de que “o revolucionamento do modo de
produção numa esfera da indústria condiciona seu revolucionamento nas outras”. (Marx,
1988, p.13). Desde a análise de Marx, entendemos que a tecnologia se constitui
enquanto elemento essencial à produção de mais-valia e à reprodução das condições
concretas em que ocorre a exploração do trabalho sob a égide do capital. Portanto, “a
maquinaria desde o início amplia o material humano de exploração, o campo
propriamente de exploração do capital, assim como ao mesmo tempo o grau de
exploração”. (Marx, 1988, p. 21). Na extensão da sociedade do capital, a tecnologia
enquanto modo de produção de mais-valor é utilizada como mecanismo de dominação
sobre os trabalhadores.

*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
Marcuse (1996) alertara para o fato da dominação no capitalismo moderno ser,
antes de tudo, tecnológica. Os modos de dominação se externalizam através do uso de
tecnologias que possibilitam a instauração de maneiras específicas de controle e
vigilância apropriadas para a reprodução dos mecanismos sociais de dominação e
subordinação. Nesse aspecto a tecnologia possui viés que informam suas determinações
em cada momento do desenvolvimento sócio-cultural da sociedade.
A tecnologia como modo de produção, como totalidade de
instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era das
máquinas é assim ao mesmo tempo um modo de organizar e perpetuar
(ou mudar) relações sociais, uma manifestação de padrões de
pensamento e comportamento dominantes, um instrumento de controle
e dominação. (Marcuse, 1996, p. 113).
Esta faceta da tecnologia permite entendê-la de modo multidimensional. A
tecnologia tanto pode permitir a liberação do trabalho quanto o seu contrário. Pode
suprimir o esforço excessivo quanto intensificar o controle e a dominação social. Sendo
assim, “a técnica por si mesma pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade,
tanto a escassez quanto a abundância, tanto a extensão quanto a abolição da labuta.”
(Marcuse, 1996, p. 113).
A derrocada do modelo de acumulação taylorista-fordista no final dos anos 1970,
colocou em evidência novas tecnologias de base microeletrônica que impulsionaram e
redefiniram os padrões de dominação e subordinação da força de trabalho. A
microeletrônica e os programas de gestão deram uma nova roupagem para a
organização capitalista do trabalho. A força de trabalho passa a ser gerida através de
meios mais racionais e eficazes de controle; esses meios trouxeram questões
relativamente novas ao universo do trabalho, principalmente no que diz respeito a forma
de ser do trabalhador.
A exigência de polivalência, entendida pelo capital como a incorporação de
algumas habilidades por parte do trabalhador, e o trabalho em equipe são uma expressão
atual da subsunção real do trabalho ao capital. (Antunes, 2000a; Frigotto, 1995) As
múltiplas facetas exigidas de quem executa o trabalho implicara a intensificação da
exploração do trabalho e, consequentemente, a ampliação no número de movimentos e
tarefas elaboradas e/ou executadas no processo de trabalho. A qualificação preconizada
pelas administrações das empresas, aliada com as tecnologias atuais, esconde a forma
integral de extração de mais-valor.
A história da gestão capitalista, especificamente no que diz respeito à produção de
mercadorias, pode ser entendida como a história do desenvolvimento da tecnologia e
das técnicas que dão suporte ao aparato produtivo-social e cultural necessário à
racionalização produtiva. De Taylor passando por Fayol e Ford até chegarmos ao modo
atual de acumulação de capital, o que presenciamos foi a busca constante por melhorias
tecnológicas e aplicação de técnicas que permitissem às empresas reduzir custos e
aumentar a produtividade do trabalho.
Ao definir os ciclos disciplinares, Gaudemar (1991) apresenta a história do
desenvolvimento das tecnologias e, consequentemente, das técnicas que dão suporte a
cada fase da produção capitalista, descrevendo as formas de dominação e subordinação
relativas a cada uma delas. Em outros termos, apresenta-nos os ciclos disciplinares a
partir da emergência de tecnologias utilizadas para racionalizar e intensificar o controle
sobre o trabalho.
Nesse sentido, gestão, racionalização e tecnologia são aspectos relacionados à
questão central da produção capitalista. De outro modo, representam o movimento
constante de absorção e reprodução das condições sociais necessárias à continuidade do
modo de acumulação do capital. Se por um lado a chamada acumulação flexível
(Harvey, 2003) adota um novo padrão tecnológico assentado no uso de tecnologias
flexíveis e na exigência de novas qualificações do trabalhador, por outro, esse mesmo
processo requer a adoção de técnicas disciplinares e de controle adequadas à reprodução
ampliada e integral do capital.
Desse modo, aquilo que convencionamos chamar de reestruturação produtiva
nada mais é que o processo de reordenamento tecnológico e disciplinar típico da era
toyotista de racionalização produtiva do capital. Compreende-se que os modos de
gestão, assim como as tecnologias e a dominação, são transformados pelas exigências
advindas do processo de racionalização produtiva e pelas combinações e recombinações
das formas de exploração do trabalho adequadas a cada padrão de acumulação.
O que é comum aos modos de gestão do capital, seja na modalidade taylorista-
fordista, seja na toyotista, é a tentativa de utilizar ao máximo a capacidade produtiva do
trabalhador, intensificando o trabalho, e a redução de custos das mercadorias. Está é a
história da gestão capitalista do processo de trabalho. Assim, ao redesenhar a produção
e o trabalho, ao flexibilizar a produção e o trabalho, as empresas procuram constituir
formas mais eficazes de controle e disciplina que garantam a permanência da
dominação e da subordinação do trabalhador aos objetivos do capital. O espaço laboral
é um espaço de poder do capitalista sobre os trabalhadores. (Guademar, 1991).
As transformações do trabalho na contemporaneidade, a introdução de novas
tecnologias, tanto de informação quanto da comunicação, alavanca o surgimento de
mecanismos de regulação sobre o trabalho e a vida cotidiana dos trabalhadores.
(Bernardo, 2004 e 1998). A reestruturação produtiva, aliada às novas tecnologias
alteraram as formas de controle e disciplina no trabalho nas empresas. Segundo
Mendoza (1991, p.25):
Las crisis econômica, las experiencias de reestructuración
productiva y las estrategias de flexibilización y desestructuración
laboral están, sin duda, afectando a la nueva configuración de las
formas de disciplinamiento. A ello hay que añadir la incidencia
que la introducción de nuevas tecnologías tiene en la regulación
del comportamiento laboral.
Portanto, ao transformar os espaços de trabalho através do uso de tecnologias, as
empresas estão instaurando modos de subjetivação e controle específicos. No entanto,
ao instaurar novas formas de regulação do comportamento do trabalhador, também
possibilitam que os mesmos tenham acesso a um conjunto de informações que podem
corroborar na criação de resistências à dominação no interior do espaço laboral.
Tomemos como exemplo o setor bancário. As empresas ao introduzir tecnologias
de informação e da comunicação revolucionaram o trabalho bancário. Racionalizaram o
trabalho, reduziram o contingente de trabalhadores nas agências, colocaram à disposição
dos clientes um número significativo de opções de serviços on-line e intensificaram o
trabalho do bancário, que agora atua como um vendedor de produtos financeiros, uma
vez que as operações comuns são realizadas no caixa eletrônico pelos clientes. Além de
terem que cumprir as metas estabelecidas pelas empresas sem participação dos
funcionários.
Por outro lado, ao instalar as tecnologias que permitem a racionalização integral
do trabalho e dos serviços bancários, as empresas tiveram que conviver com o acesso a
um conjunto de informações por parte do funcionário. Essas informações causam
problemas uma vez que os funcionários se comunicam e mobilizam mais rapidamente
para reivindicar questões relativas ao trabalho. Porém, as empresas delimitam os
trabalhadores que terão acesso à internet e, portanto, a informações privilegiadas na
tentativa de conter o acesso generalizado dos mesmos ao sistema tecnológico-
comunicacional típico do atual estágio do capitalismo.
Dessa maneira, observamos que a tecnologia opera como um poderoso sistema
capaz de regular a vida social cotidiana dos indivíduos. (Marcuse, 1996). O capitalismo
moderno transformou a vida social de maneira a instrumentalizar o comportamento
humano em torno de uma racionalidade assentada no processo da máquina e na
eficiência e lucratividade do capital.
Pensar a vida social no capitalismo é lançar luzes acerca do processo de
institucionalização e instrumentalização produtiva da tecnologia. As bases sociais da
tecnologia, suas determinações e limites, pensadas a partir dos elementos que
caracterizam a sociedade produtora de mercadorias.
O comportamento humano é equipado com a racionalidade
do processo da máquina e esta racionalidade tem um conteúdo
social definido. O processo da máquina opera de acordo com as
leis de produção de massa. A eficácia (expediency) em termos de
razão tecnológica é ao mesmo tempo eficácia em termos de
eficiência (efficiency) lucrativa, e racionalização é ao mesmo
tempo padronização monopolista e concentração. Quanto mais
racionalmente o indivíduo se comporta e quanto mais
amorosamente de dedica ao seu trabalho racionalizado, tanto mais
ele sucumbe aos aspectos frustrantes desta racionalidade.
(Marcuse, 1996, p. 120).
As tecnologias atuais inovaram na determinação de modos de controle e
vigilância até pouco tempo desconhecidos. A capacidade manifesta da rede mundial de
computadores serve a objetivos específicos, no que diz respeito às empresas e à gestão
da força de trabalho, no sentido de orientar, codificar e decodificar informações vitais
para o funcionamento do capitalismo na atualidade.
Sem contestar qualquer das possibilidades democratizantes
inerentes à Internet, vale a pena explorar a capacidade da Web
para capturar e controlar, atingir e apanhar, gerir e manipular.
Embora tenham ocorrido muitas mudanças desde o nascimento do
precursor da Internet, um sistema de comunicações militares da
guerra fria, o poder não foi simplesmente descartado como se se
tratasse de um traço infantil. Em vez disso, está agora ligado a
uma ampla vigilância tecnológica cada vez mais integrada. (Lyon,
2004, p. 109-110).
O capitalismo contemporâneo transformou a vida cotidiana à medida que inovou
em termos de introdução de novas tecnologias capazes de permitir uma rápida conexão
entre as mais variadas esferas da vida social. Nesse sentido, a tecnologia, e seus usos,
conformam uma realidade social de acordo com os objetivos e os propósitos da
economia de mercado transnacionalizada. (Schiller, 2002).
Nesta perspectiva, a rede mundial de computadores, que tem possibilitado a
constituição de uma economia digital em escala mundial ainda tímida, capta todos os
movimentos dos seus utilizadores, estabelecendo um sistema eficaz de vigilância e
controle que associado aos objetivos empresariais e governamentais dão a tônica do
desenvolvimento do capitalismo atual. (Schiller, 2002; Lyon, 2004; Castells, 2003;
Bernardo, 2004 e 1998).
Os dados ‘pessoais’ recolhidos na Web são de diversos
tipos. A Internet torna possível novos planos de integração da
vigilância, relacionados com situações de trabalho, administração
governamental, policiamento e, acima de tudo, marketing.
Podemos ver uma câmera de vigilância no centro comercial ou
mesmo suspeitar que mais alguém está a ouvir a nossa chamada
de telemóvel. Mas a vigilância baseada na Internet é bastante mais
subtil. O leitor faz parte de um grupo de utilizadores? Os motores
de pesquisa para ‘encontrar pessoas’, tais como o Altavista ou o
Dejanews, recolhem dados pessoais sobre elas. Visita páginas
Web? Muitas dessas páginas criam automaticamente registos de
visitantes, recolhendo dados directamente do computador do
utilizador, como o tipo de computador, o endereço de correio
electrónico e a página que o leitor visitou anteriormente. A teia é
quase imperceptível e, embora cada movimento da ‘mosca’ a
deixe mais enredada, a ‘mosca’ continua ditosamente
desconhecedora do que lhe está a suceder. (Lyon, 2004, p. 110).
É certo que foi na era moderna que a vigilância tornou-se algo comum e
generalizado no interior da sociedade. Em diversas situações, com diversos propósitos,
é requerido o registro de informações acerca dos indivíduos, sejam trabalhadores ou
não, seja criminoso ou não. Assim, estabelecem-se critérios de controle e vigilância que
determinam o enquadramento do individuo na vida cotidiana.
Nos tempos modernos, contudo, a vigilância tornou-se
muito mais um procedimento habitual e geral, envolvendo a
totalidade de populações nacionais e contemplando um vasto
leque de actividades e situações da vida. Os nascimentos,
casamentos e mortes têm sido registados automaticamente, os
indivíduos têm vindo a ser classificados segundo a idade e o
status para votar em eleições democráticas e os trabalhadores
foram reunidos debaixo do mesmo tecto para facilitar a
supervisão. (Lyon, 2004, p. 111).
Ao mesmo tempo, foi no século XX que estes mecanismos de vigilância foram
intensificados. A própria administração das empresas, a gestão científica, se dedicou a
procurar a maneira mais eficaz e racional de extrair mais-valor e intensificar a vigilância
e o controle sobre o processo de trabalho. A capacidade de reformular a disciplina na
produção e no trabalho torna-se um dos elementos mais importantes da gestão.
O toyotismo empreendeu um movimento de transformações econômicas, políticas
e organizativas nas empresas buscando adequar a produção à acumulação flexível. Para
isso, a gestão do trabalho foi redefinida em termos de novos propósitos produtivos-
organizacionais, procurando incorporar a totalidade do conhecimento do trabalhador de
acordo com os objetivos da lucratividade e da redução de custos.
A gestão capitalista do trabalho, na modalidade taylorista-fordista-keynesiana ou
no toyotismo, objetiva conceber uma forma de racionalizar o uso da força de trabalho
dentro dos padrões empresariais de lucro e produtividade.
A lógica do desenvolvimento capitalista também motivou a
supervisão e a monitoração para maximizar a produtividade e o
lucro. A gestão científica tem representado esta tendência para
uma maior intensidade da vigilância, ao centrar-se em análises
detalhadas de tempo-e-movimento. Em meados do século XX
tornou-se claro que a vigilância era constitutiva da organização
moderna. (Lyon, 2004, p. 111).
Ao caracterizar como vigilância no ciberespaço todas as maneiras de vigilância
presentes nas comunicações intercedidas por computador, Lyon (2004) distingue três
tipos básicos. O primeiro refere-se ao emprego. O segundo a segurança e policiamento e
o terceiro, ao marketing.
A institucionalização das tecnologias de informação e da comunicação à medida
que permitiu o uso de formas de comunicação como o e-mail e a expansão de seu uso
nas empresas, fez com que a supervisão da vigilância assumisse contornos cada vez
mais abrangentes.
Dessa maneira, cada vez mais, as empresas detectam funcionários que utilizam a
rede/internet para enviar mensagens não relacionadas ao trabalho, as demissões por
acesso a material pornográfico e mesmo a troca de informações sobre condições de
trabalho e reivindicações dos trabalhadores são monitoradas pelo sistema de vigilância e
gestão das empresas.1
Em São Paulo, no ano de 2007, o Banco do Brasil foi denunciado pelo Sindicato
dos Bancários por instalar detector de metal para proceder à revista de trabalhadores
contratados e terceirizados que trabalham no Complexo São João. Segundo o
funcionário do banco e secretário de imprensa e comunicação do sindicato, Ernesto
Izumi, após protestos foram suspensas a fiscalização sobre os trabalhadores contratados.
Algum tempo depois, novas manifestações dos bancários fizeram com que a prática
fosse abolida também para os terceirizados.
(http://www.spbancarios.com.br/noticia.asp?c=5179. acesso em 18/09/2007).
A tecnologia ao propiciar a conexão na rede e, consequentemente, possibilitar o
acesso a uma infinidade de informações, também possibilita a constituição do sistema
de controle e vigilância das empresas sobre o universo do trabalho e sobre a atividade
de cada trabalhador.
Em situações relacionadas com o emprego, a monitoração e
as formas de supervisão da vigilância são comuns, pelo que não
surpreende que o crescente uso da internet pelos empregados e,
acima de tudo, o uso do correio eletrônico, tenha criado novos
desafios. (Lyon, 2004, p. 114).
1
No Brasil, em 2001, o Sindicato dos Bancários de Curitiba entregou à Comissão Parlamentar de
Inquérito da Telefonia da Assembléia Legislativa do Estado documentos denunciando a atuação do HSBC
na vigilância de sindicalista e funcionários do banco. Ainda, segundo ex-policial militar, em entrevista à
Folha Online, as atividades já eram realizadas desde 1994 contando com a atuação de vários agentes da
polícia civil, militar e federal. As formas de fiscalização e vigilância nas empresas estão se expandindo
para os meios eletrônicos como câmeras, e e-mail. Confira.: HSBC é acusado de grampear
funcionários; banco nega. In.: Folha Online. www1.folhauol.com.br/folha/brasil/ult96u20506.shtml.
Acesso em 12/11/2007. A própria legislação tem oferecido às empresas o arcabouço legal para tal fim.
Com relação à legislação, confira a decisão do TST que autoriza as empresas a monitorar de forma
“moderada, generalizada e impessoal” os e-mail dos funcionários. A questão é saber o que isso significa
em termos de repressão no trabalho. Confira..: Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 613/2000.
www.tst.gov.br. Acesso em 12/11/2007. Após esta decisão do TST, a Federação do Comércio do Estado
de São Paulo – Fecomércio - editou a cartilha “Monitoramento Eletrônico: sugestões para controle do
uso de e-mails e recursos tecnológicos em benefício da empresa e em favor do bem-estar dos
empregados”. www.fecomercio.com.br/site/downloads/arquivos/arquivo_cartilha_01.pdf- aceso em
12/11/2007. A cartilha contém diversas orientações aos empresários no sentido de implementar controles
eletrônicos sobre os funcionários. O que chama atenção é a lógica do discurso empresarial. Logo de início
está posta a questão do controle do tempo do trabalhador: “este tema é sério porque o mau uso dos meios
tecnológicos pode causar a perda de tempo do funcionário com assuntos particulares (...).” p.06.
Na tentativa de estabelecer a vigilância e o controle sobre as atividades realizadas
no interior das empresas, a gestão empresarial procura implantar medidas técnicas para
impedir determinadas ações dos funcionários no ambiente de trabalho. Os meios
eletrônicos dão à gestão das empresas informações precisas sobre a atividade do
trabalhador durante o horário de trabalho. Estes mecanismos são, hoje, indissociáveis da
administração das empresas. Todos os grupos empresariais possuem sistema de
vigilância eletrônica que, na compreensão dos gestores, contribuem para gerir melhor a
empresa e o trabalho.
Dessa maneira, para fiscalizar o trabalhador e garantir o cumprimento dos
objetivos empresariais,
É instalado um software para gravar e relatar todas as
actividades relacionadas com o uso da Internet e do correio
electrónico. Todas as divisões de serviço de informação
tecnológica das empresas têm a capacidade de localizar o uso da
rede electrónica e vigiar o conteúdo das mensagens de correio
electrónico. Em grande parte da América do Norte, a utilização ou
não desse sistema é considerado um assunto de política interna da
empresa ou da organização. Há alguns anos, uma sondagem a
gestores dos EUA revelou que 22% tinham feito buscas nos
ficheiros de computador dos empregados, no voice mail, no
endereço electrónico e noutras comunicações electrónicas. (Lyon,
2004, p. 115).
Com relação a vigilância relacionada à segurança e policiamento, a questão não é
menos séria. Formam-se grandes empresas de segurança e administração penal tendo
como princípio elementar a vigilância constante da população nas cidades e nas
empresas. Wacquant (2001) nos dá um quadro exato da função do Estado nacional nesta
nova fase do capitalismo. Segundo ele, as políticas neoliberais aplicadas nos EUA
transformaram o Estado norte-americano em um Estado policial. Políticas de
desregulamentação do trabalho e da economia, redução dos benefícios sociais mostram
seus efeitos imediatos no crescimento da população carcerária e na intensificação dos
programas estatais repressivos expressos no programa de tolerância zero aplicado em
New York. Acresce-se a isto, o fato das prisões norte-americanas serem privadas e
teremos a medida certa das políticas neoliberais.
O neoliberalismo implantou medidas econômicas e tecnológicas no sentido de
constituir a esfera do mercado como o mais eficaz instrumento de regulação econômica
e social. O advento das tecnologias de informação e da comunicação coincide com a
emergência do neoliberalismo e a decadência do Welfare State Keynesiano. A crise do
início dos anos 1970, marco das mudanças em curso, solapou a produção fordista e
instituiu a modalidade de reprodução do capital assentada na produção flexível, na
administração por estresse (management by stress), na radicalização do individualismo
e do consumo.
Como conseqüências do neoliberalismo acentuam-se as formas de injustiças
sociais e, nas palavras de Lyon, “a vigilância está claramente relacionada com a
manutenção da desigualdade e divisão social” (Lyon, 2004, p. 119). Portanto, o
desenvolvimento da tecnologia, o advento do toyotismo como modelo predominante da
acumulação do capital contemporânea e o neoliberalismo possuem interligações que
informam os rumos do capitalismo após os anos 1970.
Analisando as novas tecnologias e o processo de globalização, Schiller (2002)
identifica na Internet e no sistema de comunicação com o qual a internet se conecta, a
origem da transnacionalização da economia. Sendo assim, “as redes de computadores
estão a generalizar, como nunca aconteceu até agora, o domínio directo que a economia
capitalista exerce sobre a sociedade e a cultura.” (Schiller, 2002, p. 16). Este autor
caracteriza a fase atual como capitalismo digital, presente nos países desenvolvidos.
Esta fase transforma radicalmente a sociedade e a tecnologia. A política neoliberal e a
economia de mercado redefiniram o uso social da tecnologia. Dotaram-na de um novo
objetivo social, aumentando o poder das empresas e agravando as desigualdades sociais.
Associado ao modelo de gestão toyotista pós-anos 1970, verdadeiras estruturas de
vigilância são criadas para monitorar os utilizadores da rede de computadores. Nos anos
1990, governos e empresas investem em sistemas de vigilância eletrônica com o intuito
de controlar o fluxo de informações e extrair daí material de interesse tanto empresarial
quanto governamental. Segundo Lyon,
O mais conhecido esforço para possibilitar a expansão da
vigilância de segurança na Internet é o chamado Clipper Chip.
Em 1994 o governo dos EUA propôs introduzir um modelo
uniforme de encriptação que iria efectivamente impedir a
proliferação de códigos concebidos para proteger a privacidade
das comunicações electrónicas. Enquanto os utilizadores
individuais poderiam ficar certos de que as suas mensagens
continuariam privadas, a única excepção era a de que, no interesse
da ‘segurança nacional’, os agentes do governo poderiam
interceptá-las, quando fosse apropriado e necessário. (Lyon, 2004,
p. 115).
Quanto à vigilância comercial, marketing, o processo parece mais agressivo e
intenso. As empresas desenvolvem tecnologias que lhes facultam invadir computadores
individuais e de concorrentes visando obter vantagens comerciais. O uso de cartões de
crédito, o dinheiro eletrônico, deixa rastros no ambiente virtual. As informações
relativas aos consumidores são armazenadas, codificadas e comercializadas na forma de
banco de dados e da observação das tendências de consumo.
Os chamados cookies (Client-Side Persistent Information )
concedem amplas capacidades de detecção a empresas, desejosas
de explorar comercialmente os valiosos dados pessoais
segmentados de indivíduos comuns. Os cookies permitem que os
websites armazenem informação acerca dos sites visitados no
disco rígido do utilizador, em seguida lêem a drive cada vez que
um site é visitado para descobrir se o utilizador esteve lá antes.
(Lyon, 2004, p. 111).
De modo geral, as tecnologias disponíveis possibilitam a ampliação da vigilância
em todos os campos da vida social. Tanto no emprego quanto no marketing e na
segurança, as práticas recorrentes visibilizam os mecanismos, cada vez mais presentes,
de controle social através do uso intensivo de tecnologias, sejam elas de informação ou
da comunicação. O capitalismo contemporâneo, redefiniu as formas de vigilância tendo
em vista o enorme aparato tecnológico disponível para estabelecer o controle eletrônico.
A vida cotidiana, o trabalho, o lazer, se encontram cada vez mais imersos nos sistemas
de vigilância preconizados por empresas, governos e instituições, como o modo mais
seguro e eficiente de prevenção contra toda sorte de acontecimentos indesejáveis.
Sob a ordem do capital, o modo de gestão do trabalho contemporânea pressupõe o
uso das tecnologias de informação e da comunicação com o objetivo de afirmar uma
ordem disciplinar e formas de dominação e de subordinação tendo como fundamento a
reprodução e valorização do capital. A tecnologia utilizada como forma de instituir o
poder das empresas, dos gestores, dos capitalistas, no espaço de trabalho.
É sintomático que a vigilância eletrônica apareça de forma mais visível nas
instituições repressivas - polícia, militares - e também nas empresas. Isto torna evidente
que as empresas atuam como instituições repressivas, verdadeiros aparelhos repressivos,
que delimitam e impõem aos trabalhadores os objetivos e as práticas empresariais.
Bernardo (2004) enfatiza a função repressiva das empresas associando-a, no atual
contexto, às práticas do neoliberalismo que se apoiando no discurso do livre mercado
lança mão dos mecanismos de fiscalização e vigilância para gerir as empresas e os
trabalhadores.
O exercício da soberania pelas empresas não se reduz à
aplicação prática de técnicas de organização da força de trabalho,
mas inclui igualmente formas extraconsensuais de repressão,
quando não mesmo formas extralegais. E o neoliberalismo, apesar
de se apresentar como promotor da redução das relações sociais
aos mecanismos de mercado, de modo algum dispensou
modalidades não econômicas de vigilância e de repressão. Pelo
contrário, deu-lhes uma amplitude ainda maior. (Bernardo, 2004,
p. 145).
No entanto, tais práticas contam com uma aliada fundamental. A tecnologia
permitiu às empresas fundirem processo de trabalho e fiscalização. A gama de opções
tecnológicas a disposição dos capitalistas e das empresas permite transformar a gestão
do trabalho, ao mesmo tempo, num processo de repressão e de vigilância eletrônica.
Os serviços de espionagem das empresas e o crescimento do número de agentes
privados de segurança, informam a capacidade repressiva empresarial. Em 1978 a
General Motors possuía 4.200 agentes privados para realizar a vigilância na empresa.
Nos E.U.A as despesas com segurança cresceram da ordem de U$22 bilhões na década
de 1980 para U$ 90 bilhões na década de 1990. Hoje esses valores chegam, com
certeza, a cifras infinitamente maiores. (Bernardo, 2004).
Atualmente, porém, é sobretudo graças à microeletrônica
que as empresas expandem a sua capacidade repressiva. Pela
primeira vez na história da humanidade, a microeletrônica permite
que a fiscalização esteja indissociavelmente ligada ao processo de
trabalho. Esta é uma transformação de conseqüências
incalculáveis, e mal começamos a nos aperceber da sua
amplitude. (Bernardo, 2004, p. 147).
Em síntese, tecnologia, gestão e vigilância eletrônica são elementos importantes
do desenvolvimento capitalista atual. A gestão e a vigilância se confundem com o
processo de trabalho. Ao criar mecanismos eletrônicos de controle e vigilância, as
empresas e seus gestores fomentam a institucionalização da dominação e da
subordinação no trabalho caracterizadas pelas tecnologias, tanto de informação quanto
da comunicação.
Conforme Gaudemar (1991), o modo de acumulação requer um ciclo disciplinar
específico para lhe dar sustentação. Na atualidade, a disciplina e o controle no trabalho
estão profundamente associados às tecnologias contemporâneas e à adoção de
procedimentos e regras de enquadramento social da força de trabalho. Portanto, técnicas
de gestão, gestão científica da força de trabalho são portadoras da racionalidade, da
produtividade, da intensificação do trabalho e do lucro empresarial.
O neoliberalismo redefiniu o uso social da tecnologia. Alinhou-a aos novos
objetivos empresariais na era da transnacionalização do capital e estendeu o domínio da
economia para o conjunto da sociedade e da cultura. Nos dizeres de Schiller (2002), isso
se deve à rede de computadores.
Seguindo a análise de Lojkine (2002), a microeletrônica não representa, por si só,
a superação da divisão do trabalho ou a ultrapassagem do taylorismo. As tecnologias
instauradas a partir da crise do taylorismo-fordismo representam a chegada de um
padrão de acumulação flexível, mas que convive com formas de produção ainda
tributárias do modelo anterior. O toyotismo se apresenta como o modelo predominante
da acumulação atual do capital.
Daí o entendimento que as tecnologias de informação e da comunicação
corroboram para o advento de formas específicas de disciplina, controle e vigilância no
trabalho. Em outros termos, a tecnologia redesenha a dominação do capital e a
subordinação dos trabalhadores no processo de produção.
A gestão do trabalho é um dos pontos fulcrais do desenvolvimento capitalista.
(Heloani, 2003). A valorização do capital significa a adoção de práticas de trabalho e de
dominação capazes de reunir, coordenar e gerir a força de trabalho de acordo com a
lógica da reprodução ampliada do capital. A realização dos objetivos empresariais e
capitalistas requer a permanente alteração do processo de trabalho no sentido de
racionalizar a produção, reduzindo custos e aumentando a produtividade. Isto implica
intensificar, controlar e disciplinar o trabalho.
Para Lima (1996), as novas políticas de recursos humanos centram o foco na
tentativa de absorver as capacidades intelectuais do trabalhador através da busca do
engajamento nos objetivos da empresa. Tais políticas apresentam um cenário de atuação
das empresas cujas metáforas remetem à gramática da guerra. Assim expressões como
gerenciamento estratégico, estratégias de venda, compõem o vocabulário atual dessas
políticas.
O cenário apresentado é de competição extrema em busca da excelência e da
competitividade no mercado aliando inovações tecnológicas e novas formas de
organização do trabalho com investimentos em formação dos trabalhadores e
aparecimento de novos mecanismos de controle. Isto implica a criação de métodos de
gestão apropriados a esta fase da acumulação capitalista e o abandono, senão todo, pelo
menos parte, dos dispositivos disciplinares e organizacionais do taylorismo-fordismo.
(Lima, 1996).
Para alavancar essa arrancada em termos de formação da força de trabalho e dos
novos métodos de gestão, as empresas fizeram proliferar um número crescente de
escolas - universidade, instituto ou centro de formação - com o objetivo de realizar a
formação dentro do próprio espaço de trabalho. Assim, nos EUA, em 1983 existiam 400
endereços comerciais que reivindicavam a chancela de escola superior, universidade,
instituto ou centro de formação. Esse número triplicou em 1998, passando a existir
cerca de 1200 universidades corporativas, ou de empresa. (Schiller, 2002, p. 177-8).
As empresas entenderam que tomando a formação para si poderiam estabelecer
um padrão de trabalhador desejado. Trata-se, pois, de estabelecer formas disciplinares
que garantam a adoção dos métodos de gestão preconizados e instituídos pelas empresas
capitalistas. A dominação e a subordinação nos espaços de trabalho pressupõem a
formação de uma mentalidade engajada nas determinações empresariais. De acordo com
Lima (1996), a personalidade requerida pelas novas políticas de recursos humanos
possui as seguintes características:
Altamente competitivo e, ao mesmo tempo, altamente
cooperativo; muito individualista e, ao mesmo tempo, capaz de
trabalhar em equipe (ele deve ser extremamente individualista e
ter um forte espírito de equipe); capaz de tomar iniciativa e, ao
mesmo tempo, de se conformar completamente às regras ditadas
pela organização; muito flexível e, ao mesmo tempo, muito
perseverante indo até a uma meticulosidade que poderíamos
considerar como excessiva (perfeccionismo); um indivíduo que se
percebe como ‘sujeito do seu destino’ e ‘criador de sua história’ e,
ao mesmo tempo, completamente integrado, identificado e
conforme à empresa. Esta deve ser, de preferência, idealizada;
capaz de reagir rapidamente e de se adaptar às mudanças;
‘jogador’, isto é, sentir prazer no risco e ser, além disso, um
vencedor, um estrategista, um guerreiro; capaz de adquirir
continuamente novos conhecimentos em domínios variados; fiel e
leal à empresa; ascético: lutar contra as exigências do corpo e se
superar fisicamente; capaz de embotar sua sensibilidade, o que vai
lhe permitir cometer os atos mais aberrantes, mais expressivos de
traição, com uma espécie de apatia que oculta as paixões;
manipulador, delator; controlado, especialmente a nível do
pensamento, que deve ser um pensamento operatório; teatral,
especialmente o gerente deve saber jogar com as aparências. (...);
justo, sensível, compreensivo e, ao mesmo tempo, duro e
impiedoso (especialmente o gerente); desconfiado e ser, ao
mesmo tempo, íntimo, próximo e comunicativo; duro, viril,
exigente e forte (conduta fálica) e ao mesmo tempo charmoso,
persuasivo, sedutor e sorridente (modelo feminino); capaz de
auto-superar; megalomaníaco; capaz de sublimar (ser criativo) e
de estabelecer, ao mesmo tempo, uma relação de identificação e
de idealização com a empresa (ser um ‘fanático da empresa’.
Enriquez apud Lima, 1996). O gerente deve eliminar a dúvida, a
angústia e o remorso; deve ser narcisista e ao mesmo tempo
flexível; deve saber ‘comunicar’, ‘animar’ e ‘persuadir’, ter uma
personalidade ‘como se’ (as if), e se comportar sempre ‘como se
estivesse bem consigo mesmo, como se gostasse verdadeiramente
dos outros’. (Enriquez apud Lima). (Lima, 1996: 44-45).
O trabalhador idealizado e formado pelas empresas deve possuir e/ou adquirir este
tipo de personalidade. A manipulação psicológica (Heloani, 2003) assume uma
intensidade e ultrapassa o terreno exclusivo do ambiente de trabalho. A racionalidade do
capital ultrapassa as fronteiras dos espaços de trabalho e invade a totalidade da
sociedade e da cultura. As empresas estenderam seus domínios para todos os aspectos
da vida social, integrando atividade produtiva com lazer e formação.
O trabalhador da era toyotista possui características singulares que associadas com
as inovações tecnológicas e com as novas formas de organização e gestão do trabalho e
das empresas formam um conjunto típico e apropriado à reprodução do capital e à
extração de mais-trabalho. Em suma, a adoção de novos princípios organizativos e
disciplinares implica a criação de um tipo particular de força de trabalho, o trabalhador
adequado à acumulação flexível, que aliada às novas tecnologias configura o objeto de
desejo do capital.
Portanto, o que se coloca desde as análises de Gramsci (1984), em Americanismo
e Fordismo, e Harvey (2003) é a dinâmica do capital para criar, a cada fase de
acumulação, um tipo específico de trabalhador necessário à produção da mais-valia. A
tecnologia, seus usos, opera, também, como uma maneira de realização do capital. Marx
(1988), descrevia a produção capitalista como consumo da força de trabalho e ao
consumi-la o capitalista necessita de meios capazes para extrair o máximo das
capacidades do trabalho contratado. O tempo de trabalho constitui, pois, desde a análise
de Marx, o elemento que brilha nos olhos do capitalista sedento por usufruir ao máximo
da capacidade do produtor de mercadorias.

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Inspeção do Trabalho Durante o
Regime de Acumulação Integral

Nildo Viana*

A Inspeção do Trabalho, desde seu surgimento, vem se configurando sob diversas


formas no decorrer de sua história. Em cada país isto ocorre de maneira peculiar.
Porém, nos dias atuais, a Inspeção do Trabalho vem enfrentando problemas semelhantes
na maioria dos países do mundo juntamente com os problemas específicos de cada país.
Buscaremos, aqui, articular uma percepção tanto dos problemas específicos quanto
daqueles que podem ser considerados gerais no sentido de compreender as tendências
contemporâneas da Inspeção do Trabalho.
Apresentar um balanço sobre os problemas e tendências da Inspeção do Trabalho
no mundo contemporâneo encontra algumas dificuldades que devem ser reconhecidas.
Sem dúvida, não é preciso justificar a impossibilidade de abordar a Inspeção do
Trabalho em todos os países do mundo, tanto pela extensão de um estudo desta natureza
quanto pela falta de informação detalhada sobre um considerável número de países. Por
conseguinte, o nosso trabalho buscará apresentar, num nível mais abstrato, as tendências
da Inspeção do Trabalho em nível mundial, acompanhada por uma análise num nível
mais concreto, abarcando grupos de países que possuem semelhanças no processo social
e de produção, ilustrando com alguns exemplos concretos de um país ou mais. Os países
que servirão de exemplo, neste caso, foram selecionados pelas informações disponíveis
ou por sua representatividade da situação de diversos países em condições semelhantes.
INSPEÇÃO DO TRABALHO E ACUMULAÇÃO INTEGRAL
As mudanças que atualmente ocorrem no mundo contemporâneo colocam
diversas questões para a Inspeção do Trabalho. Uma delas está intimamente ligada à
questão da chamada “reestruturação produtiva” e ao Direito do Trabalho. Em primeiro
lugar, cabe reconhecer que as mudanças que vem ocorrendo no mundo contemporâneo
 que vêem sendo denominadas como “globalização”, “reestruturação produtiva”,
“neoliberalismo”, “revolução tecnológica”, etc.  provocam alterações nas relações de
trabalho, no direito e na política. Na verdade, são mudanças que atingem todas as
*
Doutor em Sociologia pela UnB; Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG – Universidade
Federal de Goiás.
esferas da vida social. Estas mudanças são oriundas da formação de um novo regime de
acumulação, que emerge a partir dos anos 1980 e que se torna hegemônico
mundialmente a partir de 1990, o que marca a era da acumulação integral. O regime de
acumulação integral muda a formação estatal, que passa a ser neoliberal, o processo de
trabalho e valorização, comandado pelo toyotismo, e as relações internacionais, a partir
da emergência de um neoimperialismo (Viana, 2009).
O que nos interessa aqui são os aspectos destas mudanças que atingem a Inspeção
do Trabalho. Em primeiro lugar, nos interessa as mudanças que ocorrem no processo de
trabalho, mais especificamente, no mundo da legislação trabalhista. Isto se justifica pelo
fato de que, tal como colocou Sadi Dal-Rosso, todo trabalho segue normas. Estas se
referem ao montante de salário, ao tempo de trabalho, etc., e podem ser implícitas ou
explícitas. Segundo Sadi Dal-Rosso, “a origem destas normas está na legislação do
Estado e nas Convenções Coletivas entre empregadores e empregados, hodiernamente.
Uma terceira fonte de normas provém das práticas cuja origem se perde no tempo, mas
que ganham foros de legitimidade” (Dal Rosso, 1996).
A Inspeção do Trabalho tem como fundamento a existência destas normas. Sem
dúvida, somente existindo normas e, mais ainda, a infração das normas, é que se
justifica a existência da Inspeção do Trabalho. Quais são estas normas? São as normas
que regularizam as relações de trabalho e que são, de uma forma ou de outra,
reconhecidas pelos dois lados que se relacionam neste processo: o capital e o trabalho.
Trata-se da legislação trabalhista. Portanto, a legislação trabalhista é a fonte da Inspeção
do Trabalho. É a existência de leis que regulamentam as relações trabalhistas e a
infração destas leis que tornam necessário a figura do inspetor do trabalho.
As mudanças no mundo contemporâneo provocam alterações nas relações de
trabalho e na legislação. Aliás, pesquisas recentes demonstram que o Direito em geral, e
não apenas a legislação trabalhista, vem sofrendo grandes mudanças (Faria, 1996).
Ocorre, neste contexto histórico, mudanças na esfera do direito e da legislação, sendo
que o processo de “desregulamentação” das relações de trabalho e a chamada
terceirização apresentam o ponto mais importante para o nossa análise. Isto se apresenta
hoje como uma tendência mundial, pois ocorre no bojo de um processo de generalização
mundial de novas relações sociais e novas tecnologias que expressam uma atualização
subordinada dos países “em desenvolvimento” em relação aos chamados
“desenvolvidos”. Entretanto, esta atualização subordinada (que também pode ser
chamada de reconversão capitalista), cuja subordinação expressa as relações
internacionais desiguais, um aumento da exploração internacional através de um
neoimperialismo, não ocorre sem contradições, sem resistências e sem especificidades
(Viana, 2009). A desregulamentação nos países “em desenvolvimento”, por exemplo, é
um processo de degradação ainda maior da situação dos trabalhadores, tendo em vista as
condições desfavoráveis sob as quais eles já viviam.
Como sobrevive a Inspeção do Trabalho neste contexto onde diminui a
intervenção estatal e o direito e a legislação trabalhista são solapados? Portanto, o
problema que nos é colocado é como a Inspeção do Trabalho sobrevive neste contexto e
quais são as suas perspectivas. A Inspeção do Trabalho, para existir, necessita se
consolidar e cumprir efetivamente sua missão de proteção dos trabalhadores, e para isso
pressupõe algumas condições de possibilidade: a produção de uma legislação
trabalhista, a formação de um corpo de inspetores de trabalho com poderes e condições
de efetivar suas funções e uma pressão social por parte dos segmentos sociais
beneficiados por ela (Viana, 1999). Sem dúvida, a própria legislação trabalhista é
produto da ação social que exige reconhecimento de direitos mas a pressão social que
nos referimos é posterior, ou seja, é aquela que se efetiva tendo por base uma legislação
trabalhista. Ocorre, porém, que hoje é a própria legislação trabalhista que é palco de
disputas entre diversos setores da sociedade. Podemos dizer que existe uma
simultaneidade do avanço do movimento operário e do avanço da legislação trabalhista.
Por avanço da legislação trabalhista consideramos tanto o aumento do número de leis
quanto as alterações das leis existentes no sentido da proteção e bem estar dos
trabalhadores. Por avanço do movimento operário nos referimos ao desenvolvimento da
auto-organização, de organizações, manifestações, mobilização, greves, etc., e da
influência deste movimento sobre os outros setores da sociedade, bem como as
conquistas referentes ao seu bem-estar e a sua participação política.
O caso da França é semelhante ao ocorrido nos demais países altamente
industrializados. Em todos os países a ascensão do movimento operário é acompanhada
pelo avanço na legislação trabalhista. Os períodos históricos onde isso ocorre é diferente
dependendo do país mas a relação entre movimento operário e legislação trabalhista é
inquestionável. O recuo do movimento operário traz consigo a estagnação ou retrocesso
da legislação trabalhista. Isto é produto das lutas sociais que ocorrem no mundo
contemporâneo, cujo resultado apresenta o fortalecimento das posições da classe
capitalista que busca combater a queda da taxa de lucro médio através de uma série de
medidas (chamadas “neoliberais”, “reestruturação produtiva”, “globalização”) que
significam a perda de direitos já conquistados pelos trabalhadores.
Dentre estas medidas, as que atingem a Inspeção do Trabalho são, principalmente,
a diminuição das despesas do setor estatal, a desregulamentação das relações de
trabalho (que atinge a legislação trabalhista) e a chamada terceirização (em alguns de
seus aspectos). A diminuição das despesas do setor estatal pode, no caso de alguns
países, atingir direta ou indiretamente os recursos utilizados para a manutenção da
Inspeção do Trabalho. Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, a política
neoliberal realizou cortes orçamentais importantes com o objetivo de diminuir o déficit
federal, isto sem falar em medidas que levaram à compressão de pessoal e de créditos.
Isto comprometeu a ação relacionada com a higiene, segurança de trabalho, entre outros
setores de atuação em matéria de proteção dos trabalhadores. A desregulamentação
corrói as bases de uma ação efetiva da Inspeção do Trabalho. O processo de
desregulamentação está mais adiantado em alguns países do que em outros, mas reflete
uma tendência geral do capitalismo contemporâneo. Na França, Argentina, México,
Portugal e muitos outros países, se vê um processo de retirada de garantias para os
trabalhadores.
Este processo de desregulamentação se inspira no chamado “modelo japonês”
(Viana, 2009; Coriat, 1992). Este foi aplicado e desenvolvido pioneiramente “nos dois
países onde a classe operária é mais fraca, Japão e Estados Unidos. O Japão é um dos
países anti-sindicato mais fortes. Nos Estados Unidos a introdução do ‘modelo de
produção japonês’ requereu o desmantelamento sob a administração de MacArthur, do
movimento operário de classe. O modelo japonês requer o enfraquecimento sistemático
das organizações sindicais nas fábricas e a introdução de estruturas trabalhistas e
mercantis que atuam contra a coesão do movimento operário” (Navarro, 1995).
A desregulamentação e a terceirização são fenômenos que surgem acompanhados
pelo crescimento do desemprego, pela expansão do trabalho à domicílio, etc. No caso
do trabalho à domicílio, o que se verifica é que os trabalhadores desempenham suas
funções em casa e ao invés de receberem um salário pelo trabalho executado recebem
por produção, o que faz com que eles, por conta própria, aumentem sua jornada de
trabalho para aumentar sua renda. As conseqüências disto para o trabalhador são
extremamente negativas do ponto de vista físico e mental e não existe nenhuma
regulamentação legal sobre os limites e formas de contrato ou acordo entre o
trabalhador e o contratante, o que torna impossível a fiscalização deste tipo de trabalho.
Outras dificuldades vêem surgindo com a Inspeção do Trabalho, tal como o caso
da duração do trabalho, onde a fragmentação e a heterogeneidade permitem uma
elasticidade muito grande no uso do tempo na jornada de trabalho e simplesmente não
existem normas jurídicas adequadas para permitir uma fiscalização efetiva neste caso.
Neste sentido, não só a desregulamentação como também a terceirização (no caso de
subcontratados domiciliares), o desemprego e outros fenômenos contemporâneos vêem
limitando o espaço de atuação da Inspeção do Trabalho. Embora uma
“desregulamentação total” das relações de trabalho seja algo quase impossível, o
aprofundamento da tendência neoliberal pode reduzir o campo de atuação da Inspeção
do Trabalho à um mínimo necessário, sendo que este seria definido pelo Estado no
contexto de uma determinada correlação de forças entre empregadores e trabalhadores.
A redução a este mínimo necessário de Inspeção do Trabalho pode significar, entre
outras coisas, a diminuição do número de inspetores do trabalho e dos recursos
colocados à sua disposição (infra-estrutura técnica, física, administrativa). Por
conseguinte, a tendência geral, desde que persista o predomínio das forças neoliberais, é
de solapamento das bases (jurídicas, humanas, estruturais, etc.) da Inspeção do
Trabalho.
Esta tendência mundial é bastante sombria, mas reflete a emergência e
consolidação do regime de acumulação integral. Porém, também existem
contratendências. Estas contratendências se manifestam tanto nas denúncias e propostas
alternativas moderadas oriundas do movimento sindical e de outros setores da sociedade
civil (movimentos sociais, intelectuais, etc.). Estas contratendências não são suficiente
para alterar a tendência geral, mas caso haja ascensão das lutas dos trabalhadores, é
possível o surgimento de contratendencias que podem atuar no sentido de reforçar a
Inspeção do Trabalho tanto no que diz respeito a manter e melhorar sua estrutura e
capacidade de atuação quanto na elaboração de uma nova legislação trabalhista, não só
mantendo as conquistas já existentes como também aperfeiçoando e melhorando o
conjunto de leis que protegem os trabalhadores. Inclusive, percebendo o surgimento de
novas relações de trabalho, contemplar os interesses de trabalhadores submetidos à
novas formas de exploração descontrolada, tal como os subcontratados à domicílio,
entre outros. Porém, esta possibilidade não vem se concretizando, sendo uma
possibilidade que depende das lutas sociais.
INSPEÇÃO DO TRABALHO NO CAPITALISMO SUBORDINADO
As tendências no que diz respeito a Inspeção do Trabalho em diversos países do
mundo possui uma direção geral comum convivendo com características particulares
que só existem em um conjunto de países cuja situação na divisão internacional do
trabalho é semelhante. Aqui trataremos destas tendências diferenciais, ou seja, da
diferenciação de tendências em dois blocos de países, o bloco do capitalismo
imperialista e o do capitalismo subordinado. Sem dúvida, há também o caso dos países
do Leste Europeu, entre outros, que não estão exatamente nestes blocos, mas que por
falta de informações mais precisas deixaremos de lado.
No capitalismo subordinado, os efeitos da instauração do regime de acumulação
integral têm repercussões na Inspeção do Trabalho. A instauração de novas tecnologias,
que acompanham o processo de desregulamentação, cria problemas novos que são
derivados dos riscos profissionais de acidentes e para a saúde, que é resultado dos
produtos, substâncias e processos da fabricação de novas mercadorias. As novas
tecnologias também criam uma diferenciação na forma de trabalho que dificulta a
Inspeção do Trabalho. Segundo Yves Roupsard, “o progresso técnico não tem se
traduzido por um desenvolvimento linear da saúde dos trabalhadores. Dos novos riscos
que são apontados, relacionados precisamente ao desenvolvimento das tecnologias
(radiação ionizante,...), às novas formas de organização do trabalho (fadiga, stress, ...), à
intensificação do trabalho (perturbações músculo-esqueléticos) e à precariedade dos
empregos. A absorção de medicamentos é um revelador destes fenômenos” (Roupsard,
1997, p. 142).
Apesar da implantação de novas tecnologias também ter alguns efeitos positivos,
tal como a possibilidade do corpo de Inspeção do Trabalho utilizar os recursos da
informática (nos casos em que isso efetivamente acontece) e a superação de alguns
riscos profissionais mais antigos, não se deve perder de vista que a implantação de
novas tecnologias traz novos e mais problemas para os trabalhadores e a Inspeção do
Trabalho, o que não deve ser descartado em uma análise do desenvolvimento da
Inspeção do Trabalho, tanto no capitalismo subordinado no capitalismo imperialista.
No caso da América Latina, a transição de regimes ditatoriais para regimes
democráticos forneceu um incentivo maior para a consolidação da Inspeção do
Trabalho. Embora não se possa considerar nenhuma grande conquista essas alterações,
elas pelo menos possibilitaram um renascimento que, por mais precário que seja, era
necessário, para um desenvolvimento posterior.
Além disso, segundo o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial em 1995, do
Banco Mundial, os países de capitalismo subordinado, de “renda média e baixa”, não
possuem “capacidade administrativa para fiscalizar o cumprimento das disposições
sobre o salário mínimo” e também sobre os padrões de saúde e segurança; embora seja
discutível que a razão disto seja apenas a falta de capacidade administrativa, pois, afinal,
as prioridades dos governos determinadas pela correlação de forças entre os setores da
sociedade é fundamental para explicar isto. Se lembrarmos que os salários baixos
beneficiam os empregadores, pois isto aumenta sua taxa de lucro, então veremos que
existem fortes interesses em favor desta realidade que, sem dúvida, pressionam os
governos. Isto sem falar das multiplicidades de diferenças entre tais países, sendo que
alguns possuem mais condições administrativas do que outros. Segundo este mesmo
Relatório, “independentemente de seu impacto potencial, em muitos países muitas vezes
não é imposta a aplicação do salário mínimo. Pesquisas em domicílios indicam que no
México, em 1988, 16% dos trabalhadores de tempo integral do sexo masculino e 66%
do sexo feminino recebiam menos do que o salário mínimo. No Marrocos, metade das
empresas pesquisadas em 1986 pagava menos do que o salário mínimo aos
trabalhadores não especializados” (Banco Mundial, 1996). A figura abaixo coloca a
situação precária de cinco países.
Neste contexto, o movimento rumo a desregulamentação nestes países
proporciona um efeito muito mais forte do que nos países imperialistas (Europa,
Estados Unidos, etc.). No caso dos países de capitalismo subordinado, a
desregulamentação vem acompanhada muitas vezes por uma política de austeridade e a
sua legislação trabalhista sofreu sérios revezes, sendo que em alguns países o direito de
greve perdeu praticamente todo o seu respaldo legal. O caso da Argentina é o exemplo
de desregulamentação mais drástico, mas também no Peru e em outros países tal
processo tem levado a criação de uma situação de extrema marginalização social. A
desregulamentação nestes países conta com a pressão de organismos internacionais, em
especial o Fundo Monetário Internacional.
Não-Observância de Padrões Nacionais de Trabalho por
Microempresas

100
80
60
40
20
0
Níger Suazilândia Argélia Tunísia Jamaica

Padrões de Saúde e Segurança Salário Mínimo

Fonte: Banco Mundial. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial/1995, Washington,


1996, p. 87.
Observação: não há dados sobre o salário mínimo na Tunísia.

Nos países imperialistas, a situação é marcada por uma elevada taxa de


desemprego, acompanhada por dificuldades econômicas e indefinições do futuro
próximo. O novo regime de acumulação cria uma grave situação social que propicia
campo para o desenvolvimento do fascismo e neonazismo, sendo que isto já é uma
realidade, pois diversas organizações e até partidos com esta tendência vêem se
proliferando nestes países (e não só nestes como em todo mundo, embora o racismo, a
xenofobia e o preconceito étnico sejam mais fortes aí devido a convivência de altas
taxas de desemprego com um grande número de imigrantes, o que faz com que seja fácil
culpar estes últimos, assim como os nazistas fizeram com os judeus, pelos males que
assolam a Europa). Portanto, trata-se de uma situação em que os conflitos sociais
tendem a se acirrar. Neste contexto, a Inspeção do Trabalho vem sofrendo sérios golpes
em tais países.
Já citamos o caso da França e de Portugal, mas isto é apenas uma parte da história.
Na Inglaterra há uma verdadeira transformação nas relações de trabalho que afetam
diretamente os trabalhadores e a Inspeção do Trabalho. A política governamental busca
a “suavização” do mercado de trabalho e a “compressão das despesas públicas”. Como
os sindicatos significavam obstáculos à efetivação de tal política, “diversas leis e
regulamentos relativos às modalidades de reconhecimento dos sindicatos, ao apoio à
negociação das condições de trabalho, aos justos salários e às portarias dos conselhos
dos salários foram abolidos ou modificados. Foram impostas restrições a certos tipos de
greves. A proteção do emprego individual recuou também ela: tornou-se mais difícil
para o trabalhador recorrer ao tribunal do trabalho em caso de despedimento
considerado injustificado, o direito ao salário garantido diminuiu e as disposições
relativas à maternidade tornaram-se menos favoráveis. Além disso, certos
estabelecimentos pequenos foram dispensados de observar certas regras da lei sobre a
higiene e a segurança do trabalho e as restrições da duração do trabalho das mulheres
foram abolidas” (RIT, 1992, p. 29).
Os Estados Unidos é outro exemplo de desregulamentação. Com o objetivo de
diminuir a intervenção do Estado e de abolir a regulamentação federal, o governo, a
partir de 1975, começou um embate com diversos setores da sociedade (sindicatos,
movimentos sociais, organizações de consumidores, etc.). houve compressões de
pessoal e de créditos orçamentais que “enfraqueceram a ação conduzida pela
Administração da Higiene e da Segurança do Trabalho para melhorar o meio de
trabalho; a sua intervenção para fazer observar as normas também diminuíram em
número e em rigor. Certos observadores acham que a aplicação da legislação sobre a
negociação coletiva, as normas eqüitativas de trabalho e a não discriminação tornou-se
também ela menos severa, enquanto que se punha um travão ao crescimento dos salários
mínimos que, por esse motivo, chegaram, em valores reais, ao nível mais baixo das três
últimas décadas” (RIT, 1992, p. 30).
A implantação de novas tecnologias também atinge as condições de trabalho
nestes países, mas com algumas diferenças, tais como sua implantação anterior e mais
intensiva, o que provoca diversos problemas, levando-se em conta o que foi dito
anteriormente.
Em síntese, podemos dizer que a Inspeção do Trabalho vem tendo suas bases
corroídas por diversos fatores em todo o mundo, onde se destaca o processo de
desregulamentação. A realidade atual da Inspeção do Trabalho no mundo é marcada
pelo retrocesso e a tendência geral é de aprofundamento desta situação. Como
colocamos anteriormente, existem contratendências, mas estas são mais fracas e são
representadas pelo movimento operário, movimentos sociais e outros setores da
sociedade que querem evitar o retorno da barbárie e cuja manifestação concreta depende
da ação prática de indivíduos e grupos no sentido de criar uma correlação de forças
favorável à classe trabalhadora.
O QUE SE PENSA HOJE SOBRE
O FUTURO DA INSPEÇÃO DO TRABALHO
Tendo em vista o quadro apresentado anteriormente, cabe perguntar o que se
pensa hoje sobre o futuro da Inspeção do Trabalho. Alguns pesquisadores, organizações
sindicais e instituições apresentam algumas posições a respeito do futuro da Inspeção do
Trabalho.
A CGTP-IN, corrente sindical portuguesa, num documento para o seu 8o
Congresso, afirma que “os governos, cedendo às exigências do patronato, têm vindo a
proceder à alteração da legislação laboral numa linha de desregulamentação das
relações de trabalho, visando enfraquecer a luta dos trabalhadores e dos sindicatos”. Ao
constatar a tendência à desregulamentação apresenta uma perspectiva não tão otimista
quanto a anterior, mas também não cai no fatalismo e propõe colaborar com a alteração
deste quadro através de uma série de propostas, entre as quais a da participação dos
trabalhadores na elaboração da legislação trabalhista e lutar “por uma Inspeção do
Trabalho autônoma e eficaz”.
O ponto de vista da UNAS/CGT  União Nacional dos Trabalhadores Sociais
(Union Nationale des Affaires Sociales) — Confederação Geral dos Trabalhadores, da
França, tal como expresso em seu Projeto de Documento para 11o Congresso da UNAS,
apresenta uma perspectiva semelhante. Para tal corrente sindical, existe uma ofensiva
neoliberal que busca corroer as conquistas dos trabalhadores e a legislação trabalhista.
Segundo o referido documento, “no próprio seio da Administração do Trabalho do BIT,
encontra-se assim posta a questão da legitimidade da intervenção do Estado nas
empresas em primeiro plano está a da Inspeção do Trabalho. As convenções da OIT,
como normas jurídicas internacionais protetoras dos trabalhadores, são igualmente
visadas (lembremos que até agora, os EUA ratificaram apenas 12 convenções, das quais
apenas 10 permanecem em vigor, sobre as 177 existentes). Ao contrário, preconiza-se
uma nova abordagem, fundada na adoção de cláusulas sociais, no quadro dos mercados
comerciais, ‘normas contratuais’, aceitáveis e aceitas pelos patrões”. A perspectiva não
é nada otimista e a proposta alternativa é buscar contornar tal situação, revertendo a
tendência predominante, tanto através da busca de uma reorientação da política estatal
quanto de propostas para questões específicas.
O sociólogo Sadi Dal-Rosso, se referindo ao futuro da Inspeção do Trabalho no
Brasil, mas que é uma perspectiva generalizável ao mundo inteiro, coloca que “a
efetividade da Inspeção do Trabalho depende essencialmente do crescente engajamento
da sociedade e de suas organizações nas atividades de controle das condições de
trabalho. Compartilho da convicção de que a existência de um serviço estatal de
inspeção, amplo, abrangente, descentralizado, dotado de quadros de pessoal treinados e
em contínuo aperfeiçoamento, bem remunerados, com adequadas condições de trabalho,
pode obter resultados significativos de obediência aos regulamentos do trabalho. Mas o
serviço estatal é insuficiente para fazer com que avancem as relações de trabalho. Será
necessário condividir com estruturas da sociedade civil, sejam sindicatos, sejam as
organizações não governamentais, sejam as comunidades de bairro, sejam inclusive os
grupos de defesa ecológica ou de defesa dos direitos de segmentos específicos da
população (crianças, adolescentes, mulheres, idosos, portadores de defeitos físicos, etc.),
a tarefa da Inspeção do Trabalho. Estou estabelecendo como elemento imprescindível
para o bom desempenho da Inspeção do Trabalho, a participação da sociedade. A
criatividade dos movimentos sociais poderá determinar as maneiras pelas quais tomará
lugar essa participação. Mas para que sejam transformadas as relação de trabalho no
Brasil é necessária a participação cada vez mais ampla da sociedade” (Dal-Rosso, 1996,
p. 383-384).
Sem dúvida, aqui se apresenta uma perspectiva que aponta para a necessidade da
participação social para que a Inspeção do Trabalho possa cumprir com o seu papel. A
efetivação da Inspeção do Trabalho depende desta participação e a perspectiva de futuro
para a inspeção só pode ser avaliada no interior deste contexto de mais ou menos
participação social na inspeção.
Para Denis Troupenat, Secretário da Federação de Serviços Públicos da França, a
Inspeção do Trabalho tem sido objeto de modificações sucessivas e profundas que
tendem a mudar sua finalidade dominante de proteção dos assalariados. Segundo ele, a
elaboração de um direito fixando as obrigações do patronato numa sociedade capitalista
e a intervenção do Estado para se aplicar o direito “constitui-se numa contradição”, mas
que é “resultado do movimento social e da relação de forças”. A fase atual não escapa
desta apreciação, pois ela corresponde às mudanças em uma sociedade entrando para o
capitalismo em crise dentro de um período de reestruturação (Troupenat, 1987). Esta
posição, que apresenta muitos elementos em comum com a anterior, aponta para uma
perspectiva pessimista quanto ao futuro da Inspeção do Trabalho, mas que não se limita
a isto e entrevê a possibilidade de alteração do quadro através de uma nova correlação
de forças.
Dughera, Lenoir, Ricochon e Triomphe (respectivamente, Administrador Civil,
Diretor Departamental do Trabalho, do Emprego e da Formação Profissional; Delegado
Regional de Formação Profissional; Diretor Adjunto do Trabalho) apresentam uma
visão que aponta para o reconhecimento da insuficiência do estabelecimento local de
trabalho como objeto da ação de inspeção devido ao fato de que hoje existem novas
modalidades de empresas e uma disparidade no mundo do trabalho. A realidade
contemporânea apresenta uma multiplicação de precariedade de emprego. Dentro deste
quadro, é necessário, segundo eles, “complexificar a idéia de proteção dos
trabalhadores”, pois só assim se pode dar conta da realidade multifacetada do mundo do
trabalho e efetivar uma inspeção eficaz. Portanto, a Inspeção do Trabalho deve “buscar
uma nova legitimidade” e para isso um conjunto de medidas devem ser tomadas
(Dughera et al., 1993). As perspectivas neste caso são apontadas para uma visão das
mudanças sociais e da necessidade de adaptação da Inspeção do Trabalho frente a esta
nova realidade, embora tal posicionamento deixe de lado diversos aspectos das
mudanças sociais, tal como o problema da desregulamentação e da ação estatal no
sentido de cortar gastos e fazer outras alterações que prejudicam a Inspeção do
Trabalho.
Pierre Auvergnon, da Universidade de Bourdeaux I, coloca que o contexto atual
de “crise do sindicalismo”, a carência de representação de pessoal, entre outros fatores,
tem reforçado as dificuldades encontradas pela Inspeção do Trabalho. Juntamente com
isso, o debate sobre a flexibilidade do direito do trabalho coloca em questão a própria
inspeção. O sentido em que se dá a esta flexibilidade pode ser extremamente prejudicial,
mas também é possível que uma mudança no direito do trabalho seja útil, desde que
leve em consideração os diferentes interesses dos assalariados. Se isto se efetivasse,
ocorreria uma verdadeira “renovação na prática da inspeção”. Por conseguinte, a
reforma do direito do trabalho é considerada por ele como um elemento importante para
se definir o destino da Inspeção do Trabalho, sendo que somente se a reformulação se
fizer num sentido favorável aos assalariados é que os resultados serão positivos
(Auvergnon, 1996).
A pesquisa realizada por Jacques Freyssinet sobre o “tempo de trabalho em
migalhas” apresenta um estudo sobre as mudanças na duração do trabalho e suas
conseqüências para a Inspeção do Trabalho. Para ele, a multiplicação de inovações
legislativas e convencionais acabaram criando uma situação complexa onde a duração
hebdomadária deixa de constituir uma base de cálculo. Novas formas de organização do
tempo de trabalho e soluções diferenciadas são adotadas em diferentes categorias de
pessoal. Mas isto ocorre num contexto marcado por dificuldades e resistências. Desta
forma, cria-se arranjos práticos de acordo com a correlação de forcas dentro dos
coletivos de trabalho. Mas isto não significa que o empregador tenha se tornado todo-
poderoso e sim que há um deslocamento da natureza da repressão, que em grande
proporção deixa de ser resultado das normas jurídicas e passa a ser mais o resultado da
força e resistência dos trabalhadores assalariados, tal como a resistência à redução
salarial, à intensificação do trabalho, à desorganização das horas de trabalho dos
contratados e “irregulares”, etc. As normas jurídicas podem no seu porvir se tornar mera
ficção e tendem a ser substituídas pela correlação de forças, que raramente é favorável
aos trabalhadores. Segundo Freyssinet, isto tem uma séria conseqüência para a Inspeção
do Trabalho. A fragmentação dos horários de trabalho, a complexidade de dispositivos e
a opacidade dos arranjos práticos locais coloca a seguinte questão para a Inspeção do
Trabalho: a duração do trabalho ainda é controlável? Para ele, a noção de horário
coletivo perdeu todo o significado em numerosos ramos, notadamente terciários.
Dezenas de sistemas de horários diferentes podem coexistir dentro de um mesmo
estabelecimento. Tais sistemas podem ser inegavelmente variáveis, moduláveis e
duráveis. A dificuldade de medir com evidência uma infração e a fraqueza das sanções
judiciárias explicam por qual motivo os serviços de Inspeção do Trabalho são
parcialmente desincumbidos do domínio do controle da duração do trabalho (Freyssinet,
1997).
Desta forma, o que se vê é a existência de uma legislação que permite tais
“arranjos práticos” que corroem as bases de uma “noção de horário coletivo” e que não
se volta para a nova realidade da duração do trabalho instaurada na atualidade (que é
mais visível e constante nos países europeus, e o autor trata especificamente do caso
francês, mas que avança e se desenvolve em vários países). Isto provoca,
simultaneamente, o afastamento da Inspeção do Trabalho do controle da duração do
trabalho e também deixa o campo livre para a atuação das forças sociais, o que
geralmente beneficia os empregadores. A solução para isto, segundo Freyssinet, é uma
reconstrução do direito da duração do trabalho. Esta reconstrução do direito permitiria
uma nova definição da legislação, trazendo, inclusive, sua simplificação, que, segundo
este autor, “é uma condição da efetividade do direito; a efetividade do direito é uma
condição para que não se deixe o campo livre às relações de forças locais” (Freyssinet,
1997, p. 249).
Neste sentido, observamos algumas perspectivas para o futuro da Inspeção do
Trabalho. Em resumo, podemos dizer que a tendência geral é no sentido de se corroer as
bases da Inspeção do Trabalho, diminuindo seu alcance de atuação e condições de
execução de sua missão. Existem contratendências que poderão dificultar, amenizar,
desacelerar ou, num ponto de vista mais otimista, impedir a realização desta tendência.
As perspectivas acima colocadas sobre o futuro da Inspeção do Trabalho apontam
para um quadro semelhante, ressaltando-se o otimismo de uns e o pessimismo de outros.
Revela-se como uma opinião da maioria das correntes sindicais uma enorme
preocupação com o futuro da Inspeção do Trabalho, que já sofre diversos revezes na
atualidade, mas não se cai em nenhum fatalismo, pois se reconhece que o futuro não
está determinado e que se pode caminhar contra a corrente no sentido de alterar a
tendência geral. Uma grande parte dos pesquisadores reconhece também que é
fundamental a participação dos movimentos sociais e do movimento operário para se
efetivar uma efetiva Inspeção do Trabalho. Outros apresentam suas perspectivas em
torno de questões mais específicas, mas no interior de um quadro geral parecido com os
demais, ou seja, reconhecendo a existência de mudanças sociais que afetam a Inspeção
do Trabalho e a necessidade de se apresentar propostas para solucionar os novos
problemas postos.
Sem dúvida, a situação do capitalismo contemporâneo significa uma ampla
ofensiva no sentido de se superar a dificuldade de prosseguimento da acumulação
capitalista através da extensão e intensificação da exploração da força de trabalho e isto
gera o conjunto de mudanças na esfera da organização do trabalho, da legislação
trabalhista, etc. A tendência geral é de predomínio das forças favoráveis ao capital em
detrimento dos trabalhadores. Esta situação representa uma forte ameaça para a
Inspeção do Trabalho que vê sua bases corroídas. Isto afeta a classe trabalhadora que
tem seus direitos perdidos para permitir a reprodução ampliada da acumulação de
capital e junto com isso a Inspeção do Trabalho perde suas bases de ação e se vê
ameaçada de perder cada vez mais espaço. Isto se reflete, sem dúvida, nas perspectivas
e análises sobre a Inspeção do Trabalho. Algumas destas perspectivas podem ser
consideradas como mais realistas e, acompanhando elas, podemos dizer que o futuro da
Inspeção do Trabalho depende das lutas sociais que serão travadas neste início de
século. O futuro ainda não esta definido e sua definição depende de nossa ação no
presente. Portanto, o futuro da Inspeção do Trabalho depende de nós.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUVERGNON, P. Débats et Idées sur I’Inspection du Travail sous la Ve République. In:
Droit Ouvrier, março de 1996.
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial - 1995. Washington,
1996.
CORIAT, Benjamin. Pensar Al Revés. México, Siglo XXI, 1992.
DAL-ROSSO, Sadi. A Jornada de Trabalho na Sociedade. SP, LTr, 1996.
DUGHERA, Jacques; LENOIR, Christian; RICOCHON, Michel; TRIOMPHE, Claude.
Inspection du Travail en Queté d’une Nouvelle Legitimité. In: Droit Social. no 02,
fevereiro de 1993.
FARIA, José E. (org.). Direito e Globalização Econômica: Implicações e Perspectivas.
São Paulo, Malheiros, 1996.
FREYSSINET, Jacques. Le Temps de Travail en Miettes. Paris, Éditions de I’Atelier,
1997.
NAVARRO, Vicente. Produção e Estado de Bem Estar: O Contexto das Reformas. In:
LAURELL, Asa (org.). Estado e Políticas Sociais do Neoliberalismo. São Paulo, Cortêz,
1995.
RIT. A Administração do Trabalho num Mundo que Evolui. Genebra, OIT, 1992.
RIT. Normas Internacionais do Trabalho que são da Competência da Inspeção do
Trabalho: principais disposições. Genebra, OIT, 1992.
ROUPSARD, Yves. La Place de I’Inspection du Travail Dans La Politique de Santé
Publique. In: Droit Ouvrier, setembro de 1997.
TROUPENAT, Denis. Vers Une Dénaturation de la Mission e I’Inspection du Travail? In:
Droit Ouvrier, Setembro de 1987.
VIANA, Nildo. Os Caminhos da Inspeção do Trabalho na França. In: DAL ROSSO,
Sadi (org.). A Inspeção do Trabalho. Brasília, Sinait, 1999.
VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e
Letras, 2009.
Confronto entre Modelos Explicativos na
Compreensão do Trabalho Infantil

Leonardo César Pereira*

O presente artigo discute a construção social de marcos teóricos e


conceituais sobre o trabalho infantil enfocando, especialmente, a construção
contemporânea sobre o tema.
Os marcos teóricos refletem as dinâmicas sociais em torno da criança e do
adolescente. Desse modo, o significado atribuído pelo pensamento social acerca do
trabalho de crianças e jovens é fruto da tomada de consciência da própria sociedade ou
parte dela. Sua construção não está por cima ou à parte das lutas sociais. Pelo contrário,
a teorização reflete a compreensão social da própria sociedade, visando apreender os
significados que o trabalho infantil assume para os sujeitos inseridos nessas dinâmicas e
visam também contribuir, teórica e politicamente, com a compreensão e explicação da
realidade social.
Este estudo é fruto de uma breve revisão da literatura que trata sobre o tema,
com foco em alguns artigos e resultados de pesquisas das ciências sociais, como bancos
de dados de artigos, teses e periódicos, privilegiando os trabalhos que procuram
sintetizar as discussões sobre trabalho infantil, bem como aqueles que, de alguma
forma, representam pontos de ruptura teórico-metodológicos sobre as abordagens que
permitem traçar algumas diretrizes que servirão como guias de aprofundamentos
futuros.
Neste sentido, serão discutidos, ao longo do trabalho, três pontos
indispensáveis para um estudo introdutório. Num primeiro momento serão apresentadas,
as principais definições e controvérsias acerca da definição de trabalho infantil. Num
segundo momento será trabalhado como ocorre o trabalho infantil na sociedade e suas
principais explicações por parte de alguns autores que conseguiram sintetizar ou
aprofundar nessas discussões. E por último pretende-se apresentar uma conclusão crítica
sobre os modelos teórico-explicativos abordados no texto.
Tratar sobre os marcos teóricos de um tema tão controverso como é o
trabalho infantil nos apresenta, já na sua definição, polêmicas e discordâncias. É muito
comum hoje em dia uma visão jurídica e legalista sobre o trabalho infantil, fortemente
influenciada por construções de organismos internacionais, como a OIT (Organização
Internacional do Trabalho), e nacionais, como as legislações e planos de ação,
principalmente na esfera federal, que vem pautando as discussões e pesquisas.

*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
29
Partindo da definição OIT e sua absorção pelo pensamento social, Gomes
(1998) sintetiza da seguinte maneira o conceito de trabalho infantil:

Qualquer atividade que tenho por objetivo, direto ou indireto, a


manutenção da vida, feita por crianças2 , toda atividade que impede a
escolaridade regular, o descanso e as brincadeiras (DCI-Brasil/CUT,
1996, p. 25). Nessa medida, até mesmo atividades domésticas
rotineiras seriam trabalho, uma vez que liberam o adulto para a
atividade no mercado de trabalho formal ou informal. (GOMES,
1998, p. 51)

Estudos que privilegiam essas convenções, que foram ratificadas pelo Brasil
nas últimas décadas, pautam-se metodologicamente pela noção de trabalho infantil
como toda forma laborativa, com ou sem fins lucrativos, exercida por menores de 15
anos3, e que atrapalham no rendimento escolar. Dessa forma, assumem como
pressupostos definidores a perspectiva do desenvolvimento físico-cronológico,
atividades mercantilizadas e a centralidade da escolarização para a vida da criança 4.
Mas outras perspectivas (Demartine e Lang, 1983, in: Gomes, 1998)
apontam para uma definição mais subjetiva, onde a percepção individual do sujeito é
que seria o critério. Essa abordagem prioriza a representação individual em detrimento
do caráter objetivo do trabalho, não levando em consideração o aspecto alienante e
reificador do trabalho.
Segundo Gomes (1998), a definição de trabalho independe da vontade
individual. Existem construções sociais e históricas que determinam o trabalho, e sua
hierarquização em relação às outras atividades “dependem da herança cultural de cada
grupo, de cada sociedade” (GOMES, 1998, p. 51).
Desse modo, a definição da autora sobre o caráter exploratório do trabalho
infantil é característica de uma noção recorrente nas ciências sociais contemporâneas,
onde a relação entre questões econômicas, a reivindicação da condição de cidadania e
da escolarização, formam o pano de fundo da proposta de proteção ao desenvolvimento
da criança:

Resumindo os pontos consensuais, pode-se dizer que o trabalho


infantil é exploração quando: é realizado em condições inadequadas,
prejudiciais e/ou perversas; exige da criança ou do jovem uma
atividade constante e desproporcional a suas forças, a seu estágio de
desenvolvimento psicossocial; a atividade impede as brincadeiras, os
jogos, o descanso e, em especial, a escolarização regular, tão
imprescindível à preparação deles para a cidadania plena. Em tais
condições, por certo, o trabalho infantil além de constituir exploração
é nocivo à saúde física e mental de quem o realiza, e põe em risco o
futuro das novas gerações de brasileiros. (GOMES, 1998, p. 54).

Partindo deste conceito, atividades tradicionalmente consideradas como


práticas de socialização, como alguns serviços domésticos – com certa divisão do

2
A OIT estabelece o critério cronológico para a definição de criança, sendo a idade de até 15 anos o
marco regulatório.
3
Para a faixa etária dos 16 aos 18 anos é permitido o trabalho somente em condição de aprendizagem.
4
Uma definição semelhante, ou seja, que parte das mesmas premissas, é encontrada em estudos como de
Ferreira (2001), Sartori (2006) e Seger (2006).
30
trabalho de modo a impedir a superexploração do trabalho feminino - e transmissão de
práticas laborativas de cunho familiar, onde a criança e adolescente assumem atividades
na forma de herança cultural da própria família, não se constituem exploração,
principalmente no meio rural onde a escolarização pode ser absorvida como forma de
garantir a continuidade do patrimônio cultural herdado, com o domínio de novas
tecnologias e rearranjos das novas relações sociais, especialmente nas dinâmicas
comerciais.
É utilizado neste estudo o referencial dialético que permite compreender as
dinâmicas e conflitos sociais como produtores de representações jurídicas, políticas e
sociais e o retorno dessas representações nas relações sociais, de forma regulatoria e
normatizadora da vida social, de modo recíproco (VIANA, 2003).
Partindo do pressuposto de que os marcos teóricos expressam as
contradições dos conflitos sociais e de que sua compreensão da realidade ganha
relevância social quando promovem o debate público acerca do contexto social,
historicamente determinado por lutas de classe, segregação social, lutas por direitos
políticos, civis e sociais e, não menos importante, por representações sociais cotidianas,
a análise dos marcos teóricos serve-nos como objeto de estudo enquanto instrumento
heurístico quando utilizado para uma compreensão crítica da realidade.
Neste sentido, torna-se importante fazermos duas distinções sobre o trabalho
infantil: primeiro, como se dá a inserção da criança e do adolescente no mundo do
trabalho e, segundo, porquê essa inserção torna-se prejudicial ao seu desenvolvimento.
A inserção violenta e exploratória das crianças no mundo do trabalho, mas
principalmente do adolescente, vem sendo exaustivamente tratada pelas ciências sociais
de forma fenomênica e superficial, com estudos muito particulares que quase nunca
definem os determinantes sociais e históricos de forma satisfatória.
Como afirma Ferreira:

Em primeiro lugar a ocorrência do trabalho infantil tem sido


compreendida como um problema a mais, desarticulado dos
componentes macroeconômico que o produzem. Pobreza e
estagnação econômica têm sido culpadas pela produção do fenômeno
[...].
Além de uma visão localista do fenômeno, as iniciativas ainda
padecem de referências mais atualizadas sobre o significado da
infância e da adolescência, produzindo ações ainda impregnadas ou
orientadas, antes de tudo, de um sentido disciplinador, com forte
acento autoritário e moralizante. (FERREIRA, 2001, p. 222)

Araújo (2009), fundamentando-se em análises de Moraes e Duayer (1998),


Wood (1999) e Eagleton (1998), salienta que as ciências sociais e a filosofia passam por
uma tensão que é reflexo da crise de confiança na concepção de razão: “a razão
moderna de corte iluminista”, onde os argumentos explicativos totalizantes perdem
relevância social, influenciada por uma multiplicidade de propostas teórico-
metodológicas, caracterizadas pela “agenda pós-moderna”. As conseqüências dessas
perspectivas são a “negação do real” e de qualquer forma de “compreende-lo
objetivamente” em sua totalidade. E em confronto com tal perspectiva, defende que:

A exploração do trabalho infantil não é redutível a questões culturais,


valorativas ou identitárias mas, ao contrário, é intimamente ligada ao
momento histórico em que vivemos. A despeito das grandes
31
diferenças entre os diversos tipos de trabalho em que as crianças se
inserem, nas mais variadas regiões do planeta e dos mais variados
matizes culturais, todas essas situações guardam em comum o fato de
estarem, hoje mais do que nunca, balizadas pela lógica da valorização
do capital.
Temos observado em nossos estudos exploratórios relacionados a
estas questões que as pesquisas efetivadas têm se restringido a
análises bastante superficiais, ficando restritas às aparências dos
fenômenos estudados ou ao microcosmo que envolve tais fenômenos
gerando uma “especificidade” fragmentada. Podemos citar vários
exemplos de análises que colocam a responsabilidade do trabalho
infantil em fatores como pobreza, nível de escolaridade dos pais,
tamanho e estrutura da família, idade em que os pais começaram a
trabalhar, local de residência, etc., estabelecendo relações de causa e
conseqüência entre problemas sociais de origem comum (ARAÚJO,
2009, p. 4).

Partindo dessa crítica, o trabalho infantil pode ser encarado como uma
estratégia do capital de exploração da força de trabalho, que encontra aí uma forma de
redução dos custos de produção. Algumas análises apontam para essa direção,
principalmente por meio da reestruturação produtiva que levam as famílias a utilizarem-
se das crianças nos trabalhos terceirizados pelas indústrias5. Nota-se que o trabalho
terceirizado é geralmente feito nas casas das famílias, utilizando o trabalho infantil de
forma indireta (quando os filhos assumem as tarefas domésticas enquanto os pais
executam suas empreitas) e de forma direta (quando os filhos acabam por auxiliar os
pais nos excessivos trabalhos terceirizados).
O porquê essa exploração acontece está na lógica da sociedade capitalista,
onde as famílias da classe trabalhadora encontram-se em situações precárias de
existência, onde muitas vezes o trabalho infantil é impulsionado como fuga da
marginalidade e da ociosidade. A noção de que através do trabalho a criança e o
adolescente estão seguros dos perigos do mundo encoberta a desumanização do trabalho
sob o capitalismo (CAMPOS & ALVERGA, 2001; GOMES, 1998; SARTORI, 2009;
NETO e SILVA et all, 2009).
O trabalho infantil esteve presente em vários processos históricos, desde o
Egito antigo, passando pela idade média e o feudalismo, como forma de escravidão ou
aprendizagem de ofícios. Mas é no capitalismo que ele assume a forma de uma
estratégia sistêmica, determinando o modo de vida da classe trabalhadora de tal forma
que o trabalho infantil torna-se praticamente indispensável, em alguns contextos, e
necessário para a redução dos custos da produção. A exploração do trabalho infantil é
utilizada pelo capital como forma de extração do trabalho excedente desde sua origem6,
e sua proibição, por mecanismos legais, é burlado pelo capital através da reestruturação
produtiva contemporânea que exige a flexibilização não só das forças produtivas, mas
das relações de produção também7.

5
Estudos de casos onde a força de trabalho infantil fora utilizada com esses propósitos encontram-se em
Sartori, 2009 e Neto e Silva et all, 2009.
6
Marx, no século XVIII, já apontava a exploração do trabalho infantil e feminino como estratégia do
capital para a extração do trabalho excedente nas nascentes indústrias inglesas - condição indispensável
para a produção da mais-valia que, no capitalismo, é peça fundamental para a sua reprodução social
(MARX, 1991).
7
Uma análise profunda sobre o modo de vida no capitalismo e a utilização da força de trabalho infantil
como conseqüência desse modo de vida encontra-se em GRANOU (1972).
32
Contraponto entre os Modelos Teórico-Explicativos
A maioria dos estudos que privilegiam uma compreensão da realidade social
a partir da legalidade e/ou oficialidade, colocam o trabalho infantil como “problema
social” a partir de sua absorção pelas instituições oficiais, como a OIT, os fóruns de
defesa da criança e do adolescente, bem como os marcos regulatórios do Estado.
O que essas abordagens não consideram é que o trabalho infantil já é um
problema muito antigo para as classes dominadas que, desde os escravos até os
proletários contemporâneos, enfrentam esse conflito e lutam contra ele muito antes das
intelligentsias nacionais e internacionais tomarem-no como um “problema social”
urgente.
Uma abordagem da luta de classes perceberá que a exploração do trabalho
infantil já é uma bandeira histórica dos movimentos socialistas que:

Sob a bandeira do combate à exploração do trabalho humano em


geral, chamavam a atenção especial para as condições perversas do
trabalho de mulheres e de crianças. Desde o início, a história desses
movimentos e os escritos que lhes davam fundamento evidenciavam
a associação entre modelo econômico, pobreza familiar e condições
de trabalho, especialmente de crianças, de jovens e de mulheres.
(GOMES, 1998, p. 45-46)

E que, no Brasil, a luta dos escravos para terem seus filhos livres dos
grilhões do senhor e do feitor, já se caracterizava como tentativa de ruptura contra essa
exploração. Que desde 1912 o trabalho infantil já é pautado nas lutas e mobilizações da
classe trabalhadora8 no Brasil.
É preciso aproximar os estudos e pesquisas às lutas sociais, para não cairmos
em ciladas pretensamente emancipatórias que, na verdade, apenas encobertam os graves
e difíceis dilemas enfrentados pela sociedade em seus diversos contextos. E que
medidas pontuais e apenas de contenção não bastam para ficarmos tranqüilos e
satisfeitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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sustentação onto-metodológica para análise do trabalho infantil contemporâneo.
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n. Especial, p.264-284, mai. 2009.

CAMPOS, Herculano Ricardo; ALVERGA, Alex Reinecke de. Trabalho Infantil e


Ideologia: contribuição ao estudo da crença indiscriminada na dignidade do

8
No 4° Congresso Operário Brasileiro, em 1912, quando da constituição da Confederação Brasileira do
Trabalho (CBT), “‘a limitação da jornada para mulheres e menores de 14 anos’ era uma das principais
conquistas por quê deveria lutar” (Dulles, 1977, In. Campos & Alverga, 2001, p. 232).
33
trabalho. Estudos de Psicologia. Natal, RN, n. 6(2), p. 227-233, 2001. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2001000200010&script=
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VIANA, Nildo. Estado, democracia e cidadania: a dinâmica da política institucional


no capitalismo. Rio de Janeiro: achiame, 2003.

RESUMO

O presente artigo aborda a questão do trabalho infantil sob a perspectiva de sua


repercussão social que refletem nos modelos explicativos utilizados no entendimento da
constituição histórica deste fenômeno. O estudo tem como fio condutor o método
dialético que busca explicar a origem e o desenvolvimento da exploração do trabalho
infantil através do confronto entre as abordagens legalistas, que tem origem nas
regulamentações de órgãos oficiais, e as reivindicações históricas da classe
trabalhadora, que permitem a ressignificação contemporânea do trabalho infantil. O
presente estudo aponta para a compreensão do trabalho infantil como resultado da
exploração da sociedade capitalista na busca de redução de custos no seu processo de
valorização.

34
Política Neoliberal e Sindicalismo no
Brasil: Da Oposição à Participação

Sherry Max de Souza*

A partir de uma pesquisa bibliográfica sobre neoliberalismo e


trabalhadores, percebeu-se, que as políticas neoliberais implantadas a partir dos anos
1990, no Brasil, têm causado impactos sobre a classe dos trabalhadores. Desde o
indivíduo que presta serviço à empreiteira (trabalho terceirizado), ao servidor que
perdeu seu emprego pela privatização das empresas estatais. Esses produtos do
neoliberalismo legaram aos sindicatos um esvaziamento da perspectiva classista, o que
se pode considerar segundo Alves (2000), um “defensivismo de novo tipo”.
O sindicalismo tanto do setor público como do privado foram
atingidos pelas medidas neoliberais. Medidas como abertura comercial, altas taxas juros
e privatizações, tiveram suas conseqüências no mundo do trabalho. O sindicalismo
brasileiro não foi capaz de dar resposta a essa nova ofensiva do capital, principalmente,
a partir do governo Collor, cujo principal sintoma é a crise das estratégias políticas do
“novo sindicalismo”.

1- Neoliberalismo e os trabalhadores no Brasil

É sabido que, no interior das classes dominadas, constitui-se certa


heterogeneidade, portanto, a classe trabalhadora se apresenta de forma fragmentada. Ela
é composta por trabalhadores da rede privada e servidores públicos, e se encontra ainda
mais fragmentada nos dias de hoje. Por isso, Antunes (1999) utiliza o conceito de
classe-que-vive-do-trabalho. Esse conceito vai além do trabalhador produtivo, ao qual
Marx designa o produtor direto de mais-valia (proletariado). A classe-que-vive-do-
trabalho engloba os trabalhadores improdutivos, aqueles que cujas formas de trabalho
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
35
são utilizadas como serviço, seja para o uso público ou capitalista, e que não se constitui
como elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de valorização
do capital e da criação de mais-valia. São aqueles que, o produto de seu trabalho é
consumido como valor de uso e não como valor de troca. Essa noção ampliada da classe
trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em
troca de salário. A partir desse conceito percebe-se que a classe trabalhadora não se
constitui como um bloco homogêneo, portanto, o neoliberalismo não os atinge por
igual, o que fragmenta ainda mais a classe trabalhadora.
O desemprego é outro parceiro do neoliberalismo que precisa ser
combatido pelo trabalhador. Ele prejudica o trabalhador como indivíduo  que tem
como propriedade apenas a sua força de trabalho  bem como suas formas de
organizações. O alto nível de desemprego é intensificado pela modernização
tecnológica da indústria, do setor de serviços e da agricultura, mas não se pode afirmar
que o desemprego é causado apenas pelo avanço tecnológico, pois estaria negando o
papel fundamental das políticas neoliberais nas altas taxas de desemprego. As medidas
neoliberais adotadas no Brasil, após os anos 1990, elevou a taxa de desemprego que já
crescia desde os anos 1980. Como afirma Boito Jr.:

A política de juros altos e de contenção de crescimento econômico, que os


governos neoliberais herdaram e radicalizaram, a redução de tarifas
aduaneiras, iniciada, timidamente no final da década de 1980 e ampliada
sob os governos neoliberais, a sobrevalorização cambial, estabelecida pelo
Plano Real em 1994, e a redução dos gastos públicos em serviços urbanos e
sociais e em obras de infra-estrutura são os principais pontos da política
econômica e social neoliberal que têm feito crescer o desemprego total e que
o tem mantido em um nível muito elevado (1999, p.86).

Como as medidas econômicas neoliberais afetam a classe


trabalhadora? A resposta a esta pergunta pode ser descrita se aproximarmos o nosso
trabalho um pouco dos estudos econômicos. Vejamos algumas medidas
detalhadamente:

 Altas Taxas de juros: as elevações das taxas de juros têm como conseqüência a não
constituição de novos investimentos, pois, os empresários, como se diria na linguagem
popular, “ficam com um pé atrás” na hora de fazer algum investimento, devido ao fato
de ficar muito caro o pagamento dos empréstimos. Quanto menos investimentos, menor
será o crescimento econômico do país e menor a taxa de oferta de empregos. Enquanto
isso, as empresas lá fora pagam taxas bem abaixo da taxa brasileira deixando, assim, as
empresas brasileiras sem forças para competir em igualdade nos mercados; outro
aspecto que relaciona taxa de juros e trabalhadores é a diminuição do consumo. O
crediário que é um instrumento utilizado, principalmente, pela grande maioria dos
consumidores no Brasil, a partir da alta dos juros torna-se um meio de aquisição de
mercadorias mais caro. O que contribui para diminuir o consumo, e abarrotar os
estoques das empresas que acabam dispensando os funcionários, pois não têm como
vender suas mercadorias. Essa alta taxa de juros interessa apenas ao capital
especulativo, que não é produtivo, portanto, não gera empregos, rendas e salários.
“Quando o governo mantém os juros altos, eles se “instalam” aqui, quando não, eles se
instalam em outra vizinhança” (LEAL, 2004, p. 35).
 Privatizações: segundo os neoliberais, o Estado se encontra “endividado” e não
consegue mais financiar o desenvolvimento e investir em setores estratégicos, como

36
siderurgia, telecomunicações, bancos, mineração, energia e saneamento básico. Então, a
única esperança é a privatização, o que paralisa a criação de empregos no setor público.
Segundo Boito Jr.(1999, p.106), apenas na privatização dos parques siderúrgicos
brasileiros na, década de 1990, foram suprimidos mais de 90 mil empregos.
 Abertura da economia ao mercado internacional: com a facilitação da entrada de
produtos importados e com a política de juros altos, as empresas brasileiras não
conseguem competir com empresas de fora, o que gera um crescimento na taxa de
importação9 que tem como conseqüência menos produção e menos empregos. Apenas
no ano de 1995, com a abertura comercial propiciada pelo Plano Real, a indústria
brasileira deixou de criar 390 mil, novos empregos.10
Essas são apenas algumas das proezas que as políticas neoliberais
acarretam a classe trabalhadora, existem outras, como a exploração do trabalho infantil
que exclui milhões de trabalhadores adultos do mercado de trabalho e a política de
redução do valor real das pensões e aposentadorias que obrigam os idosos a prosseguir
trabalhando, no lugar dos trabalhadores jovens que permanecem desempregados.
Assim como no governo Thatcher, na Inglaterra 11, o neoliberalismo no
Brasil precarizou o mundo do trabalho o que atingiu as organizações representativas dos
trabalhadores. O sindicalismo dos servidores públicos, que era a categoria em ascensão
no sindicalismo cutista no final da, década de 1980, após a virada para os, anos 1990,
observaram uma baixa no movimento da categoria. No final da década de 1980,
especificamente em 1988, o número de greves do setor público era de 385, cerca de
39,17% do total de greves naquele ano. Os números da indústria apontam para 30,93%
do total de greves. No primeiro semestre de 1989, o número de grevistas do setor
público atingiu a marca de 6,17 milhões, superando o setor privado que detém a marca
de 3,5 milhões12. Essa atuação dos trabalhadores do setor público foi fortemente
reprimida por políticas como as privatizações e cortes de pessoal no setor federal. No
setor privado, a política de desindustrialização, no ABC, e abertura da economia,
facilitando assim a entrada de carros importados no país, com um discurso de que os
carros fabricados no Brasil eram “carroças” (Collor), promoveram alto nível de
desemprego, o que aumentou a pressão sobre os sindicatos que tem culminado no
fenômeno da desindicalização. Segundo dados do Dieese, em 1999, no Brasil, apenas
17,7% do total de trabalhadores eram filiados a algum sindicato.13
A escala grevista dos anos de 1980 foi interrompida na década de
1990. Foram 557 greves, em 1992, 653, em 1993, 1034 greves, em 1994, 1056, em
1995, e, em 1996 no ano mais agitado da década sob esse aspecto, ocorreram 1258
greves que despencaram em 1997. Ano em que se observa um número de apenas 630,
9
Alta taxa de importação gera um fenômeno que é o déficit na balança comercial, que vulgarmente
falando, seria o número de importações superarem o de exportações, esse fenômeno pode ser causado
também, pela política de sobrevalorização cambial. A valorização da moeda nacional foi destaque no
primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso com a implantação do Plano Real em 1994.
10
BOITO Jr., 1999, p. 86.
11
Na Inglaterra, a ofensiva a classe trabalhadora foi muito mais efetiva do que no Brasil, devido ao poder
e a tradição do movimento sindical inglês (trade-unions), que obtiveram o direito a livre associação desde
1824, até então, esse direito só era legado as classes dominantes. Ver ANTUNES, Ricardo L. C. O que é
sindicalismo? São Paulo. Brasiliense, 1980. O Partido trabalhista inglês (Labour Party) também, legitima
esse poder da classe como representante dos sues interesses . Ver ANTUNES, Ricardo L. C. Os sentidos
do trabalho – Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo. Boitempo, 1999.
12
MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém. Desafiando o Leviatã – Sindicalismo no Setor Público.
Campinas. Alínea, 2000, p. 84.
13
Dados disponíveis em: http:< //www.dieese.org.br/anu/anuario2005.pdf > Acesso em: 2 de novembro
2008.
37
que se tornou inexpressivo se compararmos com as quase 4000 paralisações que
ocorreram em 198914.
Para culminar no enfraquecimento das organizações representativas
dos trabalhadores foi praticada uma política de arrocho ao trabalhador. No Brasil, entre
1990 e 1993, o número de empregados caiu de 40,1 para 39,4 milhões, a taxa de
desemprego saltou de 3,7%, em 1990, para 4,8%, em 1995. O crescimento do
desemprego foi acompanhado pela diminuição da atividade grevista. Em 1989, dez
milhões de trabalhadores tinham participado de greves no Brasil. Em 1990, primeiro
ano do governo Collor, o número de grevistas cresceu  foi de 12,4 milhões. No ano de
1991, esse número caiu para 8,8 milhões e despencou, em 1992, para 2,9 milhões. Os
levantamentos do Dieese mostram que, no ano de 1993, o número de grevistas subiu
para 3,5 milhões e, a partir daí, em 1994, 1995 e 1996, girou em torno de 2,5 milhões.
Esse montante pode ser considerado importante para um período de dificuldades. Mas
ele perfaz apenas um quinto dos grevistas do ano de 1980.15
No campo das leis trabalhistas, num primeiro momento, os governos
neoliberais não obtiveram êxito na flexibilização das mesmas. A principal medida foi à
desindexação dos salários. Ela foi imposta por Collor, revogada pelo governo de Itamar
e reimplantada por Fernando Henrique Cardoso, em julho de 1995. Tivemos ainda, o
Decreto nº. 2.100/96, que revogou a aplicação da Convenção 158 da OIT 16 no Brasil,
facilitando a prática de demissão sumária de trabalhadores; a Portaria nº. 865/95 do
Ministério do Trabalho que impediu a atuação, pelos fiscais do trabalho, de
empregadores que desrespeitassem os direitos estabelecidos em convenções e acordos
coletivos; em 1998, a Lei que instituiu o novo modelo de contrato de trabalho por prazo
determinado (com redução do FGTS pelo prazo de dois anos); e em 2001, a Medida
Provisória que criou o “banco de horas” e o contrato de trabalho em tempo parcial (este
reduziu o direto a férias). Essas medidas foram acompanhadas de uma série propostas
de lei, que estão tramitando na Câmara e no Senado até os dias de hoje. Vejam algumas:
Projeto de Lei que visa alterar o artigo 618 da CLT para fazer com que o “acordado”
prevalecesse sobre o “legislado”; Projeto de Lei Complementar (123/04 na Câmara e
100/06 no Senado) que trata da Lei Geral da Pequena e Micro Empresas com o objetivo
de permitir a negociação da proteção legal via fiscalização.17
Como na legalidade várias medidas malograram, então partiram para
a ilegalidade. Os governos neoliberais toleraram e incentivaram as práticas ilegais de
desregulamentação do mercado de trabalho e utilizaram como método o sucateamento
das delegacias de trabalho bem como defasagem no número de fiscais.

Na década de 1990, os governos neoliberais estimularam os empregadores a


contratar trabalhadores sem carteira assinada, ao permitirem a piora da
historicamente, precária fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho

14
MATTOS, Marcelo Badaró. Reforma sindical do governo Lula: enterrando com honras de Estado
o novo sindicalismo. In: Antítese – marxismo e cultura socialista. Nº1. Goiânia, 2005, p. 109-135.
15
Ver dados em: BOITO Jr., 1999, p. 86-98.
16
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral ligada à Organização das
Nações Unidas (ONU), especializada nas questões do trabalho. Tem representação paritária de governos
dos 180 Estados-Membros e de organizações de empregadores e de trabalhadores. Com sede em Genebra,
Suíça desde a data da fundação, a OIT tem uma rede de escritórios em todos os continentes. O seu
orçamento regular provém de contribuições dos seus Estados Membros, que é suplementado por
contribuições de países industrializados para programas e projetos especiais específicos. Conheça a OIT.
Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/ > Acessado em: 30 de outubro 2008.
17
JORGE, Rosa Maria Campos. Mudanças no mundo do trabalho. In: Caderno de Estudos –
Seminário: Organizar a luta contra as reformas neoliberais. CONLUTAS, 2006, p. 9-13.
38
e ao estigmatizarem os direitos sociais e a legislação trabalhista. O
presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a aconselhar publicamente
os industriais de São Paulo a desrespeitarem as normas protetoras do
trabalho, fazendo declaração pública de apoio a um acordo dos Sindicatos
dos Metalúrgicos de São Paulo com uma empresa de sua base, no qual
ficava estabelecido um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Tal
acordo foi invalidado pela justiça do trabalho. Foi o fracasso nesse caso, da
via legal que levou o governo FHC a elaborar o projeto de lei estabelecendo
contrato de trabalho por tempo determinado, uma das suas iniciativas mais
importantes na desregulamentação das relações de trabalho (BOITO, 1999,
p. 94).

A política de desregulamentação do mercado vai implementar uma


nova estatística no interior da classe trabalhadora. A estrutura da informalidade, que já
era elevada, na década de 1980, desenvolveu-se mais ainda. Em 1990, havia 14 milhões
de trabalhadores efetivados no mercado informal, 4,9 milhões de trabalhadores não
remunerados e 13,8 milhões de trabalhadores empregados sem carteira de trabalho
assinada. Em 1995, esses números tinham se elevado, respectivamente, de 15,7, para 6,9
e para 15,5 milhões de trabalhadores, e, ainda no mesmo período, o número de
trabalhadores com carteira assinada caiu de 23,5 para 20,6 milhões.18
Um número que se acrescenta a informalidade é a exploração do
trabalho de crianças e adolescentes. Em 1993, estavam no mercado de trabalho mais de
600 mil crianças entre cinco e nove anos de idade, 3,9 milhões de crianças e
adolescentes entre dez e quatorze anos e cinco milhões de adolescente entre quinze e
dezessete anos. Um total de 9,5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando.19 Sem
falar no número de casos de trabalho e de pessoas escravizadas. Segundo dados do
Dieese, o número de casos de trabalho escravo cresceu de 17, em 1997, para 147, em
2002, e o número de pessoas escravizadas nesse mesmo período cresceu de 872 para
5.559.20 O neoliberalismo, como afirma seus ideólogos, realmente adota uma política de
geração de empregos, se considerarmos o que foi apontado acima.
O neoliberalismo, com sua política de desemprego e fragmentação da
classe trabalhadora, consegue minar a base de suas verdadeiras organizações
representativas da classe e nomeia novos representantes, como as ONGs, que são
entidades totalmente desvinculadas a classe, e que na maioria das vezes são financiadas
por organizações empresariais, políticas e religiosas dos países imperialistas. Nessa
perspectiva de novas formas representativas da classe trabalhadora o neoliberalismo,
para não ser antidemocrático, criou meios de neutralizar os movimentos sindicais,
promovendo organizações mais fragmentadas como o sindicalismo neocorporativista
que segundo Boito Jr.(1999, p. 171), através desse modelo o neoliberalismo logra
manter a ação reinvidicativa dos trabalhadores dentro de limites compatíveis com a
hegemonia neoliberal. Em primeiro lugar os valores capitalistas de mercado
(lucratividade, produtividade, “qualidade”, eficiência), portanto esse novo sindicalismo
está vinculado à desvalorização da luta, do embate capital e trabalho. Neste sentido,
prioriza-se o que é melhor para o rendimento da empresa (empresário), o trabalhador
fica para um segundo plano. Esse tipo de sindicato fragmenta ainda mais a classe, pois,
é composto por setores (sindicalismo por empresa), ou seja, numa mesma empresa ou
órgão estatal podem coexistir vários sindicatos, ex. um da área administrativa, outro da

18
Ver dados em: BOITO Jr., 1999, p. 94-95.
19
Ibid., p. 95.
20
Dados do Dieese, disponível em: < http://www.dieese.org.br/anu/anuario2005.pdf > Acessado em: 5 de
outubro, 2008.
39
produção, etc. Parte-se do pressuposto que esse modelo enfraquece o poder de barganha
dos sindicatos, que ficam fragilizados e o ganho de um setor não representa o ganho do
outro.
Na relação capital e trabalho no Brasil, pode-se admitir que o
neoliberalismo obteve êxito. Na CUT, assim como no Partido dos Trabalhadores (PT)
observa-se uma mudança de perspectiva política. Nos anos 80, essas instituições foram
caracterizadas por uma postura classista, enraizada na base popular, e no caso da CUT
praticava-se uma negação a estrutura sindical oficial (que instalou desde a era Vargas).
Na década de 90, tanto o partido como a central promoveram uma política de
conformação com as práticas neoliberais (BOITO Jr., 1999; TUMOLO, 2002; ALVES,
2000; SOARES, 2005). Dentro dessa nova perspectiva da representação da classe
trabalhadora, no próximo tópico analisar-se-á, a relação do neoliberalismo com as essas
representações coletivas especificamente, o movimento sindical cutista nos anos de
1990.

2- A trajetória política da CUT: do sindicalismo de oposição ao sindicalismo de


participação

As mudanças por quais passou o mundo do trabalho têm refletido,


diretamente, nas organizações representativas da classe trabalhadora. Sem conseguir dar
uma resposta imediata à ofensiva do capital ao mundo do trabalho os sindicatos
assumiram uma posição defensiva diante dessa nova configuração. Essas mudanças se
deram pela reestruturação produtiva iniciada a partir da crise de acumulação na década
de 1970, que tem como momento predominante o modelo japonês conhecido como
Toyotismo. Esse modelo inseriu novos métodos de controle e gestão da produção
(CCQ´s; kanban; just-in-time; kaizen, etc.), cooptando e capturando não só a
objetividade como também, subjetividade do trabalhador.
No âmbito político diante do novo “bloco histórico” instaurado pela era
neoliberal observou-se uma maior fragmentação da “classe-que-vive-do-trabalho”,
devido entre vários fatores que resultaram desse processo de implantação das medidas
neoliberais: o desenvolvimento do desemprego em massa e a incapacidade dos próprios
sindicatos de “arrebanhar” esse novo trabalhador, pois, uma grande parcela desses
trabalhadores se encontra na chamada economia informal, terceirizados e até mesmo
desempregados. Enfim, as “novas relações de trabalho” têm um aspecto contraditório da
luta de classes no país21.
Esse cenário configura-se, nos anos de 1970, na Europa e ganha o mundo.
No Brasil, essa lógica destrutiva do capital ao mundo do trabalho se efetiva a partir dos
anos 1990, com a década neoliberal22. Antes disso, o mundo do trabalho no país andou
na contra-mão do cenário mundial, os diversos enfoques sobre o sindicalismo brasileiro,
nos anos 1980, admitem que o sindicalismo em nosso país caminhou em direção
contrária a do sindicalismo nos países capitalistas desenvolvidos, e mesmo nos demais

21
Para Alves, as novas relações de trabalho como por exemplo as “comissões de fábricas” que foram à
marca do “novo sindicalismo” possuem um sentido ambivalente, ou seja, contraditório: por um lado,
representava uma conquista operária, capaz de dar suporte à consciência de classe; por outro,
representava uma nova etapa do capital, ciente do poder integrador da negociação coletiva e da
necessidade de uma classe operária participativa, tal como exigiam os novos paradigmas industriais
vigentes no mundo capitalista desenvolvido. Ver ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do
trabalho – reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo. Boitempo, 2000.
22
Vamos chamar de década neoliberal os breves governos de Fernando Collor e Itamar Franco, e os dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
40
países capitalistas latino-americanos (ex. Argentina). Portanto, num período em que se
observa o revigoramento do capital com um forte arrocho a classe trabalhadora em
âmbito mundial, no Brasil, as organizações representativas dos trabalhadores
recomeçavam a ter seu reconhecimento na política nacional, sendo compreendido como
um ator coletivo de grande influência na conjuntura política, econômica e social.
Segundo Misailidis (2001, p. 68), no processo de elaboração da Constituição em 1988, o
movimento sindical foi determinante, o que resultou avanços na estrutura dos
sindicatos. Assim, constata-se, segundo a autora, de maneira insofismável, a inserção de
princípios que garantem a liberdade sindical, não desconsiderando que no modelo de
estrutura sindical pós-constituição de 1988 restou resquícios que garantiram a
intervenção do Estado. Rodrigues (1992, p. 89) destaca ainda que:

Aqui, o fato marcante foi o aparecimento do que poderíamos chamar de


movimento sindical, entendido como a capacidade das lideranças sindicais
de intervir no sistema político e, ainda que de modo limitado, influenciar o
sistema decisório em suas instâncias executivas, legislativas e judiciárias.

Os anos 1980 caracterizaram-se por greves e ascensão de organizações de


trabalhadores numa perspectiva de unidade e luta contra os patrões, jamais vista na
história do país. Esta ascensão culminou com o surgimento do Partido dos
Trabalhadores (PT), seguido da principal central sindical do país a Central Única dos
Trabalhadores (CUT). Temos ainda, as duas CGT’s e, em 1991, a Força Sindical (FS),
que independente de suas posições político-ideológicas contribuiu para criar um cenário
inverso ao contexto mundial.

2.1- A (re)organização do movimento sindical

Há quase trinta anos viveu-se o que a grande maioria dos estudiosos


chamou de ascensão do movimento sindical brasileiro. Ao contrário de hoje em que
esses mesmos autores caracterizam como crise o momento pelo qual passa o movimento
sindical no nosso país (ALVES, 2000; BOITO Jr., 1999; ANTUNES, 1999; SOARES,
1996; TUMOLO, 2002). Uma data marcante para o movimento sindical brasileiro seria
Maio de 1978, especificamente, na região do ABC paulista. A partir desta data e local
“ressurge” o movimento sindical brasileiro que tornaria mais clara a relação capital x
trabalho no Brasil. A rica história do movimento sindical no país remonta à segunda
metade do século XIX  a primeira greve dos gráficos, data de 1858 , acompanhando o
processo de industrialização no Brasil. Na virada do século, desenvolveu-se os
“embriões” de sindicato, o que desembocou na criação das primeiras centrais sindicais,
desde a Confederação Operária Brasileira (COB), criada em 1906, sob hegemonia dos
anarco-sindicalistas até o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) de 1962, com o
Partido Comunista.23
Na segunda metade do século XX, o movimento sindical já “organizado”
opôs-se, a superexploração da força de trabalho  que foi um dos pilares que
caracterizou o padrão de acumulação capitalista no período que podemos chamar de
“bonapartismo militar”, instalado no país a partir de 1964 , essa classe operária que
representava o principal pólo industrial do país insurge-se contra o arrocho salarial o
que atinge de forma fulminante a lógica de acumulação capitalista no Brasil.

23
Sobre a história do movimento operário no Brasil ver REZENDE, A. P. História do movimento
operário no Brasil. São Paulo. Ática, 1986.
41
2.1.1- A gênese da CUT

Em agosto de 1981, realiza-se em Praia Grande a 1ª Conferência Nacional


da Classe Trabalhadora (CONCLAT). Apesar das profundas divergências das
tendências militantes do sindicalismo, sua participação foi expressiva, comparecendo a
Conferência 5.247 delegados que representavam 1.126 entidades de classe.24
Estavam reunidos nessa Conferência (marxistas, lenistas, trotskistas,
esquerda católica, além de militantes ligados aos dois partidos comunistas, PCB e PC do
B, e ao MR-8) independentemente, de estarem segregados devido às várias vertentes
politico-ideológicas, no interior da conferência existia algo em comum que unia essas
facções que se convergiam nas seguintes reivindicações: estabilidade no emprego;
redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem perdas salariais; reforma da
Consolidação das Leis do Trabalho; direito de greve e sindicalização dos funcionários
públicos; liberdade de organização partidária; convocação de uma Assembléia
Constituinte; reforma agrária; autonomia dos sindicatos diante do Ministério do
Trabalho.
Nesse período vivia-se um regime militar que apesar de estar se
esgotando abolia todo tipo de manifestação por parte da classe trabalhadora o que
contribuiu para aumentar o apoio aos sindicatos. A repressão às manifestações dos
trabalhadores por parte do governo militar representou uma ganho para os sindicatos,
pois, a partir das efetivas repressões por parte do governo, os sindicatos passaram a
contar com o apoio de vários setores da sociedade civil, entre eles a Pastoral Operária
do ABC e do MDB, que era o partido político de oposição ao regime.
Com o fim do regime militar  período marcado pela “redemocratização”
do país, temos, então, como resultado da contestação da classe trabalhadora novas
organizações que representam os interesses da classe, e que, no decorrer dos anos,
principalmente, nos anos de 1990, começaram a mudar suas posturas de atuação política
(PT e CUT) que se caracterizavam por uma postura classista, enraizada na base, no caso
da central, de negação da estrutura sindical oficial25 para uma política de negociações
com os governos neoliberais uma postura de cariz neocorporativo e de participação
(ALVES, 2000; RAMALHO, 2007), o que uma extensa bibliografia designou chamar
essa descontinuidade de: “contestação á conformação”, ”cooperação conflitiva”
“resistência á concertação”, “sindicalismo de participação”, “sindicalismo propositivo”,
etc. Segundo Alves, essa nova postura política seria

caracterizada pela mudança do padrão de ação sindical da CUT (Central


Única dos Trabalhadores), que tenderia a privilegiar não mais a
confrontação, tal como ocorreu no decorrer dos anos 80, mas tenderia a
destacar a negociação ou a “cooperação conflitiva”: De uma atuação mais
confrontacionista evolui-se para uma atividade que poderíamos chamar de
cooperação conflitiva, em que o conflito é explicitado mas, ainda assim, há
uma preocupação com a cooperação. Teríamos o predomínio de um
sindicalismo caracterizado por “novo corporativismo de participação”:
Essa transformação político-ideológica do novo sindicalismo pode ser
sinteticamente caracterizada como a transição de um sindicalismo de ‘massa

24
MISAILIDIS, Mirta Lerena de. 2001, p. 72.
25
Para uma análise do modelo oficial de sindicato no Brasil ver MATTOS, Marcelo Badaró. Reforma
sindical do governo Lula: enterrando com honras de Estado o novo sindicalismo. In: Antítese:
marxismo e cultura socialista. Goiânia, nº 01, outubro de 2005, p. 106-135.
42
e confronto’ para um sindicalismo marcado pelo neocorporativismo (2005,
p. 48).

Concordando com a passagem destacada acima e analisando a trajetória


da CUT, observa-se que a central parte de uma política de confronto à exploração do
trabalhador e afirmação da luta de classes nos anos 80, para uma posição de
participação e negociação no cenário político nacional (anos 90).

2.2- A fundação da CUT

“Está colocada, na ordem do dia, a formação da Centra Única dos


Trabalhadores. As diversas correntes que existem hoje no movimento
sindical e popular brasileiro, começam agora a apresentar publicamente
suas propostas de fundação (ou construção) da CUT.”
“Uma parte dessas correntes situa-se no chamado “bloco pelego-
reformista”, outra parte situa-se no chamado bloco combativo” 26

Analisando a passagem do documento em que ressalta a função da CUT,


descrito no início deste enunciado. Sem uma observação detalhada, detecta-se um
conflito no interior do movimento sindical do período, pois temos: “o bloco pelego”, o
“bloco reformista”, o “bloco combativo” e a união entre pelego e reformista formando o
bloco “pelego-reformista”. O “bloco pelego” visava manter a burocracia sindical através
da qual se exerce o controle patronal sobre a organização dos trabalhadores, impedindo
o desdobramento da luta de classes para o campo político. “Atuando nesse intuito, com
o objetivo de manter a atual estrutura sindical atrelada ao Estado, o “bloco pelego” toma
como referencial a existência das próprias burocracias sindicais, autorizadas não pelo
movimento, mas pela legislação em vigor.”27
O “bloco reformista” temia que a luta dos trabalhadores ultrapassasse os
limites da legalidade vigente, rompendo com a prática de atrelamento sindical ao
Estado, impossibilitando o projeto de aliança dos reformistas com a classe burguesa, o
que inviabilizaria a formação das tão desejadas “frentes democráticas”. A união
“pelego-reformista” se concentra na tática de construir uma “nova” estrutura a partir da
velha, gradualmente, sem rupturas. A fim de tomar a direção política desse processo, a
partir da união pelego-reformista constitui-se uma entidade chamada “Unidade
Sindical”.
Em contraposição ao primeiro projeto apresentado surgiu o “bloco
combativo”. O “bloco combativo”, após vários ensaios de articulação com vistas ao
combate a estrutura sindical vigente, agrupou-se na ANAMPOS (Articulação Nacional
dos Movimentos Populares e Sindicais). Portanto, a disputa entre os blocos se dava,
entre outros fatores de origem ideológica, na questão de rompimento ou não com a
estrutura sindical atrelada ao Estado:

É precisamente desse ponto de vista, do ponto de vista da luta contra a atual


estrutura sindical  ou seja: da luta pela organização livre e independente
dos trabalhadores  que o bloco combativo quer tratar o problema da
construção da CUT. 28

26
A CONSTRUÇÃO DA CUT. In: Revista Brasil Revolucionário, 1983, p.43-50
27
Ibid., p. 44.
28
Ibid., p. 48.
43
Nesse contexto de atritos político-ideológicos em que se encontrava o
movimento sindical, a primeira Conferência Nacional da Classe Trabalhadora 
CONCLAT (1981)  foi caracterizada por esse conflito dos “blocos” que se formaram
no interior do recém surgido movimento sindical. Segundo Misailidis (2001, p. 86),
nesta conferência a tese da pluralidade sindical foi rejeitada e chegou-se a eleger uma
Comissão Nacional pró-Central Única dos Trabalhadores (CUT), por meio de uma
chapa única formada por 56 sindicalistas urbanos e rurais, representando todas as
tendências. A finalidade dessa comissão era organizar no ano seguinte, em 1982, um
novo congresso para a formação de uma central única dos trabalhadores. Entretanto,
devido aos conflitos internos da comissão, a realização do congresso previsto para o ano
seguinte não se efetivou, provocando a cisão do CONCLAT e, conseqüentemente, a
divisão do sindicalismo brasileiro que com já foi apresentado é caracterizado por vários
conflitos político-ideológicos.
Um ano depois, em 1983, ocorreu então a CONCLAT, que se realizou
sem a participação da ala moderada dos sindicalistas da “Unidade Sindical”. Desse
evento, participaram apenas os chamados “combativos”  militantes das oposições
sindicais, da esquerda católica (ligados à teologia da libertação) e dos pequenos grupos
de orientação marxista, leninista e trotskistas. Nele reuniram-se 5.059 delegados que
representavam 912 entidades, sendo 483 do setor público.29 Desse encontro, culminou a
criação da CUT, tido como marco histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 1980,
sendo ela considerada hoje “a mais poderosa em número de entidades a ela filiadas e em
capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores” (Rodrigues, 1990, p. 53).
Na cerimônia de fundação da CUT (CONCLAT, 1983), foram aprovadas
as seguintes reivindicações, entre as quais muitas delas são de natureza política: reforma
agrária radical sob controle dos trabalhadores, a partir da demarcação do uso coletivo da
terra; não pagamento da dívida externa; rejeição das privatizações das estatais; eleições
diretas para Presidência da República; direito irrestrito de greve; liberdade e autonomia
sindical; formação da Central Única dos Trabalhadores e seu reconhecimento como
órgão máximo de representação dos mesmos; e, ainda, a formação das comissões
permanentes por local de trabalho, entendidas como canais de transmissão das decisões
das assembléias sindicais e de integração dos trabalhadores da empresa na luta dos
mesmos. Nasceu então o “novo sindicalismo” que surgiu da negação a estrutura sindical
vigente.
Diga-se de passagem, os sindicalistas que não participaram desse
encontro (ala moderada) realizaram um outro congresso, no mesmo ano, com o mesmo
nome (CONCLAT). Após três anos, em 1986, realizaram outro congresso que resultou
na criação da Central Geral dos Trabalhadores (CGT) que, em 1989, devido a sua
constituição heterônima desenvolveu um racha interno que se desdobraria em duas
CGT’s  Central Geral dos Trabalhadores e Conferência Geral do Trabalho.

2.3- A CUT e a década neoliberal

A posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da República,


trazendo consigo o plantel neoliberal, resultou na mudança da estratégia da CUT.
Segundo Boito Jr.(1999, p.141), o marco inicial dessa mudança foi a IV Plenária
Nacional da CUT, realizada em agosto de 1990, na cidade de Belo Horizonte. O mesmo
afirma que, nessa plenária, a direção da CUT lançou e fez aprovar a idéia de um

29
Misailidis, Mirta Lerena de. 2001, p.73-75.
44
“sindicalismo propositivo”, que seria uma opção ao “sindicalismo defensivo” dos anos
1980. De acordo com essa proposta, a central deveria ir além dessa postura
exclusivamente reivindicativa e de valorização excessiva da ação grevista, que teria
predominado nos anos 1980, passando a elaborar propostas de políticas a serem
apresentadas e negociadas em fóruns que reunissem os sindicalistas, representantes do
governo e o empresariado (fórum tripartite).
Essa mudança, se efetiva no IV Congresso da CUT (Concut) realizado
em São Paulo, em setembro de 1991. Esse foi um congresso marcado pelo ápice do
acirramento da luta político-ideológica na direção do sindicalismo brasileiro entre
socialistas revolucionários e social-democratas Antunes (1991, p. 82). Esse conflito se
deu entre a Articulação Sindical (ala majoritária) e as correntes de esquerda
(minoritárias). Nesse congresso foi discutido o modelo organizativo da CUT e vence a
proposta da CUT-organização e não CUT-movimento. Com a ala CUT-organização
“inicia-se a implantação de uma estrutura verticalizada, administrativa, enfim, como
uma organização complexa e burocrática” (TUMOLO, 2002, p.115). Portanto, observa-
se na CUT dos anos 1990 a inserção de uma administração verticalizada, negando a
base, o que contribuiu para as negociações futuras com governos neoliberais.
Tentativas de negociações com os governos foi uma prática comum no
sindicalismo cutista. No entanto, verificou-se, a partir dos anos 1990, uma postura
diferenciada nessas negociações. Boito Jr.(1999, p.144), afirma que:

Meneguelli (hoje diretor da FIESP) 30, em encontros com o governo Sarney,


protocolou a plataforma em torno do que se queria negociar: reajuste
automático de acordo com a inflação, redução da jornada de trabalho,
salário-desemprego, congelamento dos preços dos gêneros de primeira
necessidade, salário mínimo do Dieese, reforma agrária e não pagamento
da dívida externa. Desse modo, a intervenção da CUT funcionava mais
como uma denúncia da política econômica do que uma busca efetiva de
acordo.

Em 1990, a direção da CUT voltou à mesa de negociações, agora numa outra


perspectiva. A CUT exigia apenas reposição das perdas salariais 31. Mais do que
incorporação de valores neoliberais, a tendência majoritária na CUT passa a adaptar-se
a institucionalidade sindical vigente no país, incorporando a sua inércia estrutural, que,
sob o novo complexo de reestruturação produtiva, tenderia a disseminar, como excreção
ideológica, um novo tipo de “egoísmo de fração”, ou seja, o neocorporativismo
setorial.32
As greves do final dos anos 1970 e nos anos 1980 vão refletir nos anos
1990 essa perspectiva neocorporativista do sindicalismo cutista. Segundo Mascarenhas
(2000, p. 74), entre 1978 e 1988 ocorreram um total de 4.247 greves no Brasil. Para
observarmos o fenômeno neocorporativista, deveremos fazer uma análise qualitativa das
greves, ou seja, a forma de ser das paralisações, o que refletiria, de certo modo, a
mutação das estratégias sindicais no país.

30
DORTA, Édson. Jair Meneguelli, de presidente da CUT a diretor da FIESP. CMI, 2004.
Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/03/275631.shtml> Acessado em: 30 de
outubro, 2008.
31
Ver Pacto social, de Collor a Itamar. Centro de Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
<http://www.cpvsp.org.br/portal/acervo/documentos/> Acessado em: 2 de novembro, 2008.
32
Sobre essa tendência neocorporativista do sindicalismo brasileiro ver SOARES, José de Lima. Para
onde vai o mundo do trabalho? Crise e perspectiva do movimento sindical. In: SOARES, José de
Lima. A ofensiva neoliberal, reestruturação produtiva e luta de classes. Brasília, 1996.
45
As greves assumiram várias modalidades , ou ainda, formas de ser 
greves por empresa, greves gerais por categoria, greve geral, greves com ocupação de
fábricas. No entanto, o que relaciona greve com práticas neocorporativistas refere-se às
greves por empresa em oposição às greves gerais por categoria. A partir de 1980, afirma
Antunes (1991, p. 85), aumentou o número de paralisações por empresas, chegando a
representar 75,5% do total de greves desencadeadas, em 1984, e 60,8%, em 1985. Essa
tendência do “sindicalismo de resultado” caracterizou o sindicalismo da Força Sindical
(central concorrente da CUT). No interior da própria CUT, sob a era neoliberal,
“desdobrar-se-ia uma tendência similar, de cariz neocorporativo, com o sindicalismo de
participação, que privilegia a estratégias propositivas; um novo sindicalismo, cada vez
mais defensivo, disposto a incluir, em sua pauta de resistência, a parceria com o capital”
(ALVES, 2000. p.291).
Nos anos 90, as greves gerais de protesto e as campanhas contra a política
econômica do governo cederam lugar as diversas tentativas de acordo com os governos
de Collor, Itamar e FHC. Na década de 90, tivemos apenas duas greves gerais, uma em
1991, outra em 1996. E ainda, Boito Jr.(1999, p.145) afirma que essas duas greves
tiveram baixa participação de trabalhadores devido à discordância de importantes
parcelas de sindicatos como as direções dos sindicatos do ABC na greve de 1991.

2.4- Sindicalismo no setor Público

Enquanto uma parcela do sindicalismo cutista dava sinal de esgotamento e mudança


de postura, uma outra, que surgia devido ao crescimento do sindicalismo de classe
média nos anos 80, vai resultar, segundo Boito Jr.(1991, p. 43), na inclusão no sistema
sindical de Estado de um dos setores mais numerosos e ativos da classe trabalhadora: o
funcionalismo público. Excluídos até então, o sindicalismo no setor público organizava-
se por meio de associações que tinham um caráter cultural e de ajuda mútua, porém, a
partir da década de 80, transformou-se em movimento reivindicatório e combativo.
Nessa perspectiva, destaca Boito Jr.(1991, p. 64): “Os servidores públicos passaram a
desempenhar na conjuntura dos anos 80 um papel semelhante ao daquele desempenhado
pelas Ligas Camponesas nos anos 60, no que respeita a estrutura sindical.” Nesse
sentido, provaram que era possível organizar os trabalhadores sem a presença do Estado
e, ao mesmo tempo, conquistar a representatividade sem o reconhecimento oficial do
Ministério do Trabalho. Portanto, se existiu um “novo sindicalismo” nos anos 1980, que
negou a estrutura sindical do Estado e se constituiu fora dela, pode-se afirmar que foi o
sindicalismo no setor público. O autor ainda destaca que esse setor “sustenta-se sem o
recolhimento de contribuições sindicais compulsórias e consegue forçar o patronato a
negociar sem a muleta da data-base e da medição da Justiça do Trabalho” (BOITO,
1991, p. 65).
Analisando os movimentos grevistas do período podemos observar que a
maioria das greves se desenvolveu dentro do funcionalismo público e fora da estrutura
sindical oficial, ou seja, fora do sindicato, legalmente, reconhecido pelo Estado. Os
funcionários públicos, que até então não marcavam presença nas manifestações de
trabalhadores finalizaram, a década de oitenta como a categoria que mais greves
realizou. Dentre os trabalhadores industriais, os metalúrgicos, devido, entre outros
fatores sua forte representação e organização sindical, foram responsáveis por 34,8% de
todas as greves realizadas de 1978 a 1986 e por 71% daquelas organizadas no setor
industrial. Os funcionários públicos vão se destacar entre os assalariados de “classe
média” como responsáveis por 72% das greves executadas no setor. Em 1988,
46
estatísticas apontam que dois terços dos grevistas eram funcionários do setor público.
Nesse mesmo ano, o número de grevistas do setor público superou o do setor privado
atingindo um número de 6.163.690 de grevistas contra 3.542.330 do setor privado.33
A partir da eleição de Collor, inaugurou-se uma política de
desindustrialização, ao ponto de abrir o país para a entrada de carros importados. Neste
contexto, ocorreu uma ofensiva em direção ao funcionalismo público. De acordo com
Castro e Carvalho (2002, p.123), Collor em seu governo abarcou tanto medidas de
estabilização monetária quanto ações que disseram respeito à regulamentação da
economia, “privatização de empresas estatais, venda de imóveis da União, reforma
administrativa, extinção de órgãos federais e um Plano Nacional de Desestatização,
entre outras.”
A corrente majoritária da CUT assumiu uma posição abertamente
contrária a política neoliberal. Segundo Boito Jr.(1999, p.175), “no movimento sindical
dos servidores públicos, a Articulação Sindical assumiu a luta contra a reforma
administrativa e da previdência.” No entanto, em nota a imprensa, o então presidente da
ANASPS (Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social), Alexandre
Barreto Lisboa , afirmou que a Reforma de Estado promovida por Collor, que fundiu e
extinguiu órgãos públicos sob pretexto de reduzir o tamanho da máquina e de enxugar o
Estado, produziu 46.196 aposentadorias, recorde jamais igualado em um ano, além de
colocar quase duas dezenas de milhares em disponibilidade. Já Fernando Henrique
Cardoso, que teve mais tempo para promover e intensificar medidas neoliberais, obteve
mais êxitos (nas reformas as quais se propôs). Segundo levantamentos da ANASPS, em
oito anos de governo FHC, em função da lª. Reforma da Previdência que promoveu com
o objetivo de acabar com as conquistas constitucionais e os direitos sociais dos
servidores, nada menos do que 152.235 servidores se aposentaram.34 Na primeira fase
das privatizações (1990-1994) foram privatizadas, cerca de 33 empresas.35
Essa luta se mostra contraditória com o “sindicalismo propositivo” dos
anos 90, no interior da CUT. No entanto, os números mostraram que a posição da
categoria em ralação ao governo não representou barganha para a mesma, pois, as
reformas como foi descrito acabaram por eliminar os postos de trabalho de grande
parcela da categoria.

2.5- As câmaras setoriais

A CUT começou a se efetivar no modelo “neocoporativista” a partir do momento


que seus dirigentes observaram a possibilidade de os trabalhadores se aproveitarem das
contradições e disputas no interior do bloco no poder,36 aliando os interesses da

33
Fonte: NEPP/Unicamp. Apud, MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém. Desafiando o Leviatã –
Sindicalismo no Setor Público. Campinas. Alínea, 2000, p.60-61.
34
Ver Imprensa ANASPS. A política de desmanche do Estado brasileiro levou 250 mil servidores a se
aposentar entre 1991 e 2003. Disponível em:
<http://www.anasps.org.br/index.asp?id=976&categoria=29&subcategoria=50> Acessado em: 15 de
novembro, 2008.
35
Ver SILVA, Eduardo Fernandez. Nota sobre as privatizações no Brasil para informar missão de
parlamentos sulafricanos. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema10/2005_10641.pdf> Acessado em: 20
de novembro, 2008.
36
As políticas neoliberais acirraram as disputas no interior do bloco no poder, pois esta política beneficia,
principalmente, a burguesia financeira e contraposição à burguesia estatal e industrial nacional.
47
burguesia industrial aos seus para dessa forma obter força na luta contra o desemprego.
A CUT tentou explorar essa contradição para obter benefícios. O caminho escolhido
foram os fóruns tripartites que se efetivaram a partir das câmaras setoriais. Esses fóruns
reuniram representantes do governo, empresários e sindicatos de trabalhadores de
determinado setor econômico que se via ameaçado pela política de abertura comercial.
Essa nova política da CUT não conseguiu barrar o crescimento do
desemprego e a desindustrialização da era neoliberal e, ainda, colocou a CUT a reboque
dos interesses das montadoras de veículos (ALVES, 2000, p.112). Segundo dados do
Sindicato das Indústrias de Autopeças (Sindipeças), só nesse setor, entre 1991 e 1996, o
número de empregados caiu de 255.600, para 190.000.37 De acordo com Boito Jr.
(1999, p. 164), no caso da câmara do setor automotivo, “o governo Itamar, através do
ministro da Fazenda Ciro Gomes, proibiu, em outubro de 1994, o reajuste de salários,
que era um dos pontos mais importantes do acordo para os operários, dando início a
desativação daquela câmara.” As montadoras, por sua vez, no curto período de três anos
em que a câmara funcionou, entre 1992 e 1994, aumentaram seu funcionamento em
mais de 50% e reduziram sua participação no IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) de 2,0% para 1,1%. Após terem obtido redução do IPI, facilidades
creditícias para venda de veículos e aumentado enormemente seu faturamento, as
montadoras não viram nenhum mal no fim da câmara setorial. No que refere as câmaras
e seus acordos, Andréia Galvão destaca:

Em São Bernardo do Campo o contingente de trabalhadores empregados


pelas montadoras diminuiu ao longo dos anos de vigências dos acordos da
câmara setorial. Em 1991, elas empregavam 53.916 trabalhadores. Esse
número foi caindo de maneira regular e, em 1994, atingiu a casa dos 48.727
trabalhadores. A despeito do grande aumento da produção, foram
suprimidos mais de cinco mil postos de trabalho (GALVÃO, 1996, p. 112).

Entre março de 1990 e maio de 1995, os salários caíram muito para a


maioria dos metalúrgicos do ABC  entre 5 e 41%, dependendo do setor considerado.
No setor de autopeças a queda foi pequena, de 3,6%, enquanto o operariado das
montadoras teve uma melhora significante de 0,3%. Verifica-se uma piora geral, porém,
hierarquizada: o operariado das montadoras perde menos que o restante da sua categoria
legal.38 Galvão (1996, p. 113) conclui, ainda, que os objetivos declarados do acordo da
câmara do setor automotivo “que mais interessavam aos trabalhadores (aumentar 4 mil
postos de trabalho nas montadoras e 90 mil em toda cadeia e recuperar os salários com
aumento real de 20% entre abril de 1993 e abril de 1995) não foram cumpridos.” Os
objetivos que interessavam diretamente ao patronato, por sua vez, foram largamente
ultrapassados. De 1991 a 1995, a produção de veículos no Brasil, considerando todas as
montadoras do país, cresceu 70,33%, saltando de 960.219 unidades para 1.635.541. A
produtividade passou de 8,8 unidades por trabalhador em 1991, para 14,8 em 1994. O
faturamento das montadoras saltou de 12 para 19 bilhões de dólares. As montadoras
foram as grandes beneficiárias da câmara setorial.39 No caso da câmara tripartite o que
Tumolu (2002) considera como “movimento policlassita”, não existiu luta contra a

37
Fonte: Sindipeças, apud ALVES, 2000, p.228.
38
GALVÃO, Andréia. Participação e fragmentação: a prática sindical dos metalúrgicos do ABC nos
anos 90. 1996. 223 f. (Dissertação de Mestrado), Unicamp. Campinas, 1996.
39
Dados da Anfavea publicados na revista Veja, edição de novembro de 1994, Apud Boito Jr., 1999,
p.167.
48
desindustrialização e recessão, mais sim, regalias fiscais e creditícias para o setor
automotivo. Diante disto, coloca-se a seguinte pergunta, será que a classe trabalhadora
se viu beneficiada na defesa desses itens?
Uma das principais características das câmaras setoriais que foram
apresentadas pela corrente majoritária cutista como a “salvação da lavoura” é o
neocorporativismo. Essa que seria a alternativa ideal para a estratégia do sindicalismo
dos anos 1990, segundo Boito Jr.(1999, p.165), na lógica corporativa de funcionamento
das câmaras, o sindicato é levado a propor soluções para o problema do “seu” setor e
essas soluções, em pontos fundamentais, colidem com interesses e propostas dos
trabalhadores de outros setores. O sindicato dos Metalúrgicos do ABC defendeu e
obteve facilidades para as montadoras de automóveis importarem equipamentos para a
sua “modernização”, exatamente o oposto do que os sindicatos do setor de máquinas e
equipamentos, que pleiteavam a proteção alfandegária para o setor nacional de bens de
capital. Com a câmara setorial, a Central transferiu de certa forma a contradição de
interesses que se encontrava no interior do bloco no poder para o seu próprio interior. A
disputa agora é entre os próprios sindicatos a ela filiados:

Num plano mais geral, instaurou-se, hoje, no Brasil, uma luta mais ou menos
velada entre os sindicatos, de diferentes categorias ou setor, e por
investimentos privados, para sua categoria ou base territorial. Segundo
depoimentos de sindicalistas da CUT, além da “guerra fiscal” entre Estados
para atrair investimentos, há uma disputa entre sindicatos, da própria CUT,
no qual o sindicato se compromete a reivindicar menos, em troca de um novo
investimento no “seu” município (BOITO, 1999, p.164).

Essa fragmentação, bem como esse “corporativismo setorial” em que se


encontra o sindicalismo cutista na década de 90, seria o que Gramsci, grande crítico do
sindicalismo chamou de “egoísmo de fração”. Os anos de 1990 vão se caracterizar por
uma metamorfose político-ideológica da CUT que tenderia a privilegiar não mais a
confrontação, tal como ocorreu no decorrer dos anos 1980, mas a destacar a negociação
ou a “cooperação conflitiva”. Isto é, “de uma atuação mais confrontacionista evolui-se
para uma atividade que poderíamos chamar de cooperação conflitiva, em que o conflito
é explicitado, mas, ainda assim, há uma preocupação com a cooperação.”40 Nessa nova
perspectiva, a qual uma bibliografia significativa chamou de sindicalismo propositivo e
de participação, circunscreve os interesses dos trabalhadores apenas às medidas que
afetam, diretamente, o setor da economia no qual estão inseridos.
A nova proposta política da CUT, entre outros fatores, foi construída a
partir do aspecto participacionista da política neoliberal que incentivou uma ação
sindical caracterizada pela “livre negociação”. A concepção que valorizava a luta
sindical de massa por direitos sociais e trabalhistas se viu abandonada. Os sindicatos
oficiais viram suas bases constituídas pelas categorias legais previstas na CLT,
subdividirem-se na luta prática em setores e por empresas. São exemplos significativos
dessas tendências o crescimento no sindicalismo bancário, da divisão entre funcionários
dos bancos públicos e os dos bancos privados. Também, pode-se citar o sindicalismo

40
ALVES, Giovanni. Os fundamentos ontológicos do sindicalismo neocorporativo. Anais. ANPOCS:
Caxambu, 1999. Disponível em:< www.biblioteca.unesp.br/bibliotecadigital/document/?down=3131>
Acessado em: 13 de novembro, 2008.

49
metalúrgico da Grande São Paulo, em que ocorreu a divisão entre o operariado das
montadoras de veículos e os demais metalúrgicos.
Para Boito Jr.(1999, p.168), esse novo corporativismo, “distinto do
corporativismo de Estado populista, é, em face dos trabalhadores, e diferentemente do
que sugere a grande maioria dos estudos sobre o tema, uma estrutura de dominação e
não uma estrutura de representação de interesses.” Essa estrutura envolve, divide e
despolitiza o movimento sindical. Observe como o discurso do sindicalismo cutista, nos
anos 90 tornou-se participativo e propositivo em contraposição ao seu momento dos
anos 80. Vejam a seguinte passagem do documento editado pelo Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema:

A câmara setorial representa uma alternativa como fórum de discussões


amplas, onde, a despeito das inevitáveis divergências de diagnósticos e
propostas entre vários segmentos que compõe o setor, existe a perspectiva de
significativos avanços. O aumento da produtividade é fundamental para a
competitividade da indústria brasileira no mercado internacional.
Acreditamos que compete a uma nova política industrial, antes de mais nada,
basear-se numa estratégia para o tipo de inserção do Brasil no cenário da
economia mundial (REESTRUTURAÇÂO DO COMPLEXO PRODUTIVO
BRASILEIRO, 1992, p.15, 21 e 22).

Essa nova estratégia nega a luta de classes que foi um dos princípios que
se pregava no início da década de 80, na Central. Vejamos:

[...] a CUT caracterizou-se, desde suas origens, como uma central que
apontava a ruptura com o sistema capitalista vigente. A CUT é o resultado
do acúmulo das lutas que eclodiram no final dos anos 70, que se
caracterizavam pela marca da independência de classe e pelo confronto com
a classe patronal. Sua característica é a radicalidade classista. Seu ideário
está nitidamente em contrário com o da Força Sindical. Enquanto a CUT
nasceu de uma base radicalizada no confronto capital x trabalho, visto e
assumido como um confronto de interesses de classes opostas e
irreconciliáveis (TUMOLU, 2002, p.125).

O autor destaca ainda que:

[...] nos últimos anos, delineou-se, articulou-se e estruturou-se na CUT uma


compreensão de que a solução para a crise capitalista será encontrada no
sindicalismo de negociação, na participação dentro da ordem dominante.
Assim, a CUT procurou dirigir suas lutas para a conquista de maior
distribuição de renda e melhoria para os trabalhadores, não colocando
como horizonte a supressão da sociedade de classes. Manifesta-se na CUT
forte influência do sindicalismo predominante nos países imperialistas,
principalmente europeus, vinculados a CIOSL  central mundial que
contribuiu com vultuosos recursos financeiros decisivos a criação da CUT e
a consolidação, em seu interior, de uma tendência vinculada política e
ideológica a seus princípios reformistas (TUMOLU, 2002, p. 125).

Corroborando para essa nova tendência participacionista e propositiva


(propositivismo dentro da ordem), teve papel direto à filiação da CUT a CIOSL
(Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres), em 1992, essa Central
internacional de caráter social-democrata e pró-capitalista vai marcar a debandada da
CUT.

50
Para Tumolo (2002, p.189), a incapacidade global da CUT de dar
respostas ao projeto neoliberal, destaca-se principalmente a sua incapacidade de
responder ao canto da sereia da mudança da sua perspectiva estratégica. Isto é, passar de
um sindicalismo classista, de confronto, com uma perspectiva estratégica socialista, a
um sindicalismo de parceria entre capital e trabalho. Um sindicalismo vislumbrado com
a palavra “tripartite”: empresários e trabalhadores, sentados na mesa junto com governo
situado acima das classes. Sindicalismo de “concertação social”, como se fala na
linguagem sindical da CIOSL.
Para encerramento da discussão concorda-se com Boito Jr.(1996) que é
preciso frisar, desde já, que a CUT não se converteu numa central sindical neoliberal.
Pelo contrário, a ação sindical de resistência ao neoliberalismo só tem sido
implementada pelos sindicatos cutistas. Contudo, essa resistência tem sido ineficaz. A
estratégia da corrente dirigente da CUT na década neoliberal - Articulação Sindical -,
faz concessões à ideologia e a política neoliberal, facilitando a implementação e o
avanço dessa política e contribuindo para a difusão daquela ideologia junto aos
trabalhadores brasileiros, o que colaborou definitivamente, para a hegemonia da política
neoliberal tornando-a, a nível de discurso, como única via.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abandonando algumas críticas pessoais e, referindo-se a algumas considerações


a respeito do tema, deixa-se em aberto a interrogação a cerca da valorização que merece
um modelo econômico e social como o neoliberal que, quando aplicado de acordo com
sua cartilha (muito bem elaborada por Hayek, e outros), gerou desemprego em níveis
inéditos. De nada vale um orçamento fiscal equilibrado, ou uma inflação “baixa”, ou
ainda, um superávit na balança comercial, se os trabalhadores desempregados são uma
legião cada vez mais numerosa, se o emprego se torna precário e os salários se tornam
insuficientes. Tudo isso, acompanhado de uma série de problemas sociais que se
agravaram como a violência, a miséria, o uso e tráfico de drogas, etc.
No que remete-se ao movimento sindical brasileiro da década de 1990, esse não
é o mesmo dos anos 1970 e 1980. Até mesmo pela conjuntura, em que, se encontra
inserido. Nos anos 90 constata-se que as políticas neoliberais alteraram de modo
significativo a política de empregos e o mercado de trabalho, pode-se afirmar que a
organização sindical, como parte importante da sociedade civil, encontra-se numa
encruzilhada entre uma proposta política de confronto (característica do sindicalismo
dos anos 80), e uma proposta política de participação na sociedade capitalista da era
neoliberal.
A fórmula para a solução desse conflito pode ser dada, utilizando-se da lição
apontada pelo próprio neoliberalismo. Portanto, deve-se não ter nenhum medo de estar
absolutamente contra a corrente política de seu tempo. Hayek, Friedman e outros
integrantes da sociedade de Mont Pèlerin tiveram o mérito (mérito, aos olhos de
qualquer burguês, inteligente e contemporâneo) de colocar uma crítica radical ao statu
quo (quando a fizeram era muito impopular). E tiveram paciência e postura de oposição
marginal durante longo período, quando a sabedoria convencional os tratou como
excêntricos ou loucos, até o momento em que as condições históricas mudaram e suas
oportunidades políticas chegaram. Portanto, nunca é tarde lembrar que “tudo que é
sólido se desmancha no ar”.
51
Sendo assim, este texto encerra-se numa perspectiva pós-neoliberal concordando
com Perry Anderson (2007) que para se pensar uma superação do neoliberalismo deve-
se atacar enfaticamente e agressivamente no terreno dos valores, questionando-os e
ressaltando o princípio da igualdade, como critério central de qualquer sociedade
verdadeiramente livre.

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Bibliografia de Apoio:

ALCOFORADO, Fernando. O Brasil e a nova (des) ordem mundial. São Paulo.


Nobel, 1998

RESUMO

57
Este trabalho discute a relação do neoliberalismo com a classe trabalhadora no
Brasil. Deste modo, percebe-se que as medidas neoliberais implantadas a partir
nos anos de 1990, no país, desenvolveram um desequilíbrio ainda maior na relação
capital trabalho. Esse processo refletiu nas organizações representativas, que não
conseguiram dar respostas à nova ofensiva do capital.

Palavras-chave: neoliberalismo; classe trabalhadora; organizações


representativas.

58
Educação e Reprodução na Abordagem
Sociológica de Bourdieu e Passeron

Maria Angélica Peixoto*

Resumo: O texto apresenta alguns dos principais conceitos da sociologia da educação contidos na obra de Bourdieu e
Passeron: A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. Trabalha os conceitos de ação
pedagógica, violência simbólica, capital cultural, capital lingüístico, entre outros, e a sua importância para a
compreensão do sistema de ensino e seu papel de reprodução das desigualdades e estrutura de classes. Aponta, ainda,
algumas saídas para que dentro do campo educacional consiga romper com o processo de reprodução da cultura e da
estrutura de classes da sociedade capitalista, qual seja, a de que é possível realizar um trabalho que possibilite ao
aluno e aluna tomarem consciência da relação de força que subjaz o trabalho pedagógico, levando-os a superar a
força arbitrária da ação pedagógica.

Bourdieu e Passeron (1982) assinam juntos uma das obras mais importantes para a
sociologia da educação. A Reprodução (publicado originalmente em 1970), tem sido um
importante marco para o pensamento sociológico, não só por tentar fazer uma síntese
teórica das várias abordagens sociológicas: Durkheim com seu objetivismo, Weber com
seu subjetivismo e Marx como expressão do pensamento dialético, segundo distinção
epistemológica feita por Pereira (1970), mas principalmente por, partindo desta síntese
realizar uma análise complexa do fenômeno educacional.
Veremos abaixo como Bourdieu e Passeron analisam o sistema de ensino, quais as
contribuições presentes em A Reprodução e outras obras e principalmente quais as
implicações desta teoria do sistema de ensino na sociedade moderna, bem como a
questão da mudança no interior do campo educacional.
O ponto de partida destes autores é a afirmação de que toda ação pedagógica é
uma violência simbólica, pois é uma imposição arbitrária de uma cultura de um grupo
ou classe a outro grupo ou classe e esta imposição oculta, mascara, as relações de força
que estão na base de seu poder.

*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
*
Professora da Universidade Católica de Goiás (UCG) e Universidade Paulista (UNIP). Mestra em
Sociologia (UnB).
59
Sendo assim, “as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos,
mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da
sociedade global” (Ortiz, 1994:15).
A ação pedagógica é uma ação objetivamente estruturada e é uma violência
simbólica porque impõe um arbitrário cultural, ou seja, impõe uma concepção cultural
de grupos e classes dominantes e esta imposição terá no sistema de ensino seus
sustentáculos.
A pedagogia, neste sentido, é inculcação de valores e normas de um dado grupo
ou classe a outros grupos ou classes. Podemos reafirmar então, que a ação pedagógica é
uma violência simbólica, pois tem por objetivo aplicar sanções, impor um arbitrário
cultural.
Bourdieu então, através do estudo da “distribuição estatística dos produtos
pedagógicos segundo as diferentes camadas e classes” chega a seguinte conclusão: a
chance de cada indivíduo é determinada pela sua posição dentro do sistema de
estratificação e, partindo da análise específica do sistema de ensino ele demonstra que o
sistema de ensino tem uma dupla função: a reprodução da cultura e reprodução da
estrutura de classe. O sistema de ensino promove os aptos a participarem dos privilégios
e do uso da força (poder).
Então, para entendermos seu raciocínio voltaremos à questão da ação pedagógica:
toda ação pedagógica requer uma autoridade pedagógica para que ocorra a inculcação
de um arbitrário cultural.

“A ação pedagógica se realiza através do trabalho


pedagógico que são atividades contínuas e sistemáticas de
inculcação dos princípios culturais que devem persistir após a
cessação da ação pedagógica” (Freitag, 1979: 66).

Neste sentido, é o trabalho pedagógico que garante a imposição dos conteúdos


culturais de grupos e classes dominantes sobre os demais no interior da escola,
mantendo assim, a perpetuação da ordem estabelecida, garantindo uma formação social
durável.
O trabalho pedagógico operado pelo sistema de ensino conduz os alunos pouco a
pouco a irem interiorizando “certos códigos de normas e valores”. Bourdieu, enfatiza a
importância de se estudar o modo de estruturação do habitus através das instituições de
socialização, ou seja, o trabalho pedagógico tende a estruturar o habitus
(“predisposições dos agentes agirem segundo um certo código de normas e valores que
os caracterizam como pertencentes a um grupo ou classe”) ou mais, os agentes tendem a
reproduzir as mesmas condições da classe de origem.
E os professores ao negarem as especificidades dos alunos e alunas através de
ações uniformizantes e uniformizadoras contribuem para a reprodução da ordem vigente
e através das suas comunicações impõem um arbitrário cultural. Bourdieu aponta que a
língua não é somente instrumento de comunicação/conhecimento, mas um dos mais
poderosos instrumentos de poder (Bourdieu, 1994:161). E que portanto, é um
instrumento de manipulação, pois dependendo da posição do aluno no sistema de
estratificação a possibilidade de mobilidade social se restringe demasiadamente se caso
o seu capital lingüístico for diminuto e, esta relação de poder fica bem expressa no que
diz respeito à relação professor e aluno:

“A estrutura da relação de produção


lingüística depende da relação simbólica entre os
60
dois locutores, isto é, da importância de seu capital
de autoridade (que não é redutível ao capital
propriamente lingüístico): a competência é também
portanto a capacidade de se fazer escutar. A língua
não é somente um instrumento de comunicação ou
mesmo de conhecimento, mas um instrumento de
poder. Não procuramos somente ser compreendidos,
mas também obedecidos, acreditados, respeitados ...
os que falam consideram os que escutam dignos de
escutar e os que escutam consideram os que falam
dignos de falar” (Bourdieu, 1994:160-161).

Entra aqui, outro elemento de grande importância para a análise de Bourdieu, o


conceito de capital cultural, ou seja, cada indivíduo recebe um quantum social de
informações desde o seu nascimento, principalmente através da família e será esta
quantidade de informação que determinará a posição do indivíduo na sociedade. A
triagem e seleção serão explicadas em termos de falta de habilidades, capacidades, mau
desempenho, justificando assim, as desigualdades sociais.
A ideologia das aptidões naturais oferece importante auxílio para explicar as
desigualdades do ponto de vista dos grupos e classes dominantes. A ideologia das
aptidões naturais naturaliza as desigualdades ao explicá-las a partir de uma ordem
estritamente biológica. A ideologia das qualidades inatas foi analisada no texto de
Noelle Bisseret “A Ideologia das Aptidões Naturais”, onde o autor leva-nos à
compreensão desta e como que se tornou possível a sua difusão.
Segundo Bisseret, por meio da Psicologia Diferencial, os ideólogos da burguesia
criaram uma nomenclatura onde definiam os aptos e inaptos por natureza a possuir ou
não os cargos de comando. Vale ressaltar o fato de que os aptos eram quase sempre
pertencentes à classe dominante ou as demais classes privilegiadas. Segundo Bisseret:

“...a noção de aptidão, (...) serve


progressivamente de suporte para justificar a
manutenção das desigualdades sociais e das
desigualdades escolares que traduzem e perpetuam.
Como a nova sociedade e as instituições escolares
são colocadas como igualitárias, a causa das
desigualdades só pode ser atribuída a um dado
‘natural’”(Bisseret, 1979: 31).

Neste sentido, toda ação pedagógica só se realiza se encontrar condições concretas


para se efetivar. Portanto, toda ação pedagógica para se realizar estabelece uma relação
de comunicação. Por meio desta relação ela impõe um arbitrário cultural impondo e
inculcando certas significações, convencionadas pela seleção e exclusão. A ação
pedagógica confere à imposição grande legitimidade que por sua vez é aprovada por
aqueles que a ela estão submetidos.
Daí observarmos o quanto é importante o momento em que os professores
selecionam (levando em conta é claro, o peso das demais instituições e do Estado nesta
seleção) os conteúdos que repassam para os alunos e alunas. Esta seleção trás em sua
base as condições necessárias para a reprodução objetiva da multifacetada cultura e
estrutura de classe da sociedade capitalista. Tais conteúdos reproduzem a posição dos
alunos na estrutura social e já carrega em si as possibilidades de um dado grupo de
61
alunos e alunas estarem sendo assimilados e ou selecionados ou, ao contrário,
eliminados da escola.
O capital cultural juntamente com a ação pedagógica impositora é a chave que
destrancará as portas que fornecerão subsídios para compreendermos como se opera o
processo de seleção e eliminação de alunos e alunas do sistema de ensino. Os grupos e
classes dominantes detêm pela posição privilegiada, as condições necessárias para se
imporem aos demais grupos e classes. Suas idéias, valores, crenças, concepção de
mundo e gostos estéticos se tornam legítimos e são inculcados subrepticiamete aos
demais grupos e classes através das escolas e dos meios de comunicação de massa.
Tudo isto é percebido como legítimo, pois a violência simbólica da ação
pedagógica dissimula a arbitrariedade e a apresenta como algo legítimo. Os demais
grupos e classes por desconhecerem a verdade objetiva da ação pedagógica reforçam as
relações de força exercidas pela ação pedagógica aumentando ainda mais sua eficácia.
Daí Bourdieu afirmar que o desconhecimento do poder de imposição da ação
pedagógica por parte daqueles que a ela estão submetidos, é a condição dela se exercer,
ou seja, impor valores, idéias, gostos, crenças àqueles que a ela se conformam.
Este processo gera a negação das especificidades dos demais grupos, o que faz
com que seus valores, idéias, gostos estéticos, crenças e outros elementos sejam
negados pela força consensual dominante. No âmbito da escola tal fato adquirirá
expressão máxima por meio das verdades uniformizantes, isto é facilmente percebido
pela estrutura escolar que, ao contrário, do que enuncia (repasse de saberes comuns a
todas às classes e grupos) impõe sua verdade férrea a todos os demais grupos e classes
desprivilegiadas negando as especificidades.
Aqui temos uma importante contribuição de Bourdieu, pois hoje muitos
educadores e pesquisadores enfatizam a necessidade de se compreender e trabalhar a
questão das especificidades nos sistema escolar.
Atualmente se atribui grande importância em estarmos pensando num perfil de
educadoras e educadores atentos às características e necessidades de alunos e alunas em
diferentes níveis de desenvolvimento, “ou seja, começamos a pensar na criança, no
adolescente, no jovem, no adulto, que se encontra escondido atrás da palavra ‘aluno’”
(Campos, 1999)
Fazendo isto e pensando sobre a Declaração de Salamanca de 1994 fica mais fácil
pensarmos na menina e no menino de origens sociais distintas, étnicas, regionais ou
oriundos do campo e da cidade, no jovem e adolescente dos subúrbios e das áreas
privilegiadas dos centros urbanos, enfim, faz com que pensemos também no adulto que
tardiamente, embora a tempo, queira ser compensado pela precariedade ou completa
ausência de sua educação formal.
Para alguns autores, em diferentes situações e independente do nível ou
modalidade que a aluna ou aluno se encontre, a educadora/educador crítico têm que
possuir sólida formação, sua prática tem que englobar saberes tais como disciplinares,
curriculares, profissionais (juntamente com os das ciências da educação e da pedagogia)
e os saberes experienciais (Tardiff, 2002).
Outros reconhecem a necessidade de repensar a escola e apresentam a proposta de
uma escola oniforme (Gadotti, 1995) e não uniforme, isto é, “um espaço de convivência
de diferentes e diferenças”. Um espaço de apropriação dos saberes centrados nas
necessidades das crianças, buscando o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
Também se questiona a separação entre ensino e cotidianidade. Segundo Paulo
Freire,

62
“... não é possível a educadoras e
educadores pensar apenas os procedimentos
didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos
grupos populares. Os próprios conteúdos a serem
ensinados não podem ser totalmente estranhos
àquela cotidianidade. O que acontece, no meio
popular, nas periferias das cidades nos campos –
trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se para
rezar o para discutir os seus direitos – nada pode
escapar à curiosidade arguta dos educadores
envolvidos na Prática da Educação de Jovens e
Adultos” (apud. Gadotti & Romão, 2000, 15-16).

A Prática da Educação exige que se reconheça a educação como prática política


(Freire, 1996). Neste sentido, a desconsideração pela formação integral do ser humano,
a sua redução a puro treino necessita ser superadas. Só há prática democrática quando
há intenção explícita por parte do educador de falar com.
No entanto, em que pese o reconhecimento da necessidade de trabalhar a questão
das especificidades no sistema escolar é mister reconhecer também que a escola
continua sendo “uniformizadora” e impositora, e isto se encontra, tal como coloca
Bourdieu, na própria essência do sistema de ensino.
Na abordagem de Bourdieu, a escola existe para impor um arbitrário cultural e,
portanto, a “formação integral”, ou segundo a concepção marxista, a formação do
homem omnilateral (Manacorda, 1991) seria impossível no seu interior, já que é próprio
de sua natureza e função impor um determinado tipo de saber, o escolar, que visa a
profissionalização, a reprodução de conhecimentos especializados, técnicos, e formação
de valores e comportamentos que são importantes para a reprodução da sociedade,
reproduzindo assim a estrutura de classes.
Como, então, superar concretamente essas condições objetivas? Como se poderia
transformar a escola, mudando o seu papel de reproduzir a estrutura de classe e a cultura
dos grupos e classes dominantes que compõe a sociedade capitalista? Será que estamos
numa rua sem saída?
Bourdieu não focalizou e aprofundou a questão da transformação da sociedade e
nem de mudanças estruturais nos diversos “campos” que ele vê como sendo suas partes
constituintes, inclusive o campo educacional. A sua análise se limita a abordar a
existência dos diversos campos, suas leis gerais e específicas (Martins, 1987) e não
focaliza a questão da transformação social. Apesar disso, ele nos traz elementos que
podemos utilizar para realizar uma análise crítica do fenômeno educacional, seja
acrescentando a contribuição de outros autores seja encontrando em sua própria obra
recursos teóricos para trabalhar a questão da mudança e transformação, tanto em sentido
global quanto em sentido mais restrito, como no caso do campo educacional.
Segundo Bourdieu, aqueles que estão submetidos à ação pedagógica desconhecem
o poder de imposição dela. Ora, o desconhecimento deste poder propicia à burocracia
escolar o exercício da força e submete professores e alunos a uma relação de força onde
o primeiro se encontra em flagrante vantagem (impõe conteúdos, formas de avaliação,
uso do tempo escolar, etc.) pois no topo da hierarquia o professor se encontra em
posição dominante (pelo menos no que tange a relação professor e aluno).
Então a possibilidade de mudança estaria no processo de conhecimento do
significado e compromissos assumidos pela ação pedagógica. Este conhecimento

63
permitiria a mudança da prática docente e daqueles que estão submetidos à ação
pedagógica. Se o desconhecimento do poder é elemento para sua perpetuação, então o
conhecimento é elemento para sua superação. Aqueles que executam ou são vítimas da
ação pedagógica podem, ao ter consciência deste processo de imposição, buscar alterar
este processo, no sentido de romper com a reprodução automática dela e abrindo
brechas para mudanças, que, no entanto, só poderiam se concretizar efetivamente com
uma transformação social total, isto é, dos vários campos e do conjunto da sociedade.
Muitas ações se tornam possíveis neste contexto e a elaboração de propostas e
ações neste sentido têm na consciência de que a ação pedagógica é uma forma de
violência simbólica uma pré-condição. Esta consciência permite novos posicionamentos
e ações no interior da escola, tanto por parte de professores quanto alunos, pois permite
se buscar criar um projeto alternativo de escola, abrindo novos caminhos. Além disso,
permite a busca de ações extra-escolares que não reproduzem a estrutura da ação
pedagógica produzida no seu interior.
Mas todas estas iniciativas, já esboçadas por várias concepções pedagógicas e
ações no interior da escola e fora dela, só podem se realizar a partir da percepção do
processo educacional enquanto um sistema que impõe um arbitrário cultural. Neste
sentido, temos uma importante contribuição de Bourdieu. A partir de Bourdieu podemos
compreender o sistema de ensino e apresentar projetos para sua transformação.

Referências Bibliográficas

BISSERET, Noelle. A Ideologia das Aptidões Naturais. In: DURAND, José Carlos Garcia
(org.). Educação e Hegemonia de Classe. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
BOURDIEU, Pierre & P ASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: Elementos para uma
Teoria do Sistema de Ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves: 1982.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Lingüísticas. In: ORTIZ, Renato (org.).
Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. 2ª ed. São Paulo, Editora
Ática: 1994.
CAMPOS, Maria Malta. A Formação de Professores para Crianças de 0 a 10 anos:
modelos em debate in: Revista Educação e Sociedade, no 68, 1999 p, 126-142.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28ª
ed., São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José (Orgs.). Educação de Jovens e Adultos: teoria,
prática e proposta. 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2001
MANACORDA, M. A. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortez, 1991.
MARTINS, Carlos Benedito. Estrutura e Ator: A Teoria da Prática em Bourdieu. Revista
Educação e Sociedade. No 27, Setembro de 1987.
ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. 2ª ed. São
Paulo, Editora Ática: 1994.
TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

64
65

O Papel do Direito no Capitalismo e sua


Inaplicabilidade no Comunismo

Rubens Vinicius da Silva *

RESUMO

Pretende-se nesta pesquisa analisar o Direito enquanto intrínseco componente


ideológico no tocante às relações de produção capitalistas, bem como, seu papel de
garantidor da reprodução destas mesmas relações de produção. Também, se pretende
efetuar a ligação entre o Direito e o Estado, e a impossibilidade da aplicação de
ordenamentos jurídicos numa sociedade sem classes sociais.

Palavras-chave: Direito; Estado; ideologia; modo de produção; relações de produção;


classes sociais.

1 INTRODUÇÃO

No presente trabalho pretende-se estabelecer a conexão entre ideologia e


Direito, além da necessidade de as classes dominantes criarem instituições que têm por
objetivo a reprodução (seja pela ideologia ou por outras formas) e legitimação das
relações de produção.

No primeiro capítulo procurar-se-á esboçar entendimentos acerca de modo de


produção, notoriamente ao capitalista, elencando alguns de seus elementos
fundamentais. Tentar-se-á efetuar uma caracterização do Estado, bem como do papel

*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
66

desempenhado pelo Direito para reforçar as bases materiais da sociedade (conceituadas


aqui estrutura ou infra-estrutura).

No segundo capítulo irá se trabalhar o conceito marxista de ideologia, além do


enquadramento do Direito como instituição formadora de ideologias, sendo realizada
uma breve definição de alguns dos papéis desempenhados por este na sociedade
burguesa.

Finalmente, buscar-se-á o ponto de enfoque, o aprofundamento de alguns


conceitos acerca do conteúdo de classe expresso pelo Direito e da sua inaplicabilidade
no modo de produção comunista, o qual será brevemente delineado de forma
prospectiva, onde deverão ser ressaltadas suas principais deturpações ocorridas no
decorrer do século XX.

2 MODO DE PRODUÇÃO, ESTADO, SUPERESTRUTURA E DIREITO

2.1 MODO DE PRODUÇÃO

O ser humano possui uma relação com a natureza no tocante à sua


sobrevivência, ou seja, desde que o homem passou a viver em agrupamentos sociais (e
até antes desta constituição), este recorria aos elementos presentes a sua volta para
promover suas necessidades básicas de existência.

Isto implica dizer que as formas pelas quais os indivíduos lidam com a
natureza na busca pelos meios de subsistência estão inexoravelmente conectadas ao
estabelecimento de determinadas relações entre os mesmos.

De acordo com Pannekoek (2007, p.19) “na base da sociedade encontra-se a


produção de todos os bens necessários à vida”, não esquecendo de que a produção dos
bens necessários à vida não se resume à relação homem e natureza, mas também com as
técnicas utilizadas e aprimoradas pelas coletividades humanas ao longo da história e sua
aplicação aos “elementos naturais” que as rodeavam.

Partindo destas premissas, afirma-se em primeiro momento conceber a


expressão modo de produção como sendo a maneira pela qual se organiza o processo
em que os homens agem sob a natureza tendo como objetivo a satisfação de suas
necessidades. Seus fundamentos essenciais são as relações de produção, ou seja, as
relações que os indivíduos ou os agrupamentos de pessoas estabelecem entre si no
processo da produção de bens.

Porém esta definição torna-se de certa forma insuficiente, tendo em vista a


necessidade de se obter a real noção da maneira pela qual os bens produzidos num
determinado agrupamento social são distribuídos.

Pode-se definir segundo os escritos marxistas que a maneira como os bens são
produzidos e distribuídos numa sociedade é a razão que determina o caráter destes
mesmos bens, pois tal relação tende a condicionar o conjunto das relações sociais
(relações estabelecidas entre os membros de uma sociedade). Com uma abordagem mais
ampla, modo de produção pode ser definido como a constituição de uma estrutura de
67

relações recíprocas e de relações humanas com a natureza, sendo que a forma pela qual
os homens se relacionam num dado modo de produção tende a ser o fator determinante
para a própria lei desta relação, pois esta assimila em si todas as formas estruturais.
(MENDONÇA, 2007a, p.13).

A maneira pela qual a produção dos bens em dada sociedade e sua


conseqüente distribuição é pautada encontra-se nas relações de produção, o modo de os
homens se relacionarem. É o caráter, a representação material das relações de produção
que vem a determinar um dado modo de produção. Estas relações de produção, por
serem sociais, não podem ser entendidas como relações de ordem individual, sendo que
o conjunto de indivíduos que ocupa o mesmo lugar no processo de produção é desta
forma pertencente à mesma classe social.

Diz-se com isso que os modos de produção possuem dada historicidade, isto é,
têm sua dinâmica, surgimento e posterior transformação como decorrente de certos
períodos históricos. Esta historicidade surge de outro fator que não somente a
modificação das relações sociais de produção, mas também do grau em que se
encontram desenvolvidas as forças produtivas. Por forças produtivas compreendem-se
os conjuntos de instrumentos e técnicas que fazem com que seja possível a produção
dos bens em dado modo de produção. Aduz-se desta forma que quanto mais
desenvolvidos estejam estes instrumentos e técnicas essenciais à produção, em maior
grau de evolução estarão as forças produtivas, tornando muito mais acessível aos seres
humanos a produção de sua vida em sociedade. (MENDONÇA, 2007b, p.13).

A evolução destas forças produtivas permite o surgimento de novas


necessidades à humanidade, necessidades estas que podem ser facilmente satisfeitas.
Diante deste quadro pode-se perfeitamente descrever que cada modo de produção
possui superioridade ao seu antecessor, na medida em que é capaz de satisfazer um
número muito maior de necessidades advindas das coletividades humanas.

Nas primeiras formas de organização social, as chamadas sociedades


primitivas, não existiam classes sociais, exploração, dominação, tampouco a
propriedade privada dos meios de produção. As relações sociais eram igualitárias e a
busca pela sobrevivência se pautava na cooperação e ajuda mútua entre os membros das
comunidades. Os meios de produção eram de propriedade comum de todos os membros
da tribo, de maneira que o processo de produção e distribuição dos bens era coletivo,
não existindo a divisão social do trabalho.

Com o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, observa-se


o aparecimento das classes sociais e por conseqüência das lutas de classes. As classes
proprietárias possuem o monopólio dos meios de produção e constrangem os demais
setores da sociedade à submissão. O trabalho deixa de se basear na ajuda mútua e passa
a ser regido pela divisão social do trabalho, na qual uns dirigem o processo de produção
(classes proprietárias) e outros são meros executores do processo produtivo (classes
produtoras). (VIANA, 2008a, p.13).

As lutas de classes manifestam-se na medida em que as classes subalternas


resistem e se organizam face à exploração e opressão das classes dominantes. No modo
de produção escravocrata, as lutas de classes apareciam sob a forma de assassinato dos
68

senhores de escravos (que juntamente com os guerreiros configuravam a classe


dominante), a fuga de escravos e por fim a rebelião escrava, cujo exemplo notório foi a
rebelião de Spartacus, na Grécia Antiga. No feudalismo havia a figura da propriedade
feudal. As classes feudais (família dos senhores feudais), o trabalho compulsório,
cobrança de tributos, a Igreja, por meio da religião, sendo a figura máxima dos
interesses dominantes, e em contrapartida ocorria a resistência por parte dos vassalos
(servos), por meio do roubo de lenha e busca do comércio, até a chegada das rebeliões
messiânicas. (VIANA, 2008b, p.14-15).

O que diferencia especialmente o modo de produção capitalista dos seus


antecessores é a produção e extração de mais-valor (ou mais-valia), fruto da exploração
do conjunto do proletariado pela burguesia, algo que vai muito mais além do regime do
salariato.

Para caracterizar a mais-valia (ou mais-valor), faz-se necessária a definição


esboçada por Nildo Viana (2008c, p.16) que estabelece a mais-valia como sendo
um excedente que só pode existir devido ao trabalho humano, vivo, concreto,
que transforma as matérias-primas, utilizando ferramentas e máquinas, em um
produto novo, com um valor acrescido ao anterior. O trabalho humano
realizado acrescenta valor às mercadorias produzidas, produz um excedente.
Este excedente, portanto, é produto do trabalho vivo da classe operária. Esta
classe, ao acrescentar valor às mercadorias, ao produzir um mais-valor (ou
“mais-valia”), permite a acumulação de capital e o predomínio do trabalho
morto sobre o trabalho vivo, isto é, da classe capitalista sobre a classe operária.

Existem duas formas de extração da mais-valia: a mais-valia absoluta e a mais-


valia relativa. A mais-valia absoluta é aquela cuja produção decorre do aumento da
jornada de trabalho do operário, bem como da intensificação do uso de sua capacidade
produtiva.

Esta intensificação da capacidade de produção é percebida na medida em que


o aumento da cadência (sucessão regular e harmoniosa de movimentos realizados na
produção de mercadorias, o ritmo em que se realiza a produção) dos meios de produção
ocorre, pois devido a isto o trabalhador produz em 8 horas a mesma quantidade de
mercadorias que produzia anteriormente numa jornada de trabalho com duração de 10
ou 11 horas diárias.

Para realizar tal processo, os detentores dos meios de produção (capitalistas)


utilizam conhecimentos médicos, econômicos, psicológicos e os advindos da engenharia
com especialidade em racionalização e simplificação do trabalho, sendo que o papel
desses especialistas é justamente o de realizar estudos relacionados à maneira pela qual
os meios de produção vêm sendo utilizados e sua relação com a fisiologia do operário,
com o intuito de reduzir os tempos, isto é, encontrar um número mínimo de movimentos
a serem executados para a realização de determinado trabalho, eliminando em sua
totalidade os movimentos tidos como desnecessários, com vistas a aumentar em escala
cada vez maior a produtividade do trabalho (CEDAC, 1981a, p.18).

Já a mais-valia relativa é obtida com base na diminuição do tempo de trabalho


socialmente necessário para a produção de mercadorias. Este método está conectado ao
aumento da produtividade do trabalho de maneira tal que o tempo de trabalho que antes
69

era necessário para a produção do sustento do operário diminui. Isto acontece quando a
introdução de meios de produção mais novos e avançados tecnologicamente, que
propiciam que o sustento do operário seja realizado em mais ou menos 2 horas. Com
isso pode-se dizer que o capitalista, numa jornada de 8 horas diárias, dispõe de 6 horas
em decorrência do uso da força de trabalho do operário. O tempo de trabalho
socialmente necessário é de 2 horas, enquanto o tempo suplementar (que será
aproveitado pelo capitalista) é de 6 horas, o que permite uma maximização da taxa de
mais-valia extraída. (CEDAC, 1981b, p.18).

Com base nisso depreende-se que o aumento da extração da mais-valia está


intimamente ligado à transformação permanente desta em capital e à incorporação de
novos progressos nas técnicas de produção, o que acirra ainda mais a concorrência entre
os capitalistas, na medida em que quanto menos avançado for o parque industrial de
dada empresa, menos mercadorias dali serão produzidas, pois os custos de produção
encarecem o preço final da mercadoria, o que pode levar diversas empresas à falência.

Outra característica concernente ao capitalismo é que este se trata de um


modo específico de produção de mercadorias, e esta especificidade pode ser observada
quando da produção de mais-valor, de onde resulta a exploração e a formação das duas
classes sociais inerentes ao capitalismo: a burguesia (proprietários dos meios de
produção, os quais extraem o mais-valor produzido pelos vendedores de força de
trabalho-operários-) e o proletariado (conjunto dos indivíduos desprovidos dos meios de
produção, produtores diretos de mais-valor, e que para sobreviver submetem-se à venda
de sua força de trabalho). (VIANA, 2008d, p.18).

Este processo de produção de mercadorias se alastra por todo o conjunto da


sociedade, fazendo com que quase tudo possua a forma de mercadoria, ocorrendo a
mercantilização da vida social, onde as próprias relações entre os indivíduos, aqui
entendidas por relações sociais, estejam pautadas na figura de portadores ou não-
portadores de mercadorias. A supervalorização do ter, preenchendo o vazio do ser.
(VIANA, 2008e, p.49).

Cabe aqui ressaltar que há uma imensa distinção entre a mudança das relações
de propriedade e a transformação radical das relações de produção, esta sim
caracterizando o aparecimento de um novo modo de produção. A explicitação deste
tema será tratada quando das linhas finais deste trabalho.

Passa-se agora a uma análise e caracterização do Estado.

2.2 ESTADO

Para legitimar as relações de produção dominantes e reproduzi-las para o


conjunto da sociedade, as classes exploradoras procuraram estabelecer certas
instituições que com base em premissas demagógicas como “a supremacia do coletivo
sobre o individual” mascaram o verdadeiro funcionamento da sociedade, com o intuito
de amortecer os conflitos inerentes às classes sociais, controlar as classes exploradas e
demais setores sociais oprimidos e manter intocáveis as relações sociais de produção.
70

O exemplo mais clássico e mais eficiente destas instituições é sem dúvida o


Estado que procura parecer estar acima das lutas entre as classes sociais e de interesses
privados e sendo o representante geral da coletividade, de modo que procura com isso
macular a opressão, exploração e dominação, fazendo com que seu caráter de classe –
instrumento das classes exploradoras- seja ocultado.

Friedrich Engels (2000, p.191) mostra de forma clara o papel histórico e real
significado de existência do Estado. Para ele:

O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à


sociedade. Não é, tampouco, “a realidade da Idéia moral”, “a imagem e
realidade da Razão”, como pretende Hegel. É um produto da sociedade
numa certa fase de seu desenvolvimento. É a confissão de que essa
sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em
antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que
essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se
entredevorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a
necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da
sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da “ordem”. Essa
força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se
afastando cada vez mais, é o Estado.

Com base nesta análise torna-se impossível de compreender o Estado senão na


medida em que este surge do desenvolvimento econômico e material da sociedade,
produto ele mesmo das lutas de classes, e como sendo uma instituição que visa manter
inconciliáveis estes conflitos entre as classes sociais, embora procure aparecer como
neutra.

Este é o papel do Estado: um instrumento de repressão às classes exploradas e


uma instituição das classes exploradoras, cuja razão de ser é legitimar e reproduzir as
relações de produção dominantes e características num dado modo de produção.

Dependendo do estágio no qual se encontra a luta de classes, o Estado


apresenta diferentes formas que por sua vez expressam as necessidades das classes
dominantes em manter sua exploração em diferentes regimes ou formas de acumulação
de capital, resultado direto da luta de classes.

Nildo Viana (2008f, p.20) concebe de maneira cristalina a íntima relação entre
os regimes de acumulação de capital e as mudanças pelas quais o Estado. Menciona o
autor que

um regime de acumulação é marcado por uma determinada forma de


extração de mais-valor realizada no processo de trabalho, por determinada
forma estatal e determinadas relações internacionais. A primeira fase do
capitalismo foi marcada por sua formação incipiente, pela acumulação
primitiva de capital e predomínio do capital comercial. O processo de
trabalho capitalista era marginal e o sistema colonial e o Estado absolutista
eram as fontes da acumulação que permitiria a revolução industrial e a
consolidação do capitalismo. O regime de acumulação que emerge após este
período é o extensivo, marcado por uma alta taxa de exploração fundada na
extração de mais-valor absoluto, aliado ao neocolonialismo e ao Estado
liberal (século 18 e primeira metade do século 19). Ele foi substituído pelo
regime de acumulação intensivo, caracterizado pela busca de aumento de
71

extração de mais-valor relativo via organização do trabalho (taylorismo) e


pelo Estado Liberal-Democrático e Imperialismo Financeiro, fundado na
exportação de capital-dinheiro (segunda metade do século 19 e primeira
metade do século 20). Após a Segunda Guerra Mundial temos um novo
regime de acumulação, o intensivo-extensivo, no qual predomina o fordismo
enquanto organização do trabalho (busca de aperfeiçoamento do taylorismo
com o mesmo objetivo, aumentar a extração de mais-valor relativo, através
principalmente do uso da tecnologia), o Estado integracionista (de “bem-
estar social, ou “social-democrata”) e o imperialismo transnacional. Este
entra em crise na década de 60, mas somente na década de 80 do século 20 é
que temos um novo regime de acumulação, o regime integral. Este combina
a busca de aumento da extração de mais-valor absoluto e relativo
(“reestruração produtiva”), e uma nova forma estatal, o Estado Neoliberal,
juntamente com um imperialismo mais agressivo e beligerante, o neo-
imperialismo. A ordem do regime de acumulação integral é: aumentar a
exploração de todas as formas e em todos os lugares!

Com base nestas premissas entende-se que a classe capitalista no seu


movimento incessante de reprodução e expansão de capital, marcado pelos regimes de
acumulação, coloca todas as ações do Estado segundo seus interesses de classe e com
isso ocorre a total dominação das instituições estatais e do conjunto de toda a sociedade
pelas classes exploradoras.

O próximo tópico trata da relação entre estas instituições estatais e a


manutenção do modo de produção e situa o Direito enquanto uma destas referidas
instituições.

2.3 SUPERESTRUTURA E DIREITO

Analisou-se anteriormente que as classes dominantes de um dado modo de


produção possuem a necessidade da criação de algumas instituições que tenham por
finalidade a conservação e posterior reprodução das relações de produção, visando
amortecer os conflitos entre as classes sociais em luta constante.

Pode-se constatar também que a maneira pela qual o Estado surge, suas
formas e representações são produtos destas determinadas relações entre os indivíduos
no processo de produção dos bens, das lutas entre as classes sociais que fracionam estes
indivíduos a partir do seu papel no processo produtivo.

Numa palavra, as instituições de determinado modo de produção surgem de


uma base material que lhes garanta finalidade, a qual o condiciona e da mesma maneira
garante sustentação para o surgimento de outras instituições com as mesmas condições
de existência, sendo que estas são resultado direto do grau de desenvolvimento das
relações executadas nesta base material, proveniente do estágio do modo de produção
que lhes deu origem.

Esta base segundo a qual surgem determinadas instituições com o intuito de


legitimar a dominação e a exploração decorrentes de dado modo de produção é chamada
de estrutura ou infra-estrutura, e está relacionada diretamente com a totalidade da
produção social, à economia, esta entendida aqui como a produção, acumulação,
circulação e distribuição de tudo aquilo que é realizado em determinada sociedade.
72

O conjunto de instituições oriundas desta base econômica, cuja finalidade é


garantir no plano das idéias a manutenção de dada ordem social é a superestrutura, na
qual se situam organizações cujos fins são sistematizar as idéias dominantes no seio da
sociedade, dentre as quais a escola, a igreja, os partidos políticos, sindicatos, o direito,
etc. Além das instituições estatais, que estão de modo inerente presente à superestrutura,
aparecem instituições de natureza privada cuja finalidade consiste em macular a
realidade social e produzir uma série de idéias e valores que tem como objeto a
manutenção do capitalismo, tais como os meios de comunicação e as organizações não-
governamentais (ONG’S).

Assim, delimita-se a superestrutura em duas instâncias: a jurídico-política


(Direito e Estado) e a ideológica (religião, moral, etc...), (ALTHUSSER apud
MENDONÇA, 2007c, p.36) sendo que a primeira instância é “eminentemente
institucional e tem como finalidade a coação e regulação da atividade social, e a
segunda instância trata do conjunto de representações que cada indivíduo possui de sua
própria realidade.” (IASI apud MENDONÇA, 2007d, p.36).

É importante salientar aqui que as lutas de classes não ficam restritas à


estrutura ou infra-estrutura. As classes exploradas procuram travar em seu processo de
resistência e negação da ordem estabelecida uma luta também em torno das idéias, o
que pode ser entendido como encampar uma luta cultural, na qual estão em permanente
conflito as idéias dos exploradores e dos explorados, e que este enfrentamento pode se
dar até mesmo nas instituições criadas pelas classes proprietárias, bem como pode
assumir formas situadas à margem destes organismos, sendo resultado direto da cultura
contestadora e do processo de tomada de consciência por parte dos setores explorados e
oprimidos pelo capital em seus diversos níveis.

Diante deste quadro, fica a pergunta: Por que o Direito se enquadra na


superestrutura? Se for concebida uma análise da sociedade pautada nas relações
estabelecidas pelos indivíduos no processo de produção de bens (relações de produção)
como pedra angular de uma dada organização social, pode-se apreender desta
concepção que com o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, das
classes sociais e em conseqüência das lutas de classes, bem como a origem e
desenvolvimento do Estado, as classes exploradoras tiveram a necessidade de
estabelecer certas regras de conduta social, sendo que estas regras abrangeriam desde as
questões mais íntimas e particulares (direito privado) até o funcionamento e organização
da sociedade.

Entende-se deste modo que o Direito em seu conceito mais abrangente está
por se enquadrar nas duas instâncias da superestrutura, uma vez que além de ser um
conjunto de normas que visa legitimar a existência de um modo de produção, é também
um arcabouço de idéias cuja razão de existência está na inversão da realidade,
justificando deste modo a dominação de classe. (MENDONÇA, 2007e, p.36).

As visões acerca da justiça e seus desdobramentos legais, enquanto elementos


forjados segundo os interesses das classes sociais opressoras em todos os modos de
produção, com o objetivo implícito de garantir e perpetuar as formas de exploração
inerentes de sua criação é um dos elementos que não somente no plano das idéias, mas
73

também na materialidade das contradições e interesses inconciliáveis entre as classes


fundamentais do modo de produção capitalista (burguesia e proletariado), possui sua
mais nítida face sendo desvelada, como se demonstrará no decorrer das linhas dos
seguintes capítulos deste artigo.

3 IDEOLOGIA, CAPITALISMO E ORDEM JURÍDICA

3.1 IDEOLOGIA E DIREITO

Para garantir sua dominação e exploração as classes dominantes recorrem a


métodos bastante “convincentes”, dentre os quais são assinalados o controle social por
intermédio da ideologia, que pode ser observada de modo cotidiano ao se ligar um
aparelho de televisão ou efetuar a leitura de algum jornal ou revista de grande
circulação.

Mas o que seria então uma ideologia? Sob a ótica marxista, pode-se concebê-la
como sendo uma forma sistematizada de falsa consciência, o conjunto de idéias,
valores, sentimentos, representações ilusórias da realidade sendo condensadas de forma
complexa (em ramos como filosofia, teologia, ciência) que tem por finalidade justificar
sociedades baseadas em antagonismos de classe. (VIANA, 2008g, p.14).

Compreende-se ideologia como o fenômeno no qual as idéias e representações


que os indivíduos elaboram a respeito de suas realidades são tidas como sendo o próprio
real, ou seja, o que os homens acabam produzindo em suas próprias mentes acaba se
impondo às suas próprias mentes. (MARX; ENGELS, 2004a, p.7). Trata-se de uma
forma imediata de conhecimento das relações sociais que não consegue superar os
limites daquilo que é real e observável, uma visão meramente superficial, fazendo com
que sejam tomados como causas dos fenômenos os seus efeitos, por isso mesmo uma
visão distorcida da realidade social, introjetada pelas classes dominantes com o objetivo
de universalizar e aparentar como imutáveis as relações de produção.

Os aspectos fundamentais que possibilitam o aparecimento da ideologia são a


separação entre trabalho manual e intelectual e a divisão da sociedade em classes sociais
com interesse antagônicos, sendo que o efeito da primeira é basicamente a pretensão do
ser consciente em representar algo realmente sem representar algo real, em outras
palavras, tornar como existente e presente algo que não possui existência alguma e desta
maneira deixando-se levar por dogmas e temas teoricamente sem uma parcela de
mudança histórica ou material.

Já o segundo aspecto faz com que as classes exploradoras sintam a


necessidade de, para manter-se enquanto tais, apresentar seus interesses de classe com
sendo válidos para todas as outras classes. Em conseqüência disto tem total precisão a
afirmativa de que as idéias dominantes de uma sociedade são sempre as idéias das
classes dominantes, posto que estas possuem o monopólio dos meios de produção e as
relações decorrentes desta premissa devem ser aquelas que beneficiem e garantam esta
situação, sendo a principal função da ideologia justamente fazer com que as pessoas não
74

consigam enxergar e perceber as mediações e contradições que formam a realidade na


qual são sujeitos transformadores. Com efeito, a ideologia é "justificação", é um
instrumento de dominação de classe, que serve para manter um dado modo de produção.
(MARX; ENGELS, 2004b, p.56-57).

Os indivíduos ou grupos sociais fabricantes das mais diversas formas de


ideologia podem ser caracterizados por ideólogos e constituem-se como classe auxiliar
da burguesia, cuja razão de ser está diretamente conectada à conservação do
capitalismo.

Com base nestas afirmações, restará demonstrado o papel do Direito em


situações peculiares ao modo de produção capitalista, cujo aparecimento causa
polêmicas entre os ideólogos e representantes do capital, assim como aos demais grupos
e/ou classes sociais.

Imaginando uma situação específica no Brasil como o aumento da


criminalidade entre os menores entre 16 e 18 anos, qual seria a solução, à luz do
Direito? Uma das hipóteses levantadas é a da elaboração de um dispositivo legal que
viesse ao encontro da redução da maioridade penal. Ao fazer a conexão entre o que se
conceitua aqui por ideologia e o referido assunto pode-se perfeitamente conceber esta
medida como ideológica, pois, ataca tão somente os efeitos e não as causas reais do
aumento da criminalidade e ainda mais, trata de obscurecer o real surgimento e gênese
das práticas tidas como delituosas em indivíduos com a referida faixa etária (as
contradições de modo de produção capitalista).

Ainda que se defenda a tese de melhorias no sistema de educação, (com igual


conotação ideológica e que só seria aplicável caso uma lei a regulamentasse, posto que
se vive num “Estado Democrático de Direito”) não seriam combatidas as reais bases,
uma vez que tal situação de certa forma propiciaria um abalo às relações de produção
capitalistas.

3.2 PACHUKANIS: O DIREITO COMO REGULADOR DA PRODUÇÃO

Entretanto, o Direito possui outro aspecto que não apenas o ideológico. Este
pode ser compreendido de maneira mais ampla, para além da ideologia. Neste sentido é
que o teórico russo Evgeny Bronislavovich Pachukanis, em sua obra intitulada Teoria
Geral do Direito e Marxismo, lança luzes para outro papel cumprido pelo Direito no
modo de produção capitalista.

Pachukanis (citado por MENDONÇA, 2007f, p. 38) afirma em sua obra que o
Direito: “não existe somente na cabeça das pessoas ou nas teorias dos juristas
especializados; ele tem uma história real, paralela, que tem seu desenvolvimento não
como um sistema conceitual, mas como um particular sistema de relações”. Em outra
passagem de seu livro, comenta o autor que

O objetivo prático da mediação jurídica é o de dar garantias à marcha, mais


ou menos livre, da produção e da reprodução social que, na sociedade de
produção mercantil, se operam formalmente através de uma série de
contratos jurídicos privados. Não se pode atingir este objetivo recorrendo
75

unicamente ao auxílio de formas de consciência, isto é, através, através de


momentos puramente subjetivos: é necessário por isso, recorrer a critérios
precisos, a leis, e a rigorosas interpretações de leis, a uma casuística, a
tribunais e à execução coativa das decisões judiciais. É por esta razão que
não podemos limitar-nos na análise da forma jurídica à “pura ideologia”,
negligenciando todo este aparelho objetivamente existente. (PACHUKANIS
apud MENDONÇA, 2007g, p. 38-39).

Embora não despreze a componente ideológica do Direito, Pachukanis procura


dar ênfase ao fato deste possuir como característica o papel de garantir, através da
regulamentação, a produção e posterior reprodução da sociedade atual.

Em suma, a lei tem por objetivo não apenas garantir a reprodução do modo de
produção capitalista através da justificação ideológica de sua aplicação, mas acima de
tudo conceber a plena manutenção das relações de produção capitalistas, notoriamente
no que se refere à detenção da propriedade privada, além do respaldo às ações estatais
que venham ao encontro dos interesses das classes dominantes, como a repressão aos
proletários organizados e ao conjunto da classe operária quando esta toma consciência
de suas tarefas históricas (basta analisar premissas como manutenção da ordem pública
e dos bons costumes, presentes em praticamente todas as legislações ao redor do
planeta).

Com isso é rechaçada a tese de que alguns princípios aplicados ao Direito


sejam concebidos como algo imutável. O Direito, assim como os demais corpos no
âmbito da superestrutura, tem seu dinamismo regulado pelas relações de produção
capitalistas, estas por sua vez dependentes diretamente do estágio no qual se encontram
os conflitos entre as classes sociais em permanente enfrentamento, mas sempre
assumindo um conteúdo conservador, embora sua forma tenda a variar em determinados
períodos históricos.

A função primordial do Direito é condicionada pela dinâmica do processo


produtivo do mesmo modo que toda a superestrutura, sendo que tutelar a infra-estrutura
e consequentemente legitimar as relações de produção capitalistas e ações do Estado no
mesmo sentido são suas tarefas essenciais.

O viés intrínseco das ideologias dominantes e seu papel legitimador do modo


de produção capitalista no Direito repousa de igual maneira na mediação que este
realiza no confronto capital-trabalho. O Estado Capitalista conseguiu desarticular os
setores mais radicalizados do movimento operário no início do século XX, ao atrelar os
sindicatos ao poder de Estado e reprimir duramente os militantes mais combativos das
organizações operárias de muitos países.

Na maior potência capitalista a atividade organizada e consciente dos


operários chegou a ser tratada como crime e ainda que seja sustentada pela quase
totalidade dos juristas que a justiça tem como dever equilibrar a relação capital-trabalho,
não há como se conceber uma neutralidade nesta questão, posto que o modo de
produção capitalista é fundamentalmente baseado em conflitos entre classes totalmente
antagônicas tanto econômica quanto culturalmente, e uma posição como esta logo
aparece como conservadora, uma concepção burguesa na medida em que dá garantia e
sustentabilidade no âmbito legal à ordem social estabelecida.
76

No último capítulo deste artigo será analisado o conteúdo de classe do Direito


expresso na doutrina burguesa, aprofundando a relação entre mercadoria e forma
jurídica, bem como a impossibilidade de suas existências no modo de produção
comunista, o qual será feito numa abordagem prospectiva, ressaltando suas deformações
ocorridas ao nível teórico e prático, no decorrer do século passado.

4 CONTEÚDO DE CLASSE DO DIREITO E SUA INAPLICABILIDADE NO


MODO DE PRODUÇÃO COMUNISTA

4.1 O DIREITO PARA ALÉM DA IDEOLOGIA

Embora tenha sido ressaltado que a crítica marxista ao Direito possui não
apenas um viés ideológico esta não restou tão aprofundada, de modo que neste capítulo
lhe será dada a devida atenção, tecendo comentários sobre as observações do marxismo
no tocante à existência do Direito e sua plenitude no atual modo de produção.

Cabe afirmar que em nenhum outro modo de produção se constatou tamanha


conexão entre o Direito e a sociedade quanto no capitalismo. Deste modo, Pachukanis
afirma que este só procura atender às exigências do modo de produção capitalista, e que
o Direito tal como é conhecido em sua amplitude surgiu concomitantemente ao
aparecimento da mercadoria, esta detentora de total relevância nos marcos do
capitalismo. O autor procura situar os Direitos concernentes aos modos de produção
predecessores do capitalismo como detentores de formas jurídicas com diferenças
bastante significativas, mesclando-se com regras de convivência, idéias no campo da
moral e até da religião, de maneira que tais regras eram em geral muito indefinidas.
(MENDONÇA, 2007h, p. 39).

O aparecimento da mercadoria, ainda de forma incipiente, pode ser observado


já no modo de produção feudal, porém sua consolidação e generalização ao conjunto
das relações sociais ocorre nos marcos do capitalismo. Tal é a trajetória do Direito,
segundo o entendimento de Pachukanis, de maneira que busca fundamentar sua tese na
medida em que

A evolução histórica não implica apenas uma mudança no conteúdo das


normas jurídicas e uma modificação das instituições jurídicas, mas também
um desenvolvimento da forma jurídica enquanto tal. Esta, depois de haver
surgido num determinado estágio da civilização, permanece, durante longo
tempo, num estagio embrionário com uma leve diferenciação interna e sem
delimitação no que concerne às esferas próximas (costume, religião). Foi
apenas desenvolvendo-se progressivamente que ela atingiu o seu supremo
apogeu, a sua máxima diferenciação e precisão. Este estágio de
desenvolvimento superior corresponde a relações econômicas e sociais
inteiramente determinadas. Ao mesmo tempo este estágio caracteriza-se pelo
aparecimento de um sistema de conceitos gerais que refletem teoricamente o
sistema jurídico como totalidade orgânica. A estes dois ciclos de
desenvolvimento correspondem duas épocas de desenvolvimento superior
dos conceitos jurídicos gerais: Roma e seu sistema de direito privado e os
séculos XVII e XVIII, na Europa, quando o pensamento filosófico descobriu
a significação universal da forma jurídica como potencialidade que a
77

democracia burguesa era chamada a realizar. (PACHUKANIS apud


MENDONÇA, 2007i, p. 39-40).

Depreende-se da seguinte análise que o Direito possui correspondência ao


capitalismo, pois a forma jurídica corresponde à forma mercadoria. A forma jurídica
nada mais é do que o reflexo da relação social entre indivíduos proprietários de
mercadorias. Tomando por base a premissa que no capitalismo as relações entre
indivíduos são antes de tudo relações entre proprietários de mercadorias e que por meio
da troca e circulação destas se garante sua manutenção e reprodução, constata-se que em
decorrência destas relações inerentes ao modo de produção capitalista surge a
necessidade de um meio pelo qual haja sua regulamentação. A este respeito, Marx
descreve o fato de que

as mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar.


Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões os possuidores de
mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüentemente, não opõem
resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele
pode usar da violência, em outras palavras, tomá-las. Para que essas coisas
se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que seus
guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nestas
coisas, de tal modo que um somente de acordo com a vontade do outro,
portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos se
aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem,
portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa
relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é
uma relação de vontade, em que se reflete a relação econômica. O conteúdo
dessa relação jurídica ou de vontade é dado por conta da relação econômica
mesma. As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como representantes de
mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias. (MARX apud
MENDONÇA, 2007j, p. 40-41).

A doutrina burguesa conceitua a norma jurídica como sendo a pedra angular


do Direito, uma vez que seu conteúdo imperativo define as condutas a serem
devidamente realizadas, bem como, os comportamentos nos quais haja proibição e em
contrapartida autoriza àquele que se sinta lesado em detrimento da violação de
determinada norma, a faculdade de exigir a reparação pelos eventuais danos causados
ou a reposição das coisas ao estado em que se encontravam (DINIZ apud
MENDONÇA, 2007k, p. 41-42). Entretanto, não é a norma que determina as ações dos
indivíduos e sim a continuidade e repetição de algumas ações é que podem ser
convertidas em normas. Neste sentido, afirma Pachukanis:

uma vez que toda a vida econômica se alicerça sobre o princípio do acordo
entre vontades independentes, cada função social encarna, de maneira mais
ou menos refletora, um caráter jurídico, isto é, torna-se simplesmente não só
uma função social, mas também um direito pertencente a quem exerce tais
funções sociais. (PACHUKANIS apud MENDONÇA, 2007l, p. 42).

A norma nada mais é do que uma abstração das ações praticadas de modo
continuado entre indivíduos no processo de produção de mercadorias. Convém assinalar
que apenas no capitalismo a norma adquire tal abstração. Sobre este fenômeno
Pachukanis assim se remete:

Foi apenas depois do total desenvolvimento das relações burguesas que o


direito passou a ter um caráter abstrato. Cada homem torna-se homem em
78

geral, cada trabalho torna-se trabalho social útil em geral e cada sujeito
torna-se um sujeito jurídico abstrato. Ao mesmo tempo, também a norma
reveste-se da forma lógica acabada de lei geral e abstrata. (PACHUKANIS
apud MENDONÇA, 2007m, p. 42).

Observa-se com base nestes entendimentos que o Direito pode ser definido de
modo geral como um conjunto de normas que por sua vez refletem relações
estabelecidas entre indivíduos livres e iguais no tocante à troca e circulação de
mercadorias e cuja efetivação é garantida pelo poder de Estado. O Direito possui forma
e conteúdo burgueses, de maneira que é impossível torná-lo proletário, uma vez que no
comunismo serão estabelecidas novas relações de produção as quais propiciarão a
destruição por completo da forma e do aparato jurídicos. Qualquer medida que venha ao
encontro do fortalecimento do Direito é hostil ao conjunto dos produtores de riqueza
que, desprovidos dos meios de produção, nada tem a oferecer além de sua força de
trabalho para sobreviverem. (MENDONÇA, 2007n, p. 46).

4.2 O MODO DE PRODUÇÃO COMUNISTA E O FIM DO DIREITO

O comunismo não tem nenhuma conexão com os regimes totalitários ocorridos


no Leste Europeu durante a quase totalidade do século XX, ou com o que acontece
contemporaneamente em países como Cuba, China, Vietnã e Coréia do Norte. Serão
delineadas de forma bastante sintética algumas das componentes do modo de produção
encontrado nestes países.

Nestes locais houve e ainda existe (como é o caso de Cuba e da Coréia do Norte)
o capitalismo de Estado, modo de produção no qual a totalidade dos meios de produção
é do Estado, onde ocorre a estatização dos meios de produção, medida que em nada
altera as relações de produção, fundamento essencial de um modo de produção, pois
conserva os elementos que caracterizam a sociedade capitalista (produção e extração de
mais-valor, existência de classes sociais com interesses antagônicos e do Estado,
exploração do proletariado, dentre outros). Nestas sociedades os produtores continuam
desprovidos da gestão dos meios de produção, sendo que esta é realizada pela
burocracia estatal, classe social constituída em sua essência por membros e funcionários
do Partido, que desempenham o mesmo papel que a burguesia clássica no capitalismo.

Outra característica pertinente ao capitalismo de Estado é a mudança nas


relações de propriedade, na qual o Estado passa além de exercer o papel de instrumento
de submissão de uma classe por outra a deter em seu poder de forma única e
generalizada a propriedade dos meios de produção. Se no capitalismo tem-se como
fundamento o mercado a livre concorrência, no capitalismo de Estado a totalidade da
produção e da vida social como um todo está nas mãos da burocracia, que dirige e
controla o processo produtivo através dos planos.

Nestas sociedades ocorreu apenas a mudança na superestrutura, uma vez que os


mecanismos de controle social são executados diretamente pelo Estado, e onde se usa o
marxismo (expressão teórica do movimento operário) como mera ferramenta ideológica,
bem como as bases essenciais da sociedade capitalista permanecem inalteradas. Tal
deturpação tem origem na ideologia da conquista do poder estatal forjada pelo partido
oriunda do pensamento bolchevique, além da idéia de que cabe à vanguarda do
79

proletariado realizar a revolução social, o que contradiz totalmente a idéia de Marx


segundo a qual a emancipação da classe operária será obra da própria classe operária.

Já o modo de produção comunista é resultado da revolução proletária, processo no


qual o proletariado através da sua luta auto-organizada subverte e transforma de maneira
radical as relações de produção capitalistas e generaliza as relações sociais decorrentes
desta transformação para todo o conjunto da sociedade, cuja realização destrói o
aparelho estatal como um todo, onde ocorre a socialização dos meios de produção, ou
seja, a propriedade dos meios de produção passa a ser efetivamente dos produtores,
eliminando com isso a divisão social do trabalho, responsável pelo processo de
alienação da classe proletária, desaparecendo os antagonismos resultantes da divisão
entre trabalho manual e trabalho intelectual. Em tal sociedade quem planeja a produção
é a mesma totalidade de pessoas que posteriormente a executa.

As relações entre os indivíduos no processo de produção serão totalmente


igualitárias, no sentido de não existir mais exploração econômica, dominação política,
opressão, diferenças entre o campo e a cidade e a divisão social do trabalho. Todos
produzem e possuem total gestão da produção e, por conseguinte de toda a vida social.
Por não haver classes nem relações sociais pautadas na produção e distribuição de
mercadorias, inexiste a necessidade de instituições como o Estado e o Direito, as quais
somente possuem real razão de ser em sociedades assentadas em antagonismos de
classe, sendo que esta última alcança seu ápice a partir do desenvolvimento e
consolidação do modo de produção capitalista. (MENDONÇA, 2007o, p. 34).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a constituição das sociedades de classes, com o aparecimento


fundamental da propriedade privada como condição de suas existências, as classes
dominantes sentiram a necessidade de estabelecerem certa regulamentação no âmbito
das leis, com o intuito de dar sustentabilidade ao modo de produção (notoriamente ao
controle social por intermédio da ideologia).

Entretanto, as formas jurídicas puderam alcançar seu grau mais elevado com
o surgimento da mercadoria, fato que propiciou a correspondência total entre ambas,
visto que, no capitalismo a mercadoria ocupa um papel preponderante e neste modo de
produção impera a lei do valor e como esta relação possui abstração no tocante à
materialização do trabalho, o Direito, por sua vez também possui um alto grau de
abstração e isto pode ser evidenciado quando de uma análise do princípio da igualdade,
o qual consagra inúmeras normas de conduta social.

Este fato analisa a forma jurídica como reflexo das relações entre os
proprietários de mercadorias, e como o capitalismo tem por especificidade a produção e
circulação incessantes de mercadorias, o Direito é o espelho deste processo, ao observar
a significação da norma esboçada neste artigo.

Com base no que foi abordado no decorrer destes escritos e coerentemente


com os argumentos utilizados, não há como pensar um aparato coercitivo surgido do
desenvolvimento dos conflitos entre as classes e cujo propósito vem a ser somente a
80

manutenção da exploração econômica numa sociedade onde não mais existam classes
sociais e Estado.

Embora as classes sociais que possuem em suas mãos o poder econômico


procurarem sempre a conotação mais favorável aos seus interesses às terminologias que
reivindicam valores universais como a justiça, resta aqui sustentar a afirmativa de que
um mundo realmente justo passa pelo fim do Direito.

REFERÊNCIAS

PANNEKOEK, Anton. A Revolução dos Trabalhadores. 1. ed.


http://ruivabarba.googlepages.com/home: Barba Ruiva, 2007.

VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. 1. ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 2008.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 15.


ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

MENDONÇA, José Carlos. A Ideologia do Socialismo Jurídico. 1. ed. Rio de Janeiro:


Corifeu, 2007.

CEDAC, Coleção Brasil dos Trabalhadores-4 A Acumulação do Capital. 1. ed. São


Paulo: Edições Loyola, 1981.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã 1º Capítulo seguido das Teses
Sobre Feuerbach. 7. ed. São Paulo: Centauro, 2004.
81

Para Compreender o Capitalismo


Contemporâneo
Resenha do Livro “O Capitalismo na Era da Acumulação
Integral”

Marcos Lopes*

A sociologia e as ciências humanas na contemporaneidade possuem um grave


problema: a falta de referenciais teóricos abrangentes que forneçam uma base
explicativa da realidade do capitalismo contemporâneo. Sem dúvida, existem muitas
obras (sociológicas e de outras áreas) sobre a realidade contemporânea, a
“modernidade”, e outros temas. Porém, é necessário reconhecer uma limitação grave na
grande maioria destas obras, seja por sua base teórico-metodológica, seja por suas
deficiências analíticas próprias. Grande parte da produção sociológica sobre o mundo
contemporâneo se fundamenta em teorias e métodos limitados, que, obviamente, irá
promover uma limitação na explicação da realidade contemporânea. Muitos caem num
factualismo ou empiricismo que compromete a percepção da realidade concreta, outros
caem em especulações e abstrações que não colaboram no processo de compreensão da
realidade contemporânea, sendo mais ficções do que realidade.
Isso, em parte, é derivado do mundo cultural que nos cerca, os modismos, as
representações cotidianas e a ideologia dominante, acaba sendo um obstáculo para uma
visão mais ampla da realidade. Por outro lado, a própria complexidade das relações
sociais e seu caráter mutável, é outro obstáculo. Assim, para o indivíduo conseguir
perceber as relações sociais em que vive e como elas se formaram, é algo extremamente
difícil.
A obra recém lançada de Nildo Viana, O Capitalismo na Era da Acumulação Integral, é
uma exceção. O autor oferece uma grande contribuição para se pensar o capitalismo
contemporâneo. Para tanto, a obra conta com uma forte base teórico-metodológica, já
desenvolvida pelo autor em outras obras, o que é um diferencial em relação a vários
outros livros sobre o mundo contemporâneo. O autor não cai no empiricismo em
momento algum, mostra as mudanças sociais e históricas, a continuidade e
descontinuidade, bem como não fica num processo de criação de categorias abstratas
que pouco acrescentam numa análise crítica e que revela os problemas e questões
sociais que hoje enfrentamos. Também não cede ao processo fácil e recorrente de ficar
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
82

citando sempre os mesmos autores para explicar a realidade social contemporânea, num
“eterno retorno do mesmo discurso”, onde a ousadia intelectual e criatividade fica
ausente e aí vem os repetidores dos “grandes nomes” para dizer sempre o mesmo, tal
como os grandes nomes fazem. A obra de Viana não se limita a repetir o jargão e o
discurso corrente de uma determinada ala acadêmica que se diz marxista e que estão
sempre dispostos a cultuar autores da moda e salvadores da pátria da esquerda
tradicional ou supostas alternativas e, assim, não se encontrará em tal obra a referencia a
autores como Kurz, Meszaros e Chesnais. Também não se rende a uma necessidade de
subordinação aos modismos e autores consagrados pelos grandes nomes da sociologia
contemporânea (Giddens, Bauman), tanto pelo fato do autor não ser apenas sociólogo,
sendo também filósofo, mas principalmente não se restringir a um mundo especializado
e unilateral. Para aqueles que conhecem suas outras obras, sabem que o autor não só
questiona a especialização do trabalho intelectual como adentra em inúmeras temáticas
e disciplinas, o que o torna uma pessoa mais do que indicada para realizar uma
abordagem da totalidade das relações sociais sob o capitalismo contemporâneo. É por
isso que o autor consegue, dialeticamente, trabalhar a categoria de totalidade e entender
o capitalismo como tal – indo além da mera análise chamada “econômica”, mas
mostrando as relações recíprocas entre as mutações do processo de produção e as
políticas estatais, as relações internacionais, as manifestações culturais.
O autor faz uma análise do capitalismo contemporâneo e realiza sua periodização,
dando conta de explicar não somente o processo histórico do capitalismo, como suas
mutações e características específicas em cada período. Através da noção de regime de
acumulação, retomada e ressignificada a partir da escola da regulação e Benakouche,
dotando o termo de caráter social e não economicista, incluindo o Estado, a organização
do trabalho e as relações internacionais, apresenta o desenvolvimento histórico do
capitalismo e focaliza o modo atual, o regime de acumulação integral, marcado pelo
neoliberalismo, toyotismo, e neo-imperialismos (globalização, termo amplamente
criticado em uma parte da obra). O autor, no primeiro capítulo, apresenta as suas bases
teóricas ao discutir a teoria dos regimes de acumulação. Além de discutir algumas das
várias propostas de periodização do capitalismo, mostrando seus limites, o autor
esclarece o conceito de regime de acumulação e oferece sua periodização que aponta
para o entendimento de que a história do capitalismo é marcada por uma “sucessão de
regimes de acumulação”, tal como Marx já havia percebido que a história da
humanidade é marcada por uma sucessão de modos de produção.
Na seqüência, o autor passa a tratar, o que é objeto de sua obra, do atual regime de
acumulação. O regime de acumulação integral tem como elementos básicos e
definidores a organização do trabalho comandada pelo toyotismo, a formação estatal de
caráter neoliberal e por novas relações internacionais que instituem um neo-
imperialismos. Ele dedica a cada um destes elementos componentes do regime de
acumulação integral um texto específico.
O texto sobre neoliberalismo é excepcional, inclusive com críticas precisas e corretas a
Perry Anderson e outros intérpretes. O autor mostra que o neoliberalismo não é mera
aplicação de uma doutrina (surgida na década de 1940) e sim produto de necessidades
do capital e são estas que constrange a retomada de ideologias produzidas em outras
épocas, bem como a criação de novas e misturas que a realidade concreta da
organização estatal produz. Assim, dizer que determinado governo não é neoliberal
porque não se encaixa na ideologia de um determinado autor é um equívoco que a partir
destas reflexões perde razão de ser.
83

O texto sobre toyotismo é revelador e crítico. Além de discutir a gênese do toyotismo e


recuperar o significado do processo de trabalho no capitalismo, que é processo de
valorização, e questionar o “léxico dominante” (o que fará em vários outros momentos
do livro no que se refere a várias palavras e supostos conceitos da moda), especialmente
a falácia da suposta “flexibilidade” (um eufemismo que é aplicado a tudo e não explica
nada, escondendo o caráter nada flexível das mudanças do mundo do trabalho). O
objetivo do toyotismo e tudo que se relaciona com a chamada “reestruturação
produtiva” é aumentar a extração de mais-valor absoluto e relativo, que, para se realizar,
precisa do Estado Neoliberal, seu complemento necessário.
O texto sobre neo-imperialismos é esclarecedor, inclusive mostrando as especificidades
dos Estados Unidos. Mostra a necessidade contemporânea do capitalismo de aumentar o
processo de exploração a nível nacional e mundial, tanto nos países de capitalismo
subordinado quando nos países imperialistas e a ampliação da exploração internacional.
O autor não se limita a analisar a base real das mutações contemporâneas, ou seja, a
mudança nas relações de trabalho, políticas estatais e relações internacionais, e, na
segunda parte da obra faz uma análise crítica e extremamente útil de determinadas
ideologias contemporâneas. Além da crítica de Toni Negri e da ideologia da crise da
sociedade do trabalho, há dois textos que se destacam: a crítica ao pós-modernismo e à
ideologia da globalização. A análise do pós-modernismo, além de mostrar que é uma
“armadilha ideológica” e que não se deve tomar o discurso pelo o que ele diz ser,
retoma as origens históricas de um conjunto de ideologias que emergem a partir do
novo regime de acumulação e servindo aos interesses de reprodução deste. Ao analisar a
gênese do que o autor denomina “pós-vanguardismo”, a manifestação da ideologia
“pós-moderna” na esfera artística, e do “pós-estruturalismo”, a sua expressão na esfera
científica, coloca em evidencia sua razão de ser e sua ligação indissolúvel com as
mudanças sociais e históricas do capitalismo. A crítica da ideologia da globalização, que
retoma os questionamentos de Bourdieu, Bauman e Forrester, indo além delas, coloca
em evidência mais uma produção ideológica que cria fantasmagorias ideológicas para
obscurecer uma real compreensão do mundo contemporâneo.
Neste ponto, para quem não leu o livro, se daria por contente e entenderia que o autor
faz uma introdução teórica que abre espaço para analisar o modo de produção capitalista
em sua atualidade e sua íntima relação com a formação estatal e exploração
internacional e também o mundo das ideologias, fornecendo um quadro geral da
sociedade contemporânea. Porém, o autor não para por aí. Se desde o início as
conseqüências sociais (aumento da pobreza, desemprego, entre outras), a última parte
do livro focaliza as lutas sociais e as mutações que ocorrem neste contexto. Uma
discussão crítica sobre a ideologia da exclusão social e a análise do processo de
lumpemproletarização é realizada e seguida por uma análise das lutas sociais
contemporâneas, lutas no México, Argentina, Europa, ação da classe dominante e das
classes exploradas, indo até as lutas culturais, da auto-ajuda até o microreformismo e
retomada de autores e concepções marginais (anarquismo, conselhismo, situacionismo)
e pela necessidade capitalista de reprodução ampliada do mercado consumidor. O
exemplo dos animais domésticos transformados em mercadoria que constrangem os
indivíduos a comprarem outras mercadorias (ração, remédios, etc.) e o caso do
computador que realiza o mesmo constrangimento, é útil para muitas pessoas refletirem
sobre as ideologias da liberdade absoluta do indivíduo.
Assim, as lutas sociais no México, o chamado “movimento antiglobalização”, a rebelião
na Argentina, são colocados no interior de um quadro teórico e analítico que supera a
mera descrição e mostra as bases e tendências das lutas sociais. Sem um grande
84

aprofundamento nestes casos específicos, já que não era o objetivo do trabalho uma
análise pormenorizada e profunda de cada caso específico e sim a inserção destas lutas
num movimento tendencial, revela o que gera tais lutas e como elas reconfiguram as
manifestações culturais, ao mesmo tempo que são atingidas por estas. A ação estatal e o
processo de violência e aumento da repressão, por um lado, e novas políticas estatais
marcadas por um microrreformismo, são apresentados não como produto do acaso e sim
como resultado de lutas sociais no interior de um novo regime de acumulação. A
conclusão final do livro é surpreendente: enquanto muitos acham (e declaram) que o
capitalismo está em crise, que as lutas na Argentina e México são os grandes exemplos
a serem seguidos, que as revoltas na França ou o movimento antiglobalização é um
novo movimento que veio para ficar, o autor afirma que, no fundo, não há nenhuma
crise do capitalismo atualmente e que este continua se reproduzindo normalmente,
assim como as lutas sociais contemporâneas (revoltas na Europa, rebeliões, etc.) são
apenas as novas lutas cotidianas e ainda limitadas que tendem a se radicalizar com o
continuidade do regime de acumulação integral, que tal como os outros regimes de
acumulação anterior, não é eterno e também entrará em crise e que, todas as vezes que
um regime de acumulação entra em crise, abre-se a possibilidade de sua transformação
em crise do capitalismo, e, assim, torna-se possível a libertação humana e a autogestão
social.
Enfim, é uma obra que aborda um conjunto de questões e numa concepção totalizante.
A categoria de totalidade, defendida e explicitada pelo autor em outras obras, se
corporifica neste livro e oferece uma rara contribuição para se repensar o mundo
contemporâneo. E acaba se revelando uma obra como poucas produzidas na sociologia
brasileira, tornando-se leitura fundamental para todos os cientistas sociais e pessoas
preocupados com o destino da humanidade.
85

Século 21: Fim da Sociedde do Trabalho


ou Intensificação da Jornada?
Resenha do
Livro “Mais
Trabalho!”

José de Lima Soares*

Sadi Dal Rosso é professor titular de Sociologia da Universidade de Brasília. Ao longo


de várias décadas vem desenvolvendo sua pesquisa sobre os seguintes temas: condições
de trabalho, jornada de trabalho (história, duração, flexibilidade, intensidade, horas
extras, redução de jornadas), sindicato (história, greves, reformas), transformação da
força de trabalho na agricultura, educação superior (gratuidade, democratização,
publicidade), movimentos sociais, método de pesquisa e teoria. Tem conseguido
conciliar a militância sindical em defesa da luta dos professores por melhores condições
de vida e trabalho (ANDES-SN), com a tarefa de pesquisador das condições de trabalho
no Brasil, coordenando inúmeros projetos de investigação nessas áreas, tendo
publicado, em 1996, o livro A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de
Prometeu, que se constituiu em uma referência obrigatória para os estudiosos da
sociologia do trabalho.
O novo livro de Dal Rosso vem a lume em um momento em que o sistema capitalista
passa por uma profunda crise. Crise esta que acaba afetando o conjunto dos
trabalhadores em todo o mundo. Nas últimas décadas, muito tem se debatido a respeito
das mudanças no mundo do trabalho, da centralidade do trabalho e, até mesmo, do fim
da sociedade do trabalho. Concomitantemente, tem-se falado de crise do trabalho, crise
do capital, crise do capitalismo. Temas como a questão da jornada de trabalho, o
controle dos tempos e movimentos pelo capital, trabalho produtivo e trabalho
improdutivo, trabalho material e trabalho imaterial, os padrões de gerenciamento, os
novos processos de trabalho e, conseqüentemente, a intensidade do trabalho tem servido
de fontes de pesquisa para várias áreas do conhecimento científico, mas, sobretudo para
a sociologia.
Na contextualidade desse quadro, o trabalho de Sadi dal Rosso adquire uma dimensão
importante. Não apenas traz à tona o debate da sociedade do trabalho, mas demonstra,
com profundidade, como vem se manifestando a ofensividade do capital sobre o

*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
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trabalho e de como a intensificação do labor tem afetado os trabalhadores no âmbito da


sociedade contemporânea. Intensificação esta que perpassa o universo de todas as
categorias de trabalhadores assalariados, além das implicações sobre a subjetividade,
envolvendo problemas de saúde, de precarização das condições materiais de existência.
O trabalho se divide duas partes (V capítulos). Uma que trata da base conceitual da
intensidade do trabalho e da construção histórica da noção de intensidade do trabalho
envolvendo os padrões de acumulação taylorista-fordista, passando pela acumulação
flexível e o toyotismo; e a segunda parte, que trata exaustivamente da intensidade do
trabalho, ao examinar e estudar em profundidade as fontes de dados, relacionando-as
com a intensificação nos bancos, telefonia e comunicação, supermercados, ensino
privado, construção civil, serviço público. O que fica evidente é que o capital, trabalho
morto, submete mais e mais os trabalhadores a jornadas extenuantes, levando-os as
condições as mais alienantes e brutalizadas.
Ao desenvolver o conceito de intensidade do trabalho, o autor procura destacar que tal
intensidade está diretamente ligada ao dispêndio de energias realizado pelos
trabalhadores na atividade concreta. Nesse sentido, é possível observar que: “Há
intensificação do trabalho quando se verifica maior gasto de energias do trabalhador no
exercício de suas atividades cotidianas. Quando se trata de trabalho físico, os resultados
aparecem em medidas tais como maior número de veículos montados por dia por pessoa
etc. Quando o trabalho não é físico, mas de tipo intelectual, como no caso do
pesquisador, ou emocional, como o que ocorre com o educador e a enfermeira, os
resultados podem ser encontrados na melhoria da qualidade mais do que na quantidade
de pessoas atendidas” (p. 21).
Em Mais trabalho! Sadi Dal Rosso procura desmistificar a concepção neoliberal ditada
pelos sicofantas do capital que seguem insistindo que chegamos ao fim da sociedade do
trabalho e que só nos resta agora nos contentarmos com o que o mundo do capital pode
nos ofertar. Como bem define Antonio Cattani (p. 9), na apresentação do livro: “A obra
Mais Trabalho! é um desmentido cabal às interpretações apologéticas da superioridade
do capitalismo e às teses equivocadas sobre o fim da centralidade do trabalho, sobre o
surgimento da "sociedade da inteligência" ou da "comunicação", de um capitalismo pós-
industrial sem trabalhadores”.
A partir de uma análise marxista, consistente, rigorosa Dal Rosso desvenda a lógica
destrutiva do capital, ao se indagar, por exemplo: “A quem serve o aumento da carga de
trabalho no mundo contemporâneo? Quem se beneficia da intensificação da
produtividade e do ritmo dos trabalhadores? Com certeza não são os próprios
trabalhadores, que sofrem com os efeitos da dinâmica capitalista de elevar qualitativa e
quantitativamente a produção a qualquer custo. É essa a lógica destrutiva do capital no
início do século XXI! O autor ainda se propõe a descrever, com propriedade, as
cobranças e práticas por maior qualidade, produtividade, eficiência, agilidade e
velocidade as políticas implementadas pelas empresas públicas e privadas que acabam
por esconder o movimento de intensificação do trabalho. Assim, a partir de uma
profunda análise crítica das chamadas novas práticas de gestão, do que Dal Rosso
chama de “ordem geral dos acontecimentos e sua conexão intrínseca” passando a
discorrer sobre os movimentos determinantes do processo de intensificação do trabalho.
O autor observa que o primeiro movimento diz respeito às práticas que objetivam
aumentar o rendimento do trabalho – por alongamento de jornada, aumento do ritmo e
velocidade, flexibilidade ou intensificação do trabalho – são concebidas e desenvolvidas
no setor privado por agentes visionários que se valem da linguagem messiânica para
gerar convencimento sobre os saltos de produtividade obtidos; o segundo movimento
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onde é possível observar que técnicas assim geradas e testadas difundem-se rapidamente
no mundo da economia privada e das empresas públicas, uma vez que as empresas
buscam beneficiar-se dos novos ganhos de produtividade e, por fim, o terceiro
movimento, onde, de acordo com o autor, ao serem implantadas nas empresas privadas
e públicas, as práticas estão prontas para ser transferidas ao setor público, mesmo, em
ambos os casos, enfrentando resistências (pp. 182-183). Com argumentos consistentes e
investigação rigorosa, Sadi desafia aqueles que acreditam no fim da centralidade do
trabalho e no surgimento de uma nova sociedade sem trabalhadores.
Tomando como núcleo de sua pesquisa a realidade social de Brasília, cidade sem
tradição de trabalho industrial, Sadi Dal Rosso apresenta as conseqüências negativas do
excesso de trabalho, onde a cobrança por resultados e a exigência de versatilidade
cobram custos altíssimos da saúde física e emocional dos trabalhadores. A obra
desenvolve conceitos como intensidade do trabalho, a relação deste fenômeno com os
trabalhadores e as conseqüências deste para a sociedade. O trabalho nos chama atenção
pela vasta Bibliografia pesquisada, onde autor dialoga com grandes teóricos do
marxismo e da esquerda, demonstrando a atualidade do pensamento de Marx, bem
como dialogando com estudiosos da sociologia do trabalho, dentre eles, Claus Offe,
André Gorz, Mészáros, além de uma vastíssima bibliografia de estudiosos da
intensificação do trabalho certamente ignorada do público brasileiro. Chegando a
conclusões originais, o livro Mais trabalho! demonstra empiricamente a atualidade da
luta de classes, apontando quais segmentos sociais ganham com o enfraquecimento e a
fragmentação das forças sociais do trabalho. O livro, pela a originalidade da pesquisa e
do tema, deve ser indicado para todas as áreas das ciências humanas, bem como para
todos aqueles que lutam não apenas contra a intensificação da jornada, a precarização
do trabalho e a exploração da força de trabalho, mas para todos que aspiram a
construção de uma sociedade, com bem lembra Istvan Mészáros, para “além do capital”,
onde não haja lugar para a exploração do homem pelo homem e que o “livre
desenvolvimento de cada um seja o livre desenvolvimento de todos”.
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

A revista eletrônica Sociologia em Rede, editada semestralmente pelos


participantes da Rede Social Sociologia em Rede, aceita propostas de artigos e
resenhas para publicação. A revista mantém uma seção temática especial a cada
número e uma seção livre de artigos sobre temas diversos da área de sociologia e
afins. Os artigos e resenhas serão submetidos à avaliação do Conselho Editorial, ao
qual cabe a decisão final sobre sua publicação. O editor após receber o parecer dos
consultores, que pode aprovar, reprovar ou aprovar com sugestões de
modificações, envia o resultado para o autor, que deve realizar as alterações no
prazo estabelecido para não atrasar o lançamento periódico da revista, se estiver
incluído na seção temática de um número (caso não esteja poderá ser publicado em
números subseqüentes). O recebimento dos artigos para avaliação prevê, também,
as seguintes normas:

1. Deve ser entregue uma cópia digital do artigo ou resenha via email abaixo
especificado.

2. O texto deve estar digitado no programa processador de textos Microsoft Word


for Windows versão 2000 (9.0), ou superior, com espaçamento entrelinhas duplo,
fonte Times New Roman em corpo 12, margens padrão do Word, formato a4, sendo
que os artigos devem ter de 10 a 30 páginas e as resenhas de 2 a 6 páginas. As
resenhas devem conter um título e um subtítulo no qual explicita ser resenha de
qual livro41.

3. No final do texto devem constar 02 (dois) resumos de, no máximo, 05 (cinco)


linhas, sendo um em português e o outro em esperanto. Junto aos resumos devem
constar, ainda, 03 (três) palavras-chave. (OBS: não serão aceitos trabalhos para
avaliação sem os respectivos resumos e palavras-chave). No caso do esperanto,
poderemos providenciar a tradução, desde que seja solicitado via email ao
apresentar a proposta de publicação do artigo.

4. As citações, quando existirem, caso excedam a extensão de 03 (três) linhas


devem estar destacadas do corpo do texto.

5. As referências bibliográficas existentes no corpo do texto devem seguir o


sistema autor/data. Exemplo: (Korsch, 2009, p. 25).

6. A relação da bibliografia consultada para a elaboração do trabalho, cuja presença


ao final do texto é obrigatória, deve conter todas as obras mencionadas nas
referências do corpo de texto e nas citações.

7. O artigo ou resenha deve conter, ainda, em sua primeira página, como nota de
rodapé, o vínculo institucional do autor, podendo conter também titulação e
principais publicações (livros).

8. Os trabalhos deverão ser enviados para o seguinte endereço:


nildoviana@terra.com.br

41
Exemplo: “Tempo e Trabalho – Resenha do livro A Jornada de Trabalho na Sociedade” e em nota de
rodapé os dados do livro: DAL ROSSO, Sadi. A Jornada de Trabalho na Sociedade. O Castigo de
Prometeu. São Paulo, LTr, 1996.
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9. A Revista Sociologia em Rede também recebe livros para resenhas/ divulgação


de lançamentos e outras comunicações, que devem ser enviados (as) para o editor
da revista, pelo mesmo email para envio de propostas de artigos e resenhas.

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