Editor-Responsável:
Nildo Viana
Conselho Editorial:
Tema livre
Maria Angélica Peixoto Educação e Reprodução na Abordagem
Sociológica de Bourdieu e Passeron
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
Marcuse (1996) alertara para o fato da dominação no capitalismo moderno ser,
antes de tudo, tecnológica. Os modos de dominação se externalizam através do uso de
tecnologias que possibilitam a instauração de maneiras específicas de controle e
vigilância apropriadas para a reprodução dos mecanismos sociais de dominação e
subordinação. Nesse aspecto a tecnologia possui viés que informam suas determinações
em cada momento do desenvolvimento sócio-cultural da sociedade.
A tecnologia como modo de produção, como totalidade de
instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era das
máquinas é assim ao mesmo tempo um modo de organizar e perpetuar
(ou mudar) relações sociais, uma manifestação de padrões de
pensamento e comportamento dominantes, um instrumento de controle
e dominação. (Marcuse, 1996, p. 113).
Esta faceta da tecnologia permite entendê-la de modo multidimensional. A
tecnologia tanto pode permitir a liberação do trabalho quanto o seu contrário. Pode
suprimir o esforço excessivo quanto intensificar o controle e a dominação social. Sendo
assim, “a técnica por si mesma pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade,
tanto a escassez quanto a abundância, tanto a extensão quanto a abolição da labuta.”
(Marcuse, 1996, p. 113).
A derrocada do modelo de acumulação taylorista-fordista no final dos anos 1970,
colocou em evidência novas tecnologias de base microeletrônica que impulsionaram e
redefiniram os padrões de dominação e subordinação da força de trabalho. A
microeletrônica e os programas de gestão deram uma nova roupagem para a
organização capitalista do trabalho. A força de trabalho passa a ser gerida através de
meios mais racionais e eficazes de controle; esses meios trouxeram questões
relativamente novas ao universo do trabalho, principalmente no que diz respeito a forma
de ser do trabalhador.
A exigência de polivalência, entendida pelo capital como a incorporação de
algumas habilidades por parte do trabalhador, e o trabalho em equipe são uma expressão
atual da subsunção real do trabalho ao capital. (Antunes, 2000a; Frigotto, 1995) As
múltiplas facetas exigidas de quem executa o trabalho implicara a intensificação da
exploração do trabalho e, consequentemente, a ampliação no número de movimentos e
tarefas elaboradas e/ou executadas no processo de trabalho. A qualificação preconizada
pelas administrações das empresas, aliada com as tecnologias atuais, esconde a forma
integral de extração de mais-valor.
A história da gestão capitalista, especificamente no que diz respeito à produção de
mercadorias, pode ser entendida como a história do desenvolvimento da tecnologia e
das técnicas que dão suporte ao aparato produtivo-social e cultural necessário à
racionalização produtiva. De Taylor passando por Fayol e Ford até chegarmos ao modo
atual de acumulação de capital, o que presenciamos foi a busca constante por melhorias
tecnológicas e aplicação de técnicas que permitissem às empresas reduzir custos e
aumentar a produtividade do trabalho.
Ao definir os ciclos disciplinares, Gaudemar (1991) apresenta a história do
desenvolvimento das tecnologias e, consequentemente, das técnicas que dão suporte a
cada fase da produção capitalista, descrevendo as formas de dominação e subordinação
relativas a cada uma delas. Em outros termos, apresenta-nos os ciclos disciplinares a
partir da emergência de tecnologias utilizadas para racionalizar e intensificar o controle
sobre o trabalho.
Nesse sentido, gestão, racionalização e tecnologia são aspectos relacionados à
questão central da produção capitalista. De outro modo, representam o movimento
constante de absorção e reprodução das condições sociais necessárias à continuidade do
modo de acumulação do capital. Se por um lado a chamada acumulação flexível
(Harvey, 2003) adota um novo padrão tecnológico assentado no uso de tecnologias
flexíveis e na exigência de novas qualificações do trabalhador, por outro, esse mesmo
processo requer a adoção de técnicas disciplinares e de controle adequadas à reprodução
ampliada e integral do capital.
Desse modo, aquilo que convencionamos chamar de reestruturação produtiva
nada mais é que o processo de reordenamento tecnológico e disciplinar típico da era
toyotista de racionalização produtiva do capital. Compreende-se que os modos de
gestão, assim como as tecnologias e a dominação, são transformados pelas exigências
advindas do processo de racionalização produtiva e pelas combinações e recombinações
das formas de exploração do trabalho adequadas a cada padrão de acumulação.
O que é comum aos modos de gestão do capital, seja na modalidade taylorista-
fordista, seja na toyotista, é a tentativa de utilizar ao máximo a capacidade produtiva do
trabalhador, intensificando o trabalho, e a redução de custos das mercadorias. Está é a
história da gestão capitalista do processo de trabalho. Assim, ao redesenhar a produção
e o trabalho, ao flexibilizar a produção e o trabalho, as empresas procuram constituir
formas mais eficazes de controle e disciplina que garantam a permanência da
dominação e da subordinação do trabalhador aos objetivos do capital. O espaço laboral
é um espaço de poder do capitalista sobre os trabalhadores. (Guademar, 1991).
As transformações do trabalho na contemporaneidade, a introdução de novas
tecnologias, tanto de informação quanto da comunicação, alavanca o surgimento de
mecanismos de regulação sobre o trabalho e a vida cotidiana dos trabalhadores.
(Bernardo, 2004 e 1998). A reestruturação produtiva, aliada às novas tecnologias
alteraram as formas de controle e disciplina no trabalho nas empresas. Segundo
Mendoza (1991, p.25):
Las crisis econômica, las experiencias de reestructuración
productiva y las estrategias de flexibilización y desestructuración
laboral están, sin duda, afectando a la nueva configuración de las
formas de disciplinamiento. A ello hay que añadir la incidencia
que la introducción de nuevas tecnologías tiene en la regulación
del comportamiento laboral.
Portanto, ao transformar os espaços de trabalho através do uso de tecnologias, as
empresas estão instaurando modos de subjetivação e controle específicos. No entanto,
ao instaurar novas formas de regulação do comportamento do trabalhador, também
possibilitam que os mesmos tenham acesso a um conjunto de informações que podem
corroborar na criação de resistências à dominação no interior do espaço laboral.
Tomemos como exemplo o setor bancário. As empresas ao introduzir tecnologias
de informação e da comunicação revolucionaram o trabalho bancário. Racionalizaram o
trabalho, reduziram o contingente de trabalhadores nas agências, colocaram à disposição
dos clientes um número significativo de opções de serviços on-line e intensificaram o
trabalho do bancário, que agora atua como um vendedor de produtos financeiros, uma
vez que as operações comuns são realizadas no caixa eletrônico pelos clientes. Além de
terem que cumprir as metas estabelecidas pelas empresas sem participação dos
funcionários.
Por outro lado, ao instalar as tecnologias que permitem a racionalização integral
do trabalho e dos serviços bancários, as empresas tiveram que conviver com o acesso a
um conjunto de informações por parte do funcionário. Essas informações causam
problemas uma vez que os funcionários se comunicam e mobilizam mais rapidamente
para reivindicar questões relativas ao trabalho. Porém, as empresas delimitam os
trabalhadores que terão acesso à internet e, portanto, a informações privilegiadas na
tentativa de conter o acesso generalizado dos mesmos ao sistema tecnológico-
comunicacional típico do atual estágio do capitalismo.
Dessa maneira, observamos que a tecnologia opera como um poderoso sistema
capaz de regular a vida social cotidiana dos indivíduos. (Marcuse, 1996). O capitalismo
moderno transformou a vida social de maneira a instrumentalizar o comportamento
humano em torno de uma racionalidade assentada no processo da máquina e na
eficiência e lucratividade do capital.
Pensar a vida social no capitalismo é lançar luzes acerca do processo de
institucionalização e instrumentalização produtiva da tecnologia. As bases sociais da
tecnologia, suas determinações e limites, pensadas a partir dos elementos que
caracterizam a sociedade produtora de mercadorias.
O comportamento humano é equipado com a racionalidade
do processo da máquina e esta racionalidade tem um conteúdo
social definido. O processo da máquina opera de acordo com as
leis de produção de massa. A eficácia (expediency) em termos de
razão tecnológica é ao mesmo tempo eficácia em termos de
eficiência (efficiency) lucrativa, e racionalização é ao mesmo
tempo padronização monopolista e concentração. Quanto mais
racionalmente o indivíduo se comporta e quanto mais
amorosamente de dedica ao seu trabalho racionalizado, tanto mais
ele sucumbe aos aspectos frustrantes desta racionalidade.
(Marcuse, 1996, p. 120).
As tecnologias atuais inovaram na determinação de modos de controle e
vigilância até pouco tempo desconhecidos. A capacidade manifesta da rede mundial de
computadores serve a objetivos específicos, no que diz respeito às empresas e à gestão
da força de trabalho, no sentido de orientar, codificar e decodificar informações vitais
para o funcionamento do capitalismo na atualidade.
Sem contestar qualquer das possibilidades democratizantes
inerentes à Internet, vale a pena explorar a capacidade da Web
para capturar e controlar, atingir e apanhar, gerir e manipular.
Embora tenham ocorrido muitas mudanças desde o nascimento do
precursor da Internet, um sistema de comunicações militares da
guerra fria, o poder não foi simplesmente descartado como se se
tratasse de um traço infantil. Em vez disso, está agora ligado a
uma ampla vigilância tecnológica cada vez mais integrada. (Lyon,
2004, p. 109-110).
O capitalismo contemporâneo transformou a vida cotidiana à medida que inovou
em termos de introdução de novas tecnologias capazes de permitir uma rápida conexão
entre as mais variadas esferas da vida social. Nesse sentido, a tecnologia, e seus usos,
conformam uma realidade social de acordo com os objetivos e os propósitos da
economia de mercado transnacionalizada. (Schiller, 2002).
Nesta perspectiva, a rede mundial de computadores, que tem possibilitado a
constituição de uma economia digital em escala mundial ainda tímida, capta todos os
movimentos dos seus utilizadores, estabelecendo um sistema eficaz de vigilância e
controle que associado aos objetivos empresariais e governamentais dão a tônica do
desenvolvimento do capitalismo atual. (Schiller, 2002; Lyon, 2004; Castells, 2003;
Bernardo, 2004 e 1998).
Os dados ‘pessoais’ recolhidos na Web são de diversos
tipos. A Internet torna possível novos planos de integração da
vigilância, relacionados com situações de trabalho, administração
governamental, policiamento e, acima de tudo, marketing.
Podemos ver uma câmera de vigilância no centro comercial ou
mesmo suspeitar que mais alguém está a ouvir a nossa chamada
de telemóvel. Mas a vigilância baseada na Internet é bastante mais
subtil. O leitor faz parte de um grupo de utilizadores? Os motores
de pesquisa para ‘encontrar pessoas’, tais como o Altavista ou o
Dejanews, recolhem dados pessoais sobre elas. Visita páginas
Web? Muitas dessas páginas criam automaticamente registos de
visitantes, recolhendo dados directamente do computador do
utilizador, como o tipo de computador, o endereço de correio
electrónico e a página que o leitor visitou anteriormente. A teia é
quase imperceptível e, embora cada movimento da ‘mosca’ a
deixe mais enredada, a ‘mosca’ continua ditosamente
desconhecedora do que lhe está a suceder. (Lyon, 2004, p. 110).
É certo que foi na era moderna que a vigilância tornou-se algo comum e
generalizado no interior da sociedade. Em diversas situações, com diversos propósitos,
é requerido o registro de informações acerca dos indivíduos, sejam trabalhadores ou
não, seja criminoso ou não. Assim, estabelecem-se critérios de controle e vigilância que
determinam o enquadramento do individuo na vida cotidiana.
Nos tempos modernos, contudo, a vigilância tornou-se
muito mais um procedimento habitual e geral, envolvendo a
totalidade de populações nacionais e contemplando um vasto
leque de actividades e situações da vida. Os nascimentos,
casamentos e mortes têm sido registados automaticamente, os
indivíduos têm vindo a ser classificados segundo a idade e o
status para votar em eleições democráticas e os trabalhadores
foram reunidos debaixo do mesmo tecto para facilitar a
supervisão. (Lyon, 2004, p. 111).
Ao mesmo tempo, foi no século XX que estes mecanismos de vigilância foram
intensificados. A própria administração das empresas, a gestão científica, se dedicou a
procurar a maneira mais eficaz e racional de extrair mais-valor e intensificar a vigilância
e o controle sobre o processo de trabalho. A capacidade de reformular a disciplina na
produção e no trabalho torna-se um dos elementos mais importantes da gestão.
O toyotismo empreendeu um movimento de transformações econômicas, políticas
e organizativas nas empresas buscando adequar a produção à acumulação flexível. Para
isso, a gestão do trabalho foi redefinida em termos de novos propósitos produtivos-
organizacionais, procurando incorporar a totalidade do conhecimento do trabalhador de
acordo com os objetivos da lucratividade e da redução de custos.
A gestão capitalista do trabalho, na modalidade taylorista-fordista-keynesiana ou
no toyotismo, objetiva conceber uma forma de racionalizar o uso da força de trabalho
dentro dos padrões empresariais de lucro e produtividade.
A lógica do desenvolvimento capitalista também motivou a
supervisão e a monitoração para maximizar a produtividade e o
lucro. A gestão científica tem representado esta tendência para
uma maior intensidade da vigilância, ao centrar-se em análises
detalhadas de tempo-e-movimento. Em meados do século XX
tornou-se claro que a vigilância era constitutiva da organização
moderna. (Lyon, 2004, p. 111).
Ao caracterizar como vigilância no ciberespaço todas as maneiras de vigilância
presentes nas comunicações intercedidas por computador, Lyon (2004) distingue três
tipos básicos. O primeiro refere-se ao emprego. O segundo a segurança e policiamento e
o terceiro, ao marketing.
A institucionalização das tecnologias de informação e da comunicação à medida
que permitiu o uso de formas de comunicação como o e-mail e a expansão de seu uso
nas empresas, fez com que a supervisão da vigilância assumisse contornos cada vez
mais abrangentes.
Dessa maneira, cada vez mais, as empresas detectam funcionários que utilizam a
rede/internet para enviar mensagens não relacionadas ao trabalho, as demissões por
acesso a material pornográfico e mesmo a troca de informações sobre condições de
trabalho e reivindicações dos trabalhadores são monitoradas pelo sistema de vigilância e
gestão das empresas.1
Em São Paulo, no ano de 2007, o Banco do Brasil foi denunciado pelo Sindicato
dos Bancários por instalar detector de metal para proceder à revista de trabalhadores
contratados e terceirizados que trabalham no Complexo São João. Segundo o
funcionário do banco e secretário de imprensa e comunicação do sindicato, Ernesto
Izumi, após protestos foram suspensas a fiscalização sobre os trabalhadores contratados.
Algum tempo depois, novas manifestações dos bancários fizeram com que a prática
fosse abolida também para os terceirizados.
(http://www.spbancarios.com.br/noticia.asp?c=5179. acesso em 18/09/2007).
A tecnologia ao propiciar a conexão na rede e, consequentemente, possibilitar o
acesso a uma infinidade de informações, também possibilita a constituição do sistema
de controle e vigilância das empresas sobre o universo do trabalho e sobre a atividade
de cada trabalhador.
Em situações relacionadas com o emprego, a monitoração e
as formas de supervisão da vigilância são comuns, pelo que não
surpreende que o crescente uso da internet pelos empregados e,
acima de tudo, o uso do correio eletrônico, tenha criado novos
desafios. (Lyon, 2004, p. 114).
1
No Brasil, em 2001, o Sindicato dos Bancários de Curitiba entregou à Comissão Parlamentar de
Inquérito da Telefonia da Assembléia Legislativa do Estado documentos denunciando a atuação do HSBC
na vigilância de sindicalista e funcionários do banco. Ainda, segundo ex-policial militar, em entrevista à
Folha Online, as atividades já eram realizadas desde 1994 contando com a atuação de vários agentes da
polícia civil, militar e federal. As formas de fiscalização e vigilância nas empresas estão se expandindo
para os meios eletrônicos como câmeras, e e-mail. Confira.: HSBC é acusado de grampear
funcionários; banco nega. In.: Folha Online. www1.folhauol.com.br/folha/brasil/ult96u20506.shtml.
Acesso em 12/11/2007. A própria legislação tem oferecido às empresas o arcabouço legal para tal fim.
Com relação à legislação, confira a decisão do TST que autoriza as empresas a monitorar de forma
“moderada, generalizada e impessoal” os e-mail dos funcionários. A questão é saber o que isso significa
em termos de repressão no trabalho. Confira..: Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 613/2000.
www.tst.gov.br. Acesso em 12/11/2007. Após esta decisão do TST, a Federação do Comércio do Estado
de São Paulo – Fecomércio - editou a cartilha “Monitoramento Eletrônico: sugestões para controle do
uso de e-mails e recursos tecnológicos em benefício da empresa e em favor do bem-estar dos
empregados”. www.fecomercio.com.br/site/downloads/arquivos/arquivo_cartilha_01.pdf- aceso em
12/11/2007. A cartilha contém diversas orientações aos empresários no sentido de implementar controles
eletrônicos sobre os funcionários. O que chama atenção é a lógica do discurso empresarial. Logo de início
está posta a questão do controle do tempo do trabalhador: “este tema é sério porque o mau uso dos meios
tecnológicos pode causar a perda de tempo do funcionário com assuntos particulares (...).” p.06.
Na tentativa de estabelecer a vigilância e o controle sobre as atividades realizadas
no interior das empresas, a gestão empresarial procura implantar medidas técnicas para
impedir determinadas ações dos funcionários no ambiente de trabalho. Os meios
eletrônicos dão à gestão das empresas informações precisas sobre a atividade do
trabalhador durante o horário de trabalho. Estes mecanismos são, hoje, indissociáveis da
administração das empresas. Todos os grupos empresariais possuem sistema de
vigilância eletrônica que, na compreensão dos gestores, contribuem para gerir melhor a
empresa e o trabalho.
Dessa maneira, para fiscalizar o trabalhador e garantir o cumprimento dos
objetivos empresariais,
É instalado um software para gravar e relatar todas as
actividades relacionadas com o uso da Internet e do correio
electrónico. Todas as divisões de serviço de informação
tecnológica das empresas têm a capacidade de localizar o uso da
rede electrónica e vigiar o conteúdo das mensagens de correio
electrónico. Em grande parte da América do Norte, a utilização ou
não desse sistema é considerado um assunto de política interna da
empresa ou da organização. Há alguns anos, uma sondagem a
gestores dos EUA revelou que 22% tinham feito buscas nos
ficheiros de computador dos empregados, no voice mail, no
endereço electrónico e noutras comunicações electrónicas. (Lyon,
2004, p. 115).
Com relação a vigilância relacionada à segurança e policiamento, a questão não é
menos séria. Formam-se grandes empresas de segurança e administração penal tendo
como princípio elementar a vigilância constante da população nas cidades e nas
empresas. Wacquant (2001) nos dá um quadro exato da função do Estado nacional nesta
nova fase do capitalismo. Segundo ele, as políticas neoliberais aplicadas nos EUA
transformaram o Estado norte-americano em um Estado policial. Políticas de
desregulamentação do trabalho e da economia, redução dos benefícios sociais mostram
seus efeitos imediatos no crescimento da população carcerária e na intensificação dos
programas estatais repressivos expressos no programa de tolerância zero aplicado em
New York. Acresce-se a isto, o fato das prisões norte-americanas serem privadas e
teremos a medida certa das políticas neoliberais.
O neoliberalismo implantou medidas econômicas e tecnológicas no sentido de
constituir a esfera do mercado como o mais eficaz instrumento de regulação econômica
e social. O advento das tecnologias de informação e da comunicação coincide com a
emergência do neoliberalismo e a decadência do Welfare State Keynesiano. A crise do
início dos anos 1970, marco das mudanças em curso, solapou a produção fordista e
instituiu a modalidade de reprodução do capital assentada na produção flexível, na
administração por estresse (management by stress), na radicalização do individualismo
e do consumo.
Como conseqüências do neoliberalismo acentuam-se as formas de injustiças
sociais e, nas palavras de Lyon, “a vigilância está claramente relacionada com a
manutenção da desigualdade e divisão social” (Lyon, 2004, p. 119). Portanto, o
desenvolvimento da tecnologia, o advento do toyotismo como modelo predominante da
acumulação do capital contemporânea e o neoliberalismo possuem interligações que
informam os rumos do capitalismo após os anos 1970.
Analisando as novas tecnologias e o processo de globalização, Schiller (2002)
identifica na Internet e no sistema de comunicação com o qual a internet se conecta, a
origem da transnacionalização da economia. Sendo assim, “as redes de computadores
estão a generalizar, como nunca aconteceu até agora, o domínio directo que a economia
capitalista exerce sobre a sociedade e a cultura.” (Schiller, 2002, p. 16). Este autor
caracteriza a fase atual como capitalismo digital, presente nos países desenvolvidos.
Esta fase transforma radicalmente a sociedade e a tecnologia. A política neoliberal e a
economia de mercado redefiniram o uso social da tecnologia. Dotaram-na de um novo
objetivo social, aumentando o poder das empresas e agravando as desigualdades sociais.
Associado ao modelo de gestão toyotista pós-anos 1970, verdadeiras estruturas de
vigilância são criadas para monitorar os utilizadores da rede de computadores. Nos anos
1990, governos e empresas investem em sistemas de vigilância eletrônica com o intuito
de controlar o fluxo de informações e extrair daí material de interesse tanto empresarial
quanto governamental. Segundo Lyon,
O mais conhecido esforço para possibilitar a expansão da
vigilância de segurança na Internet é o chamado Clipper Chip.
Em 1994 o governo dos EUA propôs introduzir um modelo
uniforme de encriptação que iria efectivamente impedir a
proliferação de códigos concebidos para proteger a privacidade
das comunicações electrónicas. Enquanto os utilizadores
individuais poderiam ficar certos de que as suas mensagens
continuariam privadas, a única excepção era a de que, no interesse
da ‘segurança nacional’, os agentes do governo poderiam
interceptá-las, quando fosse apropriado e necessário. (Lyon, 2004,
p. 115).
Quanto à vigilância comercial, marketing, o processo parece mais agressivo e
intenso. As empresas desenvolvem tecnologias que lhes facultam invadir computadores
individuais e de concorrentes visando obter vantagens comerciais. O uso de cartões de
crédito, o dinheiro eletrônico, deixa rastros no ambiente virtual. As informações
relativas aos consumidores são armazenadas, codificadas e comercializadas na forma de
banco de dados e da observação das tendências de consumo.
Os chamados cookies (Client-Side Persistent Information )
concedem amplas capacidades de detecção a empresas, desejosas
de explorar comercialmente os valiosos dados pessoais
segmentados de indivíduos comuns. Os cookies permitem que os
websites armazenem informação acerca dos sites visitados no
disco rígido do utilizador, em seguida lêem a drive cada vez que
um site é visitado para descobrir se o utilizador esteve lá antes.
(Lyon, 2004, p. 111).
De modo geral, as tecnologias disponíveis possibilitam a ampliação da vigilância
em todos os campos da vida social. Tanto no emprego quanto no marketing e na
segurança, as práticas recorrentes visibilizam os mecanismos, cada vez mais presentes,
de controle social através do uso intensivo de tecnologias, sejam elas de informação ou
da comunicação. O capitalismo contemporâneo, redefiniu as formas de vigilância tendo
em vista o enorme aparato tecnológico disponível para estabelecer o controle eletrônico.
A vida cotidiana, o trabalho, o lazer, se encontram cada vez mais imersos nos sistemas
de vigilância preconizados por empresas, governos e instituições, como o modo mais
seguro e eficiente de prevenção contra toda sorte de acontecimentos indesejáveis.
Sob a ordem do capital, o modo de gestão do trabalho contemporânea pressupõe o
uso das tecnologias de informação e da comunicação com o objetivo de afirmar uma
ordem disciplinar e formas de dominação e de subordinação tendo como fundamento a
reprodução e valorização do capital. A tecnologia utilizada como forma de instituir o
poder das empresas, dos gestores, dos capitalistas, no espaço de trabalho.
É sintomático que a vigilância eletrônica apareça de forma mais visível nas
instituições repressivas - polícia, militares - e também nas empresas. Isto torna evidente
que as empresas atuam como instituições repressivas, verdadeiros aparelhos repressivos,
que delimitam e impõem aos trabalhadores os objetivos e as práticas empresariais.
Bernardo (2004) enfatiza a função repressiva das empresas associando-a, no atual
contexto, às práticas do neoliberalismo que se apoiando no discurso do livre mercado
lança mão dos mecanismos de fiscalização e vigilância para gerir as empresas e os
trabalhadores.
O exercício da soberania pelas empresas não se reduz à
aplicação prática de técnicas de organização da força de trabalho,
mas inclui igualmente formas extraconsensuais de repressão,
quando não mesmo formas extralegais. E o neoliberalismo, apesar
de se apresentar como promotor da redução das relações sociais
aos mecanismos de mercado, de modo algum dispensou
modalidades não econômicas de vigilância e de repressão. Pelo
contrário, deu-lhes uma amplitude ainda maior. (Bernardo, 2004,
p. 145).
No entanto, tais práticas contam com uma aliada fundamental. A tecnologia
permitiu às empresas fundirem processo de trabalho e fiscalização. A gama de opções
tecnológicas a disposição dos capitalistas e das empresas permite transformar a gestão
do trabalho, ao mesmo tempo, num processo de repressão e de vigilância eletrônica.
Os serviços de espionagem das empresas e o crescimento do número de agentes
privados de segurança, informam a capacidade repressiva empresarial. Em 1978 a
General Motors possuía 4.200 agentes privados para realizar a vigilância na empresa.
Nos E.U.A as despesas com segurança cresceram da ordem de U$22 bilhões na década
de 1980 para U$ 90 bilhões na década de 1990. Hoje esses valores chegam, com
certeza, a cifras infinitamente maiores. (Bernardo, 2004).
Atualmente, porém, é sobretudo graças à microeletrônica
que as empresas expandem a sua capacidade repressiva. Pela
primeira vez na história da humanidade, a microeletrônica permite
que a fiscalização esteja indissociavelmente ligada ao processo de
trabalho. Esta é uma transformação de conseqüências
incalculáveis, e mal começamos a nos aperceber da sua
amplitude. (Bernardo, 2004, p. 147).
Em síntese, tecnologia, gestão e vigilância eletrônica são elementos importantes
do desenvolvimento capitalista atual. A gestão e a vigilância se confundem com o
processo de trabalho. Ao criar mecanismos eletrônicos de controle e vigilância, as
empresas e seus gestores fomentam a institucionalização da dominação e da
subordinação no trabalho caracterizadas pelas tecnologias, tanto de informação quanto
da comunicação.
Conforme Gaudemar (1991), o modo de acumulação requer um ciclo disciplinar
específico para lhe dar sustentação. Na atualidade, a disciplina e o controle no trabalho
estão profundamente associados às tecnologias contemporâneas e à adoção de
procedimentos e regras de enquadramento social da força de trabalho. Portanto, técnicas
de gestão, gestão científica da força de trabalho são portadoras da racionalidade, da
produtividade, da intensificação do trabalho e do lucro empresarial.
O neoliberalismo redefiniu o uso social da tecnologia. Alinhou-a aos novos
objetivos empresariais na era da transnacionalização do capital e estendeu o domínio da
economia para o conjunto da sociedade e da cultura. Nos dizeres de Schiller (2002), isso
se deve à rede de computadores.
Seguindo a análise de Lojkine (2002), a microeletrônica não representa, por si só,
a superação da divisão do trabalho ou a ultrapassagem do taylorismo. As tecnologias
instauradas a partir da crise do taylorismo-fordismo representam a chegada de um
padrão de acumulação flexível, mas que convive com formas de produção ainda
tributárias do modelo anterior. O toyotismo se apresenta como o modelo predominante
da acumulação atual do capital.
Daí o entendimento que as tecnologias de informação e da comunicação
corroboram para o advento de formas específicas de disciplina, controle e vigilância no
trabalho. Em outros termos, a tecnologia redesenha a dominação do capital e a
subordinação dos trabalhadores no processo de produção.
A gestão do trabalho é um dos pontos fulcrais do desenvolvimento capitalista.
(Heloani, 2003). A valorização do capital significa a adoção de práticas de trabalho e de
dominação capazes de reunir, coordenar e gerir a força de trabalho de acordo com a
lógica da reprodução ampliada do capital. A realização dos objetivos empresariais e
capitalistas requer a permanente alteração do processo de trabalho no sentido de
racionalizar a produção, reduzindo custos e aumentando a produtividade. Isto implica
intensificar, controlar e disciplinar o trabalho.
Para Lima (1996), as novas políticas de recursos humanos centram o foco na
tentativa de absorver as capacidades intelectuais do trabalhador através da busca do
engajamento nos objetivos da empresa. Tais políticas apresentam um cenário de atuação
das empresas cujas metáforas remetem à gramática da guerra. Assim expressões como
gerenciamento estratégico, estratégias de venda, compõem o vocabulário atual dessas
políticas.
O cenário apresentado é de competição extrema em busca da excelência e da
competitividade no mercado aliando inovações tecnológicas e novas formas de
organização do trabalho com investimentos em formação dos trabalhadores e
aparecimento de novos mecanismos de controle. Isto implica a criação de métodos de
gestão apropriados a esta fase da acumulação capitalista e o abandono, senão todo, pelo
menos parte, dos dispositivos disciplinares e organizacionais do taylorismo-fordismo.
(Lima, 1996).
Para alavancar essa arrancada em termos de formação da força de trabalho e dos
novos métodos de gestão, as empresas fizeram proliferar um número crescente de
escolas - universidade, instituto ou centro de formação - com o objetivo de realizar a
formação dentro do próprio espaço de trabalho. Assim, nos EUA, em 1983 existiam 400
endereços comerciais que reivindicavam a chancela de escola superior, universidade,
instituto ou centro de formação. Esse número triplicou em 1998, passando a existir
cerca de 1200 universidades corporativas, ou de empresa. (Schiller, 2002, p. 177-8).
As empresas entenderam que tomando a formação para si poderiam estabelecer
um padrão de trabalhador desejado. Trata-se, pois, de estabelecer formas disciplinares
que garantam a adoção dos métodos de gestão preconizados e instituídos pelas empresas
capitalistas. A dominação e a subordinação nos espaços de trabalho pressupõem a
formação de uma mentalidade engajada nas determinações empresariais. De acordo com
Lima (1996), a personalidade requerida pelas novas políticas de recursos humanos
possui as seguintes características:
Altamente competitivo e, ao mesmo tempo, altamente
cooperativo; muito individualista e, ao mesmo tempo, capaz de
trabalhar em equipe (ele deve ser extremamente individualista e
ter um forte espírito de equipe); capaz de tomar iniciativa e, ao
mesmo tempo, de se conformar completamente às regras ditadas
pela organização; muito flexível e, ao mesmo tempo, muito
perseverante indo até a uma meticulosidade que poderíamos
considerar como excessiva (perfeccionismo); um indivíduo que se
percebe como ‘sujeito do seu destino’ e ‘criador de sua história’ e,
ao mesmo tempo, completamente integrado, identificado e
conforme à empresa. Esta deve ser, de preferência, idealizada;
capaz de reagir rapidamente e de se adaptar às mudanças;
‘jogador’, isto é, sentir prazer no risco e ser, além disso, um
vencedor, um estrategista, um guerreiro; capaz de adquirir
continuamente novos conhecimentos em domínios variados; fiel e
leal à empresa; ascético: lutar contra as exigências do corpo e se
superar fisicamente; capaz de embotar sua sensibilidade, o que vai
lhe permitir cometer os atos mais aberrantes, mais expressivos de
traição, com uma espécie de apatia que oculta as paixões;
manipulador, delator; controlado, especialmente a nível do
pensamento, que deve ser um pensamento operatório; teatral,
especialmente o gerente deve saber jogar com as aparências. (...);
justo, sensível, compreensivo e, ao mesmo tempo, duro e
impiedoso (especialmente o gerente); desconfiado e ser, ao
mesmo tempo, íntimo, próximo e comunicativo; duro, viril,
exigente e forte (conduta fálica) e ao mesmo tempo charmoso,
persuasivo, sedutor e sorridente (modelo feminino); capaz de
auto-superar; megalomaníaco; capaz de sublimar (ser criativo) e
de estabelecer, ao mesmo tempo, uma relação de identificação e
de idealização com a empresa (ser um ‘fanático da empresa’.
Enriquez apud Lima, 1996). O gerente deve eliminar a dúvida, a
angústia e o remorso; deve ser narcisista e ao mesmo tempo
flexível; deve saber ‘comunicar’, ‘animar’ e ‘persuadir’, ter uma
personalidade ‘como se’ (as if), e se comportar sempre ‘como se
estivesse bem consigo mesmo, como se gostasse verdadeiramente
dos outros’. (Enriquez apud Lima). (Lima, 1996: 44-45).
O trabalhador idealizado e formado pelas empresas deve possuir e/ou adquirir este
tipo de personalidade. A manipulação psicológica (Heloani, 2003) assume uma
intensidade e ultrapassa o terreno exclusivo do ambiente de trabalho. A racionalidade do
capital ultrapassa as fronteiras dos espaços de trabalho e invade a totalidade da
sociedade e da cultura. As empresas estenderam seus domínios para todos os aspectos
da vida social, integrando atividade produtiva com lazer e formação.
O trabalhador da era toyotista possui características singulares que associadas com
as inovações tecnológicas e com as novas formas de organização e gestão do trabalho e
das empresas formam um conjunto típico e apropriado à reprodução do capital e à
extração de mais-trabalho. Em suma, a adoção de novos princípios organizativos e
disciplinares implica a criação de um tipo particular de força de trabalho, o trabalhador
adequado à acumulação flexível, que aliada às novas tecnologias configura o objeto de
desejo do capital.
Portanto, o que se coloca desde as análises de Gramsci (1984), em Americanismo
e Fordismo, e Harvey (2003) é a dinâmica do capital para criar, a cada fase de
acumulação, um tipo específico de trabalhador necessário à produção da mais-valia. A
tecnologia, seus usos, opera, também, como uma maneira de realização do capital. Marx
(1988), descrevia a produção capitalista como consumo da força de trabalho e ao
consumi-la o capitalista necessita de meios capazes para extrair o máximo das
capacidades do trabalho contratado. O tempo de trabalho constitui, pois, desde a análise
de Marx, o elemento que brilha nos olhos do capitalista sedento por usufruir ao máximo
da capacidade do produtor de mercadorias.
Referências Bibliográficas
Nildo Viana*
100
80
60
40
20
0
Níger Suazilândia Argélia Tunísia Jamaica
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Letras, 2009.
Confronto entre Modelos Explicativos na
Compreensão do Trabalho Infantil
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
29
Partindo da definição OIT e sua absorção pelo pensamento social, Gomes
(1998) sintetiza da seguinte maneira o conceito de trabalho infantil:
Estudos que privilegiam essas convenções, que foram ratificadas pelo Brasil
nas últimas décadas, pautam-se metodologicamente pela noção de trabalho infantil
como toda forma laborativa, com ou sem fins lucrativos, exercida por menores de 15
anos3, e que atrapalham no rendimento escolar. Dessa forma, assumem como
pressupostos definidores a perspectiva do desenvolvimento físico-cronológico,
atividades mercantilizadas e a centralidade da escolarização para a vida da criança 4.
Mas outras perspectivas (Demartine e Lang, 1983, in: Gomes, 1998)
apontam para uma definição mais subjetiva, onde a percepção individual do sujeito é
que seria o critério. Essa abordagem prioriza a representação individual em detrimento
do caráter objetivo do trabalho, não levando em consideração o aspecto alienante e
reificador do trabalho.
Segundo Gomes (1998), a definição de trabalho independe da vontade
individual. Existem construções sociais e históricas que determinam o trabalho, e sua
hierarquização em relação às outras atividades “dependem da herança cultural de cada
grupo, de cada sociedade” (GOMES, 1998, p. 51).
Desse modo, a definição da autora sobre o caráter exploratório do trabalho
infantil é característica de uma noção recorrente nas ciências sociais contemporâneas,
onde a relação entre questões econômicas, a reivindicação da condição de cidadania e
da escolarização, formam o pano de fundo da proposta de proteção ao desenvolvimento
da criança:
2
A OIT estabelece o critério cronológico para a definição de criança, sendo a idade de até 15 anos o
marco regulatório.
3
Para a faixa etária dos 16 aos 18 anos é permitido o trabalho somente em condição de aprendizagem.
4
Uma definição semelhante, ou seja, que parte das mesmas premissas, é encontrada em estudos como de
Ferreira (2001), Sartori (2006) e Seger (2006).
30
trabalho de modo a impedir a superexploração do trabalho feminino - e transmissão de
práticas laborativas de cunho familiar, onde a criança e adolescente assumem atividades
na forma de herança cultural da própria família, não se constituem exploração,
principalmente no meio rural onde a escolarização pode ser absorvida como forma de
garantir a continuidade do patrimônio cultural herdado, com o domínio de novas
tecnologias e rearranjos das novas relações sociais, especialmente nas dinâmicas
comerciais.
É utilizado neste estudo o referencial dialético que permite compreender as
dinâmicas e conflitos sociais como produtores de representações jurídicas, políticas e
sociais e o retorno dessas representações nas relações sociais, de forma regulatoria e
normatizadora da vida social, de modo recíproco (VIANA, 2003).
Partindo do pressuposto de que os marcos teóricos expressam as
contradições dos conflitos sociais e de que sua compreensão da realidade ganha
relevância social quando promovem o debate público acerca do contexto social,
historicamente determinado por lutas de classe, segregação social, lutas por direitos
políticos, civis e sociais e, não menos importante, por representações sociais cotidianas,
a análise dos marcos teóricos serve-nos como objeto de estudo enquanto instrumento
heurístico quando utilizado para uma compreensão crítica da realidade.
Neste sentido, torna-se importante fazermos duas distinções sobre o trabalho
infantil: primeiro, como se dá a inserção da criança e do adolescente no mundo do
trabalho e, segundo, porquê essa inserção torna-se prejudicial ao seu desenvolvimento.
A inserção violenta e exploratória das crianças no mundo do trabalho, mas
principalmente do adolescente, vem sendo exaustivamente tratada pelas ciências sociais
de forma fenomênica e superficial, com estudos muito particulares que quase nunca
definem os determinantes sociais e históricos de forma satisfatória.
Como afirma Ferreira:
Partindo dessa crítica, o trabalho infantil pode ser encarado como uma
estratégia do capital de exploração da força de trabalho, que encontra aí uma forma de
redução dos custos de produção. Algumas análises apontam para essa direção,
principalmente por meio da reestruturação produtiva que levam as famílias a utilizarem-
se das crianças nos trabalhos terceirizados pelas indústrias5. Nota-se que o trabalho
terceirizado é geralmente feito nas casas das famílias, utilizando o trabalho infantil de
forma indireta (quando os filhos assumem as tarefas domésticas enquanto os pais
executam suas empreitas) e de forma direta (quando os filhos acabam por auxiliar os
pais nos excessivos trabalhos terceirizados).
O porquê essa exploração acontece está na lógica da sociedade capitalista,
onde as famílias da classe trabalhadora encontram-se em situações precárias de
existência, onde muitas vezes o trabalho infantil é impulsionado como fuga da
marginalidade e da ociosidade. A noção de que através do trabalho a criança e o
adolescente estão seguros dos perigos do mundo encoberta a desumanização do trabalho
sob o capitalismo (CAMPOS & ALVERGA, 2001; GOMES, 1998; SARTORI, 2009;
NETO e SILVA et all, 2009).
O trabalho infantil esteve presente em vários processos históricos, desde o
Egito antigo, passando pela idade média e o feudalismo, como forma de escravidão ou
aprendizagem de ofícios. Mas é no capitalismo que ele assume a forma de uma
estratégia sistêmica, determinando o modo de vida da classe trabalhadora de tal forma
que o trabalho infantil torna-se praticamente indispensável, em alguns contextos, e
necessário para a redução dos custos da produção. A exploração do trabalho infantil é
utilizada pelo capital como forma de extração do trabalho excedente desde sua origem6,
e sua proibição, por mecanismos legais, é burlado pelo capital através da reestruturação
produtiva contemporânea que exige a flexibilização não só das forças produtivas, mas
das relações de produção também7.
5
Estudos de casos onde a força de trabalho infantil fora utilizada com esses propósitos encontram-se em
Sartori, 2009 e Neto e Silva et all, 2009.
6
Marx, no século XVIII, já apontava a exploração do trabalho infantil e feminino como estratégia do
capital para a extração do trabalho excedente nas nascentes indústrias inglesas - condição indispensável
para a produção da mais-valia que, no capitalismo, é peça fundamental para a sua reprodução social
(MARX, 1991).
7
Uma análise profunda sobre o modo de vida no capitalismo e a utilização da força de trabalho infantil
como conseqüência desse modo de vida encontra-se em GRANOU (1972).
32
Contraponto entre os Modelos Teórico-Explicativos
A maioria dos estudos que privilegiam uma compreensão da realidade social
a partir da legalidade e/ou oficialidade, colocam o trabalho infantil como “problema
social” a partir de sua absorção pelas instituições oficiais, como a OIT, os fóruns de
defesa da criança e do adolescente, bem como os marcos regulatórios do Estado.
O que essas abordagens não consideram é que o trabalho infantil já é um
problema muito antigo para as classes dominadas que, desde os escravos até os
proletários contemporâneos, enfrentam esse conflito e lutam contra ele muito antes das
intelligentsias nacionais e internacionais tomarem-no como um “problema social”
urgente.
Uma abordagem da luta de classes perceberá que a exploração do trabalho
infantil já é uma bandeira histórica dos movimentos socialistas que:
E que, no Brasil, a luta dos escravos para terem seus filhos livres dos
grilhões do senhor e do feitor, já se caracterizava como tentativa de ruptura contra essa
exploração. Que desde 1912 o trabalho infantil já é pautado nas lutas e mobilizações da
classe trabalhadora8 no Brasil.
É preciso aproximar os estudos e pesquisas às lutas sociais, para não cairmos
em ciladas pretensamente emancipatórias que, na verdade, apenas encobertam os graves
e difíceis dilemas enfrentados pela sociedade em seus diversos contextos. E que
medidas pontuais e apenas de contenção não bastam para ficarmos tranqüilos e
satisfeitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEZERRA, Maria Cristina dos Santos; NETO, Luiz Bezerra; SILVA, Eduardo Pinto e;
LOCALI, Tammy Ticiane; Trabalho Infantil na Industria de Semi-Jóias e Suas
Repercussões nos Processos de Escolarização. HISTEDBR On-line, Campinas, SP,
n. Especial, p.264-284, mai. 2009.
8
No 4° Congresso Operário Brasileiro, em 1912, quando da constituição da Confederação Brasileira do
Trabalho (CBT), “‘a limitação da jornada para mulheres e menores de 14 anos’ era uma das principais
conquistas por quê deveria lutar” (Dulles, 1977, In. Campos & Alverga, 2001, p. 232).
33
trabalho. Estudos de Psicologia. Natal, RN, n. 6(2), p. 227-233, 2001. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2001000200010&script=
sci_arttext>. Acesso em: 20.set.2009.
RESUMO
34
Política Neoliberal e Sindicalismo no
Brasil: Da Oposição à Participação
Altas Taxas de juros: as elevações das taxas de juros têm como conseqüência a não
constituição de novos investimentos, pois, os empresários, como se diria na linguagem
popular, “ficam com um pé atrás” na hora de fazer algum investimento, devido ao fato
de ficar muito caro o pagamento dos empréstimos. Quanto menos investimentos, menor
será o crescimento econômico do país e menor a taxa de oferta de empregos. Enquanto
isso, as empresas lá fora pagam taxas bem abaixo da taxa brasileira deixando, assim, as
empresas brasileiras sem forças para competir em igualdade nos mercados; outro
aspecto que relaciona taxa de juros e trabalhadores é a diminuição do consumo. O
crediário que é um instrumento utilizado, principalmente, pela grande maioria dos
consumidores no Brasil, a partir da alta dos juros torna-se um meio de aquisição de
mercadorias mais caro. O que contribui para diminuir o consumo, e abarrotar os
estoques das empresas que acabam dispensando os funcionários, pois não têm como
vender suas mercadorias. Essa alta taxa de juros interessa apenas ao capital
especulativo, que não é produtivo, portanto, não gera empregos, rendas e salários.
“Quando o governo mantém os juros altos, eles se “instalam” aqui, quando não, eles se
instalam em outra vizinhança” (LEAL, 2004, p. 35).
Privatizações: segundo os neoliberais, o Estado se encontra “endividado” e não
consegue mais financiar o desenvolvimento e investir em setores estratégicos, como
36
siderurgia, telecomunicações, bancos, mineração, energia e saneamento básico. Então, a
única esperança é a privatização, o que paralisa a criação de empregos no setor público.
Segundo Boito Jr.(1999, p.106), apenas na privatização dos parques siderúrgicos
brasileiros na, década de 1990, foram suprimidos mais de 90 mil empregos.
Abertura da economia ao mercado internacional: com a facilitação da entrada de
produtos importados e com a política de juros altos, as empresas brasileiras não
conseguem competir com empresas de fora, o que gera um crescimento na taxa de
importação9 que tem como conseqüência menos produção e menos empregos. Apenas
no ano de 1995, com a abertura comercial propiciada pelo Plano Real, a indústria
brasileira deixou de criar 390 mil, novos empregos.10
Essas são apenas algumas das proezas que as políticas neoliberais
acarretam a classe trabalhadora, existem outras, como a exploração do trabalho infantil
que exclui milhões de trabalhadores adultos do mercado de trabalho e a política de
redução do valor real das pensões e aposentadorias que obrigam os idosos a prosseguir
trabalhando, no lugar dos trabalhadores jovens que permanecem desempregados.
Assim como no governo Thatcher, na Inglaterra 11, o neoliberalismo no
Brasil precarizou o mundo do trabalho o que atingiu as organizações representativas dos
trabalhadores. O sindicalismo dos servidores públicos, que era a categoria em ascensão
no sindicalismo cutista no final da, década de 1980, após a virada para os, anos 1990,
observaram uma baixa no movimento da categoria. No final da década de 1980,
especificamente em 1988, o número de greves do setor público era de 385, cerca de
39,17% do total de greves naquele ano. Os números da indústria apontam para 30,93%
do total de greves. No primeiro semestre de 1989, o número de grevistas do setor
público atingiu a marca de 6,17 milhões, superando o setor privado que detém a marca
de 3,5 milhões12. Essa atuação dos trabalhadores do setor público foi fortemente
reprimida por políticas como as privatizações e cortes de pessoal no setor federal. No
setor privado, a política de desindustrialização, no ABC, e abertura da economia,
facilitando assim a entrada de carros importados no país, com um discurso de que os
carros fabricados no Brasil eram “carroças” (Collor), promoveram alto nível de
desemprego, o que aumentou a pressão sobre os sindicatos que tem culminado no
fenômeno da desindicalização. Segundo dados do Dieese, em 1999, no Brasil, apenas
17,7% do total de trabalhadores eram filiados a algum sindicato.13
A escala grevista dos anos de 1980 foi interrompida na década de
1990. Foram 557 greves, em 1992, 653, em 1993, 1034 greves, em 1994, 1056, em
1995, e, em 1996 no ano mais agitado da década sob esse aspecto, ocorreram 1258
greves que despencaram em 1997. Ano em que se observa um número de apenas 630,
9
Alta taxa de importação gera um fenômeno que é o déficit na balança comercial, que vulgarmente
falando, seria o número de importações superarem o de exportações, esse fenômeno pode ser causado
também, pela política de sobrevalorização cambial. A valorização da moeda nacional foi destaque no
primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso com a implantação do Plano Real em 1994.
10
BOITO Jr., 1999, p. 86.
11
Na Inglaterra, a ofensiva a classe trabalhadora foi muito mais efetiva do que no Brasil, devido ao poder
e a tradição do movimento sindical inglês (trade-unions), que obtiveram o direito a livre associação desde
1824, até então, esse direito só era legado as classes dominantes. Ver ANTUNES, Ricardo L. C. O que é
sindicalismo? São Paulo. Brasiliense, 1980. O Partido trabalhista inglês (Labour Party) também, legitima
esse poder da classe como representante dos sues interesses . Ver ANTUNES, Ricardo L. C. Os sentidos
do trabalho – Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo. Boitempo, 1999.
12
MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém. Desafiando o Leviatã – Sindicalismo no Setor Público.
Campinas. Alínea, 2000, p. 84.
13
Dados disponíveis em: http:< //www.dieese.org.br/anu/anuario2005.pdf > Acesso em: 2 de novembro
2008.
37
que se tornou inexpressivo se compararmos com as quase 4000 paralisações que
ocorreram em 198914.
Para culminar no enfraquecimento das organizações representativas
dos trabalhadores foi praticada uma política de arrocho ao trabalhador. No Brasil, entre
1990 e 1993, o número de empregados caiu de 40,1 para 39,4 milhões, a taxa de
desemprego saltou de 3,7%, em 1990, para 4,8%, em 1995. O crescimento do
desemprego foi acompanhado pela diminuição da atividade grevista. Em 1989, dez
milhões de trabalhadores tinham participado de greves no Brasil. Em 1990, primeiro
ano do governo Collor, o número de grevistas cresceu foi de 12,4 milhões. No ano de
1991, esse número caiu para 8,8 milhões e despencou, em 1992, para 2,9 milhões. Os
levantamentos do Dieese mostram que, no ano de 1993, o número de grevistas subiu
para 3,5 milhões e, a partir daí, em 1994, 1995 e 1996, girou em torno de 2,5 milhões.
Esse montante pode ser considerado importante para um período de dificuldades. Mas
ele perfaz apenas um quinto dos grevistas do ano de 1980.15
No campo das leis trabalhistas, num primeiro momento, os governos
neoliberais não obtiveram êxito na flexibilização das mesmas. A principal medida foi à
desindexação dos salários. Ela foi imposta por Collor, revogada pelo governo de Itamar
e reimplantada por Fernando Henrique Cardoso, em julho de 1995. Tivemos ainda, o
Decreto nº. 2.100/96, que revogou a aplicação da Convenção 158 da OIT 16 no Brasil,
facilitando a prática de demissão sumária de trabalhadores; a Portaria nº. 865/95 do
Ministério do Trabalho que impediu a atuação, pelos fiscais do trabalho, de
empregadores que desrespeitassem os direitos estabelecidos em convenções e acordos
coletivos; em 1998, a Lei que instituiu o novo modelo de contrato de trabalho por prazo
determinado (com redução do FGTS pelo prazo de dois anos); e em 2001, a Medida
Provisória que criou o “banco de horas” e o contrato de trabalho em tempo parcial (este
reduziu o direto a férias). Essas medidas foram acompanhadas de uma série propostas
de lei, que estão tramitando na Câmara e no Senado até os dias de hoje. Vejam algumas:
Projeto de Lei que visa alterar o artigo 618 da CLT para fazer com que o “acordado”
prevalecesse sobre o “legislado”; Projeto de Lei Complementar (123/04 na Câmara e
100/06 no Senado) que trata da Lei Geral da Pequena e Micro Empresas com o objetivo
de permitir a negociação da proteção legal via fiscalização.17
Como na legalidade várias medidas malograram, então partiram para
a ilegalidade. Os governos neoliberais toleraram e incentivaram as práticas ilegais de
desregulamentação do mercado de trabalho e utilizaram como método o sucateamento
das delegacias de trabalho bem como defasagem no número de fiscais.
14
MATTOS, Marcelo Badaró. Reforma sindical do governo Lula: enterrando com honras de Estado
o novo sindicalismo. In: Antítese – marxismo e cultura socialista. Nº1. Goiânia, 2005, p. 109-135.
15
Ver dados em: BOITO Jr., 1999, p. 86-98.
16
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral ligada à Organização das
Nações Unidas (ONU), especializada nas questões do trabalho. Tem representação paritária de governos
dos 180 Estados-Membros e de organizações de empregadores e de trabalhadores. Com sede em Genebra,
Suíça desde a data da fundação, a OIT tem uma rede de escritórios em todos os continentes. O seu
orçamento regular provém de contribuições dos seus Estados Membros, que é suplementado por
contribuições de países industrializados para programas e projetos especiais específicos. Conheça a OIT.
Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/ > Acessado em: 30 de outubro 2008.
17
JORGE, Rosa Maria Campos. Mudanças no mundo do trabalho. In: Caderno de Estudos –
Seminário: Organizar a luta contra as reformas neoliberais. CONLUTAS, 2006, p. 9-13.
38
e ao estigmatizarem os direitos sociais e a legislação trabalhista. O
presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a aconselhar publicamente
os industriais de São Paulo a desrespeitarem as normas protetoras do
trabalho, fazendo declaração pública de apoio a um acordo dos Sindicatos
dos Metalúrgicos de São Paulo com uma empresa de sua base, no qual
ficava estabelecido um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Tal
acordo foi invalidado pela justiça do trabalho. Foi o fracasso nesse caso, da
via legal que levou o governo FHC a elaborar o projeto de lei estabelecendo
contrato de trabalho por tempo determinado, uma das suas iniciativas mais
importantes na desregulamentação das relações de trabalho (BOITO, 1999,
p. 94).
18
Ver dados em: BOITO Jr., 1999, p. 94-95.
19
Ibid., p. 95.
20
Dados do Dieese, disponível em: < http://www.dieese.org.br/anu/anuario2005.pdf > Acessado em: 5 de
outubro, 2008.
39
produção, etc. Parte-se do pressuposto que esse modelo enfraquece o poder de barganha
dos sindicatos, que ficam fragilizados e o ganho de um setor não representa o ganho do
outro.
Na relação capital e trabalho no Brasil, pode-se admitir que o
neoliberalismo obteve êxito. Na CUT, assim como no Partido dos Trabalhadores (PT)
observa-se uma mudança de perspectiva política. Nos anos 80, essas instituições foram
caracterizadas por uma postura classista, enraizada na base popular, e no caso da CUT
praticava-se uma negação a estrutura sindical oficial (que instalou desde a era Vargas).
Na década de 90, tanto o partido como a central promoveram uma política de
conformação com as práticas neoliberais (BOITO Jr., 1999; TUMOLO, 2002; ALVES,
2000; SOARES, 2005). Dentro dessa nova perspectiva da representação da classe
trabalhadora, no próximo tópico analisar-se-á, a relação do neoliberalismo com as essas
representações coletivas especificamente, o movimento sindical cutista nos anos de
1990.
21
Para Alves, as novas relações de trabalho como por exemplo as “comissões de fábricas” que foram à
marca do “novo sindicalismo” possuem um sentido ambivalente, ou seja, contraditório: por um lado,
representava uma conquista operária, capaz de dar suporte à consciência de classe; por outro,
representava uma nova etapa do capital, ciente do poder integrador da negociação coletiva e da
necessidade de uma classe operária participativa, tal como exigiam os novos paradigmas industriais
vigentes no mundo capitalista desenvolvido. Ver ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do
trabalho – reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo. Boitempo, 2000.
22
Vamos chamar de década neoliberal os breves governos de Fernando Collor e Itamar Franco, e os dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
40
países capitalistas latino-americanos (ex. Argentina). Portanto, num período em que se
observa o revigoramento do capital com um forte arrocho a classe trabalhadora em
âmbito mundial, no Brasil, as organizações representativas dos trabalhadores
recomeçavam a ter seu reconhecimento na política nacional, sendo compreendido como
um ator coletivo de grande influência na conjuntura política, econômica e social.
Segundo Misailidis (2001, p. 68), no processo de elaboração da Constituição em 1988, o
movimento sindical foi determinante, o que resultou avanços na estrutura dos
sindicatos. Assim, constata-se, segundo a autora, de maneira insofismável, a inserção de
princípios que garantem a liberdade sindical, não desconsiderando que no modelo de
estrutura sindical pós-constituição de 1988 restou resquícios que garantiram a
intervenção do Estado. Rodrigues (1992, p. 89) destaca ainda que:
23
Sobre a história do movimento operário no Brasil ver REZENDE, A. P. História do movimento
operário no Brasil. São Paulo. Ática, 1986.
41
2.1.1- A gênese da CUT
24
MISAILIDIS, Mirta Lerena de. 2001, p. 72.
25
Para uma análise do modelo oficial de sindicato no Brasil ver MATTOS, Marcelo Badaró. Reforma
sindical do governo Lula: enterrando com honras de Estado o novo sindicalismo. In: Antítese:
marxismo e cultura socialista. Goiânia, nº 01, outubro de 2005, p. 106-135.
42
e confronto’ para um sindicalismo marcado pelo neocorporativismo (2005,
p. 48).
26
A CONSTRUÇÃO DA CUT. In: Revista Brasil Revolucionário, 1983, p.43-50
27
Ibid., p. 44.
28
Ibid., p. 48.
43
Nesse contexto de atritos político-ideológicos em que se encontrava o
movimento sindical, a primeira Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
CONCLAT (1981) foi caracterizada por esse conflito dos “blocos” que se formaram
no interior do recém surgido movimento sindical. Segundo Misailidis (2001, p. 86),
nesta conferência a tese da pluralidade sindical foi rejeitada e chegou-se a eleger uma
Comissão Nacional pró-Central Única dos Trabalhadores (CUT), por meio de uma
chapa única formada por 56 sindicalistas urbanos e rurais, representando todas as
tendências. A finalidade dessa comissão era organizar no ano seguinte, em 1982, um
novo congresso para a formação de uma central única dos trabalhadores. Entretanto,
devido aos conflitos internos da comissão, a realização do congresso previsto para o ano
seguinte não se efetivou, provocando a cisão do CONCLAT e, conseqüentemente, a
divisão do sindicalismo brasileiro que com já foi apresentado é caracterizado por vários
conflitos político-ideológicos.
Um ano depois, em 1983, ocorreu então a CONCLAT, que se realizou
sem a participação da ala moderada dos sindicalistas da “Unidade Sindical”. Desse
evento, participaram apenas os chamados “combativos” militantes das oposições
sindicais, da esquerda católica (ligados à teologia da libertação) e dos pequenos grupos
de orientação marxista, leninista e trotskistas. Nele reuniram-se 5.059 delegados que
representavam 912 entidades, sendo 483 do setor público.29 Desse encontro, culminou a
criação da CUT, tido como marco histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 1980,
sendo ela considerada hoje “a mais poderosa em número de entidades a ela filiadas e em
capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores” (Rodrigues, 1990, p. 53).
Na cerimônia de fundação da CUT (CONCLAT, 1983), foram aprovadas
as seguintes reivindicações, entre as quais muitas delas são de natureza política: reforma
agrária radical sob controle dos trabalhadores, a partir da demarcação do uso coletivo da
terra; não pagamento da dívida externa; rejeição das privatizações das estatais; eleições
diretas para Presidência da República; direito irrestrito de greve; liberdade e autonomia
sindical; formação da Central Única dos Trabalhadores e seu reconhecimento como
órgão máximo de representação dos mesmos; e, ainda, a formação das comissões
permanentes por local de trabalho, entendidas como canais de transmissão das decisões
das assembléias sindicais e de integração dos trabalhadores da empresa na luta dos
mesmos. Nasceu então o “novo sindicalismo” que surgiu da negação a estrutura sindical
vigente.
Diga-se de passagem, os sindicalistas que não participaram desse
encontro (ala moderada) realizaram um outro congresso, no mesmo ano, com o mesmo
nome (CONCLAT). Após três anos, em 1986, realizaram outro congresso que resultou
na criação da Central Geral dos Trabalhadores (CGT) que, em 1989, devido a sua
constituição heterônima desenvolveu um racha interno que se desdobraria em duas
CGT’s Central Geral dos Trabalhadores e Conferência Geral do Trabalho.
29
Misailidis, Mirta Lerena de. 2001, p.73-75.
44
“sindicalismo propositivo”, que seria uma opção ao “sindicalismo defensivo” dos anos
1980. De acordo com essa proposta, a central deveria ir além dessa postura
exclusivamente reivindicativa e de valorização excessiva da ação grevista, que teria
predominado nos anos 1980, passando a elaborar propostas de políticas a serem
apresentadas e negociadas em fóruns que reunissem os sindicalistas, representantes do
governo e o empresariado (fórum tripartite).
Essa mudança, se efetiva no IV Congresso da CUT (Concut) realizado
em São Paulo, em setembro de 1991. Esse foi um congresso marcado pelo ápice do
acirramento da luta político-ideológica na direção do sindicalismo brasileiro entre
socialistas revolucionários e social-democratas Antunes (1991, p. 82). Esse conflito se
deu entre a Articulação Sindical (ala majoritária) e as correntes de esquerda
(minoritárias). Nesse congresso foi discutido o modelo organizativo da CUT e vence a
proposta da CUT-organização e não CUT-movimento. Com a ala CUT-organização
“inicia-se a implantação de uma estrutura verticalizada, administrativa, enfim, como
uma organização complexa e burocrática” (TUMOLO, 2002, p.115). Portanto, observa-
se na CUT dos anos 1990 a inserção de uma administração verticalizada, negando a
base, o que contribuiu para as negociações futuras com governos neoliberais.
Tentativas de negociações com os governos foi uma prática comum no
sindicalismo cutista. No entanto, verificou-se, a partir dos anos 1990, uma postura
diferenciada nessas negociações. Boito Jr.(1999, p.144), afirma que:
30
DORTA, Édson. Jair Meneguelli, de presidente da CUT a diretor da FIESP. CMI, 2004.
Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/03/275631.shtml> Acessado em: 30 de
outubro, 2008.
31
Ver Pacto social, de Collor a Itamar. Centro de Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
<http://www.cpvsp.org.br/portal/acervo/documentos/> Acessado em: 2 de novembro, 2008.
32
Sobre essa tendência neocorporativista do sindicalismo brasileiro ver SOARES, José de Lima. Para
onde vai o mundo do trabalho? Crise e perspectiva do movimento sindical. In: SOARES, José de
Lima. A ofensiva neoliberal, reestruturação produtiva e luta de classes. Brasília, 1996.
45
As greves assumiram várias modalidades , ou ainda, formas de ser
greves por empresa, greves gerais por categoria, greve geral, greves com ocupação de
fábricas. No entanto, o que relaciona greve com práticas neocorporativistas refere-se às
greves por empresa em oposição às greves gerais por categoria. A partir de 1980, afirma
Antunes (1991, p. 85), aumentou o número de paralisações por empresas, chegando a
representar 75,5% do total de greves desencadeadas, em 1984, e 60,8%, em 1985. Essa
tendência do “sindicalismo de resultado” caracterizou o sindicalismo da Força Sindical
(central concorrente da CUT). No interior da própria CUT, sob a era neoliberal,
“desdobrar-se-ia uma tendência similar, de cariz neocorporativo, com o sindicalismo de
participação, que privilegia a estratégias propositivas; um novo sindicalismo, cada vez
mais defensivo, disposto a incluir, em sua pauta de resistência, a parceria com o capital”
(ALVES, 2000. p.291).
Nos anos 90, as greves gerais de protesto e as campanhas contra a política
econômica do governo cederam lugar as diversas tentativas de acordo com os governos
de Collor, Itamar e FHC. Na década de 90, tivemos apenas duas greves gerais, uma em
1991, outra em 1996. E ainda, Boito Jr.(1999, p.145) afirma que essas duas greves
tiveram baixa participação de trabalhadores devido à discordância de importantes
parcelas de sindicatos como as direções dos sindicatos do ABC na greve de 1991.
33
Fonte: NEPP/Unicamp. Apud, MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém. Desafiando o Leviatã –
Sindicalismo no Setor Público. Campinas. Alínea, 2000, p.60-61.
34
Ver Imprensa ANASPS. A política de desmanche do Estado brasileiro levou 250 mil servidores a se
aposentar entre 1991 e 2003. Disponível em:
<http://www.anasps.org.br/index.asp?id=976&categoria=29&subcategoria=50> Acessado em: 15 de
novembro, 2008.
35
Ver SILVA, Eduardo Fernandez. Nota sobre as privatizações no Brasil para informar missão de
parlamentos sulafricanos. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema10/2005_10641.pdf> Acessado em: 20
de novembro, 2008.
36
As políticas neoliberais acirraram as disputas no interior do bloco no poder, pois esta política beneficia,
principalmente, a burguesia financeira e contraposição à burguesia estatal e industrial nacional.
47
burguesia industrial aos seus para dessa forma obter força na luta contra o desemprego.
A CUT tentou explorar essa contradição para obter benefícios. O caminho escolhido
foram os fóruns tripartites que se efetivaram a partir das câmaras setoriais. Esses fóruns
reuniram representantes do governo, empresários e sindicatos de trabalhadores de
determinado setor econômico que se via ameaçado pela política de abertura comercial.
Essa nova política da CUT não conseguiu barrar o crescimento do
desemprego e a desindustrialização da era neoliberal e, ainda, colocou a CUT a reboque
dos interesses das montadoras de veículos (ALVES, 2000, p.112). Segundo dados do
Sindicato das Indústrias de Autopeças (Sindipeças), só nesse setor, entre 1991 e 1996, o
número de empregados caiu de 255.600, para 190.000.37 De acordo com Boito Jr.
(1999, p. 164), no caso da câmara do setor automotivo, “o governo Itamar, através do
ministro da Fazenda Ciro Gomes, proibiu, em outubro de 1994, o reajuste de salários,
que era um dos pontos mais importantes do acordo para os operários, dando início a
desativação daquela câmara.” As montadoras, por sua vez, no curto período de três anos
em que a câmara funcionou, entre 1992 e 1994, aumentaram seu funcionamento em
mais de 50% e reduziram sua participação no IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) de 2,0% para 1,1%. Após terem obtido redução do IPI, facilidades
creditícias para venda de veículos e aumentado enormemente seu faturamento, as
montadoras não viram nenhum mal no fim da câmara setorial. No que refere as câmaras
e seus acordos, Andréia Galvão destaca:
37
Fonte: Sindipeças, apud ALVES, 2000, p.228.
38
GALVÃO, Andréia. Participação e fragmentação: a prática sindical dos metalúrgicos do ABC nos
anos 90. 1996. 223 f. (Dissertação de Mestrado), Unicamp. Campinas, 1996.
39
Dados da Anfavea publicados na revista Veja, edição de novembro de 1994, Apud Boito Jr., 1999,
p.167.
48
desindustrialização e recessão, mais sim, regalias fiscais e creditícias para o setor
automotivo. Diante disto, coloca-se a seguinte pergunta, será que a classe trabalhadora
se viu beneficiada na defesa desses itens?
Uma das principais características das câmaras setoriais que foram
apresentadas pela corrente majoritária cutista como a “salvação da lavoura” é o
neocorporativismo. Essa que seria a alternativa ideal para a estratégia do sindicalismo
dos anos 1990, segundo Boito Jr.(1999, p.165), na lógica corporativa de funcionamento
das câmaras, o sindicato é levado a propor soluções para o problema do “seu” setor e
essas soluções, em pontos fundamentais, colidem com interesses e propostas dos
trabalhadores de outros setores. O sindicato dos Metalúrgicos do ABC defendeu e
obteve facilidades para as montadoras de automóveis importarem equipamentos para a
sua “modernização”, exatamente o oposto do que os sindicatos do setor de máquinas e
equipamentos, que pleiteavam a proteção alfandegária para o setor nacional de bens de
capital. Com a câmara setorial, a Central transferiu de certa forma a contradição de
interesses que se encontrava no interior do bloco no poder para o seu próprio interior. A
disputa agora é entre os próprios sindicatos a ela filiados:
Num plano mais geral, instaurou-se, hoje, no Brasil, uma luta mais ou menos
velada entre os sindicatos, de diferentes categorias ou setor, e por
investimentos privados, para sua categoria ou base territorial. Segundo
depoimentos de sindicalistas da CUT, além da “guerra fiscal” entre Estados
para atrair investimentos, há uma disputa entre sindicatos, da própria CUT,
no qual o sindicato se compromete a reivindicar menos, em troca de um novo
investimento no “seu” município (BOITO, 1999, p.164).
40
ALVES, Giovanni. Os fundamentos ontológicos do sindicalismo neocorporativo. Anais. ANPOCS:
Caxambu, 1999. Disponível em:< www.biblioteca.unesp.br/bibliotecadigital/document/?down=3131>
Acessado em: 13 de novembro, 2008.
49
metalúrgico da Grande São Paulo, em que ocorreu a divisão entre o operariado das
montadoras de veículos e os demais metalúrgicos.
Para Boito Jr.(1999, p.168), esse novo corporativismo, “distinto do
corporativismo de Estado populista, é, em face dos trabalhadores, e diferentemente do
que sugere a grande maioria dos estudos sobre o tema, uma estrutura de dominação e
não uma estrutura de representação de interesses.” Essa estrutura envolve, divide e
despolitiza o movimento sindical. Observe como o discurso do sindicalismo cutista, nos
anos 90 tornou-se participativo e propositivo em contraposição ao seu momento dos
anos 80. Vejam a seguinte passagem do documento editado pelo Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema:
Essa nova estratégia nega a luta de classes que foi um dos princípios que
se pregava no início da década de 80, na Central. Vejamos:
[...] a CUT caracterizou-se, desde suas origens, como uma central que
apontava a ruptura com o sistema capitalista vigente. A CUT é o resultado
do acúmulo das lutas que eclodiram no final dos anos 70, que se
caracterizavam pela marca da independência de classe e pelo confronto com
a classe patronal. Sua característica é a radicalidade classista. Seu ideário
está nitidamente em contrário com o da Força Sindical. Enquanto a CUT
nasceu de uma base radicalizada no confronto capital x trabalho, visto e
assumido como um confronto de interesses de classes opostas e
irreconciliáveis (TUMOLU, 2002, p.125).
50
Para Tumolo (2002, p.189), a incapacidade global da CUT de dar
respostas ao projeto neoliberal, destaca-se principalmente a sua incapacidade de
responder ao canto da sereia da mudança da sua perspectiva estratégica. Isto é, passar de
um sindicalismo classista, de confronto, com uma perspectiva estratégica socialista, a
um sindicalismo de parceria entre capital e trabalho. Um sindicalismo vislumbrado com
a palavra “tripartite”: empresários e trabalhadores, sentados na mesa junto com governo
situado acima das classes. Sindicalismo de “concertação social”, como se fala na
linguagem sindical da CIOSL.
Para encerramento da discussão concorda-se com Boito Jr.(1996) que é
preciso frisar, desde já, que a CUT não se converteu numa central sindical neoliberal.
Pelo contrário, a ação sindical de resistência ao neoliberalismo só tem sido
implementada pelos sindicatos cutistas. Contudo, essa resistência tem sido ineficaz. A
estratégia da corrente dirigente da CUT na década neoliberal - Articulação Sindical -,
faz concessões à ideologia e a política neoliberal, facilitando a implementação e o
avanço dessa política e contribuindo para a difusão daquela ideologia junto aos
trabalhadores brasileiros, o que colaborou definitivamente, para a hegemonia da política
neoliberal tornando-a, a nível de discurso, como única via.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
52
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56
IGNATIEFF, Michael. Instituições totais e classes trabalhadoras: Um balanço
crítico. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: v.07 n° 14 mar/ago. 1987.
Bibliografia de Apoio:
RESUMO
57
Este trabalho discute a relação do neoliberalismo com a classe trabalhadora no
Brasil. Deste modo, percebe-se que as medidas neoliberais implantadas a partir
nos anos de 1990, no país, desenvolveram um desequilíbrio ainda maior na relação
capital trabalho. Esse processo refletiu nas organizações representativas, que não
conseguiram dar respostas à nova ofensiva do capital.
58
Educação e Reprodução na Abordagem
Sociológica de Bourdieu e Passeron
Resumo: O texto apresenta alguns dos principais conceitos da sociologia da educação contidos na obra de Bourdieu e
Passeron: A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. Trabalha os conceitos de ação
pedagógica, violência simbólica, capital cultural, capital lingüístico, entre outros, e a sua importância para a
compreensão do sistema de ensino e seu papel de reprodução das desigualdades e estrutura de classes. Aponta, ainda,
algumas saídas para que dentro do campo educacional consiga romper com o processo de reprodução da cultura e da
estrutura de classes da sociedade capitalista, qual seja, a de que é possível realizar um trabalho que possibilite ao
aluno e aluna tomarem consciência da relação de força que subjaz o trabalho pedagógico, levando-os a superar a
força arbitrária da ação pedagógica.
Bourdieu e Passeron (1982) assinam juntos uma das obras mais importantes para a
sociologia da educação. A Reprodução (publicado originalmente em 1970), tem sido um
importante marco para o pensamento sociológico, não só por tentar fazer uma síntese
teórica das várias abordagens sociológicas: Durkheim com seu objetivismo, Weber com
seu subjetivismo e Marx como expressão do pensamento dialético, segundo distinção
epistemológica feita por Pereira (1970), mas principalmente por, partindo desta síntese
realizar uma análise complexa do fenômeno educacional.
Veremos abaixo como Bourdieu e Passeron analisam o sistema de ensino, quais as
contribuições presentes em A Reprodução e outras obras e principalmente quais as
implicações desta teoria do sistema de ensino na sociedade moderna, bem como a
questão da mudança no interior do campo educacional.
O ponto de partida destes autores é a afirmação de que toda ação pedagógica é
uma violência simbólica, pois é uma imposição arbitrária de uma cultura de um grupo
ou classe a outro grupo ou classe e esta imposição oculta, mascara, as relações de força
que estão na base de seu poder.
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
*
Professora da Universidade Católica de Goiás (UCG) e Universidade Paulista (UNIP). Mestra em
Sociologia (UnB).
59
Sendo assim, “as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos,
mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da
sociedade global” (Ortiz, 1994:15).
A ação pedagógica é uma ação objetivamente estruturada e é uma violência
simbólica porque impõe um arbitrário cultural, ou seja, impõe uma concepção cultural
de grupos e classes dominantes e esta imposição terá no sistema de ensino seus
sustentáculos.
A pedagogia, neste sentido, é inculcação de valores e normas de um dado grupo
ou classe a outros grupos ou classes. Podemos reafirmar então, que a ação pedagógica é
uma violência simbólica, pois tem por objetivo aplicar sanções, impor um arbitrário
cultural.
Bourdieu então, através do estudo da “distribuição estatística dos produtos
pedagógicos segundo as diferentes camadas e classes” chega a seguinte conclusão: a
chance de cada indivíduo é determinada pela sua posição dentro do sistema de
estratificação e, partindo da análise específica do sistema de ensino ele demonstra que o
sistema de ensino tem uma dupla função: a reprodução da cultura e reprodução da
estrutura de classe. O sistema de ensino promove os aptos a participarem dos privilégios
e do uso da força (poder).
Então, para entendermos seu raciocínio voltaremos à questão da ação pedagógica:
toda ação pedagógica requer uma autoridade pedagógica para que ocorra a inculcação
de um arbitrário cultural.
62
“... não é possível a educadoras e
educadores pensar apenas os procedimentos
didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos
grupos populares. Os próprios conteúdos a serem
ensinados não podem ser totalmente estranhos
àquela cotidianidade. O que acontece, no meio
popular, nas periferias das cidades nos campos –
trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se para
rezar o para discutir os seus direitos – nada pode
escapar à curiosidade arguta dos educadores
envolvidos na Prática da Educação de Jovens e
Adultos” (apud. Gadotti & Romão, 2000, 15-16).
63
permitiria a mudança da prática docente e daqueles que estão submetidos à ação
pedagógica. Se o desconhecimento do poder é elemento para sua perpetuação, então o
conhecimento é elemento para sua superação. Aqueles que executam ou são vítimas da
ação pedagógica podem, ao ter consciência deste processo de imposição, buscar alterar
este processo, no sentido de romper com a reprodução automática dela e abrindo
brechas para mudanças, que, no entanto, só poderiam se concretizar efetivamente com
uma transformação social total, isto é, dos vários campos e do conjunto da sociedade.
Muitas ações se tornam possíveis neste contexto e a elaboração de propostas e
ações neste sentido têm na consciência de que a ação pedagógica é uma forma de
violência simbólica uma pré-condição. Esta consciência permite novos posicionamentos
e ações no interior da escola, tanto por parte de professores quanto alunos, pois permite
se buscar criar um projeto alternativo de escola, abrindo novos caminhos. Além disso,
permite a busca de ações extra-escolares que não reproduzem a estrutura da ação
pedagógica produzida no seu interior.
Mas todas estas iniciativas, já esboçadas por várias concepções pedagógicas e
ações no interior da escola e fora dela, só podem se realizar a partir da percepção do
processo educacional enquanto um sistema que impõe um arbitrário cultural. Neste
sentido, temos uma importante contribuição de Bourdieu. A partir de Bourdieu podemos
compreender o sistema de ensino e apresentar projetos para sua transformação.
Referências Bibliográficas
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ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. 2ª ed. São
Paulo, Editora Ática: 1994.
TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
64
65
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
66
Isto implica dizer que as formas pelas quais os indivíduos lidam com a
natureza na busca pelos meios de subsistência estão inexoravelmente conectadas ao
estabelecimento de determinadas relações entre os mesmos.
Pode-se definir segundo os escritos marxistas que a maneira como os bens são
produzidos e distribuídos numa sociedade é a razão que determina o caráter destes
mesmos bens, pois tal relação tende a condicionar o conjunto das relações sociais
(relações estabelecidas entre os membros de uma sociedade). Com uma abordagem mais
ampla, modo de produção pode ser definido como a constituição de uma estrutura de
67
relações recíprocas e de relações humanas com a natureza, sendo que a forma pela qual
os homens se relacionam num dado modo de produção tende a ser o fator determinante
para a própria lei desta relação, pois esta assimila em si todas as formas estruturais.
(MENDONÇA, 2007a, p.13).
Diz-se com isso que os modos de produção possuem dada historicidade, isto é,
têm sua dinâmica, surgimento e posterior transformação como decorrente de certos
períodos históricos. Esta historicidade surge de outro fator que não somente a
modificação das relações sociais de produção, mas também do grau em que se
encontram desenvolvidas as forças produtivas. Por forças produtivas compreendem-se
os conjuntos de instrumentos e técnicas que fazem com que seja possível a produção
dos bens em dado modo de produção. Aduz-se desta forma que quanto mais
desenvolvidos estejam estes instrumentos e técnicas essenciais à produção, em maior
grau de evolução estarão as forças produtivas, tornando muito mais acessível aos seres
humanos a produção de sua vida em sociedade. (MENDONÇA, 2007b, p.13).
era necessário para a produção do sustento do operário diminui. Isto acontece quando a
introdução de meios de produção mais novos e avançados tecnologicamente, que
propiciam que o sustento do operário seja realizado em mais ou menos 2 horas. Com
isso pode-se dizer que o capitalista, numa jornada de 8 horas diárias, dispõe de 6 horas
em decorrência do uso da força de trabalho do operário. O tempo de trabalho
socialmente necessário é de 2 horas, enquanto o tempo suplementar (que será
aproveitado pelo capitalista) é de 6 horas, o que permite uma maximização da taxa de
mais-valia extraída. (CEDAC, 1981b, p.18).
Cabe aqui ressaltar que há uma imensa distinção entre a mudança das relações
de propriedade e a transformação radical das relações de produção, esta sim
caracterizando o aparecimento de um novo modo de produção. A explicitação deste
tema será tratada quando das linhas finais deste trabalho.
2.2 ESTADO
Friedrich Engels (2000, p.191) mostra de forma clara o papel histórico e real
significado de existência do Estado. Para ele:
Nildo Viana (2008f, p.20) concebe de maneira cristalina a íntima relação entre
os regimes de acumulação de capital e as mudanças pelas quais o Estado. Menciona o
autor que
Pode-se constatar também que a maneira pela qual o Estado surge, suas
formas e representações são produtos destas determinadas relações entre os indivíduos
no processo de produção dos bens, das lutas entre as classes sociais que fracionam estes
indivíduos a partir do seu papel no processo produtivo.
Entende-se deste modo que o Direito em seu conceito mais abrangente está
por se enquadrar nas duas instâncias da superestrutura, uma vez que além de ser um
conjunto de normas que visa legitimar a existência de um modo de produção, é também
um arcabouço de idéias cuja razão de existência está na inversão da realidade,
justificando deste modo a dominação de classe. (MENDONÇA, 2007e, p.36).
Mas o que seria então uma ideologia? Sob a ótica marxista, pode-se concebê-la
como sendo uma forma sistematizada de falsa consciência, o conjunto de idéias,
valores, sentimentos, representações ilusórias da realidade sendo condensadas de forma
complexa (em ramos como filosofia, teologia, ciência) que tem por finalidade justificar
sociedades baseadas em antagonismos de classe. (VIANA, 2008g, p.14).
Entretanto, o Direito possui outro aspecto que não apenas o ideológico. Este
pode ser compreendido de maneira mais ampla, para além da ideologia. Neste sentido é
que o teórico russo Evgeny Bronislavovich Pachukanis, em sua obra intitulada Teoria
Geral do Direito e Marxismo, lança luzes para outro papel cumprido pelo Direito no
modo de produção capitalista.
Pachukanis (citado por MENDONÇA, 2007f, p. 38) afirma em sua obra que o
Direito: “não existe somente na cabeça das pessoas ou nas teorias dos juristas
especializados; ele tem uma história real, paralela, que tem seu desenvolvimento não
como um sistema conceitual, mas como um particular sistema de relações”. Em outra
passagem de seu livro, comenta o autor que
Em suma, a lei tem por objetivo não apenas garantir a reprodução do modo de
produção capitalista através da justificação ideológica de sua aplicação, mas acima de
tudo conceber a plena manutenção das relações de produção capitalistas, notoriamente
no que se refere à detenção da propriedade privada, além do respaldo às ações estatais
que venham ao encontro dos interesses das classes dominantes, como a repressão aos
proletários organizados e ao conjunto da classe operária quando esta toma consciência
de suas tarefas históricas (basta analisar premissas como manutenção da ordem pública
e dos bons costumes, presentes em praticamente todas as legislações ao redor do
planeta).
Embora tenha sido ressaltado que a crítica marxista ao Direito possui não
apenas um viés ideológico esta não restou tão aprofundada, de modo que neste capítulo
lhe será dada a devida atenção, tecendo comentários sobre as observações do marxismo
no tocante à existência do Direito e sua plenitude no atual modo de produção.
uma vez que toda a vida econômica se alicerça sobre o princípio do acordo
entre vontades independentes, cada função social encarna, de maneira mais
ou menos refletora, um caráter jurídico, isto é, torna-se simplesmente não só
uma função social, mas também um direito pertencente a quem exerce tais
funções sociais. (PACHUKANIS apud MENDONÇA, 2007l, p. 42).
A norma nada mais é do que uma abstração das ações praticadas de modo
continuado entre indivíduos no processo de produção de mercadorias. Convém assinalar
que apenas no capitalismo a norma adquire tal abstração. Sobre este fenômeno
Pachukanis assim se remete:
geral, cada trabalho torna-se trabalho social útil em geral e cada sujeito
torna-se um sujeito jurídico abstrato. Ao mesmo tempo, também a norma
reveste-se da forma lógica acabada de lei geral e abstrata. (PACHUKANIS
apud MENDONÇA, 2007m, p. 42).
Observa-se com base nestes entendimentos que o Direito pode ser definido de
modo geral como um conjunto de normas que por sua vez refletem relações
estabelecidas entre indivíduos livres e iguais no tocante à troca e circulação de
mercadorias e cuja efetivação é garantida pelo poder de Estado. O Direito possui forma
e conteúdo burgueses, de maneira que é impossível torná-lo proletário, uma vez que no
comunismo serão estabelecidas novas relações de produção as quais propiciarão a
destruição por completo da forma e do aparato jurídicos. Qualquer medida que venha ao
encontro do fortalecimento do Direito é hostil ao conjunto dos produtores de riqueza
que, desprovidos dos meios de produção, nada tem a oferecer além de sua força de
trabalho para sobreviverem. (MENDONÇA, 2007n, p. 46).
Nestes locais houve e ainda existe (como é o caso de Cuba e da Coréia do Norte)
o capitalismo de Estado, modo de produção no qual a totalidade dos meios de produção
é do Estado, onde ocorre a estatização dos meios de produção, medida que em nada
altera as relações de produção, fundamento essencial de um modo de produção, pois
conserva os elementos que caracterizam a sociedade capitalista (produção e extração de
mais-valor, existência de classes sociais com interesses antagônicos e do Estado,
exploração do proletariado, dentre outros). Nestas sociedades os produtores continuam
desprovidos da gestão dos meios de produção, sendo que esta é realizada pela
burocracia estatal, classe social constituída em sua essência por membros e funcionários
do Partido, que desempenham o mesmo papel que a burguesia clássica no capitalismo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entretanto, as formas jurídicas puderam alcançar seu grau mais elevado com
o surgimento da mercadoria, fato que propiciou a correspondência total entre ambas,
visto que, no capitalismo a mercadoria ocupa um papel preponderante e neste modo de
produção impera a lei do valor e como esta relação possui abstração no tocante à
materialização do trabalho, o Direito, por sua vez também possui um alto grau de
abstração e isto pode ser evidenciado quando de uma análise do princípio da igualdade,
o qual consagra inúmeras normas de conduta social.
Este fato analisa a forma jurídica como reflexo das relações entre os
proprietários de mercadorias, e como o capitalismo tem por especificidade a produção e
circulação incessantes de mercadorias, o Direito é o espelho deste processo, ao observar
a significação da norma esboçada neste artigo.
manutenção da exploração econômica numa sociedade onde não mais existam classes
sociais e Estado.
REFERÊNCIAS
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã 1º Capítulo seguido das Teses
Sobre Feuerbach. 7. ed. São Paulo: Centauro, 2004.
81
Marcos Lopes*
citando sempre os mesmos autores para explicar a realidade social contemporânea, num
“eterno retorno do mesmo discurso”, onde a ousadia intelectual e criatividade fica
ausente e aí vem os repetidores dos “grandes nomes” para dizer sempre o mesmo, tal
como os grandes nomes fazem. A obra de Viana não se limita a repetir o jargão e o
discurso corrente de uma determinada ala acadêmica que se diz marxista e que estão
sempre dispostos a cultuar autores da moda e salvadores da pátria da esquerda
tradicional ou supostas alternativas e, assim, não se encontrará em tal obra a referencia a
autores como Kurz, Meszaros e Chesnais. Também não se rende a uma necessidade de
subordinação aos modismos e autores consagrados pelos grandes nomes da sociologia
contemporânea (Giddens, Bauman), tanto pelo fato do autor não ser apenas sociólogo,
sendo também filósofo, mas principalmente não se restringir a um mundo especializado
e unilateral. Para aqueles que conhecem suas outras obras, sabem que o autor não só
questiona a especialização do trabalho intelectual como adentra em inúmeras temáticas
e disciplinas, o que o torna uma pessoa mais do que indicada para realizar uma
abordagem da totalidade das relações sociais sob o capitalismo contemporâneo. É por
isso que o autor consegue, dialeticamente, trabalhar a categoria de totalidade e entender
o capitalismo como tal – indo além da mera análise chamada “econômica”, mas
mostrando as relações recíprocas entre as mutações do processo de produção e as
políticas estatais, as relações internacionais, as manifestações culturais.
O autor faz uma análise do capitalismo contemporâneo e realiza sua periodização,
dando conta de explicar não somente o processo histórico do capitalismo, como suas
mutações e características específicas em cada período. Através da noção de regime de
acumulação, retomada e ressignificada a partir da escola da regulação e Benakouche,
dotando o termo de caráter social e não economicista, incluindo o Estado, a organização
do trabalho e as relações internacionais, apresenta o desenvolvimento histórico do
capitalismo e focaliza o modo atual, o regime de acumulação integral, marcado pelo
neoliberalismo, toyotismo, e neo-imperialismos (globalização, termo amplamente
criticado em uma parte da obra). O autor, no primeiro capítulo, apresenta as suas bases
teóricas ao discutir a teoria dos regimes de acumulação. Além de discutir algumas das
várias propostas de periodização do capitalismo, mostrando seus limites, o autor
esclarece o conceito de regime de acumulação e oferece sua periodização que aponta
para o entendimento de que a história do capitalismo é marcada por uma “sucessão de
regimes de acumulação”, tal como Marx já havia percebido que a história da
humanidade é marcada por uma sucessão de modos de produção.
Na seqüência, o autor passa a tratar, o que é objeto de sua obra, do atual regime de
acumulação. O regime de acumulação integral tem como elementos básicos e
definidores a organização do trabalho comandada pelo toyotismo, a formação estatal de
caráter neoliberal e por novas relações internacionais que instituem um neo-
imperialismos. Ele dedica a cada um destes elementos componentes do regime de
acumulação integral um texto específico.
O texto sobre neoliberalismo é excepcional, inclusive com críticas precisas e corretas a
Perry Anderson e outros intérpretes. O autor mostra que o neoliberalismo não é mera
aplicação de uma doutrina (surgida na década de 1940) e sim produto de necessidades
do capital e são estas que constrange a retomada de ideologias produzidas em outras
épocas, bem como a criação de novas e misturas que a realidade concreta da
organização estatal produz. Assim, dizer que determinado governo não é neoliberal
porque não se encaixa na ideologia de um determinado autor é um equívoco que a partir
destas reflexões perde razão de ser.
83
aprofundamento nestes casos específicos, já que não era o objetivo do trabalho uma
análise pormenorizada e profunda de cada caso específico e sim a inserção destas lutas
num movimento tendencial, revela o que gera tais lutas e como elas reconfiguram as
manifestações culturais, ao mesmo tempo que são atingidas por estas. A ação estatal e o
processo de violência e aumento da repressão, por um lado, e novas políticas estatais
marcadas por um microrreformismo, são apresentados não como produto do acaso e sim
como resultado de lutas sociais no interior de um novo regime de acumulação. A
conclusão final do livro é surpreendente: enquanto muitos acham (e declaram) que o
capitalismo está em crise, que as lutas na Argentina e México são os grandes exemplos
a serem seguidos, que as revoltas na França ou o movimento antiglobalização é um
novo movimento que veio para ficar, o autor afirma que, no fundo, não há nenhuma
crise do capitalismo atualmente e que este continua se reproduzindo normalmente,
assim como as lutas sociais contemporâneas (revoltas na Europa, rebeliões, etc.) são
apenas as novas lutas cotidianas e ainda limitadas que tendem a se radicalizar com o
continuidade do regime de acumulação integral, que tal como os outros regimes de
acumulação anterior, não é eterno e também entrará em crise e que, todas as vezes que
um regime de acumulação entra em crise, abre-se a possibilidade de sua transformação
em crise do capitalismo, e, assim, torna-se possível a libertação humana e a autogestão
social.
Enfim, é uma obra que aborda um conjunto de questões e numa concepção totalizante.
A categoria de totalidade, defendida e explicitada pelo autor em outras obras, se
corporifica neste livro e oferece uma rara contribuição para se repensar o mundo
contemporâneo. E acaba se revelando uma obra como poucas produzidas na sociologia
brasileira, tornando-se leitura fundamental para todos os cientistas sociais e pessoas
preocupados com o destino da humanidade.
85
*
Doutor em Sociologia Política/UFSC. Professor do Instituto Federal de Goiás/IFG.
86
onde é possível observar que técnicas assim geradas e testadas difundem-se rapidamente
no mundo da economia privada e das empresas públicas, uma vez que as empresas
buscam beneficiar-se dos novos ganhos de produtividade e, por fim, o terceiro
movimento, onde, de acordo com o autor, ao serem implantadas nas empresas privadas
e públicas, as práticas estão prontas para ser transferidas ao setor público, mesmo, em
ambos os casos, enfrentando resistências (pp. 182-183). Com argumentos consistentes e
investigação rigorosa, Sadi desafia aqueles que acreditam no fim da centralidade do
trabalho e no surgimento de uma nova sociedade sem trabalhadores.
Tomando como núcleo de sua pesquisa a realidade social de Brasília, cidade sem
tradição de trabalho industrial, Sadi Dal Rosso apresenta as conseqüências negativas do
excesso de trabalho, onde a cobrança por resultados e a exigência de versatilidade
cobram custos altíssimos da saúde física e emocional dos trabalhadores. A obra
desenvolve conceitos como intensidade do trabalho, a relação deste fenômeno com os
trabalhadores e as conseqüências deste para a sociedade. O trabalho nos chama atenção
pela vasta Bibliografia pesquisada, onde autor dialoga com grandes teóricos do
marxismo e da esquerda, demonstrando a atualidade do pensamento de Marx, bem
como dialogando com estudiosos da sociologia do trabalho, dentre eles, Claus Offe,
André Gorz, Mészáros, além de uma vastíssima bibliografia de estudiosos da
intensificação do trabalho certamente ignorada do público brasileiro. Chegando a
conclusões originais, o livro Mais trabalho! demonstra empiricamente a atualidade da
luta de classes, apontando quais segmentos sociais ganham com o enfraquecimento e a
fragmentação das forças sociais do trabalho. O livro, pela a originalidade da pesquisa e
do tema, deve ser indicado para todas as áreas das ciências humanas, bem como para
todos aqueles que lutam não apenas contra a intensificação da jornada, a precarização
do trabalho e a exploração da força de trabalho, mas para todos que aspiram a
construção de uma sociedade, com bem lembra Istvan Mészáros, para “além do capital”,
onde não haja lugar para a exploração do homem pelo homem e que o “livre
desenvolvimento de cada um seja o livre desenvolvimento de todos”.
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1. Deve ser entregue uma cópia digital do artigo ou resenha via email abaixo
especificado.
7. O artigo ou resenha deve conter, ainda, em sua primeira página, como nota de
rodapé, o vínculo institucional do autor, podendo conter também titulação e
principais publicações (livros).
41
Exemplo: “Tempo e Trabalho – Resenha do livro A Jornada de Trabalho na Sociedade” e em nota de
rodapé os dados do livro: DAL ROSSO, Sadi. A Jornada de Trabalho na Sociedade. O Castigo de
Prometeu. São Paulo, LTr, 1996.
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