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Baucagao, Sociedade & Culuras, n° 10, 1988 89-94 ERNE ET A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO As minhas mem6rias de Paulo Freire RE Neste texto, medida que relato 0 trabalho que desenvolvi com Paulo Freire no Chile, vou apresentando a sua teoria que escutet, que aprendi com ele e que utilizei no meu trabalho com os «nquilinos. ou os trabalhadores rurais do Vale Central do Chile O titulo do meu trabalbo tenta contextualizar a opressdo expertmentada pot Freire no exilto, opressdo essa que mais tarde eu proprio experimentet e que é um objecto central do meu estudo 1. Uma noite? Eramos um grupo de sete ou cito pessoas Era de noite € os camponeses tinham de sair de casa € vir para a sala de aulas Eramos sete ou cito, seis deles calados de olhar tanquilo sobre a mesa Inquilinos? chilenos, picunche’, huillinche, ou com uma certa ascendéncia ibética Tinham as mios no colo, os chapéus na cabeca e uma manta (poncho) sobte 0 corpo * Professor Catedttico de Antcopologia Sociale de Antropologia da Educago Social e de Ciocas da Educagao 1 Revisio do texto portugués por Lrene Contesto Casta 2 Joraleironativo pago com tera 9 Designacéo do cli nativo Rauco ou Araucano (para 0s castelhanos) que em mapudungum (lingua rapuche) sigaifica gente do None grUCAca, socigpade & cutruras Entdo eu perguntei: -Os vossos filhos vio 2 escola’, ¢ eles, olhos fixos na mesa, responderam com um «Sim: monossilabico. Era dificil falar, dificil conver- sar E eu perguntei entio: «A qual e cles responderam: «A do fundo- Siléncio E eu perguntei: -F os filhos do patrio, também vio Eles seagiram viva- mente: -Nio, no, nem pensar! Eles vaio a um colégio bom, ld longe, em Santiago. 14 onde nem castelhano falam. 's Isto foi dito com orgulho e brilho nos olhos Eu insisti: «Mas, de certeza, os vossos filhos também aprendem outras lin- guase -Nio, os nossos filhos nao, sto muito burros., responderam dois com raiva Burros’, perguntei Entio um respondeu: -Feitos por nés! E para qué ‘Para que saibam trabalhar, poiss, diz 0 mais calado, ao qual eu dirijo @ pro- vyocacio: Burro como o senhor que nem sabe castelhano », digo Ele responde: -Os meus pais nfo me tinham deixado ir a escola, tive que ir trabalhar com eles+ -E para eles, acrescento -Porque havia que trabathar para o patra, sim senhor, diz-me com energia -No sabe que se ndo dessemos 40 pai 0 nosso tempo para trabalhar nas terras do senhor, 0 pai, « mde e nds famos para a rua?” dr pata a rua, it para a tua, ser despedido?,, pergunto, e todos dizem: -Poisls -Entao o patrao € md pessoal», escapa-se da minha boca. sao, ele até dava prendas para as nossas mulheres, e pio as sextas-feiras: Prendas e pio, de presente? -Sim-, ‘De presente, sublinho Siléncio. Calam-se Pensam Calo-me também Siléncio. Pego no giz, escrevo: -O patio € bom Desenho uma figura de homem com uma auréola na cabeca € digo «0 S20 Patrio,, ¢ todos riem as gargalhadas quando eu teitero a santidade do homem Esse homem que ia para as “Uropas’ todos os anos» lé onde -eu nunca tinha colocado os pés, como concluem depois de duas horas de comparar- mos a vida deles com a do proprietétio do iatiftindio, 0 -patrio, dono do fundo» grtCacag socigpape & curruras E assim, pela noite dentro, até irem tomando consciéncia de como foram usados ¢ abusados Um ressonar diz-me que um jf dorine, e fechamos 2 sessio 2. As noites Estes eram 0s conceitos-chave da epistemologia rural, discutidos nas ses- s6es de debate: trabalho, salirio, lei, viagens, lazer, filhos, escola, avides, fami- lia, entre outros Genealogia deles proprios e do proprietirio; contexto em que viviam e o do proprietario; descanso deles, ¢ 0 do proprietirio; sindicato; disei- tos; cadeia; policia; Deus; ordem; disciplina; igualdade; a lei do mais forte ¢ a esiratégia do mais fraco; © medo e a liberdade; tecnologia; animais e como os carar; como fugit da maquinaria que bate e parte os ossos Método comparativo, na observacio participante do convivio quotidiano nas casas deles, de noite a noite, em periodos prolongados de convivio Método relativo, quer para eles entenderem quer para eu entender Relativizagac do sentir mais forte, 0 etnocentrismo, esse nosso ideal, que nao ‘nos permite a comunicacio hierarquicamente organizada Eas noites B as noites que permitiam essas sessdes de debate e transferén- cia de entender o real contextualizado de cada um, desses compatriotas separa- dos pela Histéria da formacio do seu estrato social Essas noites, quando reuniamos sob érvores do mato, com os homens das mulheres com quem eu falava durante o dia, enquanto andava ¢ andava pelos caminhos rurais. Essas omulheres que davam ch e perguntavam a vida Os homens apareciam quando ninguém os podia ver, chapéu sobre a cara, lengos para disfarcar o queixo O medo a divindade da lei poticial do patio, 2 divindade que pessoa do patrdo representava: proprietitio de terras e pessoas Essa flase, que tanto ouvi durante meses de tuabalho de campo, proibia que se identificassem uns aos outros Nem falavam, porque -sabe-se IA se o senor, ou qualquet um, nao vai contar isto a0 patio, depois, “pui inhor"s, disse-me uma vez um em sua casa Eu, inexperiente, percebi que eles nao sabiam que tinham direito 4 terra, que podiam denunciar o patrdo ¢ ficar com as quintas do latiftindio, serem co- eo evUCACA, soctepaps & cuiruras proprietétios ¢ acabarem com o grande poder absolutista fundado e instituido pela invasio ibérica do século XVI Bu, inexperiente pela minha idade pela cultura de classe que cresceu comigo, também nio sabia. les, inexperientes em pensar que podiam agir e avangar para a exploragio conjunta da terra propria Inexperientes no conhecimento da lei que permitia essa mudanca Inexperientes da mudanca ¢ temerosos da punicio divina e ter- rena, calavam Inspirado, Jevo a passear pela zona o Bispo, meu amigo, sem mitra, anel ou biculo, de preto ou de roxo Levei também os padres para dizerem missa as pessoas, no meio delas ¢ na sua lingua natal, sém usarem latim, a lingua Romana Universal Inspirados, agimos durante horas, pela mao de Paulo Freire, as suas ideias € gestos, procurando ums alternativa possivel para habitos histéricos cristaliza- dos no tempo, pelo tempo, esiruturados no ideal das culturas rural e wana Primeiro foram as noites dos anos 60, depois da época de Sua Exceléncia, 0 Presidente da Reptiblica Dr. Salvador Allende Inquilinos, camponeses, quer huilliche, ou picunche, ou mapuche, ou mestizo, quer chilenos geneticamente misturados, ou chilenos com um certo ancestral ibérico, nenhum deles conse- guia perceber que tinha poder politico A tigidez cultural da Hist6ria no o permitia, para 0 nosso desespero, feito serenidade no relativismo cultural do trabalho de campo 3. Os conceitos Paulo costumava insistir que deviam ser usados os conceitos das pessoas Nao os das teorias das ciéncias. Nés, os seus etnocéntricos discfpulos, no conseguiamos compreender que © camponés, ou 0 membro de um bairro de lata, ov do Sindicato de alguma indistria fosse capaz de ter teoria A teoria era fruto da experiéncia Qual era entio a teoria dos inquilinos? «A vida», dizia Paulo, «a vida € a experiéncias E é da vida que sio tetirados os conceitos, no convivio com as eD¥CAcagy socizpapt & cuiiuras pessoas: no ver, ouvir e calar, até saber bem o que se fala e 0 contetido da conversa Esse contetido da conversa € 0 que se deve debater A literacia de hoje, a antiga alfabetizacéo na qual tantos tabalhamos no mundo todo, consiste em fornecer as pessoas os textos que manipulam no seu quotidiano A literacia no é o ler e o escrever do alfabeto Alfabetizar € deixar esclarecido — consciente -, na mente popular, o que a mente popular fala quo- tidianamente, sem dar por isso. A oralidade debatida € 2 melhor aprendizagem para a acco De todas as frases do Paulo até agora invocades no texto, esta foi a melhor, a mais pedagégica para nds, para os alfabetizados do mundo. Accio € enten- der o funcionamento da terra, que é vista € trabatheda pelo costume, mais do que pelo hibito de debater O hébito foi durante séculos fazer sem debater, fazer por ver, € 0 que nao se explica nao fica consciente O debate forma a consciéncia Infelizmente essa consciéncia nao esté em vos, acrescentava o Paulo, nem. no método tedrico E isto, por causa da forma pela qual os vossos pais ¢ os seus amigos vos refreiam a espontaneidade € as iniciativas E 0 que € preciso aprender para depois relativizar E o telativismo para vés € ouvir, ver e calar Nunca ver, ouvir, calas, sentir, pensar, agir — porque o habito vos trava A cién- cia nao mobiliza ninguém, no é bandeira de luta, mas, sim, do vosso loto pela perda dos afectos, do luto rural ¢ popular pela perda do saber reprodutivo E assim foi que fomos separando o nosso idedrio social do popullat. 0 ided- rio popular no era social, nem podia ter esse luxo de partilhar, capaz de deses- ubilizar trabalho caridosamente permitido pelo pats2o Era altamente indivi- dual, para poder estrategizar comportamentos com novos tecursos, a serem usa- dos em siléncio, ou no siléncio dos lares, pata ganhar, através de uma maior producto, a favor do senhor Este era um proceso altamente genealdgico, da meméria do que os pais ¢ os avés tinham, para tansmitir outra vez Em grande siféncio, aprendiamos a viver com eles, ¢ a fazer uma lista dos temas conscientes nas palavras, € dos no conscientes no agir, para depois debater. Primeiro, com o Paulo € nds; depois, com os grupos que estudavamos Isto quando cu aprendi que estudé-los era ouvielos sem comandat E debater depois de observar, ouvit, calar, sentir, pensar, debater, agir govcacgy sociepan: & curruras 4. 0 debate Era sempre 0 resultado da correlacdo entre a genealogia dos individuos e do que tinha acontecido no tempo dos seus antepassados. Nao era suficiente tracar 0 genograma, escrevendo para cada geracio de pessoas os acontecimentos histéricos relevantes que formaram o contexto da vida da pessoa ou pessoas conhecidas Nao era suficiente também tracar os genogramas dos proptietarios das indtistrias ou latiftindios, para fazer compararagdes de genealogias em genogra- mas contextualizados, sem os comentar Porque o comentario do alfabetizador, do investigador, do professor das escolas ou grupos de debates organizados pelo Pais fora (Paulo no Brasil, na Tanzénia, no Chile; eu no Chile, na Escécia, na Franga, em Espanha, na Galiza, na Inglaterta ¢ em Portugal especialmente), no era fomentar raiva nem édio, nem destespeito por si e pelos outros Isso e1a algo impossivel de gerar em pessoas que tinham uma hierarquia vincada de emogdes € de estratos saciais, amor aos progenitores e amor aos descendentes, emogio que era a metéfora do pao, da roupa, da proteccao. Pio, roupa e seguranga que estavam adstritos a0 proprietério dos bens pelas prdprias pessoas cuja meméria individual reproduzia a Histria ouvida 1208 avs, que contavam 0 que 0s seus avés jé tinham dito Dezenas de anos de factos reproduzidos iguais, sempre com um senhor no poder Senhor que sabia isolar-se e ignorat a visio e ouvidos do povo Senhor que era temido, € por isso amado, para que 2 sua mao nao fosse bater nos pobres, que ficavam sem roupa E dos senhores s6 era bom falar para os des- mistificar, na medida que o debate comparativo mostrava de quem era a vanta- gem, qual era e de quem era a perda Ensinar raiva nao s6 no era possivel, mas também nao era preciso Havia ja vaiva histérica nas pessoas contra si prdprias, contra os mais préximos, histé- rias que no queriam entender Uma auséncia de identidade entre o motivo da raiva € a relago ou interacc¥o que a causava Aprendi que s6 as criancas eram capazes de dizer quem era 0 culpado da ia, quando brincavam E aprendi que a festa, o carnaval, a procissio, 0 ritual interactivo permitia as pessoas deszbafarem e definir o perfil de quem faz de dono, e no que € que faz. Apsendi-o de Paulo, que sempre mo disse mis =o erUcCacay socrepaps & cutuaas 5. As mulheres Eram as mais espontineas Falavam sem medir as palavras O seu estatuto de seres inferiores, assumido cedo na vida, de seres do pecado, do deménio, do mundo € da caine, o facto de serem bruxas, que necessitavam de ser bati- das ¢ mantidas a distancia - excepto para procriar sem desejo com a mulher sacramental e para apagar o desejo com a amante € a prostituta ~ conforme defendia o Concilio de Trento do Século XVI, que tinha escarafunchado nas mentes catdlicas colonizadoras e colonizadas Mulheres situadas conjunturalmente nama situacdo privilegiada para falar mal dos outros, para os mexericos, para as conversas de anilise do perfil dos donos, para transferit a informaglo. Aprendemos cedo que estas eram as pes- soas que sabiam quais as mentiras ou verdades, mas este saber vinha-lhes por entenderem contextos observados sempre pelo lado de fora Mais de mil senhoras andaram nos cursos que, com a metodologia criada, organizémos durante a época em que estive no Chile, no tempo de Allende 1a iam elas, 2s sessdes da nossa Escola Camponesa, organizada no campus rural da nossa Universidade Catélica do Chile; e, orgulhosas de serem universi- lérias, colocavam a tiara académica como uma algema Algema que as fazia falar. Debatiamos com elas o conceit trabalho e 0 conceito igualdade perante ‘0 sexo masculino. De trabalho, nem queriam dizer, falar porque era muito pesado Quanto aos seres masculinos, eram tontos porque nem reparavam que elas mandavamn ¢ eles calavam: a comida era com elas; as criancas criadas por elas; 0 trabalho a fazer aceite por elas ‘A vertigem que em 1973 me levou outra vez fora do Chile queimou os meus registos ¢ os quilémetros de fita que, com Blanca Itarra e Nilsa Tapia, as, minhas assistentes, fizemos Mas ficou a meméria que me permite escrever estas linhas. Essa memoria sintetiza-se no dito; ¢ na lembranca das mulheres a dizer: «Oica lf, Don Ratil, nao fale mais, que jé nem quero voltar a casa Haja Deus, para que as paredes expludam e tudo venha ao chiio!: E de dois maridos que um dia me disseram: -Entéo, o senhor € 0 professor da minha mulher? Mal raio o partal Antes, era eu a mandar, agora tenho que grUCACds, sociepans & curruras consulté-la para tudo» Enquanto o outro acrescenta ja no sou s6 eu a ter que pensar em tudo- © Paulo tinha-me ensinado a base; a pesquisa materializou-me as ideias O terramoto social que 0 neoliberalismo langou no Chile a 11 de Setembro de 1973 acabou com a experiéncia de dois anos Quer Paulo Freire quer ev tivemos que sair Fomos deitados fora: ele por ser estrangeiro, eu por ser chi- leno estrangeirado, conhecedor de ideias, muito graduado, traidor de classe, da minha classe Deitado fora pelo Pai, pela junta ditatorial, pelas espingardas que iam fuzi- lat as ideias que mudam © mundo, 2o fuzilarem as pessoas Conseguimos fugit: Paulo pela Embaixada Sueca; eu pelo grande Pai que tive, Jack Goody, 0 meu reformado Bispo Carlos Gonzilez, esse que ia de preto visitar as populagdes Nasceu-me uma filha, a filha do simbolo da vida renovada, companheisa deste continuado exilio Mulheres nossas, que tomaram conta de nés : «Ainda bem, Don Rat, 6. Os homens Timidos Muito timidos Para esconder a tragilidade usavam trés coisas: 0 silencio no lag; 2 bebedeira com os amigos ¢ a procura de outras mulheres nto vinculadas a eles pelo ritual, pela lei ou pela maternidade Até que Thes nascia um filho de outa muther E passavam a alimenté-lo, com a outa mulher, a legitima, disso consciente. Timidos Mas timidos apenas Porque cedo estavam jé a trabalhar a horta da casa, para depois irem irabalhar a terra dos senhores ¢ a seguir a terra comunitiria ou a colectiva como é propria do um inquiline Ventura tinha por habito sair de manha até 4 noite, a regar, ld em Huilquilemu, no sitio onde ficavam as — agora suas — terras; enquanto Margarida, a sua mulher, preparava a comida do dia e watava dos animais domésticos A minha vida com eles ensinou-me a trabalhar conceitos rurais, da forma que 0 Paulo tinha definido nas nossa conversas gPUCACig socizpape & cuLuras E ensinaram a ler 0 texto que 0 quotidiano tecia. Foi essa amizade que nascen de morar em casa deles, no Huilquilemu de Talea, Vale Central do Chile, que me fez impedi-los de realizarem os seus pla- nos: fartos de nio poderem ter nas suas vidas 0 uso da tecnologia para o traba- Iho produtivo das terras, iam, Margarida — guiando o seu homem Ventura - € esi, com os outros todos, devolver ao Estado as terras expropriadas ao senhor Sorte tive em saber, entender a desventura dos que viviam como proprietérios- -produtores ¢, usando as suas palavras simples, pedit para nio irem Voltaram E eu percebi, com alegria, que tinha aprendido, tinha colaborado desta forma, a nfo aceitar que uma derrota popular se tomasse publica © que me esqueci nesse dia foi o que o Paulo tinha dito mil vezes: 0 poder politico est4 na apreciagéo do povo e nao na estrutura do poder Isto embora o poder tivesse armas ¢ a conjuntura do tempo, inimigos com armas methores Porque 0 poder era constituido por ideologias sem experiéncia dos factos intimos das consciéncias pragmaticas do quotidiano Lembrei-me disto escrevi 0 artigo - mais um - que a nossa Revista Chile Hoy, com a Marta Honnecker, publicou: «A Reforma Agraria, uma medida impossivel: a greve dos “conchenchos™ Os homens timidos tinham a forca para defender os seus interesses Na prisio, Ventura disse-me: Isto é assim, porque Deus esta zangado pot nos revoltazmos contra 0 patrio, 0 seu representantes, ¢ eu, timido de medo, pedi para ele calar, indo contra as ideias do Paufo: nunca abdicar de ensinar com os factos Agit Mas agir sem debate? A conjuntura tinha mudado Ventura viveu a matar a fome: Eu escrevo hoje, 25 anos depois Desde os trinta e trés anos que sou outro, sem mais raiz do que este texto. Paulo voltou & sua terra, para o Brasil, ¢ ficou para a Hist6ria Os homens, fracos Somos todos fracos quando hé outro que manda Os meus homens eram fracos antes, durante, depois Fraqueza, fruto da falta de entender o debate, do peso da cultura, da falta de estrutura politica que acompanhe outa frase do Paulo Freire. 4 Intermedissis dos produtes agrcolas pucacs + ° soctepape & cuLIURAS 7. Um optimido Um oprimido que fer pedagogia, como digo no meu comentétio mais frente, Opritido, porque esteve exilado duas, ou mais vezes € porque o seu con- texto oprimia 0 seu espitito: uma familia toda a sentir saudades da Patria Um oprimido que fez pedagogia, entendendo o seu contexto derivado de outro contexto, ¢ compreensio de si proprio e dos outros A sua metodologia é — viva como esté na sua obra - setirar uma palavra cenital do vocabulirio usado no quotidiano, para tornéla explicita na cons- ciéncia histérica da pessoa e dos seus pares Uma pedagogia de explicitar 0 que esta consciente, mas sem palavra para entender 0 que se diz. Tem a ver com a psicanilise, como foi expresso por ele prprio, servindo-se dela como modelo. Freud tirava dos sonhos ¢ das palavras as reminesoéncias que tinham ficado guardadas no inconsciente Freire retirava a palavra ¢ a contestualidade da Hist6zia e da experiéncia: a pedagogia de tornar conscientes 0s factos, que sejam dados para quem os produz Para esta metodologia, € preciso saber Historia, Economia, Ciéncia Politica, Antropologia, Ciéncia da Educacio, Sociologia Como Filésofo © Antropdlogo, Freire usou a teoria para construir, junto com a sua equipa, semindsios de debate. Debate que ele orientava, enquanto dei- xava falar 0s que viviam no campo, observando sem intervit Nao € s6 a sua obra em livros a importante . 0 sev tabalho, observado € paiticipado por tantos de nés, que € 0 melhor texto que dele li Paulo Freite tinha a capacidade de virar para dentro da conseiéncia da pes- soa a questio que a pessoa colocava Como se eu perguntasse: O que € 0 povo? ¢ Paulo respondetia: «Qual é 0 povo que tu conheces’, Ent@o eu comecaria a bierarquizar experiéncias alinha- das no seu saber etnocéntrico, e Paulo a desalinhé-las com comparagdes retira- das da sua prOpria experiéncia Até que o conceito ficava arrumado conforme 9 saber de quem perguntou Uma pedagogia do oprimido, aprendida no seu convivio com os habitan- goUCAcag sociepape & cULTURAS tes das favelas de Sao Paulo, Brasil; e da multiplicidade de estudantes de diversas culturas do mundo, que Ihe confidenciavam as suas emogdes juvenis, irracionais 8. As ideias As ideias que exprimo no texto sio 0 mais puro da minha meméria ‘Anos volvidos, nao tem sido facil, para mim, separar Paulo Freire de Meyer Fortes, de Jack Goody, os meus mestres E deles que eu proprio tenho desen- volvido ~ a partir dessas pedras 0 meu trabalho pessoal Tanto que nem con- sigo distinguir o meu trabalho do deles, os meus mestres, esses que moram no altar dos meus ancestrais e que transmito no trabalho com as minhas equipas de diversos sitios do mundo © terramoto social de 1973, no Pais denominado Chile, afastou-nos para sempre Ficdmos a saber um do outro, mas nunca mais tivemos o prazet de nos ver Faz um ano, enquanto reestudava, 25 anos depois, uma aldeia galega, avi- sam-me da sua morte Escrevi um obitudtio Era um 12 de Maio de 1997 O dia justo para morrer, esse homem que lutou, epistemologicamente, pelos trabalhadores, para dar ideias aos que luta- vam politicamente por eles. Estranho, mas enquanto escrevo a lembranga do que com ele aprendi, recordo-me da Teologia da Libertagio Essa mesma teologia que aplicamos no Chile de Allende ~ quando lé estive -, no movimento Cristéos para o Socialismo E que, retornado a Europa, tenho falado aos cristios de cé, € que me permitiu trazer as centenas de chilenos que 0 Primeiro Ministro Britinico dos anos 70 (J. Callaghan) me pedira para inscrever numa lista Quer Paulo Freire quer eu pertencemos a cultura de amar-se a si proprio pata amar 0 pro- ximo, essa cultura ciista 4 qual, no Ocidente, todos pertencemos Foi dai que Paulo Freire retirou o seu material mais primétio, para construir a sua obra teérica, em prol do socialismo As ideias estio vivas em nds € em mithares de pessoas que fabricaram 0 ep¥CACay socizpape & curruaras seu proprio texto mental a partir do «Silabdrio para Alfabetizan, que escreveu no inicio do seu trabalho, no Brasil dos anos 60 Quantos, hoje em dia, nem sabem o que aprenderam com Paulo Freire, gue entrou na Histéria pela porta larga ¢ grande, esgotada por tanta procura de tanta pessoa Paulo Freire foi-se embora, esgotado por tanta procura de tanta pessoa, essa admiragao que mata Essa admiracio que mata para enterrar a semente que floresce Freire, a raiz além do conceito latino de Liberdade que o fez tabalhar também no Portugal de Abril Parede, 25 de Abril de 1998 Correspondéncia Raul Iturra, Instituto Superior de Ciéncias e do Trabalho e da Empresa, Avenida das Forgas Armadas, 1600 Lisboa e-mail, LAUTARO@mail telepac pt Bibliografia FORTES, Meyer (1938) Sociological and Psychological Aspects of Education in Talelend., Afi, vol X14 FORIES, Meyer (1983) Oedipus and Job in West Afican Religion, Casabridge University Press FORTES, Meyer (1987) Religion, Morality ad the Person, Cambridge University Press GOODY, Jack (1997) AMemoire et Aprentissage dans les SociétEs avec et sans Eariture: La trans mission du Bagré., L’Homme, vol XVII (1) GOODY, Jack (1980) Les Chemins du Savoir Oral, Chitigue, vol XXXVI, 394, Pais: Minuit TTURRA, Ratl (1973) 11 Pato de Los Conchenchos,, Chile Hoy, Sentiago do Chile: Centeo de Estudios de Agricultura y Sociedad (CEAS) TTURRA, Rati! (1990) A Construgdo Social do Tnssucesv Escola, Lisboa, Escher TTURRA, Ratil (1996) (Org) 0 Saber das Criancas, Seatibal: ICE ITURRA, Ratil (996) Gosto de Ti por seres Mulher Ensaio de Antropologia da Educagio, in R eurta (Org) 0 Saber das Criangas, Setdbal: ICE TTURRA, Radi (1997) 0 dmagindrto das Criangas, isboa: Fim de Século TIURRA, Radl © Grescimenta das Criangas, Porto: Profedicées (no prelo) E ainda, a obra de Paulo Freire

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