A “impotência funcional” é total nas rupturas completas Quanto ao tempo, não devemos nos esquecer daquele
(que são raras) e parcial nas demais, tendendo a desaparecer necessário para a cicatrização de partes moles (em torno de
em poucos dias. três semanas). Dificilmente poderemos abreviar este período
A “solução de continuidade”, proporcional à gravidade para retorno às atividades competitivas normais. As lesões
de cada caso, pode ser facilmente visualizada nas rupturas mais graves evidentemente deverão necessitar de um tempo
graves de músculos superficiais. proporcional para sua resolução.
O “edema” pode coexistir, mas pode passar despercebi- Quanto à “qualidade”, podemos dividir o prognóstico em
do nas rupturas de músculos mais profundos. relação ao “esporte” ou ao “atleta”. Se ele pode continuar
O “hematoma” ocorre com freqüência e é proporcional praticando o mesmo esporte ou ainda qualquer esporte.
à espessura dos vasos lesados e não à intensidade da estrutu- Dificilmente um atleta tem que abandonar seu esporte
ra muscular comprometida. ou mesmo a prática de outro esporte, em função de uma rup-
2. Subjetivos tura muscular. Não podemos nos esquecer, porém, que a le-
São os sintomas referidos pelo paciente. São conhecidos são de certos músculos pode dificultar muito a prática de
os termos “levei uma pedrada na barriga da perna” ou “levei determinados esportes (um exemplo típico é a lesão do mús-
um pontapé por trás”, que são rotina na anamnese dos pa- culo supra-espinhal, para a prática do beisebol ou do volei-
cientes com ruptura do tríceps sural. bol). Nesses casos, podemos orientar o paciente quanto às
diversificações de que ele poderá dispor.
Os critérios da “idade” do atleta, da lesão ser “aguda ou
DIAGNÓSTICO recidivada” ou ainda do “músculo atingido” ser importante
O diagnóstico deve estar baseado principalmente na para determinado esporte devem também ser utilizados no
“anamnese”, no “mecanismo de lesão” e no “exame físico”. prognóstico de qualidade e tempo a ser proferido.
A “anamnese” deve principalmente caracterizar se a le-
são é aguda ou recidivada e qual o tempo decorrido até o TRATAMENTO
atendimento.
O “mecanismo de lesão” é fundamental, não só para de- O tratamento deve ser determinado em função do nível
tectarmos a causa da lesão, mas também para estabelecer- de lesão.
mos o planejamento terapêutico. A maioria das lesões ocorre Em caso de desinserção, o tratamento cirúrgico se im-
na musculatura antagonista ao movimento executado. põe com a fixação do fragmento ósseo desprendido.
Finalmente, o “exame físico” deve basear-se não só na Nas rupturas ao nível de tendão, as tenorrafias simples
inspeção estática e dinâmica, quando poderemos observar as ou com reforço são indispensáveis, na sua grande maioria.
irregularidades com saliências ou depressões no corpo mus- As rupturas dos tendões de Aquiles, tibial anterior, tibial pos-
cular. É, porém, na palpação que podemos constatar a devida terior e fibulares são exemplos claros.
extensão da lesão. A palpação executada com o músculo em As rupturas ao nível do músculo merecem atenção espe-
contração contra certa resistência, acrescida da dor e impo- cial. Nas rupturas totais de músculos importantes, a miorrafia
tência funcional, leva ao diagnóstico definitivo. pode se impor e deve ser feita com cuidadosa hemostasia,
O diagnóstico deve ser preciso, sendo citados o múscu- Fato importante deve ser analisado, além dos cuidados
lo, o local da lesão e a gravidade do caso. com a hemostasia. É a técnica da sutura do músculo, que
preocupa muito o ortopedista. Deve ser feita com fio absor-
vível e de maneira a evitar necrose por compressão (quando
PROGNÓSTICO
se dá o ponto pegando quantidade maior dos rebordos mús-
Na realidade, é o grande questionamento do atleta. Ele culares) ou então a soltura do ponto, por compreender massa
questiona sua participação em competição importante a ser muscular insuficiente que desliza entre os pontos. O tama-
realizada em dias, sem, muitas vezes, preocupar-se com o nho do ponto, sua profundidade e sua técnica não admitem
diagnóstico ou mesmo coma terapêutica a ser utilizada. Ele, erro maior que possa levar a um mau resultado, o qual não
na realidade, quer “o prognóstico”. terá justificativa na preferência pelo tratamento cirúrgico.
O prognóstico deve ser encarado em “tempo” e em “qua- Já para o tratamento das rupturas musculares subtotais,
lidade”. aborda-se fundamentalmente o hematoma.
Rev Bras Ortop - Vol. 29, Nº 10 – Outubro, 1994 725
J.G. CARAZZATO
mento (por exemplo: lesão de músculo do membro superior, membros inferiores, em particular o tríceps sural, os isquio-
permitindo a continuidade de treinamento aeróbico e anae- tibiais, o quadríceps e os adutores.
róbico através de corridas). Para confirmarmos a importância do estudo das rupturas
Após desenvolvidas as quatro primeiras fases, devemos musculares, basta citar as estatísticas apresentadas em nosso
concluir a reabilitação psíquica, técnica e tática, promoven- artigo publicado na Revista Brasileira de Ortopedia (vol. 27
do o retorno do atleta à competição apenas com 100% de (10): 745-758, 1992), sobre 20 anos de atendimento de le-
suas condições. sões em atletas de alto nivel de clube poliesportivo de São
Paulo.
COMPLICAÇÕES De 6.955 lesões ocorridas, 887 foram rupturas muscula-
res, num total de 12,75% (tabela 1).
Podemos citar seis tipos de complicações das lesões mus-
culares: 1) hemorragia grave; 2) supuração; 3) necrose; 4) TABELA 1
calcificação; 5) ossificação; 6) hémia muscular.
1. Hemorragia grave – As hemorragias mais intensas Tipos de lesão Número %
e que se prolongam muito a1ém do tempo de coagulação san- Entorse 2.140 30,77
guínea são raras e, caso ocorram, apresentam gravidade para Ruptura muscular 887 12,75
Contusão 638 9,17
o lado das síndromes compartimentais, que devem ser pre- L. men. Iigam. joelho 622 8,94
venidas. Mioentesite 477 6,86
2. Supuração – A coexistiência de processo infeccioso Rótula sub luxans 407 5,85
Fraturas 347 4,99
corpóreo (amigdalite, por exemplo) pode levar à contamina-
Algias na coluna 334 4,80
ção do hematoma, que seria de alta gravidade, exigindo dre- Tendinite 199 2,86
nagem cirúrgica. Felizmente, trata-se de complicação muito Osteocondrite 186 2,67
rara. Cifoescoliose 146 2,10
Neurite 94 1,35
3. Necrose – A necrose do tecido muscular, também ra- Bursite 86 1,24
ra, poderia ocorrer nos grandes traumatismos com esmaga- Luxação 82 1,18
mento extenso, o que tambem exigiria intervenção cirúrgica Espondilolistese 78 1,12
Periostite 71 0,30
com retirada do segmento muscular necrosado.
Inst. cron. joelho 21 0,30
4. Calcificação – Dependendo da extensão do hemato- Artrose 7 0,10
ma e de alterações do metabolismo do cálcio, podemos ter Outros 133 1,91
deposições anômalas de sais de cálcio no músculo lesado, Total 6.955 100,00
formando verdadeiras calcificações de difícil resolução.
5. Ossificação – Nos casos mais graves, as calcifica- Das 887 rupturas musculares, a coxa foi o segmento mais
ções evoluem para verdadeiras ossificações, cuja tentativa comprometido com 610 lesões (68,78%) (tabela 2).
de ressecção quase sempre leva a recidivas. A função muscu-
lar se apresenta muito comprometida e dificilmente volta à TABELA 2
normalidade. lncidência segmentar de rupturas musculares
Em resumo, para facilitar o esquema terapêutico, apresentamos a seguir o quadro cronológico do tratamento das rupturas
musculares (quadro 2).
QUADRO 2