A gulosa
Lembra-te mulher do que fiz à burra
Os dois compadres
O sabor dos sabores
Os três irmãos
Ilustração:
Bernardo Escada
Daniel Loureiro
Duarte Veloso
José Roque
Miguel Pires
Tiago Escada
A GULOSA
Era uma vez um pescador que tinha uma mulher muito gulosa, de forma que
nunca fazia jantar para o marido, mas ela andava sempre a fazer coisinhas
boas para comer e o marido comia só pão com azeitonas ou fruta.
Um dia que o homem estava dizendo muito mal à sua vida por Deus lhe ter
dado uma mulher assim, sendo ele tão trabalhador, quando puxou a rede viu
um peixe muito grande; mas quando ele o ia apanhar, diz-lhe o peixe:
Ela, quando lhe pareceu, levantou-se também, acendeu o lume e pôs a água
para o café; depois fritou uns ovos e, quando estava o almoço feito, assentou-
se ao lume e disse:
«Estende-te, perna,
No rio esta quem te governa;
Ele, se quiser aquecer,
Vá beber vinho à taberna.»
Começou a almoçar mas, assim que
meteu o comer na boca, ouve uma
voz que dizia «O que é aquilo?»
«É comer!»
«Sem o marido?»
«Pois se a mulher é uma gulosa!»
A mulher teve um grande susto.
Andou vendo por toda a casa mas
não viu nada. Ainda com receio mas
mais tranquila, voltou a querer
almoçar mas tornou a ouvir as
mesmas vozes: «O que é aquilo?»
«É comer!»
«Sem o marido?»
«Pois se ela é uma gulosa!»
Desta vez não quis mais saber do almoço e foi a fugir com medo! A fome
apertava-a, por isso resolveu fazer umas batatas para a ceia, quando viesse o
marido, e assim fez.
À noite, assim que ele veio, foi ela logo sair-lhe ao encontro, dizendo-lhe:
«Anda marido, vem cear, que tu deves estar com vontade.»
O marido ficou admirado mas não fez perguntas. Comeram bem e, no outro
dia, quando ele saiu, recomendou-lhe ela que viesse cedo que lhe teria uma
boa ceia.
Pensando, porém, que tivesse sido alucinação sua, tentou novamente almoçar
à chaminé; mas, tal qual como no outro dia, ouviu as mesmas vozes e as
mesmas perguntas. Emendou-se então. Nunca mais comeu sem estar o
marido e viveram muito bem.
Fim
LEMBRA-TE MULHER O QUE FIZ À BURRA
Ilustração:
Adrian Licimaniuc
Cristian Licimaniuc
Joana Candeias
José Nascimento
Luís Coelho
Mariana Batalha
LEMBRA-TE MULHER DO QUE FIZ À BURRA
Era duma vez um homem e foi á feira com a mulher que tinha um génio de mil
diabos.
Ele que faz, puxa da espingarda, aponta á burra e mata-a. A mulher ficou toda
assarapantada e ele pôs-lhe a albarda e todos os arreios da burra em cima e
assim chegaram á feira.
A mulher foi a casa duma amiga e ele ficou na feira a vender o macho que lá
levava.
«Ó minha viola
Ó minha bandurra,
Lembra- te, mulher,
Do que fiz à burra.»
Depois entrou em casa e então começou a contar á mulher o que lhe tinha
acontecido da perca do dinheiro do macho.
FIM
OS DOIS COMPADRES
Ilustração:
Ana Madeira
Catarina Martinho
Daniela Carrageta
Iris Correia
Pedro Couto
Sara Zambujo
OS DOIS COMPADRES
Era duma vez dois compadres, um era muito rico e o outro muito pobre e este,
querendo apanhar dinheiro ao rico, disse para a mulher:
Assim foi; lá na caçada disse para o coelho: «Olha, tu vai lá à minha mulher e
diz-lhe que arranje uma perdiz guisada e que faça conta com o nosso
compadre.» Deu um sopapo no coelho e o coelho bateu a fugir.
O compadre já estava ansioso de vir para casa a ver se o coelho tinha dado o
recado.
Chegaram cá e diz o homem para a mulher: «Então já tens a perdiz
guisada? O nosso coelhinho trouxe cá o recado?»
«Pois não havia de trazer! A perdiz está pronta e fiz conta com o nosso
compadre.»
Diz o compadre que era rico: «Compadre, venda-me o seu coelho:» «Isso é
que eu não vendo, que ele faz-me os meus mandadinhos todos.»
«Compadre, venda-me o coelho, que eu dou-lhe muito dinheiro por ele.»
Vendeu-lhe o coelho, já se sabe, um daqueles que tinha na coelheira.
A primeira vez que o compadre rico mandou o coelho a um recado nunca mais
lhe apareceu.
Quando se ia acabando o dinheiro ao compadre pobre, disse este para a
mulher:
«Temos de ver se arranjamos outra marosca para apanharmos bagos ao nosso
compadre. Olha, tu arranjas a burra velha, eu junto-lhe dinheiro com a ração e
depois dizemos que ela faz muito dinheiro e que já somos muito ricos.» Assim
foi.
Um dia, na caçada, o compadre rico reparou que a burra fazia dinheiro.
«Não tem dúvida, tenho aqui uma gaita que dá vida aos mortos.» Começou a
tocar a gaitinha e a mulher levantou-se logo.
Pôs-se logo o compadre rico a dizer: Compadre venda-me a gaita.»
«Qual vender nem qual diabo.» E tudo era lembrar-lhe o coelho e mais a
burra.»
Por fim vendeu a gaitinha.
Foi o compadre rico para casa, armou uma grande briga com a sua mulher e
desata-lhe uma navalhada na barriga. A mulher caiu logo morta e ele pôs-se a
tocar a gaitinha, mas a mulher não se mexia. Veio a justiça. Ele pôs-se a contar
o sucedido com o compadre pobre e levaram este preso.»
«Ora, querem por força que eu case com a princesa, mas eu não quero e digo
que não quero e por isso me levam preso.»
Diz-lhe o pastor: «Anda, casa com a princesa, escusas de ir a morrer.»
E diz-lhe o homem: «Queres tu vir para o meu lugar que eu vou para o teu?»
«Pois quero.»E mudaram.
Depois o pastor amarrado à árvore começou a dizer: «Eu já quero, eu já
quero.»
«Já queres o quê?»
«Já quero casar com a princesa.»
«Ora essa! Explica lá o teu dito.» E ele confessou tudo.
«Bem, disse a justiça, solte-se lá o homem, e que vá em paz.» Ele marchou.
O outro ia muito satisfeito com os carneiros. Encontrou o compadre rico que lhe
perguntou: «Então tu nunca foste preso?»
«Eu não, pois se a minha gaita dá vida a mortos como hei-de eu ser preso?»
«Então esses carneiros, quem tos deu?»
«Ora, arranjei-os eu.»
«Mas como?»
«Olha, anda comigo que eu te ensino como nascem carneiros.»
Levou-o para o pé do pego onde a água era muito funda e perguntou-lhe se
queria um carneirinho ou um carneirão. Ele disse que queria um carneirão.
Pegou nele e diz:
«Cada mergulhinho
Um carneirinho
Cada mergulhão
Um carneirão.»
FIM
O SABOR DOS SABORES
Ilustração:
André Manços
Filipa Figueiredo
Tiago Carrilho
Vicente Jardim
O SABOR DOS SABORES
Havia um rei que tinha três filhas e um dia chamou-as e perguntou à mais
velha: «Por onde me queres tu, minha filha?»
«Pela alma», respondeu ela.
E perguntou à segunda: «E tu?»
«Pelo coração.»
E fez a mesma pergunta à terceira filha que lhe respondeu: «Eu quero tanto ao
meu pai como ao sabor dos sabores».
O pai zangou-se com esta resposta porque entendeu que não era querer-lhe
bem e mandou-a pôr fora do palácio.
Ela arranjou as suas jóias e o fato e foi correr mundo.
Os patos, como viam luzir, começavam a picar e ela punha-se com o pauzinho
a apontar e a dizer:
«Então porque me pôs fora do palácio por eu lhe dizer que lhe queria tanto
como o sal que é o sabor dos sabores?»
O pai arrependeu-se muito do mal que tinha feito á filha que não o tinha
ofendido; mas ficou muito contente por a ver casada com o príncipe.
Colori, colorado,
Está meu conto acabado.
OS TRÊS IRMÃOS
Ilustração:
Bernardo Machado
Inês Carvalho
Maria Inês Romero
Ricardo Nunes
OS TRÊS IRMÃOS
Era uma vez um pai que tinha três filhos, e pediram ao pai para irem correr
mundo.
E depois foram por uma estrada adiante e encontraram um poço onde vinham
a dar três estradas.
E depois separaram-se, indo cada um por sua estrada, e ao despedirem-se
fizeram a promessa de todos três, ao fim de três anos, chegarem ao meio dia
àquele sítio.
Chegaram cada um a sua terra. O primeiro aprendeu a alfaiate, o segundo a
sapateiro e o mais novo arte - magia. No fim dos três anos chegaram ao
mesmo sítio. O alfaiate vinha muito asseado, com muito dinheiro, o sapateiro
também vinha muito arranjado e o mais novo vinha cheio de cinza, muito porco,
e não trazia coisa nenhuma.
Que pusesse o pai numa estalagem e ele fazia-se cão, e o pai havia de chamar
por ele quando estivessem os hóspedes e havia de dizer: «Tejo! Vai-me
comprar duas perdizes»; e ele dali a pouco aparecia com elas na boca. O pai
assim fez, pôs a estalagem.
Passaram por ali três viajantes e descansaram. Depois o pai chamou pelo cão:
«Chut, Tejo! Vai comprar duas perdizes para estes senhores.» E ele logo a
saltar ia buscar. Agora eles, que viram o cão assim, daquela maneira, pediram
ao dono da estalagem que lhes vendesse o cão, que pedisse o dinheiro que
quisesse. E depois ele falou a ocultas com o pai e disse-lhe que o vendesse.
O pai assim fez. Pediu muito dinheiro, e eles deram-lho e levaram o cão preso,
e disse-lhes que não o soltassem se não lá muito adiante, que visse algumas
aves havia de saltar, mas que não o soltassem se não lá muito adiante, quando
estivesse esquecido da casa. E eles assim fizeram.
Pelo caminho adiante, assim que via as aves, a querer saltar para as apanhar.
Eles que viram isto, ao fim de muito tempo, soltaram-no e ele desapareceu.
Deus louvado,
Conto acabado.