INTRODUÇÃO
Às vezes por iniciativa própria, outras vezes por sugestão de organizações sociais as
mais diversas – ONG’s, movimentos sociais, sindicatos, associações, etc., e/ou
contando com apoio de alguns Programas Especiais, financiados por organismos
multilaterais. Por exemplo, no estado de Sergipe, instituições como o Projeto São
José, financiado pelo Banco Mundial, e o Pró-Sertão, com recursos do Fundo
Internacional de Desenvolvimento Agrícola – FIDA, da ONU, vêm apoiando uma série
de iniciativas no meio rural, voltadas para os agricultores familiares, pequenos
artesãos e comerciantes, grupos de mulheres, etc. São pequenos projetos agrícolas e
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não agrícolas, como tecelagem de redes, cerâmica, olaria e crédito para custeio
agrícola.
Na conjuntura atual, em que a economia brasileira vive profunda crise, com milhões
de desempregados no campo e na cidade, dando contornos a um quadro de exclusão
social dos mais aviltantes, é importante conhecer experiências de desenvolvimento
local exitosas, a exemplo dessas de que vamos tratar, onde pequenos produtores
rurais se juntam para buscar alternativas de resolução de seus problemas, agindo de
forma cooperativa e solidária.
Saber como são construídas, quais os atores que as integram, de que forma
interagem e quais os limites e possibilidades de alcance de bons resultados,
traduzidos em melhorias no nível de renda e de emprego e nas condições de
reprodução social do grupo doméstico, ajudarão a pensar formas, meios e modos de
expandí-las por outros territórios, assim como de criar novas formas criativas que
tenham no potencial produtivo dos pobres a sua força motriz.
Sem dúvida alguma, o Nordeste do Brasil constitui um campo fértil para se proceder
a estudos de tal natureza, haja vista a existência de inúmeras experiências sendo
implementadas, seja pelo poder público, seja por organizações não governamentais e
entidades representativas de trabalhadores rurais, isoladas ou de maneira
cooperada.
1 - O COMEÇO DE TUDO
Quando não é a seca, fenômeno recorrente nos municípios que integram a região
semi-árida do estado, é o descaso histórico do poder público para com os
camponeses e trabalhadores rurais que ali vivem e trabalham.
2 - OS MUNICÍPIOS PESQUISADOS
Outros atributos foram também tomados como base para a escolha dos casos a
serem estudados, a saber:
a) municípios em que o Fundo de Aval já vinha garantindo os empréstimos bancários
aos agricultores familiares há pelo menos 2 anos, com um número expressivo de
operações contratadas;
b) modalidades de Fundos de Aval : “privados” (firmados entre o banco e uma
associação de pequenos agricultores), “públicos” (entre o banco e a prefeitura do
município) ou “mistos” (com a participação de uma associação, além da Prefeitura e
do banco) e
c) municípios com Fundos de Aval firmados com o Banco do Brasil - BB e/ou com o
Banco do Nordeste – BN.
Com isso, o objeto de estudo foi recortado de modo a contemplar a região de maior
pobreza do estado, com maior proporção de agricultores familiares em condições de
trabalho e de vida precários, fortemente atingida pelas secas e com elevado índice de
concentração da terra e controle das águas por grandes fazendeiros de gado. Em
outros termos, uma região onde esse tipo de programa de desenvolvimento local
solidário encontra a sua clientela por excelência.
Segundo pesquisa recente feita pela FAO/INCRA, com base nos dados do Censo
Agropecuário 1995/1996, os agricultores familiares constituem um contigente
expressivo entre os produtores rurais nordestinos e contribuem significativamente na
renda gerada pelas atividades agropecuárias nos municípios.
O município de Simão Dias também não foge à regra. Dos 4.405 estabelecimentos
agropecuários recenseados, 48,1% são de agricultores familiares, que contribuem
com 46,7% do Valor Bruto da Produção. Desses estabelecimentos 60,8% são tocados
exclusivamente pelo proprietário e por membros não remunerados da família.
Segundo um técnico do Banco do Nordeste que trabalha diretamente com esse tipo
de produto, para fazer a alavancagem dos recursos para as operações do fundo de
aval, o banco se vale de uma cesta de programas existentes, voltados para o
atendimento desse tipo de público-alvo, principalmente o PRONAF e o Fundo
Constitucional do Nordeste - FNE. Esses dois programas são os que têm sido mais
utilizados para financiar as atividades agropecuárias demandadas pelos agricultores.
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Outros recursos, como os oriundos do BNDES, também têm sido usados para fazer os
empréstimos, porém em escala mínima.
O acesso ao crédito com a garantia dos fundos de aval é sempre realizado tendo
como exigência a formação de grupos de agricultores, onde os membros de cada
grupo assinam como avalistas uns dos outros, de forma solidária, responsabilizando-
se pelos empréstimos tomados. A aplicação dos recursos, no entanto, é de natureza
individual, de acordo com os projetos aprovados pelo banco.
o Banco do Brasil resolveu reduzi-la para 15% e estender esse mesmo percentual
para os demais fundos criados posteriormente.
Note-se, porém, que o Banco do Brasil exige da associação a abertura prévia de uma
conta-corrente, e não de uma conta-poupança, como ocorre no caso do Banco do
Nordeste. Isto significa dizer que, no primeiro caso, a conta do fundo não sofre
nenhum incremento monetário durante o período em que fica à disposição do banco,
isto é, os rendimentos de eventuais aplicações que o banco venha a fazer não são
revertidos para os agricultores, senão apropriados pelo banco. O inverso, portanto,
do que acontece quando o gestor dos recursos do fundo é o Banco do Nordeste.
Nesse caso, os rendimentos da poupança aberta pela associação de agricultores são
adicionados ao fundo, fazendo-o crescer.
Até o mês de abril 2001, o Banco do Brasil operava através dos fundos de aval em 10
municípios sergipanos, tendo realizado no ano anterior mais de 10.500 operações
(ver Tabela 1). O número de municípios que haviam criado fundos de aval em
parceria com o Banco do Nordeste chegava a 52, dos quais 16 deles ainda não
haviam realizado qualquer operação. Nesses municípios, já estavam operando 172
fundos de aval municipal, com 2.970 operações ativas, num montante de total de 1,8
milhões (Tabela 2).
4 - RESULTADOS PRELIMINARES
A principal fonte dos recursos do Fundo Municipal de Aval tem sido o PRONAF,
particularmente as linhas de crédito para custeio dos agricultores que se enquadram
no Grupo C (PRONAF- Grupo C).5 Esses pequenos agricultores encontraram, no
mecanismo do Fundo de Aval, a oportunidade de ter acesso a recursos financeiros
para aplicar no custeio da atividade agropecuária – notadamente na produção de
alimentos –, com resultados visíveis na melhoria de suas condições sócio-
econômicas.
Mais de 80% dos créditos liberados foram para o custeio de lavouras, principalmente
milho e feijão, cabendo ao Banco do Nordeste a primazia quase absoluta na
contratação dos projetos de financiamentos do PRONAF no estado, segundo o
coordenador do Programa em Sergipe.
Nos últimos anos, entretanto, os resultados das safras ficaram muito aquém do
esperado, devido a ocorrência das secas. Segundo o prefeito de Poço Verde, um dos
municípios onde o Fundo de Aval vem apresentado ganhos extremamente
significativos na produção de feijão e milho, desde a sua constituição em 1997, as
perspectivas para a safra seguinte eram pouco animadoras. Apesar das chuvas que
estavam caindo na região desde o mês de junho de 2001, o volume de água ainda é
insuficiente para garantir uma boa colheita das lavouras de milho e feijão.
Nos municípios de Poço Verde e Porto da Folha, os integrantes dos grupos são
escolhidos pelos próprios agricultores, sem a interferência da associação ou do banco
na escolha dos nomes. Assim, ocorre desde logo uma seleção prévia dos integrantes,
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Até porque são municípios em que o desenvolvimento das forças produtivas locais é
muito baixo, como insuficiente também é o nível de investimento na economia local,
tolhendo as oportunidade de geração de emprego e renda para a maioria dos seus
moradores, tanto da sede municipal como dos povoados rurais. Como resultado,
tem-se uma dinâmica econômica quase estagnada, calcada no mais das vezes em
atividades agrícolas tradicionais, voltadas para a subsistência dos que a praticam,
ou a alternativa de emprego no Poder Público municipal, com baixa remuneração e
sob forma precária.
Nos municípios de Porto da Folha e Simão Dias, o quadro não é muito diferente dos
municípios acima retratados. Também aí, o fundo de aval tem garantido o acesso a
crédito de custeio para as lavouras de milho e feijão de centenas de agricultores
familiares que, na ausência desse tipo de instrumento, não teriam como continuar a
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produzir. A área máxima financiada obedece aos limites estabelecidos pelo PRONAF
tipo C, que é de 4 hectares por agricultor.
Pelo que se apurou até agora, os empréstimos para atividades de custeio liberados
pelo Banco do Brasil e pelo Banco do Nordeste, respectivamente, têm variado entre
R$ 500,00 e R$ 1.500,00. Os principais beneficiários têm sido pequenos
proprietários, arrendatários e ocupantes, com renda anual do estabelecimento entre
R$ 1.500,00 e R$ 1.800,00 reais.
A despeito dos bons resultados que o financiamento garantido pelos Fundos de Aval
tem trazido para os agricultores, alguns técnicos manifestaram preocupação quanto
ao comportamento de alguns prefeitos, que vêm tentando usar os fundos como
“moeda política”, principalmente em véspera de períodos eleitorais. Segundo um dos
técnicos entrevistados, muitos prefeitos correram para o Banco, no período pré-
eleitoral de 2000, tentando criar de afogadilho o Fundo de Aval no seu município,
assumindo a responsabilidade como um dos avalistas aos tomadores de crédito do
fundo, numa atitude meramente eleitoreira.
Também foi mencionado o fato de que prefeitos de municípios que já vêm operando
com base no fundo de aval têm procurado interferir na concessão do crédito,
privilegiando apenas aqueles que são seus eleitores. Ou ainda, que pessoas que
ficaram inadimplentes continuem a receber financiamentos. O município de Poço
Verde, pioneiro na criação desse tipo de instrumento no estado de Sergipe, tem sido
um dos casos em que o prefeito supostamente tem agido dessa forma.
Por outro lado, é preciso observar como práticas populares são apropriadas pelos
agentes financeiros para delas tirarem proveito, no caso, financiando os agricultores
familiares mas resguardando-se ao máximo dos riscos.
No caso dos Fundos de Aval, os bancos jogam sobre os ombros dos tomadores do
crédito a responsabilidade de evitar que haja inadimplência entre os integrantes dos
grupos. Além disso, a Associação a que pertencem, ao avalizar os empréstimos,
reforça essa medida, através da fiscalização constante de seus associados para o
cumprimento das obrigações assumidas perante o banco.
Finalmente, há que se ressaltar a preocupação com o futuro dos Fundos de Aval após
a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois no seu Artigo 35, essa lei diz
que “é vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação,
diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal
dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que
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[Notas]
Parte integrante da Pesquisa Fundo de Aval: alternativa de desenvolvimento local solidário no estado de
Sergipe, financiada pela Rede Unitrabalho, e que conta com o apoio da Federação dos Trabalhadores da
Agricultura de Sergipe – FETASE.
2
Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ.
3
Sobre isto, veja-se: PUTNAM (1996), REIS (1995), COX (1998), FROHELICH (1999), GUERRERO (1996).
4
Os trabalhos mais recentes do Prof. Ricardo Abramovay, da USP, entre eles, “Reforma agrária : política
social ou alternativa de desenvolvimento”, publicado em Tempo e Presença, em 1997, mostra como as
iniciativas locais vêm se expandindo rapidamente no meio rural brasileiro, principalmente entre os
pequenos agricultores.
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O PRONAF é um programa especial criado pelo Governo Federal em 1996, com a finalidade de propiciar
o apoio financeiro às atividades agropecuárias e não agropecuárias de agricultores familiares, inclusive os
egressos do Programa Nacional de Reforma Agrária, tanto de custeio como de investimento. Foi
estruturado de modo a atender diferentes grupos de agricultores familiares, a partir das linhas de crédito
dirigidas para os Grupos A, B, C e D, que vão desde os assentados pelo Programa Nacional de Reforma
Agrária, Banco da Terra ou Cédula Rural, passando pelos colonos de projetos de assentamentos estaduais
e chegando até aos pescadores artesanais, extrativistas e aquicultores
No período de 1996 a 2000, as operações de crédito rural (custeio e investimento) do PRONAF
em Sergipe alcançaram o total de 63.783 planos contratados, no valor de R$ 66.262.836, beneficiando
64.130 agricultores familiares de todo o estado, com pouco mais de um mil reais, em média, por
produtor. Nesses 5 anos, a tendência observada foi de um crescimento contínuo tanto do número de
agricultores familiares que tiveram acesso ao crédito, como dos valores liberados e dos planos
contratados. De 4 mil beneficiários em 1996, passou-se para 17.810 em 2000, correspondendo a um
aumento de 4,5 vezes no período considerado.
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TABELA 1
SERGIPE - MUNICÍPIOS COM FUNDOS DE AVAL EM PARCERIA COM O BANCO DO
BRASIL E OPERAÇÕES REALIZADAS EM 2000.
MUNICÍPIO NO. DE OPERAÇÕES EM 2000 TIPO DE FUNDO DE AVAL
Poço Verde 1.500 BB e Prefeitura
Riachão do Dantas 750 BB, Prefeitura e Associação
Lagarto 3.500 BB, Prefeitura e Associação
Simão Dias 2.500 BB e Associação
Salgado 250 BB e Associação
Estância 30 BB, Prefeitura e Associação
Porto da Folha 1.200 BB, Prefeitura e Associação
Nossa Senhora da 320 BB e Associação
Glória
Itabaianinha 470 BB e Associação
Campo do Brito 75 BB e Associação
Total (10 ) 10.595 -
Fonte: Superintendência do Banco do Brasil de Sergipe, abril de 2001
TABELA 2
SERGIPE - MUNICÍPIOS COM FUNDOS DE AVAL EM PARCERIA COM O BANCO DO
NORDESTE, VALOR DAS APLICAÇÕES E NÚMERO DE OPERAÇÕES - 2000
Referências Bibliográficas
GUERRERO, Maria Del Mar Gimenéz. La Red Social como Elemento Clave del
Desarollo Rural : El Caso de los Programas LEADER de Castillo y Leon. Lisboa: SPER –
Sociedade Portuguesa de Estudos Rurais, 1995.