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JOEL SAUERESSIG

JULIANE RIGO SCHNEIDER

MESTRADO EM DIREITO

PROCESSO E CONSTITUIÇÃO

Coisa julgada: uma questão de princípio.


URI – Universidade Regional Integrada.
DEJ – Departamento de Estudos Jurídicos

Santo Ângelo(RS)
2007
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DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome da Universidade: Universidade Regional Integrada - URI

Nome da disciplina: Processo e Constituição

Curso: Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado em Direito

Autores do trabalho: Joel Saueressig

Juliane Rigo Schneider

Título: Coisa julgada: uma questão de princípio.

Local e data de apresentação do Artigo: Santo Ângelo, RS, 15 de fevereiro de 2007.


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INTRODUÇÃO

O trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa na disciplina de Processo e


Constituição, ministrada pelo Professor Doutor Adalberto Narciso Hommerding, no
Programa de Pós-Graduação “strictu sensu” – Mestrado em Direito, da Universidade
Regional Integrada – URI, e constitui um dos requisitos para aprovação na disciplina

O presente estudo versará sobre a coisa julgada relativa, sua conceituação,


princípios e um diálogo sobre a relativização. A obra está divida em três partes.

Inicia com a análise do conceito da coisa julgada, no aspecto formal e material,


seus efeitos enquanto instituto jurídico-político que tem como escopo conferir ao
pronunciamento judicial autoridade, no sentido de impor aos litigantes o cumprimento
do que nele tenha ficado determinado.

Ao depois, no capítulo seguinte, a abordagem passa a ser sobre os princípios


constitucionais da coisa julgada, por ser a mesma considerada na temática um princípio
supremo, fazendo uma adaptação entre a processualística e a Constituição.

Em passo seguinte, na terceira parte do trabalho, se fará uma análise crítica do


instituto, buscando um entrosamento da ciência jurídica com outros campos do
conhecimento acadêmico, empregando a hermenêutica como ferramenta para se
investigar novas formas de solução de conflitos.
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1 CONCEITUAÇÃO PROCESSUAL

Inicialmente, antes de adentrar na sua principiologia jurídica, se faz necessário


destacar que a coisa julgada é “uma qualidade que imuniza os efeitos substanciais da
sentença, a bem da segurança da tutela jurisdicional”. Ela delimita o objeto da
controvérsia e assegura, aparentemente, a estabilidade de seus efeitos, frustrando a
possibilidade de novos questionamentos após o trânsito em julgado.

A proteção constitucional e o instituto da coisa julgada dispõem de legitimidade


política e social de continência, que transpõem garantia jurídica às relações
alcançadas pelos efeitos da sentença. Há ainda as questões da celeridade e da
ponderação, que predispõe a fidelidade das conexões legais e a elaboração dos
resultados.

No processo civil, como em outras áreas do direito, há a necessidade de rapidez


e efetividade na resolução dos conflitos. Todavia, se deve oferecer às partes litigantes
todas as formas de defesa de seus direitos, buscando resultados adequados e
produtivos, pleiteando do julgador total discernimento e instrução para o julgamento da
causa. A composição desses requisitos prevê que “o processo deve produzir
resultados estáveis tão logo quanto possível, sem que com isso impeça ou prejudique
a justiça dos efeitos que ele produzirá”.

Esses objetivos são alcançados quando todas as partes do processo cumprirem


suas responsabilidades, como cumprimento de prazos preclusivos, por exemplo.
Dessa preclusão também faz parte a sentença, onde a coisa julgada material começa
a refletir seus efeitos a partir do momento que não há mais oportunidade de
interposição de recurso. Esses fatores estão relacionados ao contraditório, sendo
garantias constitucionais de igualdade, da ampla defesa e do processo legal.
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Um dos objetivos solicitados pela ordem jurídica é o da segurança nas relações


jurídicas, que investe influente fator de harmonia e satisfação dos cidadãos. O
resultado do litígio proferido por órgão judicial, traz para as partes o fim de uma
discussão que não se atingiu sem a interferência do Estado. As decisões judiciárias
segregam-se da motivação e do grau de comunicação dos interessados, e resguardam
contra novos juízos (Niklas Luhmann, Tércio Sampaio Ferraz Jr.), chegando a um
ponto de firmeza que se qualifica como estabilidade e que varia de grau conforme o
caso.

A doutrina conceitua a coisa julgada como imutabilidade da sentença e de seus


efeitos, com a vigorosa negação de que ela seja mais um dos efeitos da sentença
(Liebman).

O instituto da coisa julgada é subdivida em duas formas, quais sejam, formal e


material. Santos (1976, p. 459) mostra que a diferença é meramente ilusória:

Pode-se dizer, com LIEBMAN, que a coisa julgada formal e a coisa julgada
material são degraus do mesmo fenômeno. Proferida a sentença e preclusos
os prazos para recursos, a sentença se torna imutável (primeiro degrau – coisa
julgada formal); e, em conseqüência se tornam imutáveis os seus efeitos
(segundo degrau – coisa julgada material).

A coisa julgada material é a inalterabilidade dos efeitos substanciais da sentença


de mérito. Quando a sentença julgar o mérito da questão, e essa decisão transitar em
julgado, cria-se entre as partes uma considerável segurança de direitos e deveres que
revestem àquela decisão. É essa segurança que ultrapassa o processo, onde nada
além do que foi decidido naquela sentença pode ser modificado pelas partes, nem por
outro juiz, nem pelo próprio legislador.

Isso não quer dizer que a sentença se torne imune, mas sim os efeitos que a
decisão transitada em julgado atinge as partes envolvidas e suas vinculações. A
Constituição assegura (art. 5º, inc. XXXVI) e a lei processual disciplina (arts. 467 ss), a
função social da coisa julgada, seu significado político-institucional de assegurar a
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firmeza das disposições jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma
vez finalizada, considera-se estável para as partes litigantes.

As regras e preceitos das demandas determinam o procedimento que deve ser


utilizado e a maneira como a coisa julgada é constituída, suas ferramentas de
segurança e firmeza das relações formadas pela decisão, mas não vão além disso.
Neste sentido meramente processual, Hellwig destaca que a coisa julgada material é
“direito do vencedor a obter dos órgãos jurisdicionais a observância do que tiver sido
julgado”.

Entretanto, quando se deixa os efeitos da sentença de lado e se analisa a


decisão em si, sua invariabilidade é definida como coisa julgada formal. No caso de
não caber mais qualquer tipo de recurso, ela opera sua eficácia consistente em pôr
termo ao litígio (art. 162, § 1o) e, a partir desse momento, nenhum outro julgador ou
tribunal poderá incluir naquele processo outro procedimento que altere a decisão
irrecorrível.

Os recursos estão previstos no art. 512 do Código de Processo Civil. Quando se


interpõe um recurso, a decisão recorrida pode ou não ser modificada, substituída ou
anulada, dependendo da decisão proferida em sede de segundo ou terceiro grau.
Então, a coisa julgada formal subsiste no momento em que não for mais possível a
oposição de recursos em todas as instâncias, e assim, não há mais possibilidade de
cassação da sentença. Ela recai em todos os tipos de decisões, de qualquer natureza,
visto que não se dirige aos efeitos substanciais da decisão, mas sim ao próprio
veredicto como procedimento processual.

Por conseguinte, a diferença da coisa julgada material e formal reside no fato de


que a material é a imunidade dos efeitos da sentença, enquanto que a coisa julgada
formal é o fator intrínseco ao processo e diz respeito à decisão como um ato
processual, protegida contra qualquer outra.
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A coisa julgada formal é, portanto, um fato processual extenso e de desmedida


intensidade, que é a preclusão - e daí ser ela classicamente chamada de præclusio
maxima. Toda preclusão é a derrogação de uma faculdade ou poder no processo; e a
coisa julgada formal, como preclusão qualificada que é, caracteriza-se como extinção
do poder de exigir novo julgamento quando a sentença já tiver passado em julgado. A
eficácia preclusiva da coisa julgada consiste na visão de Carnelutti (1956):

(...) na circunstância de se considerarem certas todas as questões, a partir de


determinado momento, como julgadas, embora não debatidas expressamente,
haja vista que eram pertinentes a causa e capazes de ensejar tanto o
acolhimento quanto à rejeição da pretensão deduzida.

Esses institutos, como a coisa julgada material, a formal e as preclusões em


geral são os institutos que visam a estabilidade das decisões, e conseqüentemente a
segurança das relações jurídicas. Esses valores não são absolutos no sistema jurídico,
e diante disso, não se pode falar em garantia de coisa julgada, pois se houvesse
expressa imutabilidade de todas decisões, poderíamos estar deixando de lado outros
valores que são essências para a convivência entre os seres humanos, que é o da
justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do
acesso à justiça (Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXV), que adentra na questão de
princípio.

Em relação à natureza jurídica da coisa julgada pode-se falar em diversas teorias


que a explica, como as Teorias da Ficção da Verdade, da Presunção da Verdade, da
Verdade Formal (a sentença não declara a existência ou não existência de um direito,
mas, antes, cria um novo direito, uma vontade formal), da Estabilidade do Ato, da
Extinção da Obrigação Jurisdicional, da Eficácia da Declaração, dentre outras.

Os limites subjetivos da Coisa Julgada abordam as partes que participam do


litígio. Os limites objetivos explanam o objeto da sentença, ou seja, aquilo que
sobrevêm em julgado.
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Nas partes alcançadas pela coisa julgada, somente os litigantes é que são
envolvidos pela decisão. Isso prevalece em relação aos direitos individuais ao qual a
aspiração é extraída em juízo, utilizando como ferramenta a legitimação ordinária, onde
somente aqueles que detêm o direito material é que têm o privilégio de invocar em
nome próprio a tutela desse direito.

Em sede de direitos individuais homogêneos e coletivos lato sensu, há de se


considerar relevantes diferenças.

Direito individual homogêneo é aquele que se conserva sendo direito individual,


entretanto tem como princípio uma condição fática comum. Citamos como exemplo a
ação indenizatória de direito do consumidor, onde determinado indivíduo requer o
ressarcimento por dano, que pode ser material ou moral, causado à sua pessoa.

Então, o seguimento dos limites subjetivos da Coisa Julgada em relação a essas


situações jurídicas, ensina Calamandrei:

O que leva se poder afirmar que – neste momento histórico – a coisa julgada
está diretamente relacionada ao direito afirmado, na medida em que, se este for
individual heterogêneo, àquela se limitará as partes; se o direito for individual
homogêneo nas relações de consumo, erga omnes, nos casos de procedência
(secundum eventum litis); se o direito for coletivo propriamente dito nas relações
de consumo, ultra partes; se for difuso, nas demanda públicas, populares e de
consumo, erga omnes. (1979)

E os limites objetivos da coisa julgada, também é oportuna a transcrição do


conceito do mesmo autor:

Assim, adequado concluir que se alguma coisa a todo questionamento escapa


e adquire a condição de indiscutível – não podendo ser objeto de controvérsia
futura e, juridicamente relevante, nem mesmo objeto de transação –, esse algo
é interno à sentença; resultando, pois, nesta medida, à autoridade da coisa
julgada circunscrita à norma concreta editada pela decisão, o que é efetivado
através da nova situação jurídica declarada, definindo-se a extensão desta
como os limites objetivos da coisa julgada material.
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A partir dessas idéias é que surge a discussão acerca da relativização da coisa


julgada material, de modo que, embora prevista constitucionalmente como um direito
fundamental, art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Este imperativo constitucional não pode ser entendido de modo absoluto, ou


confrontado com o acesso à ordem jurídica justa, art. 5º, inciso XXXV, da CF/88: “XXXV
- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

No Código Processual Civil (CPC) a coisa julgada ganha tratamento especial,


superando a legislação contida no art. 6º, parágrafo 3º da LICC: “chama-se coisa
julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Assim, se deu ênfase à materialidade da coisa julgada, no art. 467, adicionando-


se o “imutável” e o “indiscutível”. Desta forma está condicionada a coisa julgada a um
ato jurídico perfeito, ou seja: a lei não pode desfazê-la, torná-la ineficaz ou anulá-la.
Apenas tem o condão de rescindi-la, conforme o disposto no art. 485 do CPC (ação
rescisória).

2 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DO INSTITUTO

Na análise da relativização da coisa julgada, resta configurada a existência do


instituto como um princípio adequado ao ordenamento jurídico através de normas e
regras jurídicas.

Um transporte desta leitura para a praxis jurídica faz emergir a relação entre
Constituição – por ser a coisa julgada um princípio constitucional – e o processo – por
igualmente constituir o instituto um elemento normativo.

Este relacionamento entre Constituição e processo restou mais evidente


quando se deixou de crer em um Direito de origem divina para uma abordagem
racionalista. Adotou-se, então, a Constituição como o “topo” do ordenamento, criando
uma subordinação a ela.
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Esta fase inicial de adaptação e relacionamento entre Constituição e processo,


já pode ser considerada primitiva, embora ainda haja esforços neste sentido para
melhor entrosar o ordenamento jurídico com uma principiologia constitucional. Silva
(2005, p. 281) coloca:

Todavia, inexplorada permanece a via que pode levar a uma completa


reformulação do modo de conceber o processo, ao se tentar estruturá-lo de
acordo com os imperativos de um Estado de Direito social e democrático,
como atualmente se configuram as sociedades políticas ditas mais
desenvolvidas, já que ele se forma modernamente sob o influxo das ideologias
de cunho liberal, a partir do século XIX, passando depois pela influência do
autoritarismo predominante no segundo quartel do século XX.

Não se trata de conceber uma nova ordem jurídica, mas apenas traduzir para
dentro do Direito as conseqüências de uma evolução de nossa sociedade, se partindo
das transformações sociais que ocorreram ao longo dos tempos.

Nesta esteira, não há como conceber contrariedade à Constituição dentro do


direito processual. Em outras palavras, não há como relativizar a coisa julgada por ser a
mesma um dogma constitucional.

É a Constituição que define qual o “caráter” de uma lei. E esta mesma lei na
Constituição se molda. Assim como as decisões que insurgem dela. Kelsen (2000, p.
228) traz considerações a respeito:

Como a norma fundamental é o fundamento de validade de todas as normas


pertencentes a uma e mesma ordem jurídica, ela constitui a unidade na
pluralidade destas normas. Esta unidade também se exprime na circunstância
de uma ordem jurídica poder ser descrita em proposições jurídicas que se não
contradizem.

Com isso, se faz necessária uma releitura de institutos de ordem processual


para melhor se adaptarem à ordem constitucional. Kelsen (2000, p. 247) reforça esta
visão:

Se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a


Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. A
Constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer: com esta
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palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das quais


é regulada a produção das normas jurídicas gerais.

Pode ser uma definição simplista da aplicabilidade da ordem constitucional à


ordem processual, mas que, no entanto reforça a natureza subordinadora da última à
primeira.

O valor de um princípio para o Direito está no centro formador da norma


jurídica. É a raiz de sua evolução e é ele quem responde à própria norma quando esta
se confunde com seu núcleo formador. Não importa se a norma tenha a tendência de
abarcar um ou outro interesse político para ser aplicada ou sofra uma deformidade
através dos tempos. No seu conjunto estará sempre imutável e presente um princípio
criador daquela norma. Confirma esta noção Tavares (2001, p. 110):

[...] não menos importante, tem-se que os princípios caracterizam-se por serem
a base do sistema jurídico, os seus fundamentos últimos. Neste sentido é que
se compreende a sua natureza normogenética, ou seja, o fato de serem
fundamento de regras, constituindo a razão de ser, o motivo determinante da
existência das regras em geral.

Com ênfase o autor salienta a importância que há de ser dada aos princípios
dentro do ordenamento jurídico. A escalonagem de normas em um ordenamento está
seguramente sustentada por este alicerce principiológico fundamental para a existência
e a eficácia das normas. É o oxigênio garantidor da validade normativa.

Os axiomas principiológicos, tão negados por tribunais em favorecimento de


um positivismo exacerbado, mas que, no entanto necessitam ser revigorados, ganham
cada vez mais adeptos em todas as esferas de apreciação. Bonavides (1999, p. 256)
continua:
Os princípios têm, desse modo, contribuído soberanamente para a formação
de uma terceira posição doutrinária verdadeiramente propedêutica a uma
teoria dos princípios, que intenta estorvar no campo constitucional as
ressurreições jusnaturalistas e, ao mesmo passo, suprimir o acanhamento, a
estreiteza e as insuficiências do positivismo legal ou estadualista, deixando à
retaguarda velhas correntes do pensamento jurídico, impotentes para dilucidar
a positividade do Direito em todas as suas dimensões de valor e em todos os
seus graus de eficácia.
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Não há como negar a existência de um trauma jurídico causado por inúmeros


julgados que, indiscriminadamente, ignoravam o valor dos princípios e faziam contrastar
textos de lei extravagante e códigos produzidos e reformados às centenas sempre com
o objetivo de atender demandas jurídicas que nem sempre andavam pacificamente com
suas bases formadoras.

Inegavelmente a coisa julgada era afetada pela produção do Direito. A validade


de uma lei - entenda-se aí norma ou regra - pode ser útil para o mundo jurídico hoje. Se
no decorrer do tempo tal norma perder espaço neste óbice vingará outra e assim por
diante. Há uma violência ao princípio da coisa julgada.

A questão jurisprudencial ganha, assim, um perfil investigatório para o jurista.


Não podendo o mesmo se basear em princípios para se adequar perante o
ordenamento, apóia-se nas normas que, como já mencionado, podem estar viciadas. O
foco da resolução jurídica é deslocado do plano dos valores para a aplicabilidade de
normas nem sempre as mais cotadas para apreciar uma causa.

Os valores estão implícitos na questão dos princípios tal qual a coisa julgada é
abordada nesta esteira. Radbruch (1974, p. 99) coloca:

Por conseguinte, há que reconhecer que tanto a conduta exterior é susceptível


de ser objeto de valorações morais, como a interior ser objeto de valorações
jurídicas. Não há, pode dizer-se, um único domínio da conduta humana, quer
interior, quer exterior, que não seja susceptível de ser ao mesmo tempo objeto
de apreciações morais e jurídicas.

São as normas e imperativos destas normas que se dividem para se atingir o


substrato da legalidade. Radbruch (1974, p. 105-106) continua:

Podemos compreender melhor esta distinção, se tomarmos em consideração


qualquer preceito em que uma norma aparece associada a um imperativo, ou
em que um certo conteúdo normativo reveste uma forma imperativa (3). Por
exemplo este: “cumpre o teu dever!” Se separarmos neste preceito o seu
sentido do próprio preceito que lhe serve de suporte – isto é, o que nele se
acha expresso, abstraindo da própria expressão em si mesma – obteremos,
por um lado, um “ser” (o suporte, a expressão, o preceito em si), como alguma
coisa que se acha delimitada no tempo e no espaço, causalmente determinada
e determinante – como seja, por exemplo, uma série de sons que se ouvem
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agora, aqui, produzidos pelo processo psico-fisiológico de quem os emitiu e


que dão origem a um processo idêntico naquele que os escuta.

A carga axiológica de uma afirmação nem sempre resulta em um entendimento


correto daquilo que se quis pronunciar. Isto resulta em uma fuga do contexto espacial
temporal a que está submetida determinada afirmação.

A coisa julgada é um imperativo porque existe e faz parte de um sistema


processual previamente elaborado. Por outro lado, também representa um esforço de
normatização, pois ganha validade e eficácia independente de seu conteúdo moral ou
não. Ou seja, ela apenas passa a valer a partir de determinado momento processual,
pois a sua origem é principiológica.

A discussão a respeito da coisa julgada e seu valor dentro da normatização de


um ordenamento jurídico trazem à tona o caso da colisão de princípios.

E é quanto a esta não admissibilidade da colisão e deterioração de princípios


que há de ser dado um norte definitivo à coisa julgada, como bem mostra Costa
(Internet):

A partir dessas idéias é que surge a discussão acerca da relativização da coisa


julgada material, de modo que, embora prevista constitucionalmente como um
direito fundamental (art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal), não pode
ser entendida de modo absoluto, notadamente quando em confronto com o
princípio do acesso à ordem jurídica justa (art. 5.º, inciso XXXV, da
Constituição Federal), devendo haver uma otimização de tais princípios.

Mais uma vez os princípios devem se resolver com a devida aplicabilidade de


um e outro e não com a eliminação de um pelo outro, como acontece com leis. Os
princípios constitucionais, tendo já demonstrada sua importância e relevância para o
Direito, são um rol de valores previsto na Constituição, não exaustivo tão pouco
taxativo. A definição de Canotilho (apud Silva, 2004, p. 92-93) parece ser a mais
adequada, quais sejam “princípios políticos constitucionais” e “princípios jurídico-
constitucionais”. Os primeiros enquadram-se como semelhantes a normas, ou seja,
derivam decisões fundamentadas em seu conteúdo, como se o princípio transmutara-se
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em norma. Já a segunda definição é referente à ordem jurídica. Enquadram-se neste


aspecto princípios que regem esta ordem jurídica, como o da certeza e da segurança
das relações jurídicas. Silva (Internet) traz considerações a respeito:

A segurança jurídica pode ser compreendida sob dois diferentes aspectos. Em


seu sentido objetivo, a segurança jurídica se manifesta como uma exigência de
regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico, através de suas normas
e instituições. Regularidade estrutural enquanto garantia de disposição e
formulação regular das normas e instituições integrantes de um sistema
jurídico; regularidade funcional no que tange ao cumprimento do direito por
todos os seus destinatários e a devida atuação dos órgãos encarregados de
sua aplicação.

Ou seja, para o autor os princípios em análise e como indicativos da proteção


ao instituto da coisa julgada, também se aplicam aos procedimentos e regimentos por
onde se concretizam as relações jurídicas. Estes princípios estariam dentro do plano
processual, mas não somente ali, atingindo o sistema como um todo.
Muito embora em doutrina tais princípios apareçam em apartado, desta feita
conciliam-se, pois conduzem com singularidade e homogeneidade o tema central da
análise da coisa julgada, como bem expressa Ferreira (1989, p. 150):

A coisa julgada é outra garantia constitucional prevista para manter a


segurança e certeza das relações jurídicas. O nome procede de res judicata.
No direito norte-americano a Emenda V estabelece que ‘ninguém será julgado
duas vezes pela mesma ofensa’. Determinados juristas denominam tal remédio
como proibição de duplo risco (double jeopardy).

O princípio da coisa julgada está consagrado em nossa Constituição e como


tal, consagrado e disposto em outras constituições. A certeza e a segurança alimentam
a expectativa do processo.

Para se ter consistência nas relações jurídicas, há que se postar o espelho da


democracia frente aos atos decisórios. A segurança das relações jurídicas passou a ser
ponto de importância fundamental para que a confiança no sistema e suas ramificações
pudessem ser transmitidas sem interrupções que violassem a ordem de direito pré-
estabelecida.
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Obviamente que estes princípios também estão intimamente ligados à


sociedade e ao desejo de se ver concretizada uma democracia de iguais, respeitados
os direitos de cada um e a confiança na Justiça. Assim como em qualquer braço do
ente público é da natureza de que o poder jurisdicional possa prestar o melhor “serviço”
possível para agradar os cidadãos. Naturalmente que estes ideais de segurança vão
muito além. Cretella Júnior (1989, p. 461) complementa:

A autoridade da coisa julgada não provém, como pensam alguns, do quase-


contrato judiciário, oriundo da litiscontestação, mas é elemento indispensável
de ordem pública e tem o mesmo fundamento que a autoridade da lei e do
governo. A eficácia e utilidade da função jurisdicional do Estado e a segurança
das relações jurídicas exigem que esse julgamento se torne inalterável e
obrigatório; e o Estado atente a tal exigência, mediante o instituto da coisa
julgada.

Incluindo o óbice das relações jurídicas propriamente ditas é preciso encarar a


coisa julgada, tema introduzido pelas conotações principiológicas, como uma resposta
às pretensões dos litigantes em processo judicial e também como elemento garantidor
de uma certeza e cumprimento do direito antes em via de expectativa. E a coisa julgada
foi o comando emitido pela Lei Maior para assegurar a eficácia de nossos órgãos
julgadores. O que se busca, então, a partir de uma definição principiológica da coisa
julgada é a justificativa para sua existência. Couture (1999, p. 327) acrescenta:

O problema da natureza da coisa julgada não consiste em investigar, como


habitualmente se faz, se se trata de uma presunção de verdade, ou de uma
ficção jurídica, ou de uma verdade formal, etc. Todas essas interpretações, que
deram origem a uma cópia de doutrina verdadeiramente extraordinária, não
procuram explicar a essência da coisa julgada, mas encontrar a sua
justificativa. Quando se diz que a coisa julgada é uma presunção de verdade,
dá-se uma razão de caráter social, político ou pelo menos técnico, que explica
o argumento de que teve de se valer o sistema de direito para tornar
indiscutíveis as sentenças executórias. Entretanto, isto se refere ao ‘modo de
funcionamento’ da coisa julgada; não esclarece porém, a sua natureza, não
explica o que seja, em que consiste o fenômeno.

Trata-se de considerar a coisa julgada como um elemento independente


conceitualmente do processo. Não essencialmente como um fenômeno como o
mencionado, mas como um princípio erigido à dogma constitucional, comparado às
bases formadoras do núcleo normativo do ordenamento jurídico.
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Esta apreciação incute à coisa julgada uma carga fenomenológica de


independência quanto ao seu estudo, e de posicionamento no topo da estrutura liberal
do Direito tal qual atualmente é concebido.

Por este viés fica a indagação de como relativizar a coisa julgada se esta é
considerada um princípio constitucional antes mesmo de ser um instituto processual.

3 REFLEXÃO CRÍTICA

O instituto da coisa julgada no mundo jurídico em face do tema de sua não


imutabilidade reflete a complexidade da Modernidade, ou seja, de como se dão as
relações sociais e a estrutura da sociedade de hoje. Esta ampliação da temática
estritamente processual para um contexto mais abrangente convoca diferentes leituras.
Baptista da Silva (2003, p. 364) traz considerações:

Não deixa, porém, de ser curioso que o ataque à coisa julgada provenha da
própria modernidade, levando em conta que a instituição fora concebida para
atender à exigência primordial de segurança jurídica, condição básica para o
desenvolvimento econômico, aspiração também moderna. A coisa julgada,
exageradamente abrangente, foi a âncora jurídica que possibilitou a construção
do ‘mundo industrial’. Afinal, cabe perguntar, estaremos ainda vivendo a fase
terminal da modernidade; ou, tendo-a ultrapassado, estaremos no pico de uma
crise paradigmática, sem saber para onde vamos.

Confirma o autor os ideais inicialmente estabelecidos de certeza e segurança


jurídicas pretendidos pelo instituto. Entretanto, há vírgulas na questão em tela que
rechaçam certezas sobre que estrutura está construído o pensamento jurídico atual ou,
no mínimo, sobre que caminhos se deve tomar. O mesmo Baptista da Silva (2003, p.
363-364) esclarece esta idéia:

Certamente ainda somos ‘modernos’, mas participamos do que Bauman, um


dos mais instigantes sociólogos contemporâneos, denomina ‘modernidade
líquida’, contrapondo-a à ‘primeira modernidade’. Enquanto a que fora objeto
da observação de Marx destruía todos os sólidos, porém para recompô-los,
criando novas verdades, com igual pretensão à perenidade, a ‘modernidade
líquida’ compraz-se em tudo desfazer, ‘desmanchar’ o que fora a novidade da
véspera, sem que nada permanente seja construído. Tudo o que nossa
‘modernidade líquida’ é capaz de construir nasce com o selo da
provisoriedade, para ser logo demolido.
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Por óbvio que sob o prisma da análise do direito processual e suas tendências,
como a que se pretende dirimir, não se pode adequar ou equacionar relações jurídicas
invocando conceitos sociológicos de forma isolada. Cabe justificar o que está em tela,
entrelaçando idéias. Ainda, nesta visão de paradigmas, Azambuja (1994, p. 77) coloca:

Albert Einstein, ao dizer da relatividade, pelo ponto de vista e a conotação de


seu observador, evidencia que nada é exato, visto que depende da descrição
de um observador que sempre percebe o mundo pelos seus valores, de acordo
com os seus parâmetros, parcializando o até então dito imutável e sem
qualquer elemento subjetivo.

Além destas comparações de cunho científico que explanam a inexatidão


quanto à imutabilidade do instituto, também se deve atentar para a questão da
hermenêutica do direito quando se analisa a coisa julgada. Estas questões de
interpretação se alocam no diploma constitucional pátrio, assim como o próprio instituto.

A contínua caminhada junto aos preceitos constitucionais se faz necessária,


pois para se compreender o status quo da coisa julgada se faz mais do que necessário
a compreensão de uma contemporaneidade dos institutos de direito processual.

Na leitura do direito contemporâneo está cada vez mais pacífica a aceitação de


um entrosamento da ciência jurídica com outros campos do conhecimento acadêmico.
Conseqüentemente que a análise perspicaz dos elementos de composição de cada
ciência explica-se concomitantemente. Santos (2004, p. 19) reforça esta realidade:

É ingenuidade acreditar que os conceitos e seus alcances são imutáveis, não


há, nem nas ciências exatas verdade absoluta. A posição do homem no mundo
é de mero observador em busca de soluções às dificuldades que a sua própria
existência cria no dia a dia. A verdade está na reflexão prática, nas soluções
dos problemas que satisfaçam a coletividade. Os subordinados, alvo das
normas, devem ter conhecimento das mesmas e as soluções devem ser
simples. O direito não deve vir para dificultar, criar infindáveis nomenclaturas
para o mesmo fenômeno, inúmeras obras de palavreado diverso sobre o
mesmo assunto – o operador do direito não é competidor, é solucionador, para
facilitar a vida daqueles que são o substrato de sua existência. Essa é a função
do jurista, quase que um filósofo onde o substrato é o social.

Estão ligadas estas idéias à preocupação do rumo que o processo judicial


possa tomar. Diante de tantas ordens normativas a ser seguidas, os comprometimentos
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maiores dos intérpretes da lei e dos seus criadores está no pensar, no solucionar. Estes
verbetes são os pseudônimos da norma a serem respeitados. A solução racional de um
litígio é a verdadeira interpretação do direito. Cabe ao operador do direito assumir a
função de observador.

A coisa julgada tida como de interpretação relativa aparece para fazer repensar
os trajetos da solução dos conflitos.

Um caso de antinomia normativa há a geração de contrariedades do caso


julgado que não se solucionam de prontidão. Este embate gera ranhuras na estrutura
do ordenamento, uma espécie de anomalia decisória, caso não verificado quando da
colisão dos princípios que, de outra resolução, interagem e não geram
incompatibilidades, se dirimindo. Bonavides (1999, p. 251) explica:

Mas onde a distinção entre regras e princípios desponta com mais nitidez, no
dizer de Alexy, é ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras.
Comum a colisões e conflitos é que duas normas, cada qual aplicada de per si,
conduzem a resultados entre si incompatíveis, a saber, a dois juízos concretos
e contraditórios de dever-ser jurídico [...].’Um conflito entre regras somente
pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for
introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula
(ungültig)’. [...] Com a colisão de princípios tudo se passa de modo
inteiramente distinto, conforme adverte Alexy. A colisão ocorre, p. ex., se algo
é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos
princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se
abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se
introduza.

O princípio reflete toda a sua importância até mesmo no momento de apontar


desdobramentos para os conflitos entre si. Não pode um princípio correr o risco de se
ver deteriorado e prejudicado, devido à análise da sua carga axiológica em
contrapartida aos axiomas totais postos frente a frente. Não é a questão da validade
que está em debate para sanar a incerteza jurídica de qual princípio preponderará, mas
sim o próprio princípio.
19

Entretanto, quando afrontados, exigem, de plano, uma solução. Pois em se


tratando de violação de princípios há de ser lançada uma imediata resolução para esta
violação, que se não for sanada desestabilizará o sistema, como um todo.

Uma pequena noção dessa idéia pode ser visualizada com um apontamento de
direito comparado.

No direito processual brasileiro que segue a esteira romano-germânica, a


autoridade da coisa julgada, que é formada por princípios, é tida, em tese, como
suprema demais se comparada ao direito americano. Mary Kay Kane (apud Dinamarco,
2004, p. 237), traz uma breve noção do instituto na América do Norte:

(...) ‘há circunstâncias em que, embora presentes os requisitos para a


aplicação da coisa julgada, tal preclusão não ocorre. Essas situações ocorrem
quando as razões de ordem judicial alimentadas pela coisa julgada são
superadas por outras razões de ordem pública subjacentes à relação jurídica
que estiver em discussão’.

Em linhas mestras, se pode afirmar que qualquer decisão possa ser afastada
pela jurisdição daquele país se julgada violadora aos princípios máximos.

O fato de a ordem pública ser fator motivador de decisões judiciais se estende


a textos de lei, diferentemente do clamor público, que sugere, mesmo entre os
praticantes da ciência jurídica, outra conotação, de cunho mais radical. O que acontece,
na realidade, são decisões que passam em julgado valorizando e legitimando a ordem
constitucional americana.

Mas estas considerações de direito comparado colocando na balança o


instituto da coisa julgada não são inéditas quando se trata do tema. Santos (2004, p.
24-25) ensina:

A sentença como premissa básica do estudo foi aos poucos assumindo outro
colorido. A influência da sentença como ato declarativo de um direito
subordinante e subordinado acompanhou os primeiros passos no surgimento de
um conceito de direito processual. No século XVIII, Montesquieu chega a
20

afirmar que os juízes não são mais que os inanimados, a boca que pronuncia a
palavra da lei.

Obviamente não se trata de diminuir o representante do Estado na função


jurisdicional, o magistrado, até porque ele é apenas um dos componentes da relação
processual. Ou seja, a sentença que faz coisa julgada representa uma unificação de
fatores adstritos ao direito processual, que se complementam e representam a vontade
do todo. Logo, o instituto nunca deve ir contra esta organização de leis. Deve, tão só,
apontar a melhor solução para o litígio.

Nestas considerações trazem à tona o valor da sentença para o tema, em


oportuna lição de Couture (1999, p. 327):

Para encontrar a própria natureza da coisa julgada, o que se deve analisar é


coisa muito diversa. Cumpre explicar, essencialmente, se a coisa julgada é o
próprio direito substantivo que existia antes do processo, transformado em
indiscutível e suscetível de ser executado coativamente; ou se, pelo contrário, a
coisa julgada é um outro direito, independente do anterior, nascido em função
do processo e da sentença.

Quanto à natureza nuclear da sentença que proclama o mérito a coisa julgada


abarca todo um substrato da relação processual na sua origem. Quanto a sua existência
pós-sentença, que altera este substrato fazendo surgir algo novo, o instituto aparece
como mais um componente do direito que se construiu. Por aí já se percebe que a
imutabilidade não é tão sólida assim, como afirmado anteriormente, pois como
característica inafastável da coisa julgada está sujeita aos efeitos que a ela está.

Neste mesmo rumo, outro ponto que merece total atenção é o da correção
imediata de injustos. Nascimento (2003, p. 13) exemplifica:

A coisa julgada é intocável, tanto quanto os atos executivos e legislativos, se, na


sua essência, não desbordar do vínculo que deve estabelecer entre ela e o texto
constitucional, numa relação de compatibilidade para que possa revestir-se de
eficácia e, assim, existir sem que contra a mesma se oponha qualquer mácula
de nulidade. Essa conformação de constitucionalidade tem pertinência, na
medida em que não se pode descartar o controle do ato jurisdicional, sob pena
de perpetuação de injustiças.
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Neste entendimento, está lançado um alerta para a irresponsabilidade das


decisões que fazem coisa julgada e que perduram alimentando umas às outras. A
questão jurisprudencial não é o foco principal, mas sim a viciação dos pronunciamentos
judiciais.

O tratamento a ser dado ao instituto da coisa julgada não pode derivar de


decisões “injustas”. Isto comporta a idéia de que sentenças inexistentes não existem e
não podem ser atacadas como “sentença” - leia-se “ataque à coisa julgada”. Logo, não
se materializa a coisa julgada e esta tão pouco fica passível de rescindibilidade. Da
mesma forma as sentenças nulas de pleno direito (ipso iure) que se deslocam para o
plano da existência, entretanto contaminadas, sem eficácia, tendo de ser atacadas não
com o remédio da rescisória, mas através de outros mecanismos, sem limites
temporais.

Em uma interpretação cabalmente filosófica, a coisa julgada se torna invisível


dentro do sistema processual tal qual como este é concebido. Não se trata de
epistemologia jurídica, mas tão só de hermenêutica. Streck (2001, p. 87) aponta nesta
direção:

(...) o ‘discurso-tipo’ (Veron) da dogmática jurídica estabelece os limites do


sentido e o sentido dos limites do processo hermenêutico. Consequentemente,
estabelece-se um enorme hiato que separa os problemas sociais do conteúdo
dos textos jurídicos que definem/asseguram os direitos individuais e sociais.

Aqui fica nítida a distância entre o comando proveniente do Judiciário e a


realidade social na qual esta conjuntura se deve se estruturar.

Logo se busca o “topo da pirâmide” das normas jurídicas para dar interpretação
à fenomenologia decorrente do trinômio Direito-Estado-Sociedade. E este topo é a
Constituição e seus princípios.

A Constituição, imperativo normativo das sociedades legalmente


constituídas é o reflexo destas, e violá-la constitui formalmente um desrespeito à
22

mesma. Logo, se parte para uma interpretação de que a norma constitucional é um


agrupamento de condições que vão desde o plano econômico até o social. Esta
relevância na interpretação de tais normas fica evidente, como bem traz Hesse (1991,
p. 15):

A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em


conta essas condições. Há de ser, igualmente, contemplado o substrato
espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções
sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a
conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas.

A coisa julgada se situaria dentro das proposições normativas que refletem


toda a complexidade constitucional. Logo, a coisa julgada que confronta os princípios
norteadores do Direito na sua normogênese, vai de encontro com os parâmetros sociais
e morais.

Em tese, quando se detecta uma violação a princípios máximos, o que decorre


é a quebra da rigidez dos mecanismos absolutos que ditam determinadas regras. A
exceção formulada numa situação de inconstitucionalidade, por exemplo, atende à lógica
da não imutabilidade e da coerência acima da norma. Ou seja, se permite, teoricamente,
uma relativização.

Isto se poderia explicar pela eficácia natural da sentença invocada para fazer
valer. Santos (2004, p. 48) continua:

Dentro da definição de coisa julgada inconstitucional, novamente nos


deparamos com violações as quais carregam os vícios que se perpetuam pelo
tempo. Vícios transtemporais, os quais são frente a formação da coisa julgada o
que a ‘doutrina germânica chama de os limites dos limites (Schranken-
Schraraken), isto é, determinadas restrições à atividade limitadora no âmbito
dos direitos fundamentais, justamente com o objetivo de coibir eventual abuso
que pudesse levar ao seu esvaziamento ou até mesmo à sua supressão’. É uma
válvula de arrefecimento ao atrito que a coisa julgada, também direito
fundamental, poderia causar frente a uma injustiça fática estampada na
sentença. Aqui vemos a exclusão de uma regra frente a outra, o valor supremo
do lado da moeda que timbra a verdadeira segurança jurídica aos cidadãos,
resguardando-lhes a plenitude de seus direitos positivados ou não em toda a
seara do próprio Direito.
23

Inegavelmente quando se depara com uma situação de colisão de princípios em


determinado caso, ou seja, a contrariedade de um princípio constitucional estampado em
sentença irrecorrível, e assim ocorre por sua previsão expressa na Constituição, a
transformação das idéias que alimentam de forma sistêmica todo o Direito é inevitável.

Mais uma vez se faz necessário mencionar a importância dos princípios como
garantidores do funcionamento do ordenamento jurídico. São eles que dão força e
sustentáculo material para que as normas se acoplem em seus lugares.

A existência da chamada coisa julgada que viola os princípios máximos do


documento supremo de um povo, invocando uma possível relativização, encontra
posições doutrinárias que constituem revés ou levam a uma discussão mais acirrada a
respeito. Baptista da Silva (2003, p. 369) relembra a questão da Modernidade:

Pretender que a coisa julgada seja desconsiderada quando a sentença seja


‘injusta’, não é, seguramente, um ideal da modernidade. Teremos de descobrir-
lhe a origem remota no direito romano. Cabe, portanto, a indagação que propus
inicialmente: a modernidade que se sustenta na idéia de constante mudança,
conserva-se ‘moderna’ mesmo quando negando-se a si mesma, procure
retornar ao passado pré-moderno? Pois não creio que exagere ao referir tantos
e tão variados ataques aos ideais da modernidade, ocorridos no Direito
contemporâneo, como agora o empenho de ‘relativização’ da coisa julgada.

Nesta linha de raciocínio, há de se fazer considerações. As considerações à


coisa julgada que fere princípios estão relevantes, neste viés, como ataques ao instituto
com vistas ao seu desfazimento, tal qual em tempos pré-modernos. Daí a crítica
embasada no retrocesso do direito contemporâneo por considerar tais hipóteses
negando até mesmo uma escala de evolução.

O fato de a coisa julgada ser considerada inconstitucional e, portanto passível


de desconstituição, se torna não mais um problema processual-constitucional e sim um
reflexo da vida em sociedade. Marinoni (Internet) define:

Diante disso, a falta de critérios seguros e racionais para a ‘relativização’ da


coisa julgada material pode, na verdade, conduzir à sua ‘desconsideração’,
estabelecendo um estado de grande incerteza e injustiça. Essa
‘desconsideração’ geraria uma situação insustentável, como demonstra
Radbruch citando a seguinte passagem de Sócrates: ‘crês, porventura, que um
24

Estado possa subsistir e deixar de se afundar, se as sentenças proferidas nos


seus tribunais não tiverem valor algum e puderem ser invalidadas e tornadas
inúteis pelos indivíduos?’

Desta forma, questionando o papel do Estado como proporcionador e regulador


do Direito em uma sociedade frente à mutação permissiva da coisa julgada por afronta
principiológica ou por quebra de paradigmas normativos, se chega ao veredicto de que
o instituto exerce uma espécie de controle sob uma invisibilidade.

A processualística jurídica ou os respaldos sociológicos possuem razões


diferenciadas para exercitar a relativização da coisa julgada. No entanto, são meios de
se alcançar um melhor entendimento a respeito do instituto, pois dissociar elementos
sociais de elementos jurídicos, especialmente quando se tratam de princípios, não é
viável.

CONCLUSÃO

No presente estudo, a construção processual e normativa da coisa julgada,


bem como as teorias que rondam o instituto de direito em análise, merecem destaque.
Sua posição normativa, tanto constitucional quanto processual, também está
enfatizada, com a citação dos dispositivos referentes.

Em um segundo momento, vem à tona a questão especialmente


principiológica. A diferenciação da coisa julgada em meio a sua normogênese, ora
esculpida como um artigo codificado ora como um princípio delimita seu espaço de
alcance e atuação buscando uma sintonia entre a realidade normativa e a necessidade
implícita de estar atuando como princípio.

Estas considerações em torno da coisa julgada e sua discussão relativista


abarca uma série de fatores que vão desde o constitucionalismo do processo até
noções de direito comparado. Coexistindo com estas ponderações não se excluem os
necessários e, talvez, principais argumentos que rondam a temática. Estes argumentos,
25

apontados em sede de reflexão, debatem a influência da Modernidade na análise do


direito processual.

Em suma, sempre vinculando a temática aos princípios norteadores do direito e


com ênfase na Constituição, considerando a sociedade como um todo, o diálogo sobre
a coisa julgada e sua relativização permanece em aberto, necessitando de uma análise
de caso a caso para evitar constrangimentos normativos e injustiças sociais.

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