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Cena 1

O realizador quer fazer um filme e precisa de descobrir o produtor ideal. Para isso, vai a
um debate, num festival de cinema, denominado “Estados Gerais do Cinema
Português”, onde estão reunidos três produtores. O realizador pára, escuta, e olha
atentamente cada um dos intervenientes. O primeiro produtor, Dino, discorre
apaixonadamente sobre a importância de levar o espectador a sala: “O que interessa são
as pessoas e os números. As pessoas querem ver histórias divertidas e com substância”.
O segundo produtor, Preto, orgulha-se do seu historial em festivais. Já levou 247 ao
Festival de Cannes e 678 a Berlim. Em Portugal, no entanto, os seus filmes estreiam
apenas numa sala: “Os meus filmes destinam-se ao mundo”. Um terceiro produtor, José
Vale-Tudo, visivelmente deprimido e com um discurso pouco fluente, dispersa: “O
cinema… vida… bons jantares… é essa a minha posição”. Como o seu discurso é vago,
o realizador perde a atenção.
O debate acaba. No bar da Culturgest, o realizador bebe um sumo natural e come um
papo-seco, quando aparece um velho amigo, também realizador, acompanhado de José
Vale-Tudo: “Tenho aqui um velho camarada que devias conhecer”. Os dois ficam à
conversa, e Vale-Tudo, ao perceber que o realizador tem um projecto, convida-o para
uma conversa no escritório.
Cena 2

O realizador está no escritório com José Vale-Tudo e conta-lhe o seu projecto. Trata-se
de uma história sobre a desintegração de uma família no contemporâneo. José Vale-
Tudo sorri e, de forma clara e articulada, contrariando a sua dispersão no debate: “Sabes
belo realizador, eu no debate parecia um pouco vago, mas eu conheço bem os
mecanismos da coisa. Tão bem que não o podia dizer ao pé de pessoas que falharam.
Ou seja, vamos fazer esse filme e vamos ter muitos espectadores. Vais ler o Story, a
personagem faz o arco, e está tudo bem. E vamos filmar isto na Cova da Moura, porque
é isso que o público quer ver. O realizador fica contente: “Que bela ideia”. E começa a
preparar o filme.
Cena 3

O realizador está, à hora de almoço, na Cinemateca a ler o Story na esplanada. Um


velho realizador aparece e senta-se ao seu lado: “Então, por aqui? Não és tu que andas a
fazer aquele filme do bairro social? Eu fiz um filme bastante semelhante há uns anos. Se
fosse hoje, fazia-o de outra forma. Eu já fiz muitos filmes a pensar nos espectadores, e
eles não perceberam, não gostaram. Foi o público internacional, dos festivais, que me
permitiu continuar a filmar. É um ambiente controlado, os espectadores têm o olhar
treinado. Não sabes a boa sensação que é ganhar a Palma de Ouro. Já viste o “No
Quarto da Vanda” ou o “Juventude em Marcha”? “Não”, respondeu o realizador. “Vens
vê-los ou preferes continuar sem os ver?”, perguntou o velho realizador.
Cena 4 A

“Sim, quero muito ver esses filmes”, respondeu o realizador. “Óptimo, por acaso vai dar
ao final da tarde um double bill Pedro Costa na Cinemateca”. O realizador vê o
programa do dia. “É na sala pequena”, pensa.
Cena 4 A-1

O realizador vê o double bill Pedro Costa e gosta com reservas. Sente o filme, mas
distancia-se da forma e acha a montagem um pouco forçada. “Se calhar é este o meu
caminho. Em vez da Cova da Moura vou para as Fontainhas e terei o meu próprio
cinema. Está decidido”
Cena 4 B

“Não, já tenho outros para ver. O meu produtor disse-me para não ver esses. Mas
obrigado”. O realizador está a andar pela cidade, quando encontra um multiplex onde
passa “A Esperança Está Onde Menos se Espera”, do Joaquim Leitão. “Ah, o Vale-
Tudo disse-me para ver isto! E eu até gostei do “Inferno”… vou ver ou vou ter com a
minha namorada?”, pensou o realizador.

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Cena 4 B-1

O realizador entra na sala de cinema, com um balde de pipocas doces e uma coca-cola.
À medida que vai vendo o filme, percebe que não é este o cinema que quer fazer.
“Ainda vou a tempo de ver o double bill Pedro Costa”.
Cena 4 B-2

O realizador encontra-se com a namorada. “Hoje devia ter visto três filmes. Não vi
nenhum”. “Não faz mal, são só filmes”, diz a namorada, “devias era ter uma profissão
decente” O realizador parece indeciso: ser artista ou ser decente?
Cena 5 A

O realizador decide ir para as Fontainhas. Durante cinco meses, não atende o telemóvel,
e filma, sozinho, com uma pequena câmara digital, um fic-doc sobre a desintegração
familiar num bairro social. “O público vai sentir o drama”, pensa o realizador.
Inesperadamente, apaixona-se por Vânia, uma moradora do bairro, que o convida a
morar lá no seu quarto. “Vou montar o filme ou fico-me por aqui?”, pensa o realizador.
Cena 5 B-1

O realizador acaba com a sua namorada porque não tem tempo. Decide não ser
influenciado por nenhum filme: “Vou ser purista e original. Tão purista que vou filmar
sem câmara. Filmo com o som ou filmo com o corpo?”
Cena 5 B-2

O realizador desiste do projecto e é substituído pelo velho realizador, que ganha mais
um prémio em Berlim, e depois se suicida, tornando-se capa do Ípsilon. Ingressando no
curso de Direito, o realizador torna-se num advogado de sucesso e tem uma vida feliz
com a sua namorada. Morre aos 98 anos a comer um papo-seco, tendo tido como último
pensamento: “Devia ter feito aquele filme”.
Cena 6 A-1

O realizador decide deixar Vânia e parte a montagem. O montador que espera na sala é
o velho realizador, disfarçado de jovem montador. “Olá, o meu nome é Mocho e fui
enviado pelo Dino para te ajudar na montagem. Já fiz aqui um alinhamento que vais
adorar”. O realizador vê a sequência e fica desconfiado. “Há algo estranho neste
Mocho… estes planos não estão de acordo com a minha nota de intenções”. “Que plano
tão longo colocaste aí…”, disse o realizador. “É para se sentir melhor”, respondeu o
Mocho. “Que corte tão estranho tens aí…”, disse o realizador. “Quanto mais artificial
mais real”, respondeu o montador. “Que plano tão desfocado tens aí…”, prosseguiu o
realizador. “É PARA GANHAR FESTIVAIS!”, gritou o falso montador. O verdadeiro
montador chega à sala de montagem: “O que é isto? Isto assim é para três espectadores
no King”, diz. O realizador divide-se: fazer o filme em que acredita, ganhar festivais ou
seguir o cinema para espectadores?
Cena 6 A-2

O realizador decide que aquilo que procura não é o cinema. O seu amor é mais forte que
o cinema. No quarto de Vânia, onde passa os seus dias, partilha a seringa do amor.
Morre de overdose, três dias depois, não sem antes desenhar um círculo perfeito na
parede do bairro.
Cena 6 B-1

O realizador decide filmar com o som, e faz uma instalação no CCB com panos pretos e
ruídos neo-minimais-campestres. A sua experiência limite dá-lhe vários prémios e
encomendas.
Cena 6 B-2

O realizador decide fazer uma instalação com o próprio corpo, na Gulbenkian, onde fica
sentado 15 horas por dia a comer papos-secos.
Cena 7 A-1

O realizador sente-se acossado e foge da sala de montagem. Vai para casa e abre o
Windows Movie Maker. Começa a montar. Duas semanas depois, o filme está montado.
Chama um grupo de amigos que gostam do filme (mentem). Um deles vira-se e diz:
“Man, isto no youtube era mel”. Hesita: colocar no youtube ou não colocar?
Cena 7 A-2

O realizador tem uma epifania no meio da situação: imagina-se a receber a Palma de


Ouro. Pega no manual do Final Cut Pro e atira-o contra o verdadeiro montador. Vira-se
para o Mocho: “Vamos a isto”, diz, sorridente.
Cena 7 A-3

O realizador tem uma reminiscência do velho realizador da esplanada da Cinemateca.


Percebe então que foi enganado, e que Mocho é afinal o velho realizador disfarçado. O
novo montador também percebe a situação e vira-se para Mocho: “Ouve lá, tu não és
aquele velho realizador falhado com um quase-filme de culto nos anos 90?”. “Sim”,
responde o velho realizador. Ao recordar que falhou, o velho realizador retira-se
deprimido que nem um peru. O novo montador abre o Story e diz: “Meu caro, tens duas
opções: final aberto ou final fechado?”
Cena 7 B

As suas experiências limite são bem recebidas em todo o mundo. O ex-realizador, agora
artista plástico, viaja para o Japão para mostrar a sua obra.
Cena 8 A-1

O realizador coloca o filme no YouTube, aconselhado pelo amigo. O filme é um


sucesso, atingindo um milhão de visionamentos em cinco dias.
Cena 8 A-2

O realizador diz: “Ponho mais tarde. Agora vamos jantar”.


Cena 8 A-3

“Escolho o final aberto”, respondeu o realizador. Um ano depois, o filme estreia nas
salas, com a presença de Vale-Tudo e do realizador. Os comentários dos espectadores e
da crítica parecem consensuais. Enquanto bocejam, cansados e ensonados, gritam em
conjunto: “Obra-prima”.
Cena 8 A-4

“Escolho o final fechado”, respondeu o realizador. Um ano depois, o filme estreia em


sessenta e quatro salas. Vale-Tudo está convencido de que a sua produtora, Utopia
Filmes, está a um passo de se tornar a maior produtora do país. Não estava.

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