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A CONTRIBUIÇÃO DA IGREJA NA FORMAÇÃO


DOS CRISTÃOS INTELECTUAIS E
CONSTRUTORES DA SOCIEDADE

Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer

Para começar e iluminar a nossa reflexão, gostaríamos de narrar uma


história de vida. Acreditamos que o gênero literário narrativo é o mais próprio e
adequado para a teologia, pois, o que fazemos na teologia cristã a não ser narrar e narrar
sempre de novo a saga e a gesta de Jesus de Nazaré e a história daqueles que O seguiram
e constituíram a comunidade chamada Igreja à qual hoje pertencemos? Deixemos,
portanto , que a história de vida de uma santa um pouco estranha dos nossos tempos que,
apesar de nunca ter feito entrada oficial em nossa instituição, é nossa companheira no
seguimento de Jesus Cristo ,nos inspire.

Simone Weil nasceu em Paris a 3 de fevereiro de 1909, filha de um médico


alsaciano e de uma mãe de origem russa. André, seu irmão,foi um precoce matemático.
Desde muito pequena, Simone apresenta algumas características que dão um pouco a
medida de sua grandeza de espírito. Pouco sintonizada com o luxo, de uma extrema
solidariedade com todos aqueles que sofriam qualquer espécie de pobreza e
discriminação, Simone mostra por outro lado uma inteligência acima da média e mesmo
que raia a genialidade e uma extrema sensibilidade ao mundo e às pessoas.

Primeira mulher catedrática da França, Simone foi a discípula predileta do


filósofo Alain, formada no mais completo agnosticismo. Sempre apaixonada pelo tema
do trabalho, mesmo quando é professora de Liceu, escolhe para si uma pobreza de estilo
de vida que é mais severa que a das famílias mineiras da região francesa de Saint-Etienne,
onde trabalha.1

Chega o momento de sua vida onde resolve conhecer por dentro a pobreza
e mergulha na condição oprimida. Despede-se das aulas e da atmosfera de ensino e vai
trabalhar na fábrica. É aí que, segundo ela, recebe para sempre a marca da escravidão, ao
partilhar as condições de vida daqueles que são escravizados pelo sistema. Esta dolorosa
experiência vai lhe permitir escrever mais tarde um de seus mais belos livros, com
pensamentos, entre outros temas, sobre a espiritualidade do trabalho: A gravidade e a
graça.2Simone diz que " A escravidão é o trabalho sem luz de eternidade, sem poesia,
sem religião."3

1
Cf. E. BOSI (org.) Simone Weil. A condição operária e outros estudos sobre a
opressão, São Paulo, Paz e Terra,1979,pg 20
2
SP, Martins Fontes, 1993
3
Ibid,,pg204
2

É ainda a escravidão e o sentimento de amor e solidariedade que lhe


produz o que a conduzirá às portas da fé cristã. Judia de ascendência, criada agnóstica,
Simone vai a Portugal. Em Viana do Castelo, num vilarejo de pescadores, vendo as
mulheres dos pescadores fazendo a volta aos barcos, em procissão, levando círios e
cantando cânticos antigos e tristes, Simone tem de repente a certeza de que " o
cristianismo é por excelência a religião dos escravos, que os escravos não podem não
aderir a ela, e eu entre os outros" 4

A partir daí, o itinerário de Simone vai ser sempre "para baixo" , ou seja,
sempre em busca mais radical de estar perto dos pequenos, dos humildes e desprezados.
Seu trabalho como pensadora acompanha seu compromisso que se expressa em detalhes
os mais concretos, como a recusa em alimentar-se para solidarizar-se com as crianças
indochinesas que tinham fome. 5

Lentamente, o Cristianismo a vai atraindo, em particular a Paixão de


Cristo. O pensamento da Paixão a penetra e ela se sente vivendo a experiência de amar o
amor através do sofrimento. É tal seu amor e seu desejo de imitação do Cristo
crucificado que, ao pensar na Paixão, diz cometer o pecado da inveja. 6 Em novembro de
1938, recitando o poema "Love" do poeta inglês George Hebért, sente-se tomada pelo
Cristo: " Eu senti, sem estar de maneira alguma preparada - porque eu nunca tinha lido
os místicos - uma presença mais pessoal, mais certa, mais real que a de um ser humano...
No instante em que Cristo se apoderou de mim, nem os sentidos, nem a imaginação
tiveram parte alguma; senti somente através do sofrimento a presença de um amor
semelhante ao que se lê no sorriso de um rosto amado. " 7

A guerra vai ser para Simone a grande e final interpelação de sua vida.
Seu desejo de participar para combater a violência do que acontece a leva a,
primeiramente, conceber um louco plano para lançar-se de pára-quedas em Praga,com um
grupo treinado para esse fim e ajudar os tchecos. Mas nada consegue devido a seu
passado de militante de esquerda. Depois, deseja elaborar um projeto de formação de
enfermeiras de primeira linha, que assistiriam os feridos nos campos de batalha.

Recusa-se a abandonar Paris, não acreditando que os alemães tomarão a


cidade. Finalmente seus pais a convencem. Na fuga da família Weil para longe do perigo
hitlerista, Simone permanece fiel a seu desejo de solidariedade com os mais miseráveis.
No racionamento alimentar em Marselha, antes de embarcar para a América, dá a maior
parte de seus talões de alimentação para os refugiados anamitas dos arredores da cidade.
Senta-se à mesa dos mais miseráveis para partilhar com eles as refeições.

4
Citado por E. BOSI, op. cit.,pg 37
5
Ibid pg 38
6
Pensées sans ordre concernant l'amour de Dieu, Paris, Gallimard,1962, pp 79-81
7
Attente de Dieu, Paris, Fayard, 1966, pg 76
3

Vai depois trabalhar no campo,com a família Thibon. A Gustave Thibon,


que permanece seu grande amigo, vai escrever um dia :" Penso que a cultura intelectual,
longe de dar direito a privilégios é, em si mesma, um privilégio quase terrível que exige,
em contrapartida, responsabilidades terríveis..." 8 Seu trabalho no campo toma para ela
conotações verdadeiramente eucarísticas. Sobre isso escreve à amiga Simone Pétrement:
"As fadigas de meu corpo e de minha alma se transformam em nutrição para um povo
que tem fome" 9

Apesar de convertida ao cristianismo, Simone não se batiza. Não entra na


Igreja. Ao amigo Pe. Perrin escreve o por que de sua recusa:" Existe um meio católico
pronto a acolher calorosamente qualquer um que entre nele. Ora, eu não quero ser
adotada num meio...tudo isso é delicioso. Mas sinto que não me é permitido. Sinto que
me é necessário, que me é destinado ficar sozinha, estrangeira e no exílio em relação a
não importa que meio humano,sem exceção" .10 Entrar na instituição representa, para ela,
separar-se dos marginalizados e proscritos. Naquele momento da guerra, significa
separar-se do povo judeu, exterminado pela Alemanha nazista.

Por tudo isso, por sua mística e sua ética um tanto estranhas para nosso
bom senso moderno, Simone aparenta ser uma herética. Tem dificuldades em conciliar
o Deus do AT com o de Jesus. Em compensação e por outro lado, cada vez se sente mais
identificada com o Cristo sofredor e crucificado: " Hitler poderia morrer e ressuscitar
cinqüenta vezes que eu não o olharia como o Filho de Deus. E se o Evangelho omitisse
toda menção a ressurreição de Cristo, a fé seria mais fácil para mim. Apenas a cruz me
basta. A prova para mim, a coisa verdadeiramente miraculosa, é a perfeita beleza das
narrativas da Paixão, junto a algumas palavras fulgurantes de Isaías
:'Injuriado,maltratado,ele não abriu a boca" e de São Paulo: 'Ele não considerou a
igualdade com Deus como um bem a que se apegar. Ele se esvaziou...Ele foi obediente
até a morte e morte de cruz...Ele se fez maldição.' É isto que me constrange a crer." 11

A 16 de maio de 1942, Simone embarca com os pais para Nova York. No


entanto, não suporta estar longe do perigo e do sofrimento das vítimas da guerra. Escreve
às autoridades e aos amigos para penetrar na França clandestinamente através da
Inglaterra. Consegue voltar,mas não consegue entrar na França. De Gaulle não a
chamava, considerando seu projeto de atirar-se de para quedas louco e arriscado. Seus
amigos temiam enviá-la à França ocupada. ela insiste e se entristece e enquanto aguarda
permissão para entrar na França vive pobremente, privando-se de tudo e comendo cada
vez menos em solidariedade aos que passam fome.

8
Cf. G. THIBON, Simone Weil, telle que nous l'avons connue, Paris, La Colombe,
1952
9
Ibid pg 138
10
Attente de Dieu pp 58-59
11
Cf. Lettre à un religieux, Paris, Gallimard, 1950, pg 58
4

Muito fraca, é internada em um hospital, onde continua a recusar a comida.


Transferida mais tarde para um sanatório operário em Ashford, já tomada pela
tuberculose, abandonada pelos companheiros de luta, morre completamente só na noite
de 24 de agosto de 1943.

Impedida de entregar sua vida ativamente, lutando ao lado dos


combatentes na guerra, Simone Weil colocou-se resolutamente do lado das vítimas,
padecendo em seu corpo os efeitos da guerra,embora não estando no "front": fome,
doença, pobreza, solidão. É desta estranha maneira que nos chega seu último legado, sua
exemplaridade e - por que não? - sua desconcertante santidade.

O terrível privilégio da cultura intelectual

Para continuar, depois de ouvir a interpelação desta história de vida,


gostaríamos de retomar uma frase de Simone Weil em carta ao amigo Gustave Thibon:

:" Penso que a cultura intelectual, longe de dar direito a privilégios é, em


si mesma, um privilégio quase terrível que exige, em contrapartida, responsabilidades
terríveis..." 12

É na convicção que esse pensar e sentir de Simone deve ser também o


nosso, neste momento da história do Brasil e da vida da Igreja que pensamos desenvolver
o que nos resta desta reflexão. Pertencer hoje, aqui e agora, a um certo meio social, ter
um certo nível de escolaridade e de formação e cultura intelectual é um privilégio terrível.
Terrível devido à imensa responsabilidade que ele implica. Num país como o nosso, há
duas maneiras de ter poder: ter recursos materiais (dinheiro, poder aquisitivo e todos os
seus derivados: influência, etc.) e ter saber, deter algo do domínio do pensamento, da
cultura, da palavra organizada que permitem articular a reflexão e o discurso, liderar
sobre pessoas e grupos, influenciar e preponderar sobre as grandes massas anônimas que
têm como único recurso a força de seus corpos e mãos para o trabalho.
Mas só existe uma maneira de lidar cristãmente com qualquer uma dessas
vias de poder. É transformar o poder em serviço, assumindo a imensa responsabilidade
que implica ter sido dotado deste terrível privilégio da cultura e dos recursos do saber
para o bem comum e o crescimento do Reino de Deus no meio do mundo.
Para isto, uma das carências maiores do nosso mundo e do nosso país é a
carência de um marco ético de referência que possa organizar e direcionar a formação e a
vivência dos líderes cristãos que, hoje, se perguntam sobre as responsabilidades
decorrentes de sua fé.

A maior parte dos estudos científicos sobre o contexto em que hoje


vivemos ,pelo fato mesmo de se situarem no bojo do fenômeno chamado crise da
modernidade,que tem como característica setorizar e fragmentar os fatos e os sintomas,

12
Cf. G. THIBON, Simone Weil, telle que nous l'avons connue, Paris, La Colombe,
1952
5

abordando-os desde uma perspectiva monográfica - em termos sociológicos,ou culturais


por exemplo padecem de um risco grave e evidente. Ou seja, podem conduzir a uma
redução unilateral da complexidade e conseqüente deformação da trama polifônica do
real. Os diagnósticos da crise em que nos encontramos mergulhados enquanto mundo
ocidental - e,no nosso caso,enquanto Brasil, país que se encontra de um lado do mundo
que sofre as conseqüências do ser vítima fabricada pelo processo moderno - não parecem
haver ajudado a solucionar grande coisa.

De muitos lados e por intermédio de muitos porta vozes,portanto, se sente


e é proclamada a necessidade de um chão ético comum e global,que possa nos fornecer
uma base mínima de valores bem fundados que ajude a conduzir a uma resposta positiva
à questão de uma atitude ética mundial.13 Porém, desde o contexto moderno e secular,
crescente e sempre mais vigorosamente pluralista, onde se assiste hoje a um desmoronar
dos paradigmas e utopias que por tanto tempo foram fonte de referência e sustentação
universal, pode-se pretender encontrar algumas constantes,ainda que poucas que possam
identificar-se como componentes de um marco ético universal?

É fato,sem dúvida,que os modelos éticos convencionais, nos âmbitos


socioculturais onde se implantou e impera a modernidade ou mesmo naquelas onde esta
tenta implantar-se, tendem a fenecer e desaparecer, ao menos relativamente. Por outro
lado,onde a modernidade ou não se fez presente, ou se faz presente de maneira outra e
com diferente síntese dos países chamados modernos, ou ainda naqueles países e lugares
dos quais parece bater em retirada14 os modelos convencionais não só não
desaparecem,mas ainda se consolidam. E,sem dúvida, o processo a que assistimos hoje de
mudança de utopias e paradigmas, o qual traz consigo a desmistificação do paradigma
coletivo que a proposta socialista real parecia trazer consigo leva a repensar a
pertinência da volta a um modelo ético que releve do pessoal e do situado.15

A falta de modelos de referência claros e delimitados, que encontram sua


configuração no pessoal e apontam para situações concretas e identificáveis ocasionou -
parece-nos - uma certa "nebulosidade ética" na qual se movem pessoas e grupos neste
final de milênio. Erráticos e perdidos,em busca de um referencial que lhes dê solidez ao
chão por onde caminhar e consistência à identificação que desesperadamente desejam, os
homens de hoje se encontram como que agrilhoados dentro de um "ethos" fraco que
perde maturidade em vez de ganhá-la. Na sua desesperada tentativa de libertar-se de
parâmetros antes estabelecidos,encontram na verdade muitas vezes um polifacetismo que
os leva, freqüentemente, a um debilitamento moral e a uma insegurança e indeterminação
que acabam por conduzi-lo a uma atitude a qual, ao mesmo tempo em que alardeia total

13
Cf. ibid,pp 43-44. V. tb. M. RUBIO, El contexto de la modernidad y de la
postmodernidad ,in M VIDAL (coord.) Conceptos fundamentales de ética
teológica, Madrid, Trotta, 1992, pg 107
14
,Pensamos aqui muito concretamente nos países islâmicos fundamentalistas,por
exemplo.
15
V. o que sobre isso diz M. RUBIO, op. cit., pg 131
6

liberdade frente à moral convencional,por outro recupera hábitos chocantes de rigidez e


intolerância.16

Diante deste quadro, nosso papel aqui não seria tanto deter-nos em
aprofundá-lo. Queremos, justamente, perguntar-nos sobre a possibilidade de voltar a
encontrar um marco ético universal. Mais : pretendemos chegar a afirmar e justificar
nossa afirmativa de que este marco ético universal pode ser encontrado, com todas as suas
constantes, em situações muito humildemente concretas e encarnado .
Parece-nos ser que a ética cristã nos fornece mais elementos para conseguir
traçar o perfil, ainda que incompleto, desta eventualidade prevista em sua formulação, da
existência de seres humanos que vivem uma radicalidade absoluta da ética a partir de ou
motivados por uma experiência de fé.17 Parece-nos ainda que a Igreja como tal tem uma
responsabilidade inarredável na transmissão e comunicação dos princípios e do conteúdo
desta ética àqueles e àquelas que na sociedade de hoje, detêm o privilégio do saber e da
cultura e podem chegar a ser construtores de uma nova sociedade.

Partimos do pressuposto de que o cristianismo foi um fator relevante na


história da civilização ocidental,até o ponto em que ela se apresentou durante longo
tempo como "civilização cristã". Essa civilização, por outro lado, foi exportada pelos
projetos coloniais expansionistas a outros diversos pontos do planeta. Isso porém, não
invalida a problematicidade e o instigante da questão colocada,senão que a aumenta. 18 E
aumenta porque obriga à pergunta: o peso histórico do cristianismo no ocidente foi ou
não ético e humanizador? Pode-se encontrar elementos para uma ética global e universal
a partir do fato cristão? O cristianismo hoje ainda tem chances de propôr modelos éticos
para o homem passado pelos crivos subseqüentes da modernidade ou da - mal ou bem
chamada - pós-modernidade?

O amor: princípio ético por excelência

A primeira questão que se impõe ao tentar lançar as bases de uma ética a


partir do Cristianismo supõe a pergunta de se aquilo que é humanamente condicionado
pode obrigar incondicionalmente. Ora, se é verdade que um homem sem religião pode
levar uma vida verdadeiramente humana e neste sentido uma vida moral como expressão
apenas de sua autonomia intramundana, por outro lado,há algo que esse homem não pode
conseguir,qual seja, no caso de ter que assumir para si normas morais absolutas: fundar
a incondicionalidade e universalidade de uma norma ética. A razão por que alguém sente
que deve submeter-se a determinados valores e pautar sua conduta por eles mesmo que

16
Cf. ibid pg 143
17
Isso afirmando,não pretendemos excluir a existência de exemplos e modelos de vidas
em outras religiões ou filosofias, mas parece-nos que a tipologia cristã da santidade pode
trazer uma contribuição específica. Devido a isso,optamos por ela.
18
V. sobre esta colocação inicial, o que diz J. G. CAFFARENA, em seu artigo
Aportación cristiana a um nuevo humanismo?, in J. MUGUERZA,F. QUESADA E
R.R.ARAMAYO (org.) Ética día tras día, Madrid, Trotta, 1991,pg 188
7

todos não o façam e mesmo que isto vá frontalmente contra seus interesses imediatos não
parece assim tão evidente.19

Para as religiões proféticas e monoteístas, como o Judaísmo,o Cristianismo


e o Islam, o que pode fundar a incondicionalidade e universalidade das exigências éticas é
o Incondicional que se revela e faz presente em todo o condicionado,o Sentido ultimo e
radical do homem ao qual chamamos Deus. A fé - falando aqui especificamente da fé
cristã,mas crendo poder estender a afirmação também ao Judaísmo e ao Islam - afirma
que este sentido radical não constitui de modo algum para o homem uma
heteronomia,mas abre-lhe a possibilidade de uma verdadeira liberdade e responsabilidade
pessoal, através da experiência de uma teonomia. Este vínculo com o infinito
proporciona, então ao homem liberdade e relatividade diante de todo o finito,
proporcionando-lhe a consciência e a vivência do único absoluto, diante do qual tudo
adquire sua real proporção de meio e de relativo.20

Se com estes critérios metodológicos, nos colocamos no encalço daquilo


que possa constituir o princípio ético do Cristianismo, iremos facilmente defrontar-nos
com uma palavra característica e peculiar: a palavra agapé = amor. 21 Trata-se de um
amor no qual se destacam a generosidade desinteressada e oblativa, sem qualquer outro
interesse ou possibilidade de gozo e satisfação do que o próprio fato de exercer-se e
colocar-se em movimento em direção ao outro. O outro, objeto e interlocutor constante
deste amor, é que determina seu ponto de partida, seu nascedouro, a forma que adquire
sua expressão e sua oblação e seu fim último.

O amor cristão é,portanto,antes de tudo,amor.


E encontra seu fundamento radical e último na fé num Deus que se revela e é percebido e
adorado como amor Ele mesmo. (cf. 1 Jo 4, 8: "Quem não ama,não descobriu a
Deus,porque Deus é amor") . E a ética cristã é - ou deverá ser - uma ética do amor
entendido na chave da agapé neotestamentária.

Assim sendo, elencaríamos algumas constantes desse princípio ético que


deverá configurar o cristianismo nas suas pobres e nem sempre bem sucedidas tentativas
de, ao longo destes vinte séculos, ser fiel à proposta recebida por parte do próprio Jesus
de Nazaré no qual reconhece e confessa o Cristo de Deus:

- a primeira seria sua universalidade. O amor cristão não pode nem é


chamado a fazer acepção de pessoas quando se trata de viver o exercício daquilo que lhe
é próprio,ou seja,amar efetivamente. Dele não pode estar excluído ninguém que em cada

19
Cf. H. KUNG, op. cit.,pg 73
20
V. o que sobre isto diz H. KUNG, op cit.,pg 75
21
Vale notar aqui que se trata de um termo que o cristianismo nascente tomou da versão
grega dos LXX dos livros da tradição religiosa hebraica. Revela ,obviamente,o intento de
significar uma concepção do amor para a qual não se julgavam adequados nem idôneos
os verbos e substantivos mais u suais na lingua grega (eros,filia,storgé...).
8

caso dado,necessite de ajuda e chame à inclinação do corpo e do coração da qual só o


amor tem a ciência. Nem mesmo os inimigos,os agressores e os carrascos podem não
encontrar cidadania no campo indelimitado da agapé cristã. São bem conhecidas as
exigentes palavras evangélicas a esse respeito que transformam a ética cristã na mais
subversiva e revolucionária de todas, já que no seu louco afã de impregnar de amor e
reconciliação todas as coisas e todos os recantos mais ensombrecidos da realidade
incluem no seu abraço mesmo aqueles que são ocasião e causa de toda violência, de toda
quebra de amor e de solidariedade. Assim, o desconcertante mandato do Sermão da
montanha de amar o inimigo, fazer bem aos que nos odeiam, abençoar e rezar pelos que
nos perseguem, oferecer a outra face quando fisicamente agredido vão fechando o cerco
amoroso em torno do cristão que vai perceber-se, então, para ser coerente com sua fé,
como que "livremente agrilhoado" num imperativo mais que categórico que não lhe deixa
outra opção senão amar.22

- ao lado, no entanto, desta universalidade, está uma surpreendente


parcialidade. Nesta largueza universal que tudo abarca, a ética cristã dá testemunho de
uma parcialidade clara e declarada. E os destinatários de sua parcialidade agápica são
sobretudo os pobres, os marginalizados, os doentes, aqueles atingidos por qualquer tipo
de fraqueza ou excluídos em qualquer nível do pleno direito à existência e nos quais a
vida que é o dom supremo de Deus se encontra, por qualquer motivo, agredida,
diminuída. Embora seja chamado a não responder violentamente às agressões daqueles
que no mundo instauram os mecanismos de opressão, o cristão é incessante e
eloqüentemente chamado a colocar-se resolutamente do lado das vítimas, levando sua
solidariedade com elas até onde a criatividade do amor o conduzir, encontrando no meio
do sofrimento alheio o lugar da sua paz, na dedicação, na partilha da vida e dos
problemas, no assumir das condições de vida e também de morte, no chegar a
experimentar-se como refém da pobreza e da dor alheia e tomar o lugar daquele que sofre,
num misterioso processo de substituição que a fé e o paradigma crístico lhe revelam
como sendo redentor.23

- e aqui chegamos ao terceiro componente da ética cristã, que seria o fato


de não encontrar limites dentro do humano. Sendo muito embora profundamente
enraizada no humano e no criado e não encontrando lugar fora dele, o princípio ético da
ágapé cristã experimenta - dolorosa e alegremente, e a cada momento - que explode os
limites do mesmo humano onde faz sua morada. A partir da experiência da fé cristã o ser
humano se move entre dois pólos aparentemente inconciliáveis, mas que na verdade são
ricamente recíprocos e complementares: a experiência do pecado e do próprio
compactuar com ele e a experiência da redenção que o torna capaz de amor,capaz de
ágapé. Ora, o que faz a passagem dessa experiência de ser pecador, de experimentar
dentro de si mesmo a conflitividade de uma dupla lei, que ao mesmo tempo que lhe

22
V. o que diz sobre essa dimensão de universalidade da ética cristã J.G.CAFFARENA,
op. cit., pg 190.
23
V. sobre essa questão da substituição,E. LEVINAS, Autrement qu'être ou au-delà de
l'essence, La Haye, Martinus Nijhoff, 1974, esp. cap IV : "La substitution"
9

permite conhecer o bem que deseja, o leva a fazer e cometer o mal que não deseja (cf. São
Paulo aos Romanos,7,14-25) a experiência de ser capaz de amar se faz através da Cruz,
resultante do processo e condenação à morte de Jesus de Nazaré. Há no processo que
abre e conduz para o princípio ético do amor cristão a doação de uma vida humana até a
morte e morte de cruz. Isso é ao mesmo tempo a exclusão de todo otimismo fácil para o
cristianismo e a possibilidade que torna a ética cristã desprovida de limites. Não há
limites para um amor que encontra seu fundamento e sua condição de possibilidade no
despojamento de um Deus que assume a vulnerabilidade e a mortalidade da carne
humana até as suas últimas conseqüências. Não pode haver limites,portanto, para aquele
ou aquela que se propõe viver esse amor em fidelidade a seu paradigma e a seu
referencial maior. Para aquele ou aquela,em suma, que se propõe amar no interior de um
mundo marcado e atravessado pela injustiça, pela violência e pelo mal e permanecer no
amor, sem dele desistir e sem edulcorar suas terríveis exigências.

A cruz que é parte integrante do princípio ético da agapé cristã faz do


cristianismo um testemunho clamoroso da conflitividade da existência humana. E viver
este princípio ético é descobrir-se atirado no epicentro desta conflitividade, não podendo
encontrar fora dela seu ambiente e sua morada. A enormidade deste desafio pode levar
muitas vezes a desanimar de sequer começar a tentar vive-lo. Conhecemos bem,
sobretudo à medida em que nos tornamos mais velhos, a fragilidade e a pouca
estabilidade de nossas opções, a pouca coerência de nossas vidas, a magra coragem que
anima nossa intervenção no mundo e na história.
Somos herdeiros, - sobretudo, nós, cristãos leigos, intelectuais e que
detemos algum raio de influência na construção e transformação do mundo e da
sociedade - de uma experiência eclesial que nos fez acreditar que o protagonismo não era
para nós. Passivos e consumidores dos bens eclesiológicos, só recentemente começou a
chegar a nossos ouvidos essa verdade de que a santidade também é nossa vocação, de que
a radicalidade da vivência cristã também é chamado dirigido a nós e não somente aos
sacerdotes e religiosos. Passamos igualmente há muito pouco tempo a perceber que
temos o direito de exigir dessa Igreja à qual amamos como mãe uma formação tão
acurada e cuidadosa quanto aquela que a hierarquia e as ordens religiosas proporcionam
aos seus membros . Entramos recentemente num período nós, cristãos de classe média
abandonados por setores da Igreja que se acreditavam apenas comprometidos com a
formação das bases populares, a acreditar que também queremos e desejamos participar
do processo de libertação global que o Evangelho chama de Reino de Deus. Queremos
participar dele em aliança com os pobres que são, sim, os privilegiados do Reino, mas
que ajudados pela modesta contribuição que podemos dar, poderão talvez chegar mais
longe em sua luta e em seu combate.

Algumas pistas de futuro

Tentando concluir nossa reflexão sobre a contribuição que a Igreja pode e


é chamada a dar na formação dos cristãos intelectuais e construtores da sociedade ,
10

apontamos algumas pistas de futuro, que talvez possam ajudar a reflexão a prosseguir e as
questões a serem suscitadas:

1) A consciência de viver num mundo religiosamente plural: A formação de um cristão


hoje deve levar em conta - ou melhor, faze-lo cair na conta - de que não é mais membro
de uma religião hegemônica. O cristianismo, cada vez mais, se encontra cercado por uma
multidão de propostas religiosas e neo-religiosas que vão obrigá-lo a estar constantemente
preparado a “dar razão de sua esperança”.
No Brasil hoje, assim como em muitas outras partes do mundo ocidental moderno,
que se considerava liberto da opressão e do "ópio" da religião, explode de novo, com
intensa força, a sedução do Sagrado e do Divino, des-reprimido e incontrolável 24. É o
fenômeno das chamadas "seitas" ou grupos religiosos alternativos, que povoam o campo
religioso com novas e desconcertantes formas de expressão, assustando e intrigando as
Igrejas históricas tradicionais, as Ciências Sociais e os bem-pensantes .
É fato constatado que milhões de brasileiros entram em transe diariamente, ou seja, são
arrebatados em seu potencial desejante e afetivo por alguma experiência do
Transcendente, identificada com o Sagrado ou o Santo, seja Ele nomeado como Deus,
Oxalá ou o Santo Daime .
No fundo desta explosão religiosa complexa e plural, escondem-se várias questões de
extrema importância:por um lado, vai uma velada crítica às Igrejas históricas tradicionais,
que teriam perdido boa parte de seu caráter iniciático, mistérico, permanecendo quase que
somente caracterizadas por seu aspecto institucional - articulador da comunidade, ou
ético-transformador da realidade. Neste sentido, a força que vem tomando no seio do
próprio Cristianismo institucionalizado o uso de técnicas das tradições orientais como
ajuda na vivência da espiritualidade, pode ser encarada como uma maneira ou uma
tentativa de recuperar o Cristianismo iniciático e mistagógico .
Uma formação portanto que se preocupe em oferecer uma real e profunda
experiência de Deus, que ajude a se posicionar ao mesmo tempo com uma clara
consciência de sua identidade e uma ampla abertura ao diálogo com as outras tradições e
outras religiões parece-nos ser um componente indispensável na formação de um cristão
esclarecido hoje.

2) Uma formação que ajude a processar a substituição de paradigmas na crise do


mundo moderno e pós-moderno:
O paradigma moderno - embora lhe sobre força e vigor por alguns lados - dá
claros sinais de ao menos parcial enfraquecimento, de crise. A ideologia do progresso
encontra-se profundamente questionada. Os sistemas sociais, políticos e econômicos que
sobre ela lançaram o melhor de seus recursos e energias não parecem ter chegado a muito
bom porto, pelo menos enquanto se trata das grandes perguntas pelo sentido da existência
e finalidade da vida, que continuam agitando os corações humanos.
Capaz de aliança com a sociedade e a cultura modernas, o cristianismo é, porém,
também e não menos, chamado a levantar-se como uma das instâncias críticas a essa
24
Cf. sobre as reflexões a seguir, meu livro Alteridade e vulnerabilidade. Experiência de Deus e
pluralismo religioso no moderno em crise, SP, Loyola, 1993
11

mesma modernidade. Recusando a cômoda posição de distancia utópica da crise em que


se encontram mergulhados seu tempo e sua civilização e fiel à lógica da Encarnação que
o preside, impõe-se ao cristianismo assumir presença no meio do mundo, na realidade
social, política, cultural. Presença autêntica, mas ao mesmo tempo lúcida; comprometida,
sem deixar de ser crítica.
Cabe a pergunta, portanto, se este estado de coisas, essa espécie de
“desorientação”mais ou menos generalizada quanto a utopias, racionalidades, modelos
políticos e outras coisas, seria a razão principal do tema mística encontrar-se em “alta”e
polarizar o melhor das atenções de diversas instancias.
A práxis coloca como lugar de auto-compreensão do homem a história. O
homem é um ser que tem uma tarefa histórica e é chamado a uma práxis transformadora.
A práxis é o lugar da verificação da experiência e sobretudo da teoria.
O mundo moderno tomou a práxis como sua categoria central e a
converteu em pragmatismo. O que não se converte em ato não tem valor. Só vale o que é
eficaz. A verdade é "praticável".
Em termos do conhecimento e do saber igualmente só vale o que pode ser
praticado, o que é útil. Conhecimento, portanto, é poder apropriar-se dos objetos
,gerando uma práxis de dominação e senhorio. Em termos da política, a eficácia é o
grande critério de medida, passando a estratégia à frente da pessoa e do ideal do bem
comum. Considerando, enfim, a pessoa apenas como um elo na cadeia geradora dos bens
de produção e das relações de poder.
Vivemos num mundo com uma abundância de meios e uma escassez de fins, um
mundo que perdeu os horizontes largos do Sentido e que se move impulsionado por
estímulos imediatos. Neste mundo, os cristãos deveriam ser e estar preparados para
afirmar incessantemente o “para que”da existência, o sentido da vida, o horizonte último
da história, o aprendizado cotidiano e humilde de colocar os meios à disposição dos fins.
Assim, aqueles que detêm o “terrível privilégio da cultura intelectual” ou possuem poder
e influência em termos de recursos materiais deveriam ser formados no sentido de estar
constantemente refletindo sobre a finalidade e a destinação daquilo que receberam, e
converte-lo em solidariedade e serviço para a construção de um mundo melhor.

3) Uma formação onde se entrelacem mística e política25


A fé cristã crê num Deus que age na história, que desce porque ouviu os clamores
do seu povo e que faz acontecer a práxis humana como reflexo e inspiração da sua
própria práxis divina e inefável. O Deus da Revelação judaico-cristã é um Deus que se
entremescla e se identifica com os problemas e sofrimentos humanos e a eles procura
trazer solução através dos homens e não prescindindo deles. Transformando, portanto, a
práxis humana em veículo e mediação de Sua própria práxis.
Se toda práxis humana é, portanto, resultante e correspondente da práxis divina, a
práxis social e política não fugiria a esta regra. Como toda práxis humana, certamente,
submetida a alguns critérios, a práxis política pode ser e efetivamente o é muitas vezes,
mistério de uma saída de si que não deixa de ser um êxtase, um mergulhar no outro. Se os
êxtases dos místicos reconhecidos pela religião oficial são, com grande justeza, não
25
Cf. sobre isso, meu artigo “Novos horizontes para a contemplação e a práxis”, in M.C.BINGEMER e
R.BARTHOLO (orgs.) Mística e Política, SP, Loyola, 1994
12

ressaltados como os mais importantes critérios para o reconhecimento da autenticidade de


suas experiências, por outro lado, as obras concretas que acompanham e/ou se seguem a
estes êxtases são, certamente, denotativas de sua maior ou menor autenticidade.
O entrelaçamento da mística com a política nasce de uma experiência espiritual: o
encontro com o Senhor no rosto do pobre. A prática que daí resulta é uma prática que
passa a ter como único objetivo a construção do Reino de Deus. É uma prática, porém,
que além de se originar da mais autêntica experiência mística, desenvolve, alimenta e faz
crescer esta mesma experiência na medida em que se faz presente no mundo.
A vida do cristão é, portanto, um êxodo permanente: em direção à alteridade de Deus
que o inspira e o enche de gozo e enlevo e em direção à alteridade do próximo, a quem
serve sempre mais, sob a inspiração desse mesmo Deus. A experiência de Deus está
longe, portanto, de ser um fruir impune das delícias e maravilhas da contemplação dos
mistérios eternos, mas é, antes de mais nada e ao cabo de tudo, envio ao mundo, e um
assumir da própria responsabilidade em relação àqueles e àquelas que, desde o seio da
realidade desfigurada e injusta, clamam por justiça e compaixão. Se a palavra mística
encontra sua raiz em mistério, e se a experiência mística significa, em suma, experiência
de intimidade com o mistério, trata-se não apenas do mistério de alteridade que brilha
desde o fundo da realidade ao mesmo tempo que a transcende, mas também de um
mistério de responsabilidade no qual uns são responsáveis por outros, experimentam em
sua carne as conseqüências e o peso de um mal que não praticaram e são gratuitamente
feitos cooperadores da economia de uma redenção que não inventaram e à qual não
presidem.
Se a mística é união com o mistério divino, para o cristianismo - e também para outras
religiões - certamente esse divino não se encontra "fora" das coisas deste mundo. Pelo
contrário, é mergulhando mais profundamente nas coisas, em todas as coisas, que
poderemos encontrar o mistério de nossa criação, a transcendência que desejamos e da
qual temos sede, que nos ultrapassa e ao mesmo tempo se faz próxima desde o seio
mesmo da realidade.
É aí que mística e política mostram mais claramente sua possibilidade de intersecção.
Pois, se Deus, o sujeito maior da mística, se deixa encontrar em todas as coisas; se no
mundo, neste mundo tal como ele é, é possível experimentar sua presença inefável, então
o agir humano neste mundo está definitivamente "consagrado" e é parte integrante da
esfera do sagrado e do divino. E isso dentro mesmo de sua condição de profano e secular,
e não abdicando ou escapando dela.
O Deus que age e trabalha no mundo é condição de possibilidade e mola propulsora da
práxis do homem. Experimentado em seu mistério, esse Deus suscitará por parte do
homem, um agir que não será mais dele, mas indissoluvelmente entrelaçado num só
movimento com o agir de Deus. Encontrar a Deus será, assim, encontrar ao mesmo
tempo o mundo e os outros, e contemplar a Deus será sinônimo de fazer acontecer no
meio da realidade, com todas as suas ambigüidades e problemas, o Reino de Deus.

A experiência central no cristianismo é a experiência de um Deus encarnado.


Fora deste dado central e absolutamente necessário, não há cristianismo.26 Não havendo
26
Cf. o que diz o Diccionario de las Religiones verb “encarnación”. O significado da palavra encarnação
é “entrar dentro da carne”
13

encarnação, não há a possibilidade de Deus assumir todas as coisas por dentro e viver a
história passo a passo, por assim dizer “na contramão” de sua eternidade. Não havendo
encarnação, não há cruz, não há redenção, não há salvação. Não há, portanto, aliança
entre a carne e o Espírito.27
Certamente é esta a contribuição maior que a Igreja tem a dar hoje em tempos de
ressacralização, busca de transcendência e novos paradigmas inclusive para a
espiritualidade e a política. Nada do que é humano é estranho à fé cristã e toda nova
descoberta e toda nova ênfase em termos de humanidade vêm não ameaçar a mística
cristã, mas pelo contrário, alimentá-la, nutri-la, faze-la mais de acordo ao sonho de Deus
Pai, Filho, e Espírito Santo, que a tudo e a todos deseja cristificar por sua práxis
santificadora que preside a história e trabalha por dentro a carne do mundo.
Toda tentativa, pelo contrário, de escapar disto, é tentação que
descaracteriza a experiência cristã, em sua pessoalidade, em sua configuração trinitária,
em sua dinâmica histórica e encarnatória. E é isto que torna possível o "casamento" ou
pelo menos uma fecunda relação entre a mística e a política, entre o experimentar e o agir
na vida do cristão.

O Deus que age e trabalha no mundo é condição de possibilidade e mola


propulsora da práxis do homem. Experimentado em seu mistério, esse Deus suscitará por
parte do homem um agir que não será mais dele, mas indissoluvelmente entrelaçado num
só movimento com o agir de Deus. Encontrar a Deus será, assim, encontrar ao mesmo
tempo o mundo e os outros, e contemplar a Deus será sinônimo de construir e transformar
uma sociedade mais de acordo ao sonho e ao coração de Deus.
A Igreja, na sua tarefa e missão de formar os cristãos líderes da sociedade e
protagonistas do saber intelectual, deverá levar em conta este paradigma primordial da
encarnação na medida em que leva a cabo este desafio no mundo de hoje. Só assim estes
cristãos poderão fazer face às “responsabil idades terríveis”que são as suas e que a figura
profética de Simone Weil revela nos meados do século XX.

27
V, as advertências que sobre isso faz o documento “Instruções sobre a meditação cristã”, da Sagrada
Congregação para a Doutrina da Fé, de 1989

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