Anda di halaman 1dari 4
FLUSSER STUDIES 15 Gabriela Reinaldo A natureza de Vilém Flusser: experiéncias limites" Para iniciar esta fala, tomo de empréstimo duas vozes como epigrafes. A primeira diz: “Diadosim me pdt o castro dele para sempre em todas eseas quisquilhas da natuceza” (Rosa, 1979: 25). Na outra, temos: “escura como o inferno de Dante fechava-se 2 mata, cada vez mais estreitz € mais, ingreme, a vereda nos levou por labirinticos meandros, 2 profundos abismos, por onde correm Aguas tumultuosas de siachos, e, ora aqui, ora ali, jazem blocos de rocha solta. Ao horsor, que esta solidio agreste infundia na alma, acrescentiva-se ainda a aflitiva perspectiva de um ateque de animait fecozer ov de indios inimigo: que 2 ncesa imaginagio Ggueava em pavecosae quadeos, com os mais ligubres pressentimentos.” (Spix e Mastius, 1981: 220, lio 1), O primeizo trecho, como se pode perceber sem dificuldades pelo nome da personagem mencionada, Diadosim, esté no romance Grande sertio: veredas. A segunda sequénciz foi escrita por Carl Fiiedsich Phillipp Von Martius e esti no livro Viggo pelo Brasil, em que os naturalistas Martius e von Spiz que aqui chegazam com a coste de Dona Leopoldina celatam suas experiéncias nas tersas brasileiras nos anos de 1817 a 1820 Mas 0 que essas vozes tio impregnadas de natureza — e de uma natureza exuberante & mistica como 0 € a do sertio centro norte de Minas descsito por Jodo Guimaries Rose e a da mata Atlantica do tempo dos desbravadores bévaros do século XIX — téma ver com um homem vebano, nascido na Praga dos ance 1920, que estudeu em Londees © que mozou boa parte de sua ‘vida em So Paulo, residindo, depois de deixar o Brasil, na Itslia, Franca e Alemanha? A natureza, no Grande certia: vo é um termo utilizado tanto pare se faler do ambiente, conjunto de coisas do universo sertinejo, quanto para se refesir 2 condicio humana, Natureza como situacio interior da esséncia de alguém: “Zé Bebelo tinha sua espécie de naturez1 — que seevia ov atsaigoara2” (Rota, 1979:63), disia o nasrados; enquanto que Tido Passos tem natuceza honsoss. Mas naturezz, dentro ou for, condicio interior do homem ou ambiéncia, sempre muito ” (Rosa, instével: “a natureza da gente é muito segundas e sdbados. Tem dia e tem noite, versivei 1979-139). Em outro momento, confessa: “natureza da gente, mal completada” (Rosa, 1979: 349) Este estado de impermanéncia, natuseza de segundes e sdbados, de trabalho e de descanso, “mal Apeesentado ao Simpésio Flussr ow Flog, que aconteces aos dias 24 ¢ 25 de malo de 2012, aa Universidade Federal do Ceacd, UFC. Cucsicalo da autora: FLUSSER STUDIES 15 completada”, se comunica com o sentido de natureza como paisagem, que, por contiguidade, se desestabiliza O sertio, mesmo sendo cuidadosamente deterita pelo autor com o rigor de um registro etnogeéfico, sertio inventariado em mmuitas cademetas, ele também nfo € apenas, paisagem, nio é fora, mas “dentro da gente”, sertio que “esta em toda parte”, Rapidamente vale lembrar que sertZo é uma palavea de etimologia incerta. Se parz alguns ‘vitia de um vocdbulo angolano, mulcetio, que se sefere as terras entre tesras ou terras distantes do mar, paca outcos é de deserto, desertio, que a palavra deicende. Préximo do deserto, sertio se emparelha com desertor. Devertanum & 0 lugar impenetrivel e desconhecido para onde vai o desertor. Lugar sestio € lugar incerto — em oposigio a0 lacus rtus ou domicitum certus — © & sempre Jonge, nunca onde se esti. Como alerta Ricbaldo, com sua formula “pio ou pies é questio de opinides”, o sertio — faixa imprecise de tera, demarcacio subjetiva — esté sempre mais além, conde erté o outso: “O senhor toleze, isto é 0 certo, Uns querem que ao seja: que situado sertio € por os campos-gerais a fora a dento, eles dizem, fim de sumo, teesas altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto ¢ do Curvelo, ent¥o, o aqui nfo é dito sertio?” (Rosa, 1979: 9) Na carta de Pero Vaz de Caminha ele chama de sartaam uma frixa de terra extremamente vast, que nfo se podia alcancar com a vista, mas apenas imaginar. Territésio do desconhecido, tera de Geslocamentos, de estincias em busca de melhores condigée: de sobrevivincia, que vai permanecer scb 0 signo do inéspito, mesmo depois da colonizacio. Vazio simbélico, como espécie de do oco deisado pelo que nio se permite conhecer pelo uso instramental da sazio* No meio desse universo tio cheio de urgéncias, onde a sobrevivéncia obriga a um estado de vigtia permanente contra a fome, cont as deengas ¢ pasa se prevenir de bala e de mau olhado, é Diadosim que apresenta 2 natureza para Riobaldo. O herdi do Grande sertio nio a enxergz, pois esti inteiramente imerso nela ¢ nio vé nada demais naquilo que ele mesmo chama de quisquilhas, muideza sem importincia, como, por exemplo, 2 contemplacio dos péssaros. “Até aquela ocasiio, ea nunes tinha ouvido dizer de se parse apreciando, por prazer de enfeite, 2 vida mera deles passaros, em seu comegar e descomecar dos véos e pousacic” E completa: “Aquilo era paca se pegar a espingarda e cagar’ (Rosa, 1979: 111). No Grande sertio, a personage ambigua, did, diabo, é também Deodora (Maria Deodotina da Fé Betancourt Matins), 0 dom de deus que guia Riobaldo. A natureza, espisitualizada e fonte de elevacdo para 2 alma, é pasa ser lida, peis reflete 0 criador Hi uma comunhio franciscana, especialmente ligada aos pisszr08, no romance de Rosa. 2 Sobce o tenia, 2 bibliogatia ¢ vista. Apsiada em Gustavo Baszoso, que paigsisoe 2 histéca do texmo sartio, Walnice N. Galedo ngs aligagio do mesmo com dasesto no sentido de secusa « astedidade, Indicamos a leitora de As focouts do Falte, de Walnice N. Galeio, edo astige O lo(ghae dav saatSes, Gubects Mendange Teles 2 FLUSSER STUDIES 15 Anjo é passaro extraterreno Sobre apreciacio e pa ssaros, Flusser diz em Natural mente ~ edrias acessas ao significado de Naturezs: “Para os nossos antepassados, 0 péssaro era o elo entre animal e anjo. Nao é anjo ainda, porque sujeito 4 ateagio da Terra. E a mio ligada a0 corpo da Teres por seu beago invisivel”. E continua: ‘Anjo € pissaro exteaterseno. [..] Anjo é ente que apreende, compreende, concebe e modifica ‘ivremente’: espisito puso [..] O véo do péstaro € seu modelo” Flusser, 1979: 32). Contudo, j4 “no podemos mais vivenciar o seu voo [..] como um desejo impossivel” (Flusser, 1979: 27). Iss porque, explica Flusser: “péssaros deixaram de ser aqueles entes que habitam o espago entre nés , para se transformarem em entes que ocupam 0 espago entre 0: nosios automéveis & nossos avides de passeio” Flusser, 1979: 27) Ao confronté-los com as méquinas, Flusser problematiza a selagio com os péssaros num nivel que nfo ocosse a Riobaldo ou a Diadotim. Se um queria pegar a espingarda e matar eo outro os via como objeto de admirigio esiético, “prazer de enfeite”, para Flusser, natureza € cultuea dislogim de modo difecente 2 pari das mudancar nat técnieas. Hoje, quando uma csianca olha para o cfu € mais provavel que ela diga “olha como esse passarinho se parece com um aviio” do que o contsirio. Assim como nfo € mais a0 beija-flor que se assemelha 0 helicéptero ov 2 andorinha que parece ter servido de modelo para o caga, diz Flusser. A cultura se naturaliza — e este € um problema a ser enfrentado. O natural mente, diz a primeira edigéo ecccita em pomugués « publicada em 1979. Vertida para o alemio, a obra pata a cer chamar ssaro ou voando como péssaro. ‘Vogelfluge — que quer dizer algo como 0 voo do ps Quando o natural mente Mas o que é, entio, natureza para Viém Flusser? Em Natural mente — vérios 2000 20 significade Natureza, titulo e subitulo, de saida, nos desestimulam a pensar que pos mos encontrar uma sesposta para essas questdes. Se 0 natural mente € se 05 acessos so vitios, o demorteio passa a ser condicio essencial nessa busca. Se o natural mente, que busquemos na ficgio — onde as mentitzs ndo apenas sio possiveis, mas orientam as nossas verdades — as respostas. A natureza de Rosa, embora ele, como comentamos antetiormente, se destaque pelo zelo com a descricio precisa da floss e da fruna, é uma natureza de gabinete. As também como Spix e Masti que elaboram as conjecturas do vivido secriando no pepel — em desenhos ¢ palavras — as imagens colhidas nas matas. o FLUSSER STUDIES 15 ‘Também para filar das questies que lhe afetavam, Flusser secorre 4 metéforas timdas da natureza, Ele escreve sobre a vaca (este sai no suplemento literitio d’O Estado de So Paslo, em 1961, com o subtitulo “conto de Vilém Flusser” e € composto de modo a aglutinar uma sequéncia de 32 telegramas de noticidrios de agéncias intemacionsis e que soa como ciitica 20 jornalismo que acumula informacées sem intespseté-las) mas ele também escreve sobre os, unicémnios, que julga indispenséveis 4 légica e a teoria do conhecimento. E entre 0 ordindtio, a ‘vaca, e0 fantatioso, 0: uniedmios, hé o Vampyrotheutis Infernalis. Descoberto por cientistas no inicio do século XX, essa lula vampisa do inferno (¢ is quer dizer vampyrotheutis infernalis) vive entre 400 e 1.000 metros de profundidade Mas o abismo que nos sepase do vampyrotheutis é maior do que as funduras onde ele vive. E é maior ainda do que a distincia que nos apasta dos unicémios. Se saudamos os unicémios como simbolos da puceza que © Imaginisio peeseceve como animais que 26 :¢ deizim tocie pelas ‘visgens mais belas e paras, pelo vampyrotheutis, contraiamente, sentimos asco. Se o primeito se distancia de nds o quanto podem se distanciar as esséncias mais elevadas, 0 outro nos provoca sepulsa. O nojo recapitula a Slogénese, diz Flusser. Sentimos mais nojo dos vermes mais moles do que dos peixes © anfibios e mais destes do que dos vertebrados de sangue quente e nessa sequensia nos afeigoamos, solidisios, aos mamiferos. (Mas no é a0 esmagar a barata - “oma barata tio velha que era imemorial” — e provar daquela experiénciz com os iquidos brancos que saem dentro dela que 2 personagem G.H. de Clarice Lispector, alquimicamente, experimenta uma sevelagio desnosteadora?) Vivemos na tecra; 0 vampyrotheutis, no fondo do mar. O ar que sespiramos poderia ermagé-lo. Noss o se sepaca da cabega, enquants que o vampyzotheuti: é todo amor. Flussee diz que o coxpo do vampyrictheutis se retorceu de forma céncava de modo a confundir boca € Anus num mesmo érgio, présimo ao cérebro. E quando boca e anus se cerebralizam, o “cérebro se sexvaliza” Flusses, 2011: 51). © coito ocupa grande paste de sua vida e € umz danca prolongada e piblica. © vampyrotheutis tem trés penis. Dois deles, ele utiliza para excitar 1 fémea (pela boca, pasando por dentes e Kngua) © para ce intesdusis dentzo dela, enquanto que © terceiro serve para conhecer 0 mundo. Se conhecemos pelas nossas mios, que esbaram no mundo que se forca contra elas, fazendo-nos criar objetos e assim constituir cultura (essa ideia aparece em muitos momentos da obra de Flusse:), mios como “critéio do conhecimento” (Flusser, 2011: 67), 0 vampyrotheutis conhece apaixonademente, pois o faz pelo pénis e pela boca. Quem comands a acess cultuss é 0 apacelho digestive, ov ecja, a supecestevtura, exquanto que 0 comportamento do vampyrothuetis determinado pelos Srgios sexuais. Nesta hora Flusser se pergunta: “como explicar tal ancmalia 2 preponderincia da digestio sobre o sexo?”. Para Flusser, nesse caso, a aberracio somos nés, no os vampyrotheutis.

Anda mungkin juga menyukai