Anda di halaman 1dari 25
A MULHBER NOS CANCIONEIROS. NOTAS PARA UM ANTI-RETRATO DESCORTES 7 JOSE LUIS RODRIGUEZ Universidade de Santiago 0. A reflexom sobre a mulher medieval vem jé de bastante longe, ora do ponto de vista geral do seu papel na sociedade, ora, mais restritamente, na literatura, médio- latina ou em linguas vulgares!. As duas linhas, nem sempre convergentes, embora obrigadamente complementares, necessitam-se mutuamente?, A pesquisa histérica 1, Vid, v. g¢E, Finke: La mujeren la Edad Media. Revista de Occidente, Madrid 1926. B, assim mesmo, ‘c.Brlckson= K, Casey: «Women in the Middle Ages: A Working Bibliography», in Medieval Studies, 37 (0975), pp. 340.359, Nos iltimos anos ointereste aumento, v.86 da década de tenia actuaidade, M. Wade Labarg: La majer en la Edad Media, Tra.) Newea, Madrid 1988; E. Ute: Women inthe me ‘leva town Battie & Jenkins, London 1988; F. Ennen: The Medieval Woman. Basi Blackwell, Oxford 1989. Duby y M. Pesto dir.) Historia de las mujeres en Occidente. Tomo 2, La Eded Media (Trad) “Taunus Ed. Madrid 1992. Encontos de investigadores,como La condicién de ta mijeren la Edad Medi, [Actas del Cologuio de la Casa de Veldzguez, Universidad Autéroma de Madrid 1984, ou 8 Mather na Sociedade Poriueuesa. Actas do Coldquio, Coimbra Ed, Coimbra 1986, assim como, numba dinémica igualmente peninsular, C. Segura: Las mujeres en el Medivo hispano, Cuadernos de Investigacién Me- dieyal-n°2, Mactié 1984, ou, da mesma aviore, «Aproximacién ala reciente bibliografia sobre la istoia, de las mujeres hispanas en el Medievon, in Estudos Medievais, 7 (Poco (986), pp. 223-227, Do pont de vista tert, junto detabalhos de tiologia como clisico de M.R. Lida de Matkie: «La damacomo obra magstra de Dios», in Romance Philology, 28 (1973), pp. 267-324, incluido depois nolivro etudios sobre la literatura esparita del siglo XV. José Portéa Tucanzas, Madrid 1977, pp: 179-220, ov o mais recente de R. Renter: I po esterico della donna nel Medioevo. Ancona 1985, avultam os ci Cunscrtos literatura goulesas, gr, R, Lejeune! as ferome dan les literatures frangatseet octane au Nilay Xilbmesiclen, in Cahiers de Civilisation Mediate, 20(1977), pp, 201-317, ou M. L, Donaise Fernandez: Lanujer ena pica francesa. Universidad de Oviedo 1982, Para diversos aspectosconcerentes a0 dibito hispinico, vi. ocoloctivo Women in Hispanic Literature. Feons end Fler Idols. (Di. por B. Milles), University of Carolia Press 1983, 2. Para uinha aproximagom &sitwagom da mulher na Idado Média, cumpre consderar todas ss foes escrits, ‘enom s6, que chegarom até nés A combinagom de todas elas qu pode fezerexequivel amha abordagem fer , tanto quanto possvel, completa da sua reslidade multifacerads, que dé conta do seu estatuto scio- “econémico, sna também do seu pensamentoe afetos, do seu comportament, enim, dito com dous neologismos, do seu entra-ser edo se inra-ser.Eiustativo, por exemplo, que um trabalho como de Maria del Carmen Pallares Méndez, quase inaugural entre nos («Las mujeres en la sociedad gallega 44 A MULHER NOS CANCIONEIROS precisa do material literdrio, sem esquecer a sua singularidade; este, por sua vez, nom deixa de constituir um cédigo cultural mais, se bem de umha extraordindria autonomia, Dentro da nossa poesia medieval, se algum espécime se apresenta susceptivel da interdisciplinariedade apontada, som-no as cantigas d’escarnho e maldizer. «Sociologia ou pottica?», pergunta-se Jorge A. Osorio’, Jano bifronte, elas tenhem sido antes valorizadas _precisamente como documento - histérico, sacial, folcl6rico mesmo - do gue veiculado elaboragons de ordem literéria, atinentes, v. gr., & especificidade dos seus subgéneros, & relagom com 0 (arqué)tipo de amor-amigo ou A prépria tessitura dos poemas. A temética feminina, 0 papel da mulher na nossa literatura trovadoresca nom est4 excessivamente estudado, ou polo menos centralmente focalizado, apesar de esta constituir umba produgom organizada substancialmente em volta daquela. Em todo caso, aprofunda-se nos géneros erdticos considerados nobres - as cantigas d’amigo ¢ d'amor ~ , marginando-se, neste aspecto como noutros, 0 género, tradicionalmente marginal, d'escarnho e mal dizer. Essa marginalidade, ou, melhor, lateralidade, & hoje, no entanto, cada vez mais posta em questom. As cantigas de escdrnio e mal dizer (CEM) som decodificdveis, na maior parte dos casos, @ partir dos pressupostos, anverso ¢ reverso, da cantiga de amor, cuja poética alastra, por sua vez, A de amigo. E possivel assim ler uma cantiga satirica com 0 mesmo cédigo da de amor, mas utilizando umha valéncia diferente, Adoptando, e adaptando, um conceito de Pierre Bec, 0 contra-texto', numba perspectiva talvez mais alargada, pode afirmar-se que, a0 lado do texto litico-amoroso, de tonalidades corteses (e cortesés), convive, nos mesmos autores © pata os mesmos receptores, 0 seu contra-texto, @ inversom, em termos satiricos ou simplesmente lidicos. Contodo, hé zonas nas CEM (mas princi- palmente na cantiga de amigo) alheias a umba arte palaciana, organizada entre nds em torno da cantiga de amor’ bajomedieval», no colectivo Relaciones de poder, de produccidn y parentesco en ta Edad Media y Moderna. Aproximacién a su estudio, C.S.1.C., Madrid 1990, pp. 351-373), enferme dos contributos de pprocedencia literéria, No sentido apontado como adequado, mas extravasando este concreio sector, vid de A.H. de Oliveira Marques, A Sociedade Medieval Portuguesa. Sé da Costa, Lisbaa 1964 (I* ed.) 3. Vid. oseuteabalho «Canvigeede escarnho galego-portuguesa:sociolagiaou poéticar, in Revistada Faculdade de Letras Linguas e Literaturas,I{ série, vol II (Porto 1986), pp. 153-197, Vid, também M. 7, Cababias: «La cantiga de escarnio y mal decie: su problemdtica insercién en el discursa critica», in Estudos Por- tugueses e Africanos, 6 (1985), pp. 57-65, 4.Cfr.oseu Burlesque et obscenité ches tes troubadour (Le contre-texle au Moyen Age). Stock/Moyen Age, Paris 1984, p.1 «ie contre-texte (..) n'est pas ambigu. Il s'installe en effet dans le code liuéraize, utilise ses procédés jusqu’a l’exaspération, mais le dévie fondamentalement de son contenu wéférentiel», Vid, também. Reimonde Norenha: «Possiveis influéncias da lirica provencal na lirica galego-portuguesa», in Actas do I Congresso Internacional da Lingua Galego-Portuguesa na Galiza, Agal, sl. 1986, pp. 693 719, estudo comparative entre as duas Iicas centrado em representativos contra-textos de tipo obsceno, 5. R. Reimunde (cir) enxerga umha menor dependéncia do nosso escimnio a respeito da fin'amors em ‘comparagom com o serveniés; a presenga de fontes de inspiragom autsctone, do mesmo teor - podtamos acrescentar- das que preside o espirite camavalesco, A corte ea praca publica, espaca fechado vs. espago aberto, eis, enfim, os dous pélos das CEM. JOSE LUIS RODRIGUEZ 45 Nas paginas que seguem tentamos desenvolver um t6pico, a descriptio puellae, tradicionalmente como laudatio, mas principalmente a sua antftese, uma denigratio mulieris, o retrato da mulher afinal, divinizada em inalcangavel senhor ou cousificada em velha fududancua’. Comegaremos por referit-nos as denominagons da mulher, porque, ainda que nom pertengam dircctamente ao retrato, podem precisar miiltiplos tragos que Ihe dizem respeito; mostram, enfim, 0 caminho da coneretizagom do ser, quando nom som um simples exerefcio de contra-texto. 1.- As denominagons da mulher Um dos mais conhecidos t6picos da cantiga de amor, comum de facto & cantiga de amigo, é 0 silenciamento do nome da dama, que se reduz a formas generalizantes tipo, respectivamente, senhor e amiga (alids bivalente, implica amor efou amizade), junto das por vezes alternantes dona e donzela, que traduzem so- bretodo o estado civil da molher’. Agregue-se para a cantiga de amigo os termos madre € irmana e estard quase completo 0 quadro. Frente a este esquema singelo, nas cantigas Iidico-satiricas invade-nos umha torrente de denominagons, denotadora da real multiplicidade. Além dos generalizadores molker, senhor/senhora’, varéas, numha ocasiom, e de dona, donzela, mother no {A respeito das cantigas de amigo, como aponta R. Lemaire, «They belong to the European oral tradition ofthe women's songs (oft, «Explaining away the Female Subject, The Case of Medieval Lyric», in Poetics Today, 7: 4 (1986), pp. 729-743, concretamente p. 730). Para esta autora, a cantiga tradicional feminina fj incorporada ao universo masculino, com @ adulteragom ou substituigom do seu simbolismo mégico- erdtico, na passagem das linguas vernéculas «de orality a lireracy» (cfr. «As cantigas que a gente canta, 0$ amores que a gente quer. O pape! da mulher na passagem da tradigao oral escrito», in Anais do 1V Encvmiro Nacional da ANPOLL, Sao Paulo 1989, pp. 13-33, emconcreto p. 19, Na mesmalinna, «A angio demalmaridada», in A Muher na Literatura, ANPOLL, vel. Il, Belo Horizonte 1990, pp. 13-26, No caso da cantiga de amigo, um certo nmero delas (umhas cem) reproduziria ou reflectiria a antiga eangom de ‘mulher. A maioria, porém,transparenta os valores masculinas que espelha a cantiga de amor. 6 . Para o retrato em positive da dams, para além das generalidades de manual, ef. $. Spina: De formalismo esiético rovadoresco. Universidade de Sto Paulo, Sio Paulo 1966, pp. 106-131, sobretado J.-M-d" Heur Recherches internes sur la {yrigue amoureuse des roubadours galiciens-portugais (XIEXIV sizeles). 8.1, 1975, especialmente «Le portrait de la dare» (pp. 439-469). Neste momento (1992), algumas teses de doutoramento na Universidade compostelana retomam o tema do retrato, alargando-o a outros émbitos, ‘mesmo prosfsticos, e a outras literaturas. Assim mesmo, termninado este trabalho, topamos em M. T. Cabafas (cit em nota 3) umha referencia a um artigo de Yara F. Vieira («Retrato medieval de mulher: a bailarina com pés de poreo», in Estudos Portugueses e Africanos, 1, 1983, pp. 95-110), de mais que previsivelinteresse, mas que nom pudemas consulta, 7 Of. J.-M.d*Heur(cit.em nota anterion, p.313¢ss. Vid. igualmente M, Brea: eDonae senhornascantiges de amor», in Estudios Roménicos, vol. 4° (1987-88-89), pp, 149-170, com atengom, apesar do titulo, & situagom provencal. A respeito da ambigtidade seméatica de dona, oft. p. 167 ess. Vid. também, Corral Diaz: «A denominacién dona nas cantigas de amigo», in Homenaxe 5 profesor Constantino Garcia. Il Universidade de Santiago de Compostela 1991, pp. 275-283, 8. A forma analégiea semhora, embora cara, aparece gorantida pola rimaem textos de D. Afonso Sanchez (n® 63) e Gil Perez Conde (n° 163), alternar na mesma compasigom com a emblemética senkor. Também 46 A MULHER NOS CANCIONEIROS sentido de esposa, também presente, madre/mai, filha, neta, mesmo tia, 6 como tratamento, assim como dos indicadores de idade (velha, moga, manceba, pastorinha, sinénimo de mothercinha, meninha), de ntvel social (reinha, ricas donas, rica mother, infangoas, coteifa, cochéa), de estado civil (solteira, casada, vitiva) ou de profissom om termos amplos (abadessa, prioressa, freira, monja, touquinegra; ama,, tecedor, manceba, malada; soldadeira, covilheira, barragda, puta, quase sempre como qualificativo). E junto das generalizadoras ou estratificadoras, as identificadorgs, ora por meio de perifrases alusivas a0 lugar de naturalidade ou residéncia (a de Belenha, a donzela d’Arcos; a donzela de Biscaia: a dona fremosa do Soveral, © mais explicitamente A dona de Bagiiin, / que mora no Soveral), sem que faltem as referéncias a9 marido, namorado ou linhagem, amitide a precisar 0 proprio nome baptismal (a Meestra, mia coirmda; esta ama, cuj'é Joan Coelho; a molher que traz Bernal de Bonaval; a mother de Don Beeito; a mother de Pedr'Agudo; a molherlesposa do zebron; Dona Maria, a mother de Martin jograr, acaso a mother de Martin de Cornes; Dona Luzia, a vendida en Orzelhon; Netas de Conde, da linkagem de Gueda), ou apelidos-aleunha (a Camela; a Codarniz), ou metéforas (a cadela; a Peixota), enfim, jogos polissémicos (a maior, substantivo comum e proprio). Nom obstante, € a irrupgom do nome baptismal, s6 ou com apelido, o mais caracteristico: Maria, é 0 mais representado (além da Virgem, Santa Maria, € 0 nome da famosa, na sociedade trovadoresca, Balteira: Maria Perez, por alcunha a Balteira, a mulher mais vezes citada nos Cancioneiros®. A seu par, em colorida falange, outras soldadeiras nominadas, juntamente com mulheres de outras classes sociais, a mitido precedidas do tratamento de dona, nem sempre indicador inequivoco de pertenga 2 nobreza, burguesia ou Igreja: Dona Biringuela, Domingas Eanes, Elvira, Elvira Lopez, Elvira Perez, Dona Gondrode, Dona Gontinha, Dona Luzia, Dona Luzia/Luzia Sanchez, Maior Garcia, Dona Maria, Maria do Grave, Maria Domingla), Maria Garcia, Maria Genta, Maria Leve, (Dona) Maria Negra, Mari’Mateu, Marinha/Dona Marinha, Marinka Caadoe, Marinha Crespa, Marinha Foca, Marinha Lopez, Marinha Sabugal, Milia Sancha Fernandiz, Mor da Cana, Dona Orrac’Abril, Orraca Airas, Orraca Lopez, Dona numa pastorela de D. Denis(Lang cit, em nota I1, LVM), A suapresenga sobretodo nos textos deescdrmio, mais abertes 8 expressom do popular mesmo por inversom do cortés, nom nes parece casual. Para as duas referéncias textuais, cfr, indicado em nota 10. Dentro do universo cortés, senhorisenhiora podia aplicar-se, na qualidade de tratamento, a todas as classes sociais, como testemunha Joam Soarez Coelho (n° 238), visando Joam Garcia (de Guilhade): «Eo vila ‘que (robar souber / que trob'e chame «senhor» sa molher,/¢ averd cada un 0 seu dereito» (vv. 22-24). Ou , Abril Perez (n° 87) a B. de Boraval: «ca ben sabemos, Don Bernaldo, qual /senhor sol sempr'a servir segrel» (vv. 41-42), 9 Como (a) Balteira (n° 11, Assine 337, 425, 428), Maria Perez (n° 146, 245, 358. 400), Maria Balteira (n° 195, 315, 321, 331, 376)... cit segundo Lapa (eft. nova seguinte). Parece-nos ainda que muitas das «Marias» citadas nas CEM encobrem a célebre soldadeira (v.gr.ade Joam Airas 181, oua Marla Leve de Joam Vaasque7, cfr. 246 e 245). Opiniom coincidente em S. Pellegrini (cit. em nota 22). Assim mesmo, ‘fe, nota 19. Entze outros trabalhos sobre a singular personagem, vid. o de C. Alvar: «Maria Pérez, Balteira», in Archivo de Filologia Aragonesa, 36-37 (1985), pp. 11-40, JOSE LUIS RODRIGUEZ 47 Ouroana, Dona Qusenda, Sancha Anes, Sancha Diaz, Sevilh'Anrique, Tareija Lopiz Nom sc silencia o nome da mulher; a mulher € conhecida por méttiplos caminhos ¢ referéncias de pormenor, e quando ainda forem insuficientes, 0 conhecimento do contexto por parte dos ouvintes fai o resto. Contexto que se precisa, amitide, por meio de rubricas explicativas dos primeiros antélogos, e que salvam, por vezes, a inteligibilidade da composigom, as interpretagons possfveis, para os leitores futuros . Nom obstante, nom cremos encontrar-nos neste ponto perante contra-textos, visto nom existir intengom de reflectir © t6pico as avessas, € nem sequer alusons cifticas, ou polo menos festivas, a ele. A excepgam pode corresponder, talvez (Vv. 11), @ umha cantiga de Afonso Eanes do Cotom', que arrasta a sua tristeza, fervilhando, de aquém para além, por terras de Castela. B apés umba mulher, a cujas possiveis notas de identidade alude & vez que neutraliza: E adona que m’assi faz andar casad’é, ou vitiv'ou solteira, 0u touquinegra, ou monja ou freira (n® 36) ‘Também umha composigom de Roi Paez de Ribela (n° 410), em que o enunciador «desdenha nada menos de quatro mulheres, que tantas eram, ao que parece, as que se interessavam por ele» (Lapa) —a de Belenha, a donzela d’Arcos, Dona Maria, Sevith’Anrique— , pode constituir, simplesmente, um mero jogo contra-textual a respeito do tam recorrente lugar comum 2.- O louvor da dama E tpico por exceléncia, ¢ nuclear, da cantiga de amor, com ecos, em forma de auto-elogio, na cantiga de amigo. De procedéncia provengal, como explicita exemplarmente D. Denis: Quer'eu em maneira de prozngal fazer agora um cantar d’amor, querrei muit’i loar mha senhor 4 que prez nem fremosura nom fal, nem bondade; e mais vos direi em: 10.. Todas as citagons cortespondem, salvo indicagom em contrério, A monumental Cantigas d'escarnho ¢ de mat dizer dos cancioneivos medievais galego-portugueses. Ed. Galéxia, Vigo 1970 (2 ed.), de M. Rodrigues Lapa. A simples anotagom numérica a par do nome do pocta remete para o nimero da ‘composigom nesta colecténes. Quando o algarismo vai isolado entre par€ntese, acompanhas, para maior (Lapa, "Vecabulitio’,, v. - cit, em nota 10), através de exemplos ‘onde é diffeil pecisar. No contexto em que nos surge, cbarba no queix’é no granhon», de Pere Viviaez (a” 405), que inserinios mais para a frente, inerpreta-o no entanto como «faces», A associagom de queixo & {granhon leva-nos antes a pensar em ‘bigode’, mais exactamente,@ zona que recobre o labo superior, Nesta hipotese, granhon teria passado de designar ‘pélos (do bigode)'a ‘paste da cara susceptivel de pilosidade’, cm particular a apontada. Bis dous exermplos a sugerirem "bigode’, um de Pero de Ambroa (n° 340): +E, Don Pedro, os beigos Ih’er poede / a esse cu, que é tan ben barvado, /¢ 0 granhon ben feito Ihi fazede / ¢ faredes ocuuben arcufadoo (wv. 15-18).0 outro, de Afonso X (n° 21), que compara grankdes com barvas: «Vi coteites e cochdes / con ri (mais) longos granhbes / que as barvas dos cabrées» (vy, 31-33). Para a ‘origem do voedbulo e discussom, cfr. J. Corominas -J. A. Pascual: Diccionario eritico-etimoldgico cas- tellano e hispdnico. Gredos, Madrid 1980, vol. Ill s. v. greta 17 . Vid. 0 nosso trabalho «El equivoco como recusse estilistica nuclear en la cantiga d'escarrtho de los Cancioneros, in Liceo Franciscano, XXIX (Santiago 1976), pp, 33-46. [8.4 Cultura Popular na dade Média e no Renascimento, O Contesto de Francois Rabelais, (Trad.). Ed. Hucitec - Ed. Universidade de Brasilia, S80 Paulo - (Brasilia) 1987. 50 A MULHER NOS CANCIONEIROS 2.4.2. O contra-retrato A ideia da fealdade da mulher surge em vérias composigons com os termos caracteristicos da isotopia: fea (Afonso X 7, P. Larouco 397) mal ralhada (F. Rodriguez, de Calheiros 137), a dona peior talhada que nunca vi (Afonso X 28). O termo fea, com © abstracto fealdade, rara vez, domina nitidamente este campo seméntico, Cumpre, porém, assinalar que amitide figura em séries intensivas, nom s6 alusivas ao fisico, mas antes ao perfil moral da mulher: velhas feas (G. Perez Conde 164); fea, velha e sandia (J. Garcia de Guilhade 203), esta série trimembre especialmente interessante por se arvorar de forma explicita em “louvor'da mulher. A primeira das trés estrofes, presididas polo paralelismo seméntico, reza Ai, dona fea, fostes-vos queixar gue vos nunca louvfo] en meu cantar; mais ora quero fazer un cantat en que vos loarei toda via; e vedes como vos quero loar: dona fea, vetha e sandia! A parddia sintetiza-se nos tés adjectivos referidos ao substantive dona, orde- nados canonicamente (do fisico 20 moral). Junto da caracterizagom fisica, com alusom a0 esteredtipo da idade, o impropério moral. Qualquer dos trés nas antipodas do universo da fin'amors € da cortesia. Igualmente, Pedro Amigo de Sevilha (n° 309) fea e velha, nunca ex vi tanto; e esta dona puta é jd quanto (vv. 5-6) reunindo em sintese trés dos termos centrais da denegrigom da mulher, a que se somam outras notas menores de tipo negativo, A apreciagom do fisico pode condensar-se numha simples anotagom global, de tipo intensivo, rara vez completada por al gumha comparagom ou metéfora. O enunciador numha cantiga de Afonso X (n° 28) acha Sancha Anes encavaigada (v. 1), «uma dona de avantajadas formas ¢ jé entrada em anos» (Lapa), afigurando-se-Ihe mostea, umba carrada de palha: nunca vi dona peior talhada, quige jurar que era mosiea, ¢ vi-a cavalgar per Wa aldeia € quige jurar que era mostea (vv.3-6) comparagom feliz, sublinbada polo refram e a sermocinatio, «que exprime admiravalmente bem 0 vagaroso do endamento, a grossura das formas ¢ as farripas esbranquigadas dos cabelos», em perfeita amplificagom de Lapa. Por vezes, a fealdade aparece marcada por meio de caracterizagons indirectas. Eis os casos em que isto se produz: JOSE LUIS RODRIGUEZ 51 - Pero Garcia Burgalés (n? 385) chama ironicamente a Maria Negra’ ben talhada, vistoso estilema da cantiga de amigo, numha composigom em que se invertem, aliés, 0s papéis deste (sub)género, 20 apontar que é a mulher quem recebe honra polo seu amor ao poeta. A primeira das quatro estrofes, todas de fundo paralelfstico, assinala: Dona Maria Negra, ben talhada, dizen que sodes de mi namorada, Se me ben queredes, por Deus, amiga, que moit’onr’avedes, se me ben queredes. ~ Pero de Armea (n° 373) compara o rosto de umha donzela, que presumia de formosa, com o traseiro dele proprio, devidamente enfeitado com concela e alvaiade, 2 que soma Pero de Ambroa (n° 340) o revol, diferentes tipos de cosméticos, junta- mente com orelhas, sobrancelhas, ¢, novamente 0 de Ambroa, narizes, beigos © grankon. Nestas condicons, afirma, de parescer ben vencer-vos-ia (v. T). A composigom € seleccionada por Giuseppe Tavani como exemplificadora, entre nés, dessa cultura cémica popular a que aludimos. A substituigom do alto polo baixo e vice-versa, a elevagom do traseiro ao nivel da cabega e vice-versa, para ele «no (...) mais do que um aspecto da subversio carnavalesca», notando que «o disfarce do traseiro para que se parega com a cara é um dos motivos essenciais, ainda hoje, do cémico popular». Especifica ainda que os cosméticos, branco e vermelho, ponhem de relevo 0 encarnado natural do rosto. - Pero da Ponte (n° 343), perante a indagagom de Marinha Foga a propésito do seu parecer, exclama cruelmente, no mais ferinte mal-dizer: + Senhor, non ouver’a nacer quen vos viu e vos desejou! (vv. 5-6) especificando um dinico matiz: a coor... negra (wv. 14 € 20) Na cor, ¢ a cor negra, insiste-se noutra composigom (Afonso X, 7), outras vezes sem mais precisons: @ vossa color (P. Larouco, 397), como trago negativo, Deverd entender-se com. os predicamentos antitéticos de ben colorada (P. de Armea, 373), nota marcada positivamente. - Novamente Pero Garcia Burgalés (n* 375), com o pretexto de a sua senhor nom saber colocar-se a touca, recomenda-Ihe: 19, Oadjectivo funciona como alcunhal-apelido), visto se poder aindadepartir, enom pode seralheio aurnba rotagom geral de cor, mau grado a interpretagom que Pero Garcia Burgalés (n° 384) pom na boca da protagonista. O mesmo acontece com o Grave - Maria do Grave - que glosa Joam Soarez Coelho (n 233) ‘ow com Leve ~ Maria do Leve (n° 244, 246, 247) . A possibilidude de se tatar de jogos malévolos sobre « Baltcira nom nos parece despicienda, emmbora literatiamente irelevante. Ctr. notas 9 22, 20. Cfr. «0 cémico ¢ 0 carnavalesce nas cantigas de escarnho ¢ maldizer», in Boletim de Filologia, XXIX (1984), pp. $9-74, concretamente p, 68 A MULHER NOS CANCIONEIROS buscade quen vos entouque melhor € vos correga, polo meu amor as feituras e 0 cds que avedes (vv. 5-1) precisom, em termos actuais, de cirurgia estética para toda ela (feitras e cds), quanto a0 aspecto fisico, e umha flechada ao falar (outro t6pico do género: o falar bem) — «ese non, non faledes» (v. 21)—, do ponto de vista intelectual Nom existe no retrato negativo da mulher umha excessiva pormenorizagom dos seus rasgos, 0 que & acorde com o modelo de amor, de tipo abstracto ¢ selectivo. Exceptuam-se trés composigons, muito mais ticas no apontamento de tragos concre- tos, de teor fisico mas também moral. Pertencem a Afonso X 0 Sébio, Pero Viviaez e Joam Baveca, Reproduzimo-las na integra, a principiar pola do Rei Sébio, 0 qual «infringe todas as regras da cortesia, rebaixando a mulher a um nfvel perfeitamente animal», no dizer de Lapa (n° 7) Non quer'eu donzela fea que ant’a mia porta pea. Non quer'eu donzela fea € negra come carvon, que ant’a mia porta pea nen faga come sison. Non quer’eu donzela fea que ant’a mia porta pea. Non quer’eu donzela fea € velosa come can, que ant’a mia porta pea nen faca come alerma. Non quer’eu donzela fea (...) Non quer’eu donzela fea que 4 brancos os cabelos, que ant'a mia porta pea nen faga come camelos Non quer’eu donzela fea (...) Non quer’eu donzela fea, vellia de mala] coor, que ant'a mia porta pea nen [me] faga i peior. Non quer’eu donzela fea (...) A cantiga centra-se nos dous aspectos enunciados no refram, que abre e encerra JOSE LU{S RODRIGUEZ 53 a composigom: a fealdade ¢ 0 mau cheiro (¢ comportamento) da donzela. Conside- rando que os versos impares de cada estrofe (1 € 3) repetem os dous do reftam, os restantes constituem, alternativamente, expansons seménticas de cada um dos versos do estribilho, tornando todo a concentrar a nossa atengom na dualidade sémica do mesmo, resumo do poema: e negra come carvon (v. 4) lit eseioes meta (v.10) que & brancos os cabelos (v.16) velha de ma{a] coor (v.22) Non quer’eu donzela fea nen faga come sison (v.6) que ant’a mia porta pea nen faca come alerma (v.12) nen faga come camelos (v.18) nen [me] faga i peior (v.24) A isotopia da fealdade retine: cor negra, pele velosa, cabelos brancos, velhice & mé cor” A do fedor: referéncias intensivas de tipo comparativo a plantas (alermd}, aves (cison) e animais (camelos), ligados pola nota seméntica da fetidez. O «produto da digesto», como interpreta Lapa em nota, que irrompe desgostosa no tiltimo verso, participa igualmente dos mesmos semas. A associagom fealdade-velhice, de novo co- -presenite (v. 22), culmina o reverso do retrato fisico; a incontinéncia gasosa, se nom escatol6gica, dinamita também o perfil moral”. A cantiga de Pero Viviaez. (n° 405) é explicitamente (vv. 3-4) um contra-texto, um anti-paradigma, um modelo de fealdade feminina conforme os cénones da época ta donzela coitado «amor por si me faz andar; een sas feituras falar quero eu, come namorado: 5 rostr’agudo come foron, = barva no queix’e no granhon, 0 ventre grand’e inchado. 21 .B possivelrefere todos 0s membros da isotopia simplesmente a weiss, visto que exta st incorporar referencias negativas a cor (negra, principalmente) 22.. Vid o estuto de. Pellegsni: «Una ecantga de maldizr» di Alfonso X (B 476)», in Sidi Mediotri ¢ Volgar, Vill (1960), pp. 165-172, incuido depois no veo Vaveré romance. Adratica Editice, Bar 1977, pp. 20-28. Aponta a possbilidade (p. 25) ce qu «la doze fea sia da dentficare con lacelebre soldadeira (sto &, Maria Batera) che anche alta volta ovette supportare i pesant chersi del Re (@ 481/ V6)», cainda«éasai pid probabil, poichs fa doncla feat negra come carvon 4 che essasiatut uno con quella Maria Negron de Pero Garcia Burgales (Lapa, n° 7 e 384-385-386 respectivamente) Cf. as nossasnotas 9.¢ 19. Para peer, que poderia conlevareeos estieos, eft. pp. 24-25, 54 AMULHER NOS CANCIONEIROS Sobrancethas mesturadas, grandes ¢ mui cabeludas, 10 sobre-los olhos merjudas; eas tetas pendoradas € mui grandes, per boa fé; dun palm’e meio no pé eno cds trés polegadas. 15 A testa ten enrugada @ os olhos encovades, dentes pintos come dados e acabei, de passada, 20 Atala fez Nostro Senhor: mui sen doair'e sen sabor, des i mui pobr’e forgada. Trata-se de umha auténtica caricatura do fisico, com algumba pincelada sobre 0 estatuto psicolégico e social (vv. 20-21), da dama trovadoresca, apresentada como donzela (v.1), do mesmo modo que na anterior composigom de Afonso X®. Animalizagom (no incipit da descriptio, v. 5), excesso anatémico, contrastes desme- didos (vv, 13-14) num continuado prisma deformador (antftese ¢ hipérbole ao ser da denigratio), eis as chaves da cantiga. Nem sequer falta a referéncia maldosa & mulher como «obra maestra de Dios»™, no v. 20, em irdnica alusom ao texto d'amor. Na terceira composigom, de Joam Baveca (n° 193), o enunciador finge reproduzir umba conversa surpreendida entre duas mulheres, neste caso soldadeiras, em situagom de tomar banho doméstico”®, as quais, tendo comegado polo elogio miituo, acabam por pér a nu os respectivos fisicos deteriorados: Estavam oje duas soldadeiras dizendo ben, a gran pressa, de si; 23. Nom parece ingénua esta denominagom, que poderd aludir, em ambas as cantigas,&situagom forgasa de donzela (que nom dona), consequéncia das feituras evidenciadas polo enuncindor come namorada (ambigiidade: como namorado seu, autorizado paratecer umba laudatio tornada vituperatio; nacondigom, simplesmente de namorado, quet dizer, 0 ponto de vista da axiologia cortés,ecartes4). Noentanto, alguns indicios, como. venire grande inchado (v. Tyouas tetas pendoradae/ ¢ mui grandes (wy, | \-12),apontariam polo contririo, de forma irénica, para o temo donzela (como em, v.gr, E. da Guarda 111). Trataria-se de ‘uma mulher que nom & donzela (c. de amigo), nem afinal dama (c. de amor), segundo es tlkimos verses, nem provavelmente jovemt; um ser, assim, de todo ponte des-cortes, 24 . Clr. M.R, Lida de Malkiel (cit. em nota 1) 25. Alémde recurso necessirio paraa descrigom das respectivasintimidades das compankeiras v. 13),poderia haver um ceo irénico do banho iniciético (pré-nupcial ou de festilidade) que ressoa na tradigom de amigo. Para a simbologia da égua, associada de regra& experigncia erstica, eft. P. Lorenzo: La cancién de mujer ‘ert la lirica medieval. Universidade de Santiago de Compostela, 1990, p. 197 ess. Quanto A cenada nude2, como bem lembra J. A. Os6rio (cf, em wota 3), citando E.R. Curtius, «pertence a uma tradigao Hiteréria € folelorica> (p. 183). | JOSE LUIS RODRIGUEZ 55 eviu a tia delas as olheiras de sa companheira, ¢ diss’assi: — Que enrugadas olheiras téedes! E diss‘a outra: — V6s com’as veedes desses calbelos sobr'essas trincheiras]? en esse vosso rostro. B des i 10 diss'el'outra vez: — Jé vés dult’avedes; mais tomad’aquest'espelh’e veeredes tOdalas vossas sobrancethas veiras E ambas elas eran companheiras, ediss'a Ta en jogo outrossi: 15 — Pero nds ambas somos muit’arteiras, milhor conhosqu’eu vés ca v6s fa] min E diss’[a] outra: — Vés, que conhocedes amin tan ben, por que non entendedes como son covas essas caaveiras? 20 EB, depois, tomaron senhas masseiras, ¢ banharon-se e loavan-s’a si; © quis Deus que, nas palavras primeizas que ouveron, que chegass’eu ali; ediss’a ta : — Mole ventr’ avedes; 25 e diss'a utr’: — B vos mal ascondedes as tetas, que semelhan cevadeiras. Apesar de a composigom ser menos rica em pormenores fisicos que a anterior, em parte por ter chegado até n6s incompleta, revela significativa coincidéncia com a de Pero Viviaez, tanto nas partes do corpo seleccionadas quanto nos qualificativos aplicados PERO VIVIAEZ JOAM BAVECA rostro ‘agudo’ (v5 — w9) sobrancelhas ‘mesturadas’ — ‘veiras’ (v.12) tetas ‘pendoradas ¢ mui —que mal se escondem, grandes’(wv. 11-12) semelhan cevadeiras’25 ventre ‘grand’e inchado'(v.7 — ‘mole’ (v.24) ‘testa’ enrugada ‘olheiras'enrugadas ‘othos' encovados ‘caaveiras’ covas 26. Os semas nocional (‘com volume excessivo')¢ situacional (‘com caimento’), combinados com outros, respeitantes a0 venire, 3 resid, &6 olka... situa 2g mulheres alvejadas fore da juventude, etaria ou fisica, 56 A MULHER NOS CANCIONEIROS Por sua vez, Pero Viviaez acrescenta ainda: ~ queixo e granhon, com barba, -dentes, ‘pintos come dados’, que Lapa, em nota, entende: «isto é, grandes como dados ¢ apresentando pintas de podridao», embora nos parega nom ser segura areferéncia ao tamanho. - cés, de “8s polegadas’, face a0 pé, de ‘palmo e meio’; quer dizer, pés exageradamente grandes com respeito a um eds ridfeulo? Um problema, no entanto, € 0 exacto significado de cds. Se aponta & cintura, as medidas casa mal com 0 ‘ventre grand’e inchado’ citado antes (v.7). Aludird assim a0 corpo em geral; pouco mais do que um corpo simbélico??, colocado sobre uns pés desmesurados, para suster aquelas mamas € ventre volumosos, com rosto ossudo ¢ extremamente peloso?, eas rugas da fronte, como a rufna dos dentes, aanunciarem a velhice, se nom por anos, por desleixo. Eis, resumido, o retrato dadonzela de Pero Viviaez. Frente as donzelas de Afonso X e Pero Viviaez, vemos Joam Baveca escolher soldadeiras, as figuras femininas mais representativas do cancioneiro escarninho, aptesentadas invariavelmente como velhas, aspecto este que, se nom € propriamente fisico, € Sbvio que repercute nele. O facto de situar na velhez grande mimero de mulheres comporta caracteres contra-textuais evidentes. Com efeito, 0 vocébulo velha, na dupla fungom de substantivo ¢ adjectivo, é absolutamente dominante nestas cantigas para descrever o estado fisico de intimeras mulheres, os efeitos devastadores da passagem dos anos ou de umba vida desregrada. Som velhas, assim, soldadeiras, covilheiras, donas... (Afonso X, n* 7, A. Eanes do Cotom 45, 47, 48; J. Baveca 195, P. de Ambroa 339), mesmo umha ermida® é velha (P. de Ambroa 336). Joam Vaasquiz 27, Na realidade o significado dominante, se nom Unico, nos textos trovadorescos & "corpo", como em provengal (ors). Cf. T, Garcia-Sabell Tormo: Léxico francés nos cancioneiros galego-portugueses. Revisidn critica, BA, Galaxia, Viga 1991, s. v Os dicionarios tuso-brasileiros (A. de Morais Silva, C. de Figueiredo, A, Buargue de Hollanda, etc.) considerarm o palmo como antiga medida equivalente a 22 em; os pés sesiam pois de 33 cm. Por sua vez co palma tem 8 polegadas. Cfr.também X. A. L. Dobao: Vocabulario das pesas ¢ medidas, Kuntade Galicia, Santiago 1988, 9.28. sv. Lapa assinala, polo contrario, como «curioso o contraste entre 0 pé avantajado € a cinta de vespa» oc.cit.em comentario). 28, Note-sea falta de alusons aos cabelos, de regra no rettato médio-latine e provengal, mas ausente da nossa antiga de amor. Se auséncia textual implica auséncia real, eis umha antitese feroz" falta de cabelo frente um rotunt camtinuum de pBlo pola face, uras sobrancelhas unidas do tor do cabelo (cabeludas) adescatrem sobre 0s alhs. 29. Umha mulher? © seu sexo? Em todo 0 caso um referente feminino, Umha mulher pode devir, por sinédogue, um sexo (cfr, v. gr. Afonso Eanes do Cotom 41), JOSE LUIS RODRIGUEZ i (n° 247) apresenta Maria Leve perante o confessor, preocupada nom dos seus muitos pecados, mas do decorrer irremedidvel do tempo" Maria Leve, u se maenfestava, direi-vos ora 0 que confessava: — So velh’, ai, capelan! Lamento profundo, saudoso acaso do antigo pecar! Como substantive, ta velha (Afonso X, n° 31, A. Eanes do Cotom 48, 49; J. Baveca 195), geralmente precisado por umha adjectivagom negativa, amitide mesmo com mais de um elemento (séries bimembres ou trimembres), com efeitos intensificadores: - velhas feas (G. Perex Conde 164) ~ velha sandia (P. Garcia Burgalés 386) ~ velha de ma{a] coor (Afonso X, 7) - velha fududancua (Afonso X, A. Eanes do Cotom 45) + velha fududanicua peideira (A. Eanes do Cotom 45) - velha puta pobre (este como atributo, P, de Ambroa 339) Como acontecia com a fealdade, a velhice, que associa de regra 0 campo anterior, énos sugerida, por vezes, com procedimentos formalmente indirectos, no entanto semanticamente inequivocos, ora conceptuais, ora textuais. Assim, Orraca Lopez, velha que porém cuid'a guarecer (A. Eanes do Cotom 47), sente-se aludida (Similitude referencial) sé com ementar 0 poeta (n° 48) umha congénere: —Por Deus, que vos fer non trobedes a nutha velh’aqui, ca cuidaran que trobades a min (vv. 4-6) E em idénticas condigons surge alvejada a prépria Balteira, com o agravante de que 0 poeta —Joam Baveca (n° 195)— se sente, para meis, comicamente indignado polo seu proceder por ta velha que eu deostei, deostou-m’ora Maria Balteira (vv. 5-6) Assim mesmo, V. Perez Pardal e P, Amigo de Sevitha (n° 428) atribuem-Ihe, no reinado do Rei Sébio, 0 estranho poder de excomungar e de absolver; este poder ante tempo del-Rei D.Fernando jé thi viron aver (vv.10-1) 30 . 0 tema da coafissom aparece de regra nas CEM desprovido de conteddas celigiosos sérios, e si como estratagema satitico, butlesco ou jocoso. Feram Velho (o” 146), v. gr. situa a Balteiza apds a confissom a fithar um clérigo con que se defender / passa do Demo (v¥, 13-14) ¢@ quem dia cama en que sol jacer (19), Joam Baveea (n° 190), por sua vez, apresenin Maior Garcia, em idéntica contexto, cam dausou srés clérigas, un sa sazon (w. (3); en un deles, sabede vds ben f que a non pode a morte colher (vv. 20-21). 58 A MULHER NOS CANCIONEIROS «mania pérfida de the chamar velha», em palavras de Lapa De Elvira Perez afirma-se que «era mui boa», mas «melhor / quand'era moga» G. Romeu 224). A Marinha Crespa vai referido maliciosamente 0 provérbio, ainda actual, «a boi velho non Ihi busques abrigo» (P. da Ponte 344). E esse & acaso, 0 "pecado* da Peixota (id., n° 368), pois, apesar das caréncias de «pescado», «nulh’ome nona quer prender» (v. 14). Enfim, Pedro Amigo de Sevilha (n° 310), referindo-se a umha «apa velha» de umba certa Elvira, a capa velha, Elvira, através de um habil jogo sintagmatico na disposigom dos diferentes elementos linguisticos - a capa, velha Elvira -, atribui a velhice & prenda de vestir ¢ 8 mulher, homénima da anterior. ‘A dama trovadoresca pressupom-se jovem, embora raro se explicite esta juventude, salvo algumha vez nas cantigas de amigo (pastorinha, lougaa...). B ainda que a aplicagom destes conceitos nom se corresponda aos actuais, nem a senkor das cantigas tenha de ser, polo seu estatuto sécio-juridico, excessivamente jovem, a insisténcia das CEM na velhice supom, do ponto de vista da drbita corlés, um claro exercicio de contra-texto. Eis agora alguns aspectos relativos ao plano moral, em negativo. A maioria dos adjectivos ou conceitos aplicados & mulher som os esperados, tendo em conta o seu referente positivo”. Assim, a respeito da bondade, surge a marca da maldade, em companhia de torpidade, na senior, defeitos sem par, afora na misteriosa ressalva que coloca P. Larouco (n° 397) : senhor, ben [moor] & vossa torpidade de quantas outras eno mundo sei assi de fea come de maldade non vos vence oje senon filha dun rei (vv. 3-6) ‘A veracidade, no comportamento amoroso ou fora dele, aponta o adjectivo plural aleivosas, como caracterizagom de todas as mulheres, num arranco mais aparente do que real de misoginia’, em tengom entre Joam Vaasquiz e Joam Airas (n° 248), assim como sraedor (F. Paez de Talamancos 134), perjurada (L. Lias 265) € 08 conceites de ‘enganadora’(E. da Guarda 123, V. Perez Pardal 425) e ‘mentirosa’ (F. Paez de Talamancos 134, P. Amigo de Sevilha 317), juntamente com o préximo 31. Algomiha vez presente, em registo irénico, Assim, 9 Balteira (P. de Ambroa 331) € qualificada como sabedor @arieira (v.7) 2m... tirar com beesteires, com equivoco sexual inclufdo. Cfr. também as cantigas 1° 37 (v. 2) ¢ 367 (v. 22), quanto ao primeiro agjectivo, ¢ a° 193 (v. 15), quanto ao segundo. 32, A misoginia, além deste isolado ¢ fragil eco (que cumpre contextualizar na estrutura da tengom), nom em presenga entre nés, polo menos no plano discursive (eft. contodo E, da Guarda 122). Umba ‘eproximagom ao ema, tomando como base as colecgoas contisticas, em MJ. Lacarra: «Algunos datos para labistoriade fa misoginia en la Edad Media», in Studia in honorem prof M. de Riquer, I, Quademns Crema, Barcelona 1984, pp. 339-361. Cf. nvtas 29, 43 e 47, JOSE LUIS RODRIGUEZ 59 de rafece (J. Baveca 196). Também ‘interesseira’ (P. Amigo de Sevilha 318, J Vaasquiz 245, 246). ‘A mesura refere-se negativamente 0 adj. sandia (J. Garcia de Guilhade 203, P. Garcia Burgalés 386), 0 termo canénico assanhada/ensanhada (Afonso X, 1, F. Paez de Talamancos 137), e, explicitamente, desmesurada (Afonso X 1, V. Perez Pardal 425). Esta descortesia atribui-se & Balteira, junto com a nogom de ‘blasfema’ou ‘impiedosa'(P. Garcia Burgalés 376) no jogo de dados. A Maria Perez talvez aluda, também, outra composigom de Joam Airas de Santiago (n° 181), que, embora hiperbolizando © feitio medonho da mulher, centra-se ironicamente no t6pico da timidez ou temor invenctveis do namorado™ perante a dama. Lembremos a primeira estrofe: Pero Garcia me disse que mia senhor con el visse; e dixe-Ih’eu, que non ofsse: — Ai, Pero Garcia, gran med’ ei de Dona Maria, que nos tmataria! Finalmente, eis aqui outro grupo de termos do mais injurioso dos Cancioneiros: © ja visto puta (P. Amigo de Sevilha 309, P. da Ponte 357), intensificado com gran (id. 363), ou amplificado com vetha (P. de Ambroa 339), puta fududancua (J. Garcia de Guilhade 213), peideira (J. Garcia de Guilhade 213, P. Garcia Burgalés 384), palavra esta também fortemente afrontosa que Lapa" fai equivalente a ‘ordindtia, reles, porca’...2 de notar que 0 vocabulo puta (e 0 conceito) nom implicam amidde um ataque (directo) & mulher, mas 20 home com quem convive ou se relaciona’S. Pola condigom dela conhece-se a dele, verdadeiro alvo do escémio, Os outros dous termos, no entanto, som imediatamente lesivos para as alvejadas. Umha tinica vez surgem fraquelinha (J. Garcia de Guilhade 213), lazerada (1 Bolseiro - J. Soarez Coelho 251), malfadada (P. Garcia Burgalés 386), mesela (M. Soarez 285), sen doair’e sen sabor (P. Viviaez 405). Algumha vez pobre (P. de Ambroa 339, P. Garcia Burgalés 386), © mui pobre (P. Viviaez 405). Pedro Amigo de Sevilha (n? 323) aproveita este dado como estratagema para um jogo sexual: Maior Garcia {vil tan pobr’ogano, 33. Hé mais do que isto; hé também uma flechada a Balteira, ratada, em inversom s6cio-cortes, como senkor (e senhor de mais de umm), € mesmo um eco do génio da singular soldadeira que, em referéncia a Pero de Ambroa (Afonso X, |), ameaga’ «se a vex assanhar me fazedes / saberedes quaes peras eu vendo» (vy. 7-8, ete.), com novo eco do c6digo d'umer. 34. No “Vocabulario” (s. v.) da sua edigom das Cantigas (et, em nota 9) 35. «Se pensaba que Ia prostitucion era una necesidad masculina y se afirmaba que era una salvaguarda para las esposas e hijas decentes». M, Wade Labarge (cit. em nota I), p. 251 60 A MULHER NOS CANCIONEIROS que nunca tan pobr'outra molher vi, que, se non fosse 0 arcediano, non avia que deitar sobre si (vy. 1-4) A referéncia & depreciagom (moral ou social) pode incluir, de forma indicial, a profissom, Assim, Airas Perez Vuitorom (n° 83) a Correola: conselho-vos que tragades molher destas aqui, se peior nan veer, a que achardes i de mais mercado (vv. 23-25) A depreciagom pode também conduzir-se indirectamente, Assim acontece numha cantiga de Pedro Amigo de Sevilha (n® 321) que visa magistralmente, por ambigitidade satiriea, um tal Pero Ordonhez e, por similitude referencial, Maria Balteira, Trata-se de alguém que € «torpe ¢ desembrado» (v. 1), que parece «rapaz / ou algun ome de pouco recado» (vy. 6-7), «mui chgg de mal» (v. 12), etc., que «pregunta por Ua soldadeira / ¢ non pregunta por al mais guisado» (vy. 10-11). ‘A nogom de pureza maculada por um comportamento que torna quase irreconhecfvel 0 ser, aponta umba curiosa cantiga de D. Fernam Paez de Talamancos (n° 136), ou Tamalancos",que sugere maliciosamente, por antitese, as negras qualidades de umha abadessa, sua coirmé, essa: Quand’eu passei per Dormia preguntei por mia coirméa, asalva e pafalgda Disseron: — Non é aqui essa, alhur buscade vés essa; ais é aqui a abadessa. Preguntei: — Por caridade, u é daqui salvidade, que sempr’amou castidade? Disseron: —non & aqui essa (...) ‘A contraposigom do reftam propicia 0 discurso identificador, a passagem da interpretagom literal para a velada. Assim a abadessa é-nos apresentada indirectamen- te como ‘corrupta’(nom salva),’descortés’ (nom paagda), ‘luxuriosa’(nom conhece castidade). Da mesma maneira, numba cantiga de Afonso Eanes do Cotom (n° 37), outra abadessa, qualificada canonicamente de sabedor de todo ben, aparece especia- lizada, numha espécie de inversom de mestrias, em sabedoria sexual, na arte de ambrar. Como a Maria Dominga de Pero da Ponte (n° 367), com intertextualidade do ‘yoodbulo em ambos os poemas. 36. Clr. CP, Martine Pereivo: As cantigas de Ferman Paez de Tamalancos. Ed. Laiovento, Santiago 1992, pp. 25-25, Cit. a licida andlise da cantiga nas pp. 82-83. Jost LUIS RODRIGUEZ 6 Assim mesmo, umha composigom de D. Afonso Sanchez (n° 63) aponta para umba transformagom parecida a de Tamalancos, expressa simbolicamente pola mudanca antroponimica da mulher, que, de D. Biringuela e D, Maria, passaria a ser denominada D. Ousenda, D. Gondrode e D. Gontinha, a acenarem Para um comportamento licencioso da (ex-)dama. ‘Umha ultima variante da caracterizagom indirecta, nom descritiva mas narrativa, Consiste em apresentar simplesmente a mulher em aegom, expondo 0 seu comportamento a respeito do bom sem cortés, o que pode dar lugar a alguns contra-textos. Com efeito, desde a dama que privilegia um rival enquanto paga ao poeta com desamor, ou concede os seus favores a um home indigno enquanto outorga ao fiel namorado um bem inadequado —que depois se torna seu mal (n° 400)—, até & mulher, de qualquer estado, a intervir em lides sexuais, mesmo com a marginalidade nom cristé (n® 229, 189) ou fora dos limites do par candnico, estendem-se inumerdveis situagons, a escorregarem do amor para 0 sexo, ¢ a descafrem para a obscenidade. A mulher & sujeito e objecto de obscenidade (n° 52). Mas também ¢ ilimitada sexual mente O sexo feminino nom conhece fronteiras no escarnho e mal dizer, é prisom sem fim, maeta aberta, chaga que nom fecha. E mais que apontar a libidinagem feminina (n° 299), os textos frisam sobretodo a incapacidade ou a insuficiéncia masculina (n° 100, 227, 234, 236) ou a comicidade de umha situagom nom airosa para eles. Fertilidade feminina (n° 236), capacidade erética superior, mesmo insaciabilidade (n° 299, 389), © disponibilidade (n° 173). Incomparavel com 0 crotismo masculino”, e de passagem algumha nota sobre a sua violéncia (n° 143, 277, 176). Poesia contodo de homes, & mulher é meio principalmente para atacar outros homes. De af a luz satirica iluminar © cornudo (n® 212, 298), aplaudir @ pastorinha que soube fogir a0 marido desamado {n® 264), ou a que ignora o cOnjuge retornado (n® 102, 289, 415, 417), recomendar, enfim, a outra dar negra noite ao matido, «pois que vos el mal dia faz aver» (n° 371) O adultério como tal nunca é denunciado, a vitima 6 sempre o merido; a causa, talvez, © casamento forgado (n° 269, 176), de af a simples finalidade reprodutora (n° 417), tingida algumha vez de preocupagons linhagisticas (n° 155, 285). Face a estes, som poucos os textos centrados na mulher com a dtiplice vertente do equivoco por,meio, ¢ a transportarem, agora si, umha visom Iidica ou jocosa do feminino ligado ao sexo", que podem constituir contra-textos de preceitos da ortodo- 37. Além das eantigas que expioram directamente a impotéacia masculina, por meio de um narrador auto- (gr. J. Soarer Coeiho 254) ou homodiegético (v. gr. J. Servando 227), cumpre assinalar que s6 por rocedimentos magicos consegue 0 homem, v. gr.0 daian de Clez (Afonso X 23), superar, e contsolar ‘em beneficio proprio, a sexualidade ferminina, «La capacidad sexual dela mujeres siempre particularmente inguietante», sublinha J. Dalarun (in Historia de fas mujeres en Occidente ct. em nota 1, p. 81). As CEM, no entanto, nom parecem traduzir qualquer inquietude masculina ao respeito; limitam-se s6 a constatar, por meio de comportainentos coneretos, 0 facto, com a tonalidade indicada. 38 . Como observa A. M. Branco (ct, em nota 15) ede modo a criar um jogo de escondidas com o receptor, numa dialéetiea de leitura que nos torna vnicos responsdveis pela proibigdo ou permissio do sentido : 62 A MULHER NOS CANCIONEIROS j xia amorosa, mas pouco ou nada novo acarretam pera a configuragom do anti-retrato. Ou a Gnica composigom de teor antifeminista nitidamente reconhecfvel, mas mesmo assim de reduzido alcango, pertencente a Estevam da Guarda (n° 123), onde umha mulher se aproveita da sabedoria de Martim Vaasquez contra 0 proprio dador, & imagem de Viviana com Merlim™. A ruptura do texto cortés origina-se algumha vez pola irrupgom do real popular no esquema da cantiga trovadoresca. O exemplo mais claro vem dado pola ama de Joam Soarez Coelho, Com efeito, a eleigom de umha ama de meninhos como objecto da vassalagem amorosa (mesmo fingida) por parte do rico-home produziu celeuma no mundo dos trovadores®, Ao acontecimento referem-se entre outros Joam Garcia de Guilhade (n° 215), quem assegura nom ter trovado jamais a amas mamadas, ¢ Juido Bolseiro (em tengom com o préprio J. Soarez Coelho, 251). Mas é D. Fernam Garcia Esgaravunha (n° 130) quem descreve, melhor que ninguém, num pseudo-elogio que € por sua vez contra-texto, as prendas domésticas da mulher Esta ama, cuj’é Joan Coelho, per boas manhas que soube aprender, cada u for, achard bon conselho: ca sabe ben fiar e ben tecer e talha mui ben bragas e camisa; e nunca vistes molher de sa guisa que mais limpia vida sdbia fazer; Ant’, € oje das motheres pregadas que nés sabemos en nosso logar, ca lava ben e faz boas queijadas e sabe ben moer e amassar -

Anda mungkin juga menyukai