Anda di halaman 1dari 25
ARTE INTERNACIONAL BRASILEIRA ach D EMU ac) HlcAC RP ESL | 2° EDIGAO Arte Internacional Brasileira 2" edicao Copyright © 2002 — Tadeu Chiarelli Proibida a reprodugiio total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévio consentimento da editora ‘Todos os direitos desta edigio reservados Lemos Editorial & Graficos Ltda. Rua Rui Barbosa, 70 — Bela Vista 01326-010 10 Paulo, SP ‘Telefax: (OXX11) 3371-1855 Home-page: http:/svwwlemos.com.br E-mail: lemos@lemos.com.br Diretor-presidente: Paulo Lemos Diretor superintendente: José Vicente De Angelo Vice-presidente de negécios: Idelcio D. Patricio Editora responsavel: Agueda Cristina Guijarro Producio editorial: Sonia Oliveira Projeto gréfico: Mauricio Domingues Revisio: Ana Luicia Sescoe Margarida Sant’Anna Capa: Alessandra Gabriel Vidonscky ¢ Rogério Camara Digitalizagdo de imagens: Adriano Montanholi Produgio grifica: Aamir Franca Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagdo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Chiarelli, Tadeu Arte internacional brasileira /‘Tadeu Chiarelli. 2* edigdo — Sao Paulo: Lemos-Editorial, 2002. | ISBN 85-7450-006-2 1, Arte ~ Brasil — Histéria 2. Critica de arte Brasil I. Titulo. 99-0370 CDD-709.810904 Indices para catélogo sistematico: 1. Arte brasileira : Historia ¢ critica Século 20 709.810904 2. Brasil : Arte : Histéria e cri : Século 20 709,810904 Impresso no Brasil 2002 ea” @ 4 Lemos Sy 6 Introdugéo = Textos gerais 40 47 60 86 100 111 115 121 128 132 141 Arte brasileira ou arte no Brasil? Da arte nacional brasileira para a arte brasileira internacional Entre Almeida Jr. e Picasso As margens do Modernismo O Novecento e a arte brasileira Plano em repouso/plano em tensao: Hildebrand e a arte contempordnea brasileira Imagens de segunda geragao. Arte para os que ficaram A fotografia contaminada Colocando dobradigas na arte contemporanea A gravura paulista significa Identidade/néo-identidade: A fotografia brasileira hoje Fotografia no Brasil: anos 90 = Artistas, primeira metade do século 153 158 163 Rodolfo Amoedo entre a academia e a academia Anita Malfatti no tempo e no espacgo Anita Malfatti, expressionista e classica 168 Fulvio Pennacchi: uma poética da saudade 175 Sobre os retratos de Candido Portinari a Artistas, segunda metade do século 185 Odilla Mestriner 190. Regina Silveira 197 Carmela Gross na Galeria S40 Paulo 200. Realidade e simulacro: Edgard de Souza 203 Jac Leirner 206 Emmanvel Nassar: erudito e popular 210 Os relevos nao-relevos de Daniel Acosta 213 Mira Schendel 214 Maria Leontina 215. Giselda Leirner 216 Amilcar de Castro 217 Laurita Salles 219 ole de Freitas 221. Ester Grinspun 222. Flavia Ribeiro 224 Antonio Lizarraga 226 Waltércio Caldas 228 234 240 247 250 256 259 265 268 271 274 278 281 283 287 292 297 299 301 303 305 Ana Maria Tavares e o cerco da arte O trabalho de Rosdngela Renné: consideragées preliminares Sobre as pinturas de Ménica Nador Armadilha para Narciso Scalea é aqui Georgia Kyriakakis e a arte como residuo de si mesma A gravura no espelho A produgao de Luiz Hermano A produgao recente de Teresa Viana ou a pintura na corda bamba Sobre os trabalhos de Elias Muradi vistos como fotografias Sobre as esculturas de Shirley Paes Leme Sobre as pinturas de Deborah Paiva Monnerat e Watteau em Citera Paulo Whitaker e seu territério movedicgo Rogério Ghomes: 0 profano sudario Uma realidade... dilacerante: a produgdo de Nazareth Pacheco Angelo Venosa As pegas de Laura Miranda: designios encenados Sobre os trabalhos recentes de Regina Johas Créditos das fotos Indice remissivo I N T AOS ALUNOS COM CARINHO Em 1997, revendo meus arquivos, fiquei surpre- so a0 reparar que ji se passava mais de vinte desde 0 primeiro texto que escrevi sobre arte. Em meados dos anos 70, ainda estudante do Departamento de Artes Phisticas da Escola de Comunicagoes ¢ Artes da Universidade de S: Paulo — a conselho da entio professora, ¢ hoje amiga, Annateresa Fabris —, comegava a deixar no papel minhas consideracdes sobre exposigdes que freqiientava, sobre artistas que me interes nos, savam. me que era importan- screver nossas refle viamos, ¢ eu gostei da idk Obviamente, nao foram transcritos s sobre 0 que : livro meus textos iniciais. Nao resta diivida de que essa auséncia tem um pouco de mas, sobretudo, um grande respeito pelos artistas critos. autopreservacio que foram objeto de meus primeiros es Mesmo assim, o leitor encontrar aqui alguns estudos e artigos que, reunidos, tentam formar uma certa visio sobre a arte brasileira deste século, com especial atengo para a arte aqui produzida a partir dos anos 50. O primeiro bloco do livro foi dedicado a assuntos ligados & arte produzida no Brasil, dentro de te- mas bastante vastos. O fato de ter dedicado meu mestrado a critica de arte de Monteiro Lobato € meu doutorado aquela de Mario de Andrade talvez explique a quantidade razoavel de textos que discutem, nes itica da arte realizada no Brasil e sua identidade. foi resgatada, sobretudo, no contexto da arte dos ano 80 € 90 deste século, salientando aspectos de sua superacio realizada por alguns artistas, bloco, a problem I questio ou sua manutengao, como problema a ser solucionado por outros. R oO O segundo bloco de textos retine artigos ¢ saios sobre artistas da passagem do século (Rodolfo Amoedo) ¢ do periodo modernista (Anita Malfatti, Fulvio Pennacchi e Candido (0 do texto sobre Amoedo, tentam problematizar a qu Modernismo brasileiro, visto por mim sob a ética os dem: ‘ao do do retorno a ordem internacional do periodo entre-guerras. Esses textos, de alguma maneira, ajudam a contextualizar melhor os ensaios “As margens do Modernismo” e “O Novecento e a arte brasileira”, presentes no prime’ O terceiro bloco reine ensaios ¢ artigos sobre alguns leiros surgidos nos tltimos cingiienta anos cujas produgées despertaram meu interesse no d como professor de Historia da Arte no Brasil na ECA-USP, como critico, como curador ind pendente e, desde 1996, como curador-chefe do Museu de Arte Moderna de Sao Paulo. Creio que certos conceitos estabelecidos nesses textos do terceiro bloco possuem rebatimentos precisos naqueles reunidos nas s o bloco. rtistas bras correr de minhas atividades es anteriores. Infelizmente, nao foram aqui contempladas especificamente as obras de alguns artistas que muito me interessam, por consider‘-los funda- mentais para uma melhor compreensio da arte brasileira deste século; Ismacl Nery, F o de Carvalho, Tarsila do Amaral, Maria Martins sio apenas cit ter escrito ensaios dos, quando meu desejo seria poder pecificos sobre sus Dos artistas mais recentes, sinto falta de nao ter escrito de maneira mais detida sobre as obras de Lygia Clark, Amilear de Castro, Farnese de Andrade, Hélio Oiticica, Hércules Barsotti, artistas que tanto admiro na atualidade, Paulo Pasta ¢ Iran do Espirito Santo. obras. Nelson Leirner ¢ sobre do ‘Como, no entanto, esta coletfinea aborda os pri- meiros vinte anos de minha trajet6ria, tenho a publicar um ssas lac esperanga de que no futuro po livro contemplando todas Noentanto, acredito que o leitor, ao leras paginas que seguem, poder ter uma visio abrangente sobre uma interpretagao muito particular, diga se, a respeito de pelo menos parte do que de me- Ihor foi produzido em termos de arte no Brasil nos tiltimos cem anos. ne fiel aos periodos em que escrevi 08 viirios textos aqui reunidos, procurei deix: sem modifica no que alguns conceitos ali emitidos hoje em dia niio sejam totalmente compar- tilhados por mim. Assim procedendo, minha intengio foi manté-los também como de uma época ¢ de um olhar determinados. O titulo deste livro foi inspirado na leitura de uma entrevista que Amilcar de Castro concedeu a Walmir Ayala, publicada em 1970. Indagado se acreditava numa arte nacional brasileira e se, por acaso, se situava dentro dela, o art deu: “Acredito numa arte internacional brasileira ¢ situo-me dentro dela”! Creio que Amilear de Castro r maneira exemplar aquela velha pergunta, ¢ este livro € também uma forma de respondé-la, reinterpretando-a nos dias atuais Embora tenha como objetivo que Para manter ‘stemunhas: respor spondew de te livro seja lido por todos aqueles interessados em pensar 0 fendmeno das artes visuais num pais tio parti- cular como o Brasil, gostaria de avisar que esta coleténea teve sempre como objetivo primeiro apenas introduzir um puiblico nao-especializado a algumas das principais questdes da arte no Brasil neste século que termina. Em diltima Anata Wilde A cragdo plistica em questa, Pinal: Vis, 1970 A oO aniilise, os textos aqui reunidos sao testemunhos de minhas inquietagies em relago & arte produ- la no pais, vista como questo integrante € inte do debate cultural brasileiro, ¢ nao consti mero assunto mundano, sem ressonancias mais efetivas no corpo social do pais. A grande maioria desses textos teve como pii- blico inicial meus alunos do primeiro ano do Departamento de Artes Plisticas da ECA-USP, a quem dedico este livro, Porque as novas gera- oes de artistas e profissionais ligados ao € que cabera dar & produgio artistica aqui jé realizada e/ou por realizar a dimensio efetiva- mente publica que ela merece possuir. Finalizando, gostaria de deixar registrados meu agrade dade e confianca em apostar na viabilizagio deste livro. Agradecimento este estendido a equipe da Lemos Editorial, pelo atendimento e acompa- nhamento excepcionais durante a produgio do livro. Meus agradecimentos a Silvia, Luanna e Stella, pela paciéncia em dividir sempre minha preseng dade de estudar e escrever. ircuito: mentos a Paulo Lemos, pela generosi- com a neces Agradeco a todos os colegas do Departamento de Curadoria do Museu de Arte Moderna de Sao Paulo — em especial a0 pessoal do Setor de Acervo, da Biblioteca Paulo Mendes de Almeida ea Margarida Sant Anna ~, pelo apoio, incen- tivo e confianga nos resultados deste trabalho, cujos méritos (¢ apenas el muito a eles. Finalizando, agradeco a todos os artistas aqui comentados ou apenas citados, cujas obras excep- cionais foram a principal razao para a exist destes textos agora reunidos. ‘Tadeu Chiarelli Junho de 1999 TEXTOS GERAIS ARTE BRASILEIRA OU ARTE NO BRASIL?’ Num texto introdutério sobre historia da arte, o historiador italiano Giulio Carlo Argan escreveu que o que define um objeto de arte Jo € 0 periodo em que foi executado, sua situagdo geografica, sua dimen: materialidade, nem mesmo a técnica de sua produgio, e sim o resultado formal dado a per- cepgao de uma relagdo entre uma atividade mental e uma atividade operativa. Para ele, jo, nem sua mesmo a distingio entre “artes maiores” (arquitetura, pintura ¢ escultura, onde preva- leceria o momento inventivo) ¢ “artes menores” (todos os tipos de artesanato, onde prevaleceria o momento de execugio, ou mecénico) seria uma distingao apenas relativa, inclusive para as culturas que a adotaram, pois, segundo seu ponto de vista: “existem obras de ourivesaria, cesmalte, téxteis, etc., que, artisticamente, valem mais que obras mediocres de arquitetura, pintura ¢ escultura”!, No entanto, apesar dessas consideracées fun- damentalmente verdadeiras ¢ aparentemente taoaceitas, sabe-se que a Europa universalizou determinados tipos de objetos como sendo objetos de arte. Tradicionalmente, os exempla- res da arquitetura erudita, as pinturas a éleo sobre tela, as esculturas em marmore, em bron- ze sio extremamente privilegiadas por suas caracteristicas tipoldgicas, em detrimento de * Bat texte sein de base para princi pale de nm co coenas pa i nas Oftnat Ortald de Andrade en experi Arte brie sntemporiaes”. Napede memento de leniev serie temponinse Nagle mrmento le emus ‘minaria ao “politicamente coro” vindasbrtndo dis Estads Unads. O ext pace pr wna previo om 1993, peur diane pasar, rin que ee cola algumas ucts ne pao er dictate ampliada Angin, gil M. Guida la steia dle, Morena Sonn 1977, p. 8 uw outras manifestagdes. Mesmo neste século, quando uma série de novos objetos ¢ atitudes foram incorporados ao universo da arte, as manifestacdes levadas a cabo dentro daquel primeira tipologia continuam mantendo seus privilégi Dirigindo o foco agora n s no circuito da arte internacional. 0 sobre o objeto de arte, mas sobre seu produtor, sabe-s embora sexo, origem nacional, racial e social nunca tenham sido expli minantes para um individuo ser considerado artista, a Europa universalizou a nogo que um itamente deter- artista, para ser de fato significativo, deveria ser necessariamente homem e branco, Aparen- temente, no tiltimo século, estas duas neces- sidades parecem estar deixando de ser absolu- tas. No entanto, tal situacao de um modo geral ainda permanece, uma vez que sio pouquis- as mulheres e/ou os homens nascidos fora dos polos culturais europeus (e, mais re- sim: centemente, também norte-americano) que hoje esto colocados na corrente principal da arte internacional. No caso especifico das mulheres, muit historiadoras ha algum tempo vém realizando pesquisas de recuperagao de artistas mulhe que, através dos anos ¢ dos séculos, produziram obras de interesse mas que, devido ao precon- ceito sexista imperante no circuito artistico internacional, nunca foram devidamente valorizadas, Tais pesquisas, apesar de possui- rem a importancia inequivoca de resgatar tais produgées, acabam por constituir catalogacoes especificas, ou seja, fora do eixo principal da arte internacional que continua sendo enten- dido como territério basicamente masculino € branco*. Outro preconceito difundido pela Europa para oresto do mundo e visceralmente ligado aque- les antes levantados é 0 seguinte: para fazer “arte maior” seria importante um alto grau de erudigao, conseguido por meio de um tipo de educagio artistica mais ampla, que transcen- desse os aspectos puramente artesanais da produgio plastica. Essa terceira questo esté ligada as outras 0 a esse tipo de porque, como se sabe, 0 aces educacio, estipulado pelos centros europeus, por muitos séculos foi vedado a mulher por uma série de tabus que a envolviam, impedindo-a de tera chance de uma formagio erudita.’ Isto, porém, no ocorreu apenas com as mulheres, mas também com homens que — europeus ou nao — nio ultrapassaram as barreiras socioeco- némicas para ter acesso a tal formacao. Resumindo essas questdes, pode-se dizer que, apesar das manifestagdes em contrério, o que foi disseminado pela Europa e transformado em valor universal foi uma arte que em grande parte privilegia uma certa tipologia de objet uma atitude mais intelectual que operativa ico, ¢ um determinado perante o fazer artis grupo sexual, étnico e econdmico de artistas. Se, no entanto, esses valores forem aplicados 20 caso brasileiro, eles nao se adequariam muito bem a realidade artistica local. Isso nao quer dizer em absoluto que a arte produzida no pais Harris, Ann S; Nachln, Linda, Women Ariss: 1850-1980. Neca Vrk Ad A. Kup 1994. Slakin, W. Women Ariss in History From antiquity tothe 20th century: Neve Jersey: Prentice-Hall, 1995, om do seja fundamentalmente herdeira, ¢ muitas vezes propagadora, dos valores da arte européia tornados universais. No entanto, a arte euro- péia para cé trazida parece ter sido obrigada a realizar uma érie de adaptagies, de interagies com o meio fisico € humano que acabaram por conferir-lhe certas caracteristicas que hoj distanciam do modelo original. Esquematicamente, a arte brasileira poderia ser dividida em dois grandes grupos: 0 primeiro congregaria as manifestages dos segmentos sociais marginalizados, onde conviveriam em malgama contribuigo« de diversas culturas, como as de derivagio indigena, africana, portu- guesa ¢ de outros povos para ci imigrados no século pasado, Essas manifestagoes teriam um carter fundamentalmente popular e serviriam de base para uma parcela significativa da pro- ducao artistica erudita; o segundo grupo con- gregaria just deira da arte européi stemitica com a atuagio da Artes do Rio de mente a produgio erudita, her- , iniciada no pais de ma- neira mais Academia Imperial de Belas | Janeiro no século XIX. ssa arte erudita, com o passar dos anos, iria se fortalecendo e sobrepujando as manifestagdes populares, formando a corrente principal da arte do pais, assumindo em definitive a respon- sabilidade de representagao da arte brasileira para os setores oficiais da cultura local. | A producio de carter popular —seguindo um | proceso internacional — foi cada vez mais cristalizando-se ou dissolvendo-se em contato com a cultura de massa, ¢ hoje talvez. ape R nos locais mai afastados dos centros hegem@- nicos ainda persistam com alguma integridade. O que caracterizaria, porém, a corrente princi pal da arte brasileira seria justamente sua capa- cidade de se apropriar de certas posturas e pro- cedimentos da arte popular, apropriagdo esta que acabaria por particularizar a sua produgdo em relagio’ es. Assim, inte= arte de outros pats ressaria tragar algumas consideragdes sobre a arte erudita brasileira, enfatizando suas pecu- liaridades, sobretudo sua absorgao das posturas ¢ procedimentos da arte popular: ileira éem Se a corrente principal da arte bra parte herdeira da arte erudita ocidental, pode parecer que, a principio, ela é também branca € masculina tal qual sua matriz, Como, no entanto, a arte brasileira nao se enquadra muito bem nesses parimetros, melhor seria afirmar entdo que ela apenas se pretende branca e masculina e, portanto, nao totalmente derivada da européia. Nao totalmente derivada da arte erudita européia porque, no processo de absorcio dos valores europeus dominantes, a produgio local muitas vezes teve que integrar clementos oriundos das camadas populares, de culturas nao-dominantes (vindas de outras etnias, mas também de outras culturas euro- péias ndo-hegeménicas), ¢ teve que absorver igualmente um significativo contingente de produtores do sexo feminino. Para tentar detectar a origem dess: Ges, seria interessante refletir um pouco sobre como se processou 0 circuito de arte no pafs, a partir do século passado. integra- 8 Foi com a chegada da Misséo Artistica Francesa em 1816 ao Rio de Janeiro que a categoria de artista instituiu-se no pais. Até entio, pelo fato de a produgao artistica ser uma atividade manual exercida por escravos ou libertos, tal categoria ainda nao havia adquirido foros de profissio liberal. Mas nem essa atitude da missio resolveu os preconceitos com que a sociedade via as atividades manuais. No Brasil daquela época, arte era um assunto de negros s, no de homens brancos livres*. ‘Mesmo a paulatina transformaco da Academia num significativoaparelho do Estado (sobretudo partir do inicio do Segundo Império) conseguiu modificar aquela posigo marginal com que aarte coartista eram vistos no Brasil. Gonzaga-Duque, scravo © principal critico brasileiro do final do século XIX, escrevendo sobre o “desnacionalismo” da arte brasileira do Segundo Império, afirmou que a origem dessa desnacionalizagio era a pouca educacdo dos artistas de entio, originarios das “classes pobres”: (..)Na verdade, depois da escravidao, a forca que ‘mais tem concorrida para 0 nosso estacionarismo e desnacionalisma é a politicagem|...); ¢ ainda por ela desenvolveu-se nas classes abastadas a megalo~ mania das posigies que se tornou sintomdtica: a maior aspiracio do chefe da familia é fazer seus filhos bacharéis ou doutores para entrarem na ‘politica por meio de casamentos ricas(..) (...) Por este fato as profissies letradas transbordam assustadoramente(...) Ora, sendo as profissies letradas as que maior interesse despertam ao aria, Ama M. Arte-educasio no Br, Das Origens ao Madera Si Panes Perspect Educ, 1978. brasileira, é claro que a arte, considerada até hi pouco um despreaivel oficio de negros e mulatas (..) “ficasse destinada ds classes pobres, aguelas que nao podiam educar convenientemente seus filhos para fa los entrar nas academias ‘Tais afirmagées demonstram que no final do século XIX as artes visuais continu avam marginalizadas pelas camadas médias da populagio que no as viam como possibilidade profissional para seus filhos. Como conseqiién- cia, até os alunos da principal ir tituigio de ensino de arte do pais continuaram sendo extraidos das camadas populares, como antes da chegada da Missio. Assim, mesmo no contexto da arte oficial, a produgio artistica brasileira perpetuava-se numa condigao de marginalidade do ponto de vista profissional cul USO, estava apenas medianamente ligada a alguns setores da alta ¢, do ponto de vista de s burguesia e do proprio Estado, Tal situagao gerou no século pas ado uma produgio de cariter oficial e semi-oficial que, absorvendo apenas a sofisticagéo das técnicas artisticas introduzidas pela Academia — en 0 a erudigao com que ela teoricamente poderia contribuir —, manteve em grande parte o carter preponderantemente artesanal da pro- ducio anterior a instalacio daquela instituicao. Naquele periodo, a producao artistica ou tra- repetia digao académica (como frutos de artesios aquela solugdes jd institucionalizadas pe aplicados), ou ento mantinha-se alheis caga-Dgne 1. Atte Braseira. 2 of. Campinas: Mondo de Letras “ influéncia, preservando valores estéticos hibridos, constituidos pelas pulares mescladas, muit experiéncias po- cezes, pela tradigio barroca do lugar, jé bastante enra Sem diivida existiram excegdes dentro desse quadro, Victor Meirelles e Pedro Américo con- seguiram romper as barreiras da situagio mar- ginal de-sua categoria na sociedade local e fir- ¢ como artistas eruditos prestigiados carreiras. s mais produtivas de sua Porém, como regra, no Brasil do século pa do de artista nun a fez parte do rol doa profi de profissdes respeitadas nas camadas médias da populacio, sendo portanto destinada apenas social € aos segmentos menos privilegiados economicamente. Assim, 0 circuito artistico brasileiro foi se constituindo de maneira singular, tendo de um lado a Academia, o Estado e um pequeno setor da burguesia, interessados numa produgio que deveria enaltecer as glérias do Império ou os valores daquela classe social; do outro, artistas de origem predominantemente popular, mais artesios que artistas eruditos, repetindo for- mulas revelhas ou engendrando uma visuali- dade pouco ligada aquela requerida pelos pa- drdes instituidos do século XIX. Esse circuito, que se perpetuaria até este século, parece ter sido significativamente preenchido com 0 passar do tempo por dois segmentos estranhos ou a principio marginalizados em relagio ao contingente dos “filhos das classes abastadas”, Refiro-me aos artistas imigrantes bastadas”. eas filhas daquelas mesmas “cla Sintomaticamente, seria um artista imigrante que daria inicio a escola paisagistica brasileira, baseada no naturalismo: o alemao Georg Grimm. Sintomaticamente seria outro artista imigrante a realizar, jd neste século, uma das sinteses mais instigantes entre a tradigao da pintura curopéia © uma possivel visualidade brasileira: o italiano Alfredo Volpi. Entre Grimm e Volpi existiria um ntimero grande de artistas imigrantes ou de primeiros descen- Batalha dh ddtathe), 1879, Vieeor Mein im RI Muse Nactona de Belas Arts, Rin de dentes atuando decisivamente no preenchi- mento do circuito de arte brasileiro: Castagneto, Visconti, Segall, Brecheret, Abramo, Viaro, Portinari, Rebolo, Pennacchi, ‘Takaoka, Mabe e outros. Goeldi, Guignard, P n absolutamente faz “This afirmagoes nao que 1 entender que as transformagées ocorridas na arte brasileira devam ser creditadas apenas. oimigrante ou seu descendentes. Almeida Jr, Antonio Parreiras, Batista da Costa, Di Cavalcanti e outros, sem duivida, tomaram parte no proceso de constituigio/transformacio do circuito aristico do pais. Porém, deve-se salientar o papel significativo deartistas recém-chegados ao Brasil que, por varios motivos, se integraram ao trabalho de formulagio de umaarte com peculiaridades locaise, em alguns casos, com muito mais intensidade que os artistas pertencentesa familias brasiliras mais tradicionais. Apenas como exemplo caberia lembrar aqui um episédio ocorrido em So Pauloem 1917, envol- vendo 0 critico de arte nacionalista Monteiro Lobato. Naquele ano, engajado na propaga da necessidade de criagio de uma arte tipica- mente nacional, Lobato instituiu, por meio do jornal O Estado de Sao Paula, um concurso sobre 6 Saci, solicitando aos artistas que enviassem obras cujo tema fosse o duende, com o objetivo de montar uma exposicao. Tal concurso, por sua vez, era um complemento da campanha “Inquérito sobre o Saci”, pela qual os leitores do jornal foram conclamados a enviar a este depoimentos sobre as caracteristicas do mito do Saci nas diversas regides brasileiras. Lobato ficou perplexo ao perceber que dos varios envios apenas dois haviam sido realiza- dos por artistas nascidos no Brasil por uma crianca do Parand ¢ outro por uma artista moderna, filha de imigrantes: Anita Malfatti. Os demais eram de artistas estran- geiros aqui residentes. Os nascidos no Brasil o primero nao participaram’. ‘Tal resultado mereceria alguns comentarios. Por que praticamente ape artistas estran- in Revista do Brasil Sie Paul © Montcire Labi “A Espasa des 23, ch 1, (News 1017), p.40s-A18 16 geiros participaram de um evento de cunho nacionalista? A principio, do ponto de vista deles, parece que participar de uma proposta como aquela era uma maneira de se integrar a nagio escolhida para permanecer, participando do debate artistico da época, que preconizava uma arte brasileira com caracteristicas proprias, distinta tanto da arte oficial quanto daquela de vanguarda vinda da Europa. Enquanto os artistas de origem brasileira mais remota cuida- vam para no se deixar engolfar em nativismos suspeitos aos seus proprios olhos ¢ aos olhos de setores influentes da burgu clientes), os imigrantes, por terem deixado paises de origem pelas mais diversas razées, ¢ por estarem dvidos pela integracao com o pai de adogio, no se sentiram constrangidos em mergulhar na prospeccio de uma certa brasili- dade, como maneira de afirmagio de seus processos de transformacao em brasileiro: Devido ao caniter rarefeito do circuito local, os artistas imigrantes pouco foram vistos como estrangeiros, no sentido de diferentes, estra- nhos ao meio. Pelo contrario, na grande maio- ria foram incorporados pelo circuito no maxi- mo como brasileiros nascidos em outros paises No caso de artistas de origem imigrante na dos no Brasil, a absorcio foi ainda mais diata. Candido Portinari raramente foi vi pelo menos.publicamente, como um artista italo-brasileiro, por exemplo. Ele era brasileiro € ponto. O fato de nao terem sido colocados em guetos separados da corrente principal da arte brasileira nfo é um exemplo da decantada “cordialidade” local. Eles nfo sofreram nenhum processo de confinamento porque aquela corrente nao era tio forte assim para impedir a entrada desses elementos nao pertencent tradigao artistica mais antiga Apesar dessa pouca densidade do circuito, ele jd possufa certas caracteristicas passiveis de es a uma suposta xistente no Brasil. serem pontuadas, A primeira delas, sem dtivi- da, seria 0 seu carter fundamentalmente arte- sanal que se sobrepunha, na grande maioria dos trabalhos produzidos, ao d sejo de constituir no pais uma tradigio erudita, nos moldes europeus Outra carateristica significativa, perceptivel a partir das tiltimas décadas do século XIX, éa disseminagéo num territério maior que aquele restrito ao Estado ea pequenos setores da bur- guesia, da pintura de paisagem, difundida a partir de Grimm, Essa pintura de paisagem contraria um puiblico fiel mais amplo, crian- er do raizes no imagindrio local até hoje resisten- tes, em certos setores da sociedade, as investi- das das formulagoes estéticas modernas e/ou contemporaneas. Nessa escola paisagistica ainda a ser devidamente estudada, seria inte- ressante enfatizar seu carter mais artesanal que erudito evidenciado pela anotacio fiel realidade, muito afeita proposta de consti- tuigdo de uma arte nacional desligada dos modernists valores trazidos pelas proposicé Por tiltimo, deve-se salientar no circuito brasi ‘idade leiro, jd no inicio deste século, a nece de modernizagio daquele, em seus estatutos estéticos. Tal necessidade, por sua vez, seria manifestada por duas correntes distintas, mas Ws com pontos em comum, A primeira delas era liderada por segmentos que viam na estética naturalista ¢ na temstica local uma forma de se desvencilhar dos valores académicos propugnados ~e raramente alcangados — pela antiga Academia Imperial. A segunda, dentro des iintelectuais ligidos ao Modernismo que, nfo bilidade de constru- mesma necessidade, agruparia os artistas creditando mais na po: de uma arte nacional baseada apenas na cao ica naturalista, propunham na pritica que 1m incluidos certos essa base ja existente fos postulados retirados das vanguardas histéricas curopéias ¢ do retorno a ordem, No entanto, apesar dessas necessidades e dife~ rengas jé existentes no meio, 0 circuito bras leiro no inicio do século preservava seu carter rarefeito, possibilitando a absorgio da produ- cio de artistas imigrantes dentro do seu eixo principal. A absorgtio desses artistas — em con- jugacio com outras contribuicdes que serio tam- bém aqui levantadas —acabaria por diferira arte local daquela produzida em outros paises. Situando a questio na passagem do século até all Grande Guerra, tal situacao permitiu que fos: tabelecido um amiilgama entre as s artistas imi- caracteristicas trazidas por grantes ¢ aquelas preexistentes no circuito artis O caso da critica de arte de Mario de Andrade ico brasileiro. esse contexto parece exemplar: sobretudo por meio de sua reflexdo sobre a produgio plastica fa expres de carater expressionista e/ou realis sionista trazida por Anita Malfatti ¢ Lasar Segall da Europa, o critico formulou seu pro- jeto de arte moderna brasileira, adaptar do a poética expression sidade de manter em evidéncia a im- a trazida pelos dois artistas a neces portancia de uma arte preocupada com a capta- cio da realidade fisica e humana do Brasil — necessidade esta presente desde o século pas ado no meio arti stico do pais. Tal adaptagio resultaria num projeto de arte brasileira que propunha a documentagao da realidade do pais em chave engajada, Nos anos 30,2 “descoberta” e conseqiiente absor- o por parte dos criticos oriundos do Modernismo dos artistas do Grupo Santa Helena — todos imigrantes ou filhos de imigrantes ¢ imbuidos de uma postica antiacadémica mas também anti- moderna — revelam hem como o circuito brasileiro ainda estava aberto ¢ necessitando de novos elementos para compor suas forcas, mesmo que esses, pelo menos no inicio, negassem os postulados das vanguardas historic Qual dos artistas imigrantes para a formula: corrente principal pio nao parece ter sido exatamente a erudigao reclamada por Gonzaga-Duque, no final do século passado. Esta certo que artistas como Las Ernesto de Fiori e outros troux ria, porém, a contribuigio fundamental odessa arte brasileira? A princi- ar Segall, es ‘eram ques fundamentais de determinadas vertentes da arte moderna, operando assim como agentes de atualizacdo. Porém, o que parece mais evidente como contribuigao do imigrante para a arte brasileira foi justamente seu saber artesanal, sua intimidade com os meios técnicos adquiridos » em seu pais natal e/ou em suas col6nias no Brasil. Um saber artesanal que, diferentemente daquele ja existente no pais, dera as bases para que em nagdes como a Itélia, por exemplo, fosse formulada uma arte erudita sofisticada, fato que a heranga portuguesa parece nao nos ter legado.. Pela origem social da maioria de grantes, porém, sua presenga no Brasil reforgou na produgio local seu cariter fundamentalmente popular, existente como substrato da arte aqui es artistas imi- realizada, uma vez, que, como foi visto, esta era produzida em grande parte por artistas de baisa extra (0 social. Eles trouxeram um aprimora- mento técnico maior, uma intimidade mais aguda com os processos do fazer artesanal, reforcando assim uma produgio menos voltada para a severidade grandiloqiiente e distante da arte erudita, ¢ mais afeita a possibilidade de uma convivéncia menos hierarquizada com o puiblico. Seria de muito inter 0 da arte brasileira que mais estudos se detivessem na recuperagao/andlise da produgao dos artistas- artesios, vindos para o pafs na passagem do século € que aqui trabalharam no revestimento das fachadas dos edificios puiblicos e privados que se construfam na época, € n: de tho de de obrisse 0 gosto ver- nacular pela ornamentagio, pelo trabalho artes Ges, jogos forma Se para a compret s pinturas decorativas usintetiores’, Muito provavelmente o traba- es artistas fez com que uma parcela consi vel da populagio redes canal, s » sera de criar rela- m pretensdes, a nd s e/ou crométicos prazerosos aos olhos de quem os observa. Sabre os artinas-artecos de Sao Paul ler Macambia, 1. Os Mestes da Fachada Sie Pole CCSP/Const. NTR, 1985, Alem de mais estudos sobre esses artistas, se importante igualmente estudar a produgio paisagistica do mesmo periodo — no qual confluiam pintores imigrantes ¢ brasileiros de origem mais remota — ¢ sua influéncia na formagao do gosto estético local. Pintore que com suas obras quase sempre nao pretendiam Se grandes vos eruditos, mas apenas retratar com *. Suas telas, sabedoria artesanal os arredores quase sempre pequenas, acanhad retratando trechos de paisagens em chave natu- ral mesmo, € ta, povoaram muitas das residéncias da de onde s: pequena e alta burguesia, loca © outro grupo fundamental para a constituicao de algumas das peculiaridades da arte do pats: as mulheres artistas. Em 1980, a critica de arte italiana Lea Vergine organizou a exposigio “Laltra meta dell” avanguardia: 1910-1940", em que tentou resgatar a producio de mulheres artistas ligadas as vanguardas historicas que, devido a sta, foi relegada ao rtistas europé uma historiografia s enorte- quecimento’. Fora xicana Frida Kahlo americanas, apenas am representava as arti s brasileira, perceberia que, aqui, a “outra meta- de” da vanguarda pode ser pensada como ten do sido constituida por homens. ‘Tomemos tas latino-american: Lea Vergine tivesse refletido sobre a situa os paicagias de S. Baal do inci do sil, for Tarasantich, RLS intore Paisazistas em Sao Pak, Se Pala Bede Danna apse sada d ECA-USP Virgin Lew Ultra meta delavanguardia: 1910-1940, Milig 1980 Sabre asunterigualment "A metade ba definida” de Aunateres br jn Arte em Si Palo. Sr Pal 8, oo como exemplo 0 Modernismo dos anos 20: radical, Anita Malfatti ou Di quem foi mais Cavalcanti? Brecheret ou ‘Tars la do Amaral? Nas incursdes dos brasileiros rumo ao surrea- lismo mais estrito, Ismael Nery ou Maria Martins? No contexto neoconcreto, pode-se dizer que a contribuigio de Lygia Clark foi inferior & de Hélio Oitici Enunciando tais nomes nao se pretende criar uma guerra dos sexos no circuito local, mas evi- denciar uma constatagao: a produgao realizada por mulheres, desde 0 inicio deste século, no Brasil é fandamental para se pensar a propria arte brasileira tanto do ponto de vista de sua estruturagio enquanto circuito, quanto daque- le referente a certas especificidades podticas. A forte presenca dessas “filhas das classes abas- tadas” no eixo principal da arte brasileira muito se deve a situacdo aberta deste mesmo eixo, tornando-o permeavel o suficiente para que parte desse segmento da populagio — imigrantes — constituissem nele o seu lugar de afirmacao individual e social Um dado a ressaltar é que, mesmo nas tiltimas décadas, a produgio de artistas mulher Brasil nunca foi pensada como pertencente a um gueto, como nos Estados Unidos. Aqui, rétulos como “arte feminista” ou mesmo “arte de mulher” nunca foram instituidos. Malfatti, ‘Tarsila do Amaral, Maria Martins, Lygia Clark ea maioria das artistas das tiltimas trés décadas sempre foram vistas como artistas, antes de tudo, A situagio no Brasil deu-se desse modo nao porque as artistas locais nao possuissem espe- cificidades do universo feminino em suas pro- dugdes, mas porque tais questdes nao interes- “omo os Tarsila do Amaral ao lad Arguivn Bibliteca Pando M Men de Arte Moderna de Sio Pauly Sin Pi savam ao eixo principal da arte local, preocu- pado em se constituir como sistema definido, nao podendo, portanto, entrar em consi- deracées tidas como periféricas. Caberia, porém, perguntar por que essas mulheres se tornaram individualidades radicais da arte do pais, Porque, principio, nao tinham nada a perder, como seus colegas natives ou imigrantes. Como quase sempre nio depen- diam da venda de suas produgies ram anciadas por seus pais e/ou maridos), estabe- leciam uma relagio amadora com a arte € seu circuito, Assim, elas nao se importaram muitas vezes em mergulhar em suas singularidad interes formu- nergindo dai com novas es, € ages, completamente desvinculadas dos conceitos artist ‘os mais aceitos pelo circuito , por isso mesmo, repletas de possibilidades para a ampliagio do proprio conceito de arte brasileira Qual seria, entio, a especificidade do universo feminino que ntro artistas trouxeram para c da arte brasileira, constituindo com ela uma peculiaridade local? Pensar a especificidade do universo feminino na arte brasileira remete o interessado imedia~ tamente & produgao de ‘Tarsila do Amaral, ao carter objetual de suas pinturas, Sobretudo stias pinturas da fase “pau-brasil” pedem para sair da tela, pedem para se realizar no espa Relendo o estudo da pesquisadora Aracy Amaral sobre artista, nota-se que, em se tra- tando de Tarsila do Amaral, a questio do objeto nao € um problema virtual, ow uma possibi dade a se perceber apenas no espago de sua pintura. F; um dado real, se se levarem em con- ta as molduras que a artista encomendou a Pierre Legrain — moldureiro francés — para sua primeira exposigdo em Paris. Aracy Amaral, a respeito de tais encomendas, compreende que elas surgiram da inseguranga « r seus trabalhos na rtista na hora de most capital francesa (.) O exatisma, no sentido europen, de sua fase “ra brasil” tales nao Ihe parecese sufciente.. A medida de sua inseguranga, a nosso ver, reflete-se no duplo apoio para sua expasido na apresentagio poética de Blaise Cendrars ¢ nas malduras de Pierre Legrain (..) sobreas molduras Continuandosuas considerac encomendadas por Tarsila, a autora escreve: A critica se referia ans tableaux-objets de Tarsila em decorréncia das molduras de Legrain, ‘mas esas molduras fornecem também uma indicagia da importancia que a pintora sempre atribuiu ao elemento decorative —e neste particular fala alto sua Jeminilidade no arranjo harmoniaso de wma composigao comma na relagio moldura-tela. Esse arranjo harmonioso de fato dava as obras de Tarsila (como bem ntre moldura e tela observaram os franceses) o carter de quadro- objeto, um tipo de trabalho que nao se encai- xava nem na categoria de pintura, nem na de cultura. Se a arti a depois retirou aquelas molduras ~ talvez cedendo as pressdes da- queles que deseja adaptados ao gosto erudito —, isto nao interfere em sua concepcio original de perceber seu trabalho como um arranjo articulado entre tela am ver seus trabalhos mais ¢ moldura, o que dava a essa sua primeira con- cep arte erudita, que mesmo neste século entendia um cardter de cralizador em relagio a pintura como a construgio de um tempo ¢ um espaco virtuai templados a uma determi moldura compondo com a tela trazia para 0 Para serem somente con- ada distancia. A espaco € o tempo reais o trabalho da artista, retirando-lhe o cardter grandiloqiiente e dis Amaral, A Felasp. 1975, vo. p19 Tails, sua obra e seu tempo. Séo Pun tante da arte erudita convencional, mesmo que de extrago moderna. Por outro lado, o arranjo na relacio moldura- | tela era repetido nas relagdes do elemento pro- priamente pict6rico do estranho objeto, em que as relagoes figura- bem-arranjadas, em composig6es nas quais | preponderava o cardter ornamental. Nenhuma fundo também eram muito | pincelada destoa do todo, denunciando um tom expressivo mais exacerbado, ditado pelo impeto da artista no ato de execucio do traba- Iho. Tudo ali repousa no bem-acabado de um bom trabalho manual A qualidade ornamental das obras de Tarsila, esse aspecto artesanal ¢ feminino de seu traba- Iho, pode ser evidenciada em seu costume de decalcar suas composigées. E ainda Aracy Amaral quem levanta esta questo: (..) De Pedro Mlexandrino the ficaria o habito do decalque. O pintor tinha por costume (...) decalear a composicao da obra realizada antes de entregar 0 quadra ao compradar:Tarsila, sempre que possivel, the seguiria o exemple, guardando 0 “risco”, de swérias de suas pinturas e desenlias, num sentida de trabalho manual de colégia de freivas. E mesmo nao os utilizando posteriormente, explica: “Sempre & bom guardar: Depois um dia pode-se precisar...”" Essa heranca que a artista preservou de Alexandrino — um artis s imediatas dessa pritica artesanal com a de freiras fa ¢ um artesdio — ¢ as relacgé | pmitica das salas de aula dos colégi demonstram como ‘Farsila, no momento em que se langava como uma das principais artistas brasileiras, mantinha em sua pritica artistica elementos vindos de universos alheios aquele da arte moderna, ou seja, 0 universo do artesao € 0 universo tradicional da mulher. Trazendo para 0 interior da arte brasileira erudita procedimentos alhcios a uma concepgao que enfatizava ape so caniter ideativo da arte, Tarsila do Amaral resga- tava para a arte moderna que tentava instaurar no pais um substrato popular, preeaistente noima- gindrio da sociedade ¢ também no circuito artis- tico brasileiro. Por outro lado, assim agindo, ‘Tarsila resolveu com aqueles trabalhos o problema crucial do Modernismo brasileiro, que era integrar a cap- tagao da realidade fisica ¢ humana do Brasil (uma preocupagdo que antecede aquele movi- mento e que ele incorpora) as linguagens tidas como de vanguarda na Europa, Através de um tratamento do espaco pistico que conciliava as concepgdes objetivas, ricionais do cubismo a um gosto pelo bem-acabado, em fungao da anota “primitiva” e idealizante da realidade local, a artista foia primeira a harmonizaraquela tensio, Essa tensio referida, ¢ que Tarsila do Amaral resolveria tao bem em sua fase “pau-brasil”, seria de fato o ponto crucial da arte brasileira neste século: a preocupagio dos artistas na constru- Gao da modernidade na arte brasileira. Como realizar uma obra moderna, ou seja, preocupa- da em desenvolver os elementos aut6nomos das linguagens artisticas — a principal questio da modernidade nas artes — ¢, 20 mesmo tempo, manter na produgio realizada liames indestru- tiveis com a realidade local — um elemento que em tese poderia comprometer aquela moder- nidade desejada, uma vez que corria o risco de Jevar para o interior da obra de arte certos com- ponentes anedéticos e portanto extrinsecos as especificidades de cada linguagem. Varios outros artistas em paralelo ou logo em seguida a Tarsila também tentaram resolver tal impasse. Um deles foi oj citado Alfredo Volpi que, sobretudo a partir de sua produgio dos anos 50, soube fundir em sua obra toda uma tradigdo pictérica européia (que nao se limitava Aquela da modernidade, mas sim aquela da pintura ocidental como um todo) a uma visuia- lidade caracteristica, particular ¢ de elementos formais través de um colorido percebidos e transcendidos a partir da realidade local. Curiosamente Volpi, além de artista, era um artesio. Eo caniter artesanal de sua obra nao io da arte como se di apenas devido a sua vis “oficio”, nem na sua tio decantada “humildade operiria”, Parece que a qualidade artesanal de Volpi, que tio bem soube transporti-la para sua obra artistica, éa incorporagio decisiva feita 1no caso o pintor/decorador de paredes. Volpi, segundo o critico Olivio Tavar Araujo, nas tiltimas décadas de sua vida traba- Ihava com moldes 4 (..) Volpi, ao longo dos tiltimos vinte anos, criou uma série de moldes, esquemas... que, ligeiramente variades, fornecem o desenho para qualquer um de seus trabathos(...) (...) Assim, hi hoje em Volpi um niimero bastante definida de construgies ~ digamos, és dezenas a partir das quais ele vealiza toda a sua produ- (d0(...) Da mesma maneira como delimiton 0 niimero de construgoes, padronizou também os fornatas das tclas, que poder tor as proporyaes de 2 por 1, ow 1 por 1.5, tanto na horizontal quanto na vertical, e medem no minimo de 47.5 por 72 a 68 cm por 1.36 m..? um méximo O que Aratjo descreve € 0 proprio artesio trabalhando mentalmente com padrdes pre- estabelecidos que ele arranja, compée, recompée conforme sua vontade. Uma das bases que atestam a singularidade da pintura de Volpi, portanto, é essa inclusio na sua pintura de procedimentos trazidos de sua experiéncia como pintor-decorador. Essa atitude, aliada ao uso apropriado de cores que remetem a uma visualidade impregnada de uma luz tropical, contribui para que em sua obra resplandeca uma perfeita interagao entre os elementos constitutivos da pintura e as referéncias a realidade circundante. Interagio essa que acaba por aproximar 0 observador de sua obra, uma vez que nela estio inclusos ele mentos que no dizem respeito exclusivamen- te a uma sintaxe pictorica erudita, mas, pelo contrério, nela persiste a presenga de um substrato encarnado no popular, tornado eru- "Otivie T. de Av Pail Sie Pala Aidit contre ecatedal”s iv Arte em Sio bd Expcial m2. 1982, 9.12. dito por um olhar sensivel a complexidade do ato de, através da arte, transcender o real. Dealguma maneira, é essa atitude que aproxi- ma a obra de Volpi da fase “pau-brasil” de Tarsila, que confere as pinturas do artista italo- brasileiro seu aspecto ornamental, visualmente riquissimo, extremamente particular. Numa entrevista sobre as obras dos artis plastics brasileiros Hélio Oiticica e Lygia Clark, 0 critico de arte inglés Guy Brett foi instigado pelo seu entrevistador, o artista brasi leiro Carlos Zilio, a falar sobre o carter parti- cipativo porém intimista, romAntico (e, portan- to, supostamente preso a uma subjetividade extemporanea), presente nas obras dos dois artistas, em comparacio A minimal art norte- americana onde, segundo o entrevistador, ocor- reria “uma relagao mais ligada a uma globali zagao da obra dentro de uma concepgao espa- cial maior, de uma escala que situa obra e pti blico no espago urbano”. Apés criticar rapidamente a arte norte-ameri- cana, para ele extremamente preocupada com 0 objeto, Guy Brett respondeu a Zilio: D (...) A producéo de Lygia se desmaterializa cada vex mais, enquanto a énfase vai se deslocanda na diregao do ser humano, O objeto serve ao ser humano, ou serve an potencial do ser humano em relagdo & vida, & busca de sua personalidade e felicidade. Foi isso que me tocou ‘mais profiandamente no trabalho de Heélio e Lygia; eles se preocupam com 0 ser humano camo um tado quer dizer, em todos os sentidos, nao apenas no sen~ tido visual, como pade-se imaginar que as artes plds- ticas estariam somente preacupadas em fazer, mas é claro que o desenvolvimento da arte maderna tem sido em grande parte questianar essa especializagdo o exclusividade. Eles queriam se preocupar com tados os sentidos, os cinco sentidas, dar ao homem toala 0 sentida do corpo, nao apenas como uma entidade fisica, mas no sentido de pessoa, 0 “eu”, em velagao ao cosmos, isso nd é ser muito pretensioso; na realidade isso é uma coisa muito simples. Colocando as coisas bem a gro <0 mod, 0 tradicionalisma, como & chamado, ou a concentracao na escala humana, au o que seja, é na minha opiniao, uma coisa muito avangada e muito moderna, ¢ en néo sou de forma nenhuma primitivo."® Essas palavras do critico inglés, por um lado chamando a atengio para o carter especiali- 10 da arte ocidental — que pelo menos uma parcela da arte deste século buscou zado ¢ exclus questionar — ¢, por outro, atentando para a concentragio na escala humana percebida nos trabalhos de Clark ¢ Oiticica, talvez auxiliem a sintetizar as idéias colocadas aqui. Um dos segmentos mais poderosos da arte ¢ da historiografia internacional deste século — regido por artistas ¢ intelectuais homens ¢ brancos — tentou forjar uma tradigio erudita voltada antes de tudo para a valoracio de uma sintaxe especifica e grandilogiiente, percebida tanto na frieza com que muitas v SSeS ar tists relacionaram com a realidade circun- Henriques Net A; Afi Gory "Gay Brett Depeimentea Cares Za’ fn Lia Cake Helio Oiticca Ride Jancis FUNARTE, 1986p. 2 dante, ou na maneira como esta relaco foi per- cebida pelos historiadores da arte."! Contra essa atitude surgiram, tanto nos paises stages que ques tionavam essa valorizacdo excessiva da espe- ‘curopeus comoem outros, ma cificidade, esse rigor erudito, levando para a produgio contemporiinea elementos retirados de vivencias individuais e/ou populares, produzindo assim correntes mais voltadas para uma integracio maior entre a produgio artistica e 0 puiblico. O que parece distinguir a arte brasileira mo- derna e contemporinea da maioria da produ- e aqui, pelas caracteristicas que a cultura local > artistica realizada em outros paises € que 0, uma parte signifi- sem 1992 mo Mase de Arte Malerma Aexpai “High and Ler de NewYork pela primrose par pla relagi dewm. dee sad. Lit oenanta, na retina aor aramentfarmalta cagueesmrcimetes guar a neon. Tat ila, uma » menos idealizada entre o objeto de arte cativa dessa arte preservou, desde c c oespectador, tipica da experiéncia popular, ¢ trazida para o mbito da arte erudita local pelo imigrante ¢ pela mulher. Esse “humanismo” do qual fala Guy Brett, ¢ rel que Clark ¢ Oiticica souberam explorar ¢ ex- pandir tao bem, € visivel na produgdo de varios outros artistas locais que, com suas produgdes $”, “liricas” ‘acanhadas”, “roméanti , @ nao épicas” ¢ grandilogiientes, vém conseguindo tensionar as correntes formalistas, criando assim uma produgio que dialoga com as vertentes internacionais, mas com um sotaque local bastante caracteristico. DA ARTE NACIONAL BRASILEIRA PARA A ARTE BRASILEIRA INTERNACIONAL’ Surgida com o romantismo académico na primeira metade do século passado, a necessi dade de criar no Brasil uma arte tipicamente nacional por mais de cem anos direcionou a produgio de varios artistas locais, muitas vezes cerceando suas potencialidades criativas. Preo- cupados em constituir aprior arte brasileira com caracteristicas proprias, va- rios deles deixaram de dar vazio sonalidades e as questdes inerentes & arte para se engajarem naquele programa. Essa preocupacio com a constituigio de uma ‘amente uma is Suas per iconografia singular esteve ligada inicialmente as preocupacées da elite econdmica ¢ intelec- tual nacional ¢ manifestou-se no campo das artes visuais através da produ ligados & antiga Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Como seus colegas escritores, poet riadores, os artistas ligados a Academia, com- prometidos com a legitimagio do Fstado brasileiro recentemente liberto de Portugal (1822), produziram pinturas e esculturas idea- lizadas e enaltecedoras do poder imperial, da religido catélica, do exército e da marinha na- cionais. Quando se afastavam desses temas do dos artistas s¢ hi O- nitidamente oficiais ¢ formalmente relaciona- dos com a arte conservadora européia, normal- mente produziam obras que tentavam dar con- ta da visualizagao de uma mitologia brasileira, através da representagao — sempre em chave idealizada — de mitos retirados sobretudo da * Bese comida eviinariamente para integra atl de ama expec sabre art latin-amercana nos Estas Unides cm 1998 (depoiscanelad) Pateriormente fi pablicade pla rctta Bortoare (Phra As 1995, puts 2 5 literatura e da poesi rominticas que entio aqui se produzia. Mesmo ja na segunda metade do século istas € passado, quando os influxos real naturalistas faziam-se presentes em varias partes do mundo, os artistas ligados a Acade- mia insistiam em perpetuar em seus trabalhos magem idealizada do Brasil, bastante diferente da realidade local, marcada pelo uma, passado colonial do pais ¢ pelo presente estig- matizado pela opressio imperial e pela escra- vidio da populagio negra Foi contra essa produgio artistica altamente comprometida com os interesses politicos € ideolégicos do poder imperial que se insurgi- ram alguns artistas ¢ criticos brasileiros no final do século XIX. Em sua maioria republicanos ca favor da libertagio dos escravos, eles acredi- tavam que o Brasil apenas teria uma arte nacional quando 0s artistas deixassem de idea- lizar a historia, os mitos ¢ 0 Fstado para regis- trarem~a partir da estética naturalista—a rea- lidade fisica do pais: a luz, as cores, os elemen- tos topogrificos, a flora. Embora contrérios aos direcionamentos da Academia Imperial, ¢ importante ressaltar que cesses artistas, por sua vez, mantinham-se inte- ressados igualmente na construcdo de uma arte nacional, singular e tipica. Se seus antecessores transformavam em mitos certos elementos da historia e da literatura nacionais, agora cles transformavam em mito a natureza tropical brasileira. ileira io doambiente local nao ficars ‘Tal desejo de constituigo de uma arte bra através da capta

Anda mungkin juga menyukai