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CONCLUSAO Anuncidvamos no comego desta obra que a Teligiao cujo estudo empreendia- mos continha em si os elementos mais caracteristicos da vida teligiosa e pode- mos comprovar agora a exactidao do que afirmavamos. Por simples que seja osistema que estudémos, descobrimos nele todas as grandes ideias e todas as principais atitudes rituais que se encontram na base até mesmo das religides mais avangadas: distingao das coisas em sagradas e profanas, nogao de alma, de espirito, de personalidade mitica, de divindade nacional e até mesmo in- ternacional, cultonegativo com as Praticas ascéticas que so a sua forma exas- perada, ritos de oblacado e de comunhAo, ritos imitativos e comemorativos, titos piaculares — nada de essencial falta. Podemos, pois, justificadamente Pensar que os resultados a que chegamos nao sao tragos exclusivos do tote- mismo, antes nos a ajudam a compreender 0 que é a religiao em geral. Objectar-se-4 que uma religido apenas, qualquer que seja a sua drea de extensao, constitui para uma indugao dessas uma base demasiado estreita, e longe de nds ignorarmos 0 que uma verificagao alargada pode trazer de auto- ridade acrescida a uma teoria. Contudo, nem por isso é menos verdade que, quando uma lei foi provada por uma experiéncia bem feita, essa prova 6 uni- versalmente valida. Se, num caso embora unico, um homem de ciéncia lo- Srasse surpreender o segredo da vida, e ainda que no caso em questo se tratasse do ser protoplésmico mais simples que possamos conceber, as verda- Tazo para nao estendermos as Outras religides os resultados mais gerais da nossa indagacao. Naoé. concebivel, com efeito, que, Segundoas circunstancias, um a efeito possa dever-se ‘Ora. a uma causa ora a uma outra, a menos que, ne ido, as duas formem uma s6, Uma mesma ideia nao pode exprimir aqui ma realidade e ali uma outra diferente, a menos que semelhante dualidade 423 —— au of » entre certos povOs, 2s ideias de ja uma simp paca Se termes sociolégicos, devernog Side 5 sims de deuset oop jdéntica explicagao vale para to ioe '<. entificamente que © Pe esmas esomnos ‘ intremos 2 caraceee entre os quals encol reno n05 NE, rem ° = jai ortanto, q 0 nam gu % oss ap mbes podem ser legitimamen generalizadas e — s destacarmos. Assim, uma in = testa na! = ini emeraria maa : base uma experiéncia bem definida, € menos que $22, tends - ; Icangar de um s6 golpe a esséncia da * des sumarias que, tentandoal p sense apoiarem na andlise de qualquer umaem particular, com — te o risco de se perderem no vazio. | das nossas momento de a 1 —A religido apoia-se numa experiéncia bem fundada, mas mio privilegiada. — Necessidade de uma ciéncia que atinja @ realidinds eu Senin tal experiencia. — De que realidade se trata: os agrupamentos amma, — Sentido humano da religidio. — Da objecpio que opde & sockediade iieal ea sociedade real. — Como se explicam, em tal teoria, 0 individualism 0 cosmopolitismo religiosos As mais das vezes, os tedricos que se esforgaram por exprimir a religiio en termos racionais, viram nela, antes de tudo, um sistema de ideias, dendo a um objecto determinado, Este objecto foi concebido de maneires ferentes —natureza, infinito, incognoscivel, ideal, ete. —, mas tais diferengs pouco importam, pois, EM todos OS CASOS, AS TEPTESENTAQHS CAS CTENKASE GK eram consideradas como o elemento essencial da religido, Quanto aos nes nao apareciam, do mesmo ponto de vista, sendo Comro wa tradughoenteree contingente e material, desses estados internos que, 86 eles, passavam Pore um valor intrinseco, Tratasse de uma concepedo tito difundida que, ducenee? maior parte do tempo, os debates cujo tema ¢ a religio giran em teem problema de tentar saber se ola pode ou nao conciliarse com a cides Q hae - 4 par do conhecimento cientifico, ha ou NAO hagar Pare wee ok Todevia ov ha seria especificamente religiosa. wes soeagie diene homens que, vivendo da vida religioss uilo que a constitui, objectam, a semelhante ne Ver, que ela noo corres e to, que a verdadoira —— 4 sua experidneia quotidiana, Senter - we deter dife avi flel - renter, mas faernos agin audarnese™ ‘Me ComuUNgoU com o Kou deus nto Sapenas any hone ae vere at ignora,éum indivichuo que pode mals ques et concLUSAO 425, «mais fore tanto para suportar as dificuldades da ex ‘i cer. Assim, parece que se eleva acima das miséria wn assa a sua condigio de homem e cré-se salvo do mal, seja qual bene ~ retedo, aforma sob a qual oconcebe.O primeiro artigo de todaa fé étoen, nasalvagao através dessa mesma fé, e ndo vemos como uma simples ideia me deria ter tanta eficacia. Uma ideia, com efeito, nao é mais que um elementede nds proprios e, assim sendo, como poderia conferir-nos poderes superiores aos que recebemos da nossa natureza? Por rica que seja em virtudes afectiva, nada poderia acrescentar a nossa vitalidade natural, porque tudo oO que pode é desencadear as forgas emotivas que ha em nés, nao crid-las nem aumen- ta-las. Do facto de nos representarmos um objecto como digno de ser amadoe procurado, nao se segue que nos sintamos mais fortes, mas é preciso que des- se objecto se desprendam energias superiores aquelas das quais dispomos e, além disso, que tenhamos algum meio de as fazermos penetrar em nés e de as misturarmos a nossa vida interior. Ora para isso, nao basta que as pensemos, mas é indispensdvel que nos coloquemos dentro da sua esfera de accao, que nos viremos para o lado por onde melhor podemos sentir a sua influéncia, numa palavra, é preciso que actuemos e repitamos os actos que s4o assim ne- cessarios, sempre que tal se revele uitil 4 renovagao dos seus efeitos. Entreve- mos, deste ponto de vista, como esse conjunto de actos regularmente repetidos que constitui o culto retoma toda a sua importancia. De facto, quem quer que tenha deveras praticado uma religiao sabe bem que ¢ 0 culto que suscita essas impressdes de alegria, de paz interior, de serenidade e de entusiasmo que sao, Para 0 fiel, como que a prova experimental das suas crengas. O culto nao é simplesmente um sistema de signos por meio dos quais a fé se traduz no exte- tior, € a colecgao dos meios através dos quais ela periodicamente se cria e se recria, e quer consista em manipulagées materiais, quer em operag6es menta- is 6 sempre o culto mais eficaz. Todo 0 nosso estudo assenta no postulado segundo 0 qual semelhante Sentimento unanime dos crentes de todos os tempos nao pode ser puramente ilusério, Talcomo um recente apologista da fé,! admitimos, pois, que as cren- $a8 religiosas assentam numa experiéncia especifica cujo valor demonstrati- Vo, em certo sentido, nao é inferior ao das experiéncias cientificas, embora one diferente. Também nds pensamos “que uma arvore se conhece pelos seus wien = 4 — fecundidade éa melhor prova daquilo que as suas raizes fate on ie ind sad de existir, se se quiser, uma “experiéncia religiosa” e do peters * um modo ou doutro fundada — mas havera, de resto, uma de que a aoe nao seja? —ndo se segue, de maneira alguma, quea realida- ‘@ seja objectivamente concordante com a ideia que dela os Se 1 yitiam Jan mes, ‘ James, op, cit, ¢ The Varieties of Religious Experience. P19 da tradugio francesa), isténcia, coy / COMO para 's humanas, See AS FORMAS ELEMENTARES DA vip, RELICIOS 426 i foi i . infinitamente segundo os tempos basta pi da, Seo homiem dee dessas concepedes a exprime sob uma forma adequa' * 1 1 Ge Ciencia esta. belece como axioma que as sensagdes de calor ooo experimentadas Pelos homens correspondem a alguma causa objectiva, nao conclui dat que essa ca. usa seja tal como se mostra ao sentidos. Do meamo modo, S€ as impressie, que os fiéis sentem nao sao imagindrias, também nao constituem, todavia, in- tuigdes privilegiadas e nao temos qualquer razdo para pensar QUE Nos infor. mem melhor sobre a natureza do seu objecto que as sensacdes habituais sobre & natureza dos corpos e das suas propriedades. Para descobrirmos em que Consiste esse objecto, teremos de as submeter, pois, a uma elaboracgao & que substituiu a representacao sensivel do mundo uma outra cientifica e conceptual. Ora foi isso precisamente que tentémos fazer, e vimos que a Tealidade, que as mitologias representaram sob tantas formas diferentes, mas que é a causa objectiva, universal e eterna das. sensagGes sui generis de que é feita a experiéncia religiosa, 6 a sociedade. Mostrémos as forcas morais que desen- volve e como desperta esse sentimento de apoio, de salvaguarda, de depen- déncia tutelar que liga o fiel ao seu culto. E ela que o eleva acima desi Préprio e€atémesmoela que o faz, porque aquilo que forma ohomem é esse conjunto de bens intelectuais que a civilizacdo constitui, e esta 6 obra da sociedade. E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religides, sejam elas quais forem. que a sociedade sé pode fazer sentira sua influéncia se for umacto, e sé é um acto se os individuos que a compéem se reunirem eagirem em comum. E através da accao comum que toma consciéncia de si eseafirma, numa Cooperacao activa. As proprias ideias €0s proprios sentimentos colecti- vida religiosa pelo simples facto de ser a sociedade a sua fonte. A todas as raz6es j4 dadas Para justificar esta concep¢ao podemos acres- centar uma tiltima que decorre de todo o conjunto do presente trabalho. Esta- belecemos, ao longo dele, que as categorias fundamentais do pensamento e, Fe conn Buinte/aciéncia tém origens religiosas e vimos queomesmose pas. Sa com a magia e, consequentemente, com as diversas técnicas dela deriva- das. Por outro lado, sabe-se de hd muito que, até um momento relativamente avangado da evolucao, as regras da moral e do direito foram indistintas das Prescricdes rituais. Podemos dizer, pois,em Tesumo, que quase todas as gran- des instituicdes sociais nasceram da religiao.‘ Ora, para que os principais as- Pectos da vida colectiva tenham comegado por nao set mais que aspectos variados da vida teligiosa, é evidentemente preciso que esta seja a forma 3 Ver, atrés, p.239 ess, cLuSAO 7 427 mminente ecomo que uma expressdo condensada da vi (oe religido engendrou tudo 0 que hé de essencial pideia da sociedade é a alma da religiao. As forgas religiosas sao, portanto, forcas humanas, forcas morais, Pois, eos sentimentos colectivos no podem tomar consciéncia de si proprios « nioser fixando-se em objectos exteriores, tais forcas nao puderam, sem diivi- da,constituir-se sem tomar das coisas alguns dos seus caracteres, adquirindo assim uma espécie de natureza fisica. A esse titulo, vieram misturar-se a vida do mundo material e foi por meio delas que se acreditou poder explicar-se o quenesse mundo se passa, mas quando as consideramos apenas sob este as- pecto e neste papel, apenas vemos 0 que tém de mais superficial. Na realida- de, é da consciéncia que sao retirados os elementos essenciais de que sio feitas, e habitualmente parece que s6 tém um cardcter humano quando sao pensadas sob forma humana,’ mas até mesmo as mais impessoais e as mais anénimas dentre elas nao sao outra coisa senao sentimentos objectivados. E sob a condicao de vermos as religides nesta perspectiva que se torna possivel apreendermos a sua verdadeira significagdo. Se nos ativermos as aparéncias, os ritos afiguram-se muitas vezes operagdes puramente manuais: sdo ungées, lavagens, repastos. Para se consagrar uma coisa, faz-se entra-la em contacto com uma fonte de energia religiosa, do mesmo modo que hoje, para se aquecer ou electrizar um corpo, ligamos a uma fonte de calor ou de electricidade — os processos usados num caso € no outro nao sao essencial- mente diferentes. Assim entendida, a técnica religiosa parece ser uma espécie de mecanica mistica, mas estas manipulag6es materiais so apenas o invélu- cro exterior sob o qual se dissimulam operagées mentais. Finalmente, trata-se nao de exercer uma espécie de coercao fisica sobre forcas cegas e, de resto, imaginarias, mas de atingir consciéncias, de as tonificar, de as disciplinar. Disse-se por vezes das religides inferiores que eram materialistas, mas a ex- pressao ¢ inexacta. Todas elas, incluindo as mais grosseiras, si, em certo sen- tido, espiritualistas, porque as poténcias que péem em jogo revelam-se, antes do mais, espirituais e, por outro lado, é sobre a vida moral que t¢m por princi- pal funcaoagir. Compreende-se assim que aquilo que em nome da religido foi feito nao pode ter sido em vao, porque foi necessariamente a sociedade dos homens, foi a humanidade a recolher os seus frutos. ida colectiva Por intei- na sociedade, é porque 4 Apenas. a da actividade social ndo foi ainda expressamente ligada a religibo: trata-se da actividade econdmica, No entanto, as {éenicas que derivam da magia revelam, ‘espécie de poder, de eficécia, ends conhecemos as origens religiosasda ideia de poder. riqueza eee conferir mane, oquedeera@arqueopoone Entrevemos deste modo que a ideia de valor econémico ¢ a de valor religioso niio devem deixar de ter relagdes entre si, em- ‘bora permanega por estudar a questo da natureza dessas 5 Eporisso que Frazer e até mesmo Preuss poem as forcas religiosas impessoais no exterior ‘ou, quanto muito, no limiar da religido, ligando-as A magia. AS FORMAS ELEMENTARES DA yin, RELIGIog, 428 "HGIOs, Mas, dir-se-d, 0 que éao certoa sociedade da qual Se faz assim o Substa. to da vida religiosa? Seré a sociedade real, tal como existe © funciona diante dos nossos olhos, com a organizagao moral e juridica que foi laboriosamente moldando ao longo da histéria? Contudo, trata-se de uma Sociedade chej de taras ede imperfeigdes, onde omal anda nela ao lado do bem,a injustica re. ina muitas vezes como senhora ea verdade surge a cada instante obscurecida pelo erro. Como poderia um ser téo Brosseiramente constitufdo inspirar os sentimentos de amor, 0 entusiasmo ardente, o espirito de abnegacao que to. das as religides reclamam dos seus fiéis? Esses seres Perfeitos Ue sao os dey. Ses nao podem ter extrafdo os seus tragos de uma tealidade tao mediocre e, Por vezes, mesmo tao baixa. 4 i Tratar-se-4, pelo contrério, da sociedade perfeita, onde a justica ea yer. dade seriam soberanase donde o mal, sob todas as suas formas, teria Sido ex. tirpado? Nao se contesta que ela tenha relacées estreitas com 0 sentimento religioso, uma vez que, diz-se, 6 paraasua tealizacao que as Teligides tendem, Simplesmente, uma tal sociedade nao é um dado empirico, definidoe obser- vavel, é uma quimera, um sonho com que os homens embalam as suas misé- rias, mas que nunca, na tealidade, vi i i ‘0 ser, e nada h, pois, forade Nés, que delas possa dar conta. De Testo, sao ja religiosas por si Proprias, jé que a Sociedade ideal supée assim a teligido, longe dea Poder explicar.6 Contudo, antes do mais, é simplificar arbitrariamente as coisas ver-se a religiao apenas sob o seu aspecto idealista, pois ela é realista 4 sua maneira. Nao hé fealdade fisica ou moral, nao hé vicios, na a sido divinizados, houve deuses do roubo e da astu da doengae da morte, eo préprio cristianismo, por mais alta que seja a ideia que faz da divindade, foi obri ‘0 espfritodomal um lugarna sua mitologia. Satané: i sistema cristao e, se se trata de ‘us € um deus, inferior e subor- for, de largos poderes, consti- tuindo até mesmo objecto de titos, pelomenos ne ativos. Longe, portanto,de ignorar a sociedade real e de abstrair dela, a teligidoéasua imagem, reflecte todos os seus aspectos, incluindo Os mais vulgares e os mais repugnantes. ¢, a8 mais das vezes, nela vemos 0 bem triunfar sobre rte, as poténcias da luz sobre as das trevas, é porque = 'm na realidade, ja que, sea relagao , mas dotado, seja como trérias se invertesse, a vida seria imposs{vel e a verdade é que se mantém, tendendo, mais ainda, a desenvolver-se. ——__. 6 — Boutroux, Science et religion, PP. 206-207, cONCLUSAO 429 Noentanto, se, através das mitologias e das teologias, vemos claramen- a realidade, ébem verdade que esta sé naquela reaparece dila- nada, idealizada, e, deste ponto de vista, as religides mais diferem das mais recentes e mais refinadas. Vimos, por exem- runta poem na origem dos tempos uma sociedade mitica cuja anizacio reprodz exactamente a que ainda hoje exist: inclu os mesmos dls eas mesmas fratrias, esté submetida a mesma regulamentagao matrimo- nial, pratica 0s mesmos ritos, mas os personagens que a compéem sao seres ideais, dotados de poderes ede virtudes a que ocomum dos mortais nao pode aspirar, A sua natureza nao é apenas mais elevada, ¢ diferente, uma vez que eleva a0 mesmo tempo da animalidade e da humanidade eas poténcias mas ‘ofrem uma metamorfose andloga: © préprio mal é como que sublimado e idealizado. A questao que se poe éa de sabermos donde vem esta idealizacao. Responde-se que ohomem tem uma faculdade natural de idealizar, ou seja de substituirao mundo da realidade um outro diferente para o qual se transpor- tapormeiodo pensamento, o que equivale, porém, a deslocar os termos do pro- blema sem o resolver nem fazer sequer avangar. A idealizagao sistematica em causa 6 uma caracteristica essencial das religides, explicé-las por um poder inato de idealizar 6, portanto, substituir muito simplesmente um termo por outro que equivale ao primeiro — é como se se dissesse que o homem criow a religido por- que tinha uma natureza religiosa. No entanto, 0 animal conhece apenas um mundo, aquele que percebe através da experiencia, tanto interna comoexterna,¢ s6ohomem tema faculdade de conceber o ideal e de aumentar real. Donde lhe vem entio esse singular privilégio? Antes de fazermos dele um facto primeiro, uma virtude misteriosa que escapa a ciéncia, convém termo-nos certificado de que nao depende de condigdes empiricamente determindveis. ‘Aexplicagéo que propusemos da religiao tem precisamente a vantagem de fornecer uma resposta a esta questo, porque aquilo que define osagradoé ofactode ele se acrescentar ao real, e como 0 ideal corresponde a mesma defi- nigdo nao, podemos explicar, pois, um sem 0 outro. Vimos, com efeito, que se a vida colectiva, quando atinge um certo grau de intensidade, desperta 0 pensa- mento religioso, 6 porque determina um estado de efervescéncia que transforma as condigdes da actividade psiquica. As energias vitais ficam sobreexcitadas, as Paixdes mais vivas, as sensagdes mais fortes, e algumas delas, além disso, niio se produzem a nao ser nesse momento, O homem ndo se reconhece, sente-se como que transformado e, consequentemente, transforma o mei deia, Para dar conta das impressdes muito particu _ bui as coisas com as quais esta em relacdo Sede ee lexperimentiyntet> ilo tem, poderes excepcionais, vittudec sen ees propriedades que elas rente nio possuem, Numa palavra, aomatoe, objectos da experiéncia cor- Profanasobrepde umoutregue, cern eco real em que decorre a sua vida z ‘0 sentido, 56 existe no seu pensamen- to, mas ao qual atribui, por referénes 5 feréncia ao pri ‘mais elevada, tratando-se, portanto, a ano merenantotdealee tetransparecet tada, transform primitivas nao plo, como os A\ AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELAcigg, 430 i titui um facto is Assim, a formagio de um idea ly en ioaus : observacio poate que escapa A ciéncia, depende antes de cor ‘ancar; F fa vi |. Para que a sociedade possa tomar ¢ ©um produto natural da vida socia : . - cineca de si e manter, no grau de intensidade necessrio, 0 sentiment que tem de si prépria, precisa de se reunire de se Sena Ora esta Concentra. $40 determina uma exaltagao da vida moral que se tra ‘uz porum Conjunto de concepgoes ideais sobre o qual se desenha a vida nova que assim despertoy, concepgdes essas que correspondem a esse afluxo de ae Psiquicas que se acrescentam entao aquelas de que dispomos para as tarefas quotidianas da existéncia. Uma sociedade nao pode criar-se nem recriar-se sem, No mesmo acto, criar ideal, e este acto nao é para ela uma espécie de acess6rio, por meio do qual se completaria, uma vez formada ja, € o acto pelo qual se faze Tefaz Periodicamente. Por isso, quando opomos a sociedade ideala Teal como dois antagonistas que nos arrastassem em sentidos contrarios, na realidade limita- mo-Nos, como podemos agora compreender, a opor duas abstracces. A so. ciedade ideal nao esta no exterior da sociedade eal, faz parte dela, e, muito longe de nos dividirmos entre elas como entre dois pélos que se repelem, nao Podemos aderira uma sem aderirmos a outra. De facto, uma sociedade naoé simplesmente constituida pela massa dos individuos que a compéem, pelo Solo que eles ocupam, pelas coisas de que se servem, pelos movimentos que efectuam, mas, antes do mais, pela ideia que faz de si propria. Bacontece, sem duivida, que a sociedade hesite acerca da maneira como deve conceber-se — sente-se dilacerada por sentidos divergentes—, mas tais conflitos, quando explodem, ocorrem nao entre o ideal ea tealidade, mas entre ideais diferen- tes, entre o de onteme ode hoje, entre o que tem Por si a autoridade da tra- digo e 0 que se encontra simplesmente em devir. Podemos, por certo, Perguntar-nos o que faz com que os ideais evoluam, mas, seja qual for a solu- G40 que se dé ao problema, nunca sera menos verdade que tudo se continuara a passar no mundo do ideal, Oideal colectivo que a religiao exprime, longe de se deveranao sei que Poder inato do individuo, foi antes na escola da vida colectiva que o indivi- duo aprendeu a idealizé-lo, foi assimilando os ideais elaborados pela socie- dade que o homem se tornou capaz de conceber o ideal, foi a sociedade que, tomando-ono interior sua. esfera de acco, 0 levoua contraira necessidade de se elevar acima do mundo da experiéncia, fornecendo-lhe, ao mesmo. tempo, 0s meios que Ihe permitem conceber um outro mundo. Na realidade, este mundonovo, foiela que oconstruiu ao construir-se a si Propria, uma vez que €aelaqueele exprime,e assim, tantonoindividuocomono grupo, a faculda- de de idealizar nada tem de misterioso, nao é uma espécie de luxo que o ho- mem poderia dispensar, mas uma Sua condicao de existéncia, O ser humano nao seria um ser social OU Seja, Nao seria um homem, se naoa tivesse adquiri- do. Encarando-se nos individuos, os ideais colectivos tendem, sem diivida, a individualizar-se, isto 6, cada "um 0s entende & sua maneira, cada um lhes concLusho 431 imprime a sua marca, pdem-se de lado certos elementos, acrescentam: tros.O ideal pessoal desprende-se assim do ideal social medida que a a nalidade individual se desenvolve e se torna uma fonte euténoie de conc mas, se quisermos compreender esta aptidao, aparentemente tao siniealay para viver fora do real, bastar-nos-é referi-las 4s condig6es sociais das quais depende. Devemos evitar, pois, ver na presente teoria da religido um simples reju- venescimento domaterialismohistérico, o que seria incorrer num grave equt- yoco acerca do nosso pensamento. Ao mostrarmos na religiao uma coisa essencialmente social, nao pretendemos de maneira alguma dizer que se li- mitaa traduzir, numa outra linguagem, as formas materiais da sociedade eas suas necessidades vitais imediatas. Consideramos, sem duvida, uma evidén- cia quea vida social depende do seu substrato e é portadora da sia marca, do mesmo modo quea vida mental doindividuo depende do encéfaloe até mes- mo do conjunto do organismo, mas a consciéncia colectiva é coisa diferente de um simples epifendmeno da sua base morfolégica, tal como a consciéncia individual é algo diverso de uma simples eflorescéncia do sistema nervoso. Para que a primeira aparega, € preciso que se produza uma sintese sui generis das consciéncias particulares. Ora esta sintese tem por efeito libertar todo um mundo de sentimentos, de ideias, de imagens, que, uma vez nascidas, obede- cema leis que lhes sao proprias. Atraem-se, repelem-se, fundem-se, segmen- tam-se, proliferam, sem que 0 total de semelhantes transformacées seja directamente governadoe tornado necessario pelo estado da realidade subja- cente. A vida assim suscitada goza até mesmo de uma independéncia bastan- te grande para se exprimir por vezes em manifestagdes sem objecto, sem qualquer espécie de utilidade, pelo simples prazer de se afirmar. Mostramos precisamente que tal é com frequéncia 0 caso da actividade ritual e do pensa- mento mitolégico.” Contudo, se a religido é um produto de causas sociais, como explicar 0 culto individual e o caracter universalista de certas religides? Senasceu inforo externo, como pode passar ao foro intimo do individuo e nela mergulhar cada vez mais profundamente? Se é obra de sociedades definidas e individualiza- das, como se pode desprender delas a ponto de ser concebida como coisa co- mum da humanidade? Depararam-se-nos, ao longo da nossa indagacao, os primeiros germes da religido individual e do cosmopolitismo religioso, vimos como se forma- ram, pelo que possu{mos assim os elementos mais gerais da resposta que pode ser dada a esta dupla questao. Mostrimos, com efeito, como a forca religiosa que anima o ¢la, a0 ve 7 pis Ste, P. pa CF., sobre a mesma questo, o nosso artigo “Représentations indivi- présentations collectives”, in Revue de métaphysique, Maio de 1898. {AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELiGiog, ae iculares, se particulariza a si préprj onsciéncias fe ue ne ee vid tem oe seus (hat se formam seres 8 en vida intima, solidérios do seu destino; ¢4 ine sua imagem, associa i i I ° tol dividual 0 antepassado protector, ete. fen eres 840 0 objecto de ritos que o fiel pode celebrar sozinho, a Eee forma de ements tratando-se, portanto, efectivamente de uma pri i z € culto indiy). dual, Nao é ainda, sem duivida, mais que um culto muito rudimentar, mas, como a personalidade individual é entao muito pouco marcada, como se lhe atribui reduzido valor, 0 culto que 0 exprime nao pode ser por isso muito de. senvolvido. Todavia, 4 medida que os individuos se diferenciaram mais ¢ 4 medida que o valor da pessoa aumentou, 0 culto correspondente assumiy, também ele, maior importancia noconjunto da vida religiosa, aomesmotem. po que se fechou mais hermeticamente ao exterior. Aexisténcia de cultos individuais nao implica, pois, nada que contradi- ga ou embarace uma explicagao sociolégica da religiao, porque as forcas reli giosas a que tais cultos se dirigem nao sao mais que formas individualizadas de forcas colectivas. Assim, ainda quando a religiao parece residir por inteiro no foro intimo do individuo, continua a ser na sociedade que se encontra a fonte viva em que se alimenta. Podemos agora apreciar o que vale esse indi dualismo radical que gostaria de fazer da religido uma coisa puramente indivi- dual: desconhece as condiges fundamentais da vida religiosa. Se permaneceu até hoje no estado de aspiracao teérica que nunca se realizou, é porque éirreali- zavel. No siléncio da meditagao interior pode elaborar-se, com efeito, uma fi- losofia, mas nao uma fé, porque esta, antes do mais, é calor, vida, entusiasmo, exaltagao do conjunto da actividade mental, transporte do individuo acima de si préprio. Ora como poderia este tiltimo, sem sair de si, aumentar as ener- gias que possui? Como poderia ultrapassar-se gracas apenas As suas proprias forcas? O tinico foco de calor junto do qual nos podemos moralmente aquecer €0 formado pela sociedade dos nossos semelhantes e as tinicas forcas morais com que podemos sustentar e dilatar as nossas sao as. que nos confere outrem. Admitamos até que existam realmente seres mais ou menos andlogos aos que as nossas mitologias representam, e que, para que possam ter sobre as almas@ accao titil que é a sua razao de ser, é necessério que se acredite neles. Ora 2 crengas 86 quando partilhadas sao activas. E possivel de facto manté-las du rante algum tempo por meio de um esforco inteiramente pessoal, mas m0 assim que nascem e se adquirem, sendo até duvidoso que possam conse var-se em tais condi¢des. Com efeito,o homem que tem uma verdadeira eo Perimenta invencivelmente a necessidade de a difundir e, para isso, $4 seu isolamento, aproxima-se dos outros, procura convencé-los, e © das conviccdes que suscita que vem reforcar o seu proprio ardor, que depres 8a se extinguiria se permanecesse solitario, syidu : Passa-se com 0 universalismo religioso o mesmo que com 0 indivie lismo, pois, bem longe de ser um atributo exclusivo de algumas reli encarnar-se nas ¢ CONCLUSAO 433, maiores, descobrimo-lo nao na base, mas no topo do sistema australi Bunjil, Daramulun, Baiame nao so simples deuses tribais, cada um de = . reconhecido por uma pluralidade de tribos diferentes, sendo o seu ln, certo sentido, internacional. Esta concepgao é assim muito proxima da que encontramos nas teologias mais recentes, por isso certos autores julgaram de- ver negar a sua autenticidade, por mais incontestavel que seja. Ora nés soubemos mostrar como foi que se formou. Tribos vizinhas e da mesma civilizagao nao podem deixar de manter rela- des constantes umas com as outras, pois toda a espécie de circunstancias se apresentam como ocasiao e, além do comércio, ainda numa fase rudimentar, existem os casamentos, porque os matriménios internacionais sao muito fre- quentes na Australia. Durante tais encontros, os homens tomam naturalmente consciéncia do parentesco moral que os une: tém a mesma organizacaosocial, a mesma divisao em fratrias, clas, classes matrimoniais, e praticam os mesmos ri- tos de iniciagéo ou outros por completo similares. Empréstimos muituos ou convengées acabam por ter por efeito 0 reforco das semelhangas espontineas e os deuses a que se associavam instituigées tao manifestamente: idénticas dificil- mente poderiam ter permanecido distintos nos espiritos. Tudo os aproximava e, por conseguinte, ainda que suponhamos que cada tribo elaborou a sua nogio de maneira independente, eles deviam tender necessariamente a confundir-se uns com os outros. E, de resto, provavel que tenham sido primitivamente con- cebidos durante as assembleias intertribais, porque se trata aqui, antes do mais, dos deuses da iniciagao e, nestas ceriménias, estao geralmente representadas varias tribos, Se se formaram, portanto, seres sagrados que nao se ligam a ne- nhuma sociedade geograficamente determinada, isso no significa que te- nham uma origem extra-social. E que, acima dos grupos geogréficos, existem ja outros cujos contornos so mais indecisos: nao tém fronteiras definidas, mas incluem toda a espécie de tribos mais ou menos vizinhas e aparentadas. A vida social muito particular que deles se dlesprende tende assim a difundir-se por uma drea de extensdo sem limites precisos, e muito naturalmente, os persona- gens mitolégicos corresponclentes tém o mesmo carécter, a sua esfera de in- fluéncianao édelimitada, planam acima das tribos particulares e do espaco, ou seja, sH0 0s grandes deuses intemacionais, = ‘Ora nada hd nesta situagdo que seja exclusivo das sociedades australia- nas, Nao hé povo, nao ha estado que ndo se inclua numa outra sociedade, raais ou menos ilimitada, que compreende todos os povos, todos os estadios dom os quais o primeiro mantém, directa ou indirectamente, relagbes, ¢ ndio ha vida nacional que nao seja dominada por uma vida colectiva de natureza internacional. A medida que avangamos na historia, estes agrupamentos in- ternacionais assumem importancia e extensio crescentes. Entrevemos assim Como, em certos casos, a tendéncia universalista pode ter-se desenvolvido a ‘onto de afectar no s6 as ideias mais elevadas do sistema religioso, mas tam- Pém os proprios principios sobre os quais aquele assenta. A Web ney O que Wit de eterno na religid0, = Do confiita entye CeCe eite hetie mica nd Jingo eopeculativg Hn que parece dleatinada a lornareee tal fungdo “1A gity a Yeligiyg Uxiate, pois, na Weliglao qualquer cols de eterno que Yea Loctos os aimbolow particul Vanrente se envelveti, Ni deo mantere tem por dest ares NO# quale O pensamento relipign, D 36 ‘ to pode haver socledade que néo sinta g nen clo convolidar, a intervalos regulares, og sentimentog, lectivos que fazem asta unidade ea sua personalidade, moral 86 pode sei € 28 ideias cy. . Ora esta Tecomponics, t obtida por meio de reunides, de assembleias, de con, ep. Ses eM que os individuos, estreitamente aproximados uns dog Outros, reafic. Mam eM Conjunto os seus sentimentos comuns; daf, ceriménias Ue, pelo sex ebjecto, pelos resultados que produzem, pelos procedimentos que regan, nado diferem, na sua natureza, das Propriamente religiosas. Que diferenga es. ‘cial existe entre uma assembleia de cristéos celebrand 0 as principais date, Sa vida de Cristo, ou de judeus festejando a partida do Egipto ou a promul, SS do Decalogo, e uma reunido de cidadaos c ‘omemorando a instituics de ‘uma nova carta moral ou algum outro grande acontecimento da vida Nacional? Se temos talvez alguma dificuldade hoje em imaginarmos ex, "20 consistir tais festas ¢ tais ceriménias do futuro, 6 Porque atravessamos uma fase de transicao ede mediocridade moral. As grandes coisas do passa- do, as que entusiasmavam os nossos Pais, j4 nao excitam em nés 0 mesmoar- dor, ou porque entraram nos usos comuns a ponto de se tornarem Para nds inconscientes, ou Porque jénao correspondem as Tossas aspiracGes actuais,e, substituisse. J4 nao Podemos apaixo- nar-nos pelos princfpios em nome dos quais o cristianismo Tecomendava aos senhores que tratassem humanament: "© OS Seus escravos, e, por outro lado, a ideia que essa doutrina faz da igualdade e da fratemidace humana mais eficaz, mas nao vemos ainda claramente o que deva ela ser nem como poderd realizar-se nos factos. Numa Palavra, os antigos deuses envelhecem Caanbrrem, endonasceram ainda outros. Foi isso que tomou va a tentativade Comte no sentido de organizar uma teligiao com velhas memérias historicas, artificialmente despertadas, pois éda Prdpria vida, endo de um passadomor to, que pode sair um culto vivo, Contudo, o presente estado de incerteza ede i durar eternamente, viré um dia em que as noss2s quais surgirao novos ideais, se libertardo novas formutlas que hao-de seis por um tempo, de guia a humanidade, Entao, uma vez vividas essas ee homens experimentarao espontaneamente a necessidade de as reviv S = Pensamento de tempos a tempos, quer dizer, a necessidade de manter om 435 condagio por meio de estas que reavivem regularmente 0s se os com 2 Revolugio Francesa instituiu todo um ciclo de perce ou jnanter tu estado de perpétua juventude os principios em que se inspirava, na nstitigio perilitou rapidamente foi porque f6 revolucionéria durou spas 0 tempo que durou foi porque as decepgdes e o desencorajamentoem nas saceleram ao primeiro momento de entusiasmo. Todavia,emboraa ber tenhabortado, permite queimaginemos que teria sidonoutras condi- ve, tudo fazendo pensar que seré retomada mais, ‘cedo ou mais tarde, Nao ge gelhos que sejam imortase nh razdo para cermos qua humani- Made seja doravante incapaz de conceber Outros. ‘Quanto a saber 0 que serio fossimbolos nos quais se expressard a {é nova, se se assemelharao ou ndo aos do passado, se serdo mais ‘adequados a realidade que ho-de ter por ‘objecto do Tv tata-se de uma questao que excede as faculdates hamanas de pre- vaio e que, de resto, nao se refere ao fundo das coisas. Noentanto, as festas, os ritos, numa palavra| ‘oculto, naosioa totalidade dareligido. Esta nio é apenas um sistema de praticas, étambém um conjunto {eidelas visando exprimir o mundo vimos que até mesmo povos mais hu- mildes tema sua mitologia.Seja qual for a’ relagio que possa existir entre estes dois elementos da vida religiosa, eles nao deixam de: ‘ser muito diferentes. Um vira-se para olado da acco, que suscita e regula, o outro Pare olado do pen- Namento, que enriquece e organiza. Nao dependem, portanto, das mesmas condigdes e, por isso, justfica-se que nos perguntemos S* ‘o segundo corres- i necessidades to universais e tdo permanentes como 0 primeiro. ‘Quando se atribuem ao pensamento religioso caraclerss cespecificos, ido se cré que ele tem por fungio exprimit, por ‘métodos que lhe sio pro- prios, todo um aspecto do real que escapa tanto 20 mento corrente eomo a ciéncia, recusa-se naturalmente a idea de que + religidio possa ser al- especulativo, mas andlise dos factos nao nos rreceu demonstra semelhante especificidade, A religido que acabamos de usados sio mais desconcertantes paraarazioetudonela parece misterioso. Esses seres que participam a0 me Fho tempo dos reinos mais heterogéneos, que se ‘multiplicam sem deixar de sser unos, que se fragmentam sem $e; ‘diminuir, parecem, & primeira vista, per~ ea sm mundointeiramente diferente daquele em que v'vemos, chegan- Gorse ao ponto de dizer que 0 pensamento que © construiu ignorava por ‘Completoas leis da ldgica. Nunca, talve7, tertha sido mais vincadoocontraste entre arazaoea fé,eseexistiu, pois, um momentona hist6ria em queasuahe- terogencidade deveria ser evidente, foi bem esse. Ora, ao contrario das apa- tencias, verificdmos que as realidades ds quais se aplica entio a especulacao religiosa sio as mesmas que, mais tarde, servirio de objectos a reflexio dos omens de iéncia, ou seja, anatureza, o homem, ‘sociedade. O mistério que Moded-las é muito superficial e dissipa-se mediante uma ‘observaciio mais Pare undada: basta qu afastemos 0 véu com queaimaginasio mitologica as q as FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOS, 436 ‘ ay wel Sit eee que a reli. cobriut para as Ve se conform igivel, cuja ; ee acai atk nos Myairnuma linguager te ig’ janaturezanaod;, jo se esforga po ~jéncia © aso como NO outro, trata-se de ligar as estabelecer ent s relagoes internas, de as classificar, de sta nocoes essenciais da légica cientifica eas proprias e8 ast Pp r,aciéncia submete-as sem dtivida a iliza para as util pm a-as de elementos adventicios de toda a espécie; introduz de uma maneira geral,em todas as suas operesnet) um espirito crit. co quea religido ignoray rodeia-as de precaucoes para “evitar a precipitacao e a prevencao”, para manter de lado as paixdes, 0S preconceitos e todas as in- fn i rfeigoamentos metodolégicos nao fluéncias subjectivas. Contudo, estes ape! d bastam para a diferenciar da religiao, uma e outra, sob este aspecto, visam o mesmo fim e o pensamento cientifico é apenas uma fone mais perfeita do pensamento religioso. Parece, Por’ conseguinte, natural queo segundose apa- gue progressivamente diante do primeiro medida que este se torne mais ca- paz de desempenhar a sua tarefa. : 2 Eé indubitavel que uma tal regressao se tem, com efeito, produzidono a historia. Saida da religido, a ciéncia tende a substituir-se a esta ulti- fere as fungdes cognitivas intelectuais, e ja o cristia- itivamente a substituicéo referida na ordem dos fenémenos materiais. Vendona matéria a coisa profana por exceléncia, aban- donou facilmente 0 seu conhecimento a uma disciplina estranha, tradidit mundum hominum disputationi,e foi assim que as ciéncias da natureza pude- ramestabelecer-see fazer reconhecer a sua autoridade sem excessivas dificul- dades. Todavia, o cristianismo nao podia abrir mo com o mesmo a-vontade do mundo das almas, porque é sobre estas que odeus dos cristaos aspira, aci- ma de tudo, a reinar. Foi por isso que, durante muito tempo, a ideia de subme- ter a vida psiquica a ciéncia suscitava 0 efeito de uma espécie de profanagao ainda hoje sendo uma ideia que repugna anumerosos espiritos. No entanto, a psicologia experimental e: comparativa constituiu-se e hoje é impossfvelnioa levarmos em conta, mas 0 mundo da vida religiosa e moral continua a serain- da um mundo interdito. A grande maioria dos homens continua a crer que sien meron dc ue op ode Pea Fo tain ee aes ee eee quesenos deparam sempre que ten- despeito das oposigGes, as t e ee msn eel Contudas : ied rani < ue ent fativas nesse sentido Tepetem-se e a sua persis" decease Bes ee prever que esta ultima barreira acabard por ce reaedvachs: leceré como senhora também numa tal regi#? Eis is ween: ipa hea ce: aoe entrea ciéncia ea religido, do qual, princfpio, mas se aquela existe, @ é Mieiend ciencia nega a eligio © fs sfavama renlidade porig poderica cits theron de factos dados e, numa pal poderia a ciéncia negar essa realidade? Além disso, se ne mos mostrarem-se conform fere da usada pel: s entre si, de e as sistematizar. Vimos qu so de origem religiosa e, uma nova elaboragao: depur re ela! curso di maem tudo o quese re! nismo consagrou definit muitas conctusko 437 medida em que a religido €accao e um meio de fazer viy, nal” nao pode substitui-la, uma vez que, se expi ‘er Os homens, oncia : 5 ; Time a Vida, nao a cri cient ra, com efit, explicar a fé, por isso mesmo a su pa - criae, se poe: conflito ‘go ser em torno de um ponto limitado, oe imitivamente preenchia, existe uma, a a ae funcdes que a rel fe aescapar-Ihe: trata-se da fungao especulativa. O gence cada vez ee jjondo€ 0 direito a existir, 6 0 direito de do; hee en comeaina religia se ans , gmatizar sobre a natureza das coisas, é a espécie le competéncia especial que reclamou quanto ao conheci- mento do homem e do mundo. De facto, nao se conhece asi pr6pria,nao sabe nem de que ¢ feita nem a que necessidades corresponde e, se ela propria é ob- jecto de ciéncia, esta longe, pois, de poder dar leis a ciéncia! E como, por outro Jado, fora do real ao qual se aplica a reflexao cientifica nao existe objecto pro- prioaquea especulacao religiosa se ajuste, é evidente que esta tiltima nao po- deri desempenhar no futuro o mesmo papel que lhe coube no passado. Todavia, parece destinada mais a transformar-se do que a desaparecer. Dissemos que ha na religiao qualquer coisa de eterno —o culto, a 6 —, mas os homens nao podem celebrar cerim@nias para as quais ja nao vejam ra- zio de ser, nem aceitar uma fé que de maneira alguma compreendam. Para difundir ou simplesmente sustentar a fé, ¢ preciso justific4-la, ou seja, fazer a sua apologia, e uma teoria deste género esta obrigada, sem duvida, a a- poiar-se sobre as diferentes ciéncias a partir do momentoem queelas existam: ciéncias sociais, em primeiro lugar, dado que a fé religiosa tem na sociedade as suas origens; psicologia, uma vez que a sociedade é uma sintese de cons- ciéncias humanas; ciéncias da natureza, enfim, porque o homem e a socieda- de sao fungao do universo e sé artificialmente podem ser abstrafdos deste ultimo. Todavis, por importantes que possam ser os empréstimos contraidos junto das ciéncias constituidas, nao bastam, porque a lei é, antes do mais, um impulso para a accao, e a ciéncia, por mais longe que a levemos, permanece sempre a distancia da acco. A ciéncia ¢ fragmentaria, incompleta, s6 lenta- mente avanca e nunca se encontra terminada, a vida, pelo seu lado, nao pode esperar. Teorias destinadas a fazer viver, a fazer agir, adiantar-se-40 assim obrigatoriamente a ciéncia, completando-ade modo prematuro, mas s6 serao Possiveis se as exigéncias da pratica eas necessidades vitais, tal comoas senti- mos sem as concebermos distintamente, impelirem em frente o pensamento, paraalém do que a ciéncia nos permite afirmar. Deste modo, as religides, ain- da que as mais racionais e as mais laicizadas, nao podem nem nunc? poderao dispensar uma espécie muito particular de especulagao, que, tendo enor 08 mesmos objectos que a propria ciéncia, nao pode ser, nO entanto, ee mente cientifica, pois, nela, as intuigdes obscuras dasensacdoe dozer) oe ao com frequéncia as vezes de razdes légicas. Bor oO ee sae rend Dora tmelha-se, assim, & que descobrimos nas TB to de ir além d9 Cina a ntinaue-ee:cela. Concedendo-se embora oi Tati do deve comecar por conhecé-la e por © inspir - {AS PORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOg, 438 SA ra estabelecida a sua momento em que se encontra estabeleci em conta e, embora pos autoridade, é preciso leva mos ir mais longe que ela, sob a pressdo da Necessj. dade, é dela que devemos partir. Nao amas ofitmainee awe a ciénciane gue, nada negar que ela afirme, nada pare a Hise spl directa es indirectamente, sobre prinefpios dela extrafdos. A p: NtdO, alei jf nag exerce, sobre o sistema das representagoes a que podemos continuar a cha. mar religiosas, a mesma hegemonia de outrora. Frente a ne uma poténcia rival que, dela tendo nascido, a submete oe sf sua critica ex seu controlo, e tudo faz prever que este controlo setornard cada vez mais alar. gadoe eficaz, sem que seja possivel fixarmos limites a sua influéncia futura, III. — Como pode a sociedade ser uma fonte de pensamento légico, Ou seja, conceptual? — Definigao do conceito: este nfo se confunde com a ideia geral; caracteriza-se pela sua impessoalidade, pela sua comunicabilidade, — A sua origem colectiva. — A andlise do contetido do conceito testemunha no mesmo sentido. — As representagdes colectivas como nogdes-tipo em que os individuos participam. — Da objeccao segundo a qual s6 seriam impessoais na condigdo de serem verdadeiras. — O pensamento conceptual é contempordneo da humanidade Contudo, se as nogGes fundamentais da ciéncia sao de origem religiosa, como pode ter sido a religiéo a engendra-las? Nao entrevemos a primeira vista que relagdes podem existir entre a l6gica ea religido, mas, mais ainda, uma vez que a realidade que o pensamento religioso exprime é a sociedade, podemos péra questao nos seguintes termos, que mostram melhor ainda toda a dificuldade:o que pode ter feito da vida social uma fonte tao importante de vida légica? Nada, dir-se-ia, a predestinava para esse papel, porque nao foi evidentemente para satisfazerem necessidades especulativas que os homens se associaram. Talvez pareca temeréria a tentativa de abordarmos aqui um problema tao complexo, pois, para o podermos tratar de maneira adequada, seria preci- 80 que as condi¢Ges socioldgicas do conhecimento fossem mais bem conheci- das. Assim, comecamos apenas a entrever algumas dentre elas, mas a questa0 é tao grave e 6 tao directamente implicada por tudo o que precede que deve- mos esforcar-nos por nao a deixar sem resposta. Talvez, de resto, nao seja in posstvel estabelecer desde ja certos principios gerais que sao pelo menos de aaezs a esclarecer a solucao, “ge matéria do pensamento logico é feita de conceitos € indagar como# Sociedade pode ter desempenhado um Papel na génese do pensamento logi- C0 equivale, pois, a perguntai for bonne rmo-1 rte na magao dos conceitos, = Nos como pode ela ter tomado pa soncLusaAo 439 como as mais das vezes acontece, nao virmos 4 y NO conceito mai ei seral, o problema afigurar-se-a insohivel. O indi Mais que ideia 8 el. O individuo, co , COM efeito, unt pelos seus meios proprios, compararas sua: a po cae aquilo que tém de conan e, cht eae was suas ima- ee torna dificil entrever por que razGes a generalizacao a eit por a epela sociedade. Contudo, em primeiro lugar, é inadmissivel que Evert mento Jogico se caracterize exclusivamente pela maior extensdo das repre- gentagdes que ° constituem. Se as ideias particulares nada tém de légico, porque seriam as coisas diferentes no caso das ideias gerais? O geral s6 existe no particular; éo particular simplificado e empobrecido. O primeiro nao e, portanto, ter virtudes e privilégios que o segundo nao tenha e inversa- mente, seo pensamento conceptual pode aplicar-se ao género, a espécie, a va- riedade, por restrita que esta possa ser, porque nao poderia estender-se ao individuo, ou seja, a0 limite para o qual a representagao tende a medida que a euaextensio diminui? De facto, existem numerosos conceitos que tem indivi- duos por objecto e, em qualquer espécie de religiao, os deuses so individua- lidades distintas umas das outras, mas sao concebidos, nao percebidos. Cada povo representa de uma certa maneira, varidvel segundo os tempos, os seus herdis histéricos ou lendarios, s6 que estas representagdes sio conceptuais. Por fim, cada um de nés forma uma certa nogao dos individuos com os quais se relaciona, do seu cardcter, da sua fisionomia, dos tracos distintivos do seu moral, nogdes que sao verdadeiros conceitos. Em ge- de modo bastante grosseiro, mas até mesmo entre os conceitos cientificos haver muitos que se adequiem perfeitamente ao seu ob- jecto? Sob este aspecto, entre uns e outros as diferengas so apenas de grau. E por outros caracteres que é preciso, pois, definir o conceito, que se opée as representacdes sensiveis de toda a ordem—sensacoes, percepgdes ou imagens — pelas propriedades que a seguir enumeramos. As representaces sensiveis encontram-se num fluxo perpétuo, impe- lem-se umas As outras como as Aguas de um rio e, até mesmo enquanto du- ram, ndo permanecem semelhantes a si proprias. Cada uma delas é fungao do instante preciso em que ocorre. Nunca estamos certos de voltarmos a encon- traruma percepgao tal como uma primeira vez a experimentamos, porque, se acoisa percebida nao mudou, somos nds que ja nao somos 0 mesmo homem. Oconceito, pelo contrario, esta como que fora do tempoe do devir, furta-se a toda essa agi ate ; igo diferente do espiritoy a : ‘tua numa regido difere ‘ gitacdo e dir-se-ia que se sil 8 ma evolugdo in- Mais serena e mais c a i proprio, por alma. Nao se move por si proprio, Po! ‘ : Ema cespontinea, pelo contririo, resiste A mudancay éuma maneira gape Hes que, a cada momento do tempo, se fixa & cristaliza.* Na sedis en ae jt © que deve sor, € imatdvel er se muda, ndo é porque 1880 €1) is temperament fisico e ral, formam-se, é certo, Po William James, The Principles of Psychology, I, p- 464 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIG 440 IGIOs, natureza, é porque descobrimos mele aleume departlcho,¢ Porque Precisa de ser rectificado, O sistema de conceitos com 0 q ad Corrente fa. mos é aquele que o vocabulario da nossa eee ae POIs cada palavra traduz um conceit. Ora a lingua ent spe ae z “© Muito lenta. mente muda e, por conseguinte, omesmo se passe a Bi Tso cance , tual que exprime. O homem de ciéncia acha-se na mesma situacgdo frente terminologia especial usada pela ciéncia a que se consagra e, DOr conseguinte, frente ao sistema especial de conceitos ao qual essa terminologia correspon. de. Pode inovar, sem dtivida, mas as suas inovagdes Sao sempre uma especie de violéncia que se exerce contra maneiras de pensar. instituidas. Ao mesmo tempo que é relativamente imutavel, o conceito 6 senao uni versal, pelo menos universalizavel, nao é de uma s6 pessoa, mas sim comum a outros homens ou, pelo menos, pode ser-lhes comunicado. Pelo contrério, éme impossivel fazer com que uma sensagao da minha consciéncia Se trans- mita A de outrem, ela liga-se intimamente ao meu organismo, a minha Perso- nalidade, e nao pode ser separada deles. Tudo o que posso fazer 6 convidar outrem a por-se diante do mesmo objecto que eu e a abrir-se sua acco, Ao invés, a conversagao, o comércio intelectual entre os homens consiste numa troca de conceitos, que é uma representagao essenclalments impessoal, sendo através dele que as inteligéncias humanas comunicam. Anatureza do conceito, assim definido, revela as suas origens e, se é co- muma todos, é por ser obra da comunidade. Uma vez que nao tema marca de qualquer inteligéncia particular, é porque foi elaborado por uma inteligéncia tinica em que todos os outros se encontram e junto da qual vém, de algum modo, alimentar-se. Se tem mais estabilidade que as sensagdes ou que as ima- gens, por as representacdes colectivas serem mais estaveis que as represen- tages individuais, porque, enquanto o individuo 6 sensivel até mesmo a fracas transformagées que se produzem no seu meio interno ou externo, s6 acontecimentos de suficiente gravidade podem lograr atingir a base mental da sociedade. Sempre que estamos em presenca de um tipo" de pensamento Esta universalidade do conceito ndo deve ser confundida com a sua generalidade, pois uma e outra so coisas muito diferentes, Aquilo a que chamamos universalidade 6a pro- Priedade que o conceito tem deser comunicadoa uma pluralidade de espiritos,eatémes- mo, em principio, a todos eles, comunicabilidade que é completamente independentedo Seu grau de extensio. Um conceito que nio se aplica sendo a um objecto, cuja extensio6, Por consequéncia, m{nima, pode ser universal no sentido de ser mesmo para todosos entendimentos, tal como 0 conceito de uma divindade. 10. Objectarse-s que com frequéncia, no individuo, plo simpies efeito da repeticlosefixames® Gristalizam sob a forma de hébitos maneiras de agit ou de pensar que resistem A mudanga,™#s ohébito 6apenas uma tendéncia para Tepetir automaticamente um acto ou uma ideia todas 2s tions te aSmesmas crcunstancias a despertam, ni implicando que. ideia ou actose co" ments Re estado detipos exemplares, propostos ou impostos ao espirito ou a vontade- ES oni, Luandlo um tipo deste género é preestabelecido, ou seja, quando uma regra ou norma ¢ institufda, que podemos e devemos presumir a acco social. sychusAO Jeo que se impde uniformemente ds vont i e ragfio exerel 1 4s vontad y ia pressioexereidta sobre o individuo rey a OU AS inteligéne| Fe resto, j# antes dlizfamos que os conce ‘ela ainter 2 NCS Parti. tos TVENGAO da colecti mesos que o vocabuléris aren goat corfanieeane pega Porconseguinte, sistema de estabelece, send ind nie gee uma labora pcolectiva. Assim, aqui concer que ela traduz6, vel no ue no seu Conjunto representa os ieee exPrime Ga maneira como ‘oxves que correspondem aos diversos elementos da a experiencia, pelo que as 088 colectivas. mba lingua sio, pois, represen. prio contetido des 2 Preeeefeito nein ned nogdes testemunha no mesmo sentid patermncs, ee Mo entre os que por habito emy NS qceitagao nao exceda mais ou menos largamente os limites d PTeGAMC®, cule ca pessoal. Muitas vezes uma palavra exprime coisas que Sa eee experién- ca encias que jamais fizemos ou que munca Geentahinee, reebemos, quando conhecemos alguns dos objectos a que o termo em causa ne weet apenas titulo de exemplos particulares que vém ilustrar a ideia a apt pors 96s, nunca teriam bastado para a constituir. Na palavra, suse ae densada toda uma ciéncia em cuja formagio nao colaborei, ‘uma ciéncia ails que individual, e esta tiltima ultrapassa-me a tal ponto que nao posso segust we iam por completo de todos os seus resultados, Qual denés vonkics vPree js palavras da lingua que fala easignificacio integral de cada palavra? Esta observaao permite determinar em que sentido entendemos dizer que os ‘conceitos so representagdes colectivas. Se sio comuns a um grupo so- cial inteiro, nao é porque representem uma simples média entre as represen- tagdes individuais correspondentes, pois, nesse caso, seriam mais pobres que estas tiltimas em contetido intelectual, ao passo quena realidade estao cheios de um saber que ultrapassa © do individuo médio. Sao, nao abstracgdes que 36 nas consciéncias particulares teriam realidade, mas representagdes tao concretas como as que O individuo pode formar do seu meio pessoal, corres- pondendo a maneira como esse ser especial queéa sociedade pensa as coisas da sua experiéncia propria. Se, de facto, os conceitos so, as mais das vezes, ideias gerais, se exprimem categorias e classes mais do que objectos particula- res, 6 porque as caracteristicas singulares € varidveis dos seres s6 raramente interessam a sociedade, pois, Por forca da sua propria extensio, esta s6 pode ser praticamente afectada pelas suas propriedades gerais e permanentes. ©, portanto, para esse aspecto que a sua atencao se vira, faz parte da sua nature- za Ver, as mais das vezes, aS coisas como grandes massas e sob as feigdes que mais geralmente possuem, mas nao é necessariamente assim, €, em todo ° caso, ainda quando tais representacdes tém o caracter genérico que thes mais habitual, so obra da sociedade e ricas da sua experiéncia- rasttata Risto, de resto, o que faz 0 valor que 0 pensamento conceptua ae 4 N6s.Se os conceitos néo fossem sendo ideias gerais, naoenriq cet senk0 0 conhecimento, porque o geral, como ja dissemos, nada mais ag FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA 442 AS antes do mai epresentagoes colectivas, acrescen- tam Aquilo que a nossa experiéncia pessoal nos Bee ae tudo © que ao adeacumulou de sabedoriae de ciéncia. Pensar por ro real sob oseu aspecto mais geral, é projec. Jarece, a penetra ea transforma. Conce- reender melhor os seus elementos cada civilizacdo tem o seu sistema particular, mas, se forem longo dos séculos a socied conceitos nao é simplesmente ve! tar sobre a sensagao uma luz que a esc ber uma coisa 6, ao mesmo tempo que aP! essenciais, situé-la num conjunto, porque secistemaa st organizado de conceitos que a caracteriza. Frente a este sis! le Nocées, o espirito individual esta na mesma situagao que © vovt de Platao frente ao mundo das ideias, ou seja, esforga-se porassimila-las, porque isso lhe éneces- sdrio para comunicar com os seus semelhantes, mas a assimilac&o é sempre imperfeita. Cada um de nés vé-as a sua maneira, algumas ha que nos esca- pam por completo, que ficam fora donosso circulo de visa, € de outras perce- bemos apenas alguns aspectos. Hé outras ainda, e muitas, que desnaturamos ao pensé-las, porque, como sao colectivas por natureza, nao podem indivi- dualizar-se sem ser retocadas, modificadas e, Por conseguinte, falsificadas. Daf resulta que tenhamos tanta dificuldade em nos entendermos, ou que, com frequéncia, nos mintamos, ainda que sem 0 querermos fazer, uns aos ou- tros — é porque todos usamos as mesmas palavras, mas nem por isso Thes da- mos idéntico sentido. Podemos agora entrever qual a parte da sociedade na génese do pensa- mento légico, que nao é possivel senao a partir do momento em que, acima das representacées fugidias que deve a experiéncia sensivel, 0 homem aca- bou por conceber todo um mundo de ideais estaveis, lugar-comum das inteli- géncias. Pensar logicamente, com efeito, é sempre, em certa medida, fazé-lo de maneira impessoal e também sub specie zternitatis. Impessoalidade, estabi- lidade, tais sao as duas caracteristicas da verdade, mas a vida légica supde evidentemente que ohomem sabe, pelo menos de modo confuso, que ha uma verdade distinta das aparéncias sensiveis. Assim, como péde chegar a uma tal concepcdo? As mais das vezes, raciocina-se como se esta se lhe tivesse apresentado espontaneamente a partir do momento em que os seus olhos se abriram sobre omundo. Noentanto, nada hana experiéncia imediata suscep- tivel de lha sugerir ou, mais ainda, tudo a contradiz, por isso, nem a crianga nem o animal suspeitam sequer da sua existéncia. Ahistéria mostra, de resto, que se trata de uma concepgao que demorou séculos a recortar-se e a consti- tuir-se. No nosso mundo ocidental, foi com os grandes pensadores da Grécia que assumiu, pela primeira vez, uma clara consciéncia de si prépriae das con- sequéncias que implica e, quando a descoberta ocorreu, deu-se como que um prodigio, traduzido por Platao numa linguagem magnifica. Contudo, se foi apenas nessa época que a ideia se exprimiu em formulas filoséficas, preexis- tia necessariamente no estado de sentimento obscuro, tratava-se de um senti- mento que os filésofos tentaram elucidar, mas que nao criaram. Para lhes ser posstvel reflecti-lo e analisa-lo, era preciso que ele lhes fosse dado e importav@ oNCLUSAO 443 aber donde veio, Ou Sea, em que experiéncia se funday, satigneia colectiva que baseou, foi sob a forma do ansamento impeston pela primeira vez se rey, se vé também através de que outra via teria podi nies, Pelo simples facto de seman exists de enema sua eve lacie ces e das imagens individuais, todo um sistemade ve no "2 das sensagoe’ 8 d todo um sistema de Tepresentacdes, vozam de propriedades maravilhosas, Através destas, oshomensca nt” Tom-se,as inteligéncias penetram-se umas as outras, si0 propriedades ports dloras de uma espécie de forca, de ascendente moral em virtude do gral x impoem aos espiritos particulares. A partir de entao,o individuo. Secon elo menos obscuramente, de que acima das suas representacdes privadas existe um mundo de nogdes-tipo segundoas quais esta vinculadoa regular as suas ideias, entrevendo todo um reino intelectual no qual participa, mas que oultrapassa. Trata-se de uma primeira intuigdo doreino da verdadee,a partir do momento em que o homem teve assim consciéncia dessa intelectualidade mais elevada, aplicou-se, sem duivida, a sondar a sua natureza, indagou don- de tais eminentes representacGes recebiam as suas prerrogativase,namedida em que julgou ter descoberto as suas causas, tentou pér ele proprio essas cau- sas em accao para delas extrair, pelas suas proprias forcas, os efeitos que im- plicavam, ou seja, concedeu-se a si proprio o direito de formar conceitos. Assim, a capacidade de conceber individualizou-se, mas, para compreender- mos bem as origens da fungao, devemos referi-la as condicées sociais das quais depende. Objectar-se-4 que mostramos 0 conceito apenas sob um dos seus aspec- tos, que nao é seu papel exclusivo garantir 0 acordo dos espiritos uns com os outros, nem também, e mais ainda, 0 seu acordo com a natureza das coisas. Dir-se-ia que s6 tem razao de ser na condicao de se mostrar verdadeiro, quer dizer, objectivo, e que a sua impessoalidade nao deve ser mais que uma con- sequéncia da sua objectividade. Seria nas coisas, pensadas tio adequadamen- te quanto possivel, que os espiritos deveriam comungar e nao negamos que a evolugao pessoal se faga, em parte, neste sentido. O conceito que primitiva- mente ¢é tido por verdadeiro por ser colectivo tende a sé-lo apenas na condi- sao de o tomarem por verdadeiro, ou seja, pedimos-lhe as suas garantias antes de Ihe concedermos o nosso crédito. Contudo, em primeiro lugar, nio devemos perder de vista que ainda hoje a muito grande generalidade dos conceitos de que nos servimos nao foram metodicamente constituidos, rece- bemo-los da linguagem, quer dizer, da experiéncia comum, oon eae fubmetido a qualquercritica prévia,¢ ques cientificamente ia Seas tendo continuam a estar numa muito facaminarity a serem colectives = ave extraem toda a sua autoridade do simples io » olectiva, por © set 7 na apenas diferengas de grau. Uma ree sen rato que logroUu eae Nta jd garantias de objectividade, porque nao Se eativesse em desacordo izar-se e manter-se com suficiente persisténcia. a. Na verdade, foi na Pensamento colectivo elou a humanidade, ¢ queer aaa Ag FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELICIOSA com &raturéa das eis ine tala poaide dguinr am império Pro}n¥adoe ilo que faz a confianca que os concei- alargado sobre 0s espiritos. No fundo, aquilo que wn te controlar. Ora tos cientificos inspiram é 0 facto de os podermos eee ae oaateels in. uuma representagao colectiva 6 necessariamente subme'™ 0 Xt Tt A bt definidamente repetido e os homens que a ela aderem ver" pee me da sua experiéncia propria, nao podendo ser, portanto, por COMP = © anes . i E imi-la, sem duivida, com 0 auxilio de quada ao seu objecto. E possivel exprimi-'a, ate ra " simbolos imperfeitos, mas os préprios simbolos cientificos it a io mais que aproximativos e tal é precisamente o principio que estd na base do méto- do que seguimos no estudo dos fendémenos religiosos: consideramos um axio- ma que as crencas religiosas, por estranhas que por vezes sejam na aparéncia, tém a sua verdade, que é necessdrio descobrir." : Inversamente, os conceitos estao longe, ainda quando sao construfdos segundo todas as regras da ciéncia, de extraira sua autoridade unicamente do seu valor objectivo. Nao basta que sejam verdadeiros para serem aceites e, se nao estiverem de harmonia com as outras crengas, as outras opinides, numa palavra, com o conjunto das representagdes colectivas, serao negados, 0s es- piritos fechar-se-Ihes-do e, por consequéncia, é como se nao existissem. Se basta hoje, em geral, que tenham o carimbo da ciéncia para se Ihes deparar uma espécie de crédito privilegiado, é porque temos fé na ciéncia, mas tra- ta-se de uma fé que nao difere essencialmente da religiosa. O valor que atri- bufmos a ciéncia depende,em suma, da ideia que colectivamente fazemos da sua natureza e do seu papel na vida, o que significa que exprime um estadode opiniao, porque, de facto, em todaa vida social, a propria ciéncia assenta nes- ta tiltima. Podemos decerto tomé-la como objecto de estudo — é nisso que principalmente a sociologia consiste —, mas a ciéncia da opiniao nao faz a opinido, nao pode sendo esclarecé-la, tornd-la mais consciente de si. Assim, é verdade, poderé leva-la a mudar, mas a ciéncia continua a depender dela no momento em que parece ditar-lhe a lei, porque, como mostramos, é da opi- nifio que recebe a forca necesséria para agir sobre a prépria opiniao."* F que os conceitos exprimem a maneira como a sociedade represen- taas coisas é dizer também que o pensamento conceptual é contemporaneo da humanidade, pelo que nos recusamos, pois, a ver nele o produto de uma cultura mais ou menos tardia. Um homem que no pensasse por conceitos no seria um homem, porque nao seria um ser social, e, reduzido aos simples perceptos individuais, seria indistinto do animal. Se a tese contraria pode ser sustentada, foi porque se definiu 0 conceito por meio de caracteres que lhe ‘do sio essenciais, ele foi identificado com a ideia geral e com uma ideia ge ral” nitidamente delimitada e circunscrita."* Em tais condic6es, pode parecer 11_ Vemos como uma representacio est longed imples fac- Mek ee \ge de carecer de valor objectivo pelo simp! 12 Cf, atrds, p. 218. — “Lusk oncLusA 45, ie aS sociedades inferiores Be conheciam o Conceito propri, apeni Coe eee ee eee enna arts de generalizacio raamente dito, pores das quais se Servem nao sao geralmente definidas. c imentares ¢ a, dos nossos conceitos actuais tém a mesma in sibs Ontudo, a maior 7 ‘x os a defini-los cae de algumas discussées e qian ae ee mi de homens de ciéncia. Por outro lado, yj i é ne ‘©, vimos que conceber nao é neralizar e que pensar conceptualmente nao é simplesmente iso} arnum conjunto ‘0s caracteres comuns a um certo numero de. eae reagru- sumiro varidvel sob © permanente, o individual sob o social. E tite tos, ésub- rnsamento I6gico comeca com 0 conceito, segue-se que sempre Ske queo houve periodo historico algum durante o qual os homens edie’ rein no maneira cronica, na confusao ena contradicao. E verdade ‘que nunca insisti le mos de mais nos caracteres diferenciais que nos diversos momentos da ists. ria a légica apresenta — esta evolui do mesmo modo que as préprias sociedades —, mas, por reais que sejam as diferencas, no devem fazer-nos desconhecer as semelhangas, que nao s4o menos essenciais, IV. —De como as categorias exprimem coisas sociais. — A categoria por exceléncia éoconceito de totalidade que s6 pode ser sugerido pela sociedade. — Porque na sociedade apenas que as relagdes que as categorias exprimem sepodem tornar conscientes. — A sociedade nito é um ser alégico. — Como tendem as categorias adesprender-se dos agrupamentos humanos determinados Podemos agora abordar uma tiltima questio que a nossa introducao" levan- tava é e que permaneceu como que subentendida ao longo de todoeste traba- lho. Vimos que algumas, pelo menos, dentre as categorias sao coisas socials ¢ trata-se agora de saber donde lhes vem esse cardcter. Uma vez que elas préprias sao conceitos, compreende-se, decerto sem dificuldade, que sejam obra da colectividade, pois nao os ha sequer que oe sentem no mesmo grau os sinais por que uma representagao colectiva vi nA nhece. Com efeito, a estabilidade e a impessoalidade das Se bert que passaram com frequéncia por ser absolutamente univers hale sie le resto, como exprimem as condicdes fundamentals do ret owe renee parece evidente que nao poderao ter sido elabor 4 sociedade, i .xo, porque Todavia, no que Ihes diz respeito, o problema mais comple, P : pp. 131-138. 3 4/45 Fonctions mentates dans les sociétés inferiewres, Ibid., p. 446, Ver, atrés, pp, 21-23, {AS FORMAS SLEMENTARES DA VIDA RELIGIOg, 446 c clas sao sociais também noutro sentido e como que No segundo grau, De fac. como sao sociais as coisas que exprimem, to, nado s6 vém da sociedade vt Nao 56, foi a sociedade a instituf-las, como sio diferentes aspectos do ser social Ihes servem de conterido. A categoria de género comecou por ser indistint, doconceito de grupo humanoe éoritmo da vida social que esta na base da cae tegoria de tempo, é oespaco ocupado pela sociedade que fornece amatéria qa categoria de espago, é a forca colectiva que forma 0 protstipo do conceito de forga eficaz, elemento essencial da categoria de causalidade. No entanto, as categorias nao sao feitas para se aplicarem unicamente ao reino social, esten. dem-se d realidade inteira. Como foram entao tirados da sociedade os mode. los a partir dos quais elas foram construidas? Dado que se trata de conceitos eminentes que desempenham um papel preponderante no conhecimento, as categorias tém, com efeito, por fungao dominar e envolver todos os outros conceitos: si0 os quadros permanentes da vida mental. Ora, para que possam incluir um objecto semelhante, é preci- SO que se tenham formado sobre uma realidade de uma igual amplitude. As relagdes que exprimem existem, sem dtivida, de maneira implicita, nas consciéncias individuais, pois o homem vive no tempo e tem, como disse- mos, um certo sentido da orientagdo temporal; esta situado num determina- do ponto do espago e foi possivel sustentar, com boas razGes, que todas as sensagdes possuem qualquer coisa de espacial.'* Ele tem o sentimento das se- melhangas e, nele, as representagdes semelhantes atraem-se, aproximam-se,e a representacao nova, formada pela sua aproximagao, revela ja um certo ca- racter genérico. Temos de igual modo a sensagao de uma certa regularidade na ordem de sucessao dos fenémenos e o proprio animal nao é incapaz dea ter. Simplesmente, todas estas relagdes sao pessoais e préprias do individuo nelas implicado e, por isso, a nogdo que delas este é capaz de adquirir nao pode, em caso algum, alargar-se para além do seu estreito horizonte. As ima- gens genéricas que se formam na minha consciéncia pela fusdo de imagens si- milares representam apenas os objectos que directamente percebi, nada hé nelas que possa dar-me a ideia de uma classe, ou seja, de um quadro capaz de compreender o grupo total de todos os objectos poss{veis que satisfagam a mesma condicio. E seria ainda necessério possuirmos previamente a ideia de grupo que o simples espectéculo da nossa vida interior nao bastaria para des- pertar em nés, mas sobretudo nao ha experiéncia individual, por extensa € prolongada que seja, que possa fazer-nos sequer suspeitar da existéncia de um género total, compreendendo a universalidade dos seres,e do qual os ou- tros géneros nao seriam senao espécies coordenadas entre elas ou subordina- das umas as outras, Esta nocao do todo, que esta na base das classificagdes que descrevemos, nao pode chegar-nos do individuo, pois, ele proprio, é apenas 16 William James, Principles of Psychology, I, p. 134. 47 uma sarte por referencia ao todo e nunca Slonsasentc fj Sendo uma infima f da real race lidade. E, todavia, talvez nao haja categoria mais ocae,., papel destas é envolver todos cua ei ceencial, porque, 1 parece «le facto dever ser 0 proprio conceito de olan ee eet

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