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COLECCAO STVDIVM PROF. JOHANNES HESSEN TEORIA Do CONHECIMENTO smapugio DE DR. ANTONIO CORREIA ARMENIO. AMADO — EDITOR, SUCESSOR ‘COIMBRA — PORTUGAL 1980 ‘ ‘TEORIA DO CONHECIMENTO exposigdes ndo faze. Finalmente, porque desenvolve 4 teoria especial do conhecimento, além da geral. Oxaléo rresente trabalho contibua para fomentar © interesse, hoje revivido, pelas questdes filosSfca. CColéai, Outabeo de 1925 J. Hissen INTRODUGAO, 1. Esséncia da Filosofia ‘A teoria do conhccimento ¢ uma disciplina filoséfica, Para definir a sua posigio no todo que € a filosofia, vemos necessidade de partir de uma definigio essencial desta. Porém, como chegar a esta definigio? Qual o método que devemos utilizar para definir a esténcia da filosofia Poderia, antes de mais, tentar-se obter uma definicio essencial de filosofia partindo do signi- ficado da palavra. A. palavra filosofia procede’ da lingua grega ¢ equivale a amor pela sabedoria ou, © que quer dizer o mesmo, desejo de saber, de conhecimento, E claro que este significado etimo- Iégico da palavra filosofia é demasiado geral para que dele se possa extrair uma definicio essen- cial. E necessirio, evidentemente, procurar outro método. Poderia pensar-se em coligie as diversas defini- ges essenciais que os filésofos tém dado da filosofia através a histéria ec, comparando-as umas com as outras, obter uma definicio exaustiva. Mas também este processo ndo conduz ao fim em vista. As definig&es essenciais que encontramos na histéria 8 TTEORIA DO CONHECIMENTO da filosofia diferem tanto, muitas vezcs, umas das coutras, que parece completamente impossivel colher delas uma definigio essencial unitéria da filosofia. Compare-se, por exemplo, a definigio de filosofia gue io Patio © Ausrormas — que definem 2 losofia como a ciéncia pura e simples—com a definigio dos estbicos e dos epicuristas, para os quais a filosofia é respectivamente, uma aspiragio 3 virtude ou & felicidade. Ou compare-se a definigio que, na Idade Modena, dé da filosofia Cuisttaw Wourr—que a define’ como sientia possbilium, quatenus esse possunt — com a definigio. que di Fuepenico Unerwec no seu conhecido Tratado de Histéria da Filosofia, segundo a qual a filosofia é «@ ciéncia dos prinefpios.Tais divergéncias tormam vio © intento de encontrar por este caminho uma definigio essencial de filosofia. A essa definicio sdmente se chegari, pois, prescindindo-se de tais definigdes © enfrentando-ie 0 contetido histérico da propria filosofia. Foi Gummznme Diuruey quem pela primeira vez utilizou este método, no. seu ensaio sobre A esséncia da filesofia. Aqui o segui- remos com certa liberdade, tentando naturalmente, pela nossa parte, desenvolver os seus pensamentos, Porém, 0 proceso que acabamos de apontar parece destinado a um fracasso, porque encontra desde logo uma dificuldade. Trata-se de extrair do contetido histérico da filosofia 0 conceito da sua esséncia. Mas, para poder falar de um con- tetido histérico da filosofia, necessitamos — parece- =nos—de possuir jf um’ conceito da filosofia. Precisamos de saber o que & a filosofia para tirar INTRODUCAO ° © seu conceit dos factos. Na definigio essencial da filosofia, na forma em que desejamos obté-la, patece haver, portanto, um circulo; este processo rece, pois, por esta’ dificuldade, condenado a0 Nao acontece no entanto assim. A dificul- dade que se aponta desaparece se se atende 20 fieto de que mio parimc de um conocko def niido da filosofia, mas sim da representasdo_geral que toda a pessoa culta tem dela. Como indica Durney: «O que primeiramente devemos tentar € descobrir um. contetido objectivo comum cm todos aqueles sistemas 3 vista dos quais se forma a representagio geral da filosofia». Estes sistemas existem de facto. Acerca de muitos produtos do pensamento cabe duvidar se devem ou nao considerar-se como filosofia. Porém, toda sta espécie de divida se apaga quando sc trata de numerosos outros sistemas. Desde o seu apare- cimento, a Humanidade tem-os sempre conside- ado como produtos filos6ficos do espirito, tem visto neles a prépria esséncia da filosofia, Esses sistemas sio os de PLatAo e AristéTELES, DESCARTES e Lemnrrz, Kant e Hecet. Se os aprofundarmos, neles encontraremos certos tragos essciciais comuns, apesar de todas as diferengas que apresentam, Encon~ tramos em todos eles uma tendéncia para a univer- salidade, uma orientagio para a totalidade dos objectos. Em contraste com a atitude dos espe- cialistas, cuja observacio se dirige sempre a um sector maior ou menor da totalidade dos objectos do conhecimento, encontramos aqui um ponto de 10 TTEORIA DO CONHECIMENTO vista universal, que abrange a totalidade das coisas. ‘Tais sistemas apresentam, pois, 0 caricter da univer- salidade, A este se junta um trago_essencial comum. A atitudé do filésofo em frente da totali- dade dos objectos é uma atitude inelectual, uma atitude do pensamento. O filésofo trata de conhecer, de saber. essencialmente um espitito cognoscente. Como pontos essenciais de toda a filosofia temos portanto: 1, a orientagio para a totalidade dos objectos; 2°, 0 caricter racional, cognitivo, desta orientagio. ‘Assim conseguimos um conceito essencial da filosofia, se bem que muito formal ainda, Enri- queceremos o contetido deste coneeito conside- rando os diferentes sistemas, no separadamente, mas sim na sua conexio histérica. Trata-se, portanto, de abranger a total visio histérica da filosofia nos seus aspectos fundamentais. Debaixo deste ponto de vista hio-de aparecer_compreensiveis as. defi- nigSes contraditérias da filosofia a que atrés nos referimos. Tem-se designado, no sem razio, S6cRATES como 0 criador da ‘filosofia ocidental. Nele se manifesta claramente a caracteristica atitude teérica do espitito grego. Os seus pensamentos ¢ aspi- rages dirigem-se 4 construcio da vida humana sobre a reflexio, sobre 0 saber. S6ceaTEs procura fazer de toda a accio humana uma ac¢io consciente, um saber. Procura clevar a vida, com todos os seus contetidos, a consciéncia filoséfica. Esta ten- déncia atinge 0 seu pleno desenvolvimento com PrarAo, o scu maior discipulo, Neste, a reflexio INTRODUGKO un filoséfica estende-se ao contetido total da cons- ciéncia humana. Nio se dirige apenas aos objectos praticos, aos valores ¢ as virtudes, como acontecia a maioria das vezes com SécRATsS, mas também a0 conhecimento cientifico. A actividade do esta- dista, do poeta, do homem de ciéncia, apresenta-se igualmente como objecto da reflexio filoséfica. A filosofia aparece-nos assim, em S6cRATES ¢ mais, em PratXo, como uma auto-reflexio do espirito sobre os seus supremos valores teéricos e pri- ticos, sobre os valores do verdadeiro, do bom e do belo. ‘A filosofia de AnistOretss apresenta um aspecto diferente. O espirito de Anisréreuss dirige-se de preferéncia para o conhecimento cientifico e seu objecto: 0 ser. Na base da sua filosofia encontra-se uma cincia universal do ser, a efilosofia primeiray ou meta- fisica, como se intitulou mais tarde. Esta ciéncia ensina-nos acerca da esséncia das coisas, as conexies © © principio altimo da realidade. Se a filosofia socrético-platénica. pode caracterizar-se como uma concepcao do esplrit, deverd dizer-se de AnistOretss que a sua filosofia se apresenta, antes de tudo, como uma concepgiio do universo. A filosofia volta a ser reflexio do espirito sobre si mesmo na época pés-aristotélica, com os estéicos € 08 epics, A concepgio socrtco-patinica sofre, sem diivida, uma limitacio, pois sdmente as questdes priticas entram no espaco visual da cons- ciéncia filoséfica. A filosofia apresenta-se, segundo a frase de Ciceno, como a emestra da vida, a eriadora 2 ‘TEORIA DO CONHECIMENTO das leis, 0 guia de toda a virtude. Converteu-se, em suma, numa filosofia da vida. No principio da Idade Modena voltamos a andar pelos caminhos da concepcio atistotdlica. Os sistemas de Descartes, Espinosa e Leisnrrz revelam todos a mesma direc¢io para o conho- cimento do mundo objectivo que encontrimos no Estagirita. A filosofia apresenta-se claramente como uma concep¢o do universo. Em Kant, 20 con tririo, revive o tipo platénico. A filosofia toma de novo 0 carcter de_auto-reflexio, de auto- ~concepcio do espirito. £ verdade que se mostra ptimeiramente como teoria do to ou Como fundamento critica do conhecimento cien- tifico. Porém, nfo se limita 4 esfera tedrica, pois prossegue até chegar a um fundamento critico das restantes esferas do valor. Ao lado da Critica da razio pura apareceu a Crities da razao pritica, que trata a esfera do valor moral, ¢ a Critica do julzo, que faz dos valores estéticos objecto de investi- gagdes ctiticas, Também com KANT se apresenta, pois, a filosofia como uma reflexio universal do spirit sobre si mesmo, como uma reflexio do homem culto sobre a sua total conduta de valores. No século x1x ressurge 0 tipo aristotélico da filosofia nos sistemas do idealismo alemio, prin- Gipalmente em Scmsuuine ¢ cet. A forma exal- tada ¢ exclusivista como ele se manifesta provoca um movimento contririo igualmente exclusivista Este movimento leva, por um lado, a uma com- pleta desvalorizagio da filosofia, como a que se revela no materialismo ¢ no positivismo; ¢, por INTRODUGKO B outro lado, a uma renovagio do tipo kantiano, como a que teve lugar com 0 neokantismo. O exclu sivismo desta renovasio consiste na climinacio de todos os elementos materiais ¢ objectives, que exis- tem de modo flagrante em Kawr, adquirindo assi a filosofia um cardcter puramente formal e meto- dolégico. Nesta mancira de ver radica por sua vez 0 impulso que conduz a um novo movimento do pensamento filoséfico, 0 qual de novo volta a dirigir-se principalmente para o material ¢ objec~ tivo, em oposigio ao formalismo e metodismo dos ‘neokantianos ¢ significa, portanto, uma reno- vagio do tipo aristotélico. “Encontramo-nos ainda no’ meio deste movimento, que levou, por um lado, a ensaios de uma metafisica indutiva, como os empreendidos por EDuaRDO DE HARTMANN, ‘Wonor e Drnscii e, por outro, a uma filosofia da intuigio, como a que encontramos em BEKGsON ¢, sob outra forma, na moderna fenomenologia repre~ sentada por Hussen. ¢ ScHELER, Este golpe de vista histérico sobre a evolucio total do pensamento filos6fico levou-nos a deter- minar outros dois elementos no conceito essencial da filosofia. Caracterizamos um destes clemen- tos como «oncepio do ew ¢ 0 outro com a expressio «concepcio do universos. Entre estes dois clementos existe um particular antagonismo, como nos mostrou a histéria. Ora se salienta mais um, ora o outro; e quanto ais um se salienta mais o outro se apaga. A his- t6ria da filosofia apresenta-se, em suma, como ‘um movimento pendular entre estes dois elementos. 4 TEORIA DO CONHECIMENTO ‘Mas isso prova, precisamente, que ambos os cle- mentos pertencem Aquele conceito essencial. Nao se trata de uma alternativa (ou um, ou outro), mas sim de uma acumulacio (tanto um como o outro). A filosofia € simultincamente as duas coisas; uma concepeio do eu ¢ uma concepcio do uni- verso, ‘Trata-se agora de ligar os dois elementos materiais obtidos com as duas notas formais pri- meiramente apontadas ¢, assim, conseguir-se uma completa definicio essencial. "Verificimos ante- riormente que os dois caracteres principais de toda a filosofia eram a direcso para a totalidade dos objectos © 0 caricter cognoscivo desta direcsi0. primeiro destes dois caracteres experimenta agora uma diferenciacio, provocada pelos elementos essen ciais que iltimamente se obtiveram. Por totalidade dos objectos pode entender-se tanto mundo exterior como o mundo interior, tanto © macrocosmos como o microcosmos. Quando a conscigncia filoséfica incide sobre 0 mecrocosmes, teremos a filosofia no sentido de uma concepgao do universe. Pelo contririo, quando 0 ‘microcosmes constitui 0 objecto sobre’ que incide a filosofia, verificase 0 segundo sentido desta: a filosofia no sentido de uma conceped0 do ew. Os dois clementos essenciais ikimamente obtidos intercalam-se perfeitamente no conceito formal pri- meiramente estabelecido, pois que o completam © corrigem. Podemos agora definir a esséncia da filosofia, dizendo: a filosofia é uma auto-rflexio do espl- INTRODUCKO 6 rito sobre 0 seu comportamento de valor teérico € pritico e, a0 mesmo tempo, uma aspiracio ao. comhecimento das iltimas conexdes entre as coisas, a uma concepgio racional do universo. Mas "podemos ainda estabelecer uma conexio ‘mais profunda entre os dois elementos essenciais. Como o provam Prarko © Kanr existe entre cles a relagio de meio ¢ fim. A reflexio do espirito sobre si mesmo é 0 meio ¢ o caminho para chegar a uma imagem do mundo, a uma visio metafi- sica do universo. Podemos dizer, pois, em con- clusio: a filosofia ¢ uma tentativa do espirito humano para chegar a uma concepsio do universo. por meio da auto-relexao sobre as suas fungies de valor tebricas priticas. Conseguimos esta definigio de filosofia por um processo indutivo, Mas podemos completar este processo indutivo com um processo dedutivo. Este consiste em situar a filosofia no conjunto das fangSes. superiores do espirito, em. assinalar © lugar que ela ocupa no sistema total da cultura, © conjunto das fangSes culturais langa uma nova luz sobre 0 conceito essencial que obtivemos de filosofia. Entre as fungGes superiores do espitito ¢ da cultura contamos a cigncia, a arte, a religifo © a moral. Se colocamos em relacio com clas a filo- sofia, esta parece distanciarse da esfera da culm tura’tlkimamente referida, da moral. Se a moral se refere a0 lado pritico do ser humano, pois tem por sujeito a vontade, a filosofia pertence completamente ao lado te6rico do espirito humano. . E, efectivamente, existe uma afini- dade entre a filosofia ¢ a ciéncia, na medida em que ambas astentam na mesma funcio do espitito umano, no pensamento. Porém, ambas se dis. tinguem, como jé dissemos, pelo seu object. Enquano, que a cléncias especiis tém por objecto parcelas da realidade, a filosofia ditige-se a0 seu Conjunto. Poderia,” no entanto, pensar-se em aplicar 0 conccito de ciéncia a filosofia. Bastaria distinguir entre ciéncia particular e ciéncia uni- versal e chamar a esta ltima filosofia. Mas no € justo subordinar a filosofia a cigncia, como a um género mais elevado, ¢ considerila desta forma como uma determinada espécie de ciéncia, A filosofia distingue-se de toda a cifncia, no s6 gradual mas essencialmente, pelo seu objecto. A totalidade do existente & mais do que uma adisio das diferentes parcelas da realidade, que gonstituem 0 objecto das citncias _especiais. E em face destas um objecto novo, heterogéneo. Supe, portanto, uma nova funcio da parte do sujcito. © conhecimento filoséfico, ditigido para a totalidade das coisas, © 0 cientifico, orientado ara as parcelas da realidade, sio essencialmente distintos, de mancira que entre a filosofia ¢ a ciéncia predomina a diversidade, nio s6 em sentido objectivo mas também no subjeaivo. Que relagio tem agora a filosofia com as duas restantes csferas da cultura, com a arte ¢ a religido? A resposta €: existe profunda afini- dade entre estas trés esferas da cultura, Todas INTRODUCAO, 1 chs estio ligadas por um vinculo comum, que rede no seu objecto. Encontrase 0 mesmo enigma do universo ¢ da vida em face da poesia, da religiio © da filosofia. Todas elas pretendem resolver este enigma , dar uma interpretagio da realidade, forjar uma concepcio do universo. © que as distingue & a origem desta concepcio. Enquanto que a concepgio filoséfica do universo brota do conhecimento racional, a origem da con- cepcio religiosa do mesmo esti na fe religiosa, © principio de que procede e que define 0 seu espltito € a vivéncia dos valores religiosos, a expe- tiéncia de Deus. Por isso, enquanto que a concep¢io filos6fica do universo pretende ter valor universal € sex susceptivel de uma demonstracio racional, 4 actingio’ de eoncepeio religion do. univeno depende, de modo deciswvo, de factores subjectivos. © acesso a ela no esté no conhecimento univer- salmente vslido, mas sim_na experiéncia pessoal, nas vivéncias religiosas. Existe, pois, uma dife- exsencial entre a concepcio religiosa do uni- verso e a filoséfica; ¢, por iltimo, entre a religiio © a filosofia. ‘A filosofia & também essencialmente distinta dh ate. Tal come. a conceprio do universo que tem o homem religioso, a interpretagio que dele di o artista no procede do pensamento puro. ‘Também cla deve a sua origem muito mais 3 vivén- cia e 8 intuigio. © artista e 0 poeta nio criam a sua obra com © intelecto, mas ela resulta, sim, da totalidade das forcas espirituais. A esta ‘diversidade de fungies 8 TTEORIA DO CONHECIMENTO subjectivas junta-se algo no sentido objective, © pocta € 0 artista nio estio atentos dirccta- mente & totalidade do ser como 0 esté o filésofo, O seu espirito dirige-se, em primciro lugar, a um ser € a um processo coneretos. E, ao dar repre~ sentagio a estes, clevam-nos 4 esfera da aparéncia, do itteal. © caracteristico desta representacio con- siste no facto de neste processo irreal se manifestar © sentido do processo real; no processo particular exprime-se 0 sentido € © ‘significado do. processo do univers, © artista e © poeta, interpretando primordialmente um ser ou um processo particulares, dio indirectamente uma interpretacio conjunta do universo ¢ da vida. Se desejarmos definie resumidamente a posi- do da filosofia no sistema da cultura, devemos dizer o seguinte: a filosofia tem duas faces; uma dirige-se i religiio © 4 arte, a outra para a cién- cia. Tem de comum com aquelas o dirigir-se 20 conjunto da realidade; com esta 0 seu caricter tedrico, Portanto, a filosofia ocupa 0 seu posto no sistema da cultura entre a ciéncia, por um lado, ¢ a religiio ¢ a arte por outro, ainda que esteja mais’ préximo da religiio do que da arte, pois que também a religifo se dirige imedia- tamente 4 totalidade do ser ¢ procura interpr. Assim completimos 0 nosso processo_indutivo torn oonee Estos, Colncapea sclicubadamet do. conjunto da cultura, relacionando-a com 35 diferentes esferas da cultura, demos confirmacio a0 conceito essencial de filosofia que havlamos obtido ¢ salientimos claramente os seus diversos aspectos. ENTRODUGKO 1» 2. A posigio da teoria do conhecimento no sistema filoséfico A nossa definigio essencial traz como conse- quéncia uma divisio da filosofia em diversas dis- ciplinas. A filosofia é, em primeiro lugar, como vimos, uma auto-reflexio do espirito sobre 0 seu comportamento (capacidade, atiude, fungies) valo~ rativo (valorizador) te6tico ¢ pritico. Como refle- xo sobre o comportamento teérico, sobre aquilo a que chamamos ciéncia, a filosofia é teoria do conhecimento cientifico, teoria da ciéncia, Como reflexio sobre © comportamento pritico do espi- tito, sobre o que apelidamos de valores em sentido resttito, afilosofia € teoria dos valores. Mas a reflexio do espitito sobre si mesmo no é um fim auténomo, ‘mas sim um meio € um caminho para chegar a uma concepcio do universo. A filosofia é, pois, em terceito lugar, teria da concepeao do universo. A esfera total da filosofia divide-se, pois, em és partes: teoria da ciéncia, teoria dos valores, concepgio do universo. Uma maior diferenciagio destas partes tem como consequéncia a distingio. das disciplinas filoséficas fandamentais. A concep¢io do universo divide-se fem meusfisica (que se subdivide em metafisica da natureza e metafisica do espirito) © em concepsio ou teoria do universo cm sontido restrito, que inves~ tiga os problemas de Deus, a liberdade e a imorta~ naan yg eo rs mening 4s diferentes clases de valores, em teoria dos valores 20 ‘TEORIA DO CONHECIMENTO éticos, dos valores estéticos e dos valores religiosos. Assim obtemos 2s trés disciplinas chamadas.¢tice, estética © filosofia da religido. A teoria da citncia, or slim, dividese em formal « materia Ape lamos a primeira de lgica, a diltima de teoria do conhecimento, Deste modo indicamos o h jue a teoria de canlondeneas neopn nes eaageene ae lori £, como vimos, uma parte da tcoria da cigncia. Podemos definicla como a teoria material da cifncia, ‘ou, como a teoria dos princpios materiais do conhect- mento humano, Enquanto que a légica investiga 0s princfpios formais do conhecimento, isto é, as formas e as leis mais gerais do pensamento humano, 1 teoria do conhecimento dirige-se a0s pressupostos ‘materiais mais gerais do conhecimento cientifico. Enquanto que a primeira prescinde da referéncia do pensamento aos objectos ¢ considera aquele puramente em si mesmo, a dltima dirige-se justa- mente para a significagio objectiva do pensamento, para a sua referencia aos objectos. Enquanto que a l6gica pergunta pela correc¢io formal do pensa- mento, isto é, pela sua concordancia consigo mesmo, pelas suas préprias formas e leis, a teoria do conhe- cimento pergunta pela verdade do pensamento, isto é pela sua concordincia com 0 objecto. Portanto, pode definir-se também a teoria do conhecimento como a teoria do pensamento ver- dadeiro, em oposigio & légica, que seria a teoria do pensamento correcto, Isto p8e a claro a impor- tincia fundamental que a teoria do conhecimento tem para a esfera total da filosofia. & por isso que INTRODUCAO, 2 também se Ihe chama, ¢ com razio, a eiéncia filo- sifica fundamental, philosophia fundamentals. B comum dividir-se a teoria do conhecimento fem geral ¢ especial. A primeira investiga as refe~ réncias do pensamento ao objecto em geral. A Giltima toma por tema de investigagdes criticas ‘0s princfpios ¢ conceitos fundamentais em que se exprime a referéncia do nosso pensamento aos objects. Principlaremoe, naturalmente, pela exposigio da teoria geral do conhecimento. ‘Antes, lancemos um golpe de vista sobre a histéria teoria do conhecimento. 3. A histéria da teoria do conbecimento Nio se pode falar de uma teoria do conheci- mento, no sentido de uma disciplina filosdfica independente, nem. na Anigidade nem na, Made Média. Na’ filosofia antiga cncontramos_nume- rosas reflexes epistemol6gicas, especialmente em Prato ¢ AristOTELES. Mas as investigacdes epis- temol6gicas estio ainda englobadas nos textos meta- fisicos © psicolégicos. A teoria do conhecimento, como disciplina auténoma, aparece pela primeira vez na Idede Moderna, Deve considerar-se como seu fundador o filésofo Jou Locks. A sua obra funda- mental, An essay” concerning human understanding (cEnsaio sobre o entendimento humanos), aparc~ cida cm 1690, trata de forma sistemitica as ques tes da origem, esséncia ¢ certeza do conhecimento 2 TEORIA DO CONHECIMENTO humano. Lemwrrz tentou na sua obra Nouveaux cx aur Fetendenent hin (Novos ensis sobre © entendimento humano»), editada como péstuma em 1765, uma refutagio do ponto de vista epi temolégico defendido por Locks. Sobre os resul- tados por este obtidos edificaram novas constru- es, em Inglaterra, Grorce Berkey, na sua Obra A treatise concerning the principles “of human frowleige (eTratado dos, principios do conheci- mento humano»), em 1710, e Davin Hume, na sua obra fundamental A treatise on human nature (cTratado da natureza humana»), em 1739-40, ¢ na sua obra mais resumida Inquiry concerning human understanding (elnvestigagio sobre © entendimento hhumano»), em 1748, Como verdadeito fundador da teoria do conhe- Gimento dentro da filosofia continental apresenta-se ‘Manus Kanr. Na sua obra_epistemolégica capital, a Critica da razio pura (1781), trata essencialmente de dar uma fundamentacio critica do conhecimento cien- tifico da natureza. Ele proprio chama a0 método de que se serve nela emétodo transcendental, Este método no investiga a origem psicolégica mas tim a validade logics do. conbecimeato, igo per- gunta—como o método psicolégico—de que maneita surge 0 conhecimento, mas sim como é possivel o conhecimento, sobre que bases, sobre que pressupostos supremos ele assenta. Devido a este método, a filosofia de Kanr chama-se, tam- bém, abreviadamente, transcendentalismo ow criti- cismo. INTRODUCKO 2 No sucessor imediato de Kant, Ficire, a teoria do conhecimento aparece pela primeira vez com 6 titulo de steoria da cigncias. Mas jé nele se mani- festa. essa confusio entre a teoria do conhecimento ¢ a metafisica, que se acentua francamente em ScHELLING e HEGEL ¢ que também se encontra de forma evidente em SCHOPENHAUER e EDUARDO pe Hartmann. Em oposicio a esta forma meta~ fisica de tratar a teoria do conhecimento, 0 neokan- tismo que surgiu por volta do ano de’setenta do século passado, esforgou-se por tragar uma nitida separacio entre os problemas epistemolégicos ¢ metafisicos. Porém, tanto procurou colocar os problemas epistemol6gicos em primeiro lugar que a filosofia correu o perigo de reduzir-se a teoria do conhecimento. Além disso o neokantismo desen- volveu a teoria kantiana do conhecimento numa direcgio bem determinada. O exclusivismo por cle provocado, depressa fez surgit virias correntes epistemolégicas contririas. E assim que hoje nos encontramos perante uma multidio de direosGes epistemolégicas, as mais importantes das quais vamos pasar em revista imediatamente, em conexio siste~ mitica. PRIMEIRA PARTE TEORIA GERAL DO CONHECIMENTO: Investigacio fenomenoligica preliminar © FENOMENO DO CONHECIMENTO OS PROBLEMAS NELE CONTIDOS A teoria do conhecimento é, como o seu nome indica, uma teoria, isto é, uma explicagio ou inter- ppretacio filoséfica do conhecimento humano. Mas, antes de filosofar sobre um objecto, é necessério examinar escruy te esse objecto. Uma exacta observacio ¢ descrigio do objecto devem preceder qualquer explicagio ¢ interpretagio. E necessirio, ois, no nosso caso, observar com rigor e descrever com exactidio aquilo a que chamamos conhecimento, esse peculiar fenémeno de consciéncia. Fazémo-lo, ‘roctrndo_apreender_ot_trags_genit_aeeniais deste fendmeno, por meio da auto-reflexio_sobre aquilo que vivemos quando falamos do_conhe- cimento, Fite método chama-se_fenomenolégico_e é distinto do psicolégico. Enquanto que este éltimo investiga os processos psfquicos concretos no seu 2% TTEORIA DO CONHECIMENTO curso regular ¢ a sua conexio com outros processos, © primeiro aspira a apreender a esséncia geral no fenémeno concreto. No nosso caso nao descreverd tum processo de conhecimento determinado, nio tratard de estabelecer o que & préprio de um conhe- cimento determinado, mas sim o que é essencial a todo o conhecimento, em que consste a sua estru- turn geral. Se empregamos este método, 0 fenémeno do conhecimento apresenta-to-not fot seus sspectos findamentais da ‘maneira seguinte (1): No conhecimento encontram-se frente a frente a conscigncia e 0 objecto, 0 sujeito e 0 objec. © cockecknais ‘spaceeueestccma’ uta ards entre estes dois elementos, que nela permaneoem eternamente separados um’ do outro. O dualismo sujeito e objecto pertence a esséncia do conhe- cine, A relacio entre os dois elementos é a0 mesmo tempo uma correlagio, © sujeito s6 & sujeito para tum objecto € 0 objecto s6 é objecto para um sujeito. ‘Ambos eles s6 sio 0 que so enquanto 0 si0 para © outro. Mas esta correlacio nio é reversivel. Ser sujet € algo completamente distinto de ser object. ‘A fancio do sujeito consiste em apreender o objecto, a do objecto em ser apreendido pelo sujeito. ‘Vista. pelo lado do. sufito, esta aprecnsfo apre- senta-se como uma solda do sujeito. para fora da (© Cf. pra 0 que segue 4 sAnslie do fenbmeno do conecimente (gee df NicoLAU Haroun mua imports obra Findemeio de ame Mais do Conhecinen TTEORIA GERAL DO CONHECIMENTO 27 sua prépria esfera, uma invasio da esfera do objecto © uma recolha das propriedades deste. © objecto nio é arrastado, contudo, para dentro da esfera do sujeito, mas permanece, sim, trans- cendente a ele. Nio no objecto mas sim no sujeito alguma coisa se altera em resultado da fungio do conhecimento. No sujeito surge algo que contém as propriedades do objecto, surge uma «imagem» do objecto. Visto pelo Iado do objecto, © conhecimento apresenta-se como uma transferéncia das pro- Priedades do objecto para o sujeito. Ao que trans ‘cende do sujeito para a esfera do objecto corres ponde o que transcende do objecto para a esfera do sujeito. Sio ambos sdmente aspectos distintos do mesmo acto. Porém, tem nele 0 objecto predo- mainio sobre 0 sujcito. © objecto & o determinante, © sujeito € 0 determinado. © conhecimento pode definirse, por limo, como uma determinasdo do sujeito. pelo objec, Mas 0 determinado néo & 0 sujeito pura e simplesmente; mas apenas a imagem do objecto nele. Esta imagem é objectiva, na medida em que leva em si os tragos do objecto. Sendo distinta do objecto, encontra-se de certo modo entre © sujcito © 0 objecto. Constitui o instrumento pelo qual a consciéncia cognoscente apreende 0 seu. objecto. Sendo 0 conhecimento uma determinagio do sujeito Be objecto, nio ha davida que o sujeito se conduz receptivamente perante 0 objecto. Esta receptividade no significa, contudo, passividade. Pelo contritio, pode falarse de uma actividade 2 'TEORIA DO CONHECIMENTO ¢ espontaneidade do sujeito no conhecimento. Esta no se refere, naturalmente, a0 objecto, mas sim & imagem do objecto, no que a consciéncia pode muito bem participar, contribuindo para a sua claboracio. A receptividade perante 0 objecto € a espontancidade perante a imagem do objecto no sujeito so perfeitamente compativeis. Ao determinar 0 sujeito, 0 objecto. mostra-se independente dele, transcendente a cle. Todo o conhecimento designa (cintendo) um objecto, que € independente da consciéncia cognoscente. © caricter transcendente & proprio , enfim, de todos os objectos do conhecimento. Dividimos os ‘objectos em reais ¢ ideais. Chamamos real a tudo © que nos é dado pela experigncia extema ou intema, ou dela se infere. Os objectos ideais apresentam-se, pelo contrério, como irreais, como meramente pensados. Objectos ideais so, por exemplo, 0 objectos da matematica, os niimeros € as figuras geométricas. Pois bei sante que também estes objectos ideais possuem um ser em si, ou transcendéncia, no sentido epis- temolégico. As leis dos néimeros, as relagées que existem, por exemplo, entre os lados e os angulos de tum triingulo, sio independentes do nosso pensamento subjectivo, no mesmo sentido em que 0 sio os objectos reais. Apesar da sua irrealidade, fazem-lhe frente como algo cm si detetminado ¢ auténomo. Agora, vejamos: parece existir uma contra digio entre a transcendéncia do objecto a0 sujeito € 2 comelagio do sujeito e do objecto apontada anteriormente. No entanto esta contradigio é TEORIA GERAL DO CONHECIMENTO 29 ay aparente. Sdmente enquanto é objecto do cenbecimento é que. de, “oe, aces incluso na corrclagio. correlacio sujeito -objecto 36 é eg dentro do. conheci- mento; mas nio em si mesma. O sujeito ¢ o objecto no se esgotam no seu ser de um para o outro, pois tém além disso um ser em si, Este onsiste, para o objecto, naquilo que ainda existe de desconhecido ‘nele.’ No sujeito encontra-se naguilo que ele & além de sujeito cognoscente. Pois, além de conhecer, 0 sujeito sente ¢ quer. Deste modo, o object deixa de o ser quando sai da correlagio, ao passo que 0 sujeito, agora isolado, deixa de ser sujeito cognoscente. ‘Assim como a correlagio do sujeito ¢ objecto 86 & inseparivel dentro do conhecimento, assim. fumblin std keeveteal cso cosndagio de coaho: cimento. Em si mesma é muito possivel uma inver~ Sio, a qual tem efectivamente lugar na acco. Na acgio 0 objecto nio determina o sujeito, mas sim © Sujeito a0 objecto. O que sc altera nao ¢ o sujeito mas sim objecto. Aquele jé nio se conduz receptiva, mas sim espontinea ¢ activamente, enquanto que este se conduz passivamente. O conhecimento ea ac¢io apresentam, pois, uma estrutura completa~ mente oposta © conceito de verdade relaciona-se intima~ mente com a esséncia do conhecimento. Verda~ deiro conhecimento é sdmente o conhecimento verdadeiro. Um sconhecimento falsov no é prd= priamente conhecimento, mas sim erro e_ilusio. ‘Mas, em que consiste a verdade do conhecimento? 0 TTEORIA DO CONHECIMENTO Como dissemos, deve assentar_na concordincia da imagem» com o objecto.. Um conhecimento diz-se verdadeiro se 0 seu contetido concorda com © objecto designado. O conceito de verdade & assim, © conceito de uma relacio. Exprime uma relagio, a relacgo do conteédo do pensamento, da cimagems, com 0 objecto, Este objecto, por sua vez, nio pode ser verdadeiro nem filso; encon- tra-se, de certo modo, mais além da verdade ¢ da filsidade. Uma representacio inadequada pode ser, pelo contrivio, absolutamente verdadeira, ois, ainda que seja incompleta, pode ser exacta, se 0s aspectos que contém existem realmente no objecto. ‘© conceito de verdade, obtido a0 considerar- mos 0 conhecimento debaixo do aspecto feno- menol6gico, pode designar-se como coneceito trans- cendente da verdade. ‘Tem efectivamente como pres- suposto a transcendéncia do objecto. £ o conceito de verdade préprio da consciéncia ingénua ¢ da consciéncia cientifica. Pois as duas aceitam como verdade a concordincia do contetido do pensamento com o objecto. Mas nio. basta que um conhecimento seja verdadeiro; hi necessidade de poder alcangar a certeza de que é verdadeiro. Isto levanta a questio: fem que € que podemos conhecer se um conhe- cimento & verdadeiror E a questio do avitério da verdade, Os dados fenomenolégicos nada nos dizem sobre se existe um critério semelhante. © fenémeno do conhecimento implica apenas a sua pretensa existéncia; mas nao a sua existéncia real. TEORIA GERAL DO CONHECIMENTO = 31 Assim se esclarece © fenémeno do conheci- mento humano nos seus aspectos principais. Ao mesmo tempo verificimos que este fenémeno confina com trés esferas distintas. Como vimos, (© conhecimento apresenta trés elementos princi- pais: 0 sujeito, a imagem» e 0 objecto. Pelo fujlo, 0 fendmena do, conhecimento toca na estera psicoldgica; pela simagems, com a légica; pelo. objector coma. onlin” Como prose Feicoldgico num ayjeto, 0 conhecimento € objeto psicologia. Naturalmente, verificase que a Psicologia nfo pode resolver o problema da esséncia do conhecimento humano. Pois, na ver~ dade, 0 conhecimento consiste numa apteensio de um objecto, como nos revelou a nossa inves tigagio fenomenolégica. Agora bem; a psicologia, 20. investigar os processos do pensamento, pres cinde por completo desta referéncia ao abject. A psicologia dirige a sua atengio, como jé disse, para a origem € desenvolvimento dos processos psicoldgicos. Pergunta como tem lugar 0 conhe- cimento mas nio se ¢ verdadeiro, isto é, se concorda com 0 objecto, ‘A questio da verdade do conhecimento ests fora do seu alcance. Se, apesar de tudo, pro- curase resolver esta questio, cairia numa per- feita werdBan ele do yévee, num caminho para uma ordem de coisas completamente distinta, Nisto reside, justamente, 0 erro fandamental do psicologismo. Pelo seu segundo elemento, o fenémeno do conhecimento penetra na esfera Iégica. A simagem» 2 ‘TEORIA DO CONHECIMENTO do objecto no sujeito ¢ uma entidade I6gica ¢, ‘como tal, objecto da légica. Mas também se vé Gmediatamente que a légica no pode resolver © problema do conhecimento, A légica investiga ss Tentidades I6gicas como tais, a sua arquitectura fntima e as suas relagées métuas. Como se vit, a indaga da concordincia do pensamento con- igo mesmo © nio da sua concordincia com 0 objecto. O. problema epistemol6gico encontra-se fgualmente fora da esfera l6gica. Quando s des- Eomhece este facto, entio dizemos que se cai no logicismo. Pelo’ seu terceiro elemento, 0 conhecimento hhumano toca a esfera ontolégica. O objecto aparece perante a consciéncia cognoscente como algo que é Perqer se trate de um ser ideal ou de um sex Teal. © ser, pelo seu lado, & objecto da onto- Jogi, Mas também aqui se ve que 2 ontologia io pode resolver 0 problema do conhecimento. Pois, assim como nao & possivel climinar-se do ‘conhecimento 0 objecto, nfo pode tio pouco tliminar-se 0 sujeito. Pertencem os dois a0 con fetidoessencial do conhecimento human, tal como nos revelaram as consideragSes. fenomeno- Tégicas. Quando isto se ignora e se vé o problema dy" conhecimento, exclusvamente pelo, lado do objecto, 0 resultado € cair-se no ontologismo. Nem a psicologia, nem a légica, nem a onto- logia podem, assim, resolver 0 problema do conhe- cmento, Este representa um facto absolutamente peculiar auténomo. Se desejarmos atribuir-lhe Fim nome especial poderemos falar, como NicoLau TTEORIA GERAL DO CONHECIMENTO 33 Haxrann de um facto. gnoseolégico. Quer eo ia aca a etna ones pes mento aos objectos, a relasio do sujeito edo objecto, que nio cabe em qualquer das trés dis ciplinas apontadss, como se viu, e que cria, portanto, uma nova disciplina: a teoria do conhecimento. Também a considerastes fenomenoligicas con uzem, pois 20 reonhesimento da tori do jecimento como a uma disciplina filoséfica inde- Poderia pensar-se que a missio da teoria do conhecimento se cumpre, no esencial, com a des cticio do fenémeno do. conhecimento. Mas nio acontece assim. A desaigio do fendmeno no é a sua interpretasdo © explicagio filsbfca Sanat dow tot ge oases natural entende por conhecimento. Vimos que segundo a concepgio da consciéncia natural, o conhecimento consiste em forjar «uma image do objecto; a verdade do’ conhecimento 2 concordincia desta «imagem» com o objecto. Mas svetiguar se eta concepsto est jsifcada ¢ um problema que se encontra para além do alcance do problema fenomenolégico. O método. feno- menolégico 6 pode dar uma desrigio do. fend- meno do conhecimento. Sobre a base que é esta deserigo fenomenolgica, tem de procurarse uma explicagio ¢ interpretacio filoséficas, uma teoria do conhecimento. £ esta a misio. peculiar da teoria do conhecimento, Este facto € muitas vezes esquecido pelos fenomenologistas, que julgam resol- ver 0 problema do conhecimento” descrevendo 3 3 TTEORIA DO CONHECIMENTO simplesmente 0 fenémeno do conhecimento. As objeccies dos filésofos de diferente orientacio respondem limitando-se a considerar os dados fenomenolégicos do conhecimento. Porém, isto equivale a desconhecer que a fenomenologia ¢ a teoria do conhecimento sf0 coisas completamente distintas, A. fenomenologia apenas pode esclare~ cer-nos sobre a efectiva realidade da concep¢io natural, mas nunca decidir sobre a sua justeza veracidade. Esta questo. critica encontra-se fora da esfera da sua competéncia. Também se pode exprimir esta ideia dizendo que a fenomenologia € um método mas nfo & uma teoria do conhe- cimento. Em consequéncia do que se disse, a descricio do fenémeno do conhecimento tem apenas um significado preparatério. A sua missio nao é resolver © problema do conhecimento mas sim conduzir-nos a presenca desse problema. ‘A descricéo fenomenolégica pode e deve des- cobrir os problemas que se apresentam no fend meno do conhecimento ¢ fazer com que tomemos consciéncia deles. Se aprofundarmos mais uma vez_a descrigio do fenémeno do conhecimento. que demos_ante- riormente, verificamos sem dificuldade que sio, antes de mais, cinco problemas principais que impli- cam os dados fenomenol6gicos. Vimos j que | ‘© conhecimento significa uma relagio enire um sujeito e um objecto que entram, por assim dizer, fem contacto miituo; o sujeito apreende o objecto. © que em primeiro lugar se deve perguntar é TTEORIA GERAL DO CONHECIMENTO 35 finalmente, se esta concepgio da consciéncia natural € justa, se realmente tem lugar este contacto enie 0 sujeito € 0 objecto. Pode © sujeito apreen- der realmente 0 objector Esta ¢ a questio da ppssibildade do conhecimento humano. Deparamos com outro problema quando consideramos de perto a estrutura do sujeito cognoscente. Esta Pima esrutura daa,” © homem & um set eppiritual © sensivel. Por conseguinte distingui~ mos um conhecimento espiritual ¢ um conhe~ cimento sensivel. A fonte do primeiro € a razio; a do iiltimo a experiéncia. Pergunta-se de que fonte tira principalmente os seus contetidos a consciéncia cognoscente. E a razio ou é a expe- rigncia a fonte ¢ a base do conhecimento humano? Essa é a questio da origem do. conhecimento. ‘Atingimos 0 verdadeiro problema central da teoria do conhecimento quando nos fixamos na relacio do sujeito © do objecto. Na descrigio fenomenolégica caracterizamos esta. relagio como uma determinagio do sujeito pelo objecto. Porém, pode também perguntar-se sc esta concepgio da consciéncia natural & justa. Como veremos mais adiante, numerosos ¢ importantes fil6sofos defi- niram esta relagio precisamente no sentido con- tritio. Segundo eles, a verdadeira situacio, com efeito, & justamenté a inversa: nio ¢ 0 objecto que determina o sujeito, mas o sujeito que determina o objecto. A consciéncia cognoscente nio se conduz receptivamente em presenca do seu objecto, mas sim activa e espontineamente. Pode perguntar-sc, pois, qual das duas interpretgdes do Gnomeno do 36 TTEORIA DO CONHECIMENTO conhecimento ¢ a justa. Poderemos designar resu- midamente este problema como a questio da essén- ia do conhecimento humane. ‘Até aqui, 20 falar do conhecimento, temos pensado exclusivamente numa apreensio ‘racional do objecto, E natural que se pergunte se, além deste conhecimento racional, hi um conhecimento de outra expécie, um conhecimento que fosse possivel designar como conhecimento intuitivo, em oposigio a0 racional. Esta € a questio das formas do conhe- cimento humano, ‘Um iiltimo problema entrou no nosso campo de observagio no final da descrigio fenomeno- légica: a questio do critério da verdade. Se hi tum conhecimento verdadeiro em que é que pode- mos conhecer esta verdade? Qual € 0 artério que nos diz, concretamente, se um conhecimento é ou nio verdadero? (© problema do conhecimento divide-se, pois, em cinco problemas particulares. Serio. adiante discutidos sucessivamente. Faremos exposigio, isola~ damente, das solugSes mais importantes que 0 problema tenha encontrado atraves da histéria da filosofia, para imediatamente se fazer a sua critica, tomar uma posigio perante clas ¢ indicar, pelo menos, a direc¢o em que nés proprios procuramos a solugio do problema. 1 A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 1. 0 dogmatismo Entendemos por dogmatismo (de Biyyx = dou- trina fixada) a posicio epistemol6gica para a qual nio existe ainda © problema do conhecimento. © dogmatismo tem por supostas a possibilidade ¢ a realidade do contacto entre 0 sujeito © 0 objecto. £ para cle evidente que © sujcito, a consciéncia cognoscente, apreenda o objecto. Tal posigio assenta numa confianca na razio humana, que ainda nio esti enfraquecida pela davida. Este facto do conhecimento nfo constituir um problema para o dogmatismo assenta numa nogio deficiente da esséncia do conhecimento. O con tacto entre 0 sujeito © 0 objecto no pode parecer problemitico a quem nio veja que 0 conheci- mento representa uma relagio, E isto € 0 que acomunce Guim @ dogmatcce, “Nib vb gan o werlen cimento € estencialmente uma relacio entre um sujeito ¢ um objecto. Cré, pelo contrario, que 38 TTEORIA DO CONHECIMENTO 6 objectos do conhecimento nos sio dados absolu- famente © nfo meramente por obra da _fangio intermedifria do conhecimento. O dogmético nio ‘vé esta fungio. E isto passa-se ndo s6 no terreno da percepcio mas também no do pensamento, Segundo a\concepcio do dogmatismo, os objectos de peeeke 5 = aimee Se eee ee dados da mesma mancira: directamente na sua corporeidade. No primeiro caso passa-se por cima da prdpria percepgo, mediante a qual tnicamente nos so dados determinados objectos; no segundo, da fangio do pensamento. Eo mesmo acontece no que se refere ao conhecimento dos valores, Também os valores existem, pura ¢ simplesmente, pata 0 dogmitico. O facto de que todos os valores pressupdem uma conscigncia avaliadora, perma- few Wo desconbedde pam cle ‘como 0 de que todos 0s objectos do conhecimento implicam uma consciéncia cognoscente. O dogmitico passa por cima, tanto num caso como no outro, do sujcito ¢ da sua funcio. Em relagio com o que acabamos de dizer, pode entio falar-se de dogmatismo teérico, ético ¢ reli- gioco. A primeira forma de dogmatismo refere-se a0 conhecimento te6rico; as duas sltimas, a0 conhe~ cimento dos valores. No dogmatismo ético trata-se do conhecimento moral; no religioso, do conhe- cimento religioso, ‘Como atitude do homem ingénuo, 0 dogma- tismo € a posicio primeira e mais antiga, tanto psicolégica como histéricamente. No periodo origi- rio da filosofia grega domina de um modo quase ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 39 geral. As reflexes epistemolégicas nio apareoem, em geral, entre 0s présocrdticos (0s filésofos jénios da natureza, os cleiticos, Hericlito, os. pitagé- ricos). Estes pensadores acham-se animados ainda jor uma confianga ingénua na capacidade da razio wumana. Virados totalmente para o set, para a natureza, no sentem que © préprio conhecimento € um problema, Este problema poe-se com os sofistas, Sio estes quem coloca pela primeira vez © problema do conhecimento ¢ fazem com que ‘© dogmatismo, em sentido restrito, resulte impos sivel “para sempre dentro da filosofia. A de entdo encontramos em. todos os fildsofos reflexes epistemoldgicas debaixo de uma oude outra forma. E verdade que Kant julgon dever aplicar a denominago de «dogmatismo» aos sistemas meta- fisicos do século xv (Dsscanrs, Letsnrrz, Wour). ‘Mas esta palavra tem nele um significado mais cstreito, como se vé pela sua definigio de dogma- tismo na Critica da razdo pura (O dogmatismo € 0 proceder dogmitico da razio pura, sem a titica do seu proprio poden). © dogmatismo € para Kant a posigo que cultiva a metafisica sem ter examinado antes a capacidade da razio humana para tal cultivo. Neste sentido, os siste- mas prekantianos da filosofia moderna ‘so, com feito, dogmiticos. Mas isto nio quer dizer que niles falte também toda a reflexio epistemol gica e que se nfo sinta ainda 0 problema do Conhecimento. As discusses epistemoldgicas em Descartes ¢ Leipnitz provam que nio acontece assim. Nao pode falar-se portanto de um dogma- 0 ‘TTEORIA DO CONHECIMENTO tismo geral ¢ fundamental, mas sim de um dogma- tismo especial. Nio se trata de um doy Jogico, mas sim de um dogmatismo meta 2. © cepticismo Extrema se tangunt. Os extremos tocam-se. Esta afirmagio é igualmente vilida no campo epistemolégico. © dogmatismo converte-se muitas vezes no seu contrério o cepticismo (de oxtreatnt —enganar, examinar). Enguanto que aquele con- sidera’ a possibilidade de um contacto entre o sujeito € © objecto como algo compreensivel por si mesmo, este nega essa possibilidade. Segundo © cepticismo, o sujeito mio pode apreender 0 objecto. © ‘conhecimento, no sentido de uma apreensio real do objecto, é impossivel para cle. Portanto, no devemos formular qualquer juizo, ‘mas sim’ abster-nos totalmente de julgar. Enquanto que o dogmatismo’ desconhece de certo modo o sujeito, o cepticismo nio vé 0 objec, A sua atengio fixa-se tio exclusivamente no sujeito, na fungio do conhecimento, que ignora comple tamente a significagio do objecto. “A sua atencio ditige-se inteiramente aos factores subjectivos do maheciaente Ieee, Olure, o Sieua cimme todo 0 conhecimento soffe a influéncia da indole do sujeito dos seus drgios do conhecimento, assim como das circunstincias exteriores (meio, circulo cultural). Desta forma escapa a sua vista © objecto, que é sem diivida, necessério para ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 41 que tenha lugar 0 conhecimento, pois este repre~ senta uma relagio entre um sujeito ¢ um objecto. Do mesmo modo que o dogmatismo, também © cepticismo pode referir-se tanto 4 possibilidade do conhecimento em geral como 3 de um conhe- cimento determinado. No primeiro caso, esta~ mos perante um cepticismo Iégico. Também se The chama cepticismo absolufo ow radial. Quando © cepticismo ‘se refere simente a0 conhecimento ico, falamos de um cepticismo metafisico. No dominio dos valores distinguimos um cepti- cismo ético e um cepticismo religioso. Segundo © primeiro, & impossivel o conhccimento moral; segundo 0 ltimo, 0 religioso. Finalmente, hi que distinguir 0 cepticismo meiddico ¢ 0 copti- cismo sistemdtico. Aquele designa um método; este, uma questio de principio. As classes de cepti- cismo que acabamos de enumerar no sio mais do que formas distintas desta questio. O cepti- ismo metédico consiste em comesar por por em davida tudo o que se apresenta 3 consciéncia natural como verdadeiro e certo, para eliminar deste modo todo o falso ¢ chegar 4 um saber absolutamente seguro. © cepticismo encontra-se, principalmente, na astiguidale. ©. seu, fandeder '! PuuxOw a’ Eu (360-270). ‘Segundo ele, nio se consegue_chegar 4 um contacto do sujeito com 0 objecto. A cons- cigncia cognoscente € impossfvel apreender 0 seu ‘objecto. Nao hi conhecimento. De dois juizos contraditérios, um ¢, finalmente, tio exactamente verdadeiro como o outro, Isto. significa uma 2 TERIA DO CONHECIMENTO negagio das leis légicas do pensamento, especial- mente do principio de contradigio, Como nio existem conhecimento nem juizo verdadeiros, Pum6n recomenda a abstengio dé todo 0 juizo, aéroyh. G cepecdins iememndidis on seabladis, cj principais representantes sio ARCESILAO (t 2h) cc CaRNEapEs (f 129), nio é tio radical como este cepticismo antigo ou pirrénico. Segundo o cepticismo académico, & impossfvel um saber rigo- roso. Nio temos nunca a certeza de que os nossos jjuizos concordem com a realidade. Nunca pode- remos dizer, pois, que esta ou aquela proposicio seja verdadeira; mas podemos afirmar que parece ser verdadeira, que ¢ provivel. Nio existe, portanto, certeza rigorosa, mas sdmente probabilidade. O cepti- cismo intermédio distingue-se do antigo precisamente porque sustenta a possibilidade de chegar a uma opinizo provavel. © cepticismo posterior, cujos principais repre sentantes sio Enssipemo (século 1a. C.) SExto Emrinico (século 1), segue novamente pelo caminho do cepticismo pirrénico. Também na filosofia moderna encontramos 0 cepticismo. Mas 0 cepticismo que encontramos aqui nio é, a maior parte das vezes, radical ¢ abso- luto, mas sim um cepticismo especial. No filésofo francés Monraicne (f 1592) apresenta-se-nos, prin- cipalmente, como um cepticismo ético; em Davi> Hume, como cepticismo metafisico. Também em Bayis no podemos falar apenas de cepticismo, no sentido de Prd, mas sim apenas no sentido do cepticismo intermédio. Em DEscaRTEs, que ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 43 proclama o direito a divida metédica, nio existe um cepticismo de principio, mas sim justamente tum cepticismo metédico. E evidente que o cepticismo radical ow abso lwo se anula a si proprio. Afirma que o conhe- cimento & impossivel. Mas com isto exprime um conhecimento. Por consequéncia, considera © conhecimento como possivel de facto ¢, no entanto, afirma simultineamente que é impossivel © cepticismo cai, pois, numa contradicio consigo proprio. © céptico poderia, sem davida, recorrer a um subterfigio. Poderia formular o juizo: « conhe- cimento ¢ impossivels por duvidoso, dizendo, por exemplo: mio hi conhecimento ¢ mesmo. isto € duvidosos, Mas também da mesma forma expri- mia um conhecimento: o de que é duvidoso que haja conhecimento. A possibilidade do conhe- cimento é, enfim, afirmada e posta em divida ao mesmo tempo’ pelo céptico. Encontramo-nos, pois, no fundo, perante a mesma contradicio ante- rior, Como jé tinham verificado os antigos cépti- cos, 0 que pretende defender o cepticismo, ssmente abstendo-se de juizo pode fugir 4 contradigio consigo,prdprio que acabamos ‘de nour. "Mas isto ainda nio é tudo, se vitmos as coisas em todo © seu rigor. © céptico nio pode levar a cabo qualquer acto do pensamento. Logo que 0 faca, supe a possibilidade do conhecimento e, portanto, envolve-se nessa contradigao consigo proprio. A aspi- ragio a0 conhecimento da verdade carece de “ ‘TEORIA DO CONHECIMENTO sentido ¢ de valor debaixo do ponto de vista de um rigoroso cepticismo. Mas a nossa cons- citncia dos valores morais protesta contra esta con- cepcio. ‘© ‘cepticismo, que no é refutivel ldgica- mente, enquanto’ se abstém de todo o juizo e acto do pensamento — coisa que é sem divida, priticamente impossivel —softe a sua verdadeira derrota no terreno da ética, Criticamos, em Sltima andlise, 0 cepticismo, no porque o pode~ mos refutar 'ldgicamente, mas sim porque o desfiz a nossa consciéncia dos valores morais, que considera como um valor a aspitagio & verdade. J& tomimos também conhecimento com uma forma mitigada do cepticismo. Segundo ela, nio ha verdade nem certeza, mas apenas probabili- dade. Nao podemos nunca ter a pretensio de ue oS nossos jufzos sejam verdadeiros, mas apenas le que sejam proviveis. Mas esta forma de cepticismo acrescenta a contradi¢io, inerente em srincipio a posigio céptica, uma nova contra~ SO ome a potbiat pressupde 0 de verdade. Provivel € aquilo que se aproxima do verdadeiro. Quem renuncia a0 conceito de verdade tem, pois, de abandonar também o de probabilidade. © cepticismo geral_ow absoluto é, assim, uma posicio intimamente impossivel, Nio se pode afirmar o mesmo do ccpticismo especial. O. cepti- cismo metafisico, que nega a possibilidade do conhecimento do supra-sensivel, pode ser falso, ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 45 mas no encerra nenhuma intima contradigio. © mesmo se dé com o cepticismo ético e religioso. ‘Mas talver no seja licito incluir esta posigio no conccito de cepticismo. Por cepticismo entende- mos cm primeiro lugar, efecivamene, © cepti- cismo geral ¢ de principio. Temos, além disso, outras denominagies para as posigSes citadas. O cepticismo metafisico é chamado habitualmente positivimo. Segundo csta igdo, que remonta a Aucusto Come (1798-1857), remos limitar-nos a0 positivamente dado, aos factos imediatos da experiéncia, fugindo de toda a especulagio metafisica. S6 h4 um conhecumento eum saber, aquele que & préprio das ciéncias espe- ciais, mas nio um conhecimento e um saber filo- séfico-metaflsicos. Para 0 cepticismo religioso usamos a maior parte das vezes a denominacio de agnos- ficismo. Esta posigio, fundada por Hermext SPENCER (1820 a 1903), afirma a impossibilidade de conhe~ cer 0 absolut. O que melhor poderia dar-se-lhe cra a denominacio de «cepticismo éticor. Mas, agora, encontramo-nos aqui perante a teoria que 108 conhecer adiante debaixo do nome de rela Por mais etrado que 0 cepticismo seja, nfo se Ihe pode negar certa importincia para o desen- volvimento espiritual do individuo e da Huma nidade. E, de certo modo, um fogo purificador do nosso espfrito, que o limpa de prejuizos e eros ¢ © auxilia na continua comprovacio dos seus juizos. Quem tenha vivido intimamente 0 principio fiustico eu sei que no podemos saber 46 ‘TEORIA DO CONHECIMENTO nada», procederé com a maior circunspecgio ¢ cance tet sims Solngeglen Sie ble te, Sl sofia, 0 cepticismo apresenta-se como o antipoda do dogmatismo. Enquanto que este di aos pensa- dores ¢ investigadores uma confianga to ingénua como exagerada na capacidade da razio humana, aguele mantém desperto o sentido dos proble- mas. O cepticismo espeta o aguilhio da divida no peito do filésofo, de modo que este no se con- forma com as solugées dadas aos problemas, mas Juta continuadamente por novas ¢ mais satisfatérias solugdes. 3. O subjectivismo e o relativismo © cepticismo diz-nos que nio hé nenhuma verdade. O- subjectivismo e 0 relativismo nfo vio tio longe. S cles, hd uma verdad ee Nao hd qualquer verdade universalmente vlida. © subjectivismo, como o seu préprio nome indica, limita a validade da verdade a0 sujeito que conhece julga. Este pode ser tanto o sujeito individual ou o individuo humano como 0 sujeito geral ou o género humano. No primeiro caso temos um subjectivismo individual; mo segundo, tum subjectivismo geral. Segundo 0 primeiro, juizo é vilido tmicamente para o sujeito indivi- dual que o formula, Se qualquer de nés julga, por exsmplo, que 2X 2ee4 cake juizo 06 € vente deiro para 0 préprio segundo © ponto de vista ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 47 do subjectivismo; para os outros pode ser filso. Para subjectivismo geral ha verdades supra- -individuais, mas no verdades universalmente vili- das. Nenhum juizo é vilido mais do que para 0 género humano. O jufzo 2x 2—=4 é vilido para todos os individuos ‘humanos; mas & pelo. menos duvidoso que o seja para seres organizados de modo diferente. Existe, no entanto, a possbili- dade do mesmo juizo que & verdadeiro para os hhomens, ser filso” para seres de espécie diferente. © subjectivismo geral & assim, idéntico a0 psico- logismo ou antropologismo. ‘© relativismo esti aparentado com 0 subjecti- vismo. Segundo ele, nio hi também qualquer verdade absoluta, qualquer verdade universalmente vilida; toda a 'verdade é relativa, apenas tem uma validade limitada. Mas enquanto que o subjectivismo fiz depender o conhecimento himano de factores que residem no sujeito cognoscente, © relativismo sublinha a dependéncia de factores externos. Como tais, considera, em primeiro lugar, 2 influéncia do meio e do espirito do tempo, o per~ tencer-se a determinado cfrculo cultural e os Factores determinantes ncle contidos. Do mesmo modo que 0 cepticismo, © subjecti- vismo ¢ o relativismo encontram-se jé na anti- gullale, Or bepumtens ciao So ache vismo, so, nesta época, os sofistas. A sua tese fandamental tem a sua’ expressio no conhecido principio de Prordcoras (século va. C)): Il dvrov iordrov ulzpr aBpunoe (o homem é a medida de todas as coisas). Este principio do homo mensura, * TEORIA DO CONHECIMENTO como se lhe chama abreviadamente, esté for lado no sentido de um subjectivismo individual com 2 mice probbildad, sbjecivm ger, € ic ao psicologismo, ‘como os eee eet dade. O mesmo se pode dizer do relativismo, Oswatpo Spmncte defendeu-o na sua Decadéncia do Ocidente. «S6 hd verdades — diz-se nesta obra — em relagio a uma humanidade determinaday. O ci culo de validade das verdades coincide com o irculo cultural e temporal do qual procedem os seus defensores. As verdades filoséficas, mate- niticas e das ciéncias naturais s6 so vélidas dentro do dreulo cultural a que pertencem. Nio hi uma filosofia, nem uma matemética, nem uma fisica universalmente vélidas, ‘mas uma filosofia fiustica e uma filosofia apolinea, uma matemi- tica ustica ¢ uma matemitica apolinea, ete. subjectivismo e o relativismo incorem numa contradigio aniloga a do cepticismo. Este julga que no hé nenhuma verdade e contradiz'se a si mesmo. O subjectivismo ¢ o relativismo julgam que no hd nenhuma verdade universalmente vilida; mas também hé uma contradigio. Uma verdade que nio seja universalmente valida repre- Senta um sontra-sensos. A. realidade universal. da verdade fanda-se na sua prépria essincia. A ver ade significa a concordincia do juiz0 com a reali- dade objectiva. Se existe essa ‘concordincia nto tem sentido limitila a um mimero determi nado de individuos. Se existe, existe para todos. O dilema é: ou 0 juizo é filso, ¢ entdo nio é vilido [A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 49 para ninguém, ou é verdadeiro, © entio é vilido para todos, & universalmente vilido. Quem man- fenha 0 conceito de verdade © afirme, apesat disso, que nio hé nenhuma verdade universalmente vélida, contradiz-se, portanto, a si proprio. © subjectivismo c o relativismo sio, no fundo, cepticimo. Pois também cles negam a verdade, se mio directamente, como o cepticismo, indi- rectamente, quando ‘atacam a sua validade uni- versal © subjectivismo contradiz-se também a si mesmo, quando pretende de facto uma validade ‘mais do que subjectiva para 0 seu juizo: «toda a verdade & subjectivas, Quando formula este juizo, no pensa certamente: «6 & vilido para “mim, para ‘os outros no tem validador, Se alguém Gissesse: «com o mesmo dircito com que tu dizes gque toda a verdade é subjectiva, digo eu que toda a verdade ¢ universalmente vilidas, de certo que nto estaria de acordo com isto. Iss0 prova que atribui efectivamente a0 seu juizo uma validade tuniversal, E procede assim porque esti conven- cido de que o scu juizo reproduz uma situago objectiva. Deste modo, supde priticamente a validade universal da verdade que nega em teoria, ‘© mesmo se passa com o relativismo. Quando 6 relativismo assenta na tese de que toda a ver~ dade é relativa, esté convencido de que esta tese reproduz uma situagio objectiva ¢ & portanto, vélida para todos os sujeitos pensantes. Quando SeeNGtER, por exemplo, formula a proposigio acima citada — 166 ha verdades em relagio a uma huma- 50 TERIA DO CONHECIMENTO nidade determinadas—, pretende dar expresso a sua touayle objective: que dee mowlces. wio © homem racional. Vamos a supor que alguém respondesse: «Em relacio com os teus préprios Brincipon este juizo 56 vido par 0 dteulo da cultura ocidental, Mas eu pertengo a um circulo cultural completamente diferente. Seguindo © impulso invencivel do meu pensamento, tenho de opor a0 teu juizo estoutro: toda a verdade & absoluta, Em armonia com os teus. proprios principios, este juizo ¢ tio plenamente justificavel como 0 ‘teu. Portanto, dispenso-me, de futuro, dos teus june, que a6 so vildor para os homens do circulo da cultura ocidental. Se alguém falasse assim, SrencteR protestaria com todas as suas forgas. Porém a coeréncia Tigica mio estaria do seu lado, mas sim do seu opositor. 4. © pragmatismo © cepticismo & uma posicio essencialmente negativa, Signiica a negasdo da possbiidade do conhccimento. © cepticismo toma um aspecto positivo no modcrno pragmatismo (de ne3yux = acco). Como o cepticismo, também o pragma~ tismo abandona 0 conceito da verdade no sentido da concordincia entre 0 pensamento ¢ 0 ser. Porém, o pragmatismo nio se detém nesta nega- go, mas substitui 0 conceito abandonado por um’ novo conccito de verdade. Segundo lc, A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 51 verdadeiro significa til, valioso, fomentador da ida, © pragmatismo modifica desta forma 0 con- cits de sertade, porque pare de wan dooce nada concepgio do ser_humano. Segundo cle, © homem nio ¢ essencialmente um ser teérico ow pensante, mas sim um ser pritico, um ser de vontade ¢ de acgio. © seu intelecto esté integral- mente a0 servigo da sua vontade ¢ da sua accio. © intelecto ¢ dado 20 homem, mio para inves- tigar © conhecer a verdade, mas sim para poder orientar-se na realidade. O ‘conhecimento humano recebe 0 seu sentido € 0 seu valor deste seu destino pritico. A sua verdade consiste na congruéncia dos pensamentos com os fins priticos do homem, em. que aqueles resultem ftcis ¢ proveitosos para © comportamento pritico deste. Segundo ele, o juizo 2 vontade humana é livres & verdadeito. porque —e enquanto — resulta tile proveitoso para a tis bara Geek panicle para a vida social. ‘Como verdadeiro fandador do pragmatismo considera-se 0 fildsof americano WiLiIAM JAMES (t 1910), a0 qual se deve também o termo’ «pra- gmatismo». Outro notivel representante desta cor rente é 0 filésofo inglés Scumutee, que propés para cla o nome de thumanismor.” O- pragma- tismo encontrou também adeptos na Alemanha, Entre cles conta-se, em primeiro plano, FReDEtico Nusrzscuz (f 1900). Partindo do seu conceito natu- ralista e voluntarista do ser humano, diz: «A verdade ndo € um valor toético, mas apenas uma expres- 32 ‘THORIA DO CONHECIMENTO so para designar a utilidade, para designar aquela fungio do juizo que conserva a vida ¢ serve a von tade do podem. De modo mais paradoxal cle cexprime sta mesma ideia quando diz: «A falsi Gade de um juizo aio & uma objecgio contra esse juizo. A questio esti em até que ponto cetimula a vida, conserva a vida, conserva a espécie, ca Sars apie, Tambéa a Plate & como se, de Hans VAIHINGER, pisa terreno pra- fgmatista, Vammncer apropria-se da concepcio de Nierzscis, Também, segundo ele, 0 homem 6 antes de tudo, um ser activo. O intelecto nao The foi dado para conhecer a verdade, mas sim para actuar. Mas, muitas vezes, serve 4 accio € aos scus fins, justamente porque cmprega repre sentagbes filsas. © nosso intelecto trabalha de preferéncia, segundo VAININGER, com pressupostos Conscientemente falsos, com ficgdes. Estas apre~ sentam-se como ficgdes preciosas, desde 0 momento fem que se mostram iteis ¢ vitais. A verdade é pois, «© erro mais adequados. Finalmente, tam- bém Joncs Sumer defende o pragmatisino na sua Filosofia do dinheiro. Segundo cle, sio sverda- ddeiras aquelas representagSes que resultaram em motivos de acco adequada e vital ‘Agora bem; evidentemente que nio & licito idennficar 0s conceitos de «verdadeiros ¢ de «itih. Basta examinar com alguma atengio 0 contetido destes conceitos para ver que ambos tém um sentido completamente diferente. A experiencia revela também a cada paso que uma verdade pode actuar nocivamente, A guerra mundial foi ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 53 singularmente instrutiva sobre este aspecto. De ume outro lado se acreditava ser um dever cocultat a verdade, porque dela se temiam efeitos nocivos. Estas objecctes nfo atingem, sem davida, as posigies de Nusrzscue ¢ de VammNcER, que man- tém, como se viu, a distingio entre o «verda- deiros 0 «itils.” Conservam 0 conccito de verdade no sentido da concordincia entre 0 pensa- mento 0 ser. Mas, na sua opiniio, nfo alcan- gamos nunca esta concordincia. Nao hi qual- quer juizo verdadeiro, a nio ser que 2 nossa cons- iéncia cognoscente trabalha com represcntagSes conscientemente falsas, Esta posigio é, eviden= temente, idéntica a0 cepticismo e anula-se, portanto, a si mesma, VarmincER pretende, com efcito, que a tese de que todo 0 contetido do conhe- cimento & uma ficcio, & verdadeira. Os conhe- cimentos que cle expie na sua Filosofia do como se pretendem ser alguma coisa mais do que ficgdes. Na intengdo do autor, pretendem ser a tinica teoria exacta do conhecimento humano, ¢ nio um «pre suposto conscientemente filso». © erro fundamental do pragmatismo consiste fem no ver a esfera ligica, em desconhecer 0 valor proprio, a autonomia do pensamento humano. © pensamento © 0 conhecimento esto. certa- mente na mais estreita conexio com a vida, porque esto. inseridos na totalidade da vida psfquica humana; 0 acerto e valor do pragmatismo radi~ cam-se justamente na continua referéncia a esta ; Mas esta estreita relaglo entre 0 conhe- Ey TTEORIA DO CONHECIMENTO cimento ea vida no deve induzir-nos a passar por cima da autonomia do primeiro ¢ a fazer dcle uma simples fangio da vida, Isto 36 é possivel, como se provou, quando se filsifica 0 conceito de verdade ou, como faz 0 cepticismo, quando se nega esse mesmo conceito. Mas a nossa cons céncia I6gica protesta contra ambas as coisas. 5. O eriticismo © subjectivismo, o relativismo ¢ 0 pragma- tismo sio, no fundo, ticismo. A antitese deste é como vimos, 0 dogmatismo. Mas hé uma terccira posigio que transformaria a anti- tese numa sintese.” Esta posicio intermédia entre © dogmatism e © cepticismo chama-se crticismo (de xpiveey = examinar). © eriticismo partilha com © dogmatismo a confianga fundamental na razio humana, O criticismo esti convencido de que é possivel o conhecimento, de que hi uma verdade. Mas enquanto que esta confianga leva o dogma- tismo a aceitar despreocupadamente, por assim dizer, todas as afirmagies da. razio humana e a no reconhecer limites 20 poder do conhecimento humano, 0 criticismo, neste caso mais perto do cepticismo, junta 2 confianga no conhecimento humano, em geral, a desconfianga perante todo © conhecimento determinado. O criticismo examina todas as afirmagies da razio humana ¢ nio aceita nada despreocupadamente. Onde quet que seja pergunta pelos motivos © pede contas 4 razio ‘A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO 55 humana, © seu comportamento nio & dogmé- tico nem céptico, mas sim reflexivo e ctitico. um meio termo entre a temeridade dogmitica 0 desespero céptico. Existem sinais de criticismo onde quer que aparecam reflexes epistemoldgicas. Assim acontece na antiguidade com Pratio ¢ AnistOTELES € entre os esiéicos; na Idade Moderna, em Descartes ¢ Lepnrrz ¢ ainda mais em LOCKE ¢ Hume. O verdadeiro fundador do criticismo 4 sem diivida, Kant, cuja filosofia se chama pura c simplesmente por sso de conhecimento, Ao dar o primeizo pasto no conhecimento, daria como implica tal possbi- lidade. Mas a teoria do conhecimento nfo. pre- tende carecer de pressupostos neste sentido, Parte, pelo contririo, do pressuposto de que 0 conhe~ cimento é possivel. Partindo desta posigio entra num cxame critica das bases do conhecimento humano, dos seus pressupostos e condigdes.- mais gerais. Nisto_nio hi qualquer contradigio ¢ a feoria do conhecimento no sucumbe a objecgio de Hecet. 0 A ORIGEM DO CONHECIMENTO Se formulamos 0 juizo so sol aquece a pedra, fazémo-lo fandando-nos em determinadas percepcdes, ‘Vemos como 0 sol ilumina a pedra e comprovamos ao tocé-la que a aquece paulatinamente. Para formular este juizo apoiamo-nos, pois, nos dados dos nossos sentidos —a vista ¢ 0 tacto—ou, em suma, na experiéncia. ‘Mas 0 nosso jufzo apresenta um elemento que niio esti contido na experiéncia. O nosso julzo nio diz sdmente que o sol ilumina a pedra e que esta sc aquece mas também afirma que entre sates dois procesos existe uma relagio intima, uma relagio causal. A experiéncia revela-nos que um. proceso segue 0 outro. Nés acrescentamos aideia de que um processo resulta de outro, é causado Por outro, © juizo + sol aquece a pedray apre~ senta deste modo dois elementos, dos quais um procede da experiéncia © © outro do pensamento, Agora cabe perguntar: qual destes dois fictores € “decisivor “A consciéncia cognoscente apoia-se de preferéncia, ou mesmo exclusivamente, na expe- riéncia ou no pensamentoz De qual das duas fontes de conhecimento tira ela os seus contetidos? Onde reside a origem do conhecimento © TEORIA DO CONHECIMENTO ‘A questio da origem do conhecimento humano pode ter tanto um sentido psicolégico como um sentido Iégico. No primeiro caso diz-se: como tem lugar psicoldgicamente o conhecimento no sujeito pensante? No segundo caso: em que se funda a validade do conhecimento? Quais sto as suas bases Idgicase Estas duas questdes nfo tém sido separadas a maior parte das vezes na histéria da filosofia. Existe com efeito uma intima conexio cntre clas. A soluco da questio da vali dade supde uma concepcio psicolégica determi- nada, Quem, por exemplo, veja no pensamento humano, na fazio, a tmica base do conhecimento, cstari convencido’ da especificidade ¢ autonomia psicolégicas dos processos do pensamento. Inver samente, aquele que fundamente todo o conhe- cimento na experiéncia, negaré a autonomia do pensamento, inclusivamente no sentido psicol6- gico. 1. O racionalismo ‘A. posigio epistemolégica que vé no pensa- neon ps tb, Snr Settee! Se mento’ humano,’ chama-se racionalismo (de ratio = razio). Segundo cle, um conhecimento s6 merece na realidade este nome quando & ldgicamente necessirio ¢ universalmente vilido. Quando a nossa razio julga que uma coisa tem que ser assim € que nio pode ser de outro modo, que tem de ser assim, portanto, sempre ¢ em todas as partes, entio, © sé entio, nos encontramos ante um A ORIGEM DO CONHECIMENTO 6 verdadeiro conhecimento, na opiniio do raciona~ lismo, Um conhecimento desse tipo apresenta-se- nos, por exemplo, quando formulamos 0 juizo w todo € maior do que a parte, ou o juizo todos 0s corpos sio extensos», Em ambos os ‘casos vemos com evidéncia que tem de ser assim © que a razio se contradizia a si mesma se juisese sustentar 0 contririo, E porque tem je ser assim, & também sempre e cm todas 48 partes assim, Estes juizos possuem, pois, uma necessidade Igica © uma validade universal rigo- rosa, Pelo contritio, sucede uma coisa muito dife- rente com 0 juizo todos os corpos so pesados», ow no juizo ta agua ferve a 100 grause. Neste caso 6 podemos ajuizar que é assim, mas no que tem de ser assim. E perfeitamente concebivel que a gua ferva a uma temperatura inferior ou supe- rior; © também no significa uma contradicio interna representar-se um corpo que nfo possua peso, pois a nota do peso nio est4 contida no conceito do corpo. Estes juizos nio tém, pois, necessidade légica. E mesmo assim faltalhes a rigorosa validade universal. Podemos julgar tnica- mente que a égua ferve a 100 graus e que os corpos so pesados, até onde podemos comprové-l. Estes juizos 6 sio vilidos, pois, dentro de limites determinados. A razio disto 6 que, nestes juizos, encontramo-nos limitados & experigncia. Isto no acontece nos juizos primeiramente citados. Formu- lamos 0 julzo «todos os corpos si extensow representarido 0 conceito de corpo ¢ descobrindo o TERIA DO CONHECIMENTO nele a nota da extensio, Este juizo no se funda, pois, em qualquer experiéncia ‘mas sim no pensa~ mento. Daqui resulta, portanto, que os juizos findados mo pensamento, os juizos que procedem da razio, possuem necessidade légica ¢ validade universal; os outros, pelo contritio, no a possuem. Todo 0 verdadeiro conhecimento se funda deste modo —assim conelui 0 racionalismo —, no pensa- mento. Este é por conseguinte, a verdadcira fonte base do conhecimento humano. ‘Uma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo i interpretagio raciot lista do conhecimento. Nio é dificil dizer qual é: € 0 conhecimento matemético. Este é, com efcito, jum conhecimento predominantemente conceptual € dedutivo. Na geometria, por exemplo, todos os conhecimentos derivam de alguns conceitos axiomas supremos. © pensamento impera com absoluta independéncia de toda a experiencia, seguindo sSmente as suas proprias leis. ‘Todos os juizos que formula, distinguem-se, além_ disso, ppelas caracteristicas da necessidade I6gica e da vali- dade universal. Pois bem; quando se interpreta © concebe todo 0 conhecimento humano em relacio a esta forma de conhecimento, chega-se a0 racio~ nalismo. E sta, com feito, uma importante razio explicativa da origem do racionalismo, como veremos logo que considerarmos de perto a hist6~ tia do mesmo. Ela mostra que quase todos os representantes do racionalismo procedem da mate- mitica. ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO 6 A forma mais antiga do racionalismo encon- trase cm Pratio. Este esti convencido de que todo 0 verdadeiro saber se distingue pelas notas da necessidade Idgica e da validade universal. Pois bem; 0 mundo da experiéncia encontra-se em continua alteragio © mudanga. Por conseguinte, Xo pode procaranse um verhdsio saber. Como 65 cleiticos, Piario esti profundamente penetrado da ideia de que os sentidos nio podem nunca conduzir-nos a um verdadeiro saber. O que lhes devemos nfo € uma emrhun, mas uma 3ia; nio € um saber mas sim uma simples opiniio. Iie Beanie, a ake domen cope te possbilidade de’ conhecimento, tem que haver, além do mundo sensivel, outro supra-sensivel, do qual tire a nossa consciéncia cognoscente os ‘seus contetidos. Piarko chama a este mundo su ~sensivel 0 mundo das Ideias. Este mundo nio & simplesmente uma ordem Idgica, mas a0 mesmo tempo uma ordem metafisica, um reino de essén~ cias ideais, metafisicas. Este reino encontra-se, em primeiro lugar, em relacio com a realidade cmpi- Tica, As Ideias sio os modelos das coisas empiricas, as quais devem a sua maneira de set, a sua esséncia peculiar, A sua eparticipagiow nas ideias. ‘Mas o mundo das Ideias encontra-se, em segundo lugar, cm relagio com a conscitncia cognoscente. Nio sé as coisas mas também os conccitos por meio dos quais conhecemos coisas, sio cépia das Ideias, procedem do mundo das Kdcias. Mas como & isto possivel? PLatAo responde com a sua teoria da anamnésis. sta teoria diz que todo 6 ‘TEORIA DO CONHECIMENTO © conhecimento é uma reminiscéncia, A alma con- templou as Idcias numa existéncia pré-terrena e recorda-se delas na ocasifo da percepgio sensivel. Esta no tem, pois, a significagio de um funda- mento do conhecimento espiritual, mas sdmente a significagio de um estimulo. A medula deste racionalismo é a teoria da contemplagio das Ideias. Podemos chamar a esta forma de racionalismo racionalismo transcendente, ‘Uma forma um pouco diferente encontracse em PLorino ¢ SANTO Acostinno. O primeiro coloca 0 mundo das ideias no Nus césmico, ow seja Espirito do universo. As ideias ji nio sio um reino de esséncias existentes por simas a viva auto-manifestagio do Nus. O nosso espirito & uma cmanagio deste Espirito césmico. Entre ambos existe, por’ conseguinte, a mais intima conexio metafisica; e, por consequéncia, a hipétese de uma contemplasio pré-terrena das Ideias ¢ agora supérflua. © conhecimento tem lugar simples- mente recebendo 0 espirito humano as Ideias do Nis, otigem metafisica daquele. Esta rocepgio & caracterizada por PLOTINO como uma iluminagio. 4A parte racional da nossa alma é alimentada € iluminada continuadamente de cima. Esta ideia & recolhida © modificada no sentido cristio por Santo AcostinHo. © Deus pessoal do cristia~ nismo ocupa o lugar do Nus. As Tdeias conver- tem-se nas ideias criadoras de Deus. O conhe~ cimento tem lugar sendo 0 espitito humano iluminado por Deus. As verdades © 05 conceitos supremos sio irradiados por Deus para 0 noso ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO “ espirito, Mas deve observar-se que Santo Acos~ minno, sobretudo nas suas ltimas obras, reco- hece, junto a este saber fundado na iluminagio divina, outro campo do saber, cuja fonte & a experiencia. vida, esta & uma zona info rior do saber ¢ Santo Acoso é da opiniio que todo o saber, no sentido. proprio © rigoroso, procede da razio humana ou da iluminagio divina, ‘A medula deste racionalismo é, deste modo, a teoria da aminsi0 divin Podemos caracerzar com razio esta forma plotino-agostiniana do raciona~ Tae comet tacectiaae Jatin Tste racionalismo intensifica-se na Idade Moderna. Verifica-se no filsofo francés do século xn Mate- DRANCHE. A sua tese fundamental diz: Nous voyons toutes choses en Dieu. Por choses, entende MaAte- mnaNcut 2s coisas do mundo exterior. O filésofo italiano Gionertt renovou esta ideia no século xix. Segundo cle, nés conhecemos as coisas contem= plando imediatamente o absoluto na sua activi- dade criadora, Groserrt chama a0 seu sistema ontologismo, porque parte do Ser real absoluto. ‘A partir de entio aplica-se também esta deno- minagio a MALEBRANCHE © outras teorias afins, de modo que agora entende-se por ontologismo, em geral, a teoria da intuico racional do. abso~ luto como fonte ‘nica, ou pelo menos principal, do conhecimento humano. Esta concepgio repre~ senta igualmente um racionalismo teolégico. Para distingui-lo da forma de racionalismo anteriormente exposta ¢ caracterizé-lo como uma invensificagio da mesma, podemos chamar-lhe teagnosticismo, CI TEORIA DO CONHECIMENTO ‘Alcangou muito maior importincia na_Idade ‘Moderna uma outra forma de racionalismo. Encon- tramo-la no fundador da filosofia moderna, Des- CARTES, ¢ no scu continuador Luniz. E a teoria das ideias inatas (ideae inmatae), de que se desco- ‘brem ja 0s primeiros vestigios na dltima época do Pértico (Cicero) ¢ que havia de representar um papel tio importante na Idade Moderna. Segundo cla, sio-nos inatos certo némero de conceitos, justamente os mais importantes, 0s con- ceitos fundamentais do conhecimento. Estes con- ceitos no procedem da experiéncia, mas. repre- sentam um patriménio originitio da razio. Segundo Descarres, trata-se apace: mais a menos acabados, Lemenrrz opinigo que sé existem em nés em gérmen, potencialmente. Segundo cle, ha idcitas inatas enquanto é inata do noso espitito a faculdade de formar certos conceitos independentes da experiéncia, Lemntrz, completa © axioma escoléstico nihil est in intllectu quod pprius non fuerit in sensu com a importante adicio nisi intellectus ipse. Pode-se designar esta forma do tacionalismo com o nome de racionalismo jimanente, em oposisio a0 teolégico € ao transcen- dente. Uma Giltima forma de racionalismo apresenta-se- -nos no século xn, As formas citadas até aqui confundem 0 problema psicolégico e 0 légico. © que é vilido independentemente da _expe- rigncia nto pode, segundo clas, deixar de ter surgido também independentemente da experién- cia. Mas a forma de racionalismo a que nos estamos A ORIGEM DO CONHECIMENTO Co 4 referir distingue, pelo contririo, rigorosamente 4 questio da origem psicolégica ec a do valor Iogico e limitase estritamente a investigar o fandamento deste Gltimo. Encontra-o com 2 ajuda da ideia da wonscifncia em gerals. Esta é tio distinta da consciéncia concreta ¢ individual, a que © racionalismo moderno atribui as ideias’ inatas, como do sujeito absolute, de que 0 raciona~ lismo antigo’ deriva os conteiidos do conheci- mento. E qualquer coisa de puramente légico, uma abstraccio, e no significa mais do que o conjunto dos pressupostos ou princfpios supremos. do ‘couhecimento. O pensamento continua sendo, pois, a nica fonte do conhecimento. © con tetido total do conhccimento humano deduz-se desses principios supremos de forma rigorosamente légica. Os conteiidos da experiéncia nio dio qualquer ponto de apoio a0 sujcito pensante para a sua actividade conceptual. Assemelham-se mais a0 x das questées matemiticas; sio as gran- dezas que se trata de determinar, Pode caracte- rizar-se esta forma de racionalismo como um racio nalismo Iégico, no sentido estrito, O mérito do racionalismo consiste em ter visto € feito sobressair com energia 0 significado do factor racional no conhecimento humano, Mas & exclusivista a0 fazer do pensamento a fonte énica ‘ou prépria do conhecimento. Como vimos, isto har- ‘moniza-sc com o seu ideal de conhecimento, segundo © qual todo o verdadciro conhecimento possui necessidade légica ¢ validade universal. Mas justa- mente este ideal é exclusivista, pois & tirado « TEORIA DO CONHECIMENTO de uma forma determinada do conhecimento, do conhecimento matemitico. Outro defcito do racio- nalismo (com excepsio da forma tltimamente citada) consiste em respirar 0 espirito do dogma- tismo, Julga poder penetrar na esfera metafisica pelo ciminho do pensamento puramente con- ceptual. Deriva de principios formais, proposi- ges materiais; deduz, de meros conceitos, conhe- Gimentos. (Pense-se na intengio de derivar do conceito de Deus a sua existéncia; ou de definir, partindo do conceito de substincia, a esséncia da alma). Justamente este espirito dogmatico do racio- nalismo provocou mais do que uma vez 0 seu antipoda, o empirismo. 2. © empirismo © empirismo (de duneiplx = experiéncia) opde a tese do racionalismo (egundo a qual 0 pensa- mento, a razio, ¢ a verdadeira fonte de conhe~ cimento), a antitese que diz: a tnica fonte do conhecimento humano é a experiéncia. Na opi- niio do empirismo, nio hé qualquer patriménio a priori da razio. A. consciéncin cognoscente mio tira os seus conte(idos da razio; tira-os excli- sivamente da experiéncia, O espirito humano esti por natureza vazio; & uma tdbua rasa, wma folhaem bratico onde a experiéncia escreve. Todos 665 nossos_conccitos, incluindo os mais gerais e abstractos, procnJem da experiéncia, ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO ® Enguanto que o racionalismo se deixa_levar por uma ideia detcrminada, por uma ideia de conhecimento, o empirismo parte dos factos con- cxetos, Para justificar a sua posicio, recorre 3 evolu- go do pensamento ¢ do conhecimento humanos. Esta evolugio prova, na opiniio do empirismo, a alta importincia da experiéncia na produgio do. conhecimento. A crianga comeca por ter percepges conerctas. Com ‘base nessas percep- bes chega, paulatinamente, a formar representagdes getais e conceitos. Estes nascem, por conseguinte, orginicamente da experiéncia. Nao se encontra nada semelhante a esses conceitos que existem completos no espirito ou se formam com total independéncia da experigncia. A experiéncia apre- senta-se, pois, como a dnica fonte do conheci- mento, Enquanto que os racionalisas procedem da matemitica a maior parte das vezes, a historia do empirismo revela que os scus defensores pro- cedem quase sempre das ciéncias naturais. Isto é compreensivel. Nas ciéncias naturais a experiéncia representa 0 papel decisivo. Nelas trata-se sobre- tudo de comprovar exactamente os factos mediante uma cuidadosa observagio. O- investigador estd completamente entregue expetiéncia. _E muito natural que quem trabalha de preferéncia ow exclu- sivamente com este método das cigncias naturas, tenha tendéncia para de antemio colocar o factor empirico sobre © racional. Enquanto que o filé= sofo de orientagio matemitica chega_ficilmente a considerar 0 pensamento como a fonte nica 70 TTEORIA DO CONHECIMENTO do conhecimento, 0 filésofo que vem das cién- ias _naturais tenders para considerar a expe- riéncia como fonte ¢ base de todo o conhecimento humano, E uso distinguirse uma dupla _experiéncia: a interna e a externa. Aquela consiste na per- cepsio, de si proprio, eta'na pereepeio dos sea tidos. Hi uma forma de empirismo que s6 admite esta tltima, Esta forma de empirismo chama-se sensualismo (de sensus = sentido). Jé na antiguidade encontramos ideias empi- ristas. Encontram-se, primeiro, nos sofistas ¢, mais tarde, especialmente entre’ os est6icos ¢ 0s epicutistas. Nos est6icos encontramos pela pri- meira vez a comparagio da alma com uma tébua por escrever, imagem que desde entio se repete continuamente. Mas o desenvolvimento sistemé- tico do empirismo é obra da Idade Moderna, ¢ em especial da filosofia inglesa dos séculos xvi ¢ xvi. O seu verdadeiro fundador é Joun Locke (1632-1704). Locke combate com toda a deci- Sio a teoria das ideias inatas. A alma é um «papel em branco», que a experiéncia cobre pouco a pouco com os tracos da sua cscrita. H4 uma experiéncia externa ‘(sensagdo) ¢ uma experiéncia interna (reflexto). Os conteédos da experiéncia sio idcias ou representagdes, umas vezes. simples © outras complexas. Estas "Gltimas compdem-se de idcias simples. As qualidades sensiveis primérias ¢ secundérias pertencem a estas idcias simples, Uma ideia_complexa é, por exemplo, a ideia de coisa ‘ou de substincia, que & 0 conjunto das propric- A ORIGEM DO CONHECIMENTO n dades sensiveis de uma coisa. O to no agrega um novo clemento, pois limita-se a unit uns com os outros os diferentes dados da expe- riéncia. Por isso ¢ que nio existe nada nos nossos conceitos que nfo proceda da experiéncia intema ou extema. Na questio da origem psicolégica do conhecimento, Locke adopta, por conseguinte, uma posigio rigorosamente empirista. Outra coisa fa quemo do valor ligic. ‘Se bem que todos os contetidos do conhecimento procedam da expe- riéncia —ensina Locks —, 0 seu valor I6gico nfo se limita de modo algum 2 experifncia. Hi, pelo contrétio, verdades’ que sio completamente independentes da experiéncia ¢, portanto, univer~ salmente validas. A clas pertencem, antes'de tudo, as verdades da matemética. O fandamento da sua validade nio reside na experiéncia mas sim no pensamento. LocKE infringe, pois, o prin- cpio cmpirista, admitindo verdades a priori. © empirismo de Locks foi desenvolvido por Davip Hume (1711-1776). Hume divide as sideias (perceptions) de Locke em impressies ¢_ ideias. Por impressdes cle entende as vivas sensagdes que temos quando vemos, ouvimos, tocamos, etc.. Hi, pois, impresses da sensagio e da reflexio, Por ideias, ele entende as representagdes da_meméria e da fantasia, menos vivas do que as impresses © que surgem cm nés bascadas nestas. Pois bem; Hume baseia-se neste principio: todas as idcias procedem das impresses e nio sto nada mais do ine cépias destas impresses. Este principio serve She de critsio para apreciar a validade objectiva n TEORIA DO CONHECIMENTO das ideias. mister poder assinalar a cada ideia a impressio correspondente. Dito de outra mancira: todos os nossos conceitos tém de poder reduzir-se a qualquer coisa dada intuitivamente, 56 entio cles estio justificados. Isto conduz Hume a aban- donar 0s “conceitos de substincia e de cau dade. Em ambos deixa de fora a base intuitiva, a impressio correspondente. Deste modo, também dle defende principio fandamental do empic rismo, segundo © qual a consciéncia cognoscente tira os seus contedidos, sem excepcio, da expe- riéncia. Mas, assim como Locke, também HUME reconhece na esfera matemitica um conhecimento vilido. Todos os conccitos deste conhecimento procedem também da experiéncia, mas as rela Ges existentes entre eles sio vilidas indepen- dentemente de toda a experiéncia. As proposigdes que expressam estas relagies, como por exem- plo o teorema de Pitégoras, «podem ser desco- bertas pela pura actividade do pensamento, ¢ no dependem de coisa alguma existente no mundo. Ainda que nio tivesse existide nunca um triin- gulo, as verdades demonstradas por Eucupes conservariam sempre a sua certeza e evidén- cia, Um contemporineo de Hume, o fil6sofo francés Conpmac (1715-1780), transformou o cmpirismo no sensualismo, Conpitzac critica Locke por ter admitido uma dupla fonte de conhecimento; a expe- tiéncia externa ¢ a experiéneia interna. A’sua tese defende, pelo conteitio, que sé hi uma fonte de conhecimento: a sensagio. A alma s6 tem origi- ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO 2 ndciamente uma ficuldade: a de expetimentar senso feo. ‘Todas as ontras tafram. desta. © pensemento ‘fo & mais do que uma ficuldade apurada de experi- mentar sensagdes. Deste modo fica instituido um rigoroso seasualismo, No século x1x encontramos o empirismo no filésofo inglés Joun Sruant Mux (1806-1873). Este tltrapassa ‘Locks e Hume, reduzindo também o conhecimento matemdtico 4 experiéncia, como tinica base do conhecimento, Ngo bi proposicbes a prior, vilidas independentemente da experiéncia. Até as leis Iogicas do pensamento ttm a base da sua vali- dade na experiéncia. ‘Também chs nfo so mais do que generalizacdes da experitncia pasada Assim como os racionalistas tendem para um dogmatism metaflico, os cmpiristas tendem para tan cptitine metifaoo, oor tem uma te imediata com a esséncia do empitismo. Se todos os contetdes do conhecimento procedem da expe- rigncia, 0 conhecimento humano fica encerrado de anetiio dentro dos Hmits do mundo empltico, ‘A supeagdo da oxperiincia, 0 conhecmento do supra-sensivel, é uma coisa impossivel, Compreen- de-se, pois, a atitude céptica dos empirstas perante todas af especulagies metafisics, (© significado do empirismo para a histéria do problama do conkecment> comine em ter twtinlado. com casgi a impondinda da. expe- ritncia perante o desdém do racionalismo por este factor do conhecimento, Mas o empitismo fubstital um extremo pelo outro, fizmdo da experiéncia a tinica fonte do conhecimento. Pois ™ TTEORIA DO CONHECIMENTO bem; isto no pode fazer-se, como o reconhe- cem’ indirectamente os préptios chefes do empi- rismo, Locke e Hume, ao aceitarem um saber independente de toda a experiéncia junto 20 saber fimdado nesta. Com isto fica abandonado, em principio, 0 empirismo. Pois o decisivo nio ¢ a questio da origem psicolégica do conhecimento, mas sim a do seu valor Iégico. 3. 0 intelectualismo © racionalismo © 0 empirismo sio antagé- nicos. Mas onde existem antagonistas, nao fits, geralmente, quem tente entre cles a mediacZo, Um destes intentos de mediacio entre 0 racio- nalismo ¢ 0 empirismo ¢ a direccio epistemolé- ggica que pode denominar-se intelectualismo, Enquanto que © racionalismo considera 0 pensamento como a fonte ¢ a base do conhecimento © 0 empizismo a experiéncia, 0 intelectualismo & da opiniio que ambos os factores tomam parte na produgio do conhecimento. O intelectualismo sustenta com o racionalismo que hi juizos ldgicamente necessi- rios € universalmente vélidos, e nio apenas sobre 15 objectos ideais — isto & também admitido pelos princi representantes do empirismo —, mas tam- xém sobre os objectos reais. Mas enguanto que © tacionalismo considerava os elementos destes jufzos, 08 conceitos, como um patriménio a priori ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO da nosa razio, 0 intelectualismo deriva-os da experiéncia, Como indica 0 seu nome (intelli- sgere, de intus legere = ler no interior), a consciéncia Cognoscente 1é na experiéncia, tira’ os seus con- ceitos da experiéncia. O seu axioma fundamental € a frase ji citada: mihi est intellectu quod prius non fuerit in sensu. E certo que também o empirismo ‘invocou repetidamente este axioma. Mas, para le, significa alguma coisa completamente dis- tinta. O empirismo quer dizer com ele que no intelecto, no pensamento, no existe nada dis- tinto dos dados da experiéncia, nada novo. Mas © intelectualismo afirma justamente © contritio, Além das representagdes “intuitivas sensiveis hi, segundo cle, 0s conccitos. Estes, enquanto con tetidos da consciéncia no intuitivos, sio cs cialmente distintos daquelas, mas estio numa relagio genética com clas, supondo que se obtém dos con- tedidos da experiéncia. Deste modo, a experiéncia € 0 pensamento formam justamente a base do conhe- eimento mano, Este ponto de vista epistemol6gico tinha ja sido desenvolvido na andguidade. "©. seu fine dador & Anstéreuss. O racionalismo ¢ 0 empi~ rismo sintetizam-se de certo modo nele. Como iscipulo de PLarko, AnistéreLes encontra-se sob a influgneia do racionalismo. Como naturalista, inclina-se, pelo contririo, para empirismo. Desta mancira, sentiu-se fatalmente impelido a tentar uma sintese do racionalismo e do empirismo, que Tevou a cabo da seguinte maneira: Segundo 4 sua tendéncia empirista, coloca 0 mundo platénico % ‘THORIA DO CONHECIMENTO das Ideias dentro da realidade empirica, As Ideias jf nfo formam um mundo que flutua livremente; }6 no se encontram por cima, mas dentro das coisas cconcretas. AS Ideias sio as formas essenciais das coisas. Representam o nticleo essencial ¢ racional da coisa, micleo que as propriedades empiticas encobrem como um véu. Partindo deste prin- cipio metafisico, procura AnisTérELES resolver o problema do conhecimento, Se as Tdeias se encon- tram inclufdas nas coisas empiricas, jé nfo tem razio de ser uma contemplacio pré-tettena daque- Jas, no sentido platénico. A. experiéncia alcanca, pelo contririo, uma importincia fundamental. Con- verte-se na base de todo o conhecimento. Por meio dos sentidos obtemos imagens perceptivas dos objectos concretos. Nestas imagens _sensiveis encontra-se incluida a esséncia geral, a idcia da coisa. $6 é preciso extraf-la. Isto tem lugar por obra de uma faculdade especial da razio humana, © woe motyruts, 0 entendimento real ou activo. Anisréretss diz’ dele que «trabalha como a luz». Tumina, toma de certo modo transparentes as imagens sensiveis, de modo que ilumina no fundo delas a esséncia geral, a ideia da coisa. Esta é recebida logo por vis mxdyruxic, 0 entendimento virtual ou passivo, e assim se realiza o conheci- mento. Esta tcoria foi desenvolvida na Idade Média por Sio Tomés pg Aquino. A tese fundamental este diz: cagnitio intellects nostri tota derivatur a sensu, Comegamos recebendo das coisas concre- tas imagens sensfveis, species sensbiles, O intellectus A ORIGEM DO CONHECIMENTO n agens extrai delas as imagens essenciais gerais, as species intelligibiles. O- intellects. possibilis recebe em si estas ¢ julga assim sobre as coisas. Dos con~ ceitos essenciais assim formados obtém-se logo, por meio de outras operagdes do pensamento, 6s conccitos supremos ¢ mais gerais, como os que estio contidos nas leis légicas do pensa~ mento (por exemplo, os conceitos de sere de nfo ser, que figuram no principio de contra~ digio). Também os principios supremos do conhe~ cimento se radicam, pois, em tltima anélise, na experineia; representam relagées que existem entre conceitos procedentes da experiéncia. S40 TPostle dedam, Rnalaeans sepiiods Axantoase: Cognitio principionum provenit nobis ex sensu 4. 0 apriorismo ‘A hist6ria da filosofia apresenta_uma segunda tentativa de mediacio entre 0 racionalismo e 0 empirismo: 0 apriorisme. Também este considera a experigncia € 0 pensamento como fontes do conhecimento. Mas o apriorismo define a relagio entre a experiéncia e o pensamento num sentido directamente oposto ao intelectualismo. Como o proprio nome do apriorismo indica, 0 nosso conhecimento apresenta, no sentido desta corrente, elementos « priori, independentes da experiéncia. Esta cra também a opiniio do racionalismo. Mas enquanto que este considerava os factores a priori 8 TEORIA DO CONHECIMENTO como completos, como conceitos perfeitos, O apriorismo estes fctores +40 de nacureza fortaal Nao so contedidos mas formas do conhecimento, Estas formas recebem o seu conteido da expe- rigncia e & nisto que 0 apriorismo se afasta do racionalismo ¢ se aproxima do empirismo. Os factores a priori assemelham-se, em certo sentido, a recipientes vazios, que a experiéncia enche com contetidos coneretos. O principio do aprio- tismo diz: «Os conccitos sem as intuigdes sio vazios, as intuigBes sem os conceitos sio cegas». Este principio parece 4 primeira vista coincidir com o axioma fundamental do intelectualismo aristotélico-escolistico. E, com efeito, ambos con cordam em admitir um factor racional ¢ um factor empitico no conhecimento humano. Mas, por outro lado, definem a relago miitua de ambos 08 factores num sentido totalmente distinto, O inte~ lectualismo deriva © factor racional do empirico; todos 0s conceitos procedem, segundo cle, da experigncia, O apriorismo nega, do modo ‘mais categético, semelhante derivagio. O factor a priori no procede, segundo cle, da experigncia” mas sim do pensamento, da razio. Esta imprime de certo modo as formas « priori na matéria empirica € constitui assim os objectos do conhecimento. No apriorismo, 0 pensamento nio se conduz eceptiva e passivamente perante a experiéncia, como no intelectualismo, mas sim espontines € activamente, © fundador deste apriorismo foi Kant. Toda a sua filosofia esti dominada pela intengio de ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO ” mediar entre o racionalismo de Lumnnz e Worrr € 0 empirismo de Locke ¢ Hume, Asim actua declarando que a matéria do conhecimento pro- cede da experigncia © que a forma procede do pensamento. Por matéria entendem-se as sensa- ses. Estas carecem de toda a regra e ordem ¢ representam um verdadeiro caos, O nosso pen- famento ctia a ordem neite aos, cnlapando-as uumas com as outras relacionando entre si os contetidos das sensagées. Isto verificase mediante as formas da intuigio ¢ do pensamento, As formas da intuigio sio 0 espago © 0 tempo. A consciéncia cognoscente comega por introduzit a ordem no tumulto das sensagées, ordenando-as no espaco no tempo, numa justaposigio © numa sucessio, Introduz logo uma nova conexio entre 0s con- tetidos da percepgio com a ajuda das formas do pensamento que, segundo Kant, sio doze. Enlaca, por exemplo, dois conteddos ‘da percepgio por intermédio da forma intelectual (categoria) da causa~ lidade, considerando um como causa ¢ 0 outro como efeito, cestabelecendo assim entre cles uma relagio causal. Deste modo edifica a consciéncia cognoscente 0 mundo dos scus objectos. Como se viu jé, cla toma as rédeas da experiencia, Mas o modo ¢ a maneita de erigit © edificio, a estrutura completa da construgio, esti. deter- minada pelas cis imanentes ao pensimento, pelas formas e pelas fancies a priori da consciéncia Se colocamos o intelectualismo ¢ 0 aprio~ rismo em relagio com as duas posig&es antagénicas centre as quais pretendem mediar, descobrimos 0 TEORIA DO CONHECIMENTO Jogo que 0 intelectualismo se aproxima do empi- rismo; © apriorismo, pelo contririo, aproxima-s do racionalismo. © intclectuaismo deriva os con ceitos da experiéncia, enquanto que o apriorismo nega esta derivacio c firma 0 factor racional nfo na experiéncia mas sim na razio. 5. Critica e posigio prépria Para completar as observagdes criticas feitas 20 expor 0 racionalismo © o empirismo, para tomar em principio uma posicio entre ambas as correntes, temos de separar ‘rigorosamente 0 problema psicolfgico e 0 problema Iggico. Prin- ipiemos por atender ao primeiro considerando © racionalismo © 0 empirismo como duas respos- tas A questo. da origem psicoligica do. conheci- mento humano. E, entio, ambos ream flix ) empirismo, que deriva da experiénci 7 teédo oral do ‘couhscimenso ¢ que ro conhoos portanto, conteddos de consciéncia intuitivos, é Tefutado’ pelos resultados da moderna psicologia do pensamento. Esta, com efeito, demonstrou que além dos contetdos da consciéncia intuitivos ¢ sensiveis ha outros no intuitivos e intelectuais. Provou que os conte‘idos do pensamento, os con- ceitos, io algo especificamente distinto das per- cepgies e das representacées: so. um tipo especial de conteddos da conscincia. Demonstrou, -além disso, que até nas mais simples percepgdes esti ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO a contido um pensamento; que, portanto, nio sé a experiéncia mas também 0 pensamento tem parte na sua producio, Com isto fica climinado © empirismo (apreciado psicoldgicamente). | Mas também 0 racionalismo nio resiste 4 psicologia. Esta no sabe nada de conceitos inatos, nem tio poucos de conceitos dimanados de fontes trans- Eendentes. A psicologia demonstra, pelo contrario, gue a formagio dos nossos conceitos sofre a influéncia da experiéncia; que, por conseguinte, na génese dos nossos conceitos tem lugar, nio s6 0 pensa~ ‘mento, mas também a experiéncia. Por isso, quando © racionalismo fiz derivar tudo do pensamento fe 0 empirismo tudo da expetiéncia, deve recor~ fer-se aos resultados da psicologia, que demonstrou que cthecimento hhumano’ € um cruzamento ie conteddos de consciéncia intuitivos ¢ nfo intui- tivos; um produto do factor racional e do factor cempirico. Se considerarmos agora o racionalismo € 0 empirismo sob 0 ponto de vista do problema Tico e virmos neles duas solugdes para a questio da validade do conhecimento humano, chegamos a um resultado semelhante. Também agora nfo poderemos dar razo nem 20 tacionalismo nem To empirismo. Devemos fazer, pelo contritio, tuma distingio entre o conhecimento proprio das ciéncias ideais ¢ 0 que & proprio das ciéncias reais, JA a histéria destas duas posicdes _nos conduz” a esta distingio. Vimos, com feito, gue os acionalistas procediam, a maior parte Gos veres, da matemética, uma’ ciéncia ideal; os 2 ‘TERIA DO CONHECIMENTO empiristas, pelo contririo, provinham das cién- cias naturais, ciéncias reais. Uns e outros teriam também inteira razio se limitassem as suas teorias epistemolégicas aquela esfera de conhecimento que tém 3 vista. Quando o tacionalista ensina que © nosso conhecimento tem a base da sua validade na razio, que a validade dos nossos juizos funda-se no pensamento, o que ensina est4’ absolutamente certo, tratando-se das ciéncias ideais. Quando con- sideramos, por exemplo, uma proposicio légica (verbi gratia © principio ‘da contradigo) ou mate- mitica (verbi gratia a proposicio « todo é maior do que a parte), no necessitamos de perguntar nada i experiéncia para conhecer a sua verdade. Basta comparar entre si os conceitos contidos alas para ver com evidénca 2 verdade devas roposigoes. Estas iigdes so, pois, vili- Ter com ‘completa "indepeniénca ‘dat expecta cia, ou a priori, como diz a expressio técnica. Lutanrrz chama-thes vériés de raison, verdades de ratio. ‘© caso tem aspecto muito diferente na esfera das citncias reais, das ciéncias da natureza e do espi- tito. Dentro desta esfera é valida, com efeito, a tese do empirismo; 0 nosso conhecimento descansa na experiéncia, os nossos juizos tém na experigneia a base da’ sua validade. ‘Tomemos, por exemplo, 0 juizo a Agua ferve a 100 graus+ ou o juizo Kant nasceu no ano de 1724. © pensamento puro no pode dizer nada sobre se estes juizos sio ou nio verdadeiros. Estes jjuizos assentam na experiéncia. Nio sto vili- ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO 8 dos a priori, mas sim a posteriori. Sto, para dizer como Luntz, vérités de fait, verdades de facto, Se considerarmos, por ltimo, as duas posi es intermédias, teremos de julgar’ que se ajustam aos factos psicolégicos. Estes mostram, como vimos, que na produgio do conhecimento tomam atte tanto a experiéncia como a razio. Mas esta & justamente a doutrina do intelectualismo ¢ do apriorismo. © nosso conhecimento tem, segundo ambas, um factor racional ¢ um factor empiico. Mais dificil € tomar posigio perante ambas as teorias segundo o ponto de vista do problema ligico. As duas sio neste ponto de opiniio que nio 36 hd jufzos de rigorosa necessidade légica € validade universal sobre os objectos ideais, mas também sobre os reais. Nisto, estio de acordo com o racionalismo. Mas o fundamento é em ambos os casos completamente distinto. O racio- nalismo necessita de apoiar a validade real dos juizos referentes a objectos reais, admitindo uma espécie de harmonia pré-estabelecida entre as ideias jinatas ou dimanadas do transcendente ¢ a reali- dade. intelectualismo consegue resolver este problema mais ficilmente, pois coloca a reali- dade empirica em intima relagio genética com a conscigncia cognoscente, fazendo com que os conceitos se obtenham do material empirico. E ver dade que também o intelectualismo apresenta neste ponto uma hipétese metafisica, que consiste em supor que a realidade apresenta uma estrutura 8 ‘TTEORIA DO CONHECIMENTO racional; que em todas as coisas esti escondido, de certo modo, um niicleo essencial ¢ racional, nticleo gue no acto do conhecimento emigr, por asim izer, para a. consciéncia. Falemos de outra hipstese metafisica, que reside na teoria do intellects agens. Este tltimo € uma construcio metafisca, determinada pelo esquema da poténcia e do acto, que domina toda a meta- fisica aristotélico-tomista; mas esta construglo no tem qualquer apoio nos dados psicoldgicos do conhe- cimento. O apriorismo evita ambas as dificuldades. Nem faz aquela suposigio metafisico-cosmo nem realiza esta construgio metafisico-psicolégica. Mas, com isto no se provou ainda que a sua teoria seja exacta. A esta questio s6 poder respon- der-se quando estiver resolvido 0 verdadeiro pro- blema central da teoria do conhecimento, o problema da essincia do conhecimento. Sem ‘divida que poderemos dar jé razio a0 apriorismo no sentido de que também o conhecimento proprio das ciéncias reais apresenta factores a priori. Nao se trata de proposigdes ldgicamente necessirias, das que podiamos apontar na légica ¢ na matemi- tica; mas sim de principios muito gerais, que cons- tituem a base de todo © conhecimento cientifico A priori no significa neste caso 0 que & ldgica~ mente necessirio; mas sdmente 0 que torna possivel a experiéneia, isto & © conhecimento da reali- dade empirica ou 0 conhecimento prdprio das citncias reais. Um destes principios gerais de todo 0 conhecimento préprio das ciéncias reais ¢, por exemplo, o prindpio da causalidade, Este prin~ ‘A ORIGEM DO CONHECIMENTO 5 dipio diz que todo © proceso tem uma causa, ido desta suposicio podemos chegar a obter recimentos na csfera das ciéncias reais. Seria impossivel, por exemplo, estabelecer leis gerais nas cigncias da natureza se nfo supusessemos que na natureza reinam a regularidade, a ordem ¢ a conexio. Encontramo-nos neste ponto com uma sondigio da experiéncia possivels, para falar como Kant. mw A ESSENCIA DO CONHECIMENTO © cconhecimento representa uma relacio entre ‘um sujeito ¢ um objecto. O verdadeiro problema do conhecimento consiste, portanto, no problema da relacio entre 0 sujeito € 0 objecto. Vimos jé que o conhccimento apresenta-se 3 consciéncia natural como uma determinagio do sujeito pelo ‘objecto. Mas serd justa esta concepcio? Nao deveriamos antes falar, inversamente, de uma deter- minacio do objecto pelo sujeito no conhecimento? Qual € © factor determinante no conhecimento humano? Tem este o seu centro de gravidade no sujeito ou no objectoz Pode-se responder a estas questies sem dizer nada sobre o caricter ontolégico do sujeito © do objecto. Neste caso encontramo-nos perante uma solugio pré-metfisia do problema, Esta solugio pode resultar favorivel tanto ao objecto como 20 sujeito. No primeizo caso tem-se 0 objectivismo; no lo caso, 0 subjectivismo, Mas note-se cata iltima expresso significa uma coisa comp tamente diferente do que até aqui. Se se faz intervir na questio 0 carfcter onto- égico do objecto, € possivel dar-se uma dupla 88 TTEORIA DO CONHECIMENTO solugdo. Ou se admite que todos os objectos possuem um ser ideal, mental —esta é a tese do ideaismo —, ou se afitma que além dos objectos ideas hé objectos reais, independentes do pensa- mento. Esta dltima ¢ a tese do realismo. Dentro destas duas concepgies fundamentais, sio possiveis, por sua vez, distintas posicdes. Finalmente, pode reolverse o problema do sujeito © do. objecto remontando-se a0 diltimo Principio das coisas, a0 absoluto, e definindo a partir dele a relagio do pensamento ¢ do ser. Neste caso tem-se uma solugio teolégica do pro- blema. Esta solugio pode dar-se tanto num sentido monista ¢ panteista como num sentido dualista ¢ tefsta. 1. SolugSes pré-metafisicas 2) 0 objectiviame Segundo o objectivismo, 0 objecto & o elemento decisivo entre of dois membros da relagio cogni- tiva, © objeto determina o sujeito. Este tem de reger-se por aquele. O sujcito toma sobre si, Ge certo modo. as propriedades do abject, repro” duzindo-as. Isto supde que o objecto. enfienta como algo f scabalo, also jf defnido, 3 com ciéncia cognoscente. E nisto que reside justamente a idcia central do objectivismo. Segundo cle, os objector tio slgo. dado, algo que’ represents uma ctrutura totalmente definida, ‘estrutura que ‘A ESSENCIA DO CONHECIMENTO % & reconstruida, digamos assim, pela consciéncia cognoscente. Piarko foi o primeiro que defendeu o objecti- vismo no sentido que acabamos de descrever. ‘A sua teoria das Ideias & a primeira formulagio inden th Kets, Seadaonenoal: do objecctinao, "A ideias so, segundo Ptatio, realidades objectivas Formam uma ordem substantiva, um reino objective. © mundo sensivel tem em frente o supra-sensivel. E assim como descobrimos os objectos do primeiro na intuicio sensivel, na percepcio, descobrimos os objectos do segundo numa intuigio no sensivel: a intuigio das Ideias, 7 © pensamento bisico da teoria platénica Mites Sostes ej 5a. fonecacerdagie Cancale. pot Epmunpo Hussert. Como Pratio, Hussert dis- tingue também rigorosamente a intuigio sensivel da intuigio no sensivel. Aquela tem por objecto as coisas concretas, individuais; esta, pelo contritio, as esséncias gerais das coisas. © que Prarko denomina ideia chama-se em Husserr esséncia. E assim como as idcias repre~ sentam em Prarko um mundo existente por si, as esséncias quidditates formam em Huser. uma csfera propria, um reino independente, O acesso a este reino reside, repetimos, numa intui¢io nio sensivel. Se esta foi catacterizada por PLaTA0 como a intuiglo das ideias, é designada por Hussar, como uma «intuigio das essénciass, Hussext emprega também 0 termo «ideagior, que faz ressatar mais claramente ainda 0 parentesco com a teoria platé~ 90 'TEORIA DO CONHECIMENTO A coincidéncia entre a teoria platénica das ideias © a teoria de Hussam 36 se refere, porém, ao pensamento fundamental, e no a0 desenvol- vimento particular deste. Enquanto Hussent. se detém no reino das csséncias ideais ¢ 0 considera como alvo iltimo, PLatio avanga até atribuir uma realidade metafisica a estas esséncias, O caracte- ristico da teoria platSnica das Ideias esti em definir as ideias como. realidades supra-sensiveis, como entidades metafisicas, Hussen. distinguese tam- bém de Pratio na substituigo da mitolégica contemplagio das ideias, que ‘supde a pré-exis- téncia da alma, pela intuicio das esséncias depen dentes do fenémeno concreto, apoiando-se no qual se realiza, Nisto hi uma certa aproximagio com a teoria aristotélica do conhecimento. © objectivismo fenomenolégico alia-se em Hussert com o idealismo epistemolégico. HussERt nega, com efeito, o carécter de realidade aos sustentéculos concretos das esséncias quidditates. © objecto, por exemplo, que sustenta a esséncia evermelho», no possui_um ser real, independente do pensamento; em Scueter, pelo contririo, o objectivismo fenomenolégico alia-te com o realismo epistemolégico. Isto prova que a solugio objecti- vista € uma solugio pré-metafisica. A ESSBNCIA DO CONHECIMENTO 0 1) © subjectivismo Para_o objectivismo, © centro de gravidade do conhecimento reside no objecto; reino objective das Ideias ou esséncias ¢, por assim dizer, o funda- mento sobre que assenta 0 edificio do conhecimento. O subjectivismo, pelo contririo, procura fundamen- tar 0 conhecimento humano no sujeito. Para isso, coloca 0 mundo das Ideias, o conjunto’ dos princi pios do conhecimento, no sujeito. Este apresenta-se como © ponto de que depende, por assim dizer, a verdade do conhecimento humano. Mas tenha-se ‘em conta que com o sujeito nio se pretende significar © sujeito eee individual, dotpensinaits, mas sim um sujeito superior, transcendente. ‘Uma passagem do objectivismo para 0 subjecti- vismo, no sentido que acabamos de descrever, teve lugar quando Santo Acosinno, seguindo © precedente de Protino, colocou o mundo flutuante das Ideias platénicas no Espirito divino, fazendo das esséncias ideais, existentes por si, con~ teidos légicos da razio divina, pensamento. de Deus. Desde entio a verdade jé nfo esté fundada num reino de realidades supra-scnsiveis, num mundo spiritual objective, mas numa conscifncia, num sujeito. O peculiar do conhecimento jé no con- siste em enfrentar-se com um mundo objectivo, mas em voltar-se para aquele sujeito supremo. Dele, e no do objecto, recebe a consciéncia cognos~ cente 0s seus contetidos. Por meio destes supremos contetidos, destes princfpios e conccitos gerais, oy ‘TTEORIA DO CONHECIMENTO levanta a razio 0 edificio do conhecimento. Este acha-se fundado, por conseguinte, no absoluto, em Deus. Também encontramos a ideia central desta concepeio na filosofia moderna. Desta vez, porém, nio é na fenomenologia mas. justamente no seu antipoda, o neokantismo, onde encontramos a dita concepgio. A escola de Marburgo é, mais coneretamente, quem defende este subjectivismo, A idcia central do subjectivismo apresenta-se aqui despojnda de todos os acsrios “metafisios e psicolégicos. O sujeito, em quem o conhecimento aparece fundado, em ‘ltima andlise, nio é um sujeito metafisico, mas puramente légico. E caracte- rizado, como jé vimos, por uma sconsciéncia em geralr . Com isto pretende-se significar 0 con- junto das leis e dos conceitos supremos do nosso ‘conhecimento. Estes sio os meios por meio dos quais a consciéncia cognoscente define os objectos. Esta definigio € conecbida como uma produgio do objecto. Nao hi objectos independentes da consciéncia, pois todos os objectos si0 parte desta, produtos do pensamento, Enquanto que em SANTO Acostmsnio corresponde algo real, um objecto, a0 produto do conhecimento, obtido segundo aS normas ¢ conceitos supremos, numa_palavra, ao conceito, segundo a teoria da escola de Marburgo, coincidem ‘0 conceito ¢ a realidade, 0 pensi- mento eo ser. Segundo cla, s6 hi um ser conceptual, mental, e mio um ser real, indepen dente do’ pensamento. Também pelo’ lado do objecto se nega, pois, toda a posigio de reali- A ESSENCIA DO CONHECIMENTO 2 dade. Enquanto que 0 subjectivismo descrito chega no «platénico cristo» a uma sintese com o realismo, nos modemnos kantianos aparece marcado de um rigoroso idealismo. Isto prova mais uma vez que esta posi¢io nio implica por si uma decisio metafisica, mas que representa uma solugio pré- -metafisica. 2 SolugSes metafisicas 2) 0 realismo Entendemos por realismo a posigio epistemo- Ug agen & gal el meee oo, cole dentes da consciéncia. Esta posigio admite diversas modalidades. A primeira, tanto histérica como psicoldgicamente, é 0 realismo ingénwo, Este realismo nfo se acha ainda influenciado por nenhuma reflexio critica acerca do conhecimento. O. pro- bblema do sujeito © do objecto ainda no existe para ele, Nao distingue em absoluto entre a percepgio, que é um contetido da consciéncia € 0 objecto apereebido. No vé que as coisas no nos sio dadas em si mesmas, imediatamente, na sua corporeidade, mas sdmente como contetidos da percepgio. E como identifica os contetidos da percepgo com os objectos, atribui a cates todas as propriedades inclufdas naqueles. As coisas sio, segundo ele, exactamente tais como as perce~ bemos. As cores que vemos nelas pertencem- -lhes como qualidades objectivas. © mesmo se * TEORIA DO CONHECIMENTO passa com o seu sabor ¢ odor, com a sua dureza ou brandura, ete., Todas estas propricdades per tencem as coisas objectivas ¢ independentemente da consciéncia perceptiva. Diferente do realismo ingénuo & 0 realismo natural. Este jé nio & ingénuo, mas esté influen- ado je aulesoe

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