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Wigs CARE GS GONE ba fab gusts Lie da seryeats eet Lo 2D TE Shcnee ak ee Digcertacao de Mestrada apresantenc ao Departamento de Ciéncias Sotlai: do Instituto de Filosofia 3 Cifnciacs Humanas da Universidade Aer Estadual de Campinas. Nr Este exemplar corresponde & redagao final da dissertagan defendida e@ aprovada pela dul gadors en huorbee'a otk Sieusegen I bricntador: Frofa.Dra. ANA MARIG DE NIEMEYER Si38s 13010/BC ena | [nmteis" ee | i Yodice Intron ac... Capitiie I n a fgentes da Metamor foe 2..-.e.eee Capitulo 15 0 Territerio Negra da Barra Funda.....-.+.+-- 45 Capito Tt eeeeeeees TH ( Policiamenta do Cotidiana Negro... Gapitula IV fi llite Negra Faulistana eee LOR Conc lusae. vee 148 Aa acdecim sores da curse de pés-graduag es Agradeca aos prof Qntrapniagia Social da Unicamp pela contribuicao que deram 4 minha formacsa. A minha orientadora, 6na Maria de Niemeyer, le em suas ObservagGes sempre soube conciliar rigor acadimico Com incentive & criatividade e autonomia. A banca, Pepresentada pela Frofa-Drs. Maria Stulls Bresciane © o Prof.Dr. José Luiz dos Santos, pelas analisee cuidadosas @ observagGes que fizeram ac ler 4 primeira versdo dé tese. Gostaria de ter correspondido as vossas expectativas. mh Lilia Schwarcz pelo impulse inicial quando o projeto nao passava de uma “carta de intenjGes". fe Satoshi por ter me orientade na informatizagao 6% pesquica e elaborado programas adequados & sua edicac. fos calegas do Institute de Satde: Luiza, Ausdnia, €lzs, Celso, Clarice, Lauro © Paulo pela compreenséo © incentive. Sou também grate ac CNP e ac C.E.A.A. Centro de Estudos Afro-Asidtices que respectivamente financiaram o curso de mestrado © a peequisa. cho alad er eacte hk Eloize, minha esposa e & Heta, & Eloiza por ter me rao desde o inicic da pesquisa e vivenciando cada ecto com a intensidade que Ihe ¢@ peculiar. A Reta pelo carisha © dedicagao nos momentes decisivos, Sem rtrituicas de vects tudo teria sido mais dificil. Ao Catd, Thiago, Marilia e Matheus que nasceram neste periods © nos propercionaram momentos de mite alegria. fo Luis © & Meire que sempre estiveram ac meu lado. Mais que parentes voc&s foram amigos. Sei que ¢ impossivel retribuir tamanha amizade & Paizinha, Ademar, Elzi, Valdria, Cristina, Tim © Zilmar, pelos momentos de companherismo, apesar do pouco tempo que Ihes dedi quei- »® Simone, Cac, Binho, Léo, Ulisses e Carlinhos, pelos momentos de descontragaa. Aus meus pais que tiveram que experimentar 6 minha aus@ncia durante estes anos. ® meméria de Paulo Roberto, pela falta que voce nos Entroaugs Esta pesquisa procura compreender as formas especificas através dae quais o negro paulistane experimentou no inico do sécule a condigéo de hos wm piblice, conquistads hA apenas algumas décadas. @s conclusdes des nossos estudos foram distribuidas em quatro capitulos. Nestes estaremos discutinds tr@s temas que julgamos fundamentais para a compreenséo do negro na vida piblica da cidade: o cotidiano, o lazer © a cidadania. Os temas acima mencionados foram discutides @ partir da descriggo de duas experiGncias bastante caracteristicas da participagdéo do negro na vida publica da cidade no inicio do século. Trata-se das acdes desenvolvidas pelos trabalhadores informais negras no Bairro da Barra Funda e das atividades promovidas pela elite negra (1), através dos seus jornais e assotiagSes recreativas. fo descrevermos estas duas experi ancias pretendemos contribuir para uma maior compreensso do que significava ser cidade negro na vida pildica paulistana naquele per indo. fo tentarmos entender a participacac do negro como cidadio na vida publica da cidade, percebemos que seria netesc4rio descrevermos as acGes dos dois grupos no espacc paulistans. Entendende o espaco piblico néo apenas como a praca ou a rua, mas come todo aquele que se opunha A vida privada do lar: bares, betequins, cafés, clubes, teatras, etc.. Locais que historicamente permitiram aos individios experimentar a dimen: ao da vida em grupo (cf. Sennett, 1998). Ao descrevermos a forma coms os dois grupos se -1- aprenchtavan no vapage publica paistane percebemos que Sel is Fundamental re trategias cullurais © siab@licas Uperarmce as & reinventada: por estes enquante sijeites da vide enletiva da cidade. & certo que @ negro nao expressau a& sua condigho de cidadaéo através de canais historicamente consagrados a esta pratica, como os partidos politicos, sindicates ou outros. Enquante grupo excluide que era, o negro atucu na vida publica da cidade atravé de canais informais préprios: seja decenvolvendo assotiagdes @ entidades sepecificas, seia digputands of espages da cidade que possibilitassem Ags mesmes experimenter a candigao de homem piblico formalmente ha’ pouce conquistada. No inicia do sécula esta experiéncia era de fato algo nove para o negro, que durante © periodo escravista sempre fora colocads coma objeto ou prepriedade privada de um senhor. Nesm nas cidade: onde exercia em geral a fungao de = escrave doméstico, & participagao do negro ma vida publica era sempre limitada, sendo permitidc, apenas — eventualmente, sua participacao em reuniGes caletivas A margem de uma ou outra festa religiosa (cf. Freitas, 1955). Forém, se a Abolicgdo © a Repiblica eliminaram os empecilies legais para que os negros experimentassem a condigae de cidadacs, resta-nos saber na prética como estes a vivenciaram e enfrentaram seus limites. No primeiro capitulo, procuramos descrever a contexte em que os negros atuaram, considerando também os demaie grupos existentes na cidade naquele pericdo. Desta forma ostraremos como os agentes sociais e o poder urbana ocuparam © transformaram © @spage piblicn paulistano, Analisaremos a divercsidade étnica, prépria da metrépores 0 debate ideoldgico em Lorne da quest&o racisly as ages da burguesia caferira e@ 4 participagao do poder urbane na ordenagae da vida publica da cidade. No segundo capitulo, estarenos descrevendo participagao dos tralalhaderes informais negroes de beirra dis Rarra Funda no espace paulistana, uma regide que em fungao das wigragdes do inscio do sécule, transformomse em um auttntico territerio negro, concentrando grande parte dos individuos recém chegados 4 cidade. Estes, segregados territorialmente © relegados & condigao de trabalhadores informais, desenvolveram no bairro agSes culturais que confrontavam com a contexte geral da cidade. Suas experi€ncias cotidianas sero aqui tomadas come paradiama da forms coma o negro pobre participou da vida coletiva paulistana. Isto @, nao através de um projeto conscientemente elaborado, mas sim de uma agao politico-cultural informal que combinava diversos simbolos de origem afro que oravitavam em torne da misica. No terceiro capitula, abordaremos a questao do poder urbane. Observaremos @ processo de criagao de uma policia cientifica na cidade, preocupada com o controle e a disciplina em relag&o ao usa do espago piblico pelas camadas populares. Diccutiremos as consequéncias dessa prdtica em relacao ac territéro negro da Barra Funda, cbservando nao apenas as acées normatizadoras utilizadas pelo poder urbane, mas também ae estratégias desenvolvidas pelos negros no sentida de fugirem ao controle do poder urbano. No quarto capitula, nos ocuparemos das agGes desenvolvidas por outra parcela da coletividade negra no espace publico paulistano, trata-se da “elite negra da cidade” representava og negros que minoritariamente haviam ingressado no mercado formal de trabalho. Veremos que a sua inserséo na estrutura de classes da cidade, ocupande uma — condi gao intermediéria, a orientaré rumo & elaborag&o de um projeto de cidadania que se opunbe & atuacac politico-cultural dos trabalhadores negros da Barra Funda. A elite negra procurou atuar na vida coletiva paulistana elaborando um projeto politica intencionalmente construido” que visava questionar e mesmo participar das estruturas formais de poder da cidade. Oposar dos comportamentos e atitudes opostas percebemos que og dois grupos, ao participarem da vida piblica da cidade, estruturam uma identidade coletiva com base nos elementos da -3- cultura negra. felecionaram contude, simbulos sper SFiCOs. Enquaite os negros da Barra Funda apareciam nos espagos publica ostentanda simbolos main caractericticamente afros, a elite negra em fungaa da sus insercao social, procurcu estruturar ta sua identidade a partir de simbolos contrastivos, mas necessariamente conflitives em relagaco & cultura branca hegemanica. Quants aos material pesquisads, utilizanos indistintamente dados crais e dados escritas. Estes foram colhidos ¢ devidamente analisadas segundo orientagées de Vansina 41960). A metedelogia por ele sugerida seré por nés abordada no item relative acs pressupostes metcdol égicos. Qs dados orais foram colhides diretamente junto a noradores @ antigos moradores da Barra Funda, incluinds negros e& brancos. Como técnica de registra utilizames depoimentas gravados. Quanta aos didlogos informais que sao comuns a este tipo de pesquisa, foram anotados em fichas préprias. Estes dados embora amplamente utilizades ac longo da tese, foram especialmente importantes para G desenvolvimento de capitulo II. Gs dados excritas foram selecicnados em fontes as mais diversas, coma livros, jornais, Relatérios de Prefeitos e dos Chefes de Policia. Particularmente os Relatérios dos Chefes de Policia foram éteis na elaboragao do capitulo III, que trata do controle do cetidianc negro na cidadade. As informagbes estatisticas que ali encontramos incluindo a variavel cor permitiram-nos compara-las com as denuncias colhidas oralmente. Desta forma os dados iluminaram-se mituamente @ nos exclareceram sobre as questGes relativas & repressdo so cotidiano negro na cidade. Qs jornaic @ livros utilizados, especialmente aqueles produzidos pela elite negra, foram fundamentais para elaboragéo do capitulo IV. Contudo buscamos também nos jornais da grande imprensa e livros da época fragmentas que pudessem revelar particularidades sobre as cendighes de vida do negro naquele per iodo. Descobr imag assim que escrever @ histéria de um grupe » mos leva a a dominado, cujas fontes Gem geral es combinar dados os mais distintos. Desta forma, a partir de una ivel série de fragmentos simples e aparentenente isolados € po descobrirmos acpéctos importantes da vida do grupo. Foi assim que a descoberta de um importante material iconogr4fico em maos privadas revelou-se significativa nesta pesquisa, Estas representam uma espécie de amélgama entre as diversas fonter orais e escritas, por nés utilizadas. Por isso sfo apresentadas ao final da tese n&o como um conjunto meramente ilustrativo, mas como-unm texto iconegréfico sabre o grupo. Desta forma, parafraseando um pouco Thomas Kuhn (1978), esta pesquisa ashemelha-se & montagem de quebra-cabegas cujo sentido somente emerge apés a devida jungao das peces. Estas se permanecerem isoladas perdem muito em inteligibilidade, pois sua forga reside na forma como so devidamente encadeadas. Uma 1icao que a velha arte do Xadrez nos ensina e que esperamos tenhs sido possivel aqui reproduzs-la de forma correta. Oh jetives: A questo central da nossa tese @ compreender 0 que significava ser cidadao negro numa cidade com Sao Paula ne inicio do séculs. Pretendemos discutir esta questao nao a partir de individuos isolados, mas analisando duas parcelas da coletividade negra paulistana, que passibilitaram aos individuos participar da vida publica enquanto cidadaos. . Quanto & questao da cidadania, acreditamos que as observagGes de Carvalho (1999), em relagdo ao Rio Antigo, ascemelham-se Aquilo que se passava na cidade de S80 Paula no inicio do século, especialmente em relagdo As camadas populares. a populares paulistan, yempla do Rio de Janeiro, na final do cécwlo XIX, as clasces 5 também participavam da vida coletiva de cidade mite mais ao nivel do bairro, da sus comunidade étnica, das irmandades, cortigos ete., que propriamente no Smbito das instituig&es politicas instituidas pela Republica. Esta elegera os partidos politicos regionalizados como principais canais de interlocugas do cidadao com o Estado Oligarquicc. Contuda, tais instituigées jamais chegaram a representar os interesses populares, ac contrario, revelaran-se desde cedo monopédlio exclusive dos grupos eronomicamente hegeméniccs, que transformaram o piblico em particular. O negra, como integrante das camadas populares da cidade, nfo fugia & regra. Excluido do processo formal de trabalho e do sistema de representagao politica, somente pode experimentar algum sentimento de coletividade aa nivel das suas ascociacées recreativas e culturais © dos pordes © cortigos que habitava. Neste sentido, também para o negro, as atividades desenvelvidas ac nivel comunitario, adquiriram um sentido politico, no apenas porque expressavam a sua forma especifica de participagas na vida coletiva da pélis, mas também porque foi ao nivel das relagSes informais, desenvalvidas no dmbito comunitério, que of negros passaram a estruturar ume identidade prépria © a atuar no espaga ptblico como um grupo de interesse (2). Selecionaram para tanto, simbolos culturais especificos, tomo mitos, heréis, dancgas, misicas, etc. Evidentemente o conceite de politica nao @ aqui empregado em seu sentido cldesico, segundo a concepgac da Ci€ncia Politica, que entende esta stividade como uma ago consciente de grupos voltados para a disputa do Estado. Normalmente servindo-ce de instituigGes formais e legitimas. © termo € aqui utilizado muito mais no sentido dos enfrentamentos e disputas com c poder piblico nas cidades. Esta verség se filia A interpretagde antropolégica da qual Cohen (1978) ¢ um representante Fste entende que nas sociedad enistem pequenos grupos cOntempordneas Gu moriert que politicamente atuam servinds-se de canais e@ relacé informais & margem do sistema politico instituide, Nao obstante, estes grupos exercem pressao, estabelecem confrontos e disputes com G poder piblico instaurands conflitos de otra ordem como por exemplo as gangs, os travestis, o5 gays, 45 prostitutas, ete. Estaremos, portanta, privilegiando so nivel das nosses andlises duas varidveis que segundo Cohen (1979) devem cer sempre articuladas em uma abordagem antropolégica. Essas dizem respeito & dimensaa cultural @ a dimensaéo politica da vida em seciedade. Dissocid-las em qualquer estude implica geralmente em interpretagGes quase sempre unidimensionais ou reducionistas. A propésito, estudos sobre o negro que tiveram coma ponte de partida a dimenséo cultural, surgiram entre nés nae primeiras décadas deste sécule influenciadas pelas teorias boacianas, que inspiraram pensadores como Gilberta Freyre, Arthur Ramos, édison Carneiro, etc. suas investigagées mostraram-se inovadoras em relagséo ao tipo de abordagens até entSo desenvolvidas scbre o negro no Brasil, inspiradas sobretudo no darwinismo social e& no reducionisma biologizante dos século XIX (cf. Schwarcz, 1989). Contude eo enraizamento da abordagem cuituralista no pensamento antropolégico nacional, conduziu a uma exacerbacgaéo do cultural @ nao rare & folclorizagéo das questGes relacionadas & cultura negra (3). A difusdo dos aspéctos culturais afros na cultura nacional foi interpretada como indicativo da inexiet@ncia de discriminagdes raciais contra o negro no Brasil, reforcands desta forma a ideclogia da democracia racial. As primeiras criticas sobre ass implicagées reducionistas de uma abordagem estritamente culturalista, foram apresentadas na década de SO © 60, pela chamada Escola Socjolégica Paulista (Florestan Fernandes, Octavio anni, Fernando H. Cardoso e Roger Rastide). Estes autores procuraram incorporar As andlises sobre o negra, a dimensdo politica cnerente A quest&o racial. Desenvolveram criticas ao mito da democracia racial © denonstraram « evidente discriminagaa em que ge encontravam OS negros em nossa Sociedade. Forém, mesmo integrado & estrutura de classes (ef. Fernandes, 1978) a exclusdo social do negro & fato notévio em nossa sociedade. A deepeite da condigao de membro da classe trabalhadora ele experimenta uma situagéo especifica, ayravada pelo estigma étnice (4). Nao obetante os estudor sobre as coletividades negras no espage rural, demonstrarem que estas apresentam-se muito mais integradas em termo: culturais que as organizagGes negras dos centros urbanos (cf. Haiacchi,i7@3 e Bandeira, 1988), 4 discriminagae racial que © grupo experimenta nestes locais contribui decicivamente para que este passe 4 atuer como um grupo especifico (Cf. Moura, 1983)- Neste centido, os negros t@m desenvolvide na cidade organizagées préprias, como irmandades religiosas, azscciagoes recreativas, jornais, clubes, etc.. Elas s&o reveladaras do tipo de participagao politica que o grupo desenvolve no espace urbane. Porém reconhecermos a exist@€ncia de uma dimensao cultural prépria as camadas populares, ou que "a cultura com ¢ minuscule" (5) possui uma autonomia que Ihe é prépria na significa que os negros na cidade de S40 Paulo, no inicio de século, participassem da vida urbana constituindo uma coletividade auténoma, sem os devides enfrentamentos com o poder urbano ou imunes & diversidade cultural prépria a vida urbane (cf. Arantes, 1987). Ac contréric, a repressao policial aos negros da Barra Funda, denunciada em entrevistas @ confirmada pelos dados dos relatérios dos chefes de policia, dewonstra que o negra no inicio do séulo teve que disputar com o poder urbane o uso dos espacos publicos. Portante, suas ages nao se desenrolaram a revelia dos olfos do poder. E certo que, se omitiecemss estes aspéctos relativos aos enfrentamentes com o pader publico, correrjamus 9 risco de também folclorizarmos nossas andlises, tendendo para um tipo de relativisme cultural que néo contribui para a “compreenssa dos necaniemcs de dominagao dos grupos no interior da Estado" (cf. Cardoso, R. 1938). Portanto, © nozse posicionamenta frente & questao cultural no contexto urbanc, parte de uma concepgao da cidade coma um “espace de lutas” (cf. Kowarick, 1988) © concebe « cultura camo um territério onde estas se expressam (cf, Santos, 1984). Nossas andlises, ao resgatarem a agao cultural dos negros na cidade, também incorporam ae dtsputas que estes tiveram que sustentar como poder piblico, visando ampliar os estreitos limites da cidadania. Fressupostos Leéri ccs Piscutiremos a seguir alguns conceitos que foram utilizados até o presente, mas que ao longs desta tese estaremos reiteradamente empregando. Um dos conceitos fundamentais que utilizamos & o de grupo de interesse @ identidade a ele «sseciado conforme sugestGes de Cohen (1974) © Cunha, (1985). Estes, originaram-se das andlises empreendidas pelos antropélogos ingleses no sentido de compreenderem as transformagoes socio-culturais experimentadas pelas sociedades africanas apés a Segunda Grande Guerra. Posteriormente verificou-se a impert®ncia mais ampla destes conceites, senda por exemple extendides & compreensés dos grupos minoritdérios nas sociedades modernas. A emancipacao das sociedades africanas , bem como © processo de urbanizagao em curso, fizeram emergir questées que n&o mais poderiam ser explicadas segundo as classicas formulagées Estrutural-funcionalistas, que sempre se propuseram compreender sistemas sociais em equilibrie. Foi neste contexto, que conceitos coms disputas, contradigtes, redes sociais, grupos de interesse, grupos informais, etc., tiveram origem icf. Feldman-Bianco, 1987). Em seus estudos empirices das cidades africanas alguns antropélogos perceberam que nem todos o& grupos étnicos que migravam para os centros urbanos abandonavam antigas praticas culturais. As primeiras interpretagGes do fenémeno, presas ainda as formulagées cléssicas, explicavam tais atitudes, como sintoma de atraso cultural, tradicionalismo, arcaismo ou retribalizagao. & partir da sua monografia cldssica, Custom and Fo cs in Urban ¢frica (1974), um estude scbre 6 grupo Hausa da cidade de Yoruba, Nigéria, Cohen utilizande-se do conceito de grup de interesse demonstrou que a articulaga&o de antigos traces culturais em um contexte distinte ac de sua origem, nac significa necessariamente tradicionalismo ou atraso, mas sim uma a’ itude inovadora em termos politicos © culturais. -10- fetes elementos, que "os grupos maripulam na diaspora (cf, Cunha, 1977 @ 1985), passam a funcionar como "Sinais diacriticos” de uma nova linguagem. S40 eles que poszibilitam avs individugs a constituigdo de uma identidade prépria em novas contertas. No caso especifico do negro a cor j&é emerge coma um simbolo capaz de diferencid-lo, porém este é apenas um des agpéctos que envoalve a identidade. Ser negro, indio, judeu, etc., m§0 @ apenas ser identificado, mas € também identificar-se como tal, @ assumir positivamente esta condicao icf. Cunha, 1786). € exatamente o identificar-se como tal que leva os individuos a atuar politicamente adotande os padrGes culturais definides pelo grups. Neste sentido a roupa, a religias, a misica, a lingua, © corte de cabelo, etc., adquirem papel importante. Nao se trata de uma selegdéo aleatéria, pois os individuos selecionam em seu repertério cultural apenas elementos que possibilitam a contraste com o contexto mais amplo (cf. Cunha, 1979). Desta forma, quem & negro? Poderemos responder confarme Cunha (1995) que negro @ aquele que &€ identificado, mas que também se identifica © age camo tal. Como a identidade ¢ algo politicamente manipulavel encontrames negroes que apesar dai cor atuam como brancos. 0 inverso também pode ser verdadeira, ou seja, um branco pode identificar-se com os valores afros. Quando isto ocorria na Barra Funda ele transformav “se em um “negreiro", iste €, um “branco convertido". A definigéo de quem faz parte de um grupo nao é, portanto, exclusivamente biol égica, mas também cultural (cf. Barth, 1976). Porém, nao basta definir conceitualmente identidade e demonstrar a sua import@ncia para refletirmos sobre a acao inoritérios nos centros urbanos. Como a politica dos grupos agso do negro paulistano se desenvolve em uma sociedade estruturada em classes, cabe ainda questao a propésite das intersecgSes entre classe @ etnia, ou seja: onde classe @ etnia se encontram? ~1i- Cientes de que nos estads petro seu carater monnar adic © localizady nao @ m ideal para resalvermos questoce teoricas deste porte, situaremas o debsete em terna da quertac quem sae apenas na Antropologia. A sequir procururemos deFir us «© considerando tambein sua gros. dos quais falaremms nesta tes insergéo ba estrutura de classes da cidade, posicionamentos s&o diversas. Hé quem entenda que questao racial a uma guestao classe significa reduzir ebseurece-la uma ver que os problemas enfrentados pelos negroes na sotiedade de classes sao especificos. Desta forma oo negro meamo inseride na condigko de trabalhador na saciedade de classes, ainda asim experimenta uma situagao singular ne interior da classe. $40 as conclusées de Oliveira (1976) @ Moura (3988). Ha também criticas sistematicas da perte daqueles que entendem que os estudes fundamentados no cenceito de jdentidade t&m contribuide exatamente para ofuscar aquile que originariamente ele possuia de fundamental, isto €, 6 seu cardter contrastive © relacional (cf. Durhan, 1986). Ao toma: rm a identidage coma um atribute do grupo tais andlises nao conseguem captar cs conflitos e disputas que sao inerentes 6 todo grupo inserido numa sociedade desigual. Nestas andlises 05 grupos emergem coma se gozassem de autonomia frente as classes sociais (cf. Ruben, 1984). Neste estudo procuramas nos situar frente ao debate classe/etnia segquindo a perspectiva aberta por Hasenbalg (1979) - Este entende que na sociedade nacional a etnia tem operado no interior da estrutura de classes como um definidor das posigdes sociaie dos nao brancos (negros e pardos), reduzinda-os & condig&o de grupos dominados. Portanto, classe e etnia articulam-se de forma tal que o fator étnice, através da discriminacéo racial, contribul parg reforgar a desiqualdade de classes em nessa sociedade. Mas ao produzir a desigualdade, também refurca nos individucs 4 concepcio de que fazem parte de um grupo especifico, que passuem problenas comuns. Estes passam a atuar enquante um grupo =125 coma jornais, Escola: Futur ando e e@ em associag&es prtpr ia de Samba, teatro, assoriagbes recreativas, religiosas, etc. Entéa, quais sao 68 fegras dos quais falaremos? Falaremos da elite negra e dos trabalhadores informais negroes. Estes dois grupos na inicio do século ocupavam posiches diversas na estrutura social e ocupacional da cidade. Geguinde as orientagdes de Fernandes (1978), definimos elite negra coma um grupo que desde a Abolig&o encontravacse na cidade ocupando-se de trabalhos modestos: mages de recados, serventes, escriturdrios, moteristas, funcionérios piblicos, ete., © quaze sempre gazando do amparo de tradicionais familias paulictanas, Muitos sahiam ler © escrever @ manipulavam com destresa as regras de mundo branco. Ocupavam portanto posigtes jntermediérias na estrutura de classes da cidade. Foi deste grupo que curgiram os intelerutuais negros paulistanos, sobre os quais falaremos no capitulo IV. 0 segundo arupe, analisada no capitula IT, sho os trabalhadores infornais negroes. Estes migraram para a cidade ro inicio do século quando familias inteiras de negros do interior do estado deslocaram-se para a metrépole. Fossuiam também uma posigdo definida na organizagio espacial © ocupacianal ds cidade. Eram trabalhadores informais, carregadores, serventes de pedreiros, posseiros, assentadores de dormentes, etc. Concentraram-se em sua maioris na Barra Funda, um dos territérios negros da cidade ao lado do Bexiga e Cambuci, onde frequentemente habitavam os pordes das residéncias. “Eram os Cchamados negras da Javoura. Nao sabiam ler e@ escrever (..) © no possuiam protetores (..) formavam a — camada mais desqualificada © paupérrima da populagéo (cf. Fernandes, 1978). f@ despeito da pol@mica envolvendo classe @ etnia, os extuded sobre os grupos minoritérios no contexto — urbano, fundamentados mo conceito de identidade, grupo étnice, minorias, etc., experisentaram nas Gltimas décadas uma grande produgao. Pordm, observa Burhan que geralmente © conceito & empregado desclocande-o da sua matriz histérica, feta 6 une tendencia que também se verifica, por exemplo, com Gutras -15- come claser © idevlogia (of. Durhar, 1706). categories Na maioria das veses, observa a autora, promove-se uma diiuigao da sua dimensao contrastiva: o campo de analise deixe de ser @ oposicgao entre as grupos ou categorias que se enfrentaw na seciedade e a identidade passa 2 ser concebida como una propriedade do grupa, projetads na pessoa, Nestes casos, 45 dimensées psicolégicas @ culturais aparecem em primeira plana om detrimenta das politicas (cf. Duhran, pag-32). Qutros autores, coma Ruben (1984) © Cardoso (1988), ben Chamado a nossa ateng&o para o fato de que em tais estudos, & diversidade cultural, t&o fundamental A andlise antropolégica, por permitirem resgatar as especificidades do “outro”, frequentenente tém levado a posturas reducionistas (Ruben) ou a0 relativism (Carduso). Segundo Ruben, algurar destas andlises, concebem 05 grupos minoritérios como se fossem ménadas, no contribuinde para Uma compreensaze dos processes de transformagao inerente aos préprios grupos © & sotiedade como um todo, Também Cardoso considera que tais andlises, quando tendem para o extrema do relativicmo, promavem uma espécie de reificagéo dae préticas sociais, onde a din@mica das diferengas e as desiguaidades histéricas acabam desaparecendo Cibidem). Conforme observa Durhan e@ os autores acima mencionados, as andlices dos grupos minoritaérios nas sociedades modernas, pressupSem n&c apenas a compreensao de que os individuos © grupos atuam em um cendrio marcado por conflitos intergrupais, e desiguaidades, mas também, que estas praticas sao mediadas por relagGes de poder, que se encontram difusas pela sociedade © cuja fonte originaéria @ sem ddvida o Estado (4). fi cidade, aparece assim nesta tese, como um espago de agées sociais, onde grupos e@ classes interagem nc come atores em Um palco, como prapéem as interacionistas simbélicos, mas sim como um espace de lutas. Nos referimes 4s anélises particuls cente influenciadas -14- por Goffmann (1732), em que a smeiedade & vista Come Uma wetdfora dramatirgica (cf. Gregor,19A2 ) © os individuas «© grupos destmpenham papéis. Nestes estudos a dimensao dos conflitus, increntes A vida em Sociedade, quase sempre aparece em sequnda plano ou naa é incorporada. as lutas saci is na cidade t@m lugar non seus espacos publices © também se exprecsam no plang da cultura, um territério que mdo @ determinado fisica ou materialmente mas que nem por isso encontra-se imune as relagGes de poder que fundamentam a sociedade capitalista ‘ef. Santos, 19794). Reconhecer que as lutes sociais na cidade, podem ser comproendidas a partir do plano da cultura, mao implica concebO-la como algo transcendente. Av contrério, ela tem que ser necessdériamente vista como produto dos seus respectives atures. Ae aces sociais deixam marcas culturais na cidade © estas transformam-se em textas que necessitam ser interpretados. ao contrério da cidade enquanto metAfora dramaturgica, preferimos conceb&-la como metdfora linguistica, isto @, como um texte escrito. Esta nos parece especialmente util & compreensac das atividades desenvelvidas pelos regres no territorio da Barra Funda, que como veremos, promoveram uma verdadeira “releitura" daquele espace da cidade (cf. Rolnik, 1988c) 0 canceito de territério, emprestado de Rolnik ¢1988b), nos parece aqui significative para compreens’o das aces desenvolvidas pelo negro porque expressa com maior precisdo a idéia de movimento, ocupagao, disputas e@ intercSubio entre of grupos e o poder urbano, ao contrario do conceito de comunidade que geralmente sugere integragéo, auséncia de conflitos e autonomia em relagéo & cidade como um todo. Pesta forma, aquelas régides da cidade que concentravam un nimero expressive de negros, serdo aqui concebidas coma territérios negros. Era, por exempic, o8 casos do Bexiga, da Harra Funda e do Cambuci, mais especialmente na Rua Lavapés. Estes locais foram palco das lutas sociais dos negros da cidade e ali registraram suas marcas culturaic. Nao foi por mera -15- coincidéncia que a Fscola de Samba Lavayes da Dona Eunice surgiu no Cambuci, 4 Yai-Var no Bexiga © a Camisa Verde na Barra Funda. Contuds, & conceito de territério negro, nao pude ser confundido com gueto, em seu sentido classicc, uma ver que os negros n&o se encontravam formalmente segregados, mas sim informalmente. Esta segregagao era ditada mais pelas imposigées de ordem sccio-econamicas e@ pela discriminag&o racial, que propriamente por mecanismos de ordem juridica. Também estas regides nat cram territérios exclusivamente ocupados pelos negroes, mas geralmente partilhadas com o imigrante pobre, especialmente italianos (cf. Relnik, 1983b). O conceito de eepage piblico aqui tambéw largamente empregado & utilizado no mesmo sentido formulado por Sennett (1988), cujas andlises demonstraram que 0 significado moderno desta categoria comegou a ser forjado a partir do século XVIT , quando entac as cidades, ruas, pragas & cafés, passeram a ser concebidos como palco para que os individucs participassem de vida coletiva coma homens piblicos (cf. Sennett, 1788). Estas experi€ncias, passiveis de serem observadas em cidades como Londres e Paris, a partir do século XVII e XVIII, indicavam que c espaco publica, tornara-se desde entao o dominio por excel@ncia da vida cultural, @ por extenséo, da cidadania. A nog&o de espaco piblice foi Se constituinda, segunda Sennett, em opasicao & nogdéo de espact: privado, que desde entao passou a significar uma regiao “protegida da vida", daminada pelas experiGncias peesoais, de carater =” subjetivo, experimentadas no Smbito da familia ou no maximo com os amigos intimos. Q noses estudo indica que a moradia entre o5 negros da Barra Funda obedecia uma ldégica oposta ao da habitagao individual, exigida pele ideclogia higienista e @ moralisma paulistano. Conclusdes as quais também chegaram Fernandes (1978) @ RoInik (988b). Acreditamas que pesquisas mais especifivas, sobre habitagdes populares on: perioda, possam confirmar com =16~ meier precisao a tese de que o habilar coletivo era 3 que vigorava entre os negros pobres da cidade. Por icso, reservamos o conceito de habitagtes coletivas para falarmos dos porGes e cortigos habitados pelos negros na Barra Funda. Mantivemos, porém, 9 conceito de espace piblico para andlise daquelas 4reas onde os negras interagiam com outras classes, etnias e o poder urbano. Como na cidade de Sic Paulo estava em curso um processa de industrializacdc, relativamente intenso, observamos que os mesmos processos de acumulagao de capital inerentes a qualquer cociedade que se industrializa, foram aqui postes em pratica. Neste sentido nao foram apenas mabilizados homens © maquinas, mac também, principiog organizacionais, fundamentais — & concretizagao daquele proceso, com por exemplo, ordem © disciplina no espace urbana. # neste momenta que 0 Estade entra em cena, como o principal fiador da ordem piblica e mediador das praticas sociais. Desta forma, G conceito de poder disciplinar, formulade por Foucault (1978) @ aqui empregado nc sentido da compreensac daquelas agdec desenvolvidas no espaco publico pelo poder urbana. Segunda Foucault, @ — peder nas sociedades: industrializadas, ndo se estruturou enquanto algo monclitico © centralizado. © fundamento da sociedade capitalista neste sentida no @ Simplesmente a soberania monolitica do Estado moderno e do seu arsenal juridico controlador das agGes dos individuos. Subjacente a este desenvolvem-se — préticas disciplinadoras © normatizadoras da vida, patrocinadas . por inetituigGes que encontram-se difusas pela sociedade como prisdes, hospitais, fébricas, hospicios, ete., © que desempenham functes de controle ainda mais sofisticadas. é neste sentido que examinaremos a emerg@ncia nx cidade da "policia cientifica", como uma instituigao disciplinadora do espago urbano e particularmente do cotidiano negro, Como reconhece Thompson (1783) a disciplina teve origem nas fabricas, porém, invadiu ocutras esferas como o lazer, as relagGes pe: Onis e obviamente ganharam o espaco urbano (cf. Storch, 1985). mye Periodizagac Delimitamos nossa pesutisa a partir das primeiras décadas do século até os anos trinta. Foi durante este periodo que c desenvolvimente industrial da cidade, passou a exercer forte atrag&o sobre as papulagées do int! ior © que contribuiu para o declocaments de importante contingente de cegros de vérias regides do estado para a metrépole (cf. Britto, 1996) « tcf. Fernandes, 1978). Noscas andlises limitam-se aos anos trinta, mais precisamente a 1937, quando entao a ordem politica do pais foi radicalmente alterada com a implantacao do Estado Movo. Fato este que modificou mae apenas a vida da nagac, mas que tanbéem refletiu sobre a coletividade negra paulistana. A partir de 1937, refergou-se o controle policial nao apenas na cidade de S80 Faulo (cf. Relatéric, 1939), mas também em Pirapora onde anualmente, no m@s de agoste, os negros do estado de Sé0 Paulo se reuniam para troca de experi€ncias, nos dias de festa do padroeiro. Desde entao, as apresentagdes dos grupos nas pragas de Pirapora passaram a ser proibidas e© as jornais da elite negra paulistanas foram suspensos pela censura. Em termos socio-econémicos, foi a partir dos anos trinta que a economia nacional tornou-se mais diversificada, absorvendo ndo apenas o imigrante, mas também o trabalhador nacional, negro brance ou pardo no mercado de trabsiho (cf. Kowarick, 1787). -18- O material Os dados utilizados nesta pesquisa constituem-se basicamente de fontes escritas © orais, canforme foi dito anteriormente, Ce primeiros s8o o5 jornaig e Relatérios dos Chefes de Folici y enquands os segundes 5 depoimentos de lideres negrok, de membros da coletividade negra e de moradores ou ex-mcradores brancos ou segros de bairre da Rarra Funda. a) Os jornais negros 0s jornaic negros compreendem um importante conjunta de periédicoe, atualmente — microfilmados, apés pesquisas desenvolvidas pelos professeres Jogo Baticta Horges Pereira © Miriam Ferrara. Neste acervo incluem-se titulos que cobrem © periodo de 1915 acs anos 60. OQ estudo que realizamos, a partir dos jornais, diferencia-nos, no entanto, daquele produzido por Ferrara (mimeo/USP). Enquanto ela utiliza o8 jornais para contar a histéria da imprensa negra, nés os utilizamos como fonte para reconstruirmos a histéria do grupo. O que metodologicamente nos separa é certamente aquilo que afirmou Mouillaud (1968), 2 propésito da metodologia para andlise dos jornais: contar @ histéria da imprensa @ diferente de reconstruir a histéria através da imprensa. Certamente nos incluimos no segundo grupo de pesquisadores definidos por Moullaud. Dados os limites estabelecidos nesta pesquisa, foram utilizados apenas aqueles jornais que circularam nas primeiras décadas deste século, em especial, O Kosmos, 0 Clarim da Alvorada, © a Yor da Raga, orgaos “oficiais" de importantes associagGes fegras do pericdo como o Gréaio Dranatico e -19~ Recreative Kosmos, @ Centro Civice Palmares @ A Frente Negra Brasileira. Os dados que selecionamos nestes jornais foral obviamente aqueles que nos permitiram revelar @ visao dos intelectuais negros acerca da questac ratial. foram, neste sentido, priorizadcs simbolos e mitos enfatizados por este grupo em sua luta para estruturagéo dos individuos em um auténtice grupo de interesse. Estes jornais 240 também importante porque registraram diana de negra na cidade, especialmente fragmentes da vida cot das chamdas associagéws recreativas, como as da Barra Funda @ outras, que frequentemente eram noticia nas paginas destes jornais (7). b) Fontes orais Assim como as jornaic, os informantes nos prestaram importantes infarmagdes sobre o cotidiano negro na cidade. Entre os informantes que muito contribuiram para esta pesquisa, gostariamos de fazer no momento um destaque especial ao Seu Zezinho-da-Casa Verde pela forma como mos recebeu e& também pelas suas importantes contribuigées. Mais que isto, ele nos pareceu 2 prépria sintese da vida que os negros levavam naquele per iodo. Nascido em 1911 e residinda no bairro desde os oito anos de idade, quando entao comegou a frequentar as atividades promavidas polo Grupo Barra Funda, hoje Escola de Samba Camisa Verde e Branco, participou também das atividades promovidas pelo Campos Eliseos, © das rodas de samba do bairro. Frequentou os famosos botequins da Glette e trabahou como carregador nos armazens de café d 9 Barra Funda. dJogou -20- futebol no Lise de negros do bairre, o Sao Geraldo e@ Fundou acs dezessete anos um importante bloce, 0 Fler da Nucidade (1928), depois, um conjunto misical negro, o Aguias da Meia Noite (1937) @ uma escola de samba @ Norro da Casa Verde. BLé hoje atua ma noite ena velha guarda do Camisa. Além do Seu Zezinhu, foram entrevistados membros da elite negra como Sr. Francisco Lucrécia eo Sr. José Franciso, bem como moraderes do bairra da Barra Funda, a exemplo do Sr. Nelson Altieri, Sr. Roberto Frizza, Sr. Amaral e o Sr. Benedite Salgado. Sobre estes elaboramos uma breve apresentagao em anexo am final do texto, c: Melatérios dos Chefes de Policia Estes relatérios foram por nés utilizados no sentido de reconstruirmas nao apenas discurso — disciplinar, mas principalmente as ages do poder urbano ono sentido do policiamento do cotidiano negro na cidade. Sao na verdade relatérios elaborados pelo poder piblico, que na época procurave compreender de forma “cientifica”, as aghes que se desenvolviam no espaga urbanc. Era necessério conhecer squele conjunto de estranhos, entre as quait se escondiam “perigosos criminosos”, negros © anarquista. Desta forma foram elaborados estes relatérios com dados estatisticos bastante precisos sobre © movimento dos poetos policiais, da cadeia publica e das hospedarias da cidade. d- Iconografia Constam de fotoorafias que pertencem ao acervo particolar de Seu Zezinho e que nos foram gentilmente cedidas para a pesquisa. Comp dissemos anteriormente revelam momentos =21- significativos da vida pesseal e Coletives dos negros da cidade nequele periado conforms anexo, e~ procedimentas metodol égicos A pesquisa foi desenvolvida através da combinagao de fontes orais com fontes escritas, que de acorda com Vansina, constituem um dos principais recursos para a reconstrugdo etno-histérica. Esta metedologia propde que os relatos orais devem ser cruzadas entre si @ posteriormente com as fontes escritas, buscando com isse um quadro aproximado dos eventos, Vivides pelos informantes em épocas passadas (cf. Vansina, 1967). Foi este, portantc, © procedimento adotado ao pesquisarmos tanto os dados escritos quanto os orais. Asim, tanto os dades escritos forneceram questées que procuramos discutir com os informantes, como estes citaram eventes que procuramos melhor compreender através de consultas as fontes eccritas (jornais e relatérios). Quanto & técnica adotada, em relacgaéo aos relatos orais, empregamos preferencialmente a histéria de vida, pois como afirma Debert (1986) esta tem se revelado a mais adequada aos estudes dos grupos desprivilegiados, em especial nos paises em desenvolvimento onde a documentac a respeito dos mesmos é geralmente escassa. Capitulea T Agentes da metamor fose TransfermagSes no velho burgo A cidade de S40 Paulo, nas primeiras décadas deste século, experimentava no espace urbano reflexes das transformagées socio-econdmicas e paliticas que marcaram a vida do pais no final do sécule XIX, Nos referimos & implantacao da ordem republicana e@ 4 aboligao da escravatura. Contuds, algumas transfarmagdes sociais que tiveram lugar ona provincia refletiram também a nivel nacional © foram igualmente decisivas para a transformag&o do espaco piblico paulistano. Falamos obviamente da cafeicultura e da industrializageo da cidade no inicio do século. Estes eventos, particularmente a industrializagao, transformaram 4 Sao Pailu das primeiras décadas em um feniiaeno sem paralelo em toda # América Latina (ef. Morse, 1970), uma excess’a em relagao as demaics cidades do continente que se desenval ver am basicamente come centro burecrético-administrativos, & base da expanséo do setor servigos. No Brasil, o exemplo tipico foi sem duvida o Rio de Janeiro, analisado por José Murilo de Carvalho (1989). & cidade de Sao Paula em parte devida ao desenvolvimento da cafeicultura, pode no inicio de século langar as bases de um incipiente parque industrial, fundamentado no setor de bens de consumo leve! > como téxteis © alimentos, caracteristicas estas que fariam lembrar as cidade industriais inglesas do século passado (cf. Morse, 1970). Além da burguesia cafeeira, que em seu processo de acumulagéo de capital iniciara paralelamente a trasferfincia de renda para implantag&c das primeiras industrias da cidade, outro agente participava de forma nao menes dingm: ca, do processo de reestruturacae da vida urbana da metrépole: eram os imigrantes. Estes individucs que desde o final do século XIX foram atraidos em grande atmera pela perspectiva de "fazer a América", criaram na cidade um isportante mercado consumidor de produtos que somente poderia ser satisfeito pelas importagdes (cf. Dean s/d). Este mercade nao poderia segundo Dean, ser atendida pelo setor cafeeiro, uma vez que na virada do século, a economia cafeeira nfo tinha capacidade para alimentar-se e vestir-se a si propria. Outro motivo para que a burguesia paulistana néo se engajaese no setor de importacdes era que até o inicio deste século os cafeicultores n&o haviam ainda se familiarizado totalmente com as prefer@ncias "“dietéticas, indumentérias ou arquiteténicas européias". Limitavam-se fundamentaimente ~ aa consumo dos produtos tipicamente nacionais que costumeiramente produziam, como a farinha de milho e mandioca que “eles © suas Classes infericres estavam acostumadcs a comerem (ibidem, pag. 60), ~24- Eonatural que o meresda coneumider r yeurntada polos imigrantes (8), passasse a ser atendido pelos préprivs compatrictas, que logo perceheram as possibilidades lucrativas GfereciGas pelas importacGes. Foi assim, que af russ do centro da cidade comegeram @ também modificadas pela ag&o comercial dos diferentes grupos étnicos que na época habitavam a cidade. Nas ruas Vinte © Cinco de Margo, domincda a principio pelos comerciantes sirios, e na rua Sada Bente, podia-se encontrar “produtos da Europa e dos Estados Unidos", que iam desde o mais bAsica aG mais supérfulo. Comerciantes sirios, italiancs e portugueses importavam de tudo, seja bacalhau salgqado, chapéus de feltro, azeite de oliva, cerveja, etc. (ct. Dean, s/d). Argumenta o autor gue este setor importador adquiriu tamanha importancia nas décadas subsequentes que a acdmulo de capital, resultante destas atividades, comegou a ser investide também no setor industrial. Passaram entao 4 implantatar na cidade indictrins destinadas A: manufatura de produtos cuje importacao fosse dispendicsa ou cujos produtes: fossem pereciveic, n&o podendo atravessar o Atlantico sem o risco de deter iorarem-ce, OD imigrante présperc acabou participando também do processo de urbanizagao da cidade em igualdade com a burguesia cafecira, isto é, habitando as regides da pélis consideradas nobres. Quanto aos imigrantes pobres, aqueles que nao conseguiram fazer a América, ser4o por nés analisados quando discutirmos a formagéo dos bairros operérios na cidade no inicio do século. Como foi mencionado anteriormente, o outro setor responsével pelea industrializag4o, © que muite contribuiu para a reestruturacéo do espace urbano paulistanco, foi 3 burguesia cafeeira. Nas primeiras décadas deste século, este setor iniciou tambem, ainda que timidamente, a construgao de inddstrias na cidade, contribuinde ascim para a formagao de uma imagem que se oporia frontalmente ao velho burge de taipas do final da século passado. Implantaran no espage urbane pequenas indtstrias de “enlatamento de carnes, curtumes, moinhos de milho © mandioca, falricas de cimento e de cal, etc.". Alguns mais ousados chegaram mesmo a tentar construir uma inddstria de fabricagao de aGO em pequena escala (cf. Dean, £/d)- Desta forma a agéo dos cafeicultores, industriais ¢ imigrantes présperos contribuiram significativamente para a transformacée da outrora pacata vida urbana da cidade. Surgiram consequentemente no colo urhano as fabricas © os armazéns gerais de café, pois a metrépole funcionava como entreposte do produte. Porém o mais novo simbolo de poder dos cafeicultores e industriais era sem divida os chamados “bairros chiques", come Campos Elisecs e Higienépolis. Desenvolveram também obras que segundo = afirmavam, refletiam o “orgiho civico” dos fazendeires © industriais. Foi deles por exemplo, a iniciativa de dotar a cidade, ainda no final de século passado, de um sistema de Agua 2 esgotos. Organizaram, entdo, a Cia. Cantareira que "das nascentes das montanhas, num percurso de 14 quilémetros e meie", abastecia um reservatério na Consolagaéo (ct. Dean,s/d). Outre empreendimento que indica ©@ dinamismo da burguesia cafeira e industrial na vida ptblica da cidade, naquele periodo, foi a sua participacéo na modernizagao dos transpertes publicos. AS velhas linhas de bondes, puwradas a burros, iniciadas em 1872, comegaram a ceder lugar aos bondes elétrices, sendo inaugurada a partir de i700 a primeira linha de bonde eletrificada da cidade, ligando a Barra Funda ao centro. Este empreendimento foi sem ddvida um marco na bistéria urbana da metrépole pois refletia o seu nova estagio de expanséo territorial e@ ao mesmo tempo contribuia nesse sentido. A concessiondria, Ligth and Power, por exemplo, ndo hesitou em expandir suas linhas principais, alcancgando inclusive as regides mais afastadas da cidade, atravecsando extensGes ainda naéo urbanizadas. 2b As novas linhas de bonde, contribuiram ainda mais decisivamente para acelerar a especulacac no setor imobilidrio, © & medida em que na cidade novas linhas surgiam, acentuava ea ccupagéo descrdenada dos solos urbanos. Os loteamentos por volta de 1913 passaram @ ser arruados sem qualquer relag&o cum a tepoarafia. Sequiam apenas a légica especulativa de dividir una dada 4rea no maior ntmera de letes possivel, todos de tamanho idBntico tcf. Morse, 1970, pag. 366). Era frequente por essa época, 4 existéncia de lotes Vagos, com Casas semi construidas pelo especulador, A espera de valorizagac, (cf. Moree, 1970), Portanto, a cidade crescia sem um plano de zoneamento, totalmente cubmissa As determinagdes do capital. Foi dentro dessa légica, que os espagos sociais da cidade foram sendo definido @ redefinidos. A burguesia industrial e agréria, concentrou-se nas chamadas terra altas em diregao ao espigao (Consclagao/Paulista), enquanto as terres baixas, que correspondiam && varzeas, sujeitas 4s inundagées periédicas do rio Tiet®, foram destinadas &s camadas populares © ao imigrante pobre (cf. Rolnick, 1988a}. As linhas ferrovidrias que cortavam estas regiGes, como a Sorocahana e a S20 Paulo Railway (SPR), foram igualmente decisivas nesse processo, pois em suas margens foram surgindos os chamados bairros operarios (9). Somente em 1912, apareceria na cidade o primeire Joteamento de cardter planejado, o da Cia. City, que até entao dedicara-se aos chamados loteamentas populares. Porém a partir desta época o principal objetivo da City seria a edificagao de mais um bairro nobre, Gc Jardim América. Desta forma, evidenciava-se no plano do urbano a importancia adquirida pelos eetores agrério © industrial. Portanto, salvo raras — excesstes, a cidade desgnvolvia-se praticamente sem que se percebesse a presenga do poder urbano em relagéo as questées infra estruturais: roneamente, servigos de Agua ¢ esgote, etc.. Quando os industriais resolviam equaciond-las, 4 exemplo da implantacao da -27- Cia. Cantareira, as beneficiarius eram poucon, ot seje, de preferencia of préprios empreendedores. Quanta aos bairros populares, estes continuavam a crescer obedecendo & Légica que os grupos ecanémicos hegensnicos impunham & vide urbana, 9 que cignificava habitar as terras baixas menos valorizadas. Os cosmopolitas Os bairros populares, eram habitados geralmente por imigrantes, «igrantes de outras estados e do interior, entre os quais encontravam-se os negros. Nas primpiras dévadar, os novimentos migratérios e imigratérios transformaram entac & netrépole em um espace etricamente plural © os seus bairros refletiam de alguma forma esta diversidade. Estas caracteristicas peculiares ao espaga paulistano nao excaparam & percepcao dos poetas, escritores e pesquisadores da época. Suas observagtes revelam un pouco da vida cotidiana destes bairro e a prépria viedo que os intelectuais alimentavam sobre a metrépole. @ propésito, Guilherme de Almeida, considerade o poeta simbolo da cidade, nos deixcu registrado suas impress6es acerca da diversidade étnica dos bairroe paulistanos. Estes registras, que ee assemelham aos chanados relatos de viagem, nos revelaram aspéctos importantes dos bairroe operdrios paulistanos, bem como a distribuigdo das etnias no espace urbano. . fs observacées de Guilherme de Almeida, em 1929, indicam por exemplo que os hungares concentravam-se na rua do oratério, oS judeus na Luz, os alemies em Santa Ifigfnia, os lituancs, esténios e letdes, na Lapa, os jap-ceses na Liberdade, -28- 0% arm@nios présincs aa Pars @ os portuguese em grande numero na Vila Mariana. Algumas desta: concentragées indicavam nao apenas afinidade cultural, mas também econSmica. & certo que na cidade naa existiam grupos monopalizande de forma hegeménica pradutos como noz de cola € 0 gade, a exempls des Mausas analisados por Cohen (1974) em Yoruba Nigeria. Contude, alguns grupos étnicos, atuavam no comércia controlando preferencialmente determinadas atividades econémicas, em torno das quais, fixavam residfmcia © estruturavam-se de forma até certo ponto homogénea. & o caso, por exemplo, dos espanhéis da Paula Souza, no Fari, que atuavam no rand atacadista de cereais, legumes, alho e cebola. Javia também o Caso dos esténios, letGes e lituanos que controlavam o mercado de carnes ne atacado, dos italianos que eram tripeiros e dos portugueses que controlavam o camircio varegista eo mercado de paes. Em seus registros sobre alguns destes grupos Guilherme de Almeida nos deixou a seguinte descriggo a respeito dos espanhéis do Pari: Cheiro de aniagem © cebola. As sacas abrenm as hbocas de cereais, bocejam pangudas, empanturradas, nas portas dos armazéns; as réstias escorrem dos tetos (..-) feijao, milno, arroz, batata, cebola @ alho, r&des de teias de aranha e picuma, frouxas, estagnadas em todos os Qngules das parcdes de cal e dos tetos de vigas Caiadas, homens de mangas de canisa transpirando dimheiro, carrogies — « caminhGes, descarregando sacas e réstias (cf. Almeida, 1962, pag. 59). € importante mencionar que os espanhéis além de -29- controlarem 6 mercado em ci, controlavamn também a distribuigae dos produtes pela cidade, pois eram geralmente proprietérios dos carroghes puxades por burros, um privilégio compartilhado apenas com 68 italianos. Assim, us quadro desta parte do Pari, teria segundo o autor que assumir o tom castanho, que era a cor dominandte dos carroteiros, afundades em sacas castanhos © domanda burros catanhos, e tades os homens da cidade que viviam assim e compravam sacos usados, moravam ali © eram em sua maicria espanhdis (ibiden, pag. 60? Se esta regigo do Pari, descrita por Guilherme de Almeida, adquiriu certa homogeneidade étnica em funcac das atividades econdmicas monopolizadas pelos espenhéis, regi em torno da rua Vinte @ Cinca de Marco, em funjao das atividades comertiais ali desenvelvidas, consequiu aproximar geograficamente grupos historicamente rivais. Os moradores da cidade os identificavam como os turces Contudo, a regiao concentrava quase todas as etnias do chamado "Griente Médio", além dos préprics turcos encontravam-se sirios, egipcios e libaneses. @ local ficou definitivamente conhecide como o reino das bugigangas onde se encontrava de tudo: Gangas © = migangas. Guinquilharia vistosa. Pechisbeque. Ouropel. Bagatela barate. E armarinhos (...) sabonetes, colares de contas, panes, baralhos, wales, Canivetes, latas de graxa, agulhas de gramofone, berloque, sand&lias, malas, alfinetes, cromos, espelhos, carretéis fc.) cores e luzes... Cibidem, pag. 89). Gutros grupos minoritérios come os judeus do bairro da Luz @ os al--Ses de Santa Ifig@nia, transformaram os espagos -30~ nbolos da sur tradigz0 piblicos da cidade imprimindo-lhes os ¢ cultural. Possibilitavam ac observador, 0 so 0 poeta, identificar no espaca urbano o local peculiar a cada etnia. Uma sinagoga cu una estrels indicava a presenga dos judeus, 0 use de bigodes em profusée, um espago drabe, um certo ciganismo no vestir (hungaros), © chope duplo (alem&es). Estes sinais diacriticos guase sempre denunciavam um territério prépric a determinada etnia. Nesta época, certamente, of grupos sais minoritérios mostravam-se ainda mais incisives, exagerando os tragos particulares que os identificavam enquanto um grupo especifico. Fortante tais atitudes v@m reforgar as teorias santropol gicas sobre jidentidade e@ gripe de interesse, discutidus anteriormente (10). Foi certamente por este motivo que Guilherme de Almeida dedicou grande atengdo a grupes minoritarios coneideratios até mesma pouco expressivos, em termos demogrdficos, como os hingaros da rua do Oratério, of arm@nias do Pari ou os estanios, letos © lituanos do bairro da Lapa. fo final da sua crénica, G poeta lamenta a nao descrigéo da “comunidade italiana" do Bexiga @ do Bras, & acrescentariamos, Barra Funda. Contudo, esta omisso acaba nos revelando algo bastante significativo a respeite da constituicac étnica da cidade, ou seja, que @ presenga italiana era tao marcante em seu espaso urbano que aparecia aos oihos do observador como algo natural, e@ de to natural que era, tornara-se imperceptivel aos olhos do poeta. Contudo sua presenga ndo escapou & prosa de um Alcantara Machado, que em suas Novelas Paulistanas - Brés Beriga e Barra Funda, procurou registrar aspéctos importantes da vida cotidiana do imigrante italiano nestes territérios. Porém, nos cranistas acima mencionadcs e mesmo em Mario de Andrade, que por essa época morava na Barra Funda, percebemos um siléncio sobre a vida cotidiana dos negros que residiam neste -33- heirro. & quase inacreditével que Mério de Andrade wcrando em meic Aquela coletividade nao tenha escrita uma linha sobre © oentes do grupo icf. Branca, 1993), justo ele, um dos wovinente wodernicta de 1927, que advogava teves de carater nacionalista. Certamente que em fungao daz teorias do branqueamenta, waite em voga naquele perioda, a crenga geral entre os Gntelectuaie paulistanes era de que # cidade tendia para uma espécie de “arianizagio", fata que a imigrageo macicas especialmente para 380 Faulo parecia confirmar (11). Desta forma os negros 40 serem excluidos da narrativa dos principais cronistas da cidade revelam exatamente a visae que Gs intelectuais tinham da mesma, ou seja, do cosmopolitisme paulistano o negro nao deveria fazer parte. -32- Higienizar ¢ + A imigragéo © & seyregagac comunitaéria dos imigrantes verificada na cidade © por nés apresentada no item anterior, foi motive de preocupagao para os “scientistas" da cidade, quase todos de tend@ncia eugenista. Alguns destes estudos sugeriam que o poder péblico se preocupasse em facilitar apenas ingresso no pais dos tipos raciais mais adequatos & constituigdo de wna nag&éo eugenicanente sadia (cf. Kehl, 1929). Também reprovavam a tendincia dos imigantes em formarem aquila que cenaminavam “enquistamentos étnicos”, isto @, grupos extremanente fechadns, pois estes proporcionariam Um maicr numero de relayGes consaguineas, algo visto como desastroso para a raga (cf. Aradjo, 1940). Apesar de alguns intelectuais paulistanes continuarem presos ao conceito de raga, o contexte ideolégice do inicio do céculo néc era mais aquele de pessimisma absoluto do final de eéculo XIX, quando entao, as teorias negativas e determinictas de um Agassiz, Lapouge cu Gobineau, tiveram acolhida © gozaram até de popularidade em nosso meio (12), entretantc, como verenos, ainda tinham seguidores. 0 nucleo das teses evolucionistas era de que o Brasil vivera um intenso processe de miscigenagao e@ que além do seu estoque racial negro, vinha ainda ampliando consideravelmente © nimero de mulatos. Estes, por serem praduto do hibridismo biolégico, nao se reproduziriam de forma “sadia” , fisica © intelectualmente, originando-se assim, uma nagao de degenerados. Um dos protestos nacionais que emergiu no inicio deste século, contra o evolucionismo biologizante, que nao parecia reservar nenhum lugar zo futuro da nacao, foi formulada em termos “cientificos” por Joao Batista de Lacerda, cujas idéias, tornaram-ce a principio, quase uma unanimidade no pais (cf. Skidmore, 1976). © feito de Jo&o Baticta de Lacerda foi tentar inverter @ questa, posicionando-se favoravelmente & miscigenagao racial, conciliande assim, suas teorias com a realidade empirica do pais. A miccigenacao era vista como um fato positive pois contribuiria a longo prazo para a eliminagéo total do estoque racial negro, ou seja, chegaria-se por outros meies ao tipo #isice europeu. Argumentava inclusive em termos cronolégicas, afirmands que em apenas um século o pais j& seria uma nagao completamente branca. Neste sentido, o pass se colocava & frente dos Estados Unidos (13), que ao segregar o seu contingente afro, conseguira tornar a quest4o insoldvel . A tese de Lacerda, apesar da simplicidade @ de apenas repetir ideologias veiculadas em mcic AO Senso comin nacional (cf. Seyfferth, apost.), ganhou status de cifncia, chegando inclusive a ser exposta pelo autor no Primeiro Congresso Internacional das Ragas (1911) em Londres. Suge idéias evidentemente causaram poltiicas nao apenas entre os congressistas, mas também entre a elite nacional que julgava cem anos um periode muito longo para que o pais se tornasse definitivamente brance. As teorias de Lacerda nao foram aceitas pelos “cientistas"” europeus, porém, internamente foi adetada como ideolagia dominante. Os intelectuais paulistanos das primeiras décadas também ndo se omitiram em relacdo ao debate que se travava a nivel nacional, adotando © propagandeandc 0 ideal do branqueamento. Tentaremos descresver o contexto idelégico vivido pela cidade em torno do tema, discutindo as idéia de dois influentes intelectuais do periodo, Sao eles Paulo Prato e o Dr. Renato Kehl, fundador da primeira sociedade eug@nica do pais em 1918, com sede em 340 Paulo. Faulo Prado, por exemplo, via a questdo racial de forma id@ntica a Joao Batista de Lacerda, postulando também pela solug&ée do branqueamento. Este era entendido nao como condigao necess4ria, mas antes como um imperativo hictérico. Argumentava que hi ‘oricamente, a miscigenagao se =34- impusera em nossa sociedade e como alguns postulados racista dos secula XIX come,avam a ser questionadus, o melhor seria aguardar pelos desdobramentos deste processo. Nao haveria mais nada a fazer pois entre n 5, a wescla se fer aos poucos diluindo-se suavewente pela mestigagem sew rebugo (.s2) nascemos juntos @ iremos até o fim dos nassos destinos (cf. Prada 1931).Apesar do ceticismo em relagao 4c mulate, Prado apustava no branqueamenta, camo um fata consiumado da nossa histéria. Preferia, apesar dae incertezas, acreditar que este constituiria um fate positive para nossa sociedade. O Dr. Renate Kehl também acreditava na solugdo do branqueamenta, entretante, nao apostava na miscigenagae como eclugéo final. Fiel aos principios eugenistas da hereditariedade, a sociedadade eugénica por ele criada, atraiu importantes intelectuais paulistanos, como por exemplo, Monteiro Lobato. Defendia a tese do branqueaments, porém aumentando 6 estoque racial brad co do pais, uma vez que para ele, o mlato ceria sempre um inferior psyco ou physico, ou ambas as co (ck, Mehel, 1929). s Acreditava ainda o Dr, Kehl que a eugenia seria & panacéia universal para acabar com problemas tac amploe quanta diversos, coma por exemplo, a criminalidade, as doengas, of problemas politico-sociais, etc., bstaria para tanto que se aumentasse a quantidade de brances existentes no pais. A Sociedade Eug@nica do Dr. Kehl, pode ser assim considerada um dos fidéis retratos de uma epoca, isto @, um periodo em que as pessoas ainda nde haviaw abendonado totalmente os postulados deterministas do século XIX © pracuravam nas ci@ncias médicas e biolégicas interpretagGes para a sociedade brasileira. Esta, naquele periodo, passou a ser vista como doente, seja pela heranga biclégica (Dr. Kehl), seja pelas determinagées do meio, (Monteiro Lobato). Neste contexta, as questGes sociais passaram a ser enfrentadas através de medidas saneadoras ou médico sanitarias lef. Skidmore, 1973). Desta forma a propria quest&o racial, wereceu @ aheng&o attics, hao apenas em termos analiticus, mas também em seu aspécto praética. Foram inclusive publicade come os do Dr. Kehl indicands Como Escolher uma bos Esposa (1925). Seu livre desaconselhava o casamento interracial, como uma estratégia para se conseguir o tipo eug@nico perfeito e se evitar x proliferagzo de mulatos. Gabemos que esse debate é importante, muito mais porque revela @ contexte ideolégica em que of negros atuaram na cidade que propriamente pelas medidas préticas que dete — tenham decorrius. Contudo, a ideclogia do branqueamento @ ac idéias de curepeizagao da cidade, refletiram de alguma forma no processo de reestruracdo dco seu espago urbano © mesma entre os intelectuais negros. € 0 que mostraremos, respectivamente, no préximo item e no capitulo IV. 0 surgimente dos espace: piblicos Para os doic primeiros prefeitos da cidade, Antonio Prado (1899-1911) © Raimundo Duprat (1911-1915), a questao de uma maior racionalizagao e normatizagao da vida publica, nos poides das cidades européias, tornou-se a base pars’ 4 implementagao das principais reformas urbanas levadas & efeito no inicia do sécule. Estas evidenciavam da parte do poder urbana, uma peccupacae com a diwensio da vida publica e com = ordenagéo do espago urbano. Semelhante as cidades européias do século XVII onde a vida pdblica se estruturau a partir dos cafés, teatros, parques de pedestres, etc. (cf, Sennett 1988) 4 cidade de Sao Paulo, Jj yinha, desde a final do século passado, proecurands definir © ordenar os espagos onde as individuos pudessem se manifestar publicamente. A partir das ditinas décadas do sécule XIX, com a demoligSo da vetha Casa da épera, a cidade passou a dispor de um -36- leatre intedramonte renovado, @ Teatro Sa Pedro, ont 4s camadas mais ricas da popu 3é poderzam ter contato com cantores famosne de vérian regiées da Europ, (cf. Morse, 1970)- fe camadas midias frequentavam geralmente regites menos nobres come o "Stadt Bern, uma cervejaria a0 ar livre, com arvores, jogos @ Uma orquestra”. Fodiam ainda assistir as corridas de cavala realizadas no hipédroma da Motca, ir aos circos e touradas, & inauguras, de uma estrada de ferro, ou & ascensso de um balao, como o do aeronauta mexicano Teédulo Ry Cevallos (ibidem). Quanto as camadas populares, estas nao poderiam obviamente passer o dia “bhebericando no Stadt Bern". Porém, j& em 1883, um grande nimero de quiosques enfeitados com flamulas comegavam a ser vistos pela cidade nas proximidades das estagies © em alguns jardin ptblicos. Nestes locais eram servidos doces, cafés @ bebidas alcoélicas baratas, atraindo Gs membros das classes populares que autrora se reuniam em torno dos chafarizes da cidade. Forém, nas primeiras décadas deste século a vida piblica na cidade comegou a ganhar nevas cores @ dinamismas, © zimbolo da nova era, o Cinema, prokiferou no espace urbanc, anunciande a chegada de novos tempas. Em 1915, per exemploy & cidade jé Contava com quarenta e seis "cinemas @ casas de diversées”. também, nesta época, a vida noturna se intensificara. Os importadores nfo se limitavam mais a5 mercadorias & quinquilharias ao sabor desta ou daquela etnia, Passeram também a importar ¢ a imitar os aspéctos da vida cultural das grandes cidades européias, sobretudo, Londres e Paris. Foi dentro desta perspectiva que por volta dos anos dez, inaugura-se na cidade o Café Concerto, réplica go cabaré acrohatas, saltaderes 4rabes e@ mais parigiense, com atletas importante, cocottes de muitos paises carregadas de rouge ¢ pintura (ibidem, — 9ag-278). que escandalizavam = os conzervadores. ~37- Nesle perioda « vida publica ma cidade também soi agitads por um “ewpresdrio sem igual", Victor Mayo, que em 1902, fundou em Sao Paulo casa intitulada "Nova Pariz em Sao "Vistas" Paulo, exibia aos seus frequentadores, mostra de (fotografias) considerade- ofensivas aos costumes. Logo nas © material foi apreendido oe o primeiras apresentagée empresaric ameacado de processo pelo delegado. Mas Victor Mayo nao se intimidou e um ms depois convecou une nova mostra de istas", com entrada gratuite. Naquele dia uma multidao se acotovelou & entrada © se precipiteu dentro da pequena sala num herreira terrivel, @nte a ameaca de uma tragédia © a titulo de proteger 4 soralidade pitlica, o delegado mais uma vez interviu, fechanda a Pariz em S40 Paula sot o protesta de todos. (cf. Fonseca, 1988). Nae a grande sensacao da vida noturna da cidade era um cabaré, intitulado Politeama, chique © animado, frequentado pelos “grafinos" e bo@mios. As transformacGes que este produziu nos h4bites paulistanos foram téo significativas que conseguiram relegar ac ostracismo o Teatro Nacional, que dizia-se voltado para a verdadeira arte. Ali no inicio do sérulo, a cidade viveu um dos seus momentos de maior "frisson” e preocupagao para o poder publico. 0 Préprio Poleteama &© depois o Cassino Paulista, costumavam apresentar um numero da dangarina egipcia Sar Farah, a primeira mulher a dangar nua er Sdo Paulo. (cf. Morse, pag. 278). As expectativas sempre ficavam por conta do momento em que ela abria sua capa de veludo ante aos espertadorés deslumbrados. Dizem que as suas apresentacgSes eram tao ousadas e cfensivas aos costumes que a Policia houve por hem proibi-las (cf. Fonseca, 1988, pag. 216). Isto soava como algo inovadar acs olhos da platéia, ainda mais considerando-ce © moralismo reinante na periods, quanjio até mesmo as tabuletas de propaganda das parteiras com desenhos de criangas recém-nascidas eram apreendidas por ofender amoral publica (cf, Morse, 21970). -38- Pertanta, JA cetavam ditiantes Aqueles Glas Gm que reramcnte as pessoas dvixavam a sua vida privada saindo uma ou outre ver para visitar amigos intimos, "sempre acompanhacias par uo pater familias", Ne época do velba burgo de taipas, nao se conheciam os passeics “para fins higi€nicos su recreativos", os cafés nao sxietiam & se um joven entrasse em um restaurante para tomar cerveja ou mesmo Agua com agicar, era tido como extravagante © imoral (ibidem). Estes momentos da vida publica paulistana Gizen respeite particularmente as elites, uma vez que as camadas populares iam ao Stardt Rern, & ver Sar Farah no Foliteai era um ato quase vel. Porém, uma dimensdo piblica da vida na cidade estava sendo gestada nos bairros populares, nos seus botequins, sssociagées recreativas, fectas religiosas, ete., coms teremos a oportunidade de verificar, especialmente em relagao ao negro. Tamhém, nas primeiras décadas do século, ja se fazia sentir, da parte do poder urbano (a Frefeitura), uma preocupacac em ampliar oS espacos pthlices, destinados & participagao dos cidad. instituiu a cidadania, seria natural que esta tivesse onde se sna vida coletiva da cidade. Se a ordem republicans @pressar. Algumas destas modificagGes urbanas tiveram inicio na gestéo do prefeito Antonio Prada (1899 — 1911) que transferiu o wercado das zonas centrais para os subGrbios, alargow ruas do centro velha fel remadelau pragas (cf. Roinik, 1988). fo término do seu ultimo mandato elaborou-se um quadro da sua obra urbanistica @ o resultado era o seguinte: @ cidade contava com 23.427 arvores plantadas em ruas © pragas piiblicas, 32 avenidas, 41 boulevards ou alamedas, 903 ruas, 32 travessas, 20 pragas ajardinadas € 03 jardins piblicos. Em 1916, quaze tedas as ruas— principars estavan iluwinadas com enegia elétrica e linhas de bonde se “vradiavam em todas as dtrecées (cf. Jorge, 1968, page 17%). fs transformagGec urbanas na cidade tiveram também continuidade com seu sticessor Raimundo Duprat (19ti-1914). Datam da sua gestac a construgao da Viaduto Santa Ifigenia (1913) © @ inauguragaéo do Teatro Municipal (1911). Neste periado a Praca Rasos de Azevedo © ac ruas préximas 34 encontravam-se totalmente iluminadas com lampides produzinda entre 1.000 © 4.900 velas, possibilitands ans cidad&& circularem por este espace também & noite. Porém, tais intervencdes ne espago urbane paulistano obedeciam também a uma outra légica, a do sancamento da cidade sob a dtica mético-sanitaria. Os principais alvos eram as habitagdes populares, consideradas pela ideclogia sanitarista coma foco de promiscuidade e de doengas. Datam deste periods as campanhas pela destruigao dos cortigcs e os projetos de vilas operdérias comaa tipo ideal de moradia para o trabalhador disciplinado (cf. Rago, 1987) e (Relnick, 1989). © lugar do negro A viedo médico sanitéria que orientou a intervencao do poder piblico em relagaéo ao urbano, também foi responsavel pele exclusao social do negro das regiGes centrais da cidade, uma vez que este era igualmente visto como foco de contaminagao e& impureza. Foi dentro desta ética que o lugar do negro foi sendo definide e redefinido no espago urbano. Pesta forma, assistimos no inicio do século a rémogao do centro da cidade de uma antiga “cominidade negra” que datava do século XVIII. Feta coletividade se estruturava a partir da solidariedade entre as préprios negros. Estes construiram naquele local “uma igreja simples, um pequeno cemitério © um ~40- correr de casebres que passara @ abrigar alguns casais de negros libertos, que desenvolviam pequene comércio”. Até o comeco do eéculo ainda existia igreja eo Cavario, abrigando uns poucos ex-escraves © seus familiares que viviam de pequenoe Lervigas artesanais" (cf. Britto, 1986). Com as reformas urbanas patrocinadas pelo poder piblico, foi concedida & Irmandade do Roséric um pequenc espayo no Largo Paysandu, para a construgas de uma igreja, destinada exclusivamente ao culto religigso onde até hoje permanece. Quanto acs negros que aglutinavam-se em torno da velha igreja, foram obrigados « deslocarem-se para as regides periféricas, provavelmente indo engrascar of territérios negros do Cambuci, Bixiga © Barra Funda. Quanto 0s espacos plblicos recém construides pelo poder urbana, « permanéncia do negro nos mesmos, mesmo que por abores, um breve perioda, poderia trazer-lhes também d especialmente no centro da cidade. Neste caso eram geralmente vitimas das perseguicdes policiais que, nao raro, culminavam em iprisGes. “Era os tempos do P.R.P", segundo o seu Zezinho-da-Casa Verde, isto é, do Partide Republicano Paulista, simbole do poder dominante da burguesia cafeeira e para o negro sinénime de repressaéo policial de uma época. Também as manifestagoes de discriminagao racial por esta épara eram mais explicitadas nos espagos pitblicos. A propésita, em 1927, um dos jernais negroes, diante desta questao, resolveu protestar abertamente, publicando um artigo intitulado,"Os pretos eo jardim siblice". 0 artigo referia-se aos concertos que aos domingo eram promovides no Jardim da Luz, em lugar que o préprio jornal considerava o “predilecto de algumas platéias nossas". @contece, diz o artigo, que durante estes concertos os negros jamais conseguiam se aproximar do coreto, onde a Banda da Forca Publica executava o seu repertério musical. Permaneciam geralmente nas imediagées de um tanque que havia nas proximidades. € que os rapazes (certamente brancos) formav > uma -4t- espécie de cordeg de isrlamento © quem © & roupi-16, era motive de "apoupos © chalagas"~ 0 jornal conclui protestando contra esta si tuagdo imposta aos negros nos espagbe pitblicos, sugerindo a estes putros locais nos quais pudessem se encontrar publicamente sem o incémedo de cewelhantes provoragGes, como por exemplo, numa "seseda cinematographica ou teatral" (cf. O Clarim da Alvorada, 28, 1927). Esta questéo dos insultos verbais piiblicamente langados no negro, chegou a ser mencicnada por Fernandes (1978) em suas andlises sobre a integragéo do negro & sociedade de classes, 0 autor conclui que of insultos tendiam @ identificar G negro como rudes e degradantes, o que poderia se explicado pelo seu passada escravo. Mas tais ofensas ptblicas podem expressar algo mais profundo, ceo adotemcs o referencial analitico proposte por Leach, a propésito das categorias animais @ do insulta verbal 11903). @ntes vejamos algumas das ofensas mais comuns ac hegre na @poca: cada macace no seu galho, prete que nem vao, negro nao & gente, negra perce, negro de alma branca, sujo que nea negro, feder que ven negro (cf. Fernandes, 1978 pag, 307 e 308), Outras categorias como frango de macumba, ticko, ti fu, anum, urubu, etc., ainda sé0 frequentemente associadas so negre ro imaginéric popular. be uma maneira geral, argumenta Leach (1983), 05 insultos verbais podem ser classificados em tr@s categorias: aq Ges, b- blast@mia, c- insulte animal. Ao que parece, ealavr es “apoupos e chalagas”, como dizija e artigo de © Claria , podem ser classificados de acorde com as definigdes de Leach, como insulto animal, onde poderemos agregar outros elementos da natureza, pois como vimos atima, sao estes of insultos preferencialmente enderegados ao negro. Rinds eegunde Leach, 4 forga destes insultos residem etatanente na sua capacidade de epressar a ambiguidade entre os reince do ~atureza eo da cultura. Por isto mesmo nado ce ~42- insulta os individuos com categorias animais distantes, como "seu canguru", “seu jacaré", "seu camelo", ou outros, pois estes nao possuiriam qualquer eficacia siahélica. besta forma, o insulta animal privilegia geraimente elementos que estejam nos limites entre a natureza e a cultura. Fortanto, insultar uma pessoa com as categorias de animais domésticos denota maior forga simbélica porque a toloca nestes limites, indicands que ela nao pertence ac reino da natureza, mas tambéun que & incapaz de partilhar do universe da cultura. Faltam-lhe atributos humanos para tal. @ sua condig&o nao é portanto muito diferente daquela que ostentam os animais domésticos, que sfc também incapazes de ingresearem no reino da cultura. Air ” eside certamente 2 forca de insultos como cachorro”, "seu rato", seu sua vaca", “sua galinha", etc., assim coms daqueles lancades diretamente ao negro como "macaco", “frango de macusba", etc., que nao estado relacionades apenas & cor, porque outros atributos animais cuje pele @ escura néo sau enderecadas 20 negro como, por exemplo, “seu foca”, “seu puma" eu outros. Qs insultos langados ao negro indicavam e certamente indicam, a tentativa, numa sociedade plural, de “colocar o negro em seu lugar", cu seja, préximo ao reino da natureza, posicgac que ocupara no pericdo escravocrata, quando a sua condigae social era melhor definida. Mas agora, com a Aboligac, © a Repiblica, o “negro queria ser gente" e@ comecgava a se envolver nos locais pliblices com os brancos, que sempre tiveram este privilégio. Procuravam assim aqueles esteriétipos indicar ao negro o seu lugar, que deveria ser de ambito privado e ndo piblico. O cenério que descrevemos acaba nos revelando que o processo de industrializacdéo e urbanizagéo da cidade, bem camo vs projetos ideolégices e esteriétipos em voga, nao tinham como premicsa a incorporac&ée dos segmentos afros & vida piblica da cidade. O fate de Alciitara Machado abordar em suas Novelas Fa © cotidiano da coletividade italiana © nao regictrar a experifncia dos negros doc pordes do Bexiga e Rarra Funda, bem como a auséncia destes na obra de Mario de Andrade ou Guilherme de Almeida, ¢ um indicative da forma como a elite paulistana via © negro. 0 sil@ncic nos revela que 4 presenga do negra contaminava © modelo de cidade que desejavam. Quanto ses homens de ci@ncia, preocupados com a questao racial. seguiam geralmente as idéias de Paulo Prado cu de um Renato Kehl. Estes também reservavam ao negro, em seus esquemas teéricos, &@ perspectiva do decaparecimento. Também o poder urban, pretendia que es negres da cidade "ficassem no seu devido Tugar", o que significava abandonar o centro urbano, como se viu no epsédio da Irmandade do Rosario. For fim, a preconceite gengralizade, cuntribuia para indicar que o lugar de negra n&o era no reino da cultura, mas sim no da natureza, cu no limiar da ratureza © da cultura, como os animais domésticos. Diante deste ouadra, em si adverso, tentaremss cbservar, no préxime capitulo, as ages desenvolvidas pelos negroes da Barra Funda, no sentido de se afirmarem no espace prépric da cultura, iste €, nos espagos puhlices da cidade. Verificaremos, portante, como foi possivel ao grupo, dentro dos limites anteriormente expostos, desenvolver formas especificas, através das quais, puderam experimentar, aguilo que Senett denominou a dimens&o coletiva da vida, ou seja, a de homem public. 44 Capitube cr GO territeriso negro da Barra Funda @ participacau da negro na vida coletiva paulistana, processou-se, come vimos anteriormente, de forma semelhante ao das camadas populares das grendes cidade brasileiras no inicio do secule. A instauragdo da ordem republicana que fixou os fundamentos da cidadania, parece nao ter sido suficiente para transtormar © cidad’o de direito em cidadéo de fato. Faltava a nova ordem constitucional, instituir canais politicos sélidos suficientemente democréticos que garantissem a interlocugac entre o homem comum @ o Estado. Sabemns que os chamados Partides Republicanos, criades neste periods, nada mais expressavam que o5 interesses de grupos oligarquicos, fortemente encastelados no aparelho estatal. Periodo em que as oligarquias do café e@ do jeite impunham 4 nagao os seus interesses reyionalizedos, para nao dizermcs, particularizados (cf. Fausto, 1985). Nie era portanto injustificada a atitude das camadas populares do pericdo em relagao & politica. Diferentes autores concordam que, ante a impossibilidade de mudangas, estas viam a politica como um miste de deboche @ indignaczo (cf. Morse, 1970 e Carvalhe, 1989). Noe momentos em que ocorriam cisdes entre as elites e -45- as coisas ficavaw sérias, havendo contestagao do poder por fragées do grupo dominante, a palavra de ordem entre a classes populares era quase sempre saque aos armazens/ (cf. depoimentos do Sr. Yesinhorda-Casa Verde). A — populagao aproveitava entao © momento para saquear alguns viveres e até mesmo iguar as finas, a= quais somente a elite tinha acesso, © jam se far bem longe da metrépole. Foi praticamente iste que ocerreu em 1924, quando o Palacio de Governo, que ficava no bairro de Campos Eliseos, promo & Barra Funda, foi stacado por rebeldes. Parte da coletividade negra, atravessou o ric Tiet®, inde refugiar-se no Mltc-da-Casa Verde, onde jA exietia, em meio aos cafezais, uma incipiente coletividade negra. Ali permaneceu até que as coisas na pélis se acalmaram. Semelhante atitude era também observada em outros segnentos das camadas populares. Nestes momentos a populagao pobre da cidade costumava tomar o trem rum as cidades do interior. Preferia 4 companhia dos parentes a envolver-se em conflitos politicos que nao lhe dizia respeito. Estas atitudes nos parecem uma reat natural do homem comin & ordem republicana que o excluia, OQ alheiamento, o deboche e a irreverEncia tan frequentee na vida politica das cidade do periodo (cf, Carvalho, 1989) constituim uma resposta dos setores populares ac modelo institucional implantado. Neste, os canais que deveriam viabilizar didlogo entre o cidaddo e& © Estado eram manipulades ao sabor dos grupos dominantes: fraudavam-se eleigGes, atas eram falsificadas e 0 voto era de cabresto. .Apesar do descrédito em relacso a politica formal contréria a toda espécie de mudangas, nem por isso a vida pablica na cidade desapareceu. Ao contrérie da nao participagao nas estruturas politicas formais, observa-se no fmbito da sociedade civil, o desenvelvimento de mialtiplas associagées informais fundadas, nas irmandades religiosas, étnicas, culturais, esportivas ou recreativas. AssociagGes deste tipo também foram desenvolvidas. pelos = negre™ paulictanos, -4b- Cialmente na Barra Funda conforue vorenus a seguir. Paradoralmente, Séo Faulo era uma cidade, talvez a @niea do continente, onde aq menos teoricamente, as condigors para a individualizagas, racionalizasdo © a secularizagac de cultura, estavam precsentes. Utilizando-se uma terminglogia marvicta, poderiamos afirmar que aqui estavam dadas as condigces infra-eetruturais pars a instauragao de wma — dewocracis burguesa, pois até mesmo a economia de mercado pulsava com toda sua forge, Meamo acim, esta cidade que era do ponte de vista econSmico t&6 singulay e politicamente tio semelhante as demais Cidades brasileiras, nos mostra que = dimens&o da vida publica, experimentada pelos negros, deveria ser buscada no Smbite dos bairros © associagGes informais. Verificames que aqui, 4 exemplo do Ria de Janeiro icf. Carvalho, 1988), somente a nivel do bairroe @ que os membros das camadas populares podiam se sentir parte de uma coletividade. A cidade como um todo estava muita distante daquele ideal de pélis aristotélica. A exemplo da pélis ateniense, a pélic paulistana ndo passava de um mito. Também aqui o bem comum significava © bem de poucos. Qs negros ocupam seu territério 0 Rairro da Barra Funda n&o surgiu historicamente como ua territério negro, nem se transfarmou numa regiao exclusivamente negra, como se fosse um gueto. Ao contrério, © bairro foi a principio obra dos imigrantes italianos do século passado. Decde 1597 as plantas da cidade j& indicam que a area encontrava-se plenamente urbanizada. Além dos italianos o bai-o contava, @ principio, com tins parcela menos eipressiva de portuqueses. Como cutras reg? oes da cidade, que se transformaram em bairros operarios, a Barra Funda era originalmente uma chécara, & denominads Chécara do Carvalho, outrora ei-moradia do primeiro prefeite da cidade, Antonio Prado (1899 - 1911). Porém, em fungao da regiao ter sido cortada pela linha ferroviéria da Sao Palo Railway e@ da Sorocabana, © Jocal tornau-se rapidamente 6 centro das especulacées imobilidcias. fecim, o ritmo de urbanizegéo do bairro foi intenso entre G final do século passads e G inicio deste. As casas, foram quase todas construidas pelos campomastri, (mestres-de~ chra italianoe) cujas técnicas de construgao — tornaram-se dominates em todo o bairro. Estes ao contrérig dos pedreiros portugueses que preferiam os alicerces de pedra, utilisavem alicerces de tijolos © pregos no jugar de parafusos. Isto possibilitava-Ihe alterar formas com maior facilidade (ct~ Morse, 1970). Também a Barra Funda dispunha de areia e argila em grande quantidade. Estas eram exploradas nas margens do Fie Tiet@, o que de certa forma contribuiu para acelerar a construgao daz casas no bairro, @ estilo destas eram semelhantes: ‘“pequena frente, muita fundo, com quartos enfileirados, uma entrada lateral, com cozinha © banheire nos fundos @ a oficina em muitos casos”. 05 campomastri, todavia, jamais se esqueciam dos pordes, para guardar aquilo que” nao cabia nos quartos. Estes porées, mais tarde, seriam locados para ps negros que fixaram-se no bairro (cf. Scares, 1983). Quanto & areta retirada do rio Tiet@ para a construc ao destas casas, aos poucos, originaram importantes Olarias, controladas pelos italianos. Estes as exploraram por varias décadas subsequentes, pois faltava ainda construir a baixa-Barra Funda, do outro lade da $0 Paulo Railway. A intensidade do precessa de urbanizacao nko foi contudo suficiente para equacionar o problema habitacional na regido, que entre 1710 © 1915 j& assumia niveis preccupantes. 6 propésito, jornmal anarquista do tairro, A Fanfulha, foi -48- wioneiro nas criticas aes prefeite Antonio Prado. mente da Acusavam-no de preocupar-se mais com obras de embele Paulista © do Anhangabad que propriamente em criar um programa habitacional nos bairros operdérios (cf. @& Folha da Tarde, 2B. 12198). Foi mais ou menos neste perioda que os italiancs picneiros, enriquecidas com as pequenas fabricas © oficinas, comegaram & migrar para as regiées mais nobres da cidade coma Santa Cecilia, Ferdizes e outras. Também, por essa época, & burguesia agréria e industrial abancona a cutrora aristocrética regiao de Campos Eliseos, nas imediagSes da Barra Funda, fixando-se em Higienépolis ou rumando em diregda ao espigao da Paulista (cf. Rolnik, FAU/USP, 1986). Em subst tuigdo 4 elite patlistana e aos membros préspercs da coletividade italiana que deixaram o bairro, vieram os negros, oriundos das regiGes agrarias do interior do estado. Estes aco lado de novas levas de migrantes brancos e imigrantes pobres, transformaram os antigos casarées de Campos Eliseos em auténticos certigus (cf. Relnik, 1988). Gs negros que ccuparam a Barra Funda eram, portanta, em sua maioria migrantes, negros da lavoura conforme um depoimento em Fernandes (1978). Viviam ne polis come trabalhadores informais. Exerciam ocasionalmente as func6es de carregadores, serventes de pedreires, perfuradores de pogos, etc. Contrastavam com a elite negra que vivia ha mais tempo na cidade, trabalhanda em servigos domésticos ou burocrdéticos, gozando quase sempre des favores de uma ou outra familia nobre paulistana. Diferenciavam-se também dos negros pobres do Bexiga (cf. Branco, 1983) que ali se fixaram desde o final do século passade, habitando também porGes e corticas e vivendo de trabalhos informais ao lado de uma significativa colénia italiana. Ha inclusive registros de que por veita de 1870 as matas do Bexiga serviam de refiigio para oS “escravos fugidos” (cf. Fonseca, 1989). Este foi certamente o primeiro territéria negro da cidade. —a9- HabitagGes coletivas: pordées, cortigos © terreiros. ns cacae da Barra Funda nem sempre eram vendidas. 05 locar estas residfmcias © 65 antigo locadores « sublocarem-nas. Sublocavam aos negras aqueles parbes moradores passaram que cs campomastri haviam revervado aos pertences wars diversos. Na hierarquia habitacional Ga épeca, o8 pordes ocupavam 9 Witine degrau entre as moradias slugadas pelas camadas de baixa renda, endo inclusive inferieres aes cortigos. 0s porGes ado ofereciam qualquer possibilidade para uma moradia 66 al condicdes mnimamente digna. Eram em sua maioria escuros, ventilados © tmides. Mas, devido ao baixo custe do aluguel, torwaram-se locais atratives para 9s negros que chegavam 4 cidade. Nos porées era camum, por exenploy abrigar-se duas ou mais familias em um dnico quarto ‘No pordo naa era que nem hoje em que mora uma familia... sorava duas tres (..-) aS vezes tinha porso que era baixo demaie com 1,70 de altura, tinha que andar meio encolhido, porque onde o negro ia viver? Ele néo ganhava.-. ndo € que nem hoje em dia, o pobre sao ganhava, 6 pobre n&o ganhava pera comprar uma bengala" ef. Depo mento, seu Jezinho-da-Casa-Verde, 1987) - . Ae condigdes de vida dos negros nos pordes e cortices da cidade foram amplamente aberdadas por Fernandes (1978). Depoinentos por ele mencionados s8o também slustrativos das dificuldades enfrentadas pelo grupe em relagso & moradiat 0 -s0- Chae (dos porties) era de terra batida. A cama fre aun esteira velha. Nav havia cobertas nem roupas de cama. 0 pretendente negro podia ser rejeitada; algumas vezes por causa da car, mas também porque a locador tema pela regularidade dos pagamentos lef. Fernandes, 1978, fag. 147). 0 porées tornaram-se a forma de habitagao mais comum entre os negras da Barra Funda. As casas em que estes se encontravan eram geminadas © aos poucos a= paredes dos por des foram eends perfuradas eos mesmos interligados (cf. Branco, eitilitava maior contato entre os individuos, que 1982). Tsto po desta forma redefiniam a moradia. Tranformaram © por éo individualizado em uma habitagac coletiva, Sugia, assim, nos eubterrdneos da Barra Funda, auténticos "quilombos urbancs"- Um antigo marador do bairro, & jormalista Francisco branco, registrou da seguinte forma @ ebita presenga dos negroes naquela regio: Em questGes de meses, sob solares © sobrados, estabeleceu-se uma enarme colénia wegra, vastissine quilombo instalade nos porGes. Estes por sua ver, foran sendo ligados e@ interligados, convertenda-se em intricados labirintos subterraneos para onde, impelidos pela presso ecanémica © buscanda apoio ma fraternidade de cor, afluian os megros. Ali se instalaram, celebraran -suas raras alegrias ¢ carpiram tristezas muitas. Ali nasciam os mnegras da Barra, ali viviaw grande parte de suas vidas, all gerainente morrias (ef. Branco, 1982). Evidentemente que a ocupagao dos “subterréneos” da Barra Funda pelos negras da epoca, conforme depcimentos e relatos acima mencionados, ainda requer estudes de car ater mais lonalizado que pecsam canfirma-la. Porém as andlises de Kowarick c Ant (1983) sobre os cortices da cidade, indicam que 9 morar -Si1- roletive ers amplamente praticado pelas camadas populares 1 inicio 66 stuulo, deste habitar coletive também G6 negra Tao excluids. encantrava- A&A habitagdo coletiva, seja através dos portes interligados ou dos cortigos, era instauradera de diferentes fGrmas de sociabilidade. Confrontava-se nitidamente com o modelo de habitac&m exigide pela moral burguesa dominante, isto ¢, individualizada © higi@nica. Desta forma, as pressGee gocio-ecenémicas ao excluir os individuos contribuiam decicivamente para a emerg@ncia da fraternidade de cor. Na Barra Funda, as habitagdes coletivas abrigavem diversas ties africanas cow seus clas, que praticavam o jongo, nactmhe ou samba de reda como extensio da prépria vida familiar- 2 onde moravam familias Estes loceis eran habitagdes ¢ extensas © individues sem lagas de parentesco (cf. Rolnik, 199ab, pag.4). Os batuques frequentemente praticados em seus interiores deram origem a05 primeiros cordées carnavalescos da cidade (cf. depoimenta do Sr. José Francisco). Uma das tias africanas mais populares na Barra Funda foi gem divida Tia Olimpia, uwa negra bonita, com porte de nobreza (..-) que organizava festas num terreira situado na rua Anhangsera na Barra Funda (cf. Moraes, 1978). Tia Olimpia e as demais tias africanas foram desta forma fundamentais no sentide de assegurar nos espagos coletives das terreiros, pordes ou cortices a continuidade das trocas culturais © simbélicas no interior do grupo. Compreende-se que as agdes das tias africanas foram decisivas para a organizacao politico-cultural do grupo ne espaco urbanc. Elas certamente significaras para 9 negro paulictanc o mesmo que a Tia Ciata representou para o negro no Rio de Janeiro (cf. Moura, Re >.” . Oe territérios coletivos negros na Barra Funda nao cram, portanto, espacgos para as manifestagGes individuais no sentido expresso pelo morar burgués. Uma das explicagdes possiveis ¢ de que em fungda da repressao As mani festagoes -52- culturais neqras uO espage pablice, estas Tenbaaese recolhide para o interior dos porBes, cartigos e terrerroe: Forém, ao wenos em relacas aos terreircs, Seid (L9EIE) igere que este cempre — representou uma rategia colctiva de "reterritorializagae” do negra que ne didupora fora desprovido de sua base territorial. Esta “reterritorializacdo” desenvolveu-se em forne do patriménio simbélice de grupar culte a muitos deuses, institucionalizagao das fest dangas € formas musicais (cf, Bodré, 1988, pag. 50). Forém, @ seu significads mio & mer amente religioso ou ritualistico. Observa que 4 egbé Clerreirod, poceui também cardier econdnico © pal itico. Em torno dele inetauram-se relagGes de ajuda mitua entre amigos © parentes, aqregan-se individues & forjam-se contetos sackats. Territério piblice: trabalho Além do baixo prego do aluguel nos porGes, a Barra Funda fot escolhida pelos negros também por razGes econdmicas de outra ordem. & que o bairro ficava estrategicamente préxime 2s regiGes nobres da cidade, como Santa Cecilia e Higienépolis. Facilitava, portante, o deslocamento das miuineres que trabalhavam como domésticas nas casas das familias ricas da cidade. Também no bairro ficava a Estagao Ferroviaria da Barra Funda, que funcionava-como entreposte. comercial de café. Nos grandes armazéns existentes & margem da linha ferrovidria, eram pstecados produtos que vinham das cidades do interior. As atividades de carga e descarga destas mercadorias ex obra bragal. Constituiam, portanto, uma opgao de trabalho para giam mac de os negros que chegavam & metrépole. A instalagéo da primeira linha de bondes elétricos na cidade a partir de 1700, ligando o centro A Barra Funda, - bem coma of terminais instalados no Bom Retiro, ofereciam ainda a possibilidade dos negros trabalharem como motorneiros. Porém © gresso da méo-de-obra negra destinava-se aos terminais de carga da Estagaéo Barra Funda. Além de abastecer os grandes armazéns como café e G algoddo, destinadcs & exportagao, a linha ferroviaria da S80 Paulo Railway @ da Sorocabana, cujo terminal era na Barra Funda, também cumpria importante papel no abastecimento do mercado interno da cidade, transportanto cereais, legumes, lenha, etc. Assim, os produtes que chegavam ao terminal Barra Funda eram redistribuidos pelos carroceiros que os tre sportavam para -s4- o centro cerealicta da Paula Souza, no Pari, om para OF comerciantes que atuavam no varejo. Como vimos anteriormente sta era uma atividade praticamente mongpolizada por carreceiros de origem espanhola © italiana. Os carroceiros eram assim, pegas fundamentaie no process de circulacao das mercadorias na cidade. O novimenta das carrogas © Carrovaps era intense, principalmente nas imediagdes da estagéo Rarra Funda, ponte de distribuicao da cia pode ser verificada em produgao agricola. @ sua import funcao do grande numero de bebedewros instaladcs na cidade, bem como pela inerivel quantidade de matrirulas realizadas pela Incpectoria de Vehiculos da Prefeitura (1905). Somando-se 05 civerses tipos de carrogas licenciadas em 1905 temos um total de 4.993 enquanto outros veiculos lidenciados incluinds tilburis, automéveis, carros de praca, etc. somavam um total de 909 (cf. Relatério do Prefeito, 1905). Estes dadae demonstram que as carrogas doeminavam © espace urban. Portante, por essa época, a cidade ainda maviase ao ritmo da tracao animal e o processc de carga e descarga vestas carrogas requeria também o concurso da mao de obra negra. Assim, o bairro era marcado por muito trabalho e muitos sens. O som dos trens da $20 Paulo Railway, com sua regularidade brit&nica — ao ponte dos moradores afirmarem que podia-se dispensar 0s relégios- marcava a ritmo preciso do processo de acumulagéo do capital cafeeiro e industrial. Este crescia na mesma propor cao em que a burguesia ascendia ao espighkc da paulista. 0 som das carrogas, com seu interminavel ranger de eivos @ chocalhos de animais, era mais sombrie, quase melancélico, talvez querendo anunciar © desencante dos imigrantes que n&o conseguiram "fazer a América". Mas um som © um ritmo mais forte e mais alto vinha da musica afro, do samba, que.se tornaria © som hegeménica da Barra. Um mista de protest fg auto-afirmagac de um grupo. Desta forma, o som transformou-se om uma expécie de metalinguagem naquele que era o mais musical dos bairros da cidade. fs relacées de trabalho, envolvendo os Tegros © Of carroceires, bem coma naz armazéns de café, al & algodao, eran informais. Mao havia um contrate que as Fregulasse. Os negros reuniam-se om frente & Estagao Ferrovidria & espera de uma oportunidade até que ela aparecesse. Nas primeiras décadas, o@ principal produte a ser descarregads era o café pote ele nem sempre era transportade diretamente para o porte de Santos. O seu escoamenta era determinado pela maior oll menor demands no mercada internacional. Houve momentos em que o produta sequer chegava ao porto, senda incinerado ali mesmo na Barra Funda, Era a estratégia utilizada para se garantir pregos ono merdado internacional, ante o evcessa de producao. 4 estagéo Barra Funda era também patio de mancbra da a0 Faulo Railway e da Sorecabana. Ali, seus vagdes eran alinhades na ordem correts em que deveriam ser desatracades pelas estagGes do interior. Isto também enigia muta mao-de-obr a. OG processo de trabalho dentro dos armazéns, especialmente nos de café, era desencadeado com a chegada dos vagSes que se dispunham em suas praximidades. @ partir deste momento eram distribuidas as tarefas, em média 10 a 12 homens eram recrutados para descarregar dez a doze vagdes de trens. 0 ritmo de trabalho era acelerado e estafanter "Na sacaria, era um correnda atras do outro, que nem um louco. Voc@ chega aqui no vagio chifra e sai correndo, pei, pei, pei, pei. Sobe, e tinha 35 degraus ainda pra subir. Voc& chega 14 em cima e volta, quando “duas @ meia, tr@s toras nego queria ir embora” (cf. depoimento, Seu . Tézinho-da-Casa-Verde, 1909). Os trabalhadores da sacaria autcdenominavam-se @ eran denominados "os chapas". Suas atividades eram as mais duras, diferinds daquelas realizadas pelos jovens negros. Estes ficavam pw grande nimero no Largo da Manana, desempenhando atividades leves @ ocasioneis. Qe homeng das sacarias, “os chapas”, tambér eram igentificadoe pela sua iduwentaria. Nao havia uma roupa padracy mas cles vestiam-se de maneira mais Gu menos homogénes. Tinham a expressao carregada, jamais sorriam no trabalho, gostavam de uma cachaga de Jitra e eram muito bons de briga (cf. depaimentos, Seu Zézinho-da-Casa-Verde, 1939). Trabalhavam normalmente sem camisa, vestiam bermudas ou calgao, utilizavam gorros ou bonés na cabega para protesso do couro cabeludo, onde apoiavam os sacos de café. Utilizavam ume faca na cintura, para uma eventual abertura dos sacos uma aguiha, caso fosse necessério costuré-los. Devido ao afore fisico a que estavam submetidos, utilizavam uma faixa de protecdo na cintura e uma espécie de avental para o apoio das mercadorias antes de colucd-las no chao (cf. Depoimentos, Sr. Nelson Altieri, 1989). OQ ritmo do trabalho era ditado pelas tarefas que deveriam ser realizadas. Nem por iste os trabalhadores tinham controle sabre © tempo de trabalho, pois a quantidade de nercadorias a serom descarregadas eram ditas exteriormente, Estes, por sua vez, procuravam acelerar o ritmo da producaoy objetivande com isso aumentar o chamada tempo livre dedicado ao lazer que, obviamente todos desejavam ver ampliada (cf. Thompson, 1979) @ (Huizinga, 1945). hn remuneragao, ao final do dia, acrescia-se geralmente, formas ndo monetérias como frutas cu legumes, que os megros vendiam apés 0 trabalho em frente & Estacao. Como normalmente esta remunerac&o era em bananas, a regiao em frente a Estacao, onde estas eram vendidas pelos negros, passou a ser conhecida coma Large da Banana. Porem, o& chapas, apesar do ritmo arelerado do trabalho, iniciaram pracessos de "resisténcia" A exploracan & que estavam submetidos. Uma das f--mas encontradas foi tentar ~S7- aumentar a quantidade de frutas, acrescidas ao pagamento, no final da jornada de trabalho. A estratégia era basicawente a seguinte: para cada quatro frutas descarregadas de um vagéo, uma ou outra era langada embaixe do mesmo. Normalmente os garctos que ficavam por ali, pelo Large da Banana, as recolhiam, fa final do dia eram agregadas &s demais © vendidas acs moradores, ali mesmo, 10 Largo da Banana, ou trocadas por um litre de cachaga. Nos armazéns de sal, o ritmo do trabalho era ainda mais intenso, pois o preduta deveria ser descarregado do vagac através de una pA e diretamente arremessado em uma "bica", uma espécie de maquina mosdora que servia para processé-la. Neste caso, o ritmo da trabalho era ditado pela prépria maquina. Mas nada se comparava & superexploracac do trabalho nas Docas, em Santos. Devido as pocsibilidades de melhor remuncragao, muitos negros eram atraidos para a trabalho de carga e descarga no Forto. A facilidade do transporte ferroviaério na Barra Funda também contribuia neste sentide- Um dos nossos informantes que chegou a trabalhar uma semana no Porto de Santos afirmou-nos que 14 se ganhava = mais dinheiro mas o ritmo de trabalho era sem dtvida mais intensoz eu acher que aquilo era muita ignorSncia. Vec& vai 1& fora com un osaco mas tinha que voltar com outro na cabega (cf. Depoimentos, seu Zézinho-da—Casa-Verde, 1989)- Desta forma, nas Docas, sem qualquer pausa para descanso, a perda sobre o controle do tempo de trabalho era total. Estas atividades, desenvolvidas pelos negros da Barra Funda nos auxiliam a compreender um pouco sobre o pracesso de incorperacao destes co mercado de trabalho livre nos centros urbanos. Ne caso especifica de Sao Paulo, os Negros em sua maioria, dedicavam-se aos chamados trabalhos bracgais, uma vez que 28 atividades formais eram quase tedas monopélia dos imigrantes. Além da alege'> " incapacidade técnica", havia uma ~sa- razao mais forte para a exclu social do negro do mercado formal de trabalho: preconceito racial que imperava na cidade. Uma das primeiras manifestagées de protesto sobre © drama vivida pelo negro em Sao Paulo, foi expresso por um jornal negra de Campinas 0 Getuling. Suas matérias foram squi mos em 1924. Os repraduzidas pelo jornal negro paulistano 0 artigos coneégavam discutindo a experi@ncia de um negro recém chegado do Rio de Janeiro & S&o Paulo. Este, ao perceber & explicita discriminagdo contra os negros, decide registrar publicamente 0 seu protesto em um jornal da grande imprensa: “yae & Fabrica, mas ndo lhe dao servigo, quitas veres nem lhe deixam falar com os gerentes. Fracura anndncies nos jarnaes, acorre pressurcso aonde precisam de eapregados € embora chegue primeiro do que outro qualquer candidate, por ser de cér & posto a margem © recusade wee Que os homens pretos da cidade de Sao Paulo estao saffrends de uma guerra muda © cdiosa, ¢ coisa mite sabida © amplamente —- vulgarizada tcf. 0 Kosmos, 27, 1924). Diante deste quadro, restava ao negro apenas os trabalhos mais rudes. Além de carregadores, os trabalhadores negroes atuavam como abridores de pogos e assentadores de dormentes. Somente apés a década de trinta a situacso destes comecou @ se modificar. A redugdo da imigragdo e @ cansequente eupansdo @ diversificagao da indéstria nacional, ampliou a demanda por m&o-de-obra e@ a partir de ent&o, © capital passou a arregimentar indistintamente, estrangeiros e trabathadores nacionais, sejam eles brances ou negros (cf. Kowarick, 1987). ferritérie piblice: Lazer e cidadania. Vimos acima que os negros lutavam contra G tempo de trabalho, procurando ampliar com isso o tempo livre @ ser empregado em atividades iddicas. Uma dimensao da vida cultural, era amplamente valorizada pelo grupo. Desenvolveram aseociagGes pocreativas, jogos, sssotiagées culturais, dangantes, etc., seja através da incorporacse de novos elementos, como G futebol, seja através da tianipulagao dos simbolos tradicionais da cultura afro, como o batuque, a capoeira @ @ samba de terreire, Estes, coma verembe, atuaram como sinaig diacriticos que permitiram aos individuos estruturarem-ce no espago urbano como um grupe de interesse. Entre as diversas atividades que reslizaram, a misica tinha presenga obrigatéri Como lembra um antigo morador da narra Funda, "além da cor e da pobreza", a minica era um panto de uniao entre os individuos do bairro, e ela era ainda mais perceptivel A noite: “Somente quando a noite descia e@ eram acesos os combustores municipais (...) as janelinhas mil dos incontéveis porédes projetavam retSnguios amarelos sobre o cimento das calcadas, e@ surgia gente circulando pelas ruas sem pressa banzando a toa. vibrava no ar a repinicado de um cavaquinho, dedilhado em surdina, a5 vezes o lascinante grito de uma flauta. E bem debaixe, como se viesse das entranhas da terra, o ritmo de uma marcagée grave e@ abafada. Era o samba, qual gigantesco coragao subterrdnes que pulsava, fazendo aA marcagao (cf. Branco, 1982). Este ponto comum entre os negros, cont-ibuiu para o -60- curgimento de tr&s importantes Associagies Culturais no bairror 0 Gréwio Barra Funda, 0 Campos Flisias @ 0 Flr da Nocidade. Foram estas ascociagées, a5 primeiras a unir os individues enquanto uma coletividade e a promoverem atividades piblicas, onde o negro pudesse e@pressar~se coletivamente, ou seja, atuar enquante cidadéo. A dimens&o piblica da vida em seciedade segundo Sennett (1998) se constitui em oposigao & esfera privada que ¢ marcada pelas relacies individusis entre ae pesscas. O exemplo mais caracteristico seria a vida em familia no interior do lar. vimoz, entretanto, que esta definig&e do privade entre os negros da Barra Funda no inicio do século nao se sustents enquanto categoria explicativa das agGes decenvolvidas nos porGes, cortigos e terreiras do bairro. 0 ideal de habitagao coletiva que vigorava entre os negros, subvertia a légica da habitagao individual que se consolira nos séculos XVIT © XVIII na Europa com o advento da orden burguesa. Foi a partir deste modelo que Sennett (1988) definiu conceitualmente o privada e oO ptblica. Por isso, ac discutirmos a questaéo da moradia entre os negros utilizamas o conteito de territério coletiva no sentido de compreendermos & forma com estes organizavam a moradia. Mantivemos o conceito de espace publico ao analisarmos aquelas agSes que se desenrolavam nas yuas, pracas, bares, etc.. Locais onde as relacbes interétnicas @ com o poder urbano ocorriam com maior frequéncia. Arealizagéo humana enquanto ser cultural, implica certamente em um fazer-se em pdblico © néo apenas no interior do seu pequeno grupo. Neste centida, as associagGes negras, como veremne, contribuiram decisivamente. Elas possibilitaram aos individuee confrontarem-se com oS demais grupos nos espages piblicos e perceberem a sua especificidade. 0 Grupe Barra Funda, foi a primeira entidade negra a curgir no bairro. Formou-se por iniciativa dos pioneiros do eamba paulist Geu Dionisio, Luis "-rboea, Torquate, Seu -61- Inocéncia, @ outros. A fundagao do Grupo data de 1914 e@ sua origem est4 ligada as atividades promovidas mo bairre e as reunides tradicionais em Pirapora. Ae festas em Pirapora ocorriam entre of dias 03 e 07 de agésto. Era comum durante = festa do padroeiro da cidade a reuniao de grupos de negroes que vinham de diversas regides do Estado. Estes apresentavam-se cantando e dangando pelas ruas da cidade no encerramento das festividades religiosas. A viagem até Pirapora era feita de trem, até Barueri, onde o grupo descia e marchava a pé até a cidade. Uma vez na Cidade, os negros fixavam-se em dois barraches ali existentes. Egtes eram antigns santusrios que outrora serviram de habitagao para religiosos e seminaristas (cf. Cunha, Maric, 1938). Em Pirapora os acampamentos durante o periods de festas eram indicatives da condic&a social e racial das pessoas. Os roseiras brancos habitavam as barracas de lona e os negres os dois barracces em ruinas. No interior dos.) mesmos enrontravam-se grupos de diversas regiées do estado, como Campinas, Tiet@, Itu, Sorocaba, etc.. Estes, custumeiramente apresentavam-se na cidade para a festa do padrowira. A rivalidade entre estes grupos impunha que anualmente procurassem melhorar suas exibicGes piiblicas em Pirapora. Porém, as disputas ndo se limitavam &s pracas piblicas. Estas tinham continuidade no interior dos barracées. Nestes locais, as trocas simbélicas (cf. Mauss, 1974) eram ainda mais intensas. Uma descrigao do dia-a-dia dos barracbes, nos permitira compreender melhor © significado destas disputas ritualizadas em seu interior. Um destes barracbes encontrava-se ainda com sua diviséo original entre o subsolo e o andar superior intacta. As paredes dos quartes ainda n&éo haviam ruido e as familias e grupos que vinham do interior pediam permanecer espacialmente separadas. Segundo um observador da época, "neste (Cbharracdo] n&o se era obrigado a tanta promiscuidade” (cf. Cunha, Mario, 1938). 62 Forém ag atividades culturais e as trocas cerimoniais entre of individuoe ocorriam com maior frequéncia justamente no segundo barracdo, que encontrava~se totalmente em ruinas. Sua 3 estrutura facilitava o intercambio entre as pessoas, pois o teto que ceparava o andar superior e@ o terrea havia desabado, tanstormande-o em um imenso casaréo. Neste = barracao concetrava-se a maioria dot negros que #fluiam para a cidade no per iodo. Era, portanto, o terrtério ideal para as disputas ritualizadas entre 05 grupos. Estas comegavam pela yeconhecimenta do chefe de cada facgaa: reconhece-se o chefe , porque era ele quem geralmente empunhava 0 bumho- Um dos chefes fanca um verso, "uma deixa", ao qual o cutre grupo reeponde sempre aa ritmo do samba de terreiro e@ com muitas evolugoes pealizadas pelas mulheres (cf. Cunha, Mario, 1738). Porém, muitas vores, asperto musical da disputa, podia derivar para algo mais serio, de carater afro-religicso. Um dos grupos, eo contrérie do samba, comecava a puxar.um ponte de candomblé, ao qual um segundo respondia. O ritmo entéo mudava da musica pura e simples para o trabalho com as almas, "eo mais fraco geralmente n&o aguentava e caia". Nestes encontres também havia a presenca de feiticeiros famocos como um Jose Maricota, Martim Gostoso & outros. Homens considerados perigosos, pelo poder magico que = possuiam tcf. Depeimentos, Seu Zezinho-da-Casa-Verde,; 1989). Tais atividades acentuavam ainda mais a intersecg&o entre musica e religido naquelas reuniGes. As festas em Pirapora mobilizavam grupos de negros de diversos pantos da cidade, geralmente crganizades em torneo de de lideres importantes de territérios negros da cidade como um 26 Snidade, do Bosque da Satdes Seu Dionisio, na Barra Funda e as tias africana’. Foi a partir destes individuos, frequentadores das viagens a Pirapora ou des sambas de terreiro nos territérios neqros da cidade que surgiram os cordées carnavalesccs paulistanos send pioneiro 0 Grupe Barra Funda. Os cordées nao -63- ce ligitavam a sair ma arnaval. Durante o ano, realizavam também pique-niques a regifes distantes, como Campinas, Guarulhos, Serra da Cantareira, etc.. Organizavam também ac tradiciunais viagens & Pirapora. Organizavam semanalmente bailes em seus respectives esldes, além de ensaios pré carnavaleecos. FPosstiam cores préprias, como o verde e branco que identificava © Grupo Barra Funda. @1ids, estas cores permaneceram apés a transformagae do grémio em Escola de Samba Camisa Verde © Branco, sob a direcac de Seu Inac@ncio. Q cutro bioco importante na Barra Funda, foi 9 Campos Eliseos. Este surgiu originariamente ma Alameda Glette, por volta de 1915, a partir da reestrutura o de um antigo Bloco, o Bloco dos Bo@mios. Foram tanbém seus fundadores importantes personalidades do samba paulistane como © Seu Alcides Marcondes (0 Seu Alcides) © José Euclides dos Santos (co Seu Euclides) (ef. Moraes, 1978). . Tinha como cores simbolo, o réxo eG branco © @ sua bace susical era muito semelhante & do seu rival, o Gupo Barra Funda, formada por choro, e@ batuque. Destacando-se como principais intrumentos o flautim, @ clarinete, o trombone, © viel&s @ o banjo (cf. Moraes, 1978). O Campos Eliseos teve uma das suas sedes no Largo do frouche, censiderado um importante panto de negres da cidade, mas no final da década de vinte, voltm: ao coragao da Barra Funda, mais precisamente para a Alameda Olga, em frente ao Largo da Hanana. Alugou neste local um saléo no qual semanaimente "dava bailes' Fixou-se no mais tradicional ponte de negros que havia no bairre, isto ¢, no Largo da Banana, que devido & sua import@ncia cultural, @ frequentemente comparado a Praca Onze do Rio de Janeiro, 0 berco do samba carioca. Ali, no Largo da Banana crescia a juventude do territéric negro da Harra Funda, concentrando jovens com idade entre 14 a 16 anos que viviam de pequenas ativic ‘@ ocasionaic em torneo da Estagéo. Era também -b4~ lugar de brigas famosas. Foi justamente ai, que um dos crim: de conctagao racial causou a ira e o repidio da coletividade negra no final dos anos trinta. Iste se deu quando um das balizas do Campos Eliseos, Genésio, foi assassinade por um comerciante portugués do bairra, provocande a ira da coletividade negra que quase o linchou (cf- depoimento do Sr. Roberto Frizzo). Qutra importante associagao negra da Barra Funda foi sem divida 0 Flor da Mecidade, fundada pelo Seu tezinho-da-Casa Verde, cujas cores simbolo eram G preto © 0 branco. 0 Flor da Mocidade nao possuia um salac préprio como os seus tradidionais rivais, porém chegou a conquistar um carnaval daqueles blocos em um concurse promovido pela Frente Negra, nos anos trinta, com Grande Gtelo atuanda coma balizs aa, A misica negra, em torne da qual formaram-se os blocos foi sem divida o simbolo’ mais importante para a organizagao politica do grupo. Talvez ela represente para os anos vinte, aquilo que os terreiros, comandados pela ¢tias africanas, representaram nos anos anteriores. A mcica ¢@ Segundo Seeger (1980) uma forma de linguagem. Ela é um importante meio de comunicagao entre as pessoas. — pode en determinadas situagbes eliminar barreiras sociais entre os individuos, especialmente entre aqueles cujo didiogo € social ou espacialmente interditado, € © caso, por exemplo, dos homens Suyé - grupo indigena do Brasil Central~, que possuem uma relagéo de evitagio com suas irmas. Segundo Seeger, os Suyé cantam 4 noite na praca da aldeia para suas irmas. Estas ficam ouvindo-os em casa. Comunicam-se assim, através da misica. No caso especifics do negro da Barra Funda, a musica exerce: um papel néo menas significativo. Ela atuou também no sentido de superar as barreiras espaciais entre os individuos, constituiu-se num chamamenta & interacaa social eve 65 negros da Barra Funda. ~65-

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