Nas dezenas de processos crimes analisados no período de 1940 a 1950 sobre estupro foi possível
esboçar um panorama das mulheres que foram violentadas. E em contra partida se tenta recuperar um
pouco do cotidiano de cada uma, para ficar mais fácil de se compreender o por que dessa violência.
Na maior parte dos processos estudados, todas as mulheres eram taxadas em relação a sua
profissão como domesticas. Esse fato nos leva a refletir, e a chegar a conclusão de que, elas viviam em
uma sociedade machista. Onde o que, lhes era permitido realizar, estava relacionado às atividades do
lar e a grande parte das profissões ficava nas mãos dos homens.
Essa desvantagem profissional da mulher sobre o homem, é um dos motivos, que podem explicar
toda essa agressividade em relação a ela. Pois ele se sente privilegiado socialmente, e com isso se acha
no direito de estuprar, deflorar, seduzir, ameaçar e até mesmo matar quem quiser.
O perfil das vitimas nesse estudo é o seguinte. Mulheres com a idade de 14 aos 25 anos,
domésticas, oriundas de famílias de classe media e baixa, de cor negra e morena e semi-analfabetas.
Já os indiciados são homens entre os 20 aos 30 anos, geralmente com um emprego, oriundos de
famílias de classe media e pobre, e em 60% dos casos já conheciam e mantinham um contato amoroso
Tanto no mundo ocidental quanto no oriental, a violência de homens contra mulheres é um fato
consumado. É cada vez maior, o número de mulheres que sofrem agressões dos diversos tipos e
formas. Algumas não relatam porque acabam mortas, outras têm medo, das ameaças de seus
agressores, outras por não terem como se sustentar e preferem ficar caladas. Com isso, elas não estão
prejudicando a si próprias, mas sim a toda a sociedade, pois quando tomam esse posicionamento, uma
outra mulher, mais à frente, poderá ser abordada pelo mesmo agressor.
Essa mentalidade feminina de não denunciar o agressor, está diminuindo por causa do número
crescente de instalação de Delegacias Especiais. As queixas têm aumentado cerca de 50% de acordo
com pesquisa realizada pela revista Veja, no ano de 1998. Mas ainda não é o suficiente, pois as
A cada dia cresce o numero de organizações e núcleos, que cuidam e orientam as mulheres que
sofreram algum tipo de violência. E se tem conseguido, resultados satisfatórios com esse trabalho. Pois
muitos homens foram indiciados, julgados e condenados por terem cometido crimes contra as
mulheres.
Essa nuvem de violência, esta espalhada por toda a sociedade. Com isso temos mulheres sendo
forçadas, coagidas, violentadas em seus locais de trabalho pelos chefes, no lar pelos maridos, na rua por
estranhos. E esses fatos, não acontecem somente no Brasil e sim em todo o mundo. E em alguns países,
elas sofrem muito mais do que em outro lugar. Como por exemplo, no Oriente Médio, onde as
mulheres têm que andar cobertas, dos pés a cabeça, ou até mesmo as africanas. Delas estripam os
Seja pela educação diferenciada, sexista, religiosa, seja pelas relações de poder que permeiam as
sociedades, o caso é que cientistas de todo o mundo não conseguem explicar a violência.
Se já na Bíblia existia uma divisão sexista de tarefas ( Eva devia parir com dor e Adão comer o
pão com o suor de seu rosto), podemos pensar que as influências culturais, religiosas estão presentes
Essa tentativa de buscar o passado, serve para esclarecer melhor o que está acontecendo em nosso
presente. É uma preocupação nossa, mas também de toda a sociedade, além dos pesquisadores da
e, muitas vezes, com sua saída de casa, é que se voltaram para o mercado de trabalho, optando,
contudo, na maioria dos casos, para funções relacionadas com a educação recebida, ou seja, decoração,
música, moda. Pelo menos as de camadas mais pobres da sociedade, acabavam por se ligar a profissões
Conforme Vera Puga1, “parece que a mulher ou se" adaptou" ao que lhe foi “permitido” e
sendo conivente com a situação. Outras porém enfrentaram o poderio masculino e tiveram, muitas
Utilizando as fontes documentais disponíveis, tais como: processos criminais, dados estatísticos
do IBGE, periódicos, discursos morais e religiosos, legais explícitos e implícitos, tanto quanto as
práticas vividas e experimentadas, entre outros, pretende-se resgatar as relações de violência, através da
experiências que se realizaram num determinado tempo, em uma sociedade, em um grupo social
específico.
Tentar desvendar as formas de tratamento dadas aos diversos crimes contra os costumes no Brasil
e ainda ter contato com as fontes estatísticas que poderiam esclarecer e dar visibilidade à violência de
gênero torna-se uma ação cansativa, como podem testemunhar os pesquisadores da temática. É inviável
e impossível determinar qual sexo comete determinados tipos de crimes, a não ser os casos específicos
dos crimes de estupro, sedução e defloramento, à medida em que o Código Penal Brasileiro determina
mesma, poder pensar na cumplicidade de homens e mulheres que, de certa forma, acabam por
vivenciaram relações violentas, dentro ou fora do lar, propiciando o nascimento de processos criminais.
Este estudo tem, portanto, como objetivo o resgate da memória histórica da violência de gênero
ocorrida no Brasil entre os anos 1940 e 1950. Analisando e recompondo os quadros dessas agressões
físicas e psíquicas entre homem e mulher, recuperando nas falas jurídicas das testemunhas, dos
Um dos processos mais marcantes entre os vistos, foi o da vitima “M.A.”. Que era uma mocinha
de 17 anos e cometido por três homens “L.O.C, C.B e A.M.E”. Como consta nos autos, a vitima
trabalhava perto da casa de um dos indiciados, e relata que sempre era perseguida por ele, pois ficava
elogiando-a e falando coisas indecentes para uma “moça de família”. Apesar de nunca dar atenção para
o que ele dizia, sempre sentia medo mas, era precisso trabalhar para ajudar nas despesas de casa.
No dia 18 de setembro de 1948, por volta das 18:30 horas, “M.A” saia do seu trabalho e seguia
tranqüilamente a pé, em direção a sua casa como fazia todos os dias, que ficava uns três quilômetros
aproximadamente.
Na metade do seu caminho, foi surpreendida por “L.O.C, C.B e A.M.E”, que a pegaram a força e
Ela lutou com todas as suas forças mas, foi envão, pois eles a espancaram e amararam, como se
ela fosse um simples animal. Então fizeram o que queriam, e a cada tentativa dela, de rejeita-los, era
revidada com um murro, um tapa ou um puxão de cabelo até que ela cedesse.
Foi submetida a fazer conjugação carnal, anal e outras coisas, a pelo menos umas duas horas, e
ainda foi ameaçada de morte por eles se disse isso a alguém e principalmente as autoridades.
Após essa experiência traumática, como ficou sua cabeça, quais os sonhos que lhe foram
roubados e destruídos por esses homens. Dos três estupradores dois foram condenados a três anos de
imaginar principalmente, o motivo que um homem tem, para realizar esse ato de selvageria.
Não podemos esquecer, que essas agressões estão aumentando. O que se tem visto, é a
impunidade andando pelas ruas, disfarçada, impune, camuflada, com penas pequenas e ameaçando o
direito de ir e vir de cada cidadão. Principalmente as mulheres que são os maiores alvos. Por isso a falta
de confiança na justiça de nosso país, é que leva um grande número de mulheres a se calar, por não
terem armas para se defenderem dessas ameaças que ficam aos seus redores. E a vergonha e o trauma
que sentem são sensações, que elas tentam esquecer durante toda as suas vidas. Porque é um trauma
muito difícil de se conviver, e de falar sobre ele com outras pessoas. Tudo isso que esta acontecendo, já
faz parte de nossa cultura, costume e principalmente da moral dos homens, que não aceitam serem
rejeitados.
Pois as mulheres se sentem, em sua maioria bloqueadas só de lembrarem do acontecido que cada
uma passou. Criam com isso um mundo paralelo para esconderem seus sentimentos e sofrimentos. Mas
elas só vão vencer essa desigualdade entre os sexos, no momento em que se unirem e trocarem
depoimentos e experiências pelo que passaram e não terem medo de enfrentar o sexo oposto, em uma
batalha de vida ou morte. O que se tem percebido é que elas têm tentado lutar, mas ainda estão
perdendo muitas vidas nessa guerra que esta longe de chegar ao seu fim.
O crime de estupro se realiza, quando a mulher é constrangida a fazer conjunção carnal, mediante
violência ou grave ameaça. A pena é de três a oito anos de reclusão de acordo com o código penal
brasileiro.
Notas
1
PUGA de Sousa. Paixão, Sedução e Violência, 1960/1980. Tese de Doutorado, São Paulo:USP, 1998. Pág. 33.
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_____. Do Cabaré ao Lar. A Utopia da Cidade Disciplinar. Brasil (1890-1930). Rio de Janeiro:
O século XX foi marcado por acontecimentos violentos e nesse artigo iremos abordar parte dessa
violência ocorrida nas guerras e nos governos ditatoriais da América Latina. O golpe militar ocorrido
em 31 de março e 1º de abril de 1964 trouxe uma nova experiência para a sociedade brasileira, o que de
certa forma acabou sendo um conflito extremamente sangrento e traumatizante para aqueles que
O Estado governava com Atos Institucionais, ou seja, conjunto de normas superiores, baixadas
pelo governo, que se sobrepunham à própria Constituição Federal. O primeiro Ato Institucional dava ao
executivo federal, durante seis meses poderes para cassar mandatos de parlamentares; suspensão de
Estado de Sítio. O Ato Institucional n.º 2 ampliava o primeiro e extinguia todos os partidos políticos
existentes , criando apenas dois a ARENA - Aliança Renovadora Nacional (partido da situação) e o
MDB Movimento Democrático Brasileiro (partido oposicionista), esta oposição seria feita de maneira
bem comportada. Foi criada a Lei de Segurança Nacional. O AI3 estabelecia o fim das eleições diretas.
Com o AI4 foi criada a Constituição de 1967 que fortalecia o presidente e enfraquecia o judiciário e o
legislativo. Em 1968 é criado o último e mais violento Ato Institucional, o AI5 dava plenos poderes ao
vereadores., suspensão do direito político de qualquer cidadão por 10 anos e suspensão do habeas-
corpus.
corrente de opinião em vários segmentos da esquerda, que trabalhou a perspectiva de criar uma
vanguarda revolucionária que rompesse com o imobilismo de partidos como o PCB e opusesse uma
Assim contra a ordem então estabelecida, irromperam naquele período diversas organizações
guerrilheiras que atuaram fora do campo institucional: a AP (Ação Popular), oriunda do cristianismo
revolução brasileira e em relação às formas de luta mais adequadas para se chegar ao poder (via
guerrilheira nos moldes cubanos ou a perspectiva revolucionária de inspiração maoísta). Por outro lado,
armada contra o suposto imobilismo e a interpretação de que a economia brasileira vivia um processo
de estagnação que só seria resolvido com a implantação de um governo popular ou socialista que
É importante lembrar que a esquerda brasileira dos anos 60 tinha como meta a transformação do
ser humano para a construção de um “homem novo”. Nesse sentido, a inspiração para esse autêntico
homem do povo estava na volta ao passado, idealizando um homem ainda não contaminado pela
simples volta ao passado, mas sobretudo tinham um projeto modernizador para o país.3 Nesse caso, a
campo, local estrategicamente apropriado por apresentar maiores dificuldades de acesso aos órgãos
repressivos. Porém, para iniciar a guerrilha rural, era preciso conseguir armamentos e dinheiro. Dessa
forma, vários grupos empreenderam ações urbanas (assaltos a banco, roubo de armas, etc.)
Com o aperfeiçoamento do aparelho repressivo pela ditadura militar, tendo sido efetuadas prisões
diplomatas. O primeiro deles foi o do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em 1969,
pela Dissidência da Guanabara (oportunisticamente este grupo denominou-se MR-8, por ter este sido
considerado inarticulado pelas forças repressoras, como forma de dizerem que estas organizações
continuavam em atividade) com a finalidade de forçar a libertação de presos políticos e divulgar a luta
armada. Em 1970, foram realizados com êxito outros três seqüestros: em março, com a ajuda de dois
outros grupos menores, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) seqüestrou o cônsul japonês; em
junho do a vez do embaixador da Alemanha Ocidental, que a VPR e a ALN trocaram por quarenta
prisioneiros após cerca de 40 dias de tensas negociações, com o veto da ditadura a vários nomes da lista
inicialmente apresentada. O desgaste dessa ação, juntamente à fraqueza orgânica do que restava da
esquerda armada, destroçada pela repressão, colocou um ponto final nos seqüestros.
Apesar de uma outra ou outra operação guerrilheira bem sucedida, os militares em geral,
desmantelaram as organizações não hesitando em assassinar e torturar quem fizesse parte das
manifestações de oposição ao regime. A ditadura militar também reagiria assim diante das pequenas
bases que foram esboçadas em regiões agrícolas. Em relação à guerrilha rural, apenas o PC do B
conseguiu de fato não lançar um guerrilha na região do Araguaia (Sul do Pará) no período de 1967 até
1972, com um grupo de militantes treinados na China. Outras tentativas de resistência armada no
campo já haviam ocorrido no Brasil, organizadas por outras correntes políticas como as do Vale do
Ribeira e em Caparaó. Porém, em relação à guerrilha do Araguaia que durou três anos, duraram pouco
tempo. Jovens de diferentes formações, operários, camponeses, enfermeiras, médicos, e principalmente
estudante universitários, compuseram uma sangrenta luta que culminou com a derrota dos
Nessas circunstâncias, as origens sociais dos militantes que optaram pela luta armada vêm do
movimento estudantil e muitos se afastam por não se adaptarem ao esquema de uma organização
militarizada.
No que diz respeito ao esquema de recrutamento, existiam critérios para verificar se era possível
ou não admitir a entrada de determinado militante no quadro de ação da organização, como relembra a
A participação das mulheres foi extremamente importante na luta armada. Quando buscamos
através da memória quem seriam essas mulheres, nos remetemos a artistas, intelectuais e estudantes,
porém ao fazer uma leitura mais apurada do período, percebemos que mulheres de várias classes
sociais tiveram participação no movimento (operárias, donas de casa, mães e avós de família, etc.). Elas
desempenharam funções as mais variadas como costureiras, motoristas, locatárias de imóveis (para
depoimento de algumas mulheres que participaram da luta armada e foram torturadas. È importante
salientarmos que na grande maioria dos depoimentos essas mulheres evidenciara, como benesse a
questão da maternidade, ou seja, como foi importante para algumas terem filhos, seja no cárcere ou
depois de serem libertadas, como no depoimento de Criméia, no qual coloca como o nascimento do
filho era extremamente importante, simbolizando que enquanto um companheiro tombava, um outro
Ressaltamos que de um lado temos exemplos como de Criméia, de outro várias mulheres
decidiram pelo aborto, pois ter filhos e participar de um movimento como o da luta armada pareciam
tarefas inconciliáveis. Como a esquerda, as mulheres também estavam divididas entre ter ou não filhos.
luta.
Ainda com relação ao perfil da esquerda armada, um tema que resgata um pouco de sua dimensão
A violência revolucionária não poderia ser um fim em si mesma. Não poderia ser absoluta e
políticas, mas também conforme os princípios de um código de ética que visava preservá-los da
“corrupção moral”.
justiçamentos por suposição de intenção, por delação efetiva e por traição. Muitos dirigentes, como o
próprio Lamarca, condenavam o justiçamento, mas o enxergavam como necessário para a preservação
A tortura tem sido temática bastante discutida no período posterior à ditadura. È comum
encontrarmos na mídia reportagens que tratem do tema. Vera Silvia Magalhães na citada entrevista, em
Destacamos que dentro dos órgãos repressores, além do torturador, a presença de médicos era um
constante, pois não era interessante executar o preso político, por seu valor informativo e também
exemplar aos possíveis futuros “terroristas”. Dentre as diversas formas de tortura praticadas
destacamos:
· Pau de arara;
choques;
temperatura;
· Tortura com insetos e animais, onde o torturado era deixado em cubículos na companhia de
· Palmatória;
· Torturas sexuais;
· “Churrasquinho” que consistia em acender álcool sob o corpo ou aplicar papel retorcido no ânus
Ressaltamos que vários anos após o término da ditadura militar, no documentário “Que Bom te
ver viva” várias presas políticas narram o pavor ao ver insetos: como baratas ou animais como ratos e
lagartixas, sendo que estes foram muito utilizados nas torturas. As mulheres eram torturadas mesmo
continuavam as sessões de tortura. No livro Brasil Nunca Mais, há vários depoimentos relatando os
procedimentos da tortura e suas conseqüências ulteriores, como no caso de Frei Tito, que suicidou
quatro anos após sua prisão, na França, em decorrência das debilidade psico-emocionais causadas pelo
período de tortura.
O Código Penal Brasileiro é de 1940 e considera o estupro como crime hediondo, ou seja
inafiançável, porém foi ferramenta extremamente utilizada pelos órgãos repressores visando conseguir
informações junto às presas e presos políticos. No livro Mulheres que foram às luta armada temos o
depoimento de Áurea Moretti que segundo o autor ainda treme de ódio ao relembrar determinadas
cenas:
Destacamos que mulheres religiosas também sofreram violência sexual Áurea Moretti foi presa em
Ribeirão Preto –SP juntamente com madre Maurina, no depoimento de Áurea sobre o estupro da
religiosa:
‘Eu tenho evidências, mas não tenho provas. Ela nunca me falou
claramente. Quem dizia isso eram eles. Tinha um militar de Pirassununga, um louro
de olho azul que tirava a gente da cela à noite e ficava torturando. Uma madrugada
ele foi buscá-la. Ela sozinha. Ele bebia, talvez se drogasse, ficava com o
comportamento todo alterado e levou ela. Uma noite ela voltou chorando, dizendo
que ele trancou a sala com ela e que um soldado que ia na missa era amigo dela
veio, abriu a porta. E ficou ali, atrapalhando. Ficou entrando e saindo, e esse
capitão xingando ele. Numa outra noite aconteceu a mesma coisa. Na volta pra cela
ela só chorava, não falava nada’.9
Em “Que bom te ver viva” temos o depoimento de Rosalina, onde é colocado que o que estava
em jogo era a desetruturação do indivíduo, uma espécie de punição pela rebeldia de ir contra a
autoridade dos militares e não a informação em si A relação com os torturadores é narrada por Rosalina
período. Ela cita um momento em que pediu ao torturador que a matasse, pois já não mais aguentava e
este lhe disse que não a mataria, que tinha como objetivo lhe torturar o quanto quisesse e somente a
mataria se assim o desejasse. Este depoimento nos demonstra o poder exercido pelo governo.
No depoimento de Rosalina é colocado que “ a tortura é uma coisa que é feia , que é pouco épica,
que não é heróica As pessoas têm medo de se aproximar, têm medo de pegar essa bandeira, então essa
bandeira ficou com as famílias, ficou com os torturados. Que ficam de certa forma meio isolados, meio
que com jeito de bruxa, de caça às bruxas., daqueles caçadores nazistas e a gente fica querendo se
O Brasil do pós 64 não é modelo único desse tipo de violência. São vários os momentos
históricos e diversas sociedades que praticam em tempo de guerra o estupro. Humilhar o outro homem,
o inimigo através das mulheres? No livro Sexualidade Violentada – Uma tentativa de destruição temos
que:
‘Relatório afirma que violações em massa fazem parte da ‘limpeza
étnica’ na Bósnia.
Tropas servias na Bósnia estupraram cerca de 20 mil mulheres
muçulmanas, como parte da campanha para aterrorizar e expulsar populações não-
sérvias, afirma relatório de investigadores da Comunidade Européia (CE) divulgado
ontem em Genebra (Suíça). Segundo o documento, “o estupro foi e continua sendo
utilizado para implementar a política de limpeza étnica, fazendo com que civis fujam
de suas casas com a chegada de tropas invasoras.[...] A equipe de investigadores
esteve na Croácia por cinco dias no final de dezembro, recolhendo depoimentos de
muçulmanas que fugiram da Bósnia. O documento estima em 20 mil o número de
vítimas, “a maioria sem dúvida de mulheres muçulmanas. Mas há também relatos
impressionantes de estupros de sérvias e croatas, assim como abuso de homens nos
campos de prisioneiros.’
Muito dos estupros são cometidos de formas ‘especialmente sádicas’, diz
o relatório, para infligir o máximo de humilhação: filhas são violadas diante dos
pais, mães diante dos filhos e mulheres diante dos maridos.
A delegação viu documentos sérvios que demonstram que os estupros
fazem parte de uma ‘estratégia expansionista’ diz o relatório. O governo da
Iugoslávia (Sérvia e Montenegro) afirmou que as denúncias não foram verificadas
com isenção.
Disse que estupros em massa também são cometidos contra sérvias na
Bósnia sem serem condenados’.10
Esse trabalho visa mostrar como a violência pode ser justificada pelos governos em tempos de
guerra. No caso da luta armada no Brasil observamos que mesmo o Código Penal classificando o
estupro como crime hediondo com a imposição do Ato Institucional n.º 5 o governo estava amparado
O projeto de Anistia era amplo, geral e irrestrito, ou seja, tanto torturados quanto
torturadores foram anistiados. O Rio de Janeiro, uma das cidades onde a tortura foi largamente
utilizada, traz hoje em seus postos de confiança do governo do Estado antigos torturadores,
sendo esta prática regra e não exceção. O Secretário de Segurança Pública do Estado, Coronel
É intrigante a postura destes homens defendendo seus atos durante o regime. Davi dos
Santos Araújo, o Capitão Lisboa, ao ser indagado sobre qual a situação atual dos torturadores do
regime, diz que os mesmos são “um bando de infelizes”. Eis um trecho da entrevista, onde dá a
[...] ‘Praga de terrorista deve ser muito pior do que praga de bandido
comum. Ë muito estranho. Se você pegar a ficha de um por um, profissionalmente,
nunca foram nada, como eu. Os do Exército nunca chegaram ao generalato. Nem um
único. O Ustra fez todos os cursos do Exército em primeiro lugar. O Ustra nasceu
para ser general da ativa. Fez tudo direitinho, tudo certinho. Um homem íntegro,
limpo. Na antevéspera – olha só o destino desse homem – na antevéspera de ser
promovido a general-de-brigada acontecem duas desgraças na vida dele. A primeira
foi aquela solenidade em Montevidéu, onde a deputada federal Bete Mendes, dedo
em riste, a apontou como torturador. Ela foi recolhido para Brasília. Na mesma
antevéspera o Ustra fez o que nunca tinha feito na vida. Veste uma camisa da UDR,
sai na rua e é fotografado pelo serviço reservado. Ele se aposenta. Azar! Azar! O
Ustra não tem um metro quadrado, de terra, não é fazendeiro, não tem sítio, chácara
nada. A troco de que Deus permitiu que ele enfiasse aquela camiseta da UDR e fosse
lá pro comício da UDR, e lá aparece um filho da puta que diz: ‘Pô, aquele não é
fazendeiro, nem peão de fazenda, aquele é o Comandante do DOI-CODI’ Nós vamos
promover esse homem a general? Não! de todos nós ele era o único que seria
promovido a general. E não foi por causa da acusação da Bete Mendes. Está aí um
outro, o Laertes Aparecido Calandra (NA: delegado de polícia civil de São Paulo,
incluído na lista dos torturadores com o nome de ‘Capitão Ubirajara’), um homem
que só trabalha, não tem um ato de corrupção’.11
Percebemos nesta parte do depoimento que não existe arrependimento por parte do
durante a ditadura dos anos 60 e 70, abordando em especial a parcela da esquerda envolvida no conflito
armado, ou seja: que optou pela guerrilha para combater o regime opressor. Dessa maneira, foi
evidenciada a inexistência de uma esquerda una e homogênea, composta, pelo contrário, por diversos
grupos que, em muitos casos, guardavam poucas semelhanças e muitas divergências entre si.
A luta armada foi a alternativa encontrada por diversos militantes que vislumbraram uma falta de
perspectiva de lutar pelos canais legais. Até 1974, esta perspectiva esteve no centro das preocupações
do aparato repressivo. A partir deste ano, como as guerrilhas já estivessem praticamente aniquiladas, a
esquerda que optou pela resistência democrática, passou a ocupar este lugar.
experiência da luta armada não pode ser tomada de maneira idílica, como se fosse destituída de
contradições, limites, enfim, como se aqueles que optaram armas não pudessem ser criticados. Tal qual
os outros momentos importantes da história, eventos como a Guerrilha do Araguaia não podem ser
sacralizados.
Da mesma forma, os guerrilheiros não foram “mais militantes” do que alguém que optou por
criticar o regime fazendo uso da arte. Foram pessoas que acreditaram numa dada perspectiva de
contestação ao golpe militar, por vezes conscientes do preço que poderiam ter de pagar. Esta
consciência, todavia, de forma e maneira alguma serve como atenuante ou de justificativa para as
1
Graduanda em História pela Universidade Federal de Uberlândia sob a orientação da Profª Drª Vera Lúcia Puga de Sousa e
integrante do GT de Violência do Instituto de História.
2
SOUZA, Herbert José de. “Entrevistas” In: Memórias do Exílio. São Paulo: Livramento, 1976, p.80.
3
Este assunto é discutido no livro: RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2000.
4
SOUZA, Herbert José de. Op. cit., p.87.
5
PATRIOTA, Rosangela. “Vera Silvia Magalhães: Estrangeira em seu próprio país” In: Revista Cultura Vozes, Vol. 92, nº
01. Petrópolis: Vozes, 1998. pp.105.
6
PATRIOTA, Rosangela. Op. Cit. pp.108.
7
BRASIL NUNCA MAIS. Arquidiocese de São Paulo: Editora Vozes, 1985 p.47.
8
CARVALHO, Luiz Maklouf. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Globo, 1998 pp.94.
9
Ibidem. pp.97.
10
VERARDO, Maria Tereza. Sexualidade Violentada - Uma tentativa de destruição. São Paulo: O nome da Rosa, 2000.
pp.13 e 14.
11
CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., pp. 315.
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