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1. O Brasil é na verdade um país multilíngue, com cerca de 200 línguas indígenas ainda faladas, apesar da maioria dos brasileiros acreditarem que o país é monolíngue.
2. As 180 línguas indígenas brasileiras possuem grande diversidade tipológica e genética, distribuídas por mais de 40 famílias linguísticas.
3. Algumas línguas indígenas brasileiras, como o Pirahã e o Maxakalí, possuem características fon
Deskripsi Asli:
Texto sobre a originalidade das línguas indígenas brasileiras
1. O Brasil é na verdade um país multilíngue, com cerca de 200 línguas indígenas ainda faladas, apesar da maioria dos brasileiros acreditarem que o país é monolíngue.
2. As 180 línguas indígenas brasileiras possuem grande diversidade tipológica e genética, distribuídas por mais de 40 famílias linguísticas.
3. Algumas línguas indígenas brasileiras, como o Pirahã e o Maxakalí, possuem características fon
1. O Brasil é na verdade um país multilíngue, com cerca de 200 línguas indígenas ainda faladas, apesar da maioria dos brasileiros acreditarem que o país é monolíngue.
2. As 180 línguas indígenas brasileiras possuem grande diversidade tipológica e genética, distribuídas por mais de 40 famílias linguísticas.
3. Algumas línguas indígenas brasileiras, como o Pirahã e o Maxakalí, possuem características fon
- Conferncia feita na inaugurao do Laboratrio de Lnguas Indgenas do Instituto de Letras da
Universidade de Braslia, em 8 de julho de 1999 - 1 Quantidade e diversidade Embora a maioria dos brasileiros tenha a impresso de viver num pas monolnge, o Brasil na verdade multilnge: nele so aprendidas como lnguas maternas cerca de 200 lnguas. A singularidade lingstica do Brasil est em que uma dessas lnguas, o Portugus, hoje extremamente majoritria e as demais so todas extremamente minoritrias. As pessoas que tm lnguas maternas minoritrias no Brasil constituem apenas 0,5% da populao total do pas, cerca de 750.000 indivduos. Deste contingente a maior parte, 60%, fala a que a segunda lngua do Brasil em termos demogrficos - o Japons. Os 40% restantes, cerca de 300.000 pessoas, distribuem-se pelas outras lnguas de minorias asiticas (Chins, Coreano, rabe, Armnio, etc.) e europias (Alemo, Italiano, Polons, Grego moderno, Hngaro, Ucraniano, diche, Lituano, etc.) e pelas lnguas indgenas. Embora existam hoje no Brasil cerca de 220 povos indgenas, o nmero de lnguas indgenas ainda faladas um pouco menor, cerca de 180, pois mais de vinte desses povos agora falam s o Portugus, alguns passaram a falar a lngua de um povo indgena vizinho e dois, no Amap, falam o Crioulo Francs da Guiana. A populao total dos povos indgenas agora de cerca de 190.000 pessoas, mas destas s cerca de 160.000 falam as 180 lnguas indgenas. Isto implica numa mdia de menos de 900 falantes por lngua. Como, naturalmente, a distribuio desigual, algumas dessas lnguas so faladas por cerca de 20.000 pessoas ao passo que outras o so por menos de 20. H grande diversidade entre as lnguas indgenas do Brasil, tanto de natureza tipolgica, quanto de natureza gentica. Do ponto de vista tipolgico h tanto lnguas de gramtica predominantemente analtica, quanto outras fortemente polissintticas, com caractersticas que s se encontram nas Amricas; tanto lnguas com inventrios fonolgicos abundantes, como outras com um nmero extremamente reduzido de vogais e consoantes, assim como h lnguas tonais, que caracterizam as palavras por slabas de tom mais alto e de tom mais baixo, e lnguas que, como a maioria das europias, s usam o tom para caracterizar tipos de sentenas. Do ponto de vista gentico, que permite classificar as lnguas em conjuntos com origem comum mais prxima ou mais remota, as 180 lnguas indgenas brasileiras se distribuem por pouco mais de 40 conjuntos, a que se costuma 2 dar o nome de famlias lingsticas. Dez destes constam hoje de uma s lngua, a qual, por ser a nica e no apresentar parentesco com as demais conhecidas, tambm chamada de lngua isolada. O nmero de lnguas nas outras famlias varia de duas a trinta. Este ltimo o nmero de lnguas da famlia Tup-Guaran no Brasil, que a mais distribuda sobre nosso territrio, com lnguas no Amap e norte do Par e com outras no Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com umas no litoral atlntico e outras em Rondnia, assim como nos principais afluentes meridionais do rio Amazonas, no Madeira, no Tapajs, no Xingu e tambm no Tocantins e Araguaia. Outras grandes famlias so a J, que tem lnguas distribudas desde o Maranho at o Rio Grande do Sul, a Aruak no oeste e no leste da Amaznia, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, e a Karb ao norte do rio Amazonas, nos estados do Amazonas, Roraima, Par e Amap, mas com algumas lnguas ao sul daquele rio, ao longo de seu afluente Xingu, nos estados do Par e Mato Grosso. Dez famlias, inclusive a Tup-Guaran, so reconhecidas como aparentadas geneticamente num nvel mais remoto, constituindo um conjunto de conjuntos, a que se chama tronco lingstico, nesse caso o tronco Tup. H evidncias de que a famlia Karb tambm est aparentada geneticamente com o tronco Tup, mas ainda no esto claros maiores detalhes dessa conexo. Outro tronco o Macro-J, que rene 12 famlias, uma das quais a famlia J. H sugestes sobre outras relaes genticas entre diversas famlias, mas so ainda meramente especulativas. 2 Propriedades fonolgicas incomuns ou nicas Qualquer lngua opera com unidades de forma e significado e com regras de combinao dessas unidades. As formas dessas unidades, que se chamam morfemas, tm sua substncia formada por unidades de outra ordem, os fonemas, estes constitudos por sons produzidos pelos rgos da fala do corpo humano. O repertrio de sons que podem constituir os fonemas muito grande, mas cada lngua utiliza s um conjunto bastante limitado. Como alguns fonemas podem ser constitudos por dois ou mais sons, os inventrios de fonemas so ainda mais limitados. As lnguas diferem bastante, entretanto, seja em seu nmero de fonemas, seja na qualidade destes. Em todas elas, entretanto, distinguimos duas classes principais de fonemas, os fonemas glotais, produzidos basicamente na laringe, e os fonemas supraglotais, produzidos basicamente acima da laringe, ou seja, na faringe e na boca. Os fonemas glotais so as vogais, de uso universal, e o oclusivo e o fricativo glotais, que no se usam em todas as lnguas. Os supraglotais so as consoantes, tambm universais enquanto classe de fonemas. As consoantes se subdividem em diversas categorias, segundo o modo como se produzem por articulao dos rgos supraglotais (lngua, palato, lbios) e segundo a localizao da articulao. 3 Uma das lnguas indgenas brasileiras tem o que provavelmente o menor inventrio de fonemas no mundo: a lngua Pirah falada junto a um dos afluentes do rio Madeira, no Amazonas, tem apenas dez fonemas - seis consoantes, trs vogais e o fricativo glotal.. Esta, que a nica ainda falada da famlia Mra e que est bem documentada e analisada, uma lngua tonal, com dois fonemas tonais, um tom alto e um tom baixo, que concorrem com as consoantes, as vogais e o fricativo glotal para caracterizar cada slaba das palavras. Do ponto de vista fontico, o Pirah particularmente notvel por ter um som D at hoje s encontrado nele e em nenhuma outra lngua do mundo, o qual produzido com o mesmo movimento inicial da lngua com que se faz o nosso r de arara, mas aplicando-se as bordas laterais desse rgo aos dentres molares superiores (como na produo do nosso l), e projetando-se a ponta do mesmo para fora da boca por entre os dentes incisivos e os lbios; e um outro som, no exclusivo, mas rarsimo como som lingstico, B, produzido pela vibrao dos lbios acompanhada de vibrao das cordas vocais (Everett 1979, 1982, Rodrigues 1984). Som anlogo a este ltimo e igualmente incomum nas lnguas do mundo, produzido da mesma maneira mas sem a vibrao das cordas vocais, portanto P, encontra-se em palavras da lngua Arara da famlia Karb, no baixo Xingu (Souza 1988). A lngua Suru ou Paitr de Mato Grosso (famlia Mond) tem um som at agora observado s nela, uma consoante fricativa lateral surda interdental L (e no alveolar, como a que tem sido descrita para muitas outras lnguas) (van der Meer 1982, Rodrigues 1984). Do ponto de vista fonolgico, isto , da economia dos sons, o Pirah tambm particularmente notvel. Seu sistema consonantal um dos mais anrquicos que se conhecem, muito pouco configuracional. Por exemplo, o som oclusivo velar [k], que por si s no constitui um fonema, ocorre como variante tanto do fonema oclusivo labial /p/, como do oclusivo dental /t/ e, ainda, da seqncia hi. H, nesse sistema, dois fonemas oclusivos sonoros, um labial /b/ e o outro no labial /g/. Ambos tm uma variante nasal e outra lqida, mas enquanto para /b/ essas so da mesma qualidade labial, [m] e [B], respectivamente, para /g/, que basicamente velar, elas no so velares, mas sim dentais, [n] e [L], respectivamente (Everett 1979, 1986, Rodrigues 1984). A lngua Maxakal, da famlia do mesmo nome, em Minas Gerais, a nica no mundo com variantes voclicas para todas as suas consoantes. Esta lngua explora s minimamente as possibilidades de produzir consoantes: todas as suas consoantes so oclusivas, uma srie de quatro surdas (isto , sem vibrao das cordas vocais) e outra de quatro sonoras (com vibrao das cordas vocais). Mas as sonoras tornam-se inteira ou parcialmente nasais em determinados contextos e tanto as surdas como as sonoras apresentam, segundo os contextos, variantes pr-vocalizadas ou inteiramente vocalizadas, isto , como puras vogais fonticas (Gudschinsky, Popovich & Popovich 1970, Rodrigues 1981, Wetzels & Sluyters 1995). 4 Outros fenmenos fonolgicos de interesse terico descobertos em lnguas indgenas do Brasil incluem segmentos fonolgicos complexos, com at trs fases sucessivas de realizao fontica, tanto consonantais como voclicos, em lnguas como o Kaingng do Paran (famlia J) (Rodrigues e Cavalcante 1982, Cavalcante 1987), o Yuhp (famlia Mak) da bacia do rio Negro, no Amazonas (del Vigna 1991) e o Maxakal (famlia Maxakal) em Minas Gerais (Gudschinsky, Popovich & Popovich 1970, Pereira 1991); a produo de sons nasais em contacto com fonemas assilbicos glotais, como em Pirah (famlia Mra) e em Maw (famlia Maw, tronco Tup) (Rodrigues 1984, Sndalo 1991); a nasalizao da vogal a por processo fonolgico de compactao em Kaingng e em Tapirap (Rodrigues 1981); etc. 3 Propriedades gramaticais incomuns ou nicas Enquanto diversas lnguas indgenas sul-americanas tm elementos pronominais de primeira pessoa do plural, equivalentes ao ns, nos, nosso do Portugus, muitas outras distinguem duas expresses pronominais da chamada primeira pessoa do plural, uma inclusiva, que inclui a pessoa com quem se fala ('eu e voc' ou 'eu e vocs') e outra exclusiva, que exclui essa pessoa ('eu e ele' ou 'eu e eles'). Essa uma distino que ocorre em diferentes partes do mundo. H entretanto uma distino que at agora s foi observada numa lngua do Brasil, o Tupinamb (fam. Tup-Guaran). Nesta h trs pronomes ns, um exclusivo e dois inclusivos. Estes dois ltimos se distinguem pela presena ou ausncia de uma terceira pessoa que o falante pe em foco em seu discurso: jan significa 'eu e voc' ou 'eu e vocs' ou 'eu, voc e outros', ao passo que as quer dizer 'ele e eu e voc(s)' ou 'eles e eu e voc(s)'. Nos verbos dessa lngua h prefixos que marcam os sujeitos em concordncia com esses pronomes, ja- e o-, respectivamente; mas esses dois prefixos se usam no s quando o sujeito ns, mas tambm quando ele ou eles, isto , apenas de 3a. pessoa, caso em que o- se refere a uma 3a. pessoa que o foco do discurso, enquanto que ja- indica uma terceira pessoa que no o foco. Em conseqncia, a forma verbal ojkutk pode significar 'ns o ferimos' ou 'ele o feriu', e o mesmo se d com a forma jajkutk. Essa situao se explica no s pela distino entre 3a. pessoa focal e no focal, mas tambm pela importncia que se d ao contraste entre falante e ouvinte: quando os dois agem juntos (situao de ns inclusivo) no h contraste entre eles, da mesma forma como tambm no h contraste quando s uma terceira pessoa age (ele(s)): da o uso das mesmas marcas de pessoa; as demais marcas de pessoa no verbo referem-se a situaes em que h esse contraste: a- 'eu (voc no)', oro- 'eu e ele ou eles (voc no)', ere- 'voc (eu no)', pe- 'voc e ele ou eles (eu no)'. Assim, nessa lngua, 'eu e voc' exprime-se exatamente como 'nem eu nem voc'. (Rodrigues 1990, 1993) 5 Embora at os anos 70 se considerasse um princpio universal a construo de oraes negativas mediante o acrscimo s afirmativas correspondentes de um ou mais morfemas de negao, portanto por um aumento de substncia, uma lngua de Rondnia, o Karitina (famlia Arikm, tronco Tup) produz oraes negativas mediante a supresso das marcas de aspecto e tempo no verbo, portanto por reduo de substncia (Landin 1984). Outro suposto princpio universal foi desfeito nos anos 70 pelo estudo de outra lngua amaznica. Com base no exame de lnguas dos outros continentes tipologistas haviam concludo que no existiam lnguas em que a ordem bsica das oraes transitivas tivesse o objeto direto nominal em primeira posio. O Hixkaryna, lngua da famlia Karb, no rio Nhamund no Amazonas, desfez essa concluso (Derbyshire 1977). Entre outros fenmenos gramaticais nicos ou incomuns podemos citar a incorporao de posposies no sintagma verbal em Panar, da famlia J, hoje na bacia do Tapajs (Dourado 1994), e em Nadb (famlia Mak) da bacia do rio Negro, no Amazonas (Weir 1990); a incorporao recursiva de nomes no sintagma verbal do mesmo Nadb (Weir 1990); referncia alternada (switch reference) no apenas no sujeito de oraes coordenadas ou subordinadas, mas tambm no objeto direto e nos complementos indiretos, como em algumas lnguas da famlia Tup-Guaran (Silva 1999); etc. 4. O porqu da originalidade 4.1 A antigidade do homem na Amrica do Sul O povoamento da Amrica do Sul por seres humanos recente em relao antigidade do homem sobre a Terra: as estimativas mais conservadoras so de cerca de 12.000 anos antes do presente, mas resultados mais recentes de pesquisas arqueolgicas apontam para a possibilidade de que o homem j estivesse aqui h uns 50.000 anos. Mesmo com as estimativas mais cautelosas, os grupos humanos que aqui penetraram tiveram um longussimo tempo para ir ocupando o novo espao, adaptando-se a suas caractersticas ecolgicas, aumentando sua populao, dividindo-se sucessivamente em grupos que se distanciaram mais e mais, e mais e mais se diferenciaram, desenvolvendo novos hbitos, novos conhecimentos, novas atitudes. Como uma propriedade universal das lnguas sua contnua mudana atravs das geraes e sua diversificao quando se reduz ou se perde o contacto entre partes de seus falantes, a lngua ou as lnguas que os imigrantes pr-histricos trouxeram para a Amrica do Sul tiveram um tempo considervel para modificar-se e diferenciar-se, multiplicando-se em diversas famlias lingsticas. 6 Todos os componentes de uma lngua - seu sistema de sons, seu sistema morfolgico e sinttico e seu vocabulrio, assim como suas estratgias de construo do discurso - mudam no curso do tempo, em conseqncia de reajustes internos desses sistemas e devido a mudanas na cultura e organizao social do povo que a fala e a influncias de outras lnguas com que ela entra em contacto em determinadas circunstncias. Os resultados dessas mudanas freqentemente coincidem com fenmenos j existentes em outras lnguas, mas s vezes constituem inovaes. Tais inovaes podem propagar-se para outras lnguas que entrem em contacto com a lngua inovadora e podem, assim, tornar-se caractersticas de uma determinada rea geogrfica, mas tambm podem ficar restritas somente famlia gentica descendente da lngua inovadora. Quando as caractersticas de uma regio geogrfica mantm relativamente isolados os povos que nela vivem, as inovaes no se propagam alm dessa regio, da mesma forma como inovaes ocorridas fora dessa rea a no penetram. 4.2 O relativo isolamento da Amrica do Sul A Amrica do Sul quase uma ilha, uma grande pennsula ligada s Amricas Central e do Norte apenas pelo estreitssimo istmo do Panam e separada dos demais continentes pelos dois maiores oceanos, o Atlntico e o Pacfico. A natureza insular da Amrica do Sul deve ter tido como conseqncia que inovaes lingsticas no coincidentes com fenmenos j existentes fora dela ficaram restritas a lnguas daqui, da mesma forma como fenmenos lingsticos surgidos em outras regies do mundo aps o povoamento desta, no puderam propagar-se at aqui. Em vista disso, no pode ser surpreendente, antes de esperar-se que vrias lnguas indgenas do Brasil, assim como de outras partes da Amrica do Sul, apresentem fenmenos originais em relao ao que conhecido dos demais continentes. Que s muito recentemente tenham comeado a ser percebidos tais fenmenos deve-se essencialmente a dois fatores: primeiro, a pesquisa cientfica das Lnguas Indgenas no Brasil e na Amrica do Sul em geral muito recente e ainda muito pouco desenvolvida e, segundo, ainda so muito poucos os pesquisadores e para estes h muito pouco apoio institucional. 5 A perda da quantidade e da diversidade A lentido com que se tem desenvolvido a pesquisa cientfica das Lnguas Indgenas no Brasil revela-se extremamente grave quando se verifica que essas lnguas, desde o descobrimento do Brasil pelos europeus, tm estado continuamente submetidas a um processo de extino (ou mesmo de exterminao) de espcies de conseqncias extremamente graves. Hoje h cerca de 180 lnguas indgenas neste pas, mas estas so apenas 15% das mais de mil lnguas que se calcula terem 7 existido aqui em 1500 (Rodrigues 1993a, 1993b). Essa extino drstica de cerca de 1000 lnguas em 500 anos (a uma mdia de duas lnguas por ano) no se deu apenas durante o perodo colonial, mas manteve-se durante o perodo imperial e tem-se mantido no perodo republicano, s vezes, em certos momentos e em certas regies, com maior intensidade, como durante a recente colonizao do noroeste de Mato Grosso e de Rondnia. Quase todas as lnguas indgenas que se falavam nas regies Nordeste, Sueste e Sul do Brasil desapareceram, assim como desapareceram quase todas as que se falavam na calha do rio Amazonas. Essa enorme perda quantitativa implica, naturalmente, uma grande perda qualitativa. Lnguas com propriedades insuspeitadas desapareceram sem deixar vestgios, e provavelmente algumas famlias lingsticas inteiras deixaram de existir. As tarefas que tm hoje os lingistas brasileiros de documentar, analisar, comparar e tentar reconstruir a histria filogentica das lnguas sobreviventes , portanto, uma tarefa de carter urgente urgentssimo. Muito conhecimento sobre as lnguas e sobre as implicaes de sua originalidade para o melhor entendimento da capacidade humana de produzir lnguas e de comunicar-se ficar perdido para sempre com cada lngua indgena que deixa de ser falada. 6 A situao atual A simples meno do nmero de 180 lnguas indgenas existentes hoje no Brasil pode dar uma falsa idia da realidade. Uma maior aproximao com esta realidade s pode ser obtida mediante considerao dos dados demogrficos referentes a cada lngua. Seria demasiado longo apresentar aqui em detalhe esses dados, por isso limito-me a agrupar as lnguas dentro de certos limites demogrficos, isto , segundo o nmero de pessoas que as falam, e a mencionar o nmero de lnguas em cada grupo. H apenas uma lngua com pouco mais de 30.000 falantes, duas entre 20.000 e 30.000, outras duas entre 10.000 e 20.000; trs entre 5.000 e 10.000; 16 entre 1.000 e 5.000; 19 entre 500 e 1.000; 89 de 100 a 500 e 50 com menos de 100 falantes. A metade destas ltimas, entretanto, tem menos de 20 falantes. Em resumo: das 180 lnguas apenas 24, ou 13%, tm mais de 1000 falantes; 108 lnguas, ou 60%, tm entre 100 e 1000 falantes; enquanto que 50 lnguas, ou 27%, tm menos de 100 falantes e metade destas, ou 13%, tm menos de 50 falantes (Rodrigues1993c). Em qualquer parte do mundo lnguas com menos de 1000 falantes, que a situao de 87% das lnguas indgenas brasileiras, so consideradas lnguas fortemente ameaadas de extino e necessitadas, portanto, de pesquisa cientfica urgentssima, assim como de fortes aes sociais de apoio a seus falantes, que como, comunidades humanas, esto igualmente ameaados de extino cultural e, em no poucos casos, de extino fsica. 7 O Laboratrio de Lnguas Indgenas O objetivo maior do Laboratrio de Lnguas Indgenas do Instituto de Letras da Universidade de Braslia o estabelecimento de um espao institucional para promover a documentao, anlise, descrio, comparao no s das lnguas, mas tambm das situaes em que se encontram estas. O laboratrio deve tornar-se um centro de troca de conhecimentos e de experincias por pesquisadores de diversas instituies, do Pas e do exterior, um espao de trabalho e de treinamento para novos pesquisadores e uma agncia de informaes e consultas sobre o conhecimento lingstico relevante para pesquisadores e agentes sociais e educacionais, que cooperam com comunidades indgenas, assim como diretamente para essas mesmas comunidades. Referncias Cavalcante, M. P., 1987. Fonologia e morfologia da lngua Kaingng: o dialeto de So Paulo comparado com o do Paran.Tese de doutorado, UNICAMP, Campinas. Derbyshire, D. C., 1977. Word order universals and the existence of OVS languages. Language Inquiry 8:590-599. Dourado, L. G., 1994. Incorporao de posposio na lngua Panar. Comunicao apresentada no Congresso Internacional da Associao Brsileira de Lingstica, Salvador. Everett, D., 1979. Aspectos da fonologia do Pirah. Dissertao de mestrado, UNICAMP, Campinas. _____, 1982. Phonetic rarities in Pirah. Journal of the International Phonetics Association 12:94-96. _____, 1986. Pirah. Handbook of Amazonian Languages, vol. 1:200-325 (org. por D. C. Derbyshire e G. K. Pullum), Mouton de Gruyter, Berlim. Gudschinsky, S. C., H. & F. Popovich, 1970. Native reaction and phonetic similarity in Maxakal. Language 46:77-88. Landin, D. J., 1984. An outline of the syntactic structure of Karitina sentences. Srie Lingstica 11: