ARKEO
Arte Rupestre do Vale do Tejo
e outros Estudos de Arte Pré-historica
Coordenacao:
LUIZ OOSTERBEEK
CRIS BUCOAS GRAVURAS DO MAO DO
HOMEM (ESCARIZ, FREGUESIA
DE ADOUFE, VILA REAL)
MILA SIMOES DE ABREU
ANABELA BORRALHEIRO PEREIRA
APRESENTACAO
As gravuras rupestres da Mo do Homem so das mais originais
conhecidas na Peninsula Ibérica. Na rocha aparecem representadas figuras
de maos abertas com os dedos bem definidos. Em torno delas é possfvel
ver numerosas “‘covinhas”* e serpentiformes* (vd. Fig. 1).
AMBIENTE
‘A rocha encontra-se numa pequena elevacio (615m) préxima a0
fundo do vale do tio Corgo. A sua posigio dominante é hoje pouco
petceptivel pois nos tiltimos anos foram construfdas diversas casas a
poucos metros de distancia. Em tempos Pré-Hist6ricos seria possivel
ver claramente ao longe para Oeste, 0 Mario e mais proximo as serras
do Alvio e Padrela; para Norte 0 passo de Vilarinho da Samarda e para
Este, quase em frente, o Castro de Sio Bento. Talvez por nao ter sido
infelizmente até ao momento classificada como monumento de interesse
nacional ou mesmo regional, toda a zona circundante encontra-se
actualmente em estado de grande abandono. As limpezas feitas em 2003
e 2004 com a ajuda dos jovens voluntirios da OCJ-Ocupagdo Cientificados Jovens, do NEBIG ~ Nitcleo dos Estudanies de Biologia/Geologia e
do CETA ~ Centro trasmontano de Estudos Arqueoidgicos, j4 quase nao
se notam. Em Agosto de 2005, um incéndio que afectou a zona de Escariz,
ueimou muitos dos pinheiros e da vegetagio citcundante. A rocha 86 niio
foi afectada gracas talvez a limpeza anteriormente feita. Constatamos que
a area apesar dos esforgos da Junta de Freguesia de Adoufe, que chegou
mesmo a plantar algumas tilias, continua a servir de vazadouro de entulho
€ de todo o tipo de lixo. Sabemos da existéncia de um projecto de
recuperacao da zona para transformé-la num parque merendas, Até que
isto se torne uma realidade a rocha encontra-se entre os locais com arte
tupestre mais ameagados de todo o Douro (vd. Fig. 2).
HISTORIA DA DESCOBERTA
Como tantas vezes acontece em Trds-os-Montes, as gravuras eram
desde sempre do conhecimento das gentes locais. paroco de Adoufe,
Tesponsavel pela Rellagdo da sua freguesia, em 1721, fez delas referéncia
em comunicagéio 4 Academia Real da Historia (Sousa ef al, 1987) ¢
Mendes Corréa, em apontamentos inéditos, colocava-as num penedo
“por cima da povoagio de Benagouro” (E:vedosa, 1990a:179). Eram do
conhecimento de famoso estudioso de arte rupestre, Joaquim Santos
Jiinior, apesar de nao constarem do seu inventario da “Arte Rupestre
Portuguesa”, elaborado em 1940 (Santos Jr. 1940). O investigador local,
Padre Joao Parente, deu conhecimento da sua existéncia a Carlos
Ervedosa, saudoso arquedlogo e professor, fundador da Unidade de
Arqueologia da UTAD, e este, no final dos anos 80, faz delas objecto
de um pequeno estudo (Ervedosa, 1990a. 179-82). As gravuras constam
da “Carta Arqueolégica do Concelho de Vila Real”, redigida pelo mesmo
investigador (Ervedosa, 1990b: 23) pouco antes da sua morte.DESCRIGAO
A rocha da Mio da Homem faz parte de um afloramento granitico
do qual, em data relativamente recente, devem ter sido retirados blocos
Provavelmente para a construgio de algum muro das vizinhangas. A
dificuldade do trabalho, ou talvez a fraca qualidade da rocha, fez
suspender o trabalho salvando-se uma parte da superficie decorada. O
que € portanto hoje visivel € muito provavelmente uma pequena parte
do que existiria no passado, O que resta € um pequeno penedo de
granito com forma trapezoidal, fortemente inclinado para Sul, medindo
aproximadamente 4,00m x 3,70m. Uma das faces, virada a, Norte foi
claramente partida ¢ presenta bem visiveis os sinais da exploragdo
anteriormente descrita. O ntimero total de figuras que existiriam no sitio
€ desconhecido mas actualmente é possivel ainda observar 35 figuras,
incluindo neste némero 0 nome préprio “Armando, feito em tempos
relativamente recentes, estando o seu autor ainda vivo.
AS FIGURAS MAIS INTERESSANTES
As seis representacdes de miios sio sem diivida as gravuras mais
interessantes dando nome a0 préprio sitio arqueolégico (Fig. 3). Em
pelo menos 3 dessas figuras foi representado pelo gravador, nao sé a
mao propriamente dita, mas também o antebrago ¢ 0 brago (Fig. 4). A
mo que se encontra na parte mais elevada, préximo do lado
intencionalmente partido, tem apenas, ou sé se conservaram, quatro
dedos. O mesmo acontece com outra que se encontra isolada na parte
central da rocha, actualmente muito dificil de ver. A mio de maior
dimensao € a mais visivel na parte central da superficie gravada.
Apresenta “covinhas” na ponta dos dedos (Fig. 5). Aliés, em pelo menos
és casos, as “covinhas” foram gravadas para representar a divisio
entre as diversas partes do braco — pulso, cotovelo ou ombro.
Partindo da parte superior e até metade da rocha foi gravado um
grande serpentiforme (Fig. 6). Tem cerea de 1,25m e € nele possiveldistinguir a cabega com a provavel representag3o da lingua. Outras duas
linhas gravadas podem ser serpentiformes esbocados ou incompletos.
Para alguns autores, como A. Tavares (Tavares, 1967) e Joao Parente
(Parente, 2003) 0 culto Ofioldtrico (da serpente ou da vibora) era
particularmente importante em Trds-os-Montes na Epoca Pré-Historica
e Pré-Romana. O Pe. Parente contabiliza mais de 300 dessas
Tepresentacbes (2003:280) entre as quais 0 Cobriio, do Castro de
Baldoeiro, ja publicado por Santos Jénior (Santos Jr. 1931)
Na parte inferior da rocha aparecem gravadas duas figuras de dificil
interpretagdo. Uma trata-se de uma figura de tipo cruz potenteia, com
0 “braco” inferior dividido em duas parte, 0 que Ihe dé um cerco caracter
antropomérfico. No centro dos dois “bragos” ou “\pernas” foi feita uma
Pequena “covinha”. Figuras semelhantes sao interpretadas como
TepresentagOes esquematicas femininas, por exemplo, em Valcaménica*
{Abreu er al. 1990). Ervedosa (1990) pensa que se trata de uma cruz
assente numa peanha.
A pouca distancia desta figura encontra-se outra gravura misteriosa.
Trata-se de uma espécie de tridente, com “covinhas” na ponta de cada
um dos™“dentes”. Por baixo, ¢ aparentemente a ele associado, nota-se
uma das trés figuras triangulares presentes na rocha. Um desses triangulos
tem um “pé". E possivel que esta seja a gravura, a que 0 Péroco de
Adoufe faz referéncia em 1721, e que diz parecer representar o estrado
de um catro de bois sem rodas. (Sousa ef al. 1987).
Toda a area decorada esta semeada ainda de “covinhas”, isoladas
e de dimensées relativamente reduzidas na maioria dos casos. Num dos
lados da rocha, virado a Sudoeste, o granito apresenta um veio de quartzo
que parece ter chamado a atengio do artista pré-histérico. Embora pouco
definidas nele parece ter sido feita uma linha “covinhas”. A natureza
geolégica torna problemética a sua segura caracterizagao.
As figuras de mios que surgem incompletas na patte superior da
Focha, junto a0 nome “Armando”, parecem apontar para que a superficie
tivesse sido mais decorada. E ainda de referir que essa inscrigao recente
apresenta uma patina e um aspecto bem diferente de todas as outras gravuras.CONTEXTO ARQUEOLOGICO, CRONOLOGIA,
INTERPRETAGAO
Como jé referimos a localizagao dominante da rocha deve ter sido
tida em consideragio pelos artistas pré-histéricos. A zona encontra-se
num local de passagem entre a actual Vila Real e a zona de Vila Pouca
de Aguiar, na proximidade da Serra do Alvao, onde se tem conhecimento
de numerosos vestigios pré-hist6ricos, nomeadamente uma elevada
concentraciio de sitios megaliticos, infelizmente ja quase todos totalmente
destruidos.
Parente (2004) pensa que a rocha se insere no territério dos Lapiteas,
entre o Castro de S. Bento, a certa 4/5 km do outro lado do rio e 0
Castro Cividaia, um pouco mais abaixo, e que esta directamente
relacionada com os “numes Lapitearum” mencionados por Caius
Calpurnius Rufinus, numa das inscrigdes presentes no Santudrio de
Panoias (Abreu, 2005).
As gravuras da rocha da Mao do Homem nao tém muitos paralelos
na arte rupestre portuguesa. Ervedosa (1990) associa-as 4s encontradas
por J.R. Santos Jr: nas proximidades do Castro de Mouril. Segundo este
ultimo investigador, a cerca de cem metros a norte desse Castro existe
um penedo com 19 covinhas e no meio delas “(...) um grupo de cinco
pequenas covinhas e pouco profundas, com sulcos irradiantes, pouco
profundas, és quais se adaptam perfeitamente as polpas dos dedos da
mio direita quando espalmada e de dedos abertos. Com sulcos irradiantes,
um tanto goticulas (...); ao ajuste da mao corresponde um pequeno
saliente ovalar em que assenta 0 cavado da mao” (Santos Jr. 1968). Nao
nos foi possivel comprovar, no entanto, a sua existéncia.
E necessario ressalvar que se figuras de maos preenchidas sao
raras_na arte rupestre da Peninsula Ibérica e mesmo da Europa, ja as
representagéo de personagens com mao/s exageradas séo comuns em
toda a arte rupestre mundial. Essas figuras habitualmente so chamadas
“grandes-mios”. Na Europa so conhecidos numerosos exemplos: na
Valcaménica, Lombardia, Italia, (ver figura n.° 4); Monte Bego/Valléedes Merveilles*, préximo de Nice, Franga (Lumley, Henry De er al.
1994-1995) e no Bohusliin*, Suécia (Coles,1990)
Na Peninsula Ibérica, figuras de “grandes-mios” aparecem
representadas sobretudo em {dolos ¢ estelas, como no caso do fdolo de
Granja de Toninuelo, na Estela, com escudo redondo de Magacela
(Badajoz) ¢ nas estelas antropomérficas de Torréjén el Rubio,
Estremadura, (Anati, 1968: 72, 79, 80, 81 - fig. 4).
‘Umberto Sansoni (1983) que se debrugou sobre a interpretagao das
figuras de - “grandes-maos” verificou que elas parecem ser as figuras
dominantes, muitas vezes sio as de maior dimensio e como lugar de
destaque na cena. Os personagens “grandes-mio” parecem possuir
poderes extraordinarios, nao s6 terrenos mas até talvez sobrenaturais.
Sao por vezes figuras hibridas, (homem-animal) ou claranente nao “nao-
-humanas”. Em cenas, como por exemplo, a de Ceretto di Cemmo,
rocha 28 (Anati, 1987:98 — figura 3) em Valcaménica, parece existir
uma transformagio associada A presenga do personagem com méos
exageradas. A representacao exagerada da mio pode portanto tratar-se
de simbolo, nao s6 de importancia social — 0 guerreire mais valente -
mas também do iniciado ou do mistico — 0 sacerdote, shaman
Quanto as figuras de tridingulos, elas encontram paralelos em objectos
de uso comum, como pas ¢ espelhos. Na Valeamonica, figaras de possiveis
pas ~ “palettas” — aparecem associadas a personagens dominantes (Abreu
et al. 1988). O significado das — “palettas” nfo é muito claro. Trata-se da
representagio das pas que recolhiam as cinzas dos mortos e que muitas
vezes siio sepultadas com eles nas urnas funerdrias! Ou sio um tipo de
pentes, usados nos teares? A sua forma rectangular, ou como neste caso,
triangular, recorda alguns dos espelhos Etruscos. A preserga de tal objecto
é frequentemente associada a poder econémico ¢ importancia social. (Abreu
et al. 1990). O triangulo é, ainda em muitas culturas, um simbolo feminino
(zona piibica) mas tal nao parece ser este o caso.
E curioso recordar a presenga de uma cruz e de um triangulo
semelhante na rocha 3 de Dos Sotto Laiolo (Paspardo) na Valcaménica
(Abreu, ef al. 1988:12-13). Na mesma zona, mas na rocha 4, foi também,gravada uma cruz de tipo potenteia e diversas “palettas”. (Abreu et al.
1988:14-15). Ede notar que a figura de cruz/antropomorfo pode ser de
€poca posterior ao relatorio do século XVIII, pois nele nao é referida
(Sousa, 1987).
Tendo em consideragao todos estes elementos, apontamos como
data para as gravuras da Mio do Homem a Idade do Ferro. Nao existem,
Pensamos, actualmente suficientes elementos para atribuir as figuras,
como propés 0 Pe. Parente (2005), & Idade do Bronze mas nao é de
excluir que 0 local possa ter sido objecto de culto em tempos precedentes,
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FIG. 2 — A rocha da Mio do HomemFIG. 3 — Decalque da Rocha da Mao
no Tempo”). Bem visiveis sao as figuras de mios,
“covinhas” e triangulos. Na parte superior vé.
recente “Armando’
. Serpentiformes,
“Se a inscrig&o§
g
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35
38
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FIG. 5 — Decalque da Rocha da Mio do Homem (Projecto
“Gravado no Tempo”). Covinhas,FIG. 6 ~ Decalque da Rocha da Mao do Homem (Projecto
“Gravado no Tempo”). Serpentiformes.
109FIG. 7 ~ A direita: Ceretto, Capo di Ponte, Valcaménica, Itélia
A csquerda Estela de Torréjén él Rubio,
Extremadura Espanhola