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CICARELLI vs. YOUTUBE


Liberdade de informação e o direito à fofoca
Por Túlio Vianna em 16/1/2007

Assisti ao vídeo com o flagrante da relação amorosa entre a atriz


Daniela Cicarelli e o empresário Renato Malzoni Filho, em uma praia
no sul da Espanha, logo que ele foi divulgado na internet, em
setembro de 2006. Os primeiros 100 segundos mostram os
namorados trocando beijos, abraços e carinhos na presença de outros
banhistas que não demonstram dedicar-lhes qualquer atenção
especial. A edição e as legendas procuram enfatizar o caráter erótico
da cena em detrimento do amoroso.

Após o centésimo segundo, abruptamente os banhistas desaparecem,


a legenda anuncia "La pareja busca intimidad" (o casal busca
intimidade) e uma cena mostra o casal caminhando pela praia. Não se
sabe ao certo quanto tempo caminham (um minuto? uma hora?); não
se sabe ao certo o quanto se afastam dos banhistas. Trocam carícias
mais ousadas. Novo corte na edição: sai a música de fundo e entra o
que se supõe ser o som ambiente. O casal agora está no mar, não se
sabe o quão distante da areia, mas as bóias ao fundo indicam que se
afastaram bastante. Dificilmente a cena poderia ser captada pelo
zoom das lentes de câmeras amadoras, mas o zoom de um
equipamento profissional permite flagrar a dupla se relacionando
sexualmente na água.

O filme termina com o casal retornando à areia e um abrupto corte


nos 15 segundos finais leva-os de volta instantaneamente para junto
dos banhistas, sugerindo que estes sempre estiveram por perto.

Julguei que o vídeo não faria sucesso na internet por não ser nada
explícito. Diria mais: comportado demais, se comparado à diversidade
de conteúdo pornográfico que pode ser encontrado na rede. Pueril
engano. O vídeo não só fez um sucesso estrondoso, como despertou
um sentimento muito diverso daquele que eu, na minha ingenuidade,
acreditava ser o foco da questão: as pessoas não assistiram ao vídeo
para se excitarem com a ousadia amorosa do casal, mas para
julgá-los. Julgá-los por quê?

Linchamento moral online

A rigor, Daniela e Renato não praticaram qualquer crime. Ainda que


tanto a legislação brasileira quanto a espanhola punam atos ofensivos
ao pudor público, para que se possa caracterizar o crime é
imprescindível que quem presencie a cena tenha seu pudor ofendido.
Como nenhum banhista daquela praia reclamou ou mesmo notou as
peripécias do casal naquele dia, certo é que crime não houve.

Sigmund Freud, em seu livro Totem e Tabu ensina que o fundamento


da punição social pela violação de um tabu reside no risco da
imitação. "Se a violação não fosse vingada pelos outros membros,
eles se dariam conta de desejar agir da mesma maneira que o
transgressor." A repercussão do vídeo na internet não se deu pelo
pudor violado de quem assistiu às cenas inadvertidamente, mas pela
identificação dos internautas com os protagonistas: é preciso punir o
casal com a execração pública para garantir o regozijo de todos que
cotidianamente reprimem seus instintos sexuais nas praias e
retornam às suas casas e hotéis para extravasá-los.
Daniela e Renato estão sendo massacrados pela mídia difusa, com a
complacência da mídia institucional, por terem desafiado um tabu.
Um verdadeiro linchamento moral em rede internacional de
computadores.

Privacidade e lugares públicos ou privados

O argumento pueril de que a mídia tem liberdade, e até dever, de


informar, esconde o verdadeiro direito que se pretende tutelar em
casos como este: o direito à fofoca. A liberdade de imprensa tem por
fundamento o interesse público na informação. Vídeos como este não
cumprem qualquer função pública de informar, pelo simples fato de
que não há qualquer interesse público em se saber onde, como ou
com quem Daniela Cicarelli mantém relações sexuais. Ao optar por
satisfazer a curiosidade quanto à vida pessoal de celebridades, a
mídia abandona sua função basilar no Estado democrático de direito
de instrumento de informação de questões de interesse público e se
converte em uma velha fofoqueira com recursos tecnológicos de
última geração.

A sutil diferença entre informar e fofocar só pode ser plenamente


compreendida quando se delimita com exatidão o direito à
privacidade. Em princípio, é preciso desmistificar de uma vez por
todas a relação entre privacidade e lugares públicos ou privados. Um
ato de corrupção praticado por um funcionário público em sua
residência é de natureza eminentemente pública. Não se poderia
jamais impedir sua divulgação na mídia ao simples argumento de que
o local era privado. Em contrapartida, uma relação sexual praticada
em uma praia pública é um ato eminentemente privado, se
evidentemente, como parece ter sido o caso de Daniela e Renato,
foram tomadas as devidas cautelas para evitar os olhares dos
banhistas.

O direito de não ser monitorado

O direito à privacidade, por outro lado, não é um privilégio garantido


apenas a cidadãos anônimos. As celebridades, quando não estão
desempenhando atividades de interesse público, também têm direito
ao resguardo de sua privacidade. A Corte Européia de Direitos
Humanos decidiu corretamente no caso Von Hannover v. Alemanha,
no qual a princesa Caroline, de Mônaco, não obstante ser uma pessoa
pública, deveria ter sua privacidade resguardada pela República alemã
no que diz respeito à publicação pelas revistas daquele país de
matérias e fotografias relativas exclusivamente à sua vida privada.

Então, como identificar os limites entre público e o privado? Em


minha tese de doutoramento em Direito, na UFPR, destaco três
características que em conjunto abarcam o que concebemos como
direito à privacidade: direito de não ser monitorado, direito de não ser
registrado e direito de não ter registros pessoais publicados.

A monitoração pode ser realizada pelos sentidos humanos com ou


sem equipamentos tecnológicos. Se na sacada do meu apartamento
vejo a olho nu uma bela moça trocando de roupa na janela, por óbvio
não lhe violo a privacidade. Se, porém, valendo-me de uma câmera
fotográfica com um poderoso zoom, fotografo a cena, certamente há
uma violação de sua privacidade que só será maior se publicar a
fotografia na internet ou em outro meio de comunicação.

Expectativa de privacidade?

Observar Daniela e Renato relacionar-se sexualmente na praia não é


a mesma coisa que filmá-los e, por óbvio, filmá-los também não é o
mesmo que publicar a gravação. São, portanto, variações de
atentados às suas privacidades. Se, por óbvio, não se pode punir
alguém por observar um casal se relacionando sexualmente em uma
praia, o mesmo não se pode afirmar de quem filma a cena e, muito
mais grave, de quem a divulga a terceiros.

São estes graus de privacidade que precisam ser adequadamente


compreendidos para se evitar excessos. O direito à privacidade em
cada um destes casos será determinado pela expectativa de
privacidade que alguém pode ter em cada situação.

Um casal que mantém relações sexuais na praia não pode alegar


expectativa de privacidade em relação ao direito de não ser
monitorado. Isso não implica, porém, que tenham expectativa de que
possam ser filmados e, muito menos, de que esta filmagem possa ser
divulgada a terceiros. Há, certamente, por parte do casal, uma
expectativa de que suas imagens em situações privadas não sejam
publicadas, pois isto lhes causaria um evidente dano moral.

O analfabetismo tecnológico do Direito

Quando um direito é violado, em regra, duas soluções jurídicas são


possíveis: a reparatória e a punitiva. No presente caso, se a
publicação do vídeo gerou um dano à privacidade de alguém, é
natural que se busque evitar o incremento deste dano, retirando o
acesso público ao vídeo.

Ocorre, porém, que a internet, por sua própria arquitetura, torna


tecnicamente impossível qualquer tentativa de filtragem de conteúdo
privado disponibilizado na rede. Ainda que se possa, com sucesso,
retirar todos os vídeos do casal Daniela e Renato do YouTube, por
certo não se poderá excluí-lo de toda a internet, em especial de redes
de compartilhamento de arquivo.

No presente caso, a desastrada decisão judicial que ordenou que o


YouTube fosse retirado do ar foi inócua no seu objetivo de evitar o
acesso ao vídeo, pois para que isso fosse possível não bastaria
restringir o acesso ao YouTube, mas à própria internet em sua
totalidade, o que seria inconcebível. A decisão, porém, é bastante
indicativa do analfabetismo tecnológico dos profissionais do Direito
brasileiro, que insistem em tratar a internet com meios coercitivos
convencionais. A arquitetura da internet foi concebida para continuar
funcionando mesmo em uma guerra de grandes proporções; não
resistiria ela a uma ordem judicial?

A censura econômica cotidiana

É preciso que os profissionais do Direito entendam que se pode fechar


sites, mas não se pode impedir que a informação circule na internet
por outros meios, em especial pelas redes P2P. O uso de instrumentos
jurídicos com este objetivo, longe de resolver o problema, só tende a
aumentá-lo. Há uma inerente publicidade em torno deste tipo de
decisão, em regra muito mal recebida pelos internautas, que vêem
nelas resquícios de uma censura que, no presente caso, não existiria
se fosse limitada à retirada exclusiva dos vídeos da rede. Aliás, seria
uma contradição em termos se pensar numa censura de informação
de cunho eminentemente privado.

Daniela e Renato tinham todo o direito à privacidade naquele canto


deserto da praia espanhola onde mantiveram relações sexuais.
Infelizmente, porém, o Direito não possui meios eficazes para lhes
garantir uma solução reparatória. Tudo que resta ao judiciário é impor
uma solução punitiva a quem lhes violou a privacidade para evitar
que no futuro casos como este se repitam. Assim, o judiciário deveria
impor ao paparazzo que os fotografou uma severa indenização por
danos morais decorrentes da invasão da privacidade do casal e do uso
indevido de suas imagens. Qualquer tentativa de retirar os vídeos da
internet por meio de procedimentos jurídicos, no entanto, soa como
vã e fadada ao fracasso, pela própria arquitetura da rede.
A reação furiosa do público diante do episódio, por fim, demonstra
muito mais suas próprias frustrações por desejos reprimidos do que
uma verdadeira indignação pela censura judicial. Gostaria de
presenciar tamanha indignação diante da cotidiana censura
econômica patrocinada pelas grandes emissoras de televisão, revistas
e jornais nacionais quanto ao conteúdo ideológico das notícias que
publicam. Mas, infelizmente, o grande público parece não se
interessar tanto pelo direito à liberdade de informação quanto pelo
direito à liberdade de fofoca que clamorosamente defendem.

Leia também
Justiça não sabe direito o que é a internet – Maurício Cardoso

A decisão irrealista de um magistrado – Alberto Dines

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