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  • Nietzsche

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    Texto sobre a ética em Nietzche.

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    NIETZSCHE E O NIILISMO COMO DIAGNOSTICO DA CRISE DA ETICA Introdugao © século XIX € marcado pela faléncia generalizada das principais narrativas tebricas que sustentaram a cultura ‘ocidental, A wnidade da razio, que emitia tim juizo vniversal sobre o mundo, a vida e a morte, converte-se em razio feagmentdria incapas de responder as questiesbasilares da vida humana. No caso da ética, esse colapso € percebido principalmente através do esvaziamento de significado das perspectivas e valoragdes moraie que foram tradicionalmente cultivadas a0 longo dos séculos. Trata-se de um descrédito em relagao a0 otimismo exagerado nas potencialidades da razto hhumana, bem como da gradual supressto de um fundamento religioso que garantia a retidao da agio humana, Aos poucos, 4 esfera ética vai perdendo as condigtes de agregar sentido © valor & existéncia humana, restando aos homens apenas se deparar com o vazio do mundo e de si mesmos. Podemos compreenders éica como uma reflexso tebrica sobre as condigoes que do sentido as ages morais © 8 vida Ihumana, e que possibilitam ao homem eriar uma “relagao de pertencimento” com © mundo em que ele vive. Trata-se de um anseio comum de “um ser que nko apenas vive, mss que pergunta pelo sentido de tudo e, portanto, pelo sentido de sua Vida, pela razko de ser de suas agBes" (OLIVEIRA, 2001, p. 5), Mas ai ests nosss questio: a parti do século XIX » esfern da fica que garante sentido as ares e& vida asistegradativamente a0 esvaziamento do potencial gerador de sentido ao homem, ‘A esse colapso © cevaziamenta que tambem podemos ddenominar de crise da ética. Nietzsche (1844-1900) & certamente 0 filésofo que mais bbem analisou as condirtes culturais do séeulo XIX e, por iss, demos consideri-lo um dos principsis médicos da cultura ocidental, na medida em que foi capaz de diagnosticar precisamente a derrocada dos valores morais. Neste caso, ‘compreender o século XXI, sobretudo as transformarbes morais «suas configuragdes contemporineas, deve necessariamente remontar ao diagnéstico feito por Nietzsche da crise da ética Portanto, compreenderem quecoasistiu odiagndstico da faléncia ‘dos valores morais signifies langar luz 4 nossa propria condicao moral no século XX. ‘Vamos compreender em que consiste © diagnéstico da ‘rise da ética por meio de um importante conceito nietzschiano: o niilismo, sobretudo em sua dimensSo humana e moral que le recebe em Nietzsche. Essa hipétese deve nos servir de lente de aumento para compreender tanto 0 diagnéstico da crise ‘moral, como também para entendermos melhor a nossa época Se quisermos, pois, entender em que consiste a crise éties contemporiinea, poddemos ler a nossa realidade através dessa lente de aumento, Nillismo: “de onde procede o mais sinistro de todos os héspedes”? Nietesche nunca chegow & escrever um livro sobre 0 nilismo, Apeser dso, encontramas 0 conceito em varios de 1, Embora a nogio de nlismo j se encontie desde 1880, ¢ por volta de 1888 que Nietzsche anuncia {de modo mais profttico o nillsmo: "O que eu nsero é historia {fos dois proximos séculos, Deszzevo 0 que vem, © que nfo pode seus textos ¢ de modo exper mais deixar de vir de outro modo: 0 advento do wilismo’ (NIETZSCHE, 1980, «13, p. 189)! A mais indesejada visica {que a cultura ocidental recebe, o niilismo, taz consigo um ‘igantesco processo de esvariamento da vida ¢ dos valores. Sob fesse ponto de vista, nossa Epoca ainda experimenta a chegada {do mais snistro de todos os hdspedes. Grosso mado, niilismo € um processo de faléncia seneralizada do sentido que o homem agrega & sus vida e 20 ‘mundo, Aquilo que cada serhumano tinka como valores pessoais ‘que ele usava para interpretar a existéncia, o mundo e sua vida social, nio tm mais forga para dar alguma resposta a ele, Nese tstedo, o homem se sente como que perdido em meio a uma vida desprovida de qualquer significado, Tratase de um estado psicolbgico em que nos encontramos sem um “Fim” ou "saida” razodvel para as principais angistias humanas: © que antes possuia cor se forna cinza; se antes © homem ouvia algo do ‘mundo, agara esse mesmo mundo aparece em seu mais absoluto silencio; ese antes ele deslizava nadando nas Sguas calmas da ‘ua vida, agora naufrags em seu proprio oceano, Em Assim: Fal vanuser, Nietwsche pOe em evidéncia esta condisio vazia do fomem, através do didlogo entre o profeta Zarstustra © sua sombra. No texto, diz sombra venta bom favored sus anvegneto, Que me estou Binda! Um coragtocansadoe atv: (-] Onde © mela? (NIETZSCHE, 1998, p. 276) As palavras da sombra, responde Zaratustra: “Pesdeste a et; ai de i, como irks refazerte e consolarte da perda? Com 's0~ perdeste também 0 caminho! Nessa condiodo “mista” da existén © homem perde sevleme ¢orumo para onde precisa ainda percorrer. Nolo tomem se encontra desamparado de si mesmo e perdido diante {vmundo...e pior: nde ha mais ningeém para ajudésto, No fando, nessa condigz0 0 homem padece de seu sentido, ow selhor, ele softe por nao poder mais eriar qualquer sentido, sso nao significa que © homem tenha negado sentida a0 undo ou a sua propria vide, Nao se trata de mera nepasao. ‘nies disso, 0 que ocorreu foi apenas um esvaziamento de sestido, simplesmente a vida e seus signficadas j& no dizem iis &S mesmas coisas que antes diziam. Uma das definigoes tis didéticas do conceito de miiismo explica justamente tandie20 de faléncia de valores: “O nillsmo é wm estado normal. Nismo: falta a meta, falta resposta & pergunta ‘para qué?” Dave significa niilismo? — gue os mossnssupremos valores se Joroorizam" (NIETZSCHE, 1980, v.12, p. 350), ‘A condigdo de esgotamento de postibilidades de vida € lores de um homem pode representar, ao mesmo tempo, os Ccontomos gerais de tods a cultura, Na medida em que cada ser humana se roma incapsz de agregar valor 4 vida, ou se ele sinda fornece algum valor, ese valor tem valor de "nada", as condigées paraa barbirie vio a08 poucos tomando forma. Ora, se vida nao tem mais sentido ov qualquer valor~a no ser um ‘valor mercadologica -, entto matemos, fazemos holocaustos, tranizamos, ete. A condigao niiista do homem e da cultura é uma versto da barbarie social e uma das ramificacses da banatizacio da vids. A formula nietaschiana da desvalorizas3o {dos nostos supremos valores deve ser interpretada ness rigoroso sentido, vale dizer, a5 condigbes tedricas que explicavam & forneciam valor e sentido ao homem ¢ & cultura perdem sua foreaou se “desvalorizam’”,restanda ao homem 0 esvaziamento dda vida num mundo sem significada ‘Um dos pougissimos registros sobre o nism feitos por [Nietzsche em obras publicadas se encontra no livro A gai ciénci, especialmente no aforismo 125, intitulado “O homem louco” “Tratase de un dos textos mais famosos da histéria da filosoFa, cco significado esclarece wm pouco mais essa condicto vazia {do homem e dos valores, ‘Neste polémico texto, Nietasche descreve um homem que ‘em certa mana foi & praga do mercado, com wma lanteraa na Ini, gritando incessantemente: “Procure Devs! Procuro Deus!” (NIETZSCHE, 2001, p. 147). Diante de todos que ali se tencontravam, Nietesche pe as eeguintes palavras na boca do hhomem louco: “Para onde foi Deus’, geitou el,‘ Ihes dreit [Nis © matamos ~ vocs ¢ eu, Somos todos seus assassinos" ‘través de varias metsforas, 0 homem louco questiona sobre ‘coma culeuta foi capaz de um ato t80 prandioso, Numa dessas Imetiforas, o homem louco pergunta: “Quem nos dew a esponja ‘para apagar o horizonte? Que fizemos nos, ao desatar a terra 440 seu sol? Pars onde se move ela agora? Para onde aos movemos nés agora? Em cada perguota est implicta precisamente a condicao nilista que explicamos anteriormente. Apagar o horizonte & setirar a meta ou a diresdo do homem e da cultura; significa que a cultura j& nfo tem um projeto para a formacao do homem ¢ ‘nem uum mimo para onde quer chegar e, por isto, nfo se sabe ‘mais para onde nos movimentamos. Nto por acaso, toda essa condigao nist foi resumida por Nietzsche em uma famos polémica fiase, também pronunciada pelo homem louco no ‘mesmo tento: "Deus esté morto!”? Essa femnula significa que todas: cesferas da colturs politica, arte, religito ¢ 8 moral, por cexemplo — perdem sua base de sustentapio au seu fndamento. Por isso costumamos caracteizar nossa época como a era do vario, Segundo Nietzsche, 0 esvasiamento de sentido ocorre sobretudo com trés importantes categorias com as quais a cultura interpretou a existencia. Num fragmento de novembro de 1887/ marco de 1888, Niesche aborda o problema de como nossa ‘era se torna vazis ow como ela culmina em aillismo. No texto, © niilismo se expressa como "estado psicoldgico” sob trés maneiras. 'Na primeira deias, 0 millismo ocorre quando nao se ‘encontra mais sentido algum no mundo ¢, portanto, seria “o tomar-consciéncia do longo despentiio de forea, o tormento do “em Vio! [..] 8 vergonha de si mesmo, como quem se svesse enganado por demasiado tempo” (NIETZSCHE, 1999, p. 430). Esta forma de ocorréneia corresponde ao declinio da categoria 7 Gem a ag pny nen aro pai de Niu nr de finalidade wtilizada para dar um seatide a0 curso de acontecimentos na historia, a partir do momento em que se concede que nada mais ¢ alcengada: "[..J e agora se concebe ‘que com 0 vii-a-ser nado alvendo, nad elcancade...Portanto, a desifusio sobre uma peetensa fn ae do vi-s ser como cause {o nillisma”” Na segunda delas, o nilismo ocorre, como estado psicalégico, “quando se tiver colocado uma roraiidade, uma “stematisopto, 0% mesmo wena organizapfo, em todo acontecer € ebaixa de todo acontecer” e, por fim, percebe-se que de fato no ha qualquer unidade ou fundamento que retina em si toda ‘ mmultiplicidade. Esta segunda forma corsespondente a categoria Ge unidade, quando se supunha uma confortével seguranca em vitude da certeza de onde 0 mundo e os homens no mundo estavam assentados, Na terceita estima forma, oniiismo ocorre {quando se condena “este mundo do vira-see como iusto” a fim de “inventar um mundo que esteja para além dele, como vendadeivo muindo” (NIETZSCHE, 1999, p. 430), ¢ Finalmente, Compreende-se que o mundo verdadeiro ~ antitese do mundo do vir-a-ser ~ somente foi inventado “por necessidades psicolégicas” @ que, além disso, © homem “nao tem bgolutamente nenhium dieito a ele". Representando a categoria {de verdade, © homem compreende que nSo hé oposicao entre ‘mundo verdadeiro e munda real, uma ver que concebe a inexistencia deste mundo verdadeiro, encerrando "em si a deseo ev we mundo merafisico” > ree ase gor lain Heese teas fn eves pve Dizer que tudo tem um fim, um fandamento © uma verdade, significa acredtar que vida eo mundo ainda possuem valor. Os valores cultvados pelo homem ~ 0 bem, © justo, 0 belo, ete. = podiam ser interpretados pelas categorias de fin, fundamento e verdade, Poréas, na medida em que o mais sinistra os héspedes, o niiliemo, vai se espalhando como condigao cultural, as trés categorias pesdem valor e, por meio delas, Aesvalorizam-se também todos os valores morais que o homer. incerpretava agregava sentido vida. Nas palavras de Nietesche (1999, p. 430) © que aconeceu, no funda? O sentiment da ous de ‘elor fl alcanrado [| Em sums: a categorie fi ‘unidade’, “ser, com a8 quais tinhamos imposto 20 ‘undo um val, fora outea vez rindar por nos ~ -Eexatamente essa desvalorizacao da capacidade do homem ‘eda cultura de interpretar a vida que significa “Deus esté morto” ‘ou ainda, € através da desvalorizagao dos supremos valores com (08 quais o homem interpretou a vida que sigailica niiismo. AA formula de Nietzsche: “Deus esta moito", ou “auséncia de valor", ou no geral“nilismo”, so todos sindnimos ¢ expresses pelas quais € possivel compreender 0 porque de a étiea estar em crise. Sao lentes de aumento que podemos usar para ler nosia ccondigio moral ~ tanto individual quanto coletiva ~, a fim de entender a fentae gradual escalada da barbie. TIndmeros si0 os exemplos contemporieos que encontram eco no niilismo. Seja a banalizagdo ou instrumentalizacto da Vida, na medida em que ela recebe um valor exclusivamente ‘mercadoldgico—pensemos no easalzinho de namorados olhando. ‘passvos eindiferentes as vtrines de um shopping, ou ainda saindo svolutamente impetsonis com stcolas na mo, cujne mercadoriae s80 meramentesubterfigio as suas incapacidades de suportarem. 2 si proprios, além de gastar o resto do dis malhando na academia para jogar fora as porgdes de hamburgueres © reffigerantes que consumiram em meio a artificialidade do ficial. Tudo € construida pata dar uma aparéncia de realidade. £ wi jogo de fez-de-conta {que aceitamos jogar desde que no nos contem ou no nos lembrem que ¢ apenas tudo de mentira. Ora, quando a vida n8o tem mais qualquer sentido, o shopping constzoi uma vide plens de valor, embora artificial - eles instromentaliza e vende caro 8 todos, ou sea, 0 sentido a vida literalmente “custa” algo. Lembzemos ainda como exemplo » atual compulsto Imumana de dominio técnico-cientifico sabre a nanireza. Nas palavras de Nietzsche: “Hybris € hoje nossa atitude para com 2 nnatureza, nossa violentagio da natureza com ajuda das maquinas eda tho irrefletida inventividade dos engenheitos « tGenicos (NIETZSCHE, 1998b, p. 102). Hybris é 0 desdobramento estrativo de uma condigao tipicamente contemporanea de nillismo; € a consequéncia imediata da nossa ineapacidade de agregar valor ¢ cuidada & vida. Cuidado significa aqui lbservancia e gerantia de vida as futuias geragtes. Neste cas, Vida ago € apenas o “estarai” de wm individuo, mas sim € a habilidade de cuidar das possbilidades de vida do ainda no vvivente, aquele que ainda no nasceu ow da vida porvit Mas se a vida € mera mercadoria desprovida de valor, nossa ‘compulsto de dominio sobre a natureza € apenas o sintoma imediato e a consequéncia mais visivel do des-aprendizado humano do saber-cuidar, cuja desteuiedo revela tanto a periculosidade da condicio nists da cultura, quanto nossa impoténcia em conseguir resistira esse esvaziamento Porfim, pensemostamném na candigae do homem consign ‘mesmo. Vivenciamos um processo de esgotamento generaizad dde novas possibilidades com a vida, ou sinda, a faléncia da ‘potencialidace humana em crise novnsextimativas de valor. Peas ppalaveas do “Adivinho” em Assin Falow Zararsera, Nietzsche ‘escreve muito bem o sintoms niliata de eagotament de vida EE vi uma grande tristes descer sobre o8 homens, Os {evuma doutring ‘toda ¢ vaso, mado € igual, tudo fo [ha Init foi roo o trabalho, veneno tomow-se 0 nosso Se calse fog sobre nos, selamos redvzidos a cinga se, O solo quer fnderse, mas 0 ablema do nos quer Hagar! “Ah, onde ha um mer, ainda, no qual pssamnes Ja estamos cansados demais para mortet) agora ‘continuamos acordados e vivendo ~ em chmaras ‘mortusriaa! (NIETZSCHE, 19988, p. 145) Nessa condigao, 6 homem nao apenas compra uma vida artificial ou violenta a natureza, mas também banaliza a si ‘mesmo, tomando-se incapaz de resistre inventar novas formas de vida. Incapazes de construir nossa propria felicidade, preferimos compricta em eépsulas na farmacial Impotentes para

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