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ESTADO E IDENTIDADE NACIONAL NA PRIMEIRA REPUBLICA Adriano 8. Lopes Gama Cerqueira® Resumo © objetivo deste trabalho € discutir as formulagdes acerca do papel do Estado ro Brasil, no periodo da Primeira Repiblica, efetuada par eminentes pensadores do periodo, como Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Gilberto Amado. Acravés do exame das principais bases tedricas desenvolvidas por esses pensadores, pretende-se investigar 0 modelo institucional do Estado brasileiro assim formulado, notadamente no aspecto que tange as relacies entre @ estrutura institucional ¢ um idea- Jizado perfil da identidade nacional operado pelos mesmos. O periodo da Repiblica Velha se notabilizou pelo recrudesci- mento das criticas langadas contra o sistema politico liberal, funda- mentado no modelo representativo parlamentar, no tocante as relagdes entre as esferas publica ¢ privada. O alvo principal das criticas foi a excessiva restrigdo @ participagdo politica, gerando a justa impressao de que a recém-instalada Republica nada mais era que um sistema oli- garquico mal disfargado. O cardter restringente do sistema politico republicano firmou-se na nao incorporago politica e econémica da maioria da populagao brasileira. Politicamente, devido a exclusiio, no sufragio eleitoral, dos menores de 21 anos, dos analfabetos e das mu- Theres, Economicamente, em razfio da auséncia de uma legislagao so- cial voltada para o ensino gratuito, a regulamentac&o do trabalho, a politica salarial ete. Essa exclusio foi denunciada jé em 1889 pelos positivistas Teixeira Mendes e Miguel Lemos, defensores da necessidade de uma * Professor do Departamento de Historia da UFOP c mestre cm Ciéncia Politica pelo IUPERJ participagio efetiva do Estado para a “elevag2o do carter nacional com a formagao de verdadeiros cidadios” (Mendes, 1908, p. 6). Fo- ram criticas que se dirigiram para a inoperdncia e indiferenga do poder piiblico brasileiro quanto aos problemas sociais, de responsabilidade do modelo politico-partidario devido ao seu baixo grau de representa tividade, decorréncia do monopolio politico de grupos minoritarios. ‘Ao longo das primeiras décadas deste século essas criticas foram constituindo uma espécie de consenso entre as principais vozes politi- cas do Brasil, resultando em um fundo teérico de importancia vital para uma melhor compreensio da recente Histéria Politica brasileira. Entre os autores que se preocuparam em endossar um papel social para 0 Estado encontra-se Alberto Torres. Sua principal eritica se dirigiu contra 0 modelo oligarquizado do liberalismo brasileiro, incorporador de demandas restritivas da sociedade. Segundo o autor, um conjunto de requisitos deveria estar presente para possibilitar um bom funcionamento do sistema politico liberal - como a existéncia de uma opiniao “esclarecida” e a formagio de “centros intellectuaes acti- ‘vos, operando com energia e com liberdade” - e que estariam ausentes no Brasil (Torres, 1933, p. 108). Isso porque a auséncia desses pressu- postos ndo impediria que o espaco politico fosse ocupado por grupos influentes e pouco representativos da “vontade nacional”. O cerne da critica do modelo liberal efetuada por Alberto Torres localiza-se na questdo da representatividade do que foi definido de “o espirito nacio- nal”, mesma critica presente nas obras de Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. “Entre o homem e 0 érgo politico da sociedade, interpde-se uma multidao de corpos, assoviagdes, aggregados permanentes ou ad- venticios, que esmagam o individuo ou o arremessam para obscura ¢ remota perspectiva.” (Torres, 1933, p. 190). © pressuposto liberal da agao livre e vigorosa do individuo estaria sendo enfaticamente negado pela realidade, dominada pela atu- agao de grupos e associagées em franca disputa, envolvendo as politi- cas estatais. Essa oligarquizagao da vida politica marcaria 0 conflito moderno “entre vontades armadas com a forga e pela disciplina legal.” (Torres, 1933, p.191) ‘Nesse contexto encontrar-se-iam os partidos politicos, que, em razio de seu poder de organizagao, beneficiavam-se na disputa pelas oportunidades supostamente abertas a todas as pessoas. Havia entao a 104 CERQUEIRA, Adriano Sérgio Lopes Gama. Estado ¢ identidade, perda do carater universal do sistema politico, com a conseqiiente do- minagao dos egoistas agrupamentos politicos, que estariam desvirtua- lizando o sentido da “Politica” dentro do modelo liberal. A perda do sentido universal da politica resultaria, no entendi- mento de Alberto Torres, em uma importante mudanga conceitual da representagio, que deveria agora referir-se & mais fiel expressio das correntes impulsionadoras de opiniao do pais. Tal conceito seria a sin- tese da participagfio na sociedade de grupos responsaveis pela discus- sio de estudos ¢ teses, promotores da “corrente de opinides” realizado- 1a do verdadeiro pensamento nacional. Segundo o autor, os partidos no estariam efetuando esse papel, que estaria se deslocando para a esfera do Estado. Em oposig#o 4 inercia e prudencia da monarchia, a Republica tem sido um regimem activo, emprehendedor, regulamentista, cuja aco, no terreno politico, como no terreno social e economico, toca as raias do socialismo de estado: um governo que procura valorizar productos por meio de medidas reguladoras das relagées entre mercados e do valor da moeda, é um governo audaciosa- mente socialista. (Torres, 1933, p . 201-202) De acordo com Alberto Torres, 0 Estado estaria dando seus primeiros passos rumo ao seu papel histérico junto & Nagao brasileira, que seria o de um efetivo ator social, um érgao da agao da “Politica”, concebida como um tipo supremo de arte, cujo objeto seria a formagio da propria sociedade (Torres, 1933, p. 16 e214). Assim, 0 resgate do sentido universal da politica na sociedade brasileira dar-se-ia pelo Es- tado, ja que a nossa raga seria “inseparavel de um certo grau de socia- lismo de Estado” (Torres, 1933, p. 109). Este, através de sua represen tatividade, assegurada pela presenga de agentes formuladores de opi- nido ~ os intelectuais, os agentes de producao, os representantes de diferentes credos religiosos, os profissionais liberais etc. -, apareceria finalmente como um “governo do povo para 0 povo”, elaborador de uma verdadeira politica social, representativa de toda a populagao bra- sileira, Percebe-se nitidamente a presenga de um conceito ‘virtual’ de representagfio, o que aproxima Alberto Torres das formulagées de Ed- mund Burke, devendo-se atentar para os mecanismos institucionais operados por cada um, pois se Burke privilegia o parlamento, Alberto Torres prefere o Estado." Histbria Revista, 1@2): 123-134, jul/dez, 1996 bs Portanto, foi no conceito reformulado de representagiio. que Alberto Torres procurou assegurar um maior vigor tedrico ao tipo de modelo politico concebido, bem como demonstrar a sua aplicabilidade no contexto brasileiro. Pelo Estado, através de medidas reguladoras e diretamente dirigidas & sociedade, promover-se-ia a extenstio da cida- dania a todo 0 universo social e se garantiria o desenvolvimento eco némico e social do Brasil. Numa verdadeira democracia, deve ter collaborago preponde- rante as classes economicas, as classes que produzem e que, afi- nal, sao tambem as classes que pagam: sem isto nfo ha democra- cia possivel. (Vianna, 1930, p. 119) Oliveira Vianna seguiu, em muitos aspectos, 0 pensamento de Alberto Torres, dado que foi uma espécie de seu discipulo. Porém, existem diferenciagdes importantes a ser destacadas entre eles, como a possibilidade, no quadro analitico proposto por Oliveira Vianna, da existéncia de um sistema politico liberal no Brasil, que deveria estar amparado por determinados fatores sdcio-econdmicos. Nessa medida, as instituigdes politicas deveriam refletir as condig6es histéricas do pais, deixando de ser uma mera transposigao descuidada de modelos politicos em nada correspondentes a realidade nacional. Como se per- cebe, encontra-se aqui um principio culturalista, isto é, a idéia de que, para um sistema politico vingar em uma realidade, torna-se imprescin- divel uma adequagéio de seu funcionamento com um suposto-cardter nacional. Mas tal principio se conjuga com a defesa que o autor faz da necessidade de os partidos terem um real assento na esfera produtiva da sociedade, o que nao ocorria no Brasil, onde os interesses provin- cianos predominavam sobre os materiais. Assim, a faléncia do modelo politico liberal brasileiro, durante a Repiblica Velha, no entendimento de Oliveira Vianna, teria sido decorrente de sua inarmonia com a estrutura social brasileira. A falta de uma “consciéneia nacional forte”, de um “profundo” sentimento civico, de uma opiniao piblica e de uma estrutura partidaria inserida nos quadros produtivos da sociedade determinaram em conjunto a ina- Plicabilidade do modelo liberal no Brasil. No tocante a constituiga0 dos partidos, o seu desprendimento da esfera produtiva os teria afasta- 16 ‘CERQUEIRA, Adriano Sérgio Lopes Gama, Estado ¢ identidade, do do que Ihes deveria ser 0 mais importante, “atacar a fundo 0 pro- blema da organizagio das nossas classes productoras ¢ do desenvolvi- mento do seu espirito de solidariedade e cooperagaio no campo eco- nomico”. (Vianna, 1930, p. 122) A falta do que ele denominou de uma “integragao horizontal” da populagao brasileira, ou seja, de ligagSes econdmicas relacionadas com as atividades produtivas, estaria impedindo a consolidagao de um “espitito de classe” € colocando em risco a representatividade e con- fiabilidade do sistema liberal no Brasil. A persisténcia do liberalismo assim constituido teria levado ao desenvolvimento da “democracia em estado atomistico”, caracterizada pela atividade egoista dos cidadaos, ocasionando um completo isola- mento entre os mesmos e, conseqiientemente, enfraquecendo a coesiio sovial. A participagio coletiva dos cidadaos se garantiria por suas ati- vidades de “membro desta ou daquella corporagio, como parcelas de um dado agrupamento, unidos pela consciencia de um interesse co- mum, de classe”. (Vianna, 1930, p. 120) Porém, esse pressuposto sécio-econémico para a democracia deveria set completado por outras medidas, principalmente uma que dissesse respeito a edificagdo de um estado de direito, mediante 0 apa~ relhamento da justica no pais, capaz de Ihe dar um suficiente poder de atuagio. Como fica bem caracterizado nesta passagem: “O grande pro- blema da liberdade no Brazil nao é o da liberdade politica, como ha cem annos temos vivido a pensar ~e sim o da liberdade civil.” (Vian- na, 1930, p. 79) Essa curiosa observagiio, que lembra as etapas assinaladas por T. H. Marshal* referentes ao reconhecimento dos direitos civil, politi- co € social na Europa, ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, 6 bem demonstrativa da crenga de Oliveira Vianna quanto as possibilidades de sucesso de um sistema politico de cunho libertario quando néio de- vidamente amparado na “realidade nacional”. Por outro lado, € um. importante testemunho da auséncia do poder piblico na efetivagao de direitos fundamentais no Brasil, Dedutivamente, a garantia desses di- reitos seria uma tarefa primordial do sistema politico, através da estru- turagio de um aparelho judiciério operante e fiscalizador. Deve ser destacado ainda um aspecto importante do pensa- mento de Oliveira Vianna, referente a participagao de setores organi- Historia Revista, 1(2): 123-134, jul de. 1995 (2 zados das classes “produtivas” em aparelhos do Estado. Segundo o autor, seria fundamental para o adequado funcionamento do Estado moderno a participagao e colaboragiio das “fontes de caracter technico € profissional” (Vianna, 1930, p. 153), fato que estaria acorrendo em todo o mundo, Esste processo de estabelecimento de “Conselhos Econémicos” referia-se a uma “remodelagao geral das instituigdes que compunham até entio os aparelhos do govemo nas democracias contemporaneas”. (Vianna, 1930, p. 157) As novas condiyées historicas teriam se originado no pos Primeira Guerra Mundial, determinadoras da substituigao da “competencia parlamentar” pela “competencia technica”, colocando novos problemas cuja arena de discussio ¢ negociagaio estaria demandando formas institucionais mais adequadas que aquelas oriundas do antigo sistema politico liberal. No Brasil, porém, o predominio quase absoluto da “classe politica” na elaboragio das obras politica e administrativa do pais, sem a participagao do “povo representado pelo conjunto das suas classes sociaes” (Vianna, 1930, p. 174), estava sendo um sério entrave a representatividade do Estado, pois a adesio popular as leis ficava ameagada em razio do desinteresse gerado pela sua exclusio na elaboragao das mesmas. Se encontramos em Oliveira Vianna algum espago para a representagdo politico-partidaria, apesar de nenhuma possibilidade de aplicagao imediata, em Azevedo Amaral esse espago se fecha, pois 0 autor baseou-se em outro modelo de representagiio, alicergado na atividade profissional, por onde se daria a participagio no poder piiblico. Mediante essa representagao corporativa, de pretenso sentido democratico, pois orientado de baixo (pelos sindicatos) para cima (a esfera piblico-estatal), assegurar-se-ia uma efetiva participagdo de cada individuo na vida nacional. O sentido dos sindicatos para o Estado marcaria a face democratica do sistema, no que foi denominado pelo autor de “Estado Autoritario”. Esse tipo de Estado se diferenciaria tanto do “Liberal” quanto, principalmente, do “Totalitério”, em raziio do grau de liberdade conferido a participagao do individuo na sociedade, ou, 0 que dé no mesmo, devido a forma de controle estatal sobre a economia de mercado. 128 CERQUEIRA, Adriano Sérgio Lopes Gama, Estado e identidade. ‘Segundo Azevedo Amaral, o Estado autoritario diferencia-se do liberal em fungo da delimitagao de espagos, por ele empreendida, para a “livre iniciativa individual”, e que estaria fundamentada no de “bem-piblico”. Com esse critério possibilitar-se-iam as corregies dos vicios do sistema liberal, decorrentes da anarquica e incontrolavel atu- agtio dos individuos na sociedade, e conseqllentemente assegurar-se-ia um desenvolvimento social e econémico mais equilibrado e benéfico para a napio, segundo o pensamento do autor. Quanto 4 diferenciagao dos tipos autoritério e totalitério de Estado, ela amparar-se-ia justamente pela presenga de um espaco defi- nido para a iniciativa individual, garantida pelo primeiro tipo e negada pelo segundo. Para Azevedo Amaral, o Estado totalitério tem uma “natureza_comprensiva, absorvente, aniquiladora da personalidade humana”. (Amaral, 1981, p. 96, e cap. 1V) Analisando-se essas diferenciagbes, pode-se perceber o cami- nho tragado pelo autor para a elaboragao do modo de relacionamento entre as esferas publica e privada, uma vez que o Estado autoritério se fundamentaria: na demarcagao nitida entre aquilo que a coletividade social tem 0 ireito de impor ao individuo, pela pressio da maquinaria estatal, € 0 que forma a esfera intangivel de prerrogativas inalienaveis de cada ser humano, (Amaral, 1981, p. 96) ‘A questo central estaria no esforgo tedrico do autor de preser- var um espago minimo de atuagio individual em uma sociedade devi- damente regulada por um Estado com poder de atuagio eficaz na rea- lidade, que era a principal critica que o meio intelectual da época tinha a respeito do Estado liberal da Primeira Repiblica brasileira. A fér- mula encontrada por Azevedo Amaral - que foi um importante inte- lectual do periodo, cujo pensamento influenciou toda uma geragtio de politicos, como Francisco Campos, por exemplo ~ fundamenta-se em um conceito de representagao, ¢ que foi pensado como o meio mais eficaz para se garantir a realizagao de uma sociedade democratica no Brasil. conceito de representago trabalhado pelo autor tem um marcado conteido corporativo, tradutor da idéia de que os individuos inseridos na esfera produtiva da sociedade deveriam estar presentes € representados dentro do poder piiblico, via suas associagdes ou sindi- Historia Revista, 1(2): 123-134, jul der. 1996 129 catos profissionais. Desta forma, assegurar-se-ia um gran de represen- tatividade do Estado jamais alcancado na Histéria brasileira. Conseqiientemente, e este ¢ 0 ponto central de sua argumenta- gio, nfo se faria mais necessdrio manter os chamados “‘aparelhos de ligagao entre a Nac3o ¢ a organizagio estatal”, isto €, os partidos politicos, responsabilizados pelo autor pela apropriagao do Estado por grupos minoritarios, durante a Repablica Velha. Nesse periodo, os partidos no teriam sido mais que elementos de fachada de grupos organizados © minoritérios face A sociedade. Com esses ataques 2 Tepresentago politico-partidéria, Azevedo Amaral no pretendeu apenas oferecer um novo modelo de ligagao entre o Estado e a sociedade, mas incorporar-se a um momento decisivo na Histéria Politica brasileira, em que se testavam formulas constitucionais preocupadas em incorporar 0s chamados interesses materiais na arena politica, como o momento da criagao do Ministério do Trabalho, em 1932, a Constituig&o de 1934 - criadora do “deputado-classista” - ¢ © proprio golpe de 1937, que extinguiu o principio da representagéo parlamentar, o qual, para variar, estava em baixissima cotagdo. Aparentemente, o debate politico dos anos 30 no Brasil estava dominado por criticas demolidoras ao sistema politico de representagiio parlamentar, mas, em que pese essa viruléncia, encontrava-se algum espayo para a manifestagfo de defensores de tal sistema, em evidente desconforto numérico. Entre estes, Gilberto Amado foi, sem divida, 0 elemento mais ativo, seja como deputado, seja como pensador e publi- cador de obras politicas. A preocupaco bésica de Gilberto Amado, acompanhando a tradigao politica brasileira, foi com a defesa da unidade nacional. Segundo ele, a dominagdo das oligarquias na politica nacional significa- va um risco sério para a integridade nacional. O periodo da Republica Velha, dominada por oligarquias regionais, foi bem criticado, prineipal- mente por ter afetado o principio de representagao politica no Brasil, no mais entendida como instrumento condutor de interesses ¢ idéias, mas apenas de consideragdes de ordem pessoal. (Amado, 1931, p. 50) Nessa medida, o autor concebeu a sociedade moderna sob 0 dominio de interesses novos ¢ diversos, detentores de uma caracteristica “forga de opposigao irreconciliavel” (Amado, 1931, p. 144). Eles impulsionavam os individuos e os grupos presentes na sociedade, que 30 CERQUEIRA, Adriano Sérgio Lopes Gama. Estado e identidade conseqilentemente requeriam uma maior participagtio na esfera de decisées piblicas, implicando um necessério redimensionamento do aparato estatal. Afinal, continua o autor, o mundo havia softido uma profunda modificagao. A concepgiio das massas ‘amorphas' formadas pelas moléculas soltas dos individuas isolados succede a coneepgo de que 0 Estado s6 péde ser comprehendido na estructura definida das differentes classes sociaes. O cidadio cede logar 20 grupo. O direito politico que nascia da ‘habitagdo', que estava ligado 4 condigdo de habitante, que era um direito ‘territorial’, passou a ser considerado uma funccdo da produccdio sobre a base profissional. © Estado é uma republica de productores, (Amado, 1931, p. 113). Portanto, para Gilberto Amado, o Estado liberal classico nao servia mais para a época contemporanea, j4 que 0s grupos econdmicos 0 movimento sindicalista estavam presentes ¢ pressionavam a sociedade no intuito de assegurar 0 atendimento de suas demandas. Concretamente, duas solugdes politicas se apresentavam, segundo 0 au- tor. Uma, a fascista, ¢ a segunda, a democracia representativa proporcio- nal, No fascismo, ocortia a submissao completa do individuo ao Estado, ‘com a absorgiio da idéia de cidadania pelo pertencimento a um grupo econémico, Segundo 0 autor, o esforco de operar um tal sistema, baseado no sindicalismo, significou a montagem de um modelo autocratico de governo na Itélia, e que deveria ser analisado detidamente antes de se efetuar qualquer experiéncia no Brasil. Sintonizado com a situagdo politica brasileira e mundial, Gilberto Amado mostrou-se bastante cuidadoso ao sugerir modificagées no sistema politico que estivessem relacionadas com o principio da participagao sindical. No ‘maximo, ele propés uma forma consultiva de participago no governo, com a presenca atuante do parlamento proporcional. Como ele afirma ‘em seguida: Entre nds uma assembléa technica poderia ter a iniciativa de assumptos economicos, juridicos ou legislativos em geral, formularia projectos de leis que seriam depois de approvados, mediante certas condigdes, submetidos a discussdo ¢ ao voto da assembléa politica. (Os seus votos teriam a forga de uma suggestio apoiada, que poderia valer infinitamente conforme o gréo de competencia dos seus Histdria Revista, 1@2): 123-134, jul /dez. 1996 BL membros ¢ 0 apoio que Ihe désse a opiniao publica. (Amado, 1931, p. 144) Assim, para o autor, parlamento manteria um papel principal na formulagao de politicas nacionais, desde que devidamente amparado no critério eleitoral proporcional ¢ distrital. Através disto, tornar-se-ia possivel que os “interesses permanentes” da Nagéio fossem atendidos. Na defesa de um parlamento representativo, Gilberto Amado recupera a discusstio empreendida por José de Alencar, podendo inclusive ser compreendido como um prosseguidor critico do modelo proposto por Alencar. Afinal, 0 prinefpio proporcional também foi defendido pela sua capacidade de se interpor frente aos interesses ligados a esfera produtiva da soviedade. Mas para tal, tornava-se inevitivel o fortalecimento da estrutura partidéria no Brasil, pois no entendimento de Gilberto Amado 0 partido deveria ser um elemento ativo entre o representante e o cidadao, algo assemelhado aquela fun¢ao que o “eleitor” recebeu no sistema politico proposto por José de Alencar. Pois 0 partido deveria. apresentar 20 povo - um agregado sem idgias, na visio de Gilberto Amado — um contetido definido de projetos e idéias merecedores de apreciago (Amado, 1931, p. 09). Os partidos séo definidos assim como “orgiios de publicidade”, definigao um pouco alterada em relagéio sugerida por Burke, que os concebia como um grupo de homens reunidos para fazer triumphar, por seus esforgos combinados, o interesse nacional sobre um principio particular em que todos ficaram de accordo, e que se separam depois que seu objetivo foi realizado, (Amado, 1931, p. 153) Porém, nos novos tempos, sob o impacto da atuagZo dos sindicatos, seria absolutamente vital para a democracia a permanéneia dos partidos, devidamente resguardada por uma lei eleitoral proporcio- nal e distrital, A importincia de Gilberto Amado se deve ao grau relativamente acentuado de abertura de seu sistema, particularmente no tocante a questo da insergo dos interesses econdmicos na esfera de deliberagao politica, que, como foi visto, nio é uma matéria menor e de facil solugao. O seu livro constitui um dos poucos no periodo preocupado em apoiar e defender um modelo democritico representativo, com a 132 CERQUEIRA, Adriano Sérgio Lopes Gama. Estado e identidade. presenga ativa de um parlamento, de partidos, de uma justiga eleitoral e, principalmente, de um sistema eleitoral proporcional. Coneluindo, pode-se constatar, ao longo deste estudo, a preo- cupagao dos autores analisados com a questo da representatividade de um sistema politico. Através da discusséo do conceito de representagao, os autores partiram para uma implacdvel critica a0 modelo politico- liberal da Repiiblica Velha. O cardter fundamental para a realizagao de um sistema politico representativo seria o nacional, ja que, tanto no plano geogrifico como no sécio-econdmico ¢ étnico-cuitural, tal sistema deveria refletir da melhor forma possivel o ‘espirito” que particularizaria um povo frente aos demais. Por outro lado, a confluéncia da maiotia dos autores brasileiros analisados para o papel precipuo do Estado frente a sociedade aponta uma crescente preocupagdo quanto as fungdes que o mesmo deveria assumir nas modemas sociedades ¢ aos limites possiveis de serem levantados a sua atuagdo. O pensamento aqui estudado manteve estreita ligagZo com os acontecimentos politicos e sociais que marcaram decisivamente as discussées deste século sobre as possiveis formas de relacionamento do poder piiblico estatal e com os grupos sociais. Conseqiientemente, ao se atentar para a atual agenda de discussie politica brasileira, nfo deixa de ser interessante constatar que o ponto nevralgico em pauta é justamente o tamanho, o papel, as atribuigdes e, naturalmente, a representatividade do poder piblico estatal brasileiro. Abstract ‘This work discusses the formulations ~ made by famous brazilians thinkers, like Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral and Gilberto Amado — about the functions of the state in Brazil, in the period called “Primeira Repéblica”. By the investigation of the principal theoretical bases ofthese thinkers, this work examines their state's institucional model formulated, especifically the relations about the institucional structure and an idealized national identity formulated by these thinkers. Notas 1 Edmund Burke defendia que a questdo da representaco politica devia ser pensada em termos ‘qualitativos’, enfatizando as diferentes opinides presentes na nacdo, € nao em termos ‘quantitativos’, que enfatizam a presenga de individuos no parlamento. Assim, um parlamento de poucos, mas representativos, elementos, reproduziria, Historia Revista, 12); 123-134, jul /dez. 1996 13 no entendimento de Burke, as mais expressivas opinides da naga. Para maiores detalhes, consultar: Pitkin, Hanna F. The concept of representation. Los Angeles: University of California Press, 1967. 2. Marshal estabelecen uma marcha na evolugaio dos direitos agregados a0 status universalizante da cidadania, Para o autor, 0 século XVIII teria sido 0 século da afirmago dos direitos civis, 0 século XIX, 0 da afirmaso dos direitos politicos eo século XX, o da afirmagao dos direitos sociais. Ver: Marshal, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Referéneias Bibliograficas AMADO, Gilberto. Curso de direito politico: eleigdo e representagéo. Rio de Janeiro: Oficina Industrial Graphica, 1931. AMARAL, Azevedo. O Estado autoritério e a realidade nacional. Brasilia: Camara dos Deputados/ Universidade de Brasilia, 1981. MARSHAL, T. H. Cidademia, classe social e status, Rio de Janeiro: Zahar, 1967. MENDES, Teixeira. 4 incorporagéio do proletariado na sociedade moderna. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1908. OLIVEIRA VIANNA, Francisco José de, Problemas de politica objectiva. S40 Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930. PITKIN, Hanna F. The concept of representation. Los Angeles: University of Califomia Press, 1967 . TORRES, Alberto. 4 organizagdo nacional. Si Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. 134 CERQUEIRA, Adriano Sérgio Lopes Gama. Estado e identidade.

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