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SISTEMA E EVOLUCAO NA TEORIA DE LUHMANN (MAIS: LUHMANN SOBRE O SISTEMA MUNDIAL) CICERO ARAUJO LEOPOLDO WAIZBORT © fascinio da Sociologia pelas descobertas dos bidlogos é coisa antiga. Mais antiga ainda é a propensao de se fazer estreitos para- lelos entre as sociedades humanas ¢ o “mundo animal”. Certamente, A Origem das Espécies causou um enorme impacto em todos os campos do saber, mas especialmente nos primeiros desbravadores da disciplina no século passado. As poderosas criticas das diversas correntes his- toricistas, culturalistas e estruturalistas que dominaram o campo durante boa parte deste século muito arrefeceu o fascinio original, mas nunca 0 destruiu completamente. Apenas freou a precipitagdo e redobrou a cautela. De Darwin até nossos dias, a prépria biologia tratou de se sofisticar teoricamente — e como! -, nutrindo-se também dos desen- volvimentos de outras disciplinas, entre as quais a cibernética, ela mesma submetida a um acelerado refinamento. A obra do socidlogo Niklas Luhmann (1927-1998) é produto do reencontro da Biologia com a Sociologia, mediado por uma cibernética re- novada e por uma “I6gica das formas”, tal como a introduzida pelo l6gico- matemético George Spencer Brown. Uma teoria geral da evolugo, da “ordem a partir do rufdo” e da “auto-organizagao” € a meta comum. E a teoria dos sistemas 0 aparato conceitual para atingi-la. Luhmann, morto no ano passado, pensou que, por esse caminho, fosse possivel dar & sociedade uma teoria de longo alcance como hd muito ndo se tentava na Sociologia: uma teoria dos sistemas sociais. A pergunta de arranque é, na forma, kantiana: hé sistemas ~ como isso é possivel? O sistema € um acontecimento anti-entrépico. A 180 LUA NOVA N°47 — 99 entropia é, sempre, a direo muito mais provavel dos acontecimentos. Logo, o sistema, a ordem a partir do rufdo, é altamente improvavel. Sua sobrivéncia também. Todo sistema esté mergulhado num “ambiente” (ou “entorno”), que € todo o resto, com 0 qual interage e procura adaptar-se. Nao ha como entender a dindmica de um sistema se se perde de vista essa interagao. No fundo, nao se trata de entender o sistema, mas a “diferenga entre sistema e ambiente”: os desenvolvimentos mais recentes da cibernéti- ca so frutos dessa compreensio, A diferenga é uma diferenga de complexidade: “todo o resto” significa que o ambiente é sempre muito mais complexo que o sistema. A interagdo com o ambiente pode, por isso mesmo, levar o sistema & dissolugao pelo excesso de complexidade advinda desse contato. A sobrevivéncia do sistema depende entdo de sua capacidade para reduzir complexidade. Uma das maneiras de fazé-lo € 0 prdprio sistema dife- renciar-se internamente, “dividir 0 trabalho”. As formas dessa diferen- ciagdo so multiplas, e mais abaixo veremos algumas delas operando nos sistemas sociais. Quando a diferenciaco interna entra em curso, um duplo movimento de lidar com a complexidade passa a ocorrer: se por um lado a diferenciagdo reduz complexidade e possilita ao sistema sobreviver ao ambiente, a dindmica mesma da diferenciacio comega a gerar complexidade no interior do sistema. A ameaga & sobrevivéncia vem agora tanto de fora quanto de dentro. © modo de reagir a essa dupla fonte de complexidade nfo é outro senfo dar continuidade ao processo de diferenciagao interna, inclusive através de novas formas de diferenciagao. O que significa que um sistema “sobrevive”? Enquanto um sis- tema mantém a diferenca vis-a-vis 0 ambiente, aquele sobrevive. Isso quer dizer que o sistema é capaz de zelar por sua identidade? A resposta nao é to simples, e aqui temos uma questio crucial da teoria da evolugao: se de algum modo o sistema nao é capaz de gerar uma inércia, isto é, nao criar e zelar por sua identidade (que, no vocabulério de Luhmann, é sua “estru- tura”), nfio se pode dizer com preciso que “h4 um sistema”; mas se tam- bém nao € capaz de autotransformagao, de modo a adaptar-se A comple- xidade do ambiente, est4 condenado a ser engolido por este. A diferen- ciago interna crescente é uma autotransformagao, mas que se faz ao custo de, intermitentemente, problematizar a identidade. A teoria requer um conceito que lide com esse paradoxo. Luhmann, seguindo a nomenclatu- ra de um bi6logo chileno (Humberto Maturana), chamou-o autopoiesis ~ “produgdo de si mesmo”. SISTEMA E EVOLUGAO NA TEORIA DE LUHMANN 185 Tudo isto é consequéncia do que Luhmann denominou “mudanga de paradigma na teoria dos sistemas” e orienta sua vasta obra nas décadas de 1980 e 90. Em rigorosa continuidade com os desenvolvimentos dessa teoria, apontados aqui, ele dedicou-se a uma série infinddvel de estudos de caso, investigagées sobre temas ¢ conceitos singulares ou sobre subsistemas especificos, por assim dizer. Neste caso, suas pesquisas abordaram os sub- sistemas economia, politica, intimidade, arte, educago, satide, direito, cién- cia, mfdia, planejamento, familia etc. As investigagdes temdticas e conceitu- ais, entrelagando-se com os estudos sobre os subsistemas mencionados, si- tuam-se no ambito do que Luhmann denomina relacao entre estrutura social ¢ seméntica. Aqui, a tese é de que a passagem da diferenciago social estra- tificada para a diferenciacéio funcional indica a passagem para a sociedade modema, e que essa passagem pode ser - e esta é uma das tarefas da Sociologia — detectada nas transformagées de idéias conceitos que circu- lam e operam na sociedade. A compreensio dessas transformagées semanti- cas, que afetam os cédigos com que os sistemas operam, é a chave para a cri- terizagio do que é o moderno / a modernidade. A questo de Luhmann é tes- tar a “compatibilidade” e os “limites de compatibilidade” entre as idéias, 0 patrim6nio de idéias de uma sociedade ¢ a sociedade que faz uso dele — que o cria, faz viver e o torna envelhecido. “Sem4ntica” é algo como uma resul- tante da complexidade e da diferenciagdo, e portanto uma chave privilegiada de leitura para a teoria sistémica. © problema do planejamento, a que se refere o artigo de Luhmann publicado a seguir nesta edigao de Lua Nova, corresponde a todo um capitulo de sua Sociologia, sobre o qual vamos apenas chamar a atengao do leitor. Sistemas “observam” a si mesmos e a outros sistemas. Podem, além disso, observar a observagdo uns dos outros. A observagio pode reduzir complexidade, quando oferece uma sfntese (que pode ser uma “teoria”), ainda que sempre provis6ria e incompleta, do conjunto das ope- ragdes de um sistema. Sistemas funcionais interagem entre si porque dis- poem suas operagées para observagées recfprocas - € 0 que Luhmann chama de “interpenetragdo” ou, mais recentemente, “acoplamento estru- tural”. A observagdo também pode provocar aumento de complexidade, de duas maneiras: seja porque variagées de operagdes observadas em outros sistemas podem provocar “expectativas” no interior do sistema observador (por exemplo, necessidade de responder &s variagées do sistema observa- do); seja porque a auto-observaciio das operagées cria uma espécie de eflexividade no proprio sistema que, projetada para o futuro, desenvolve “expectativas” de resposta a esse futuro. 186 LUA NOVA N°47—99 O planejamento aparece nesse contexto como um acontecimento quase inevitével de sistemas sociais altamente complexos, mas no artigo Luhmann quer lembrar que a evolugao é capaz de eludir 0 mais estrito esforgo nesse sentido. A evolucao, ¢ a sclegdo resultante, € uma luta contra a con- tingéncia, que jamais pode ser predita. Assim & nao s6 porque a contingéncia provém do ambiente externo, que, como vimos, é sempre mais complexo que © sistema. Mas também porque, do interior do préprio sistema, hd uma obser- vagiio da observacdo, que faz com que os subsistemas se adaptem, defensiva ou ofensivamente, 4s mudangas de expectativas provocadas pelo planejamen- to. O fendmeno é hoje muito conhecido pelos cientistas sociais, que o chamam de “efeito perverso” ou “efcito nao previsto”. Alids, a evolugo depende exatamente desses desvios para continuar em frente. Como diz o professor de matematica do filme Jurassic Park, ao ironizar 0 prometéico esforgo do dono do empreendimento para controlar a reprodugio dos dinossauros: “life finds a way”. Isto posto, vamos ao texto do proprio Luhmann. UM TEXTO DE NIKLAS LUHMANN: “A SOCIEDADE MUNDIAL COMO SISTEMA SOCIAL” I Dentro da tradig&io européia uma nogio muito geral de sociedade sobreviveu desde os tempos de Arist6teles até cerca de 1800. 0 conceito de sociedade (koinonoia, societas) era quase idéntico a0 que podemos chamar sistema social. O sistema abrangente era visto como um caso especial, isto € como a sociedade politica (koinonia politike, societas civilis)? Esta conceituagao perdeu seu significado quando os fatos do Estado moderno e de uma economia industrializada tornaram-se evidentes. A antiga tradico nao pode ser revivida’ Contudo, nunca foi substituida por uma estrutura tedrica adequada. Ha tentativas de mudar a posigao do- | «The World Society as a Social System” . International Journal of General Systems, 8, 1982,1. Tradugao de Ana Mércia Silva Roberts. 2CF. Aristételes, Politica, 1252 a 5-6. 3 A despeito das muitas tentativas de fazé-lo — de Hegel a Treitschke, a Leo Strauss, a Hannah Arendt. Cf. $.T. Holmes, “Aristippus in and out of Athens". American Political Science Review, 73, 1979, | SISTEMA E EVOLUCAO NA TEORIA DE LUHMANN, 187 minante da politica e colocar a economia ou a cultura em seu lugar. Tais teorias utilizam uma parte da realidade da vida social para representar 0 todo. Sem razées suficientes, processos econémicos, culturais ou mesmo politicos sao postulados como o fenémeno basico. Mas a teoria desses processos bdsicos somente pode manter uma validade historica ¢ rela- livista, pois estes processos sao eles préprios parte da evolugao cultural. A teoria geral de sistemas oferece uma nova abordagem. A primeira vista, parece uma teoria aristoteliana. Uma nogao geral de sistema social é usada para definir o sistema abrangente como um caso especial de sistemas sociais. O contetido, contudo, sofreu mudangas. A teoria de sis- temas se refere a uma cidade ou a um estado a fim de dar as carac- teristicas especiais do sistema abrangentc. Nossa sociedade é extrema- mente diferenciada para este tipo de projeto. Ao invés disso a teoria de sis- temas usa a andlise de sistemas para revelar as estruturas ¢ processos que caracterizam 0 sistema societal — “‘o mais importante de todos os sistemas sociais, que inclui todos os outros” 4 Sistemas sociais sao sistemas auto-referenciais baseados em comunicagio significativa. les usam comunicagdo para constituir e inter- conectar os eventos (ages) que constréem os sistemas. Neste sentido, eles sdo sistemas “auto-produtores”, sao dotados de autopoiesis.’ Eles existem somente ao reproduzir os eventos que agem como componentes do sis- tema. Consegqilentemente, eles consistem em eventos, isto &, ages, que eles proprios reproduzem, e somente existem enquanto isto é possivel. Isto, naturalmente, pressupde um ambiente altamente complexo. O ambiente dos sistemas sociais inclui outros sistemas sociais, (0 ambiente de uma familia inclui por exemplo outras familias, 0 sistema politico, o sistema econémico, o sistema médico, etc.). Assim, comunicagao entre sistemas sociais é possivel, e isto significa que sistemas sociais devem ser sistemas observadores, capazes de valer-se, para comunicagao interna ¢ externa, de uma distingao entre eles prdprios e seu ambiente, observando outros sis- temas dentro de seu ambiente. A sociedade é um caso & parte. E 0 sistema social abrangente que 4 “he pason kyriotite kai pasas periéchousa tis las” (Arist6teles, loc. cit.) 5 Cf. V.R. Maturana e FJ. Varela, Autopoiesis and Cognition: the Realization of the Living. Dordrecht, Reidel, 1980; J.Varela, Principles of Biological Autonomy. New York, North- Holland, 1979. © A possibilidade/impossibilidade de comunicar-se com Deus simboliza essa condigio. Cf. também Th, Luckmann, “On the Boundaries of the Social World". In M. Natanson (ed) 188 LUA NOVA N° 47 — 99 inelui todas as comunicagées, reproduz todas as comunicagées e constitu horizontes significativos para comunicagoes posteriores. A sociedade torna possivel a comunicacao entre outros sistemas sociais. A sociedade em si, contudo, nfo pode comunicar-se. Dado que inclui toda comunicagao, exclui a comunicacao externa.* Nao tem referente externo para atos comunicativos, a procura de parceiros simplesmente ampliaria o sistema societal. Isto, na- turalmente, ndo significa que a sociedade exista sem relagées com um am- biente ou sem percepgdes de estados ou eventos ambientais; mas entradas safdas (input/output) nao sio levadas a cabo pelos processos comunicativos. O sistema é fechado com relago ao contetido significativo de atos comu- nicativos.’ Este conteiido somente pode ser atualizado pela circulagdo dentro do sistema, Ao mesmo tempo, mas em outro nfvel da realidade, o sistema usa © corpo ¢ a mente dos seres humanos para interagfio com seu ambiente. A légica de uma teoria de sistemas comunicativos auto-referen- ciais requer a nogdo de um sistema abrangente como um caso limitativo. A teoria de sistemas sociais, pela sua propria légica, conduz a uma teoria da sociedade. Nao precisamos de referentes politicos, econdmicos, “civis” ou “capitalistas” para uma definigdo do conceito de sociedade. Isto, natural- mente, ndo nos persuade a negligenciar a importéncia do Estado-nagio moderno ou da economia capitalista. Pelo contrério, nos dé um esquema conceitual independente para avaliar esses fatos, suas condigdes histéricas, € suas consequéncias mais distantes. Deste modo, evitamos preconceitos com relagao a determinados fatos; evitamos uma peticao de principio. i Uma conseqiténcia desta abordagem geral € 0 modo como dife- rentes tipos hist6ricos de sociedade podem ser distinguidos. Uma sociedade nao pode ser caracterizada por sua parte mais importante, seja um compromisso religioso, um estado polftico ou um certo modo de pro- dugdo econdmica. Ao invés de tudo isto, definimos um tipo de sistema societal pelo seu modo bésico de diferenciagdo interna. Phenomenology and Social Reality: Essays in Memory of Alfred Schutz. Haia, Nijhoff, 1970, pp. 73-100, que opera com o conceito da de-socializagdo do universo mas recusa-se a aceitar 3 nogdo correspondente de uma frontefra do mundo social. Neste ponto estamos abandonando os pressupostos da teoria biolégica da autopoésis ¢ usan- do uma nogao diferente de “fechamento” © “autonomia”. Os bidlogos tém que partir de uma definigtio de vida, enquanto os soidlogos podem usar nesse ponto uma definigto de sentido SISTEMA E EVOLUCAO NA TEORIA DE LUHMANN 189 Diferenciagio interna significa 0 modo pelo qual um sistema constr6i subsistemas, isto é, repete em si préprio a diferenca entre sistema ¢ ambientes (internos). Formas de diferenciacéo determinam o grau de complexidade que uma sociedade pode atingir. A evolugdo sociocultural inicia-se com sistemas segmentarios. Algumas destas sociedades desen- volveram uma ordem mais elevadas de diferenciagao, superior aquela de familias ou aldeias, a saber estratificagdo de acordo com posiges. Todas as sociedades tradicionais que produziram complexidade suficiente para uma cultura avangada eram sociedades estratificadas e, neste sentido, sistemas hierdrquicos. Dado que estas sociedades evolufram a partir de fontes regionais diferentes ¢ dado que suas aristocracias baseavam-se na terra efou cidade, era bastante natural conceber-se diferentes sociedades coc- xistindo apesar de um certo grau de conhecimento e comunicagdo recipro- cos. A idéia de sociedade, conseqiientemente, assumiu uma referéncia ter- ritorial, ainda que nebulosa quanto & extensio e fronteiras.* A sociedade moderna desenvolveu um padrao de diferenciagio bastante diferente, usando fungdes especificas como 0 foco para a diferen- ciagdo de subsistemas.” Iniciando com condigdes especiais na Europa medieval com um grau relativamente alto de diferenciacao de religido, politica e economia, a sociedade européia evoluiu num sistema funcional- mente diferenciado. Isto significa que fungdo, nao posigao, € 0 principio dominante da construgao do sistema, A moderna sociedade é diferenciada em subsistema politico e seu ambiente, o subsistema econdmico e seu ambiente, o subsistema cientifico e seu ambiente, o subsistema educacional e seu ambiente, etc. Cada subsistema aceita para seus prdprios processos comunicativos a primazia de sua propria fungdo. Todos os outros subsis- temas pertencem a seu ambiente e vice-versa. Baseando-se nesta forma de diferenciagdo funcional, a sociedade modema tornou-se um tipo de sistema completamente novo, desenvolvendo um grau de complexidade sem precedentes. Os limites de seus subsistemas dio podem mais ser integrados por fronteiras territoriais comuns, Somente 0 subsistema politico continua a usar tais fronteiras, porque segmentagao em 8 Cf. O. Lattimore, Studies in Frontier History. Haia-Paris, Mouton, 1962. 9 CEN. Luhmann, The Differentiation of Society. New York, Columbia University Press. Para transformagdes Seménticas correspondentes veja-se. também do mesmo autor Gesellschafisstruktur und Semantik, vol. | e 2. Frankfurt, Suhrkamp, 1980-81. 190 LUA NOVA.N? 47 — 99, “estados” parece ser a melhor mancira de otimizar sua prépria fungdo. Mas, outros subsistemas, tais como ciéncia ou economia, espalham-se pelo globo teiro. Portanto, tornou-se impossfvel limitar a sociedade como um todo por limites territoriais. A nica fronteira significativa é a fronteira do comporta- mento comunicativo, isto 6, a diferenga entre comunicagao significativa e outros processos. Nem as diferentes maneiras de reproduzir capital nem os graus de desenvolvimento em diferentes pafses fornecem bases convincentes para a distingdo de diferentes sociedades.” A inclusio de todo comportamento comunicativo em um sistema societal é a conseqiiéncia inevitével de diferenciagdo funcional. Utilizando esta forma de diferenciagiio, a sociedade toma-se um sistema global. Por raz6es estruturais, nfo hé outra escolha. Tomando 0 conceito de mundo em seu sentido fenomenolégico, todas as sociedades tém sido sociedades mun- diais. Todas as sociedades comunicam-se dentro do horizonte de tudo sobre o gue elas podem comunicar. O total de todos os significados implicitos para elas € 0 mundo. Sob condicées modemas, contudo, e como conseqiiéncia da diferenciagdo funcional, somente um sistema societal pode existir. Sua rede comunicativa se estende por todo o globo. Inclui toda a comunicaco humana (isto 6, significativa), A sociedade modema 6, portanto, uma sociedade mundial num duplo sentido. Fornece um mundo para um sistema; e integra todos os horizontes mundiais como horizontes de um sistema comunicativo. Os significados fenomenolégicos estruturais convergem. Uma pluralidade de mundos possfveis torna-se inconcebivel. O sistema comunicativo mundial constitui um mundo que inclui todas as possibilidades." ‘Ao escolher nosso conceito de sociedade cuidadosamente evita- mos qualquer referéncia & integragdo social. Ele nao pressupée nenhum tipo de identidade ou auto-estima comuns (como o Estado-nago). A sociedade moderna em particular é compatfvel com qualquer grau de desigualdade de condigdes de vida, desde que isso nao interrompa a comu- nicagio. Um sistema auto-referencial define-se pela maneira como consti- 10 Claramente ndo ajuda muito evitar essa percepgdo mediante a distingdo entre o sistema global e diferentes sistemas socictais no planeta. Isso apenas faz retroceder aos problemas no solucionados de definir sociedades de um modo que possa ser relacionado com unidades ter- ritoriais. E mesmo que esse problema pudesse ser resolvido por algum tipo de critério seria dificil ver como esse critério poderia ser relacionado &s nossas maneiras de compreender os tacos tipicos da modemidade. 1 Para a transformagdo seméntica comespondente da transformaciio do conceito de “mundo” veja-se, Koyré, From the Closed World to the Infinite Universe. Baltimore, John Hopkins University Press, 19575 1. Pape, “Won den *Méglichen Welten’ zur ‘Welt des Méglichen’ : Leibniz im moderen Verstiindniss”. Studia Leibniziana Suplementa I. Akten des Internationalen Leibniz- Kongresses Hannover, 1986, vol. 1. Wiesbaden, Steiner, 1968, pp. 266-287. SISTEMA E EVOLUCAO NA TEORIA DE LUHMANN 191 tui seus elementos e desse modo mantém suas fronteiras. Na teoria de sis- temas a distingdo entre sistema e ambiente substitui a énfase tradicional na identidade de princfpios de orientacdo ou valores. Diferengas, nao identi- dades, possibilitam a percepgdo e processamento de informagao. A nitidez da diferenga entre sistema e ambiente pode ser mais importante do que 0 grau de integragdo (qualquer que seja o significado disto) porque os processos morfogenéticos usam diferencas, € nao objetivos, valores ou identidades, para construir estruturas emergentes. Dadas suas fronteiras bem demarcadas, diferenciando compor- tamento comunicativo de fatos e eventos ndo-comunicativos, a sociedade moderna € um sistema social num grau maior do que qualquer das sociedades tradicionais. Ela depende mais de processos auto-regulativos do que qualquer sociedade previamente. E esta talvez seja a raz4o porque no pode ter um grau avangado de integracio social. ™ Nenhuma sociedade até agora foi capaz de organizar-se a si propria, isto é, de escolher suas pr6prias estruturas e usé-las como regras para admitir ¢ demitir membros.” Conseqiientemente, nenhuma sociedade pode ser planejada. Isto no € s6 para dizer que o planejamento nao alcanga seus objetivos, ou que tem conseqiiéncias ndo-antecipadas ou que seus cus- tos excederdo sua utilidade. A sociedade planejada € impossivel porque a elaboracio ¢ implementagao de planos sempre tém que operar como proces sos dentro do sistema societal. A tentativa de planejar a sociedade criaria um estado no qual o planejamento ¢ outras formas de comportamento existem lado a Jado e reagem um ao outro. Os planejadores podem usar uma descrigao do sistema, podem introduzir uma versao simplificada da com- plexidade do sistema dentro do sistema. Mas isso somente produziré um sis- tema hipercomplexo que contém dentro de si proprio uma descrigao de sua prépria complexidade. O sistema entio estimulard reagGes para 0 fato de que inclui sua prépria descrigéo e desse modo falsificaré a descricao. Planejadores, ent&o, terdio que renovar seus planos, ampliando a descrigdo do sistema para incluir a hipercomplexidade. Eles podem tentar o planeja- 12 para esse conceitos de organizagao veja-se N. Luhmann, “A General Teory of Organized Social Systems”. In G. Hofstede © MS. Kassem (eds) European Contributions 10 Organization Theory. Assen-Amsterda, 1976, pp. 96-113 192 LUA NOVA N°47— 99 mento reflexivo, levando em conta teagSes & sua prépria atividade. Mas, de fato, cles somente podem escrever e reescrever as memérias do sistema, usando esquemas simplistas, os quais eles necessariamente invalidam pela sua propria atividade. Tudo isto, naturalmente, nfo impede que planejadores sejam ativos ¢ atividades sejam planejadas. Sabemos como manipular planos de produgdo e campanhas eleitorais. Planejamos guerras (somente defensivas, claro) e sistemas de seguro, curriculos escolares, sistemas de tréfego, pro- gramas de comunicacao de massa e muitas outras coisas. Dentro de sistemas sociais organizados, as chances so relativamente grandes de que atividades sejam desenvolvidas como esquematizadas. Isto no significa necessaria- mente que os efeitos ocorram conforme pretendidos. E certamente nio sig- nifica que a sociedade se desenvolva numa diregao planejada. O sistema social pode mudar suas préprias estruturas somente por evolugio. A evolugdo pressupée reprodugio auto-referencial e muda a condigao estrutural de reprodugdo mediante a diferenciago de mecanis- mos para variaco, selegdo e estabilizagao.” Ela se nutre de desvios da reprodugao normal. Tais desvios so no geral acidentais, mais no caso de sistemas sociais podem ser intencionalmente produzidos. A evolugao, con- tudo, opera sem um objetivo e sem nenhuma previsdo. Pode resultar em sistemas de alta complexidade; pode a longo prazo transformar eventos improvaveis em provaveis" e um observador pode ver isto como “progres- s0” (se seus préprios procedimentos auto-referenciais o persuadem a assim fazer). Somente a teoria da evolucio pode explicar a transformagao estru- tural da segmentagio e da estratificagio para a diferenciagaio funcional que conduziu & atual sociedade mundial. E novamente: somente observadores véem isto como progresso."* Enquanto as décadas pés-darwinianas estavam fascinadas pela alternativa de ctiac%o (como autor), a idéia de evolugao humana planejada 13 Cf. G. Keller, Socieral Evolution: a Study of the Evolutionary Basis of the Science of Society. New Haven, Yale University Press, 1931; D.T. Campbell, “Variation and Selective Retention in Socio-Cultural Evolution”. General Systems, 14, 1969, pp. 69-85; K. E. Weick, The Social Psychology of Organizing. Reading, Mass., Addison-Wesley, 1969. 14 Cf. N, Luhmann, “The Improbability of Communication”. International Social Science Journal, 23, 1981, pp. 122-132. E notdvel que 0 uso de “progresso” (no singular) somente tenha-se tornado habitual por volta de 1800, quando a sociedade modema tornou-se visivel € induziu processos de auto- observagéo. Cf. R. Koseileck, “Fortschritt". In Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, vol. 2, Klett-Cotta, Stuttgart, 1975, pp. 351-423 (384 sg). SISTEMA E EVOLUCAO NA TEORIA DE LUHMANN 193 (diferentemente da evolugdo orginica) substituiu mais tarde a primeira onda de darwinismo social." Pesquisas recentes, todavia, sugerem forte- mente uma terceira versio da relagdo entre planejamento € evolugao. A evolugao em si no pode nunca ser planejada; isto seria uma contradictio in adiecto. Mas um sistema auto-referencial que procura absorver plane- jamento pode apressar sua prdpria evolucdo, porque se torna hipercom- plexo e vai se forcar a reagir de formas tais a dar conta de sua propria com- plexidade. Se isto for verdade, a sociedade mundial ter que enfrentar condigdes nas quais mais planejamento intencional conduziré a mais (e mais rdpida) evolugio nao intencional. IV Problemas so uma conseqiiéncia da maneira como uma dis- tingdo entre sistema e ambiente € feita. Conseqtientemente, todos os pro- blemas mais urgentes de um sistema socictal so direta ou indiretamente efeitos do seu modo de estimular diferenciagdes internas de sistemas ¢ ambientes. Neste sentido, eles so em nossa sociedade conseqiiéncias de diferenciagao funcional. Sao os resultados de desenvolvimentos evolu- ciondrios, no resultados de planejamento, e esto interconectados com todas as vantagens da vida moderna; nao podemos imaginar uma alternati- va a seu modo de diferenciacdo do sistema primério; e de qualquer forma nao podemos planejar mudar o tipo de diferenciagao de nossa sociedade. Podemos contudo, analisar os riscos especiais que corremos com este tipo de sociedade. Evolugao 6, como jé disse, uma transformacao do improvvel em estados provaveis, com “custos” cada vez maiores. Sem pretender querer “mudar a sociedade” podemos nos tornar conscientes das relages entre estruturas e a sequéncia de problemas resultantes. Aparentemente, hd até mesmo mecanismos auto-destruidores em ago. Por exemplo, a diferenciagio funcional pressupde igualdade e cria desigual- dade. Pressupde igualdade porque pode discriminar somente de acordo com fungdes especiais (por exemplo em escolas de acordo com desempe- nho escolar € projetos de educaco posterior) e porque opera melhor se todos sao inclufdos com base em oportunidade igual em cada subsistema funcional (auséneia de exclusdes de “marginalidade” e assim por diante). Mas cria desigualdade, porque a maioria dos subsistemas funcionais (par- 16 Cf. Julian Huxley, Evolutionary Ethies. Oxford University Press, 1943. 194 LUA NOVA N® 47 — 99 ticularmente os subsistemas econémico e o educacional) tende a aumentar diferencas. Pequenas diferengas inicialmente — seja em crédito, em opor- tunidades educacionais, mas também em “reputagao” cientifica, artistica, politica — no final tornam-se grandes, porque subsistemas funcionais uti- lizam diferengas, empregam diferengas quanto & persecucio de suas fungGes especificas, e ndo existe mais um mecanismo superior tal como a estratificagao que controle ¢ limite este processo. Toda a sociedade, conse- qiientemente, tende a proceder na dirego de aumento da desigualdade. Acumula diferencas entre classes ¢ entre regides sem ser capaz de fazer uso destas diferengas ou de fornecer fungdes para elas, isto é sem ser capaz de retornar ao estado de diferenciacao estratificatoria significativa. Outro exemplo deste tipo de mecanismo embutido que pode tornar-se auto-destruidor pode ser descrito como uma relagiio entre dis- solugo e recombinagiio. Elementos que inicialmente eram vistos como unidades naturais (individua) tornaram-se passfveis de serem decompos- tos e scus componentes disponfveis para recombinagao. Podemos pensar nos avangos da fisica, quimica e biologia genética, mas também na frag- mentagéo de pessoas (“individuos”) em papéis, ages, ou motivos como uma conseqiiéncia dos avancos em organizagao e diferenciagdo econdmi- cas. Estes avangos, também, sfio conseqiténcias de diferenciagdo funcional. Dissolugio ou decomposigao, contudo, no somente dao chances para recombinagao, mas também requerem novas formas de controle de inter- dependéncias. Particulas ou motivos singularizados (ou mesmo a pessoa singularizada) podem associar-se de maneiras imprevisiveis. Este proble- ma tem sido subestimado; por um tempo longo ficou escondido atrés de distingées entre sistema € ambiente. Dissolver e recombinar eram estraté- gias dos sistemas ¢ as mudangas de interdependéncias emergiram em seus proprios ambientes. O famoso problema do “custo social” da produgio econémica pode ilustrar esta situag4o. Geralmente, os sistemas podem con- trolar fatos ou eventos selecionados em seus ambientes, relacionados as suas préprias entradas ¢ safdas (inputs outputs). Eles nao podem contro- lar interdependéncias em seus ambientes. Quanto mais dependemos de sis- temas para realizagées improvaveis, mais produziremos problemas novos e surpreendentes, que estimulardo 0 crescimento de novos sistemas os quais novamente irdo interromper interdependéncias, criar novos proble- mas, requerer novos sistemas. E um auto-engano confortavel atribuir tudo isto ao “capita- lismo”. O capitalismo em si ndo é nada mais do que a diferenciagao do sistema econdmico fora das fronteiras societais, e no é de forma algu- SISTEMA E EVOLUGAO NA TEORIA DE LUHMANN 195 ma 0 tinico caso de diferenciagdo funcional. O conceito de “sociedade capitalista” torna facil localizar estruturas no sistema cuja mudanga nos conduziria a uma sociedade nao-capitalista, presumivelmente uma sociedade melhor. Do ponto de vista de um sistema, contudo, este é um procedimento extremamente questiondvel, porque nao € possivel definir a unidade de um sistema apontando estruturas especificas dentro do sis tema que possam entdo serem mudadas. A unidade do sistema é a auto- referéncia do sistema, ¢ sua mudanga sempre iré requerer operagdes dentro, e nao contra, “o sistema”. Nosso argumento pode ser resumido em duas afirmagoes: (1) um sistema mundial funcionalmente diferenciado parece minar seus proprios pré-requisitos; e (2) 0 planejamento nao pode substituir a evolugo — pelo contrério, ele nos tornard mais dependentes de desen- volvimentos evoluciondrios nao-planejados. Se é assim, as perspectivas de evolugdo futura merecem uma segunda anilise. Pode haver um processo continuo de evolugao biolégica no nivel de organismos humanos, dados a sociedade e a cultura como seu ambiente. Este no & nosso t6pico. Sistemas sociais ndo sdo um ramo ulterior, mas um nivel diferente da evolugo da ordem em geral. Se todos os sistemas sociais hoje pertencem a uma Unica sociedade mun- dial, a teoria da evolugao enfrenta um novo tipo de problema: o nivel da evolugio sécio-cultural € apresentado por um sistema somente. Nao existem mais muitas sociedades nas quais a evolugao possa sclecionar aquelas bem-sucedidas. A evolugao-de-um-sistema: é isto possfvel? E isto € possivel sem a perspectiva quase certa de destruigéo? Nesta tuacZo, uma alternativa necessita maior consideracio. A diferenciagio funcional constitui um tipo de autonomia auto-referencial no nivel de subsistemas funcionais. Este tipo de ordem, uma vez obtido, pode colo- car em movimento os processos evolucionérios no nivel destes sub: temas funcionais. Dentro deste esquema geral da sociedade podemos ter uma pluralidade de desenvolvimentos evolucionérios. O subsistema econdmico se desenvolverd, como também o subsistema cientifico, ¢ possivelmente outros também — cada um tornando 0s outros como um ambiente menos seguro para sua prépria evolugao. De fato, se pudermos examinar a literatura relevante, encon- traremos diversas tentativas de reconstruir a historia © desenvolvimento dos ambitos funcionais em termos dos conceitos que so derivados de uma 196 LUA NOVA N° 47 — 99 teoria de evolucdo darwiniana.” Cada subsistema pode efetuar seu proprio modo de reproduc auto-referencial — por exemplo reprodugo de ca- pital com liquidez suficiente na economia ou reprodugao dos “casos” legais no sistema legal — © pode consegiientemente encontrar suas préprias maneiras de desviar de seu modo de reproducio liberando processos de variago, selegao e restabilizagao. Podem ser diferentes “aceleradores” em diferentes subsistemas — por exemplo, crédito no sistema econémico, legislagao no sistema legal — aumentando as chances para, ¢ a velocidade de, transformagées estruturais. Isto pode “elevar” a “capacidade adaptati- va” do sistema como um todo, "* mas de nenhum modo garante uma relagio vidvel entre o sistema da sociedade e seu proprio ambiente. De qualquer modo, a evolucao nfo é previsivel. As evolugdes conjuntas de nossa sociedade diferenciada reforgardo esta ndo-previsibili- dade, Sua interdependéncia trard um maior grau de incerteza com relacio ao futuro. Isto torna mais importante do que nunca o reforco de nossas habilidades para observar 0 que acontece. Vv Sistemas auto-referenciais podem, como vimos, inserir descrigdes de si préprios em si préprios. Podem se “identificar” com uma 17 Para a economia, veja-se: AA Alchian, “Uncertainty, Evolution, and Economic Theory”. Journal of Political Economy, 58, 1950, pp. 211-221; J. Spengler, “ Social Evolution and the Theory of Economic Development”. In H.R. Barringer, G.l. Blancksten € R.W. Mack (eds) Social Change in Development Areas: a Reinterpretation of Evolutionary Theory. Cambridge, Mass., Schenkman, 1965, pp. 243-272; H. Reise, “Schrite zu einer Okonomischen Theorie der Evolution”. In G.Gallen e AE, Ott (ed), Probleme der Wachstumyheorie. Tubingen, Siebeck, 1972, pp. 380 — 434; K. Boulding, “Toward the Development of a Cultural Economics”. In L. ‘Schneider ¢ C.Bonjean (eds) The Idea of Culture in the Social Sciences. Cambridge University Press, 1973, pp. 47-64 (55 sg.): R.R. Nelson ¢ S.G. Winter, “Towards na Evolutionary Theory of Economie Capabilities. American Econome Review, 62, 1973, pp. 440-449. No tocante & cigncia, veja-se PCaws, “The Structure of Discovery”. Science 166, 1969, pp. 1375-1380; D.CDennett, Content and Consciousness. London, Routledge & Kegan Paul, 1969; J. A Blachowitz, “Systems Theory and Evolutionary Models of the Development’ of Science”, Philosophy of Science, 38, 1971, pp. 178-199; S. Toulmin, Human Understanding, Oxford, Clarendon, 1972; D.T. Campbell, “Evolutionary Epistemology”. InP. Schilpp (ed) The Philosophy of Karl Popper. La Salle, Il, Open Court, 1974, pp. 412-463. No tocante ao sistema legal, veja-se H. Cairns, The Theory of Legal Science. Univ. of North Carolina Press, 1941, pp. 29 sg.; RD-Schwartz e J.C. Miller, “Legal Evolution and Societal Complexity. The American Journal of Sociology, 70, 1964, pp. 159-169; N. Luhmann, “Evolution des Rechts”. In, do ‘mesmo autor, Ausdifferenzierung des Rechsts. Frankfurt, Suhrkamp, 1981, 18 No sentido da variéve! evolutiva “avango adaptative”, que desempenha a fungao A (adap- tativa) no esquema teérico de Parsons. SISTEMA E EVOLUGAO NA TEORIA DE LUHMANN, 197 imagem simplificada de si préprios. Eles podem usar uma diferenga estratégica para apontar para si prdprios, referindo-se a um lado e ndo a outro.” Eles podem mesmo conceber-se como “complexos” © podem orientar-se para sua prépria complexidade — tomando-se “complexidade” como informagao sobre a falta de informagao que poderia ser requerida para um entendimento e controle completos.”* Sao incapazes contudo de objetivar-se e nunca sero capazes de estar disponiveis a si préprios como objetos. Estas observagées afetam a nogiio de auto-observacao. ‘Os sistemas sociais, naturalmente, nao séo unidades auto-cons- cientes como individuos humanos. Sociedades nao tém espirito coletivo capaz de acesso a si préprio pela introspecgdo. A auto-observagao no nivel de sistemas sociais precisa usar a comunicagao social. A comunicaco auto-observante refere-se ao sistema que & produzido e reproduzido pela prdpria comunicagio. Neste sentido, a auto-observagdo requer comuni- cago auto-referencial, a qual indica o sistema comunicativo e refere-se a si propria como parte do sistema. De certa forma a sociedade moderna tem desenvolvido teorias como instrumentos de auto-observacao dentro de setores funcionais dife- rentes. Durante 0 século 18 a sociedade européia reconheceu novos pro- blemas centrais de identidade e ordem que surgiram em subsistemas fun- cionais diferentes. Estes problemas nao poderiam mais ser resolvidos somente por estratificagiio. Esta observagao conduziu a um novo tipo de teoria, como foco nestes problemas de identidade e um novo tipo de teflexdo tedrica que se diferencia na linha da diferenciagao funcional. A reflexdo politica teve que considerar 0 problema do poder soberano, sua habilidade para decidir todos os conflitos possfveis e seu uso apesar de tudo nao-arbitrario. A solugdo foi o Estado constitucional. A teoria da cog- nigdo encontrou-se frente ao problema da diferenga entre cogni¢do subjeti- va e realidade objetiva. Diferentes solugGes foram oferecidas por filésofos do senso comum (Claude Buffer, Thomas Reid, David Hume) e pelo trans- cendentalismo. As economias nacional e internacional requeriam a sua propria teoria, centrada na produgdo, troca ou distribuigdo de modelos basi- cos para a integragdo das atividades econémicas. A teoria legal tinha que reconhecer 0 fato de que 0 conjunto de leis é contingente com relag&o a '9 C£. a l6gica, baseada em distingdes ¢ indicagdes, de G. Spencer Brown, Laws of Form 2.ed, (London, Allen & Unwin, 1971). Para essa nogdo de complexidade veja-se H. Atlan, Entre le Cristal et la Fumée: Essai sur UOrganization du Vivant, Paris, Seucil, 1979. 198 LUA NOVA N° 47 —99 decisdes legais, e portanto com relagio a regras legais que regulam a pro- dugdo de regras legais. Referéncias 3 lei natural tinham que ser destrufdas e substituidas por uma “filosofia da lei positiva” (Feuerbach) ou por fun- dagées puramente histéricas (von Savigny). Uma teotia do amor tornou-se moda, que via 0 amor, ele préprio, responsavel-por seus préprios proble- mas (¢ no pais, maridos, ou outras circunstancias externas) e focalizava 0 casamento como uma solugdo. Para a educacdo, 0 problema central eram as cada vez maiores diferengas entre perfeigo ¢ utilidade humanas, e foi resolvido (ou pelo menos aliviado) por um novo conceito de individuo. Existem paralelos fascinantes entre estas primeiras ondas de auto- observagdes dentro de subsistemas funcionais. Todas aquelas teorias diziam respeito as fundagées reflexivas (por exemplo baseando lei em lei, educacio em educagiio, amor em amor) e a autonomia auto-referencial de seus respec- tivos subsistemas. Neste sentido, cles podiam reivindicar validade universal, mundial. Uma vez diferenciados, tinham motivos diferentes para variagiio interna, para criticas e para mudancas. De Kant a Popper, de Adam Smith a Keynes, de Humboldt a Dilthey, de Feuerbach a Kelsen, da teoria do Estado constitucional a teoria do bem estar social, mudangas mais ou menos radicais aconteceram. Mas nem estes paralelos se totnaram visfveis nem estas teorias desenvolveram um esquema auto-referencial para avaliar seus préprios efeitos dentro de seus subsistemas funcionais. Uma excegao interessante € o amor. No século XVII mais ou menos (¢ talvez até mesmo antes) a semAntica do amor apaixonado refletia a sua propria influéncia perturbadora nas relagdes amorosas reais. Ler sobre o amor prepara para o amor, estimula diividas, cria sentimentos nao- verdadeiros e a consciéncia de que se tem emogées de “segunda-mao”2 O c6digo do amor re-entra em seu proprio dominio, e seus imperativos cul- turais se tornam desesperados, regras auto-destruidoras que, apesar disso, precisam ser usadas para definir as relagdes como relagdes de amor. Esporadicamente, podemos encontrar argumentos similares em outros campos. Savigny, por exemplo, coloca objecées & teoria da lei po- sitiva baseado em que ela ir, se conhecida e aplicada, minar a confianga das pessoas, conduzird a uma mudanga legal répida e destruiré a legitimi- dade.” Substituindo uma mao invisivel, a mo vis(vel do planejamento 21 Cf. R. Girard, Mésonge romantique et verité romanesque. Paris, Grasser, 1961. 2 “Re-entry” no sentido de Spencer Brown, op. cit. 3 F.C. von Savigny, Vom Beruf unserer Zeit fiir Gesetzgebung und Rechtwissenschaff. Heidelberg 1814, reprint Darmstadt 1959 SISTEMA E EVOLUGAO NA TEORIA DE LUHMANN, 199 Keynesiano pode também tomar-se contra-produtiva, Mas tais reflexdes sobre a re-entrada so raras e tendem ou a destruir ou a mistificar nova- mente a ordem. No conjunto, a pretensao de validade “cientifica” exluia a admisso clara da auto-referéncia e do raciocinio circular. Atualmente, contudo, a propria teoria da ciéncia esté mudando na diregiio de uma epistemologia naturalizada (neurofisiol6gica, bioldgica, cibernética, sociolégica) que incorpora estruturas auto-referenciais.* ‘Teorias cientificas universalistas usam conceitos que também se aplicam & ciéncia ¢ & propria cognigdo — conceitos como sistema, evolugio, comu- nicagio, complexidade, sentido. Estas teorias simplesmente néo podem evitar reaparecer no mundo de objetos que eles descrevem. Apesar de muitas adverténcias légicas e metodolégicas, 0 reconhecimento de sis- temas auto-referenciais esté a caminho. Estes desenvolvimentos puramente tedricos néio tm conseqiién- cias “praticas” imediatas. Eles, contudo, podem mudar as maneiras como 0 sistema societal pode usar teorias como instrumentos de auto-observagao. A estrutura social e a semantica da sociedade moderna tém crescido na Europa. Sua forma atual é 0 resultado de transformagées evolucionérias usando circunstancias regionais e hist6ricas particulares. O impacto deste cenério europeu ainda é forte; 0 que torna ainda mais not4vel 0 fato de que esta tradigio nao nos fornece uma adequada teoria da sociedade. Por mais ou menos cérca de cem anos as matérias tém permanecido imutaveis. O ressurgimento quase incrivel da teoria de Karl Marx (1818-1883) confirma esta tese, Estruturas parciais sfo usadas para caracterizar 0 conjunto do sis- tema como “capitalista” ou “industrial” ou sociedade “pés-industrial”. A evolugao € vista como um “processo” hist6rico, embora a teoria da evolugao trate somente de mudangas estruturais (e nao de processos!). Auto-referén- cia, por outro lado, fica circunscrita ao “sujeito”, deixando o “mundo” 14 fora acessfvel para exploragdo tecnoldgica assimétrica. B facil ver a inter- dependéncia destes recursos semanticos: eles compensam suas deficiéncias de um lado com superestimagées e pressupostos por outros. Eles empurram 24 Cf. W.S. McCulloch, Embodiments of Mind. MIT Press, 1965; Campbell, op. cit. (1974); H. von Foerster, “Lessons of Biology”. In H. A Linstone e W.H.C. Simmonds (eds) Futures Research: New Directions. Addison-Wesley, 1977, pp. 104-113; H.R. Maturana e F. J.Varela, Autopoiesis and Cognition, op. cit;K. Knort, The Manufacture of Knowledge, Oxford, 1981. N. Lohmann, “Die Ausdifferenzierung von Erkentnisgewin: zur Genese von Wissenschaft”. INN. Stehr e V. Meja (ed) Wissenssoziologie. Opladen 1981, pp. 102-139. Veja-se também N. Luhmann, Politische Theorie im Wohlfahrisstaat, Munique, Olzog, 1981, para a situagao andloga no interior do sistema politico. 200 LUA NOVA N° 47 — 99 a sociedade ao mesmo tempo nas diregées de melhorias técnicas ¢ humanis- ticas; mas ndo fornecem nenhum esquema tesrico para auto-observacao. A teoria de sistemas tem uma certa capacidade para melhorar 0s instrumentos de auto-observagao, isto é, de comunicar-se dentro da sociedade sobre a sociedade. E uma linguagem internacional, que nao foi planejada para proteger interesses especificos. Contrariamente ao que comumente se pensa, 0 foco da teoria de sistemas moderna nao é a iden- tidade mas a diferenga, no € 0 controle mas a autonomia, nao é a imo- bilidade mas a estabilidade dindmica, nao é © planejamento mas a evolugao. Ao menos, ha avangos extraordinérios que estio mudando a aparéncia da teoria de sistemas nessa direcdo. Contudo, desenvolvem-se no interior de subsistemas de subsistemas de um subsistema da sociedade mundial. E dificil ver como eles poderiam se tornar uma linguagem comum para o processo de auto-observagio societal. Mais ainda, a teo- tia de sistemas, ela prépria lutando para superar as predisposigdes prevalecentes da tradigo européia, esta se tornando mais complexa (e nio simplesmente mais complicada em termos de modelos ou varidveis). Avaliacao e mesmo entendimento se tornam dificeis. Finalmente, nao ha solugdes para os problemas mais urgentes mas somente reafirmagées sem perspectivas promissoras. Levando tudo isto em consideragdo, 0 sucesso parece ser altamente improvavel. Por outro lado, podemos ver possibili- dades fascinantes para chegar-se a um nivel mais alto de inteligibilidade. No momento, se requer uma espécie de atitude estdica para permanecer na atividade de “fazer formulagdes" — sem esperanga nem temor, nec spe nec metu. Esta atividade pode continuar nao tendo éxito; mas néio acho que seja ridicula. CICERO ARAUJO é professor do Departamento de Ciéncia Politica da USP. LEOPOLDO WAIZBORT ¢ professor do Departamento de Sociologia da USP. NIKLAS LUHMANN (1927-1998) foi professor de Sociologia na Universidade de Bielefeld, Alemanha RESUMOS/ABSTRACTS 251 SISTEMA E EVOLUCAO NA TEORIA DE LUHMANN CICERO ARAUJO LEOPOLDO WAIZBORT Apés a apresentagio dos tracos fundamentais da teoria do sociélogo alemao Niklas Luhmann (1927-1998) publica-se um texto do préprio Luhmann, em que suas concepgées encontram uma formulaggo sintética. SYSTEM AND EVOLUTION IN LUHMANN’S THEORY After a presentation of the basic features of the theory of the German sociologist Niklas Luhmann (1927-1998) a text by Luhmann him- self with a synthetic expression of his conceptions is published.

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