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Lispector ehereiros de Clarice Lspector, 2005, 10s desta edi reservados & EDITORA ROCCO LTDA. Av. Presidente Wilson, 2 20030021 — Rio de Janel ‘Tel: (21) 8525-2000 — Fax: (21) 3525-2001 rocco@rocco.com br ‘yrrw.r0cc0.com br = 8° andar Printed in BraaiVimpresso no Brasil C1P-Brasil,Catalogaczona font. Sindicato Nacional dos Editors de Livtos RJ. spe wzagio de Teresa Montero Lica Manzo. — Rio de Janeir: Rocto, 2005. ISBN 05-325-28965 1 ispector, Clarice, 1920-1977 ~ Coletines. I. Montero, Teresa, 1366. cDU~#21.1345(61).8 do Acotdo Ortogrfico da Lingua Portuguesa *. Por que livrar-se do que se amontoa, como em. todas as casas, no fundo das gavetas? Vide Manuel Bandeira: para que ela me encontre com ‘a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar'¢ (.) Além do mais, 0 que obviamente nao presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo catinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graca no chio.” (Caaice Lisrector, em A legido estrangeira ‘Mas suas reivindicagdes so justas e nao vejo motives sérios que a impecam de trabalhar, a menos que tenha filhos, nao necessi- tando, simultaneamente, do seu ordenado, Nem a pretensa supe- riotidade intelectual do homem, eu a admito. Que ela estude, que trabalhe, que se desenvolva, Um homem s6 poderé agradecer & companheira, sua capacidade de compreender e a inteligéncia com que dirigir seus filhos. 54 Ournos Escaitos CAPITULO 4 CLARICE DRAMATURGA pecadora queimada e 05 anjos harmoniosos -tinico texto teatral escrito por Clarice Lispector ~ foi publicado apenas uma vez, em 1964, no volume A legi8o estrangeira, uma coletanea de contos, crénicas « fragmentos. Editados anteriormente na prestigiada revista Senor, 05 textos que compunham A legido estrangeira dividiam-se em duas partes dstintas, publicadas num mesmo volume. A primeira, A legiéo estrangeira, trazia uma série de contos; ea segunda, batizada de Fundo de gaveta, reunia algunas crénicas, notas soltas e escritos dispersos. Dentre esses texto, ‘encontrava-se A pecadora queimada [Na introdugdo a Fundo de gaveta, Clarice escreve: Por gue tirar do fundo de gaveta, por exemplo a "pecadora queimada’,escrita por diverséo enquanto esperava o nascimento de meu primeira fihoe De fato, enquanto aguarda o nascimento de Pedro, em 1948, na Suica, Clarice escreve ao amigo e escritor Fernando Sabino: “Estou me divertinds tanto que voce néo pode imaginar: comecei a fazer uma ‘cena’ (nao sei dar 0 nome verdadeiro ow téenico); uma cena antiga, tipo tragédia idade média, com coro, sacerdote, pov, esposo, amante... Em verdade, vos di é uma coisa horrivel, Mas tive tanta vontade de fazer que fiz contra mim. (..) Voeé ndo imagina o prazer... Trabathando nesta cena, estou desco- brindo urna espécie de estilo empocirado ~ uma espécie de estilo que estd sempre sob 0 nosso estilo e que é uma mistura de leituras meio ordindrias da adolescéncia (..) uma mistura de grandiloquéncia que é na verdade como a gente jd quis escrever (mas o bom gosto achou comt razéo ridiculo) (..) Talvez, se chegar a um ponto em que a grandilequéncia pelo menos tenha 0 pudor da gramatica, eu the mande. O verdadeiro titulo desta tra- CLARICE DRAMATURGA 55 _gédia em ums ato seria para mim “divertiment’, no sentido mais velhinko dessa palavra.” Tambén em carta do poeta Jodo Cabral de Melo Neto enderegada 4a Clarice em 1949, enconsramos uma mencdo & mest peca: “Fico esperant- do'O coro dos anjos’. Vocé me fala dele do fabulosamente que minka Embora certo que v. gostard dele, quando impresso do poeta refere-se sua intencio de publicar a pecaem sua prensa manual, como fiera com o texto de outros escritores. ‘O lancamento de A legido estrangeira, em 1964, seria em grande parte abafado pela estrondosa repercussdo de A paixdo segundo G.H, do no mesmo ano, O livro seria relancado pela editora Atica, em 1977, s6 que dividido em duas edigées distintas: A legido estrangeira (agora dedicada apenas aos contes); ¢ Pata nio esquecer (reumindo 44 mesma selegdo de fragments ¢ escrito dispersos outrora batizada de Fundo de gaveta). ‘Desta segunda edigdo, que na verdade seria publicada postumamen- te, seria suprimida A pecadora queimada e os anjos harmoniosos, dei- -xando texto, deste modo, praticamente inédito e restrito aos conkecedores cago de 1966, igo escrito sobre a pec, Earl Fitz —o mais importante estudioso horte-americano de Clarice Lispector — escreve: "A pecadora queimada tun tom alegérico para explorar (..) alguns dos temas cara os de Clarice, como 0 fracasso da lamento mano, demonstrando aguda const a que marca a condigdo da mulher na sociedade humana.” 56 (Ovrnos Escritos ‘A PECADORA QUEIMADA E OS ANJOS HARMONIOSOS [Angos Invistvss: is-nos quase aqui, vindos pelo longo camino que existe antes de-v6s. Mas nao estamos cansados, tal qeerada ndo exige forca e, se vigor reclamasse, nem o de wossa prece nos ergueria, S6 uma vertgem & o que faz rodo- piar aos gritos com as folhas até abertura de umn nascimen- to, Basta uma vertigem, que sabemost Se homens hesitam sobre homens, anjos ignoram sobre anjos, o mundo € gran- dee abencoado seja 0 que é. Néo estamos cansados, nossos és jamais foram lavados. Grasnando a esta proxima diver vo, viemos sofrer o que tem que ser sofrido, nés que ainda vaio fomos tocados, nés que ainda ndo somos menino a epenina, Ernos nas malhas da tregédia verdadeira, da qual extrairemos a nossa forma primeira, Quando abrirmos os clhos para sermos os nascidos, de nada nos lembraremos triangas balbuciantes seremos ¢ vossas mesmas atmas empunharemos. Cegos no caminho que antecede passos, cegos prosseguiremos quando de olhosjé vendo nascermos ‘Também ignoramos a que viemos. Basta-nos a convicglo de que aquilo a ser feito seré feito: queda de anjo ¢ diresio. ‘Nosso verdadeiro comeco € anterior ao visfvel comego, 10880 ‘verdadeiro fim serd posterior ao fim visivel. A barmonia, a terrivel harmonia, é 0 nosso tinico destino prévio. SacERDOTE: No amor pelo Senhor nao me perdi, sempre seguro no Teu dia como na Tua noite. E esta simples mulher por to CLARICE DRAMATURGA 7 pouco se perdeu, ¢ perdeu a sua natureza,e e-la a nada mais possuir e, agora pura, o que lhe resta ainda queimargo. Os estranhos caminhos. Ela consumiu sua fatalidade num, s6 pecado em que se deu toda, ¢ ei-la no limiar de ser salva. Cada humilde via é via: 0 pecado grosseiro é via, a ignoran- cia dos mandamentos € via, a concupiscéncia é via. S6 néo era via a minha prematura alegria de percorrer como guia e to facilmente a sacra via. $6 nao era vie a minba presungao de ser salvo a meio do caminho. Senhor, dai-me a graga de pecar. £ pesada a falta de tentacio em que me deixaste. Onde esto a agua e o fogo pelos quais nunca passeit Senhor, dai-me a graca de pecar. Esta vela que fui, acesa em eu nome, esteve sempre acesa na luz e nada vi. Mas, ah esperanga que me abriré as portas de Teu violento céu: agora percebo que, se de mim néo fizeste o facho que arderé, pelo menos fizeste aquele que ateia 0 fogo. Ah esperanga, na qual ainda vejo meu orgulho de ser eleito: em culpa bato no peito, e com alegria que eu desejaria mortificada digo: 0 Senhor apontou-me para pecar mais que aquela que pecou, e afinal consumirei minha tragédia. Pois foi de minha palavra irada que Te serviste para que eu cumprisse, mais do que o peca~ do, 0 pecado de castigar 0 pecado. Para que to baixo eu desca de minha perigosa paz que a escuridio total onde no existem candelabros nem ptirpura papal e nem mesmo © simbolo da Cruz -, a escuridao total sejas Tu. “As trevas no te cegarao”, foi dito nos Salmos. Povo: Hi dias temos fome e aqui estamos a buscar alimento. Entram pecadora e dois guardas. SACERDOTE: “Ela fez suas de pelo sinal da Santa Cruz. jas da escravidio dos sentidos”, 58 (Ourkos EscaiTos ecila CRIANCA COM SONO: Ei-la. [MULHER Do Povo: Ei-la, a que errou, a que para pecar de dois homens e de um sacerdote e de um povo precisou. 419 GuanDa: Somos os guardas de nossa patria. Sufocamos em abafada paz, eda tiltima guerra {4 esquecemos até os clarins. \Nosso amado rei nos espalha em postos de extrema confianga, mas na vigflia instil de nossa virilidade quase adormecemos. Feitos para gloriosamente morrer, eis que envergonhada- mente vivemos, 29. Guanba: Somos um guarda de um Senhor, cujo dominio nos parece bem confuso: ora se estende até onde vo as frontei- ras marcadas por costume € uso, e nossas lancas entdo se erguem ao grito da fanfarra. Ora tal dominio penetra em terras onde existe lei bem anterior. Pois eis-nos desta vez a guardar 0 que por si mesmo seré sempre guardado, pelo povo e pelo fado, Sob este céu de asfixiada tranquilidade, pode faltar o pio, mas nunca faltaré o mistério da realizacéo. Pois que estamos nés fantasticamente a velar? Sendo 0 des- tino de um coragéo. 1° Guanba: Como vossas iiltimas palavras lembram 0 saudoso reboar de um canhZo. Que desejo de enfim vigiar um mundo menor, onde seja nossa lanca a ferir de morte o que vai mor- rer, Mas c4 estamos a guardar uma mulher que a bem dizer por si mesma jé foi incendiada. ‘Anjos Invisiveis: Incendiada pela harmonia, a sangrenta suave harmonia, que é 0 nosso destino prévio. CLARICE DRAMATURGA 59 Entra 0 esposo. Povo: Bis o marido, aquele que foi traido, Esroso: Ei-la, a que seré queimada pela minha célera. Quem falou através de mim que me deu tal fatal poder? Fui eu aquele que incitou a palavra do sacerdote e juntou a tropa deste povo e despertou a langa dos guardas, e deu a este patio tal ar de gléria que abate os seus muros. Ah, esposa ainda amada, desta invasio eu queria estar livre. Sonhava estar s6 contigo e recordar-te nossa alegria passada. Deixai-a 56 comigo, pois desde ontem vivo e nao vivo, deixai-a sé ‘comigo, Diante de vs — estrangeiros & minha Felicidade anterior e & minha desdita de agora ~ no consigo mais ver nesta mulher aquela que foi e no foi minha, nem na nossa festa passada aquela que era e nao era nossa, nem consigo sentir a amargura que esta é minha e s6 minha. Que sucede a este meu coragéo que ndo reconhece mais o filho de sua Vingangat Ah, remorso: eu deveria ter vibrado o punhal com minha prépria mao, e saberia éntdo que, se fora eu 0 trafdo era eu mesmo o vingado. Mas esta cena no é mais de meu mundo, e esta mulher, que recebi na modéstia, eu perco ao som de trombetas. Deixai-me s6 com a pecadora, (Quero recuperar meu antigo amor, e depois encher-me de édio, € depois eu mesmo assassiné-la, e depois adoré-la de novo, ¢ depois jamais esquecé-la, deixai-me s6 com a pecadora. ‘Quero possuir a minha desgraca e a minha vinganga e a minha perda, e vés todos impedis que seja eu o senhor deste incéndio, deixai-me s6 com a pecadora, SaceRDOTE: HA quantos anos no nascia um santo. Hé quantos anos uma crianga nao profetizava no bergo. Ha quantos anos ©.cego nao via, 0 leproso nio se curava, ah, que drido tempo. oo Ournos Escattos Estamos sob o peso de tal mistério a se revelar que no pi meio a quem se apontar, num raio, Teu esperado milagre bd de se consumar. 1° Guana: Cada um diz e ninguém ouve. 29 GuaRpa: Cada um est s6 com a culpada. Entra o Amante. 1° GuARDA: A comédia esté completa: eis o amante, estou radiante Povo: Eis o amante, eis o amante e eis o amante, CRIANGA COM SONO: Eis 0 amante. ‘AMANTE: Ironia que no me faz rir: chamar de amante aquele que de amor ardeu, chamar de amante aquele que o perdeu. Nao o amante, mas o amante trafdo. Povo: Nao compreendemos, néo compreendemos ¢ no com- preendemos. AmANTE: Pois esta mulher que nos meus bracos a seu esposo enganava, nos bracos do esposo enganava aquele que o enga- nava Povo: Pois enti escondia do esposo o seu amante, e do amante escondia 0 esposo? Eis 0 pecado do pecado, AMANTE: Mas eu nao rio e por um momento néo sofro, Abro os olhos até agora fechados pela jactancia, € vos pergunto quem? Quem é esta estrangeira, quem € esta solitaria a quem no bastou um coracéo. CLARICE DRAMATURGA 6 Esroso: E aquela para quem das viagens eu trazia brocado e pre- ciosa pedraria, € por quem todo o meu comércio de valor se tomara um comércio de amor. ‘AMANTE: Pois na sua limpida alegria ela me vinha téo singular que jamais eu a suporia vinda de um lar. Esr0so: Nao houve joia que ela no cobicasse, e com ela a nudez do colo nio abafasse, Nada existiu que eu ndo the desse, pois para um viajante humilde e fatigado a paz esté na sua mulher. SACERDOTE: “Os inimigos do homem estao na sua propria casa.” Esposo: Mas na transparéncia de um brilhante ela jé perscruta- va a vinda de um amante. Quem vos diz é quem experimen- tou a peconha: acautelai-vos de uma mulher que sonba. AMANTE: Ah, desdita, pois se também junto a mim ela sonhava ‘O que ento mais desejavat Quem é esta estrangeirat SacERDOTE: £ aquela a quem nos dias santos dei inutilmente palavras de Virtude que poderiam sua riudez cobrir com mil mantos. MULHER DO Povo: Todas estas palavras tém estranhos sentidos. Quem é esta que pecou e mais parece receber louvor ao pecadot AMANTE: E aquela irrevelada que s6 a dor aos meus olhos reve~ Jou, Pela primeira vez, amo. Eu te amo. Esroso: £ aquela a quem o pecado tardiamente me anunciou. Pela primeira vez eu te amo, e no & minha paz. Povo: E aquela que na verdade a ninguém se deu, e agora é toda nossa. a Outros Escritos ‘Anjos Invistveis: Pois é terrivel a harmonia. Povo: Nao compreendemos, ndo compreendemos ¢ ete. Anjos Invisiveis: Mesmo aquém da otla do mundo nés mal entendemos, quanto mais v6s, os famintos, vés, 0s sacia~ dos. Que vos baste a sentenca geradora: o que tem de ser feito serd feito, este 6 0 tinico principio perfeito. Povo: Nao compreendemos, temos fome ¢ temos fome. 4 GuaRDA: Esta gente fatigante, se for chamada a festa ou enterro, é posstvel que cante.. Povo: ... Temos fome. 28 GUARDA: Armam sempre a mesma emboscada que consiste numa 36 entoada. Povo: ... Temos fome. SACERDOTE: Nao interrompais com vossa fome, antes sossegai, pois vosso serd o Reino dos Céus, Povo: Onde comeremos, comeremos e comeremos, ¢ to gordos ficaremos que pelo buraco de uma agulha enfim e enfim néo passaremos, SACERDOTE: Que veio fazer este povot E a que vieram 0 espos0, amante, os guatdasé Pois sozinha comigo, e esta mulher seria incendiada, ‘AMANTE: Que veio fazer esta gente? Sozinha comigo, ela amaria de novo, de novo pecaria, arrepender-se-ia de novo ~e assim num s6 instante 0 Amor de novo se realizaria, aquele em que em si proprio traz o seu punhal e fim. Eu te lembraria dos recados ao cair da noite... O cavalo impaciente aguardava, a lantema no pitio... E depois... Ah, terra, teus campos ao ClaRicE DRAMATURGA a amanhecer, certa janela que jé comecava no escuro a madru- gat. Eo vinho que de alegria eu depois bebia, até com légri- mas de bébado me turvar. (Ah entdo é verdade que mesmo na felicidade eu jé procurava nas légrimas o gosto prévio da desgraca experimentar.) Anjos Invisiveis: O gosto prévio da terrivel harmonia, (CRIANCA COM SONO: Ela esté sorrindo. Povo: Esté sortindo, esta sorrindo ¢ esté sorrindo. Esposo: E seus olhos brilham timidos como numa gloria. ‘Mut#eR Do Povo: Afinal que sucede que esta mulher a ser quei- mada jé se torna a sua prOpria histériat Povo: A que sorti esta mulheré ‘SACERDOTE: Talvez pense que, sozinha, e jé seria incendiada Povo: A que sorri esta mulher? 192? GUARDAS: Ao pecado. Anjos Invistveis: A harmonia, harmonia, harmonia que néo tarda. AMANTE: Sortis inacessfvel, e a primeira c6lera me possui, Lembra-te que na alcova onde te conheci era outro 0 teu sor- 1iso, e 0 brilho de teus olhos, as tuas Gnicas légrimas. Por que estranha graca 0 pecado abjeto transfigurou-te nesta mulher que sorri cheia de silénciot Esroso: Ira impotente: fa sorrindo, de mim ainda mais ausen- te do que quando era de um outro. Por que ouviu-me este ovo to mais do que minhas palavras queriam ser ouvidas? ‘Ab, mecanismo cruel que desencadeei com meus lamentos de ferido. Pois eis que a tornei inatingivel mesmo antes dela 4 Ournos Escriros morter. O incitamento ao incéndio foi meu, mas nao sera ‘minha vit6ria: esta pertence agora ao povo, ao sacerdote, a0s ‘uardas, Pois v6s,infelizes, esconder no podeis que é de meu infortdnio que enfim vivereis. ‘AwANTE: Sorris porque me usaste para ainda viva seres pelo fogo ardida Esroso: Ouve-me ainda uma vez, mulher... (Como € estranho, talvez ela ouvisse, mas sou et que ndo encontro mais as antigas palavras. Davida que jd no tem fronteiras: quando é que fui eu e quando € que nao o fui Era eu quem a amava, mas quem ¢ este a ser vingadot Aquele que em mim até agora falava, calou-se logo que atingiu os seus designios. Que sucede que néo reconhego a antiga face de meu amoré Talvez ela me ouvisse, mas falar para mim terminou.) ‘Anjos INvisivEts: Retira as maos do rosto, esposo. Aquele que foste j4 cessou, 0 abrir-se da cortina revelou: que és a infima, infima, infima roda da terrivel, terrivel harmonia. AMANTE: Pensei que vivera, mas era ela quem me vivia. Fui vivido. Esroso: Como te reconhecer, se sorris toda santificadat Estes bragos castos ndo so os bracos que enganosos me abraca- vam. E estes cabelos serdo os mesmos que eu desatavat Interrompei-vos, quem vos diz é o mesmo que vos incitou, Pois vejo um erro e vejo um crime, uma confuséo mons- truosa: ei-la que pecou com um corpo, e incendeiam outro. SACERDOTE: Mas “Senor, sois sempre o mesmo", 12 Guana: Todos lamentam o que jé é tarde para lamentar, e dis- cordam por discordar, quando bem sabem que aqui vieram para matar, CLARICE DRAMATURGA 6 22 Guanba: Eis enfim chegado o momento que nos dara 0 sabor da guerra. SACERDOTE: Eis chegado 0 momento em que, pela graca do Senhor, pecarei com a pecadora, arderei com a pecadora, € nos infernos onde com ela descerei, pelo Teu nome me sal- varei. "Anjos livisiveis: Bis chegado o momento. Jé sentimos uma difi- culdade de aurora. Estamos no limiar de nossa primeira forma. Deve set bom nascer. Povo: Que fale a que vai morrer. SACERDOTE: Deixai-a. Temo dessa mulher que € nossa uma pala- vra que seja dela Povo: Que fale a que vai morrer. AMANTE: Deixai-a. Nao vedes que est to sozinha. ‘Anyos Invisivets: Que néo fale... Que néo fale... J4 mal pre~ cisamos dela Povo: Que fale, que fale ¢ que ete. SaceRDoTE: Tomai-the a morte como palavra Povo: Nao compreendemos, néo compreendemos € nao com- preendemos 1° £ 28 GUARDAS: Afastai-vos, pois 0 fogo pode se alastrar € atra- vvés de vossas vestes toda a cidade incendiar. Povo: Este fogo jé era nosso, ¢ a cidade inteira queima. 412 £ 28 GuaRDAS: Eis o primeiro claro, Viva 0 nosso Rei Povo: Marcada pela Salamandra, 6 ‘QurRos EscaiTOs 19.22 GUARDAS: Marcada pela Salamandra, ‘Anjos Invistveis: Marcada pela Salamandra... 18 £29 Guanpas: Vede a grande luz. Viva 0 nosso Rei. Povo: Pois ento hurra, hurra e hurra, Anjos Invisiveis: Ab. SACERDOTE: Ave-maria, até onde descereit, “se bem que nada tenha a me censurar, isto nao basta para me justificar”, *Senhor liberai-me de minha necessidade”, orai, orai. ‘Anjos INvisIVEIS: .. Estremecei, estremecei, uma praga de anjos j escurece o horizonte. ‘AMANTE: Ai de mim que no sou queimado. Estou sob o signo do mesmo fado mas minha tragédia néo ardera jamais. ‘Anos NaScENDO: Como é bom nascer. Olha que doce terra, que suave e perfeita harmonia... Daquilo que se cumpre nés nas- cemos. Nas esferas onde pousévamos era fécil néo viver e ser a sombra livre de uma crianga. Mas nesta terra onde hé mare espumas, ¢ fogo e fumaca, existe uma lei que é antes da lei ainda antes da lei, e que da forma a forma, & forma. Como era facil ser um anjo, Mas nesta noite de fogo que desejo furioso, perturbado e vergonhoso de ser menino e menina Esroso: Ela pecou com um corpo ¢ incendeiam outro, Fui ferido ‘numa alma, e eis-me vingado noutra. Povo: Que bela cor de trigo tem a carne queimada. ‘SACERDOTE: Mas nem a cor é mais dela. £ a de Chama. Ah como arde a purificagao. Enfim softo. Povo: Nao compreendemos, nao compreendemos ¢ temos fome de carne assada. CLARICE DRAMATURGA oO Esposo; Com meu manto eu ainda poderia abafar o fogo de tuas vestes! ‘AMANTE: Nem a sua morte ele compreende, aquele que parti- thou comigo aquela que nao foi de ninguém. SACERDOTE: Como sofre. Mas “ainda ndo resiste até 0 sangue”. Esposo: Se com o meu manto eu apagasse as tuas vestes. ‘AMANTE: Poderias, sim. Mas compreende: teria ele a forca de espalhar et longa vida o puro fogo de um instantet SACERDOTE: Ei-la, a que se tornaré cinza e pé. Ab, “sois verdadei- ramente um Deus oculto” 1° Guana: Eu vos digo, arde mais depressa que um pagio. SACERDOTE: “O mundo passa e sua concupiscéncia com ele.” 29 GuaRDA: Eu vos digo, é tanta a fumaga que mal vejo o corpo Esposo: Mal vejo 0 corpo do que fui. SACERDOTE: Louvado 0 Nome do Senhor, “Vossa gtaga me ‘basta’, “aconselho-te para te enriqueceres comprar de mim ‘ouro experimentado pelo fogo”, foi dito no Apocalipse, lou- vado seja o nome do Senhor. Povo: Pois amém, amém, e amém. ‘SACERDOTE: “Ela fez suas delicias da escravidao dos sentidos.” Esposo: Nao passava de uma mulher vulgar, vulgar, vulgar. “Aan: Ah ela era to doce e vulgar. Eras to minha e vulgar. SACERDOTE: Eu sofro, ‘AmaNTE: Para mim e para ela comecou o que hé de ser para sempre, (Os Anios Nascipos: Bom-dial cy OurRos Escritos SacERDOTE: “Esperando que o dia da eterna claridade se erga e que as sombras dos simbolos se dissipem.” 12 £29 GUARDAS: Todos falam e ninguém ouve. SACERDOTE: £ uma confuséo melodiosa: j4 ougo os anjos dos que morrem, (Os Anjos Nascibos: Bom-dia, bom-dia e bom-dia. B jé no com- preendemos, nao compreendemos e ndo compreendemos. Esposo: Maldita sejas, se pensas que de mim te livraste e que de ti ‘eu me livrei. Sob o peso de atragao brutal, nao sairds de minha érbita e eu nfo sairel da tua, e com nausea giraremos, até que ultrapassards a minha drbita e eu ultrapassarei a tua, e num 6dio sobre-humano seremos um s6. SACERDOTE: A beleza de uma noite sem paixdo, Que abundancia, que consolacéo. “Ele fez grandes ¢ incompreens{veis obras.” 12 & 2° GUARDAS: Exatamente como na guerra, queimando co mal, ndo é 0 bem que fica. (Os Anjos NAsciDos: ... nés nascemos. Povo: Nao compreendemos e no compreendemos. Esposo: Regressarei agora 8 casa da morta. Pois lé esta minha antiga esposa a esperar-me nos seus colares vazios. SACERDOTE: O siléncio de uma noite sem pecado... Que clari- dade, que harmonia. CCRIANCA COM SONO: Mae, que foi que aconteceue (Os Anjos Nascipos: Mamée, que foi que aconteceus ‘Mutiterss Do Povo: Meus filhos, foi assim: etc. ete. ¢ ete. PERSONAGEM DO Povo: Perdoai-os, eles acreditam na fatalidade € por isso sao fatais, CLARICE DRAMATURGA ®

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