Capítulo 1
Acredita-se que, apresentar uma reflexão sobre alguns aspectos do “estado da arte” da
Informática educacional, pode possibilitar aos professores e pesquisadores da área uma
reflexão crítica de como a tecnologia pode auxiliar na construção do conhecimento. Pretende-
se ainda, nesta pesquisa, com a abordagem dada a este capítulo, elaborar considerações
teórico-metodológicas que estarão embasando a descrição da análise do Estudo de Caso,
realizado no Capítulo 8. Em outras palavras, como o problema de investigação desta
pesquisa – É possível resgatar as possibilidades didático-cognitivas do Logo Tridimensional
na exploração pedagógica de conceitos geométricos? –, enfoca, principalmente, o Logo
Tridimensional, faz-se imprescindível a contextualização da ferramenta escolhida, em um
cenário tecnológico mais amplo, elucidando, nesse cenário, os elementos fundamentais e
importantes que subjazem à construção do conhecimento.
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1.1.1) Transdisciplinaridade
“O enfoque disciplinar, na atualidade, pode ser considerado um dos frutos mais típicos e substanciais
do racionalismo científico, que modelou, nos últimos séculos, a mente e a atitude básica do ocidental.
(…) O instrumento básico desta perspectiva (disciplinar), portanto, é o método analítico.
Analisar é fracionar um todo nos seus elementos constituintes. É um método de decomposição
centrado nas partes, desenvolvido no século XVII, por Descartes. (…) O enfoque disciplinar
analítico gerou a especialização. (…) Transdisciplinaridade é um significativo passo além, um
avanço qualitativo. Representa a convocação para a mesa de reflexão e sinergia, ao lado dos
cientistas e técnicos, dos
“exilados” do exaltado império da razão: os artistas, os poetas, os filósofos e os místicos.” (p.132).
Nessa mesma perspectiva, Piaget, em sua palestra, ocorrida em Nice, no ano de 1970,
sobre a Epistemologia das Relações Interdisciplinares, baseando-se em sua filosofia
estruturalista, revela que o fundamento de uma investigação não é dividir a realidade em
compartimentos separados ou em simples estádios correspondentes às fronteiras aparentes
das disciplinas científicas, sobrepostos uns ao outros mas, ao contrário, deve-se, nas
investigações, procurar interações e mecanismos entre os vários domínios do conhecimento.
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Assim sendo, se a busca pelas estruturas pode ser considerada como um “fator básico
da interdisciplinaridade”, então qualquer epistemologia interna que tenha como objetivo
a caracterização das inter-relações existentes entre os observáveis e os modelos utilizados
em uma ciência, constituir-se-á parte integral da epistemologia das ciências vizinhas e,
dessa forma, tem-se o conceito de transdisciplinaridade.
“A transdisciplinaridade não constitui uma nova filosofia, nem uma nova metafísica. Tampouco uma
ciência das ciências. Muito menos uma nova atitude religiosa. Em todas as culturas o
conhecimento está subordinado a um contexto natural, social e de valores. Indivíduos e povos
criam, ao longo da história, instrumentos teóricos de reflexão e observação. Associados a estes,
desenvolvem técnicas e habilidades para explicar, entender, conhecer e aprender, visando saber e
fazer. Assim, teorias e práticas são respostas a questões e situações diversas geradas pela
necessidade de sobrevivência e transcendência. A transdisciplinaridade é o reconhecimento de que
não há espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar – como mais
corretos ou verdadeiros – complexos de explicações e de convivência com a realidade.” (p.26).
Nesse sentido, busca-se nas sábias palavras de Weil (1993) o sentido de tecnologia.
De acordo com suas palavras:
“As raízes da tecnologia perdem-se na noite dos tempos. As primeiras técnicas agrícolas, a produção do
fogo, a culinária, a fabricação de instrumentos de toda a espécie, como machado, arcos e flechas, fazem
parte de uma fase arcaica da tecnologia. Essa tecnologia arcaica vem sendo substituída por uma
tecnologia científica ou tecnociência, que pode ser entendida de duas maneiras: uma consiste em
utilizar as descobertas científicas para criar ou aperfeiçoar métodos de atuação; a outra coloca a
tecnologia à disposição da própria ciência. Estabelece-se, assim, uma relação de retroalimentação, que
faz com que hoje seja, muitas vezes, difícil separar ciência de tecnologia.” (Weil, 1993, p.18).
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Pelo significado das palavras delineadas acima, acredita-se que esta concepção
baseada em uma relação de retroalimentação entre a ciência e a tecnologia implica
em transcender a fusão entre esses dois domínios, dando origem a processos de
busca e investigação de novas formas e meios de se compreender a realidade vigente, e,
assim sendo, discordâncias e conflitos podem emergir desses novos processos, dessa nova
lógica, que se estabelece, cada vez mais entre as pessoas. Pode-se inferir que essa nova
lógica provoca um redimensionamento de conhecimentos, valores e crenças, modificando a
concepção de mundo
do sujeito.
“As novas tecnologias exigem o despertar de uma nova consciência. Revalorizam o indivíduo pelo que
ele é, não pelo que tem. Alguns dirão: Quem manda é quem tem o hardware e o software. Não posso
concordar. O hardware e o software são e continuarão sendo estúpidos, incapazes de iniciativas. (…)
Assim como o hardware, o software só é operacional se houver um operador, e este é um indivíduo.
Não há como remover dos seres humanos a capacidade de crítica – portanto a capacidade de
resistência –, tornando operacional o sistema, como aconteceu no período colonial.” (p.146).
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Com essas perspectivas em mente, não há como negar que a informatização assume
um papel inovador e transformador nas sociedades dos países do primeiro mundo. Hoje, com
o advento de novas tecnologias, o computador torna-se uma “ferramenta” de uso natural
e indispensável para a sociedade. Essa “ferramenta”, pode ser exemplificada desde as
grandes máquinas, os supercomputadores, instalados nos grandes centros de
computação, até as pequenas máquinas, caracterizadas pelos
microcomputadores e microprocessadores, presentes nos
ambientes de mais comum acesso no dia-a-dia, e mesmo nas residências,
complementando os “equipamentos inteligentes”, que vão desde os automóveis,
telefones, video games, até os microondas.
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Nesse sentido, a referida autora postula que o universo tecnológico está trazendo para
o nosso dia-a-dia uma nova linguagem, novas formas de pensar, e novas maneiras de
se refletir essas formas de pensar e, que este fato não está sendo atualizado a nível
dos educadores, nem, ao menos, tem feito parte das discussões no âmbito escolar. As
mudanças educacionais que têm sido propostas, em vários níveis, podem não chegar
ao avanço esperado, caso não se apropriem das novas produções do homem e das
necessidades da sociedade e, assim sendo, permanecerá a escola alheia a essas novas
formas de produção, e conseqüentemente, a essas novas formas de pensamento. Porém,
essa mesma autora ressalta ainda que este universo vai se abrir de qualquer forma, na
medida em que os vários segmentos da sociedade vão incorporar essas tecnologias, e,
assim sendo, pela importância que vêm assumindo, passa-se a criar mecanismos
paralelos ou substitutivos da própria estrutura escolar que atendem a essas novas
necessidades e, nesse aspecto, a escola será, “ou renovada, ou superada, ou substituída”
(Gatti, 1992, p.156).
Concordando com as idéias acima apresentadas, acredita-se que a escola não necessite
ser superada ou substituída, mas sim, renovada. Essa renovação exige que haja uma
incorporação de mecanismos que possam propiciar uma verdadeira integração da escola
às novas produções e necessidades da sociedade, tornando-se, cada vez mais, produtiva para
que
os alunos possam integrar-se plenamente no setor produtivo da sociedade em que vivem. E,
além disso, a renovação da escola pressupõe uma intensa reestruturação e reorganização dos
conteúdos a serem abordados e, ainda, uma transformação nos métodos de trabalho e teorias
de ensino, adequando-os às necessidades e exigências da sociedade. Um outro
fato extremamente importante na possibilidade de renovação da escola constitui-se
na modificação e transcendência das estruturas básicas das disciplinas, ou seja,
trabalhar com abordagens novas, relacionadas a projetos transdisciplinares, nos quais a
Informática inter- relacionada a aspectos culturais, sociais, axiológicos, entre outros,
possibilite o surgimento de elos de conexão entre os assuntos abordados.
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Assim sendo, Paulo Paiva (citado por Nascimento Neto, 1996) afirma que a
globalização é a integração econômica e tecnológica dos países. A globalização da economia
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Nessa mesma perspectiva, Fernando Henrique Cardoso (citado por Nascimento Neto,
1996) esclarece que
Para Schwartz,
“Com a globalização, as fronteiras perderam o valor. Por causa dos novos meios de comunicação, em
particular a Internet – a rede mundial de computadores –, nunca em toda a história da
humanidade idéias, informações e produtos circularam com tanta rapidez. Diante de um
computador, qualquer
indivíduo pode ter acesso ao mundo: desde museus, passando pelos mais importantes jornais, até
a
comunicação com amigos do outro lado do planeta, ao preço de uma ligação local. Esses
avanços colocam novos desafios e ameaças, mas, ao mesmo tempo, democratizam o saber e
facilitam o progresso.” (p.9) (grifo da pesquisadora).
“A educação multicultural é a direção necessária que deve tomar o processo educativo para fazer face à
complexidade de um mundo que se globaliza num ritmo crescente. O grande objetivo é evitar que
o processo de globalização conduza a uma homogeneização, cujo resultado é a submissão e
mesmo a
extinção de várias expressões culturais. Assim como a biodiversidade é essencial para a continuidade
da vida, a diversidade cultural é essencial para a evolução do potencial criativo de toda a humanidade.
Novos modos de pensamento e de expressão só podem resultar de uma dinâmica de encontros
culturais.” (D’Ambrósio, 1997, p.63) (grifo da pesquisadora).
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Esses aspectos acima delineados, fazem parte de estudos e pesquisas que estão sendo
cada vez mais, abordados e disseminados através de congressos, “workshops”, conferências,
e publicações na Internet.
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Segundo Ponte et al. (1994), o processo de conceber e avaliar a introdução das novas
tecnologias de informação e comunicação, na escola, implica em uma nova dimensão
de metodologias de ensino, de criação de materiais e dispositivos de apoios, enfim,
necessita rever os fundamentos teórico-filosóficos que perpassam o contexto
educacional. Esse processo não se limita, atualmente, a fronteiras nacionais e, por isso,
necessita de uma troca
de experiências e perspectivas entre os vários países (p.vi).
Ressalta-se que Portugal é um país que possui uma das mais vastas experiências no
domínio da aplicação das novas tecnologias no âmbito educacional. Dentre outros, cita-se o
Projeto Minerva. Além disso, possui uma ampla base cultural comum com os países
da comunidade ibero-americana, como pôde ser constatado durante a realização do
Congresso acima citado.
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Nesse sentido, no nosso país, constata-se que várias escolas têm se preocupado com
os aspectos acima delineados. Algumas escolas privadas do estado de São Paulo têm adotado
inovações no currículo, oferecendo matérias optativas de forma extra-curricular, tais
como: ecologia, xadrez, capoeira, rádio, vídeo, educação sexual e informática. Esse fato
evidencia-
se através do convênio entre o Grupo (associação de 48 escolas particulares) e a Escola
do Futuro, projeto que existe há cinco anos na USP, que intensificou o uso da informática
no aprendizado (Folha de S. Paulo, 26/04/94, p.3-4).
“Finalmente, é possível perguntar se os objetivos do Projeto têm sido atingidos. Em grande parte sim.
Por outro lado, ainda existe um caminho muito longo a ser percorrido. Por exemplo, a qualidade
do
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ambiente Logo de aprendizado está aquém do ambiente que desejamos. É inquestionável que houve um
enorme progresso se comparado com o que existia no início do Projeto, e a tendência é
o aprimoramento cada vez maior. Entretanto, pode ser que nunca atinjamos o verdadeiro ambiente Logo
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descrito nos livros. E isso não é o mais importante. O importante é que estamos desenvolvendo algo em
que nossos professores acreditam, algo que é fruto do trabalho deles e que é gerido segundo todas as
dificuldades impostas pela rede pública de ensino. Somente assim o computador terá mais chances de
entrar na escola pública e de sobreviver como uma alternativa metodológica do processo ensino-
aprendizagem.” (p.94) (grifo da pesquisadora).
Nessa mesma linha de raciocínio, Simonson et al. (1997) enfatizam que milhares de
livros, artigos e monografias têm sido escritos sobre a aplicação de computadores, e alguns
dados de pesquisas indicam que o seu uso está, significativamente, mudando a
Educação. Todavia, os referidos autores, questionam: “Alguém realmente demonstrou uma
compreensão sobre os aspectos que tornam o computador uma inovação exclusiva?
Respondem a questão, afirmando que, freqüentemente, computadores têm sido usados para
melhorar a produtividade
do ensino, de maneiras tradicionais, tais como: processadores de texto, ao invés
da datilografia, mas os computadores não estão mudando a forma como o
ensino e a aprendizagem ocorrem. Certamente, uma eficiência maior é desejável,
mas muitos questionam se o verdadeiro efeito do computador, está ainda para ser descoberto
(p.18).
Nesta investigação buscando pesquisas que tenham como objeto de estudo a inter-
relação entre a Educação e as novas tecnologias, recorre-se a uma outra Conferência Plenária
do II Congresso Ibero-americano de Informática na Educação realizado em Lisboa, em
1994, proferida por Seymour Papert, pertencente ao Grupo de Epistemologia e Aprendizagem
do Massachusetts Institute of Technology, USA, conferência essa intitulada: “Making Sense
of the Computer’s Place in the Learning Environment: A Historical Evolutionary
Perspective” (Papert, 1994).
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“se encontrar um caminho que mostre que alguma coisa tenha sentido a partir do
desenvolvimento de conceitos para se pensar ou raciocinar sobre ela”. No caso da Informática
na Educação, segundo o referido autor, precisa-se de muitos conceitos para se pensar sobre
Informática, para se pensar sobre Educação e para se pensar sobre os caminhos que o mundo
da Educação pensa sobre Informática na Educação. O referido autor enfatiza
ainda considerações metodológicas sobre a introdução
dos computadores na Educação, mencionando que
“Os piores erros ao se pensar sobre os usos de computadores na escola vêm de se indagarem questões
erradas muito mais do que se darem respostas erradas à questões que estão sendo formuladas. Muitas
“questões erradas” levam a perguntar o quanto as crianças aprendem em usar um tipo particular
do software. Uma melhor questão consiste em perguntar o que um tipo particular de software
significa para o desenvolvimento, a longo prazo, do ambiente de aprendizagem. Naturalmente, a
longo prazo, a
essência consiste no que é aprendido. Mas o que é aprendido amanhã, seguindo um certo método, pode
ser um mal indicador do que será aprendido, seguindo aquele método por dez anos.” (Papert, 1994, p.3)
(grifo e tradução da pesquisadora).
Outro aspecto abordado pelo referido pesquisador refere-se ao fato de que um outro
caminho para compreender alguma coisa é desenvolver “objects to think with”. Explicita que,
historicamente, Logo2, serviu a dois propósitos. Sua utilização foi boa para crianças e
outras pessoas. E, além disso, Logo permitiu a muitos educadores pensarem mais
concretamente sobre a idéia de programação.
Segundo suas concepções, o referido autor acredita que os educadores não usufruíram
dos benefícios a serem ganhos, porque eles puderam ver somente uma ou duas das
muitas formas que o Logo pode tomar. Cita as várias formas de Logo: Sprite Logo,
Logo Writer, Microwords, Object Logo, Lego-Logo, StarLogo, entre outras, dizendo
que estas são especialmente formas boas para se pensar sobre programação a partir de
diferentes ângulos.
Um novo aspecto abordado por Papert, nesta Conferência refere-se a: “Um outro
caminho para se compreender alguma coisa é encontrar conexões com outras coisas”.
2 Enfatiza-seque a Linguagem Computacional Logo e a sua filosofia subjacente será devidamente explicitada no
Capítulo 4, desta pesquisa.
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“É absurdo engajar-se em discussões sobre se crianças deveriam usar computador ou se elas deveriam
usá-los por somente um tempo limitado. Tendências históricas em nossa sociedade tornam inevitável
que elas usarão computador. Elas usarão computador o tempo todo que elas estiverem fazendo qualquer
trabalho formal. É absurdo perguntar com que idade elas deveriam começar a usá-los. Elas começarão
do começo. É inevitável que o computador será eventualmente o principal instrumento de escrita dentro
e fora da escola. Nós temos que aprender separar tendências históricas de escolhas educacionais.”
(Papert, 1994, p.4) (grifo e tradução da pesquisadora).
Nessa abordagem, Papert menciona que se deve fazer escolhas, mas que a maioria das
pessoas não sabe fazer a escolha certa. Utiliza-se desse argumento em defesa do uso do
Logo, porém, acredita que os professores só devem usar essa linguagem
computacional, se eles puderem perceber o Logo como uma tendência futura e quiserem ser
eles mesmos parte dessa tendência.
“Em toda parte do mundo há um amor apaixonado entre crianças e computadores. Trabalhei
com crianças e computadores na África, na Ásia e na América, em cidades, em subúrbios, em fazendas
e nas selvas. Trabalhei com crianças pobres e ricas; com filhos de pais letrados e analfabetos.
Mas essas diferenças não parecem ter importância. Por toda parte, com muito poucas exceções, eu
vi o mesmo brilho nos olhos, o mesmo desejo de se apropriar daquela coisa. E, mais do que
querer isso, elas parecem saber que podem comandá-lo mais facilmente e mais naturalmente do que
os seus pais. Elas sabem que são a geração dos computadores.” (Papert, 1996, p.1) (tradução da
pesquisadora).
Nesse momento, buscando oferecer aos pesquisadores e professores da área fatos que
elucidem a inter-relação entre a Educação, a sociedade e as novas tecnologias, com o objetivo
de descrever alguns aspectos que mostrem a importância da introdução e disseminação
de computadores na Educação e na sociedade, recorre-se às concepções de Simonson
et al. (1997), quando esses autores explicitam que
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Nessa linha de raciocínio, quando se propõe tecer reflexões sobre a inter-relação entre
a Educação, a sociedade e a Tecnologia, convém ressaltar que pensar sobre a introdução
e disseminação da Tecnologia na Educação, não significa apenas pensar em
artefatos tecnológicos, mas, sobretudo, significa refletir e pensar sobre Educação e sobre os
possíveis benefícios que essa Tecnologia poderá trazer para a sociedade. Sabe-se que a
utilização da tecnologia na Educação, por si só, não conduz à emancipação e nem à
opressão de indivíduos, mas, por outro lado, tal Tecnologia está incorporada em contextos
econômicos e sociais que determinam as suas aplicações. E, desse modo, esses
contextos devem ser reavaliados, constantemente, para assegurar que as aplicações da
Tecnologia na sociedade, desenvolvam e conservem valores humanos, ao invés de extinguí-
los.
“Pedimos legitimamente ao pensamento que dissipe as brumas e as obscuridades, que ponha ordem e
clareza no real, que revele as leis que o governam…” (Morin, 1991, p.7).
Nessa mesma perspectiva, Gardner (1995), em sua obra A Nova Ciência da Mente,
aborda a história da revolução cognitiva, mostrando como a ciência cognitiva procura através
de instrumentos conceituais solucionar os problemas da natureza do conhecimento e
sua representação na mente. Na busca de encontrar caminhos que elucidassem os
métodos e o domínio dessa nova ciência, o autor encontra nas obras de cientistas
cognitivos a explicação
de que, entre outros aspectos, a ciência cognitiva está enraizada na filosofia.
Assim sendo, apresenta o célebre diálogo platônico de Mênon, no qual Sócrates tece
considerações sobre o conhecimento de Geometria de um jovem escravo. Tal diálogo
apresenta muitas questões e respostas no estilo socrático. No início do diálogo o
escravo assevera que um quadrado composto por lados de duas unidades de
comprimento contém quatro unidades quadradas de área. Logo a seguir, em resposta a um
problema proposto por Sócrates, o escravo afirma que um quadrado de oito unidades
quadradas de área contém lados com quatro unidades de comprimento. Nesse momento,
Sócrates percebe que o escravo confundiu-se e não atentou para o fato de que o
comprimento do lado do quadrado deveria ser
a raiz quadrada de oito.
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Segundo esse mesmo autor, o interesse dos gregos pela natureza do conhecimento e
suas teorias polêmicas, continuaram a repercutir ao longo da tradição intelectual
ocidental. Nos períodos do Renascimento e Iluminismo, os filósofos encontraram nas ciências
empíricas
as explicações sobre a natureza do conhecimento; um novo universo de pesquisadores
denominados cientistas cognitivos vêm investigando muitas das questões que já eram tratadas
na Grécia, há aproximadamente, dois mil e quinhentos anos atrás.
3 Prigogine (1995) O que eu não sei - Seis ganhadores do Prêmio Nobel contam sua relação com a falta de
conhecimento. Folha de S. Paulo. 26/03/95. C-6. p.16-17.
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estado é o prelúdio de uma nova forma de racionalidade, que se situa na fase inicial deste
processo.
Nessa mesma linha de investigação, D’Ambrosio (1994a), explicita que a origem das
ciências e das práticas, dos modos de comunicação e das línguas, assim como, das religiões,
das artes, enfim de tudo o que se chama conhecimento têm sido reconhecida, ao longo da
história, através de esforços e empenhos de indivíduos e de sociedades na busca de
explicações de novas maneiras de se tratar e de se conviver com a realidade natural e sócio-
cultural. Nesse sentido, conforme suas próprias palavras:
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Considera, ainda, que as mais diversas formas dos meios de comunicação de massa
têm projetado esse interculturalismo à dimensões cada vez mais amplas, resultando, na
maioria das vezes, conforme suas próprias palavras: “na geração de novas formas culturais,
identificadas com a modernidade” (D’Ambrosio, 1994a, p.3).
Esse mesmo autor ressalta que, com o advento de novas tecnologias, vive-se,
atualmente, em uma sociedade na qual a tele-informática permite a interação
entre indivíduos, entre países, abrindo enormes possibilidades de formas de
conhecimento, de comportamento e de compreensão da realidade, propiciando assim,
interações e “ações comuns” entre os homens.
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próprio conhecimento como algo a ser conhecido, segundo a concepção de Morin (1990), um
“meta-ponto de vista”.
“Qual o objetivo desse ensino? Acumular conhecimentos úteis? Aprender a aprender? Aprender a
inovar, a produzir o novo em qualquer campo, tanto quanto no saber? Aprender a controlar, a verificar,
ou simplesmente a repetir?” (Piaget4, citado por Mantoan, 1996).
Analisando a epígrafe acima, infere-se que a função da política educacional não pode
constituir-se em proporcionar uma Educação que pressuponha um ensino que priorize
indivíduos repetidores de conhecimento de outrem, indivíduos submissos e conformados com
as desigualdades sociais, mas sim, uma Educação que pressuponha um ensino voltado
à criação de indivíduos conscientes e livres, conhecedores de seus direitos e
deveres, indivíduos que possam ajudar na construção de uma nação cada vez mais
digna e justa e, dessa forma, contribuam para minimizar as diferenças sociais.
Uma questão que se delineia nesse cenário, expressa-se por: Será que as
nossas escolas estão preparando os jovens para o exercício de funções que lhes propiciem
uma vida digna e de qualidade? Eis aí um tema para reflexões.
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pressuporia indivíduos conhecedores de rotinas e técnicas que de nada adiantariam para o seu
desenvolvimento pessoal e coletivo.
“ ... Porque podemos pensar que não precisamos dominar determinadas formas de tecnologia, nem a
lógica dessa tecnologia, porque podemos manipulá-las – aí estaremos no mundo da técnica. Mas
estaremos sendo manipulados porque poderemos manipular sim, mas segundo as regras de outrem que
nos impõe formas de pensar e agir mecânicos, uma vez que não compreendemos o processo.” (p.157)
(grifo da pesquisadora).
1.3.2) Universidades
“O saber hoje é ele próprio um processo de aprender. O que se deve verificar no aluno não é tanto o que
ele sabe, como o modo pelo qual sabe e quanto está habilitado a saber, o que ainda não sabe, quer dizer,
se aprendeu a aprender, o grau de autonomia que vai adquirindo nessa sua capacidade de aprender.”
(Anísio Teixeira).
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Essas idéias podem ser reforçadas pelas concepções do autor, acima citado,
quando menciona que o jovem inserido em um ambiente, cada vez mais permeado
com as novas tecnologias, encontra pela frente, nos diversos setores da sociedade, desafios
e situações que exigem pensamento divergente e criativo. Nesse sentido, conforme suas
palavras,
“O jovem sabe que aprende muito mais fora da escola. Sabe que há uma nova prática para a aquisição
de conhecimento. A escola está descompassada. Se pretendemos uma educação abrangente, envolvida
com o estado do mundo, abrindo perspectivas para um futuro melhor, temos que repensar nossa prática,
nossos currículos. Os objetivos da educação são muito mais amplos que aqueles tradicionalmente
apresentados nos esquemas disciplinares. Devem, necessariamente, situar a educação no contexto
da globalização evidente do planeta.” (p.89) (grifo da pesquisadora).
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produção de um
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saber disseminado e adequado às transformações sociais? Nesse sentido, acredita-se que uma
universidade como a UNICAMP poderia exercer um papel de extrema relevância,
abrindo alguns de seus laboratórios de Informática, fora do horário normal de
utilização, com o objetivo de propiciar cursos de aperfeiçoamento para professores da
Rede Pública, em convênios com a Secretaria da Educação da municipalidade, e do Estado.
Esse deveria ser um dos serviços prestados por uma universidade pública a uma
sociedade que a financia. As universidades também poderiam dar suporte “on-line”
para o aperfeiçoamento dos professores, oferecendo cursos e, dessa forma, integrando
o ensino às novas tecnologias, minimizando o hiato existente entre educação e sociedade.
Constata-se que o ensino do terceiro grau, de um modo geral, pouco tem colaborado
para mudanças efetivas na Educação, sendo que um dos fatores que contribuem para esse fato
se relaciona à desarticulação entre ensino, pesquisa e cursos de extensão.
“Um dos caminhos possíveis está em se pensar, de outros pontos de vista, a divisão do trabalho
educativo para além da dicotomia imobilista entre o trabalho manual e o intelectual, para que o
professor (de todos os graus de ensino) construa, numa práxis compartilhada, a função de seu trabalho
social de articulador entre a produção de conhecimentos e as necessidades didático-pedagógicas em sua
articulação com as necessidades do conjunto da sociedade.” (p.167) (grifo da pesquisadora).
“A primeira tarefa do educador…é pois a de procurar adaptar o aluno a uma dada situação, sem
encobrir-lhe a sua complexidade. É moldar no espírito da criança – não um hábito novo, nem mesmo
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uma crença nova – mas um método e um instrumento novos que lhe permitam compreender e se
conduzir.” (Piaget5, citado por Mantoan, 1996).
Nesse sentido, é que o professor deve oferecer aos seus alunos verdadeiros cenários
de aprendizagem, cenários esses que possam propiciar o resgate da liberdade do sujeito,
o desenvolvimento de um indivíduo crítico, consciente e livre. Professores devem
proporcionar cenários de pesquisas, com elaboração de projetos que estejam inter-
relacionados com os problemas do dia-a-dia de seus alunos, da sociedade e do país.
E, desse modo, estarão possibilitando e desenvolvendo uma Educação que leva em
conta as transformações da sociedade, os aspectos importantes do país e,
conseqüentemente, os seus alunos estarão, cada
vez mais, aptos para o mercado de trabalho e para a vida futura.
“O educador deve atuar como antropólogo. E, como tal, sua tarefa é trabalhar para entender que
materiais dentre os disponíveis são relevantes para o desenvolvimento intelectual. Assim, ele deve
identificar que tendências estão ocorrendo no meio em que vivemos. Uma intervenção significativa só
acontece quando se trabalha de acordo com essas tendências. Em meu papel de educador-antropólogo
eu vejo novas necessidades sendo geradas pela penetração dos computadores na vida das pessoas.”
(p.50) (grifo da pesquisadora).
5 Piaget, J. (1972a) The Epistemology of Interdisciplinary Relationships. In: Apostel, L. et al. (Org.)
Interdisciplinarity – problems of teaching and research in universities. Nice: OCDE – Centre for Educational
Research and Innovation.
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“Desmistificar conteúdos talvez seja o passo mais importante no momento atual. Será uma reedição
do que se passou no Século XVIII, com a proliferação das Enciclopédias. O objetivo foi democratizar
o saber, torná-lo acessível ao povo. (…) Hoje, com vídeos, CD-ROM, EAD, temos enormes
possibilidades de desmistificar o saber. Os alunos que sabem disso, não podem respeitar o professor
repetidor. A reação não tarda, manifestando-se como evasão e repetência, que é uma reação branda e
desconcertante. Aprenderam a lição de 1968, que a reação deve ser sutil. Sabem que então não
se conseguiu muito – na verdade, quase nada –, pois o establishment é mais experiente, capaz
de reintegrar-se após o choque.” (D’Ambrosio, 1997, p.99) (grifo da pesquisadora).
Das palavras acima, infere-se que o professor não deve, somente, repetir
conhecimentos existentes, principalmente aqueles produzidos pela mídia, e apresentados
como “prontos” e adequados a qualquer aluno e a qualquer aula, mas por outro lado,
deve criar cenários de aprendizagem, os quais possam gerar novos conhecimentos,
conhecimentos compatibilizados com as necessidades da vida diária dos alunos,
proporcionando-lhes, dessa forma, um ensino de qualidade.
Com essas concepções em mente, pode parecer ingenuidade e/ou utopia propor o uso
da tecnologia nas escolas brasileiras. Porém, não se espera que, de um momento para o outro,
professores transformem as suas aulas em verdadeiros laboratórios de Informática,
mas, acima de tudo, almeja-se, com esta pesquisa, que professores e educadores reflitam
sobre os seus métodos de ensino e teorias de trabalho, adequando-os aos avanços da
tecnologia.
Nesse mesmo raciocínio, recorre-se à reflexão exposta por Gatti (1992), quando
aborda temas relacionados à Informática na sociedade, no contexto da formação do
professor. Conforme suas palavras:
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“Essa má informação e, até, a rejeição acrítica que gera, tem feito com que tratemos superficialmente a
questão e tem nos levado a discussões redundantes que obscurecem as possibilidades educacionais dos
objetos tecnológicos e informacionais. Parece-nos com efeito que os educadores não sabem o que é
tecnologia, não sabem o que é uma filosofia tecnológica, e não sabem o que é lógica da informática.
Então nós, educadores, estamos muito afastados desse universo, não por culpa nossa, mas por culpa de
toda uma estrutura de formação que temos vivido. Quando temos, por exemplo, que discutir a relação
de educação e trabalho, ficamos discutindo abstrações etéreas, porque não sabemos exatamente o que é
esse mundo do trabalho, da técnica, da tecnologia. O que sabemos, por exemplo, da vida e da produção
em uma fábrica de plástico? E é esse mundo que está aí.” (p.156) (grifo da pesquisadora).
“O domínio ou, pelo menos, a possibilidade de desenvolver uma compreensão sobre os caminhos que
estão sendo percorridos pelas ações humanas na direção de simplificar processos, de condensar
processos e de transmitir e estocar informação, deveria se fazer acessível aos educadores. Estes, por sua
vez, necessitam buscar e/ou estar prontos para receber essa formação. Precisamos, nós, educadores,
abrirmos nossas portas para um universo novo, para uma formação renovada, como também trazermos
para a educação profissionais que tenham um outro tipo de informação e que possam trazer a sua
contribuição, mas no sentido de podermos conviver com essa nova lógica que está se instalando,
justamente para trazê-la a nosso serviço e não nos sujeitarmos a ela por desconhecimento.”
(p.157)
(grifo da pesquisadora).
“De certo que uma educação que tenha aspirações orientadas para um enfoque mais globalizante de
mundo, conhecimento, sociedade e desenvolvimento pessoal não poderá prescindir das máquinas e
muito menos do que o professor pode desenvolver por intermédio delas. Mas, como então incorporar a
atividade de programação, as hipermídias, a telemática e outras inovações, à prática escolar e mais,
como redimensionar o uso desses recursos a um ensino que busca novas metas? Eis aí o grande desafio
com que se defrontam o professor e os que se dedicam à sua formação. (…) Os processos responsáveis
por certos fenômenos mundiais que denunciam as transformações referidas, como a globalização
econômica e cultural, a polarização social, entre outros, parecem ser tão ou mais significativos que o
progresso tecnológico propriamente dito, na mutação do papel do professor. Ocorre que os processos
referidos não podem ser detidos por força maior que os contenha, dado que se alastram e
agem na surdina das consciências. O domínio das linguagens computacionais, a opção por essa
ou aquela metodologia de ensino, por este ou aquele sistema e ideário educativos não serão
suficientes, contudo,
para caracterizar esse novo professor.” (Mantoan, 1996) (grifo da pesquisadora).
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