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CECÍLIA

MEIRELES
OBRA
POÉTICA

Nota Editorial
AFRÂNIO COUTINHO
Poesia do Sensível e do- Imaginário
Notícia Biográfica e Bibliografia
DARCY DAMASCENO
Fortuna Crítica
MÁRIO DE ANDRADE, ÜSMAR PIMENTEL, CUNHA LEÃO,
JosÉ PAULO MOREIRA DA FONSECA
MENOTTI DEL PICCHÍA, NUNO DE SAMPAIO,
PAULO RÓNAI, MURILO MENDES, JOÃO GÀSPAR SIMÕES
Xilogravuras de
ÜRACIELA FUENSALIDA

RIO DE JANEIRO, EDITORA NOVA AGUJLAR S.A., 1983


RITMO

O RITMO em que gemo


doçuras e mágoas
é um dourado remo
por douradas águas.

Tudo, quando passo,


olha-me e suspira.
- Será meu compasso
que tanto os admira?

EPITÁFIO DA NAVEGADORA
A Gast6n Figueira

SE TE PERGUNTAREM quem era


essa que às areias e gelos
quis ensinar a primavera;

e que perdeu seus olhos pelos


mares sem deuses desta vida,
sabendo que, de assim perdê-los,

ficaria também perdida;


e que em algas e espumas presa
deixou sua alma agradecida;

essa que sofreu de beleza


e nunca desejou mais nada;
que nunca teve uma surpresa

em sua face iluminada,


dize: "Eu não pude conhecê-la,
sua história está mal contada,

mas seu nome, de barca e estrela,


foi: "SERENA DESESPERADA".
144 CECiL!A MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSTCA 145

O REI DO MAR PEQUENA CANÇÃO DA ONDA

MUITAS VELAS. Muitos remos. Os PEIXES de prata ficaram perdidos,


Âncora é outro falar ... com as velas e os remos, no meio do mar.
Tempo que navegaremos A areia chamava, de longe, de longe,
não se pode calcular. ouvia-se a areia chamar e chorar!
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar. A areia tem rosto de música
Muitas velas. Muitos remos. e o resto é tudo luar!
Curta vida. Longo mar.
Por ventos contrários, em noite sem luzes,
Por água brava ou serena do meio do oceano deixei-me rolar!
deixamos nosso cantar, Meu corpo sonhava com a areia, com a areia,
vendo a voz como é pequena desprendi-me do mundo do mar!
sobre' o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena: Mas o vento deu na areia.
só cantamos para o mar ... A areia é de desmanchar.
Morro por seguir meu sonho,
longe do reino do mar!
Nem tormenta nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar ... )
Andamos entre água e vento CANÇÃO DA MENINA ANTI9A
procurando o Rei do Mar.
A Diogo de Macedo

ESTA É a dos cabelos louros


e da roupinha encarnada,
MAR EM REDOR que eu via alimentar pombos,
sentadinha numa escada.
MEus ouvrnos estão como as conchas sonoras:
música perdida no meu pensamento, Seus cabelos foram negros,
na espuma da vida, na areia das horas ... seus vestidos de outras cores,
e alimentou, noutros tempos,
a corvos devoradores.
Esqueceste a sombra no vento.
Por isso, ficaste . e partiste,
e há finos deltas de felicidade Seu crânio estará vazio,
abrindo os braços num oceano triste. seus ossos sem vestiml;!nta,
- e a terra haverá sabido
o que ela ainda alimenta.
Soltei meus anéis nos aléns da saudade.
Entre algas e peixes vou flutuando a noite inteira. Talvez Deus veja em seus sonhos
Almas de todos os afogados - ou talvez não veja nada -
chamam para diversos lados que essa é a dos cabelos louros
esta singular companheira. e da roupinha encarnada,
146 CECILIA MEIRELES / OBRA POP:TICA VAGA MúSICA 147

que do alto degrau do dia AGOSTO


às covas da noite, escuras,
desperdiçou sua vida SOPRA, VENTO, sopra, vento
pelas outras criaturas . .. ai, vento do mês de agosto',
passa por sobre meu rosto
e sobre o meu pensamento.
Vai levando meu desgosto!
REGRESSO
Lança destes altos montes
A L. F. Xam111a1 às frias covas do oceano
meu sonho sem horizontes,
(CAMPO perdido. claro, puro e sobre-humano.
Músicas suspirando,
ai! sem meu ouvido!) Sem saudade mais nenhuma
te ofereço meus segredos,
Bois esperam, mirando: para serem flor de espuma
corpo cheio de céu, luas que a praia mova em seus dedos,
nos olhos recordativos. quando se vestir de bruma ...

Rodas, charruas, Mova entre a lua inconstante


sol, abelhas ... e a inconstantíssima areia,
Colar de prata dos rios que todo o mundo assim creia
sóbre gargantas vermelhas. meu sonho morto e distante,

(Eu andava batalhando morto, distante, acabado,


- ai! como andei batalhando! ó vento do céu profundo!
com mortos e vivos, que tudo é bom, no passado,
campo!) que nos fez sofrer, no mundo,
ao ter de ser suportado ..•
Levai-me a esses longes verdes,
cavalos do vento!
Pois o tempo está chorando
por não ver colhido MÚSICA
meu contentamento!
Do LADO de oeste,
do lado do mar,
EPIGRAMA há rosas silvestres
para respirar,
e o chão se reveste
A SERVIÇO da Vida fui, de musgos de luar.
a serviço da Vida vim;
Do lado de oeste
só meu sofrimento me instrui, do lado do mar,'
quando me recordo de mim. há um suave cipreste
para me embalar.
(Mas toda mágoa se dilui: Pássaros celestes
permanece a Vida sem fim.) me virão cantar.
148 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 149
Coração sem mestre, meu pé dançando pela
sonho sem lugar, extremidade da espuma,
quem há que me empreste e meu cabelo por uma
barco de embarcar? planície de luz deserta.
Do lado de oeste, Sempre assim :
do lado do mar, de um lado, estandartes do vento . . .
descerei com Vésper - do outro, sepulcros fechados.
até me encantar; E eu me partindo, dentro de mim,
Quero estar inerte, para estar no mesmo momento
sob a chuva e o luar. de ambos os lados.
Tu, que me fizeste, Se existe a tua Figura,
me virás buscar, se és o Sentido do Mundo,
do lado de oeste, deixo-me, fujo por ti,
do lado do mar? nunca mais quero ser minha!

(Mas, neste espelho, no fundo


desta fria luz marinha,
CANÇÃO EXC~NTRICA como dois baços peixes,
nadam meus olhos à minha procura ...
ANDO À PROCURA de espaço Ando contigo - e sozinha.
para o desenho da vida. ' ·n Vivo longe -,- e acham-me aqui.. . . )
Em números me embaraço
e perco sempre· a medida. Fazedor da minha vida,
Se penso encontrar saída, não me deixes!
em vez de abrir um compasso, , Entende a minha canção!
projeto-me num abraço Tem pena do meu murmúrio,
e gero uma despedida. reúne-me em tua mão!

Se volto sobre o meu passo, Que eu sou gota de mercúrio,


é já distância perdida. dividida, ·
desmanchada pelo chão .. .
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida. VIGfLIA DO SENHOR MORTO
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço: TEU ROSTO PASSAVA, teu nome corria
- saudosa do que não faço, por esses lugares do sol e da lua.
- do que faço, arrependida. Como se contava a tua biografia!
E eu, ~la esperança de poder ser tua,
como vim de longe, teimando com a terra,
CANÇÃO QUASE INQUIETA deixando suspiros para cada rua!
Guerreiro cortado de injúrias de guerra
DE UM LADO, a eterna estrela, não trouxe consigo nenhuma ferida
e do outro a vaga incerta, como esta que ·tenho e que já se não cerra.
150 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúS!CA 151
Por tanta subida, por tanta descida, A noite bebeu-te as cores
aqui dou contigo, no teu morto .leito, _ para pintar as estrelas.
eu, que vim por ti salvando a mmha vida! Desde então, que é dos meus olhos?
Voaram de mim para as nuvens,
Fria sombra, apenas, teu rosto perfeito. com redes para prendê-las.
Covas de cegueira, teus olhos, a~nas.
Muro de silêncio teu tombado peito. Quem te alcançará?
Sangue que tiveste, por iperdidas cenas
derramou-se, longe, e é pó do pó sem glória, Dentro da noite mais densa,
preso no destino das coisas terrenas. navegarei sem rumores,
seguindo por onde fores
Por que serei triste com a ~inha me!llória, como um sonho que se pensa.
diante do teu corpo sem aureolas? Tnste
pela minha viagem? pela tua história? Por onde é que vou?

Este é o Senhor Morto - e este, somente, existe.


EPIGRAMA DO ESPELHO INFIEL
Noite de vigília, sem mais esperança,
alguma coisa em mim o assiste A Jolio de Caslro Osório
que não se vai, que não se cansa.
ENTRE o DESENHO do meu rosto
e o seu reflexo,
meu sonho agoniza, perplexo.
VIAGEM Ah! pobres linhas do meu rosto,
desmanchadas do lado oposto,
No PERFUME dos meus dedos, e sem nexo!
há um gosto de sofrimento,
como o sangue dos segredos E a lágrima do seu desgosto
no gume · do pensamento. sumida no espelho convexo!

Por onde é que vou?


EXÍLIO
Fechei as portas sozinha.
Custaram tanto a rodar! DAS TUAS ÁGUAS tão verdes
Se chamasse, ninguém vinha. nunca mais me esquecerei.
Para que se há de chamar? Meus lábios mortos de sede
para as ondas inclinei.
Que caminho estranho! Romperam-se em teus rochedos:
só bebi do que chorei.
Eras coisa tão sem forma,
tão sem tempo, tão sem nada ... Perderam-se os meus suspiros
- ·· arco-íris do meu dilúvio! desanimados, no vento.
que nem podias ser vista Recordo tanto o martírio
nem quase mesmo pensada. em que andou meu pensamento!
E meus sonhos ainda giram
Ninguém mais caminha? · como naquele momento.
152 CECJLTA MEIRELES / OBRA POÉ TICA VAGA MúSICA 153
Os marinheiros cantavam . (Isto são coisas que digo,
Ai, noite do mar nascida! que invento,
Estrelas de luz instável para achar a vida boa . . .
saíam da água perdida. A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
Pousavam como assustadas do sonho sonhado à toa .. . )
em redor da minha vida. ·
Dos teus horizontes quietos
nunca mais me esquecerei.
Por longe que ande, estou perto. O RESSUSCITANTE
Toda em ti me encontrarei.
Foste o campo mais funesto A Ester de Cáceres
por onde me dissipei .
Remos de sonho passavam MEUS PÉs, minhas mãos,
por minha melancolia. meu rosto, meu flanco,
Como um náufrago entre os salvos, - fogo de papoulas!
meu cor-ação se volvia. E hoje, lírio branco!
- Mas nem sombra de palavras
houve em minha boca fria .
Pela minha boca,
Não rogava. Não chorava. por minhas olheiras,
Unicamente morria. - arroios partidos!
E hoje, albas inteiras!

CANÇÃO DO CAMINHO Eu era o guardado


de sinistras covas!
E hoje visto nuvens
PoR AQUI vou sem programa, cândidas e novas!
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama Vi apodrecendo,
é vário, com dor, sem lamento,
como o trajeto do fumo. meu corpo, meu sonho
e meu pensamento!
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso E hoje, sou levado
que penso em ti, meu amigo. por entre as caídas
- Se fosse, coisas, - transparente!
em vez da canção, teu braço!
Ah! mas logo ali adiante (Aroma sem nardo!
Fuga sem violência!)
- tão perto! -
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante, E de cada lado
decerto, choram doloridas
é melhor ir só com ela. mãos de antiga gente.
154 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MOSJCA 155

RECORDAÇÃO De altos mastros ainda rondo


tua lembrança nos ares.
AGORA, o cheiro áspero das flores O resto é sem im_portância.
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.
Certamente, não há nada
Eram assim teus cabelos; de ti, sobre este horizonte,
tuas pestanas eram assim, finas e curvas. desde que ficaste ausente.
As pedras !imosas, por onde a tarde ia aderindo, Mas é isso o que me mata:
tinham a mesma exalação de água secreta, sentir que estás não sei onde,
de talos molhados, de pólen, mas sempre na minha frente.
de sepulcro e de ressurreição.
2
E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente. Não acredites em tudo
que disser a minha boca
Restitui-te na minha memória, por dentro das flores! sempre que te fale ou cante.
Deixa virem teus olhos, como besouros de ônix,
tua boca de malmequer orvalhado, Quando não parece, é muito,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios, quando é muito, é muito pouco,
com suas estrelas e cruzes, e depois nunca é bastante ...
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha, Foste o mundo sem ternura
- e incompreensíveis, incompreensíveis. em cujas praias morreram
meus desejos de ser tua.
A água salgada me escuta
INSCRIÇÃO NA AREIA e mistura nas areias
meu pranto e o pranto da lua.
o MEU AMOR não tem
importância nenhuma. Penso no que me dizias,
Não tem o peso nem e como falavas, e como te rias . . .
de uma rosa d_e espuma! Tua voz mora no mar.
'
Desfolha-se por quem? A mim não fizeste rir
Para quem se perfuma? e nunca viste chorar.
O meu amor não tem (Porque o tempo sempre foi
importância nenhuma. longo para me esqueceres
e curto para te amar.)

CANÇÕES DO MUNDO ACABADO


CANÇÃO QUASE MELANCÓLICA
p AREI AS ÁGUAS do meu sonho
MEus OLHOS andam sem sono, para teu rosto se mirar.
somente por te avistarem Mas só a sombra dos meus olhos
de uma tão grande distância . ficou por cima, a procurar ...
156 CECfLIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MOSICA 157

Os pássaros da madrugada Por assim tão docemente


não têm coragem de cantar, meu mal transformar em verso,
vendo o meu sonho interminável oxalá Deus não o aumente,
e a esperança do meu olhar. para trazer o Universo
de pólo a pólo contente!
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho, A MULHER E A TARDE
por que insisto em te imaginar?
O DENSO LAGO e a tena de ouro:
Quando vierem fechar meus olhos, até hoje penso nessa luz vermelha
talvez não se deixem fechar. envolvendo a tarde de um lado e de outro.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar. E nas verdes ramas, com chuvas guardadas,
e em nuvens beijando os azuis e os roxos.
Até hoje penso nas rosas de areia,
nos ventos de vidro, nos ventos de ; prata,
A DOCE CANÇÃO cheios de um perfume quase doloroso.

A Christina Christie Perguntava, a ~ombra: "Que há pelo teu rosto?"


"Que há pelos. teus olhos?" - a água perguntava.
1

Pus-ME A CANTAR minha pena


com uma palavra tão doce, E eu pisando a estrada, e eu pisando a estrada.
de maneira tão serena, 'vendo o lago denso, vendo a terra de ouro,
que até Deus pensou que fosse com pingos de chuva numa luz vermelha ...
J
felicidade - e não pena.
E eu não respondendo nada.
Sonho muito, falo pouco.
Anjos de lira dourada Tudo são riscos de louco
debruçaram-se da altura. e estrelas ·da madrugada ...
Não houve, no chão, criatúra
de que eu não fosse invejada,
pela minha voz tão pura.
CANÇÃO DE ALTA NOITE
Acordei a quem dormia,
fiz suspirarem defuntos. ALTA NOlTE, lua quieta,
Um arco-íris de alegria muros frios, praia rasa.
da minha boca se erguia
pondo o sonho e a vida juntos. Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.

O mistério do meu canto, Acaba-se a última porta. <


Deus não soube, tu não viste. O resto é o chão do abandono.
Prodígio imenso do pranto :
- todos perdidos de encanto, Um poeta, na noite morta,
só eu morrendo de triste! não necessita de sono.
CECfLTA MEIRELES / OBRA P()f;;T/CA VAGA MúSJCA 159
158
Andar. . . Perder o seu passo Que não alvoreça
na noite, também perdida. nova ocasião!
Que o tempo se esqueça
de recordação!
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
(Nem minha cabeça
nem meu coração.
Andar. . . - enquanto consente Solidão!)
Deus que seja a noite anda<la .

Porque o poeta, indiferente,


anda por andar - somente. EM VOZ BAIXA
Não necessita de nada.
SEMPRE que me vou embora
é com silêncio maior.
PARTIDA As solidões deste mundo
conheço-as todas de cor.
Do TRIGO semeado, da fonte bebida,
do sono dormido, vou . sendo levada . .. Desse-me a sorte um cavalo
ou um barco em cima do ~ari
R~lincho ou marulho - algun~a
Os outros não sentem que estou de partida, c01sa que me acompanhar!
sem mapa, sem guia - com data marcada.
Mas não. Sempre mais comigo
No estrondo das guerras, que valem meus pulsos? vou levando os passos meus
No mundo em desordem, meu corpo que adianta? até me perder de todo '
A quem fazem falta, nos campos convulsos, no indeterminado Deus.
meus olhos que pensam, meu lábio que canta?
Por dentro das pedras, das nuvens, dos mares,
cruzando com as águias, os mortos, os peixes, CANÇÃO SUSPIRADA
vou sendo levada para outros lugares,
ó mundo sem deuses, sem sonhos, sem lares!
embora me prendas, para que me deixes! POR QUE DESEJAR libertar-me
se é tão bom não ver o teu ~osto
se ando
, em meu sonho como , nu'm no,
·
a1guem que é feliz e está morto?
EMBALO DA CANÇÃO
Por que pensar em qualquer coisa.
QUE A voz adormeça se tudo está sobre a minha alma· ·
que canta a canção! vento, flores, águas estrelas ·
Nem o céu floresça e músicas de noite' e albas?'
nem floresça o chão.
Nos céus .e:i1 ~ombra, há fontes mansas
(Só - minha cabeça, que. em s1l~nc10 e esquecida bebo.
só - meu coração. FIUt o destmo em minha boca
Solidão.) e a eternidade entre os meus dedos . ..
160 CECILIA MEIRELES / OBRA POtTICA VAGA MúSICA 161
Por que fazer o menor gesto, Dos linhos claros da areia
se nada sei, se nada sofro, fez o vento retorcidas,
se estou perdida em mim, tão perdida rotas, miseráveis teias.
corno o som da voz no seu sopro?
Que sopro de ondas estranhas!
Que SQpro nos cemitérios!
LEMBRANÇA RURAL pelos campos e montanhas!

CHÃo VERDE e mole. Cheiros de selva. Babas de lodo. Que sopro forte e profundo!
Que sopro de acabamento!
A encosta barrenta aceita o frio, toda nua. Que sopro de fim de mundo!
Carros de bois, falas ao vento, braços, foices.
Os passarinhos bebem do céu pingos de chuva.
Da varanda do colégio,
Casebres caindo, na erma tarde. Nem existem do pátio do sanatório,
na história do mundo. Sentam-se à porta as mães descalças. miravam tal sortilégio
"f: tão profundo, o campo, que ninguém chega a ver que é triste.
A roupa da noite esconde tudo, quando passa ... olhos quietos de meninos,
com e·speranças humanas
Flores molhadas. última abelha. Nuvens gordas. e com terrores divinos.
Vestidos vermelhos, muito . longe, dançam nas cercas.
Cigarra escondida, ensaiando na sombra rumores de bronze. A tardinha serenada
Debaixo da ponte, a água suspira, presa ... foi dormindo, foi dormindo,
despedaçada e cal~da.
Vontade de ficar neste sossego toda a vida:
bom para ver de frente os olhos turvos das palavras, Só numa ruiva amendoeira
para andar à toa, falando sozinha, uma cigarra de bronze,
enquanto as formigas caminham nas árvores ... por brio de cantadeira,

girava em esquecimento
à sanha enorme do vento,
DESCRIÇÃO forjando o seu movimento
num grave cântico lento ...
AMANHECEU pela terra
um vento de estranha rnmbra,
que a tudo declarou guerra.
VELHO ESfILO
Paredes ficaram tortas,
animais enlouqueceram
e as plantas caíram mortas. CORPO MÁRTIR, conheço o teu mérito obscuro:
tu soubeste ficar imóvel como o firmamento,
O pálido mar tão branco para deixar passar as estrelas do espírito,
levantava e desfazia ardendo no seu fogo e voando no seu vento ...
um verde-lívido flanco.
Corpo mártir que és dor, que és transe, que és silêncio,
E pelo céu, tresmalhadas, e onde, obediente, vai batendo o coração,
iam nuvens sem destino, sei que foste esquecido e, quando um dia te acabares,
em fantásticas brigadas. não é por ti que _os olhos chorarão.
MEIRELES, - 6
162 CECILIA MEIRELES / OBRA POí:TICA VAGA MúSICA 163

Ninguém viu que tu foste o solo e o oceano dócil . há mãos de amor para a tua ausência.
que sustentou jardins e embalou tanta viagem, E esse é o vestígio que não se some:
que distribuiu o amor, e mostrou a beleza, resto de todos, teu próprio resto.
dando e buscando sempre a sua própria imagem. Coisa que passas, como é teu nome?

Um dia tu serás símbolo, idéia, sonho,


tudo o que agora apenas eu compreendo que és:
porque um dia virá que, nesta marcha do infinito, CANÇÃO MÍNIMA
alguém se lembrará que o mais alto dos cânticos
pousou, na teráa, sobre uns pobres pés. No MISTÉRIO do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
VELHO ESTILO e, no jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta,
COISA QUE PASSAS, como é teu nome? e, sobre ela, o dia inteiro,
De que inconstâncias foste gerada?
Abri meus braços para alcançar-te: entre o planeta e o Sem-Fim,
fechei meus braços, - não tinha nada! a asa, de uma, borboleta.

De ti só resta o que se consome.


Vais 1para a morte? Vais para a vida?
Tua presença nalguma parte A VIZINHA CANTA
é já sinal da tua partida.
DE QUE ONDA sai tua voz,
E eu disse a todos desse teu fado, que ainda vem úmida e trêmula,
para esquecerem teu chamamento, - corpo de cristal,
saberem que eras constituída - coração de estrela ... ?
da errante essência da água e do vento.
Tua voz, planta marinha,
Todos quiseram ter-te, malgrado árvore crespa e orvalhada:
prenúncios tantos, tantas ameaças. - ramos transparentes,
Grande, adorada desconhecida, · - folhas de prata? ...
como é teu nome, coisa que passas?
E de onde vai resvalando
Pisando terras e firmamento, um puro, límpido orvalho:
com um ar de exausta gente dormida, durável resina, 1

abandonaram termos tranqüilos, - doloridá lágrima ... ?


portas abertas, áreas de vida.
E eu, que anunciei o acontecimento,
fui atrás deles, com insegurança, PEQUENA CANÇÃO
dizendo que ia por dissuadi-los,
mas sendo a sua mesma esperança. A J. A. Hernández

No ardente nível desta experjência, PÁSSARO da lua,


sem rogo, lágrima nem protesto, que queres cantar,
tudo se apaga, preso em sigilos: nessa terra tua,
mas no desenho do último gesto, sem fim e sem mar?
CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MOS!CA 165
164

Nem osso de ouvido Nós! . - E no entanto eu sei que estão


pela terra tua. brotando pela noite lisa
Teu canto é perdido, as lágrimas de uma canção
pássaro da lua .. . pelo que não se realiza . ..

Pássaro da lua,
por que estás aqui ?
Nem a canção tua
precisa de ti! PONTE

FRÁGIL ponte:
CANÇÃOZINHA DE NINAR arco-íris, teia
de aranha, gaze
O MAR o convalescente mira. de água, es·puma,
- Que pena, que pena no seu mirar! -- nuvem, luar.
Como quem namora, suspira, Quase nada:
e quell} tem medo de se en_a morar. quase
a morte.
Água, que pareces um ramo de flores,
o nome dos humanos amores Por ela passeia,
mora na espuma do mar ... passeia,
sem esperança nenhuma,
O céu o convalescente mira. meu desejo de te amar.
- Que pena, que pena no seu mirar!
Como quem vai morrer, suspira,
e quem tem medo de ressuscitar. Céu que miro?
- alta neblina.
Nuvem, que pareces um ramo de flores, Longo horizonte,
o nome dos humanos amores - mas só de mar.
mora no hálito do ar ...
E esta ponte
que se arqueia
EMBÀLO como uin suspiro,
- tênue renda cristalina
ADORMEÇO ·EM 1'1 minha vida~ será possível que transporte
- flor de sombi:a e de solidão a algum lugar?
da terra aos céus oferecida
para alguma constelação. Por ela passeia,
passeia
Não pergunto mais o motivo, meu desejo .de te amar.
não 1pergunto mais a razão
de viver no mundo em que vivo,
pelas coisas que morrerão. Em franjas de areia,
chegada do fundo
Adormeço em ti minha vida, lânguido do mundo,
imóvel, na noite, e · sem voz. às vezes, uma sereia
A lua, em meu peito perdida, vem cantar.
vê que tudo em mim somos nós. E em seu canto te nomeia.
166 CECILTA MEIRELES J OBRA POÉTICA
VAGA MúSICA 167
Por isso, a ponte se alteia,
e para longe se lança, DESPEDIDA
nessa frágil teia,
- invisível, fina ADEUS,
renda cristalina que é tellljpo de marear!
que a morte balança,
torna a balançar ... Por que procuram pelos olhos meus
rastros de choro,
(Por ela passeia direções de olhar?
meu desejo de te amar.)
Quem fala em praias de cristal e de ouro,
abrindo estrelas nos aléns do mar?
.J
Quem pensa num desembarcadouro?
VISITANTE - f: hora, apenas, de marear.

QUEM DESCE ao adormecimento Quem chama o sol? Mas quem procura o vento?
ql!e me envolve e em que me perco, e âncora? e bússola? e rumo e lugar?
feito um vento abrindo um cerco Quem levanta do esquecimento
de penumbras, num jardim, esses fantasmas de perguntar?
e toca o meu pensamento
com uma lâmina de aurora Lenço de adeuses, já perdi. . . Por onde?
e escreve-me, indo~me emb~ra: - na terra, andando, e só de tanto andar .. .
"Vive! e lembra-te de mim"? ' Não faz mal. Que ninguém responde
b a um lenço movido no ar ...
Quem, do mar do esquecimento
busca_ areias de lembrança, ' Perdi meu lenço e meu passaiporte,
mas tao sem força e esperança - senhas inúteis de ir e chegar.
que outra vez volve ao seu fim
mira seu rosto, um momento ' Quem lembra a fala da ausência
à luz do meu sonho triste, ' num mundo sem correspondência?
compreende que não existe,
e pergunta: "Por que vim?" Viajante da sorte na barca da sorte,
sem vida nem morte. . . •
Adeus,
GAITA DE LATA que é tempo de marear!

SE o AMOR ainda medrasse,


aqui ficava contigo,
pois gosto da tua face, TARDIO CANTO
desse teu riso de fonte,
e do teu olhar antigo CANTA o MEU nome agreste,
de estrela sem horizonte. cheio de espinhos
o nome que me deste,
Como, porém, já não medra, quando andei nos teus caminhos.
cada um com a sorte sua!
Canta esse nome amargo,
(Não nascem lírios de lua hoje perdido,
pelos corações de pedra . .. ) no tempo largo,
sem mais nenhum sentido.
168 CECILIA MEIRELES / OBRA POF:TICA VAGA MOSICA 169
Como esperei teu canto, E tu, de pluma e de véu,
noites e dias! de lábio bem colorido,
Necessitava tanto! de anel e colar brunido,
Tu não podias ...
brilhando no teu chapéu,
Ouço o teu grito ardente, cintilando em teu vestido,
cigarra do deserto! pelo braço ressequido
Mas já não sou mais gente . . . do companheiro morrido!
Não ando mais tão perto .. .

PERGUNTA
CANTIGA DO VÉU FATAL
POR CAUSA do teu ch~éu, SE AMANHÃ perder o meu corpo,
por causa do teu vestido, será possível que ainda venha,
vais matando teu marido. e que ao pé de ti me detenha ·
como um levíssimo sopro?
Quem dirá que por um véu
se arma tamanho alarido E essa minha humilde presença
de ficar homem perdido! te despertará como um grito?
E pensarás no pálido, hirto
Que se levanta um escarcéu, fantasma que ainda em ti pensa?
por esse fino tecido
de alças de silêncio urdido! Ou teu sono será tão doce
que o meu arreipendido espectro,
Por causa do teu chapéu, sofrendo por chegar tão perto,
por causa do teu vestido, volte no vento que o trouxe?
vai morrendo teu marido!
Teu rosto é um jardim, na sombra.
Morre com cara de réu, Teu sonho, flor sob a lua.
pensando em cada pedido Por aquela que foi tua,
que tem de ser atendido. que orvalho em teus olhos tomba?

Com isso, irá ter ao céu.


E tu, de rosto garrido,
haverás véu bem comprido! SERENATA AO MENINO DO HOSPITAL

Esse vai ser o troféu MENINO, não morras,


de tanto ai, tanto gemido, porque a lua cheia
tanto tempo arrependido . vai-se levantando do mar.
São de prata e de ouro
Porque, ·p or esse chapéu, as águas e a areia.
porque, por esse vestido, Não morras agora,
já está morto o teu marido. vem ver o luar!
Só não está num mausoléu : Menino, não morras:
vai por teu braço, transido, na dormente mata,
mal-comido e mal-roupido. uma flor vai desabrochar.
170 CECíLlA MEIRELES ! OBRA ~Ol:TICA VAGA MúSJCA 171
É azul? É roxa? Gastarei meu tempo inteiro
É de ouro? É de prata? nessa brincadeira triste ;
Não morras agora! mas na escola não existe
Vem ver o luar. mais do que pena e tinteiro!
Menino, não morras: E toda a humana docência
verdes vaga-lumes para inventar-se um ofício
correm, num brilhante colar. ou morre sem ,exercício
São de prata e de ouro ou se perde na experiência .. .
todos os perfumes. o
Não morras agora! )
Vem ver o luar.
Menino, não morras : PEQUENA FLOR
ouve a serenata T
que sussurra nas cordas do ar . .. CoMo PEQUENA FLOR que recebeu uma chuva enorme
São cordas de sonho, e se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotas
são de ouro e de prata. na seda frágil, e preservar o perfume que aí dorme,
Não morras agora!
Vem ver o luar. e vê passarem as leves borboletas livremente,
e ouve cantarem os pássaros acordados sem angústia,
Menino, não morras: e o sol claro do dia as claras estátuas beijando sente,
sobre o céu deserto, f

há uma estrela imensa a brilhar. e espera que se desprendá º ' excessivo, úmido orvalho
É de prata e de ouro! pousado, trêmulo, e sabe que talvez o vento 1
Como está tão perto! a libertasse, poném a desprenderia ,do galho,
Não mOiiras agora,
- que a estrela da aurora e nesse temor e esperança aguarda o mistério transida
veio ver teu rosto - assim repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
banhado de luar! há um coração nas lânguidas tardes que envolvem a vida.

ALUNA · MEMÓRIA •
CONSERVO-TE o meu sorriso A José Osório
1para, quando me encontrares,
veres que ainda tenho uns ares MINHA FAMÍLIA anda longe,
de aluna do paraíso .. . com trajos de. circunstância:
uns converteram-se em flores,
Leva sempre a minha imagem outros em pedra, água, líquen; 1
a submissa rebeldia alguns, de tanta distância,
dos que estudam todo o dia nem têm vestígios que indiquem
sem chegar à aprendizagem ... uma cer1a orientação.
- e, de salas interiores, Minha família anda longe,
por altíssimas janelas, - na Terra, na Lua, em Marte -
descobrem coisas mais belas, uns dançando pelos ares,
rindo-se dos professores ... outros perdidos no chão.
172 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSlCA 173

Tão longe, a minha família! MAU SONHO


Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte ... · Sou NABUCODONOSOR
Pelas esquinas do tempo, que sonhou e se esqueceu!
brincam meus irmãos antigos:
ul1s anjos, outros palhaços ... Oh! venha, seja quem for,
Seus vultos de labareda dizer que sonho era o meu!
rompem-se como retratos
feitos em papel de seda. rr Venha! que me morro, por
Vejo lábios, vejo braços, um sonho que se perdeu!
- por um momento persigo-os;
de repente, os mais exatos (Veio o moççi Baltasaç,
perdem sua exatidão. mostrou-me a sua vjsão:
Se falo, nada responde. uma testa de ouro, no ar,
Depois, tudo vira vento, uns pés de barro, nq . chão.
e nem o meu pensamento E ferro - do (calcanhar
pode compreender por onde à altura do coração!) ,,, '
passaram nem onde estão. ,.
Bendito seja o Senhor,
' que o esquecimento, me d!;!u_!
. Minha família anda longe. ?(
Mas eu sei reconhecê-la: Que era mau sonbo, este, meu,
um cílio dentro do oceano, de Nabucodonosor!
.um pulso sobre uma- estrela,
uma ruga num caminho
caída como pulseira, ,
um joelho em cima da espuma, ' .; ,( e
um movimento sozinho RETRATO FALANTE
aparecido na poeira,, ..
Mas tudo vai sem nenhuma
noção de destino humano, NÃo HÁ QUEM NÃO se es-,Pante, ~quando
de humana recordação. mostro o retrato desta sala, . "
que o dia inteiro está •mirando, ' ~~
e à meia-noite em ponto fala.
Minha família anda longe.
Reflete-se em minha vida, Cada um tem sua rarídade: ,
mas não acontece nada: selo, flor; dente de elefante ..,,
por mais que eu esteja lembrada, Uns têm até felicidade! ,
ela se faz de esei_uecida: Eu tenho o retrato falante.
não há comunicação!
Uns são nuvem, outros, lesma .. . Minha vida foi sempre cheia
Vejo as asas, sinto os passos de visitas inesperadas,
de meus anjos e palhaços,
a quem eu me conservo alheia,
numa ambígua trajetória
mas com as horas desperdiçadas.
de que. sou o eSjpelho e a história. '. .
t
Murmuro para mim mesma: Chegam, descrevem aventuras,
"É tudo imaginação!" ' sonhos, mágoas, absurdas cenas. 1
Coisas de hoje, antigas, futuras . . .
Mas sei que tudo é memória ... (A maioria mente, apenas.)
VAGA MúSICA 175
174 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA
Acostumei minhas mãos
E eu fatigada e distraída, a brincarem na água turva:
digo 'sim, digo não - diversas e por que ficarei triste?
re~postas de gente .p erdida
Curva, e sombra, sombra e curva,
no labirinto das conversas. cor e movimento - vãos.
Na existe.
Ouço, esqueço, livro-me - trato
de recompor o meu deserto. Gastei meus olhos mirando vidas
Mas, à meia-noite, o retrato com saudade.
tem um discurso pronto e certo. Minhas mãos .por águas perdidas
Vejo então por que estranho mundo foram pura inutilidade.
andei, ferida e indiferente,
pois tudo fica no sem-fundo
dos seus olhos de eternamente.
IDA E VOLTA EM PORTUGAL
Repete palavras esquivas,
sublinha. pergunta, responde, OLIVAL DE PRATA,
e apresenta, claras e vivas, veludosos pinhos,
as intenções que o mundo esconde. clara madrugada,
dourados caminhos,
Na outra noite me disse: "A morte lembrai-vos da graça
leva a gente. Mas os retratos com qué os meus vizinhos,
são de natureza mais forte, numa cavalgada,
além de serem mais exatos: com frutas e vinhos,
lenços de escarlata,
Quem tiver tentado destruí-los, cestas e burrinhos,
por mais que os reduza a pedaços, foram pela estrada,
encontra os seus olhos tranqüilos assustando os moinhos
mesmo rotos, sobre os seus passos. com suas risadas,
pondo em fuga cabras,
Depois que estejas mor.ta, um dia, ventos, .passarinhos ...
tu, que és só desprezo e ternura,
saberás que ainda te vigia Ai, corno cantavam!
meu olhar, nesta sala escura.
, Ai, coino se riam!
Em cada meia-noite em ponto, Seus corpos roseiras.
direi o que viste e o que ouviste. Seus olhos - diamantes.
Que eu - mais que tu - conheço e aponto
quem e o que te deixou tão triste." Ora vamos ao campo colher amoras
e amores!
A amar, amadores amantes!
CANÇÃO NAS AGUAS Olival de prata,
veludosos pinhos,
ACOSTUMEI minhas mãos pura Vésper clara,
a brincarem na água clara: silentes caminhos,
por que ficarei contente? lembrai-vos da pausa
A onda passa docemente: com que os meus vizinhos
seus desenhos - todos vãos. vieram pela estrada.
Nada pára.
176 CECILlA MEIRELES / OBRA POl!;TJCA VAGA MúSlCA 177

Morria nos moinhos Caia o sono dos teus olhos,


o giro das asas. junto com lágrimas,
Ventos, passarinhos, e a cor que os iluminava,
árvores e cabras, com a chama incauta da tua alegria.
tudo estacionava.
As flores faltavam. Caia o riso da tua boca,
Sobravam espinhos. misturado às palavras que os outros ouviriam.
Ai, como choravam! E o brilho dos teus cabelos se a pague,
Ai, como gemiam! com o pensamento que sempre te aureolou.
Tudo assim!
Seus corpos - granito.
Seus olhos - cisternas. Que até teu coração se desprenda,
- rosa cortada! -
Este é o Cam[JO sem fim de onde não retomam e caia em mim, para sempre.
ternuras!
Entornai-vos, ondas eternas! Que importa ficar no fundo do inferno,
perdido, perdido, perdido,
se teu coração arder comigo
e se acabar com o meu fim?

2
Tuoo VAI e vem.
Sou como todas as coisas: Para as estrelas altíssimas,
e durmo e acordo na tua cabeça, olho da sombra melancolicamente,
com o andar do dia e da noite, enquanto ela dorme,
o abrir e o fechar das portas. pálida e quieta,
toda paralela:
Tudo é monótono, tudo é para ser esquecido. as pálpebras, os braços, os pés.
Quero ficar em ti, único.
Um cílio não lhe estremece.
No tumulto dos acontecimentos, No límpido til da sua narina
pensarás: "Ele, porém, é imóvel". nem se sente o embalo do ar que alimenta o sonho.
"Ele, ele é diferente" - pensarás, no meio das reipetições.
E debaixo de seus olhos estão países
Tudo rodará e cairá, de habitantes fluidos,
pelas vertentes desse teu imaginar, que mudam de rosto e voam!
que sobe sempre. E ela mesma comparece entre eles!
E falam-se, reconhecem-se, entendem-se!
Pois eu quero estar parado e sem nenhuma alteração,
sem te responder nem chamar, sem te dar nem pedir. Tão longe!
Sem relação com as outras coisas. Nem as estrelas chegam a esses lugares instáveis,
de onda e nuvem, por onde as palavras e os fantasmas
Eu, puramente eu. misturam seus olhos, caminhando por dentro de si!
E assim talvez te inquietes.
Talvez fiques mais proxima, Sua sombra, seu rastro,
e indagues, e te comovas, e até mesmo sem querer,
e te esqueças de todo o resto por aí ficam também, perdidos.
e te gastes por mim. Expostos.
178 CECfLIA MEIRELES / OBRA POP:TICA VAGA MúSICA 179
Porventura estarei também algumas vezes Ela bordava, cantando.
nesses vagos aléns E a sua canção dizia
que a esperam, .c hamam e levam? a história que ia ficando
Outros olhos meus a acompanharão, sem que me lembre, por sobre a tapeçaria.
por entre os ares que a abraçam,
que a envolvem, que a bebem? Veio um pássaro da altura
e a sombra pousou no pano,
Oh! porque eu sei que ela é · bebida por um remoto lábio como no mar da ventura
inalcançável, a vela do desengano.
esta que dorme aqui, pálida e paralela, Ela parou de cantar,
esta que jaz, fina e doce, desfez a sombra com a mão,
como um vestido de seda caído. depois, seguiu a bordar
na tela a sua canção.
Se eu gritar s.eu nome,
se bater no seu peito, liso e frágil, Vieram os ventos do oceano,
então, num SU5!piro vagaroso, roubadores de navios,
regressará de onde estava. e desmancharam-lhe o pano,
Levantará as pálpebras, para dizer que chegou. remexendo-lhe nos fios.
E - como quem vem à janela - Ela pôs -as mãos por cima,
para perguntar o que lhe querem. Por quê? tudo compôs outra vez:
a canção pousou na rima,
E eu mirarei com mágoa seus olhos claros, recém-chegados. e o bordado assim se fez.
E alguma coisa estará faltando nela,
que nunca, nunca se há de recuperar. Vieram as nuvens turvá-la.
Recomeçou de cantar.
E, ao longe, sentirei, transtornados, No timbre da sua fala
inconsoláveis como eu, havia um rumor de mar.
tontos de sua solidão, O sol dormia no fundo:
os ares que se afeiçoavam à sua figura, fez-se a voz, ele acordou.
subitamente devolvida ao meu poder. Subiu para o alto do mundo.
E ela, cantando, bordou.

A DONA CONTRARIADA
MODINHA
ELA ESTAVA ali sentada, TuAs PALAVRAS antigas
do lado que faz sol-posto, deixei-as todas, deixei-as,
com a cabeça curvada, junto com as minhas cantigas,
µm véu de sombra no rosto. desenhadas nas areias.
Suas mãos indo e voltando
por sobre a tapeçaria, Tantos sóis e tantas luas
rparavam de vez em quando:. brilharam sobre essas linhas,
e, então, se acabava o dia. das cantigas - que eram tuas
das palavras - que eram minhas!
Seu vestido era de linho,
cor da lua nas areias. O mar, de língua sonora,
Em seus lábios cor de vinho sabe o presente e o passado.
dormia a voz das sereias. Canta o que é meu, vai-se embora:
que o resto é pouco e apagado.
180 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA. MúSICA 181
CANÇÃO A CAMINHO DO CÉU Encosto-me a ti, que és margem
de uma areia de silêncios
FORAM MONTANHAS? foram mares? que acompanha pelo tempo
foram os números ... ? - não sei. verdes rios transparentes:
Por muitas coisas singulares, tua sombra, nos meus braços,
não te encontrei. tua frescura, em meus dentes.
E te esperava, e te chamava, Nasce a lua nos meus olhos,
e entre os caminhos me perdi. passa pela minha vida .. .
Foi nuvem negra? maré brava? - e, tudo que era, resvala
·E era por ti! 1para calmos ocidentes.
Caminhos de ar vão levando
As mãos que trago, as mãos são estas. pura e nua essa que andava
Elas sozinhas te dirão com as roupas mais diferentes.
se vem de mortes ou de festas
meu coração.
Olham pássaros, das nuvens,
Tal como sou, não te convido entre a luz dos mundos finries
a ires !Para onde .eu for. e a das estrelas cadentes.
E o orvalho da sua música
Tudo que tenho é haver sofrido vai recobrindo o meu rosto
pelo meu sonho, alto e perdido, com um tremor que eu conhecia
- e o encantamento arrependido nos meus olhos já levados,
do meu amor. idos, perdidos, ausentes ...

(Leve máscara de pérolas


na minha face não sentes?)
EPIGRAMA
NARCISO, foste caluniado pelos homens,
por teres deixado cair, uma tarde, na água incolor;
a desfeita grinalda vermelha do teu sorriso. SOLEDAD

Narciso, eu sei que não sorrias para o teu vulto, dentro da onda: ANTES QUE o SOL se vá,
sorrias para a onda, apenas, que enlouquecera, e que sonhava - como pássaro perdido,
gerar no ritmo do seu corpo, ermo e indeciso, também te direi adeus,
Soledad.
a estátua de cristal que, sobre a tarde, a ' contemplava,
florindo-a para sempre, com o seu efêmero so~riso . ..
Terra morrendo de fome,
pedras secas, folhas bravas,
ai, quem te pôs esse nome,
ID1LIO Soledad! f
sabia o que são palavras.
CoMo EU preciso de campo,
de folhas, brisas, vertentes, Antes que o sol se vá,
encosto-me a : ti, que és árvore, - como um sonho de agonia,
de onde vão caindo flores cairás dos olhos meus,
soQ-re os meus olhos dormentes. Soledad!
182 CECILIA MEIRELES / OBRA POltTICA VAGA MÚSICA 183

Indiazinha tão sentada Na verdade, o chão tem pedras,


na cinza do chão deserta, mas o tempo vence tudo.
ai, Soledad! Com águas e vento quebra-as
que 1pensas? Não penses nada, em areias de veludo ...
que a vida é toda secreta.
Dia claro,
Como estrela nestas cinzas, vento parado,
antes que o sol se vá, roda, meu carro,
nem depois, não virá Deus, para qualquer lado.
Soledad?
Riquezas comigo levo.
Pois só ele explicaria Impossível encobri-las:
a quem teu destino serve, troquei conversas com o eco
sem mágoa nem alegria, e amei nuvens intranqüilas.
ai, Soledad!
para um coração tão breve ... Dia claro,
de onde e de quando?
Ai, Soledad, Soledad, Roda, meu carro,
ai, rebozo negro, adeus! pois vamos . rodando ...
ai, antes que o sol se vá ...
Soledad, México - 1940.
INTERLÚDIO
As PALAVRAS estão muito ditas
CANÇÃO DO CARREIRO e o mundo muito pensítdo.
Fico ao teu lado.
DIA CLARO,
vento sereno, Não me digas que há futuro
roda, meu carro, nem passado.
que o mundo é pequeno. Deixa o presente - claro muro
sem coisas escritas.
Quem veio para esta vida,
tem de ir sempre de aventura: Deixa o presente. Não fales.
Uf!la vez para a alegria, . Não me exipliques o presente,
tres vezes para a amargura. pois é tudo demasiado.

Dia claro, Em águas de eternamente,


vento marinho, o cometa dos meus males
roda, meu carro, afunda, desarvorado.
que é curto o caminho. Fico ao teu lado.
Riquezas ,levo comigo.
Impossível escondê-las:
beijei meu corpo nos rios, DOMINGO DE FEIRA
dormi coberto de estrelas.
Dia claro, NESSE CAMINHO de Alcobaça,
vento. do monte, nos arredores do Mosteiro,
roda, meu carro eu sei que o mercado da praça
que ' perto o horizonte. dura quase o domingo inteiro.
184 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSJCA 185

Na bojuda louça vidrada, Pela fresca das seis horas,


cada vulto é um desenho novo. as mesas estão floridas .
E há alforjes nos degraus da escada, Pelos canteiros, abóboras.
onde palra, marca11do, o povo. Pelas mesas, mãos unidas .
(Tacos y tortillas.)
Homens vindos de longe, graves
mais que D . Nuno Álvares Pereira, Isto é uma estranha comida,
e mulheres com modos de aves, e não te digo que comas .. .
andam e gritam pela feira. Ouve a canção da voz úmida :
Um perfume agreste se alastra, "Gavilanes y palomas . . . "
de ácido mel. E .figos e uvas (Tacos, tortillas y enchi/adas.)
cintilam em cada canastra, Esta jovem de turbante,
úmidos de orvalhos e chuvas. e o seu noivo, sem casaco,
Moscas investigam o abismo falam-se, riem-se, curvam-se,
das orelhas hirtas dos burros. mastigando um amor e um taco.
Há voTes de um solene heroísmo. (Tacos, tortillas, enchi/adas y tamales.)
E também mui solenes murros. E o cantor dobra a cantlga,
Cada gesto é uma Aljubarrota, com voz de cana rachada,
um Brasil - no braço que alterca. de boa cana romântica,
toda de amor desmanchada ...
(Tacos, tortillas, enchi/adas, tamales y chi/e con carne.)
"Figos, figos de capa rota!
Dez réis o quarteirão! Quem merca?" Canção, pimenta, abacate,
flores, crepúsculo - tudo
Lenço preto amarrado ao queixo, é inútil, ó poema, acaba-te!
uma velha geme, outra berra. Este mundo é surdo-mudo . ..
Em suas duras mãos de seixo, (Tacos, tortillas, enchilàdas, tamales, chile con carne y peanuts.)
tlui o sumo doce da. terra.
Surdo-mudo, sim, senhores,
Meias roxas, verdes, vermelhas que estes noivos casarão,
vão e vêm para cada lado. e, estimem-se, amem-se, adorem-se,
O burro sacode as orelhas. vai ser em vão:
Parece um desenho animado. cada um tem sua moda: ..
Num lugar qualquer desse cromo, - ele irá mascando goma,
uma velha limpa os objetos ela tricotando lã ...
de barro com tal gosto, como Nenhum sabe o que é paloma
se lavasse os seus 1)róprios netos. nem tampouco gavilán . ..
Ai, tacos, tamales y frijoles fritos!
MEXICAN LIST AND TOURISTS Ai, ai, café, peppermint e canções de "El Charro"!
Abóboras sonhando nos canteiros tão bonitos,
A Virgínia e Bessie e tortillas quentes no prato· de barro!
OH! "EL CHARRO" com seus sarapes,
com seus sarapes de listas! Ai, que os turistas, com seus dedos esquisitos
Jardins com ternuras árabes riscam fósforos nos pés, e acendem o cigarro!
para os senhores turistas ...
(Tacos.) "EI Charro", de Austin - 1940.
186 CECíLIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 187

CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO 1 Mas os que choram ·de sala em sala,


mirando espelhos, mirando alforilbras,
choram teus passos e tua fala,
CAMINHO do campo verde, e o seu destino de amar as sombras ...
estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.
PASSAM ANJOS
(Eu ando sozinha 1

no meio do vale. PASSAM ANJOS com espadas de silêncio


Mas a tarde é minha.) por entre nós,
devastando o jardim suspenso
Meus pés vão pisando a .terra que podia ter sido a minha voz.
que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela, Passam anjos por cima de muralhas
tão certa, mas tão perdida! sem dimensão.
Mas por que das estrelas não falas
à triste planície do meu coração?
(Eu ando sozinha
por cima de pedras. )
Passam anjos de8enrolando tempo,
Mas a flor é minha.) tempo sem fim. "'
Tempo de seres tu para sempre
Os meus 1passos no · Cé\minho , e não seres mais nada para mim ~
são como os passos da lua: ·
vou chegando, vais fuginclo, ó anjos de duras espadas frias,
minha alma é a sombra da tua. que fizestes das alegrias
tão raras de desabrochar.?
J
(Eu ando sozinha
por dentro de bosques. ó anjos de frias e~padasduras,
Mas a fonte é minha.) que sal, que sombra e que lonjuras,
sem terra, sem noite e sem mar!
De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte, CAMPOS VERDES
meu peito é puro deserto.
SOBRE o CAMPO verde,
(Eu ando sozinha ondas de prata.
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.) Andava-se, andava-se ...
Sobre o verde camp0,
Li , sempre outras águas.

MADRIGAL DA SOMBRA Sobre o campo verde,


paciente barco.
SOMBRA QUE PASSAS, eu sei que és sombra,
eu sei que és sombra, sombra que falas. J
Erra-se, errava-se ...
Não deixas passo em nenhuma alfombra Sobre o verde campo,
das altas, graves, eternas salas. sempre outro espaço.
188 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSJCA 189

Sobre o campo verde, Não meta fundos de floresta


todas as cartas. nem de arbitrária fantasia ...
Não . . . Neste espaço que ainda resta,
Armava-se, armava-se . .. ponha uma cadeira vazia.
Sobre o verde camipo,
sempre o ás de espadas.
Sobre o campo verde, CONFISSÃO
qualquer palavra.
A Afonso Duarte
Olhava-se, olhava-se ... NA QUERMESSE da miséria,
Ai! sobre o verde campo, fiz tudo o que não devia:
mais nada. se os outros se riam, ficava séria;
se ficavam sérios, me ria.
(Talvez o mundo nascesse certo;
PARA UMA CIGARRA mas depois ficou errado.
Nem longe nem perto > ..,
CIGARRA DE OURO, fpgo que arde, se encontra o culpado!)
queimando, na imensa tarde,
meu nome, sussurrante flor. De tanto querer ' ser boa,
misturei o céu com a terra,
(Estudei amor.) e por uma coisa à-toa
levei meus anjos à guerr'!.
Cigarra de ouro, por que me chamas,
se, quando eu for, Aos mudos de nascimento
bem sei que foges por entre as ramas? fui perguntar minha sorte.,
E dei minha vida, momento a momento,
(Estudei amor.) por coisas da morte. .
Cigarra de ouro, eu nem levanto Pus caleidoscópios de estrelas
meus olhos para teu canto. entre cegos de ambas as vistas.
Geometrias imprevistas, 1
(Estudei amor.) quem se inclinou .para vê-las?
p
(Talvez o mundo nascesse certo;
mas evadiu-se o culpado.
ENCOMENDA Deixo meu coração - aberto,
à porta do céu - fechado.)
DESEJO uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria )

com um vestido de eterna festa. NAUFR_ÁGIO ANTIGO


A Margarete Kuhn
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa. INGLESINHA de olhos tênues,
Deixe esta ruga, que me empresta corpo e vestido desfeitos
um certo ar de sabedoria. em águas solel)es;
190 CECILIA MEIRELES / OBRA PO~TICA
VAGA MúSICA 191
inglesinha do veleiro, E as lágrimas que correram
com tranças de metro e meio extraviaram-se, na rede
embaraçando os peixes.
da espuma crespa.
Medusas róseas nos dedos,
algas pela cabeça, Inglesinha de olhos tênues
azuis e verdes. volteia, volteia
no mar, em silêncio.
Desceu muitos degraus de seda
e atravessou muitas paredes Moluscos fosforescentes
de vidro fresco. cobiçam os arabescos
de suas orelhas.
Embalada em seus cabelos,
navegava frios reinos Peixes de olhos densos
de personagens lentos : bebem suas veias
azuis e violetas.
por paisagens de anêmonas,
caudas negras, Embalada em seus cabelos,
nadadeiras trêmulas. noutros mundos entra,
sempre mais imensos.
Mirava a lua seus dentes,
seus olhos - de oceano cheios, Por entre anêmonas,
seus lábios - hirtos de sede. TI nadadeiras trêmulas,
súbitos espelhos. ·
Muito tempo, muito teITljpo ... v
Medusas róseas nos dedos, A cor dos planetas
pelo peito, estrelas, pinta seu rosto de cera
brancas e vermelhas. e banha seus pensamentos.
Em praias de triste areia, (Porque ela ainda pensa :
o vento, sem o veleiro, algas pelo ventre,
chorava de pena. azuis e verdes,
medusas ,pelos artelhos.
Inglesinha de olhos tênues,
ao longe suspensa E ainda sente.
em líquidas teias!
Sente e pensa e vai serena,
Vestidos sem consistência: embalada em seus c ~ belos.)
medusas róseas no ventre,
algas pelos joelhos, Inglesinha de olhos tênues, .
azuis e verdes. com tranças de metro e meio,
cor de lua nascente.
Landes ermas
vão sofrendo e morrendo Branca ampulheta
porque a perderam. foi vertendo, vertendo
séculos inteiros.
Pelas águas transparentes,
suspiros que foram vê-la Desmanchou~lhe o seio,
ficaram prisioneiros. desfolhou-lhe os dedos
e as madeixas,
192 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 193

medusas, estrelas, Pelo vale mais profundo,


róseas e vermelhas, sozinha, alta noite, andei.
e algas verdes, Dentre as pedras, dentre os lodos,
lírios brancos arranquei.
Fui buscar os lírios todos
e a voz do vento - últimos lírios do mundo!
que na areia pra dar ao filho do rei.
sofrera.
Ouvi tremerem os campos.
E a existência Correndo, aos campos tornei.
e a queixa Entre azulados relampos,
descia do céu à terra
coche sobrenatural,
de quem teve com sete cavalos brancos,
pena, arreios de ouro e veludo,
antigamente. cascos de prata brunida,
campainhas de cristal,
- Luz da noite! Alma da vida!
toda a crina entretecida
EXPLICAÇÃO de turquesa e de coral.
A Alberto de Serpa O suor, na curva dos flancos,
a escuma, no ouro dos freios,
O PENSAMENTO é triste; o amor, insuficiente; eram só de aljôfar miúdo.
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente: Ia a bodas? Ia à guerra?
guardo o resto para mais tarde. Nenhum cocheiro se via.
Tão depressa, aonde iria?
Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece. Sete cavalos, na frente,
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha. cintilando em seus arreios:
A estrela sobe; a estrela desce ... cm cada orelha, uma rosa,
- espero a minha própria vinda. em cada rosa, uma lua,
em cada lua, um diamante
talhado em quarto crescente,
(Navego pela memória talhado em quarto minguante ...
sem margens.
E atrás, no coche de prata,
Algu~ conta a minha história com cortinas de escarlata,
e alguém mata os personagens.) sentado, o filho do rei.
Para avistar-lhe o semblante,
ganhar a mirada sua,
deslumbrada e prcssurosa ,
ROMANCINHO toda. me precipitei.
A Maria Dulce Passaram sobre o meu peito
DISSERAM QUE ELE não vinha: quatro rodas de marfim.
mas assim mesmo o esperei. Não vi o filho do rei ,
Veio o rei, veio a rainha, tão bonito, tão perfeito,
- não veio o filho do rei! que não era para mim ...
MEIRELES. - 7
194 CECÍLIA MEIRELES / OBRA POtTICA VAGA MúSICA . 195

(la a bodas? la à guerra?) ELEGIA


Quatro rodas encarnadas, PERTO DA TUA sepultura,
recentemente pintadas, trazida pelo humilde sonho
correm no mundo sem fim ... que fez a minha desventura,
mal minhas mãos na terra ponho,
Sete cavalos luzentes, logo estranhamente as · retiro.
do mais luzente cetim, Neste limiar de indiferença,
com aljôfar pelos flancos, não posso abrir a tênue rosa
vão atravessando a terra, do mais espiritual suspiro.
mastigando lírios brancos Jazes com a estranha, a muda, a imensa
com seus dentes de rubim . . . · Amada eterna e tenebrosa,
pelas tuas mãos escolhida
para teu convívio absoluto.
Por isso me · retraio, certa
ROSTO PERDIDO de que é pura felicidade
a terra densa que te aperta.
DEIXARAM meu rosto E por entre as pedras serenas
fora do meu corpo. desliza o meu tímido luto,
Meu rosto perdido com uma quieta lágrima, apenas,
num longe lugar! - esse humano, doce atributo.
Encheram séus olhos
orvalhos da noite.
Sua boca transborda de
Chamei-o, chamei-o, REINVENÇÃO
muitas vezes, e ele
- não quis responder? A VIDA só é possível
- não pôde falar? reinventada. · ·
Disse que era tarde,
que me vinha embora. Anda o sol pelas campinas
Oh! o meu rosto não torna a voltar! e passeia a mão dourada ,
pelas águas, pelas folhas ...
Meu rosto descansa Ah! tudo bolhas
- entre dm1s flores? que vêm de fundas p_iscinas
- entre duas ondas? de ilusionismo. . . - mais nada.
- no campo? ou no mar?
Vêm nuvens por cima?
Pássaros ou vento? Mas a vida, a vjda, a vida,
Vêm as setas da Estrela Polar? a vida só é possível
reinventada.
Tão pálido e quieto!
- Está vivo ou está morto? Vem a lua, vem, retira
Flutuá sem peso as algemas dos meus braços.
como a luz sobre o ar. Projeto-me por espaços
Não sabe mais nada cheios da tua Figura.
senão paraísos! Tudo mentira! Mentira
Pensa e beija a paisagem do olhar. da lua, na noite escura.
196 CEC1LIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 197
Não te encontro, não te alcanço .. . LUA ADVERSA
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço TENHO FASES, como a lua.
que além do tempo me leva. Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua .. .
Só - na treva, Perdição da minha vida!
fü:o : recebida e dada. Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
Porque a vida, a vida, a vida, tenho outras de ser sozinha.
a vida só é possível
reinventada. Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
CANÇÃO DO DESERTO
E roda a melancolia
A Enrique Pefía seu interminável fuso!
MINHA TERNURA nas rpedras Não me encontro com ninguém
vegeta. (tenho fases, como a lua .. . )
No dia de alguém ser meu
Caravanas de formigas não é dia de eu ser sua ...
tomam sempre outro caminho. E, quando chega esse dia,
E a areia - cega. o outro desapareceu ...
Noite e dia, noite e dia
- como se estivesse à espera.
CANÇÃO PARA REMAR
O sol consome as cigarras,
A Isabel do Prado
a lua pelas escadas
se quebra.
DOCE PESO
desta sonolência,
Minha ternura? - nas pedras. leve cadência
de amor e desprezo.
Para o último céu perdido,
meu desejo sem auxílio Lua mansa,
se eleva~ pedaço perdido
do anel partido
Mas os passos deste mundo de alguma esperança.
pisam tudo, tudo, tudo ...
Morte certa. Grande estrela
toda desfolhada
Morte por todos os passos . . . na água parada
(Só com. a sola dos sa.patos para recebê-la.
os homens tocam a terra!) • Noite fria,
sem desejo humano.
Minha ternura? - nas pedras. Brisa no oceano
Nas pedras. da melancolia.

L
. .
198 CECíL/A METRELES / OBRA POÉTICA V AG'A MúSJCA 199
Rosto sério De um lado das águas, de ·uri1 lado da morte,
das ondas do mundo . tua sede brilhou nas águas escuras.
Bóiam no fundo E hoje, que barca te socorre?
ramos de mistério. Que deus te abraça? Com que deus lutas?
(Doce peso
desta sonolência ... Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras,
Leve cadência com as minhas perguntas.
de amor e desprezo . .. ) Para quê? Para quê? Rodas tontas,
em campos de areias longas
e de nuvens muitas.
CHORINHO

CttORINHO de clarineta, FANTASMA


de clarincta <le prata,
na úmida noite de lua.
PARA ONDE VAIS, assim calado,
Desce o rio <le água preta. de olhos hirtos, quieto e deitado,
E a perdida serenata as mãos imóveis de cada lado?
na água trêmula flutua.
Tua longa barca · desliza
Palavra desnecessária: por não sei que onda, límpida e lisa,
um leve sopro revela sem leme, sem vela, sem brisa ...
tudo que é medo e ternura.
Pela noite solitária, Passas por mim na órbita imensa
uma criatura apela de uma secreta indiferença,
para outra criatura. que qualquer pergunta dispensa.
Não há nada que submeta
o que Deus nos arrebata Desapareces do lado oposto,
segundo a vontade sua ... e, então, com súbito desgosto,
vejo que o teu rosto é o meu rosto,
Ai, choro de clarineta!
Ai, clarineta de prata! e que vais levando contigo,
Ai, noite úrnida de lua ... pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,

minha voz n'a tua garganta,


MONÓLOGO e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!
PARA ONDE VÃO minhas palavras,
se já não me escutas?
Para onde iriam, quando me escutavas?
E quando me escutaste? - Nunca.
PANORAMA
Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido!
Eu e tu perdemos tudo. EM CIMA, é a lua,
Suplicávamos o infinito. no meio, é a nuv~m,
Só nos deram o mundo. embaixo, é o mar .

..
VAGA MOSICA '.?.01
'.?.00 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA
É assim como entre nós, Figura sem rosto, caminhante do mundo.
Sem asa nenhuma, (Há névoa.)
sem vela nenhuma, Minhas palavras são folhas soltas no ar espesso,
para me salvar. indo e vindo à toa, olhando apenas para si mesmas.
Ao longe, são noites, No peso do ar fatigante, remam as minhas mãos e despedaçam-se.
de perto, são noites, É sempre longe, mais longe. É sempre e cada vez mais longe.
quem se há de chamar? Oh! se existisse um limite!
Já dormiram todos, (Há névoa.)
não acordam outros ...
Água. Vento. Luar. Filtra-se por meus olhos a cinza da noite silenciosa.
Caminha pelo meu sangue com o passo pegajoso da sua vida acre.
O trilho da terra Pousa em meu coração. Descansa. Adere à minha vida guardada . . .
para onde é que leva, (Há névoa.)
luz do meu olhar?
Que abismos aéreos E no entanto, em minha memória, ainda existe uma espécie de
de reinos aéreos [música!
para visitar!
Na beira do mundo, 2
do sono do mundo
me quero livrar. Deve ser o meu rosto, que se reflete por todos os lados.
E em cima - é a lua, E, então, a doçura da noite, com seu plácido nível de aquário
no meio - é a nuvem,. 11 entra em perturbação, e as coisas submersas temem perder-se.
e embaixo - é o mar!
Assustarão por acaso os meus braços? Não - porque embora
[paralelos
e imóveis, e com essa emoção das estátuas quebradas,
DA BELA ADORMECIDA erguem as mãos em flor, pousam os pulsos no meu peito
como sobre um menino morto.
(Tudo mais é tranqüilo assim:
cada recordação acorda suaves ritmos;
e a carne sonha ser pluma, e o sangue flui dormente de felicidade ,
(HÁ NÉVOA.) , misturando ternuras de luar, transparências de água, metamorfoses
Um beijo seria uma borboleta afogada_ em marmore. de terra em aroma .)
Uma voz seria raiz perfurando cegueiras.
As paredes unificaram feitios e cores (Há névoa) . É certo que se desprendem fantasmas: hirtos santos, parentes tristes,
e mesmo as janelas abertas estão fechadas com armmhos homens desconhecidos, mulheres de longe, que esperaram ser amadas,
e as soleiras revestidas de musgos, líquens, pelúcias brancas. e outros ainda, que não são gente - e contemplam segundo a sua
[condição.
E fundiram-se as montanhas (Há névoa), dissolveram-se no ar
[os mortos astros. Mas quem ouve esse deslizar entre muros serenos?
As areias povoaram-se de avestruzes, ursos brancos, beduínos, Quem sente essa respiração mais fina e essa presença mais tênue
imóveis, sentados, esperando. que a impa1pável luz das estrelas?
(Há névoa) Entre água e céu invisíveis, Ah! só .meu rosto, dentro da noite, produz, decerto, espanto imenso.
su~endem-se os navios, desfigurados em ouro difuso. Ele, apenas, de olhos abertos, de êrmo lábio,
E as árvores encanecem, numa inesperada velhice. criança apoiada nas nuvens, erguida em pontas de pés, preparando
Se uma flor ~air, não poderá dizer "Boa noite!" a nenhuma outra, [o salto dos tempos:
porque, de ramo a ramo, erram distâncias invencíveis.
202 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 203
Todos esparariam que perguntasse; mas não pergunta. ai, de náufragos!
(Responder também não responde.)
Então, a noite se faz imensamente triste, e há um desespero sobre
[a vida. Embarcara no primeiro,
dera em altos rochedos,
E não se sente mais o mundo, e a sombra ondula em formas instáveis, dera em mares de gelo,
onda partida com o vento, enlouquecendo e atraindo ... e partira-se ao meio .. ;

Espera-se, talvez, sobre o meu rosto um riso imenso. ai, no meio!


Soltai os pássaros inúmeros,_ agitados e tontos,
dentro de impérios recém-abertos! No segundo me embarcara,
e nem sombra de . prc,tia,
Mas, no romper das asas, falta céu, de repente. e nem corpo e nem alma,
E tudo pára. e nem vida e nem nada ...

ai, nem nada!

ITINERÁRIO Embarcara no terceiro,


e ' que 'vela e que remo!
PRIMEIRO, foram os verdes e 'que cstrelà e· que vento!
e águas e pedras da tarde, e que porto sereno!
e meus sonhos de perder-te
1
e meus sonhos de encontrar-te ... ai, sereno!
Mas depois houve caminhos Meu avô me deu três barcos:
pelas florestas lunares, "um de sonhos ,quebrados, .
e, mortos em meus ouvido,, um de sonhos amargos,
mares brancos de palavras. e o de náufragos, náufragos!

Achei lugares serenos ai, de náufragos! ·


e aromas de fonte extinta.
· Raízes fora do tempo,
com flores vivas ainda.

E eram flores encarnadas, ECO


por cima das folhas verdes.
(Entre. os espinhos de prata, ALTA NOITE, o pobre .animal apareée ·no morro, em silêncio.
só meus sonhos de perder-te ... ) o capim se inclina 'entre os errantes v~ga-h~m~s; .
pequenas asas de perfume saem de coisas mv1s1ve1s:
no chão, branco de lua, ele prega _e despreza as patas, com sombra.
CANÇÃO DOS TRÊS BARCOS
Prega, desprega e pára.
Deve ser água, o que brilha como estrela, na terra plácida.
MEU Avô me deu três barcos: Serão jóias perdidas, que a lua apanha em sua mão?
um de rosas e cravos, Ah!. . . não é isso .. :
111 um de céus estrelados,
um de náufragos. náufragos ... E alta noite, pelo morro em silêncio, desce o pobre animal sozinho.
204 CECfLIA MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 205

Em cima, vai ficando o céu. Tão grande. Claro. Liso. Parece angústia espremida
Ao longe, desponta o mar, depois das areias espessas. de meu negro coração,
As casas fechadas esfriam, esfriam as folhas das árvores. - pelos meus olhos fugida
As pedras estão como muitos mortos: ao lado um do outro, mas e quebrada em minha mão.
[estranhos.
E ele pára, e vira a cabeça. E mira com seus olhos de homem. Mas é rio, mais profundo,
sem nascimento e sem fim,
Não é nada disso, porém ... que, atravessando este mundo,
passou por dentro de mim.
Alta noite, diante do oceano, senta-se o animal, em silêncio.
Balançam-se as ondas negras. As cores do farol se alternam.
Não existe horizonte. A água se acaba em ténue espuma.
Não é isso! Não é isso!
Não é a água perdida, a lua andante, a areia exposta .. . RODA DE JUNHO
E o animal se levanta e ergue a cabeça, e late. . . late .. .
A M. H. Vieira da Silva
E o eco responde.
SENHOR São João,
Sua orelha estremece. Seu coração se derrama na noite. me venha ajudar,
Ah! para aquele lado apressa o passo, cm busca do eco. que as minhas mazelas
eu quero deixar,
e os reinos da terra
perder sem pesar!
IMAGEM
MEU CORAÇÃO tombou na ' vida No fogo do chão,
tal qual uma estrela ferida no fogo do ar,
pela flecha de um caçador. queimei meus pecados
para lhe agradar!
Meu coração, feito de chama,
em lugar de sangue, derrama O seu carneirinho
um longo rio de esplendor. prometo enfeitar
com rosas de prata,
Os caminhos do mundo. agora, jasmins de luar,
ficam semeados de aurora, servir-lhe de joelhos
não sei o que germinarão. bem doce manjar!
Não sei que dias singulares
cobrirão as terras e os mares, Em águas de rio,
nascidos do meu coração. em águas de mar,
Senhor São João,
me venha banhar!

CANTIGUINHA A noite da festa


não deixe passar!
BROTA ESTA lágrima e cai. Não durma, Santinho,
Vem de mim, mas não é minha. no céu nem no altar!
Percebe-se que caminha, Quem está padecendo
:sem que se saiba aonde vai. não pode esperar!
206 CECILIA MEIRELES / OBRA PO~TICA VAGA MúSICA 207

RIMANCE DEUS DANÇA


SEUS CURVOS PÉS em movimento
POR QUE ME DESTES um corpo, eram luas crescentes de ouro
se estava tão descansada, sobre nuvens correndo ao vento.
nisso que é talvez o Todo,
mas parece tanto o Nada? Corno nos jogos malabares,
ele atirava o seu tesouro
Desde então andei perdida, e apanhava-o com as mãos nos ares, ..
pois meu -corpo não bastava, 'U
- meu corpo não me servia Era o seu tesouro de estrelas,
senão para ser escrava ... de planetas, de mundos, de almas ...
Ele atirava-o rindo pelas
De longe vinham guerreiros,
de longe vinh'arn soldados. imensidões sem horizonte:
Eu, com muitos ferimentos tinha todo o espaço nas palmas
e os meus dois braços atados ... é o zodíaco em torno à fronte.

Urna lágrima floria Eu o vi dançando, ardente e mudo,


no meio da sanha brava. a dança cósmica do Encanto.
Era a voz da minha vida Unicamente abismos - tudo
que de longe ,vos chaII\ava.
quanto no seu cenário existe!
Que vale o que valia tanto?
Que chamava e que dizia: Eu o vi dançando, e fiquei triste ...
"Levai-me destas estradas, ~
que ando perdida e sozinha,
com as mãos ,inutilizadas!'
- DESPEDIDA
Deixai-me estar onde quero, - l

no vosso doce regaço, POR MIM, e por vós, e por mais aquilo
com o vosso coração perto que está onde as. outras coisas nunca estão,
do meu, no mesmo compasso, deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: -
quero solidão.
enquanto ándatn as estrelas Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
na curva dos seus bailados,'_,,_ E como o conheces? - me perguntarão.
e ao longe nuvens e ventos - Por não ter palavras, por não ter imagens.
galopam, enamorados,. Nenhum inimigo e nenhum irmão.
e o mar e a térra sombrios Que procuras? Tl!ldo. Que desejas? - Nada.
sofrem no silente ,espaço, Viajo sozinha com o meu coração.
porque os humanos suspiros Não ando perdida, mas desencontrada.
não vêm ao vosso regaço!" Levo o meu rumo na minha mão.

Estas coisas vos dizia. A memória voC!m dar 'minha fronte.


Estas coisas vos rogava. · Voou meu amor, minha imaginação ...
Mas neste corpo prendida Talvez eu morra antes do horizonte.
minha alma continuava ... ' Memória, amor e o resto onde estarão?
208 CECfLTA METRELES / OBRA POt:TICA VAGA MOS!CA 209
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra. Fala-se com os homens, com os santos,
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão! consigo, com Deus. . . E ninguém
Estandarte triste de uma estranha guerra ... ) entende o que se está contando
e a quem ...
Quero solidão.
Mas terra e sol, luas e estrelas
giram de tal maneira bem
TRABALHOS DA TERRA que a alma desanima de queixas.
Amém.
A Gabriela Mistral

LAVRADEIRA de ternuras,
trago o peito atormentado
pelas eternas securas
de tanto campo lavrado. NARRATIVA

Não foi sol por demasia, ANDEI BUSCANDO esse dia


água pouca, nem mau vento; pelos humildes caminhos
foi mesmo da terra fria, onde se escondem as coisas
pobre de acontecimento. que trazem felicidade:
os amuletos dos grilos
Considerando os outonos, e o trevos de quatro folhas ...
mais valera ter dormido, Só achei flor de saudade.
- que, nos sonhos dos meus sonos,
tenho plantado e colhido. O arroio levava o tempo.
Ia meu sonho atrás da água.
Para lavrar minha mágoa, No chão dormiam abertas
deram-me !ande mais rica: minhas duas mãos sem nada.
vem-me aos olhos nuvem de água, Se me chamavam de longe,
logo a ·canção frutifica. se me chamavam de perto,
Meu tempo mal empregado era perdida, a chamada ...
foi canção da vida inteira,
sabida por Deus, o arado Viajei pelas estrelas
e o peito da lavradeira. dentro da .rosa-dos-ventos.
Trouxe prata em meus cabelos,
pólen da noite sombria ...
Mirei no meu coração,
AMÉM vi os outros, vi meu sonho,
encontrei o que queria.
HOJE ACABOU-SE-ME a palavra,
e nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara Já não mais desejo andanças;
também! tenho meu campo sereno,
com aquela felicidade
A profusão do mundo, imensa, que em toda parte buscava.
tem tudo, tudo - e nada tem. O tempo fez-me paciente.
Onde repousar a cabeça? A lua, triste mas doce.
No além? O mar, profunda, erma e brava.
210 CEClLIA MEIRELES / OBRA PO€TICA VAGA MúSICA 211

ALUCINAÇÃO para a fria lua


no quarto crescente ...
PERGUNTEI quem era. E, sobre meus passos,
Mas não respondia. teus olhos abertos,
Sumiam-se as falas. inúteis ·e certos,
Cruzava por muros extintos e vivos,
de sombra e desgosto, e dentro da sua
por salas e salas Jarga claridade
de melancolia. o destino exposto:
nos trigos comidos,
Perguntei : "Quem és?" - na dor inocente,
Mas não respondia. - nos sonhos dormidos,
De nuvens, de espuma, fundos, primitivos,
de espuma, de areia, para eternamente ...
me achava enrolada, E danças dançadas
da cabeça aos pés. dentro de cisternas,
Pelos corredores sobre águas fechadas.
sem luz e sem porta, Vento de veludo
sem porta e sem termo, extinguindo as pern'as
não se via nada. e o rumor de tudo . ..
Mas, sobre as paredes, Dos olhos caía
numa frágil teia, meu esquecimento
dormiam rumores, com o toque do vento.
de suspiro enfermo Falavam. Porém '
por pessoa morta. tão longe, tão brando,
Perguntei quem era. quem era? em que dia?
Mas não respondia. Tudo isso passando
E havia uma espera, para olltros impérios,
como, embaixo da água, sem nada e ni11guém.
no alargar das redes ... Se havia um sorriso,
Suspírei: loucura! quem . é ,que sorria?
E rochas de mágoa Aquilo ·di.stante .
estalavam fendas era o paraíso?
por todos os lados, Espiral de escadas .. .
dentro do meu . peito. Roda de navios .. .
E um pássaro enorme, Hélices cansadas . .. .
fugido de lendas, E um correr de rios·
com os olhos parados, levando consigo ·
levava, levava, noites, madrugadas,
meu sonho sem fala ninhos, flores, crianças,
para a sepultura, homens e mulheres
como, para um leito, estreitadamente ...
um corpo que dorme.
Que suor ardente E as minhas lembranças
de sangue e de lava de novo perdidas,
nos liquens e orvalhos! e o meu sonho antigo
Patas e centelhas outra vez errante,
e rosas vermelhas morto e decomp0sto ...
subindo nos galhos, Perguntei: "Que queres?"
212 CECILIA MEIRELES / OBRA POÉT/ÇA VAGA MúSICA 213

Mas não respondia. Partiu como vinha,


E, pela torrente, leve, · alta, sozinha,
seguia, seguia, giro de andorinha
com todas as vidas, na mão da alvorada.
o esquema do Rosto.
Verônica fria Antiga
de Deus ou de gente? cantiga
da amiga
deixada.
-
A AMIGA DEIXADA

ANTIGA
cantiga A MULHER E O SEU MENINO
da amiga
deixada. A Fernanda de Castro

Musgo da p1scma, MULl-!ER DE PEDRA,


de uma água tão fina, que é do menino
sobre a qual se inclina que houve em teu doce
a lua exilada. · braço divino,
- nesse teu braço
Antiga que ainda está preso',
cantiga plácido e curvo,
da amiga à eterna idéia
chamada. de um vago peso?

Chegara tão perto! "Vento do tempo


Mas tinha, decerto, me estremeceu:
seu rosto encoberto ... ele era pedra
Cantava - mais nada. da minha pedra,
mas nunca soube
Antiga ·· se era bem meu.
cantiga
da amiga Vento do tempo
chegada.
passou por mim:
foi-se o menino,
Pérola caída deixou-me assim.
na praia da vida: Foi sem palavras.
primeiro, perdida Tão pequenino,
e depois - quebrada. que ia falar?
Talvez soubesse
Antiga para onde é que ia .. .
cantiga Eu não conheço
da amiga senão meu peito:
calada. há outro lugar?
214 CECIL!A MEIRELES / OBRA POÉTICA VAGA MúSICA 215

Têm vindo coisas : Agora, tarde. Mas, ontem, cedo.


não sei que são. Sonho : Citera. Rumo : Tessália.
Coisas que cantam, Árvore exausta. Cansado remo.
, coisas que brilham. Clássica luz de maio.
Mas ele, não.
E era tão feito Ah! fuga ~mtiga! Nas águas crespas,
só de ficar oscilam juntos Políbio e Laio.
que, embora longe, Sempre serpentes bebendo estrelas.
sinto-o comigo : E um vento que desmaia.
meu braço é sempre
sua cadeira, Dança Eufrosina por cinzas ténues.
todo o meu corpo E a transparente sombra de Tália
seu espaldar." move na areia seus vãos desenhos.
-- Só nas nuvens Aglaia!
Mulher de pedra,
FIM
que é do menino? DE "VAGA MÚSICA"

"Vento do tempo
quebrou meu s~io ~
para o arrancar.
A mim, deixou-n;ie.
A ele, levou-o.
(Há algum lugar?)

Desde o Princípio, ' ,


comigo vinha.
Meu N ascimentó
nele nasceu.
Foi-se _:_ por onde?
tudo que eu tinha.
·r
Ele. era ,pedra
da minha pedra,
porém é certo
que nunca soube
se era -bém meu .. . "

ORÁCULO
A Carlos Queiroz

QUIETA CORUJA ' do bosque negro,


onde o azul-índigo e o verde-gaio?
Nos teus rios? No monte grego?
Ou na fenícia prai'a?
774 CECILIA MEIRELES / OBRA POtTICA fNDTCE GERAL 775
tino, 121; Quadras, 122; Noturno, 123; Origem 124; Feitiçaria 124· convalescente, 256; Surpresa, 257; Lamento da Mãe Orfã, 257; Trans-
Marcha, 125; Epigrama n. 0 10, 126; Onda, 126; Herança 127'. Ris: formações, 258; Caronte, 259; Madrugada na Aldeia, 259; Leveza
tória, 127; Assovio, 128; Personagem, 129; Estirpe, 130·' Tentativa 260; Futuro, 260; Noturno, 261; Inibição, 261; Bl.asfêmia, 262; Cana:
131; C~ntiga, 131; Epigrama n.º 11, 132; Passeio, 132; C~ntiga , 133; 265; Desenho, 265; 4.º Motivo da Rosa, 266; Obsessão de Diana, 266;
A Meruna Enferm.a, 133; Desenho, 134; Timidez, 135; Taverna, 136; Estátua, 267; Amor-Perfeito, 268; Os Mortos, 269; Pedido, 269; Noite
Pergunta, 136; Ep1gram~ n.o 12, 137; Vento, 138; Miséria, 138; Me- no Rio, 270; Enterro de Isolina, 271; Cantar Saudoso, 271; Mulher
tamorfose, 139; Despedida, 140; Epigrama n.º 13, 140. ao Espelho, 272; Sensitiva, 272; Sobriedade, 273; Simbad, o Poeta,
274; Transeunte, 274; Domingo na Praça, 275; Aparecimento, 276;
VAGA MOSICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto, 276; Guerra, 277; 5.º
Ritmo, 143; Epitáfio da Navegadora, 143, O Rei do Mar, 144; Mar Motivo da Rosa, 278; Inscrição, 278; Viola, 278; Natureza Morta,
em Redor, 144; Pequena Canção da Onda, 145; Canção da Menina 279; Os Homens Gloriosos, 279; Noite, 280; Constância do D@scrto,
Antiga, 145; Regresso, 146; Epigrama, 146; Agosto, 147; Música 147· 281; Cantar Guaiado, 282; Canção, 282; Evidência, 282; Turismo, 283;
Canção Excêntrica, 148 ; Canção qua se Inquieta, 148; Vigília ct'o se'. Trânsito, 284; Miraclara Desposada, 284; Acalanto, 285; Canção, 285;
nhor Morto, 149; Viagem, 150; Epigrama do Espelho Infiel 151 · Mudo-me Breve, 286; Nós e as Sombras, 287; Anjo da Guarda, 287;
Exílio, 151; Canção do Caminho, 152; O Ressuscitante, 153· Recor'. Dia de Chuva, 288; Campo, 289; A Voz do Profeta Exilado, 290;
dação, 154; Inscrição na Areia, 154; Canções do Mundo Acabado Périplo, 290.
154; Canção quase Melancólica, 155 ; A Doce Canção, 156; A Mulhe;
e a Tarde, 157; Canção de Alta Noite, 157; Partida 158· Embalo Os DIAS FELIZES: Os Dias Felizes, 292; O Jardim, 292; O Vento, 293;
da Canção, 158; Em Voz Baixa, 159; Canção Suspir;da, 1'59; Lem- Visita da Chuva, 294; Chuva na Montanha, 295 ; Surdina, 295; Noite,
brança Rural , 160; Descrição, 160; Velho Estilo 161; Velho Estilo 295; Madrugada, 296; As Formigas, 296; A Menina e a Estátua,
162; Canç~o .Mínima, 1.63; A Vizinha Canta, ltS3; Pequena Canção: 297; Tapete, 297; Pardal Travesso, 298; Joguinho na Varanda, 298;
163 ; Ca~çaozmha de Nmar, 164; Embalo, 164; Ponte, 165; Visitante, O Aquário, 299; Edite, 300; Alvura, 301; Jornal, Longe, 301.
166; 9a1ta de Lata, 166; Despedida, 167; Tardio Canto, 167; Cantiga ELEGIA (1933-1937): 1. Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus
do Veu Fatal, 168; Pergunta, 169: Serenata ao Menino do Hospital, olhos, 302; 2. Neste mês, as cigarras cantam, 302; 3. Minha tristeza
169; Aluna, 170; Peqtlena Flor, 171 ~ Memória, 1'71; Mau Sonho, 173; é não poder mostrarcte as nuvens b5ancas, 303; 4. Escuto a chuva
Retrato Falante, 173; Canção nas Aguas 174; Ida e Volta em Por- batendo nas folhas, pingo a pingo, 304; 5. Um jardineiro desconhe-
tugal, 175; Solilóquio no Novo Otelo, 176; A Dona Contrariada 178· cido se ocupará da simetria, 304; 6. Tudo cabe aqui dentro, 305;
Modinha, 179; Canção a Caminho do Céu, l 80; Epigrama, 180; Edílio'. 7. O crepúsculo é este sossego do céu, 306; 8. Hoje! Hoje de sol
180; So/edad, l 81; Canção do Carreiro, 182; Interlúdio 183· Do- e bruma, 307.
mingo de Feira, 183; Mexican List and Tourists, 184; 'canção da
Tarde no Campo, 186; Madrigal da Sombra, 186; Passam Anjos, 187; RETRATO NATURAL ........ .................. ............. 311
Campos Verdes, 187; Para uma Cigarra, 188; Encomenda 188· Con- Canção no Meio do Campo, 313; Ar Livre, 313; Apelo, 314; Can-
fissão, 189; Naufrágio Antigo, 189; Explicação, 192; Roma~cinho
192; Rosto Perdido, 194; Elegia, 195; Reinvenção, 195; Canção do tata Matina'!, 314; Desenho, 315; Melodia para Cravo, 316; Apresen-
Deserto, 1?6; Lua Adversa, 197; Canção para Remar, 197; Chorinho, tação, 316; Canção quase Triste, 317; Cantarão os Galos, 317; Elegia
198; Monologo, 198; Fantasma, J99; Panorama 199· Da Bela Ador- a uma Pequena Borboleta, 318; As Valsas, 319; Vigília, 320; ,Pala-
mecida, 200; ltinerário, 202; Canção dos Três Barco~ 202· Eco 203· vras, , 320; Pequena ~editação, 321; Cantata Vesperal, 322; Tempo
Imagem, 204; Cantiguinha, 204; Roda de Junho, 205'; Ri~ance: 206; Viajado, 323; Balada das Dez Bailarinas do Cassino, 324; O Enorme
Deus Dança! 207; Despedida, 207; Trabalhos da Terra, 208; Amém, Vestíbulo, 325; Serenata, 326; Comentário do Estudante de Desenho,
208; Narrativa, 209; Alucinação 210· A Amiga Deixada 212· A 326; Pranto no Mar, 327; Canção Romântica às Virgens Loucas,
Mulher e o Seu Menino, 213; Orácul~, 214. ' ' 327; Emigrantes, 328 ; Pássaro, 329; Canção, 329; Canção do Amor-
Perfeito, 330; Improviso, 330; Canção, 331; Canção Póstuma, 331; Fui
MAR ABSOLUTO E OUTROS POEMAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 Mirar-me, 332; Canção, 332; Inclina o Perfil, 333; Sorriso, 334; Infân-
MAR ABSOLUTO:. Mar Absoluto, 219; Noturno, 221; Contemplaç5o, cia, 334; Comunicação, 335; Improviso, 335; Dia Submarino, 336; Re-
222; Prazo de Vida, 224; Auto-Retrato, 224; Vigilância, 226; Madru- trato em Luar, 337; Improviso do ' Amor-Perfeito, 337; Canção, 338;
ga~a no Campo, 226; Compromisso, 227; Sugestão, 228; Museu, 229;
Inscrição, 338; Pomba em Broadway, 338; Tranformação do Dançarino,
Minha Sombra, 229; Irrealidade, 230; Romantismo, 231; Pastorzinho 339; Canção, 340; Canção do Amor-Perfeito, 340; Improviso para Nor-
Mexicano, 232; 1.º Motivo da Rosa, 232; Convite Melancólico, 233; man Fraser, 341; O Ramo de Flores do Museu, 341; Os Gatos da Tin-
~eseio de Regres~o, 234; Distância, 234; Este é o Lenço, 235; Can- turaria, 342; Balada de Ouro Preto, 343; Ausência, 344; Improviso, 344;
çao, 237; Caramuio do Mar, 237; Mulher Adormecida, 238; Suspiro, Caminho, 345; Entusiasmo, 345; Paisagem Mexicana, 346; Postal, 347;
238; Pr~lúdio, 239; Lamento da Noiva do Soldado, 239; Instrumento, Desenho, 347; O Afogado, 347; 'Retrato de uma Criança com uma
240; Epigrama, 241; Por Baixo dos Largos Fícus ... , 241; Os Presen- Flor na Mão, 349; Profundidade, 349; Resíduo, 350; Inscrição, 350;
tes dos Mortos, 2~1; 2.º Motivo da Rosa, 242; Suave Morta, 242; Faisão Prateado, 351; Canção, 351; O Rosto, 352; Tempo Celeste,
O Tempo no Jardim, 243; Diana, 243; Beira-Mar, 244; Evelyn, 244; 352; Ãria, 353; O Impassível Marinheiro, 354; O Andrógino, 355;
Xadrez, 245; Doce Cantar, 246; Poema -a Antonio Machado 246· O Principiante, 355; Canção, 356; Declaração de Amor em Tempo
Realização da Vida, 247; Desapego, 247; Baile Vertical 248· Balad~ de Guerra, 357; Se Eu Fosse Apenas ... , 357; Fragilidade, 358;
do Soldado Batis}ª• 248; Vimos a Lua, 249; Cavalgada,' 250;' Retrato Imagem, 358; Recordação, 359; Desenho Leve, 359; O Cavalo Mor-
Obscuro, 251; Passara Azul, 253; 3.º Motivo da Rosa 253· Transi- to, 360; Ramo de Adeuses, 361; A Flor e o Ar, 362; Pastora Des-
ção, 254; Romantismo, 254; Saudade, 255; lnterpret~ção,' 256; O crida, 362; Canção, 363; A Alegria, 364; Os outros, 365; Presença, 366.

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