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DURVAL MUNI%Z ALBUQUERQUE JUNIOR Bree ancora core mparnote. O medagdae mrad he Tea FALAS DE ASTOCIA E DE ANGOSTIA: A SECA NO IMAGINARIO NORDESTINO ~ DE PROBLEMA A SOLUCAO (1877-1922) Dissertacéo apresentada como exi gencia parcial para obtengao do grau de Mestre em Historia do Brasil, a Comissdo Julgadora da Universidade Estadual de Campi nas (UNICAMP), seb a orientacgao go Prof. Dr. Rubert ®. Slenes. CAMPINAS 1968 UNICAMP BIGLIOTECA CENTRAL AGRADECIMENTOS No longo caminho que levou ao término deste traba lho £iz muitos amigos e recebi o auxilio de multas pessoas, a quem queria expressar meus agradecimentos. Inicialmente queria dizer muite obrigado aos meus tios Jobert e Luzia, que tornar;m possivel a este “retirante"da Paraiba, cursar os créditos do Mestrado em Campinas, oferecendo hospedagem e muito carinho durante os dois anos em que estive “exilado no Sul maravilha" Devo muito a todos que me auxiliaram na dificil ta refa de fazer pesquisa histérica neste pais, notadamente sobre 9 Nordeste.Agradego acs funcionérios do Centro de Ciéncias Le tras e Artes de Campinas, do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional, das biblictecas da SUDENE e do DNOCS, do Arquivo do Estado da Paraiba, do Instituto Histérico e Geografico da Paral ba, do NDHIR, da Casa de Rui Barbosa, do CPDOC, do IBGE e do Club de Engenharia que atenciosamente acolheram e orientaram este pesquisador de “primeira viagem", a quem-muito ensinaram. Estes agradecimentos sao extensivos a quem forne eeu abrigo, téo necessério a um pesquisador sem maiores recur S08, como a Prof# Genny da Costa e Silva em Recife e ao casal Cilene e Alberto Figueiredo no Rio de Janeiro, a quem devo um proveitoso carnaval na “cidade maravilhosa". five sorte de contar com muitos amigos em Campi. nas, com os quais tive momentos de muita alegria e que foram fundamentais para o amadurecimento intelectual, do qual este trabalho @ resultado: a turma da “repiblica": tricia Lamounier ,De nise Bottman, Ana Lana, além de Regina, Waldemar, Fernando e Li vramento. Meus colegas de Mestrado tiveram participacdo dire ta na trajetoria que levou a este trabalho através do estimalo @ do alto nivel das discussées que mantivemos ao longo do cur so. A Ana, Sidney, Omar, Carmem, Antonieta, Miriam e principal mente 4 Marcia e ao Paulo, também pertence esta dissertaco, co letivamente forjada na amizade. Contes: também com o apoio e incentive de meus cole gas professores do Curso de Histéria da Universidade Federal da Paraiba, notadamente da professora Josefa Gomes de Almeida e Silva, amiga, £8 e um pouco mie, a quem devo muito do que sou como gente e como historiador. Agradeco ainda aos professores Waldomiro Cavalcanti, Eliete Gurjio, Socorro Xavier e Martha La cia Ribeiro, que me “iniciaram" nos mistérios do officio. Também muito valioso foi o aprendizadc e a convi. véncia com professores como: Peter Einserberg, Maria Sylvia de Carvalho, Déa Fenelon, Amaral Lapa, Hector Bruit, Maria Stella Bresciani, Edgar de Decca, Ademir Gebara, ftalo Tronca e Maria Nazareth Wanderlei. Quero agradecer especialmente ao meu orientador Ro bert Slenes, que foi sempre uma pessoa acessivel, amiga, simpa tica @ competente, sabendo criticar e encorajar ao mesmo tempo, levando a gue ndo desistissimos no meio do caminho. Meus pais, irm&os e amigos mais prdximos também participaram de todas as angistias e astiicias que levaram ao término desta dissertacdo. Minha me sempre disposta a ajudar se transformou em datildgrafa dos rascunhos deste trabalho. sau jo teve a tolerancia necessdria para cohabitar com um mestran do em periodo de redagdo de dissertagdo, tendo quase sempre que driblar pilhas de livros e papéis. Socorro, minha eficiente se cretéria garantiu que as tarefas domésticas ndo atrapalhassem @ consecugdo deste meu objetivo. Marco, mesmo a distancia, também serviu G2 suporte psicolégico para que pudesse terminar esta ca minhada. Contribuiram de forma valiosa para a apresentagao final deste trabalho, profissionais coupetentes © amigos esti mados como: Maria José Gomes ¢ Windson Ramos da Silva que cria ram @ imprimiram a capa do trabalho no Laboratério de Desenho Industrial/UFPb; Alzir Oliveira que revisou e retirou os trope gos Ga "lingua pétria" e Antonio Marcos de Souza que datilogra fou a vers&o final deste. Por fim agradeco ao CNPq e a FUNAPE Grodos que fi nanciaram 0 perfodo de estudos em Campinas ¢ me forneceram ajy da de custo para a conclusdo deste trabalno, respectivamente.Aos funcionarios da UNICAMP que nos dev assisténcia ¢ amizade duran te es dois anos gue alf estive. A Lourdinha, Sandrinha, Edu, Ja nior e Mircia tambem devo parte desta vitéria. RESUKHO Este trabalho tenta explicar o por qué da seca ter se tornado um problema regional ¢ nacional a partir da gran de seca de 1877, quando este fenémeno era secular, Para entender o por qué da problematizacdo da seca neste momento ¢ © seu deslocamento para o centro do discurso re regional como o "problema da regiao", recorremos a uma analise estrutural da sociedade “nortista"neste periodo, buscando uma explicacdo para este fato, a partir da conjuntura que a cercou, Tentamos também perceber a formacde de um discurso em torno do iscurso da seca" fenémeno, o " que a transforma em tema privii legiado e explicacde para todos os problemas enfrentados pela regido, além de servir de pretexto para reivindicagdes 4s mais diversas, desde investimentos na regido até a prépria manuten, cdo das relagées de poder ai presentes, Na constituigdo do discurso da seca vio se inter cruzar varios discursos que se preocupam como tema, desde 0 @iscurso popular até o discurso oligdrquico, passando pelos dig cursos da Tgreja, dos técnicos e da "literatura regionalista" . Todos irdo veicular uma imagem da seca, bem como licar esta a outros temas de interesse de cada grupo ou instituigdo social . Estes vérics discursos sobre a seca ao se conflitarem dardo orl gem a um discurso cutro, o discurso dominante sobre o fendmeno, © "discurso da seca", que nfo & redutivel a nenhum destes em particular. Por fim, procuramos demonstrar as consequéncias pra ticas deste discurso, e como estas, levam a reformulagdes tati cas e estratégicas no préprio discurso. SUMARIO INTRODUGAO... caPiTuLo 1 1.0. A SECA wIROU “PROBLEMA. 2... eee ees 1.1. Por séculos e séculos, amém?.......0...,...., 1-2. Crise econdmica: a estiagem dos lucros......, 1.3. Crise politica: tempestades na estrutura do poder... : a chama das mudancas e 0 calor 1.4. Crise socia dos conflitos.. 0.0... 1.5, Mudancgas no imaginério: um novo clima nas idéias. ee, 1.6. 1877: "o problema do Norte" veio a luz.... 22. CAPTTULO II 2.0. A POESIA po SOL (O discurso popular sobre a seca), 2.1, problemas teéricos © metodolégicos........... 2.2. 0 b{blico segredo: a imagem tradicional ga SOA... ee, 2.3, A grande ciéncia: seca e saber popular.....,. 2.4. 0 tempo do bem: seca e desorganizacdo do mun do tradicional........ PAG. OL 15 1s 25 36. 44 58 65 a4 91 Lol 107 2.5, As grandezas do sert&o: a sublimacéo no dis curso sobre a seca... ...... 2... eee eee 2.6, A sujeicao ao cativeiro: o tema do trabalho ho discurso pépular sobre a seca........... 2.7, A presenga da fera: seca e conflitos 59 C1adS.. eee eee CAPITULO IET 3.0. OS SERMOES NO DESERTO (0 discurso da Igreja so bre a Seca)... cee eect eee cece 3.1. Problemas teéricos e metodolégicos......... 3.2, Praticas perigosas e o exemplo da moralida- de: seca, trabalho e controle social no dis curso da Igreja....... 6... cece eee eee eee 3.3, 0 ministro da vinganga: a imagem da seca no discurso da Igreja........... settee eens CAPITULO Iv 4.0, ATAS DA TERRA SECA (0 Discurso técnico sobre a SECA)... eee eee ele tere eee eee cece eens 4.1. Problemas tedricos e metoldgicos........... 4.2, A paralisia do progresso: a imagem da seca no discurso técnico....-.....-. eee eee ee eee 4.3. Manchas, calmas e aéreas: as causas da seca para os técnicos...... 6. eee eee eee PAG. 120 130 141 153 153 159 170 177 177 184 195 CAPITULO Vv 5.0. 4.4, © combate permanente e sistemético: as solu goes para a seca no discurso técnico....... A PROSA DA REGIAO LUZ (A seca na literatura re Glonalista) ee ieee eee eee eee 5.1. Problemas teéricos e metodoldégicos......... 5.2. 0 vacuo de afeigées: a imagem da seca no discurso literdrio. os seen eens 5.3. A libertinagem das secas: defesa dos valo res sociais no discurso literdrio.......... 5.4. Ter coragem & saber sofrer: estratégias de controle social no discurso literario...... captTuLo vr 6.0. © PARLAMENTAR DOS ESTIOS (0 Discurso oligdrquico sobre a seca)..... 6.1. 6.2. 6.4, Froblemas tedricos e metodolégicos......... © grande mal: a imagem da seca no discurso OLigarquico... eee eee eee cece Do Cear& ao Nordeste: a evolucdo histérica do"espago da seca"........ 2... eee Revolugées meteoroldgicas e combate perma nente: causas e solugdes da seca no discur so oligdrquico....... 2... eee eee eee PAG. 202 218 218 228 238 253 262 262 272 285 300 Um meio inverno: seca e modernizacdo....., As privagées necessarias: seca e trabaiho no discurso das oligarquias.........,..,. As inclinagées perversas: seca e controle social no discurso oligdrquico............ CAPITULO VII 7.0. A SECA DA BONS FRUTOS........ Tele 7.2. 743, 7.4, CONCLUSAO. 06. eee eee cece cece ee BIBLIOGRAFIA......2......., Discurso e pratica................ Fabricaram a “indistria": a modernizagao conservadora.. Organizaram a seca: o reforco do poder lo Disciplinaram 0 homem: as novas estraté gias de controle social...... PAG. 312 324 339 356 356 362 378 394 408 416 10. 1. LISTA DE QUADROS Quadro das secas ocorridas no "Nordeste"..............., Produgéo total, exportagdes e precos do aciicar de Per nambuco (1836-1880)... Trafico interegional de escravos: provincias de origem (em percentagem) e volume do traéfico para Campinas, por anos selecionados.. Estimativa global da migragdo de escravos das provincias do Norte seco para o Sul cafeeiro entre 1873 e 1885..... Maiores bancadas na Assembléia Geral do Império (1826. 1889)... ee Bancadas do "Norte seco" e do"Sul cafeeiro” na Assem bléia Geral do Império (1826-1889), Conflites ocorridos no Norte (1850-1880)..............., Conflitos ocorridos no "Norte seco" (1850-1880).. Demonstragado de todas as despesas feitas com a seca até 03/02/1879)..... Despesas realizadas e despesas estimadas com a seca nas provincias do "Norte seco” entre 1877-1879............., Numero de agudes péblicos construfdos om cada estado do Norte entre 1881 e 1922. PAG, 18 26 32 32 38 38 57 57 76 370 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18, 19. de 1912. Recursos enviados e destinados para a aplicagdo no Combate as secas do Norte (1877- -1922)...., Numero de pocos péblicos e particulares abertos pela Tnspetoria das Secas no Cearé entre 1910 @ 1930...., Nimero de Trodovias construidas no periodo Epitacio Pessoa nos quatro estados de maior ocorréncia da se Namero de acudes construidos, iniciados ou ‘recons truldos no periodo Bpitécio Pessoa nos quatro esta des de maior ocorréncia da seca...,, fees Principals encarregados das obras da Inspetoria das Secas em TID, Namero de obras dirigidas por técnicos da Irocs 9 Por encarredados nos estados do Ceara, Rio ¢. ao Nor te, Paraiba e Pernambuco em WL, Quadro demonstrative dos niicleos coloniais fundados com retirantes na provincia da Paraiba durante a se ca de 1877-79... PAG. 370 372 372 375 375 388 388 400 Para Maria, Durval, Gar los, Solange Marcus e Marco. INTRODUGKO A seca é tema de uma vastissima produgao bibliografi Ca, que engloba desde obras dos que chamamos "historiadores"tra dicionalistas ou "oligérquicos", romancistas, poetas populares, até obras dos que podemos chamar de “historiadores eriticos", marxistas, ete...) Nestas obras, a seca foi pensada ora como um simples fenémeno climdtico, que estava na origem de todos os outros problemas do espaco em que ocorria, ora como um proble ma mais vaste, com implicagdes econémicas, politicas e sociais, ora como simples agravante dos problemas causados por uma estry tura sécio-econémica de exploracdo e de desigualdades sociais (2) profundas '“'. No entanto, em todas estas abordagens a seca foi (1) A vasta Literatura histérica sobre a seca pode ser dividida em tras av wentos discintos: um primeiro onde predominam as obras de autoria de in telectuais ligados as oligarquias nordestinas, quase sempre memdrias,em que se procura dentro de uma visdo positivista, factualista e cronolési ca, arrolar todas as secas passadas, discutir suas causas © solucdes. Num segundo momento predominam obras de matriz tecnicista, cujos auto res sdo quase sempre técnicos ligados ou ndo as oligarquias da regiao © que abordam o problema do gonto de vista estritamente téenico, limitan dovse 4 discussdo das causas do fendmeno e proposta de solucces.Num ter ceiro momento surge um grupo de autores que possuem uma visdo mais glo balizante ou critica acerca do problema, percebendo~o nao apenas como simples fenémeno natural, mas pensando-o como um fendmeno com implica gdes sécio-econdmicas @ que apenas agave distoredes presentes nesta es truture social. (2) Podenos axrolar entre os "historiadores" tradicionais ou oligdrquices , Romes como: Thoma Pompeu Sobrinho (Histéria das Secas ~ século XX) ,Joa quis Alves(iistdria das Secas - séculos XVII e XIX) ,Thedphilo = Phe!ippe Guerra (Seccas contra as Seccas), ete...Entre os técnicos que abordatam @ seca com perspectiva histérica,podenos citar:José Guimaraes Duque (So lo e Agua no Poligeno das Secas), José Augusto Trindade (A Previsdo das Secas no Nordeste) Lopes de Andrade(Introducdo a Sociologia das Secas), ete...Entre os chanados historiadores ou estudiosos “criticos" da seca, podemos identificar:Ttamar de Souza e Jodo Medeiros Filho(Os Degregados Filhos da Seca) Pinto de Aguiar(Nordeste: o drama das secas),LUcia de Fatima Guerra Ferreira(Estrutura de Poder e Secas na Paraiba1877~1922), eters. tomada enquanto problema, sem haver um questionamento acerca do fato. As estiagens teriam sido sempre um problema para a regiao que atinge? Embora sejam unanimes em tomar o ano de 1877 com o nowento a partir do qual a seca passa a interessar aos poderes pit blicos, tornando-se um "problema nacional", tal fato nunca fot questionado ou explicado. A inexisténcia de um questionamento ou da tentativa de explicar este fato levou-nos a perceber que, mesmo coma i. menga bibliografia a respeito da seca, esta nunca havia sido a bordada como um fenémeno natural que, se tinha participacdo his térica era apenas enquanto agravante de problemas econdmicos e sociais, estes sim, abordados pelos historiadores mais criticos como tendo historicidade. Mesmo quando a seca foi pensada como fendmeno natural, deixou-se de se perceber a sua constituigéo simbélica e imaginaria engendrada social e historicamente. Ora, a seca nao existe enquanto pero fendweno natural, mas como um fato histérico e social ¢ por isso possui imagens e significagdes que vdo variar ao longo do tempo e conforme o contexte social em que se insere. E comum na literatura a respeito do fendmeno e nas obras sobre 0 Nordeste, a afirmagio de que "o fendmeno da seca & quase sindnimo de Nordeste"'*) © que “falar em Nordeste € fa (4) lar sem divida, do problema da seca"'"). Estas afirmacdes nos (3) VIANNA, Marly de Almeida Gomes — A Estrutura de Distribuigio de Terras no Municipio de Campina Grande (1840-1905), pag. 24. (4) FROYA, Luciara Silveira de Aragio e - As Secas como Tema Politico-Admi~ nistrativo na Historia de Ceara, pag. 15. fizeram pensar sobre até que ponto o recorte espacial Nordes te, que 6 também historicamente construido, néo teria ligagdes diretas com a transformacaéo da seca em "problema". A insisténcia na afirmagao de que sé em 1877 a seca teria chamado a atengio e se tornado “problema nacional” nos le vou a pensar que foi naquele momento que tal fenémeno climatico se tornou problema; que sé entéo teria sido transformado em pro blema e que os acontecimentos histéricos aaquele momento propor cionariam as pistas para se entender o porqué da problematiza gao em torno deste fendmeno. Partindo do pressuposto de que os marcos histéricos © os fates considerados importantes na “historia oficial". sao criagdes, invengées, que visam esconder as pistas de todo ° conflito, de toda a luta que leva & ocorréncia de um - determL nado fato histérico, e considerando ue em cada momento histori co existem propostas varias acerca de como encaminhar a socie Gade e resolver as questées que séo colocadas pela realida ae'5), elaboranos a hipdtese de que o marco 1877 foi construi do historicamente. Naquele momento existia toda uma realidade histérica complexa, onde se digladiavam diferentes visdes e con viviam diferentes possibilidades, tendo a vencedora procurado apagar entéo todos os rastros daqueia luta. A transformagéo da seca em problema nos apareceu, en tdo, como um processo conflituoso, em que diferentes visées, di ferentes imagindrios se defrontaram surgindo dai uma sintese que foi transformada em dominante, encobrindo a sua origem trau matica e de dissengao. (5) Ver DE DECCA, Edgar Salvatori - 0 Sildneio dos Vencidos, pag. 76. Ovorren, portanto, no final do século XIX, uma mudan Sa na inagem do fenémeno seca. Para compreender tal mudanca pro curamos levar a efeito o estudo,sob perspectiva histérica, das diferentes visées que os agentes sociais do seu espago de 9 corréncia tinham acerca desta. Foi necessrio fazer a andlise dos principais discursos em torno do fendmeno das secas, para poder perceber o momento em que se deu a inflexio para um novo discurso, que transformou a seca em problema regional e nacio nal, © conseguiu transformé-la na principal causa explicativa de todas as demais dificuldades vividas por esta parte do terri tério nacional. Esta andlise de discurso néo foi feita vendo a produgao dos idedrios como meras inversées imaginarias do real © como misticismo das idéias a moverem-se sobre seus pés espi rituals para os homens de carne ¢ 0 osso dominem e explorem os outros também de carne e osso!®). ao vemos aqui as idéias como mero reflexo das estruturas econdémicas e sociais: embora acha wos indispensavel para compreendé-las que levemos em conta tais estruturas, as idéias sdo vistas aqui como produgdes histéricas que estdo ligades 4 realidade social como um todo. Ainda que Giseordando da visde mais ortodoxa que se filia ao marxismo, re corremos a seu método sempre que achamos necess&rio fazer a li gagho entre o imaginério que analisanos ¢ as condigdes econémi, eas, sociais © politicas concretas que Ihe serviram de suporte. Achamos que as manifestagSes discursivas sdo também compreen siveis a partir dos condicionamentos historicos concretos que (6) sta visio,que nasce da leitura muito apressada que se faz da Ideotogia Alend,detendo-se quase senpre na sua prineica parte,sem levar em este a andlise que Marx fez dos discursos filoséficos alenies;ja foi magis tralmente criticada por Marilena Chaui na apresentagdo que faz pa ra a coletanea Ideologia e Mobilizacao Popular. Ver CHUL Marilena ¢ FRANCO,Maria Sylvia de Carvalho - Ldeologia © Mobi~ lizacdo Popular, pags. 9-16. as cercam. No entanto, no ficamos af; foi necessario que fizés semos uma analise interna dos proprios discursos particulares , que percebéssemos as alteragées que se davam ac nivel dos enun ciados e dos conceitos, ¢ como estes discursos embora ligados a uma estrutura social, possuem uma légica interna, constituem um mundo discursivo, onde as lutas, as trocas e os conflitos tan bem estdo presentes. 0 mundo dos discurses se compée de uma mul tiplicidade de elementos discursives, que so utilizados por diferentes agentes sociais, que com eles elaboram seus discur sos tendo sempre em mente alcangar um objetivo,que @ politico , que depende de luta. Por isso, consideramos toda formacio dis cursiva como uma formagdo tatica, como fazendo parte de uma es trategia que permite um dado agente social alcangar um objeti, vol), Os discursos dos diversos agentes e instituicées so ciais da regido de ocorréncia da seca foram analisados por nés, utilizando duas perspectivas metodolégicas: uma que buscava 1 ga-los as condigées histéricas concretas,que os percebia como elaboragSes em torno da realidade econémica, social e politica, aproximando-nos assim da perspectiva marxista; outra que os via como construgées discursivas, que possulam uma historicida de ao nivel do préprio discursive e representavam descolamentos taticos nos enunciados e conceitos que compunham o “mundo dos discursos" ou a epistemé daquele momento histérico neste espa (7) Estas questdes metodolégicas acerca da anilise de discurso, bem como tal visdo teérica sdo encontradas em FOUCAULT, Michel - Histéria da Sexualidade. Vol.I (A Vontade de Saber), pags. 93-97. $0, aproximando-nos de ura andlise arqueolégica aos discursos , tal como pensada por Michel Foucault '8) . Consideramos ambos os métodes insuficientes por si sés. 0 préprio Foucault reconheceu que sua arqueologia nen che gava a ser uma teoria. Ademais, existem varias crfticas atuais de marxistas 4 viséo de ideologia como mero reflexo do real. No entanto, nas suas Gltimas obras Foucault j4 apontava para uma a nalise de discursos que n&o ficava apenas ao nivel dos préprios discursos e que no buscava apenas desvendar a sua arqueologia. Suas analises em torno da ligagac saber-producdo discursiva e poder apontavam cada vez mais para a necessidade de se fazer a ligacao entre a produgéo discursiva e a produgao cotidiana da vida, em todos os seus aspectos. Por essas razées optamos pela tentativa de utilizar as duas perspectivas, mesmo sabendo que sfc opcées metodolégicas aifentes '9), Esta visdo da historia como sendo cotidianamente pro duzida, ¢ dos fatos histéricos como una manifestagio néo sé ma (8) Sobre as andlises arqueoidgicas empreendidas por Foucault, ver MACHA DO, Roberto - Ciéncia e Saber. A Trajetéria da Arqueologia de Fou, cault, notadamente entre as paginas 161 ¢ 185. (9) A diticuldade de articular uma andlise que levasse em conta os aconte- cimentos discursivos e os néo-discursivos, a falta de sistematizacdo de unmétodo que permitisse apreender as relacées entre a orden dos dis cursos a ordem dos acontecimentos econdmicos © scciais foi justamen te © que levou Foucault a considerar que sua "arqueologia" do saber nao constituta uma teoria. Ver FOUCAULT, Michel ~ A Arqueologia do Sa ber, pag. 41. 4 critica de Thompson a esta visio mecanicista de ideologia que foi de senvolvida no interior do marxismo e que se fez presente con mita in tensidade nos trabalhos de autores como Althusser, é um indicative de gue outros caminhos tedrico-metodolégicos devem sex seguidos quando se tratar de fazer "histéria das idéias". Yer THOMPSON, E. P. — A Miséria da Teoria ou um planetdrio de erros (uma critica ao peasamento de Althusser), notadamente os capitulos XIV e XV. material, como espiritual, cultural e imaginaria!?®) nos apro ximou dos trabalhos do historiador inglés E. P. Thompson, que nos fornecey uma opgo tedrico~metodolégica nova no campo do marxiswo, que de certa forma pode se constitwir no ponto de con tato entre esta corrente tedrica e os trabalhos de oucaury(l) A visio de hegemonia néo como um controle total, um discurso onipotente que da conta de responder a todas as ques t6es, ndo como um controle ideolécico que a conta de todas as operagdes cotidianas dos diversos agentes sociais, mas como sim ples demarcagdo de limites de um “campo de forga" dentro do qual @ possivel atuarem: diferentes visdes, ou como chama Thomp (10) A nocdo de “experigacia humana” desenvolvida por Thompaon permite per ceber a histéria concreta dos homens, como produzida cotidianamente © carregando em si ao mesmo tenpo componentes materiais « nio-materiais due Se completam. Estas experiéncias acumiladas dariam origem a dire rentes culturas que podem conviver em uma mesma Spoca, enbora, tal cow vivio seja conflituose, ~ Fer THOMPSON, E.P. - "0 Termo Ausente: Experigneia" in a Miséria da Teoria ou um planetdrio de erros (uma critica ao pensamento do Althus, ser, pags. 180-201. (1D 4 aproximacdo entre Thompson e Foucault tambén se da quando 0 trabalho destes autores chama "a atencdo para ourras momentos da dominagdo bur guesa, possibilitando recuperar as préticas politicas néo-organizadas™ dos diversos grupos sociais que a ela se opdem, notadanente do proleta riado. Os conflitos entre concepcdes culturais diferentes, entre Nox perigneias de vida" antagonicas que perpassam o social, se aproximam da concerso foucauldiana de poder, em que a oposigay a este « 9 seu Proprio exexcicio compdem uma rede que se espalha pelo todo social. se os discursos foucauldianes sdo manifestagirs de saber om ligacio aiveta fone poder, as diferentes culturas de Thompson, permitem pensar en di ferentes saberes, que portanto, originam diferentes discursos, sempre. como estragigia do poder, ou como oposicio tatica, como autiela,contra este. Veja a andlise das prdticas culturais dos anarquistas, feita por Marga reth Rago, em obra recente, que também lanca mio desta perspective me- todolégica de aproximagdo do marxismo expresso por Thompson « a6) wed lises de Foucault. 7 RAGO, Margareth - fo Cabaré ao Lar ( A Utopia da Cidade Disciplinar) . Brasil (1890-1930), son, diferentes cuituras'}*), notadamente nas sociedades pré- capitalistas, se aproxima da viséo foucauldiana do mundo dos @iscursos como “um campo de correlagéio de forgas", onde os dis cursos se movimentam como elementos ou blocos t&ticos, onde nado se deve imaginar a divisao entre discurso admitido ou excluido, mas como um mundo em constante movimento, em que admissées e ex clusées fazem parte destes deslocamentos e, portanto, s4o estra tégicos, ou seja, politicamente definidos !44) | O que tentamos perceber neste trabalho é pois, a ori gem de um novo discurso em torno da seca, que a transformou em “problema do Norte" e 2 colocos como principal arma estratégica na luta dos diferentes agentes sociais desta regido, cada um w sando-a como argumento para a defesa de seus interesses e pon tos de vista, como arma estratégica nos entrechoques das lutas e conflitos sociais. Buscamos inferiy 0 surgimento deste novo discurso em torno da seca tanto pela realidade histérica concreta que o cer. ca, como pelo intercruzamento dos varios discursos sobre o "pro blema" que, ou existiam ou passam a existir na regigo. Tendemos a percebé-lo como sendo elaborado a partir de enunciados e ele mentos discursivos destes varios discursos, com um objetivo es tratégico de conseguir tornar o fendémeno “problema e através destes conseguir beneficios econémicos e politicos, que sao do interesse de cada grupo social deste espaco. (12) Yer THOMPSON, £. P - Lucha de Clases sin Clases? in Tradicion, Revuel ta y Consciencia de Clase, pag. 45. (13) Ver FOUCAULT, Michel - Historia da Sexualidade. Vol, I (A Vontade de Saber), pags. 95-96. Por isso, ao lado do tema da seca, estes discurses vao abordar também as quest6es econémicas, sociais e politicas que mais preocupam cada agente social da regido. A seca vai ser liga de a temas como o do trabalho, da modernizacdo, do controle soci al, etc..., que deixam transparecer pois a preocupagdo que o mo mento histérico colocava para estes homens no seu cotidiano,quer seja como dominadores, quer seja como gominados. Ao lado destas questdes, repetem-se os enunciados —e elementos discursivos que vio sendo extraidos tanta do discurso mais tradicional sobre o fenémeno, como des mais recentes. f, por tanto, esta fuss entre enunciados que visa dar respostas a ques tes concretas e propor estratégias para solucionar problemas que a realidade coloca com os enunciados que sao extraidos de outros discursos © que possuem a finalidade de compor 0 discurso e de oferecer argumentos que embasem as propostas que carrega, que nos parece justificar a op¢ao tedrica-netodolégica feita, de per ccber no crazamento destes dois tipos de enunciados dois tipos de historicidade, que compéem uma sd e que devem ser apreendidas, para melhor andlise dos discursos , para sua melhor compreensdo, © principalmente para entender a histéria da formagdo do "discur s0 da seca", objeto deste trabalho. 9 periodo em que nos detivemos foi 1877-1922. Esta es colha se explica principalmente por ter sido a partir de 1877 que a seca foi transformada em "problema", passando a partir dal, a ser tema de interesse para a produgdo discursiva, princi- palmente dos grupos dominantes. Foi a partir da grande seca de 1877, com toda a conjuntura que a cerca, gue podemos perceber a formagéo de uma nova imagem da seca, veiculada por novos discur sos, que vao .aformando um discurso outro, que chamamos de "ais 10 curso da seca", Acompanhando todo o processo de fornagéo deste aiscurso e as repereussées praticas que dele advieram, podemos - perceber que o governo Epitacio Pessoa, que se encerra em 1922, foi, podemos dizer, 0 momento de gléria deste discurso, pois nesta quadra ele conseguiu obter importantes vitérias no plano nacional, alcancando o 4pice em matéria de &xito, na consecugdo de seus objetivos estratégicos, ou seja, conseguir fazer com que a seca repercutisse nacionalmente e fosse pretexto para um volumoso carreamento de recursos e beneficios outros para a re gido e suas elites dominantes. Dai a escolha desta data como o limite de nossa investigacdo. Este trabalho esta dividido em sete capituios. No pri meiro, buscaremos explicar o porqué da seca ter se tornado um toma privilegiado dos varios discurses dos diversos agentes so ciais e instituigdes da regido, somente a partir da grande seca de 1877, quando era um fendmene que atingia a regido secularmen te; porque sé al ela se tornou “problema” que requeria solugées a nivel nacional. "endo explicade isto, passo a analisar, nos cinco capitulos subsequentes, as diferentes formacées discursi vas, que Se preccuparam com a seca e elaboraram em torno desta um novo imagindrio, ligando-a a outras questées concretas que apareciam com maior preocupaséo ¢ que angustiavam estes agentes sociais. No segundo cap{tulo abordamos o discurse tradicional ou popular, aquele que pre-existia ao momento em que a seca se tornou "problema", mas que também sofrerd modificagdes a partir deste fato. Ele seré a matriz a partir da qual outos discursos foram elaborados, nao deixando, no entanto, de ter a sua parti cularidade, de representar uma visdo alternativa dentro do con li junto destes discursos, No terceiro capitulo, 6 analisado o discurso da Igre ja, instituigdo social de gran@e importancia, e que se destaca- va exatamente por ser uma instituig¢do voltada para realizar um trabalho ideolégico, auxiliando a manutengdo da hegemonia sO cial por parte de uma certa parcela da classe dominante. 0 seu aiscurso, embora também fosse tradicional e 34 existisse antes da problematizagao da seca, sofrera inflexdes também a partir deste momento. Sendo um discurso que exerce influéncia tanto nas concepsdes dos dominados como dos dominantes, 6 essencial sua andlise para a compreensio da influéncia de seu discurse na elaboragdo do "discurso da seca", No quarto capitulo, tratamos do discurso técnico, que € uma producdo discursiva que tem sua origem basicamente como resposta ao "problema" da seca, quando este se constitui. 0 dis curso "cientifico" vai abordar este problema 4 medida que 34 se encontra constituido, buscando acima de tudo compreender suas causas @ oferecer-lhe solucdes. A legitimidade que este discur, 80 possul, numa sociedade que vé a “ci€aeia" como o saber ver dadeiro e Gnico, fez com que ele exercesse uma infludncia muito grande na formagao do"discurso da seca". No quinto capitulo, abordamos a imagem da seca presen te na literatura regionalista, que a partir do final do sécu lo XIX transforma-se num importante veiculo de transmissdo de uma visdo acerca da regiao, bem como do seu "problema" princes, pal, a seca. Essa literatura 4 em grande parte, responsdvel pe la transformacdo da seca em “problema nacionai", a partir da sensibilizacdo da “opiniao piiblica nacional" com as imagens du ras da seca que transmite em suas narrativas. Por isso a imagem 12 da seca na literatura regionalista também foi fundamental para @ constitulcdo do "discurso da seca". No sexto capitulo, analisamos finalmente o discurso eligarquico que néo 6 entendido aqui como discurso dominante,36 pelo Zato de ser o discurso de parcela da classe dominante que detém o controle politico a nivel da regido e detémo dominio econdmico. Vemos eate discurso como um @iscurso particular, que também abordar a seca, @ que se constitui sew ddvida no @iscur s9° que maior nimero de elementos forneceu para a formagio do “discurso dominante da seca". Ele & vista como uma visdo sobre © tendmeno, que expressa o "locus" social ao qual se fala, mas que nao se constitui nunca no discurso negemdnico. pois o dis curso hegem6nico vai ser aquele que incorpora elementos destes varios discurses @ que,dependendo do agente social que fala,vai ter ou néo determinados elementos. 0 “discurso da seca" existe nda como uma concretude, ndo como wn bioco monolitico « acaba Se, mas cono uma disperséio de diferentes elementos, que ac com binan diferentemente, dependendo do agente social que fala e os objetivos que quer alcangar. Ele existe enquanto um certo con junto de enunclados aceites como validos por todos 95 elementos desta sociedade, num determinado nomento histérico. Estes va xios enunciados 6 que compéem am nucleo, ao qual se agregam no vos elementos, dependendo do "locus" social de quem os utiliza © do momento politico que cerca o discurso, o que leva a mudan gas de estratégias ou de asticias. No s Stimo capitulo deste trabalho, coerente com a nossa visdo de discurso como estan@o ligado & realidade é possa: sndo objetivos taticos que visam exatamente atuar na realidade, muda~la, transforma~la, procuramos detectar as consequéncias pra. 13 ticas do "discurso da seca", para cs diversos agentes sociais da regiaéo e para este espaco como um todo. Além disso, tentamos neste capitulo perceber com as consequéncias praéticas do discur se obrigan e levam a reformulagdes no prépric discurso; & medi Ga que sua estratégia é testada na pratica e conforme as respos tas que ai se dio, sdo necessdrias reformulagdes de estraté wias, o que leva por sua vez a mudangas e deslocamentos ene nunciades 3 reelaberaco de conceitos '*4) yisando a manutencdo @a sua eficiéncia. Buscar pois as causas histéricas da origem e formagao do “aiscurso da seca", percebé-1o enquanto historicamente produ Zio e como produto de deslocamentos no interior da economia dos discursos dos diferentes agentes sociais da regido Norte- Nordeste (15) e verlficar suas consequéncias praticas « altera goes que estas acarretam ao nivel do préprio discurse, séo as preocupacdes deste trabalhe. Percebendo as condicSes histéricas que produziram 0 préprio "problema", percorrendo as varias ela boragées discursivas e simbélicas que este"problena" _Provocoa, Procuramos entender cone um conjunto de enunciados foran produ zidos em torno de um fenémenc e como foran aceitos como verda deiros pelos diversos agentes sociais ai presentes, constituin (4) Sobre av prdticas con condicdo de emergineiayde insergde © funcionamen fo dos discurses, bem come ponte de partida para sua reformlagao. Ver: FOUCAULT, Michel - A Arqueologia do Saber, pag. 213. (15) Usaremos durante toda o trabalho a designacéo Norte para a reyido, bem couo de nortista para seus habitantes,ja que este exa o recorte espaci al presente no imagindrio dos diferentes grupos sociais da época.0 re. corte espacial Nordeste sé se estabelece a partir da segunha década do século XX, © € produto exatamente das necessidades politicas colocadas pela marginalizacao desta parte do pafs a partir do final do século X1X,bem como fruto do “discurse da seca", que termina por transformar oMespaco da seca” numa regido particular,um espaco regional distinte.U Sar a designacdo Nordeste antes da década de vinte do nosso século ¢ co meter uma Impreciséo histérica,é utilizar a designacao de um recorte es pacial historicamente constituide pata outro momento histérico,o que = condendvel metodologicanente,num trabalho como este,que visa tecuperar 9 imagindrio social num momento histérics preciso. 14 do-se pois no niicleo de um discurso outro, nfo redutivel a ne nhum em particular, 0 "discurso da seca" e como este foi utili zado por cada agente social na defesa de seus interesses. § pos sivel localizar ainda a qual grupo social este mais beneficiou, mesmo sabendo que deu respostas 4s diferentes angistias dos di ferentes grupos sociais, e que uns tiveram maior astiicia na sua utilizagdo que outros, visto que as diferentes posigSes sociais dos discursantes vao interferir aa sua repercussdo pratica ou na sua eficaci 15 CAPITULO - I 1. A SECA VIROU "PROBLEMA" 1.1. Por Séculos e Séculos, Amém? Pinal do século XIX, ano de 1877. 0 fenémeno da seca assola as provincias do "Norte" do Brasil, a exemplo do que ja ecorrera inimeras vezes em anos e séculos anteriores A vasta literatura que trata deste assunto € undnime em afirmar que esta fot a primeira seca a chamar a atengdo da opinido piblica nacionai'), s6 ai ela teria se tornado "proble ma nacional." © comegado a preocupar os poderes piiblicos, novada mente © Governo Imoerial. A Grande Seca de 1877-79 & pois unani memente considerada um marco na histdria das secas. Mas por que? Seria vor sua intensidade, duracao, extensdo, consequéncias eco ndmicas e sociais, como a dizimagac do gado, a destruicdo das lavouras ¢ mortandade da populagéo? Cada autor tem a sua reapos ta, Achamos, no ontanto, que cimbora todas devam ser levadas em conta, ndo conseguem explicar o poraué da seca de 1877-79 ser diferente das anteriores © ter tigo repercussées em termos poli ticos que outzas ndo haviam provocadc. Levemos inicialmente om conta os sequintes arguments: TD Eneontranos esta aficwacdo nas seguintes obras, entre outras:POMPEU so BRINKO, Thomaz, Histéria das Secas (Século XX) pag. 77; DELLA LAVA, Ral ph, Milagre em Joazeiro pag. 222;ALVES, Joaquim, Hiseéria das Secas (S¢ culos XVLI a XTX) pag. 71; BALDOINO DH ARAUJO, Mexia Mafalda, 0 Poder Politico ¢ a Seca de 1877-79 no Plaui; GUERRA FERREIRA, Licia de Fdeima As Secas: Oligerquias e Cangaco, pag. 52 in Revista Grao n9 4,tdem, Bs tratura do Poder e Secas na Paraiba (1877-1922) pag. 79. ~ 16 1) Embora a seca de 1583 tenha sido a primeira ocor réncla deste fendmeno registrada pela literatura dos colonizado 2 . s!2) aepois que estes entram em contato como sertdo seco pe netrando para o interior a fim de estabelecer fazendas de gado, este fenémeno ja devia ocorrer antes do descobrimento'?), auto res como Josué de Castro!) atribuem ao desequilibrio ecolégico, provocado pele forma predatéria como se deu a exploragdo da na tureza nesta parte do territorio brasileiro, a origem do fenéme no. No entanto, receste pesquisa realizada pelo Departamento de Biologia da Universidade Catélica de Pernambuco, através de es tudos de Geologia e Paleontologia, constatou que o regime anéma je de ploviosidade na Area data de mais de 7.000 anos!>), A luta contra as secas foi um trago marcante da vida das populagées indigenas do norte do Brasil, sendo registradas pelos portuyueses migragdes de grande guantidade de indies do sertdo para o litoral e a luta destes com os conquistadores bran (6) cos pelas 4reas timidas e fontes de aqua do sertdo . (2) "io ano de 1583 howe cho grande seca ¢ esterilidade nesta provincia(cou sa vara ¢ desacostumada, porque 6 terra de continuas chuvas) que os enge nhos d'agua ndo moeram muite tempo, As fazendas de vanavisis © mandioca, muitas se secaram, por onde houve grande fume,principalmente av sertao de Pernambuco, pelo que desceram do sertdo apertadus pela fome socorren~ do-se aos brancos, quatro ou cinco mil tndios" - Ferngo Cardim, Tratado da Terra e da Gente do Brasil. (3) AGUIAR, Pinto de - Nordeste: 0 drama das seeas, pag. 37 (4) CASTRO, Josué de — Geografia da Fome,pdg. 113. (5) Teta pesquisa foi realisada para o Centro Aexoespacial dv Sao José dos Campos vonst2tou que ha cerca de 200,000 anos a area que hoje compde 0 Nordeste estava revestida por uma densa floresta que Fendmenos astrondmi cos, meteorologicos e geokogicos fizeram desaparecer 4 medida que recua— va a floresta anazonica. ~ AGUIAR,Pinto de, Nordeste:0 Drama das Secas pag. 34. {6) Os primeicos colonizadores lusos testemunharam,pot certo,a luta tremenda dentro das selvas,dos Tabajeras,adventicios Literdneos,e dos Kariris,in~ digenas sertanejos,estes dltimos acossados pelos efeitos das secas..." - OLIVETRA DIAS, Joao de Deus, 0 Problema Social das Sécas em Pernambuco pag. 21. l7 A partir desta primeira noticia da seca no século XVI, vegistraram-se oito secas no século XVII, nave ne século XVIII e nove no século XIX, até ser deflagrada a de 1877 (Ver Quadro 1). Sera que nenhuma destas teriam apresentado as mesmas caracteris— ticas da “Grande Catastrofe"? 2) Quanto a intensidade, a seca de 1877 nado se diferen cia das demais, © hi quem a considere até menos intensa,pois hou ve ocorréncia de chuvas esparsas durante os trés anos que durov © fendmeno, Diz José Anérico: "A (seca) de 1877, a mais longa do século XIX, foi realmente exterminadora, por mingua de meios de Socorro: tas ndo deixou de chover em todo o sertdéo, tanto em 1878, como, principalucnte, no ano seguinte."!”) pados meteorolé gicos recoihidos em 1877 e na posterior seca de 1900 demonstra Fat que 08 195,Sim de chuvas que cairam nesta Gitima, representa vam apenas 758 das preciptagdes pluviométricas ocorridas ein 1877, © no entanto, a literatura a respeito da seca nao conside ra a de 1900 como de maior gravidade, nem ela se constituin num nareo. 3) Secas que durassem trés anos, embora fossem raras , JA que 9 comun era duraem de um a dois anos, nao constituiam sé Por esse motivo causa de tanto destaque ou de maior repercussao, visto que secas até com maior duragio ja haviam sido registra fas. Veja-se, por exemplo, a seca que durou seis anos, no século AVIIT, entre 1723 & 28, on a que teve a duragdo de quatro anos , neste mesmo século, de 1790 a 1793. mntre 1844-46 havia sido re gistrada a altima seca de grandes proporcées antes da de 1877-79, (@) ALMETDA, José Américo de - A Parafba © Seus Problenas, pag. 342 138 QUADRO i QUADRO DAS SECAS OCORRIDAS NO "NoRDESTR" DURACAO DAS SECAS ANOS SECOS TOTAL DE SECAS (3% ANOS) 1. Século xvr 1559 . 01 1564 o1 1583 a1 05 1587 OL 1592 o1 2. Século XVIT 1603 o1 1609 o1 1614 OL 1623-24 02 08 1644-45 02 1652 OL 1666 o1 1692 OL 3. Século XVIII 1710-11 02 1721-22 02 1723-28 06 1736-37 02 1744-46 02 09 1756 o1 1777-78 02 1782 o1 1790-93 04 4. Século XIX 1803-04 02 2808-10 03 1834 o1 1817 o1 1824-25 02 1833 01 1844-46 03 ha 1860 OL 1869 o1 1877-79 03 1688-89 02 1898 OL 19 Cont... ANOS SECOS DURAGAO DAS SECAS TOTAL DAS SECAS (EM ANos) 5. Século xx 1900 on 1903-04 02 1915 OL 1919 ol 1931-32 02 1942 o1 12 1951-53 03 1958 01 1966 OL 1970 o1 1976 o1 1979-83 05 PONTE: Os Degradados Pilhos da Seca, itamar de Souza c Jodo Medeiros Filho; A Paraiba ¢ Seus Problenas, José Anérico de Aluida; Séculoa du Secas, Ci leno de Carlis Wistdéria das Seeas (Sécuto XVII a XIX), Joaquin Alves © Wistéria das Secas (Século XX), Thomaz Poupeu Sobrinho. 20 e como esta, havia duxado trés anos. Entdo ndo pode ter sido por sua duracdo que a seca de 1877-79 tornou-se um divisor de Aguas na histéria das secas. (Ver Quadro 1). 4) As chamadas grandes secas ou secas yerais atingiram todas a extensdo total da regido sujeila a este fendmenc. somen te as secas parciais ou os chamados repiquetes, As vezes, se li mitavam a uma varte do territério de “Norte”. Portanto a seca de 1877-79, a exemplo de outras anteriores, como as de 1722-28 , 1791-93, atingiram a mesma extensdo, nfo sendo esta também uma caracteristica que possa diferenciar ou particularizar o fenéne no de 1877-79. Chamamos a atengSo, no entente, para o fato de cia do fenémeno da seca,embora tenha sido que 0 espaco de ocorr © mesmo ao longo dos séculos, sua delimitagdo sera marcado por questées politicas ¢ ideoldgicas que o tornaraé mével, ao sabor. Gas disputas entre as oligarquias da regiao, como a prépria deli mitagao entre Norte e Nordeste, come veremos detalhadamente no 62 Capitulo deste trabalho. Seriam pois as consequdncias econSmicas © sociais da geande seca de 77 que a teriam notabilizado? 5) Ora, no campo econdmico as secas cram responsaveis, principalmente, pela desorganizagao da estrutura produtiva predo minante na reqiao do sertdo, que era marcada pelo bindmic pecud ria - produgdo de subsisténcia. Quando estas ocoxriam,provocavan a dizimagdo dos rebanhos, pela fome, sede ou doencas: oa obriga vam a venda da maior parte do gado para ser abatido antes de morrer, cu ainda a migragdo dos rebanhos para éreas imidas, como serras, margens de rios ou mesmo para os pastos do Piauf. Ao la do da desorganizagdo da pecuaria, havia a destruigo total das 2b lavouras de subsisténcia obrigando a maior parte da populacdo a migrar. Neste aspecto a seca de 1877-79 também nao se dife renciou ou se destacou das demais. As chuvas esparsas que caf ram durante os trés anos evitaram a dizimacdo dos rebanhos. Pa va a pecudria da regido muito mais sérias foram as secas de 1877-78, que puseram fim praticamente a tode o rebanho bovino , destruindo a florescente inda@stria de carne de xarque que se desenvolvia na provincia do Ceara, principalmente na cidade de aracaty.'8) as lavouras de subsisténcia foram destrufdas, ocor rendo com isso a elevagdo dos pregos dos produtos alimenticios; no entanto, isso néo foi um traco apenas da seca de 1877-79. Em 1845, por exemplo, a seca srovacou a elevagao dos pregos do al queire de farinha de 4.000 para 60,000 réis, que custaria en 1878 102.000 réis o alqueire. 6) Das consequéncias suciais da seca, a mais grave era sem diivida a mortandade da populagéo por fome, sede, doen gau ete...além da migragéo em massa para o litoral ou para ou tras provincias. Celso Purtado considera o alta indice de mortalidade registrado em 1877-79 como o motivo desta seca ter chamado a atengao do poder piiblico nacional c esta ter entrado para a his toria das secas como um ponto de inflexdo na forma como o pro blema era visto = tratade tanto pelo poder piblico nacional co no pela propria classe dominante da regiao. Considera este au tor que o surto algodociro registrado na década de sessenta da (8) PRADO JUNIOR, Caio - Histéria Eeanémica do Brasil, pag. 68. 22 gquele século, motivado pela expansdo do mercado externo, devi, do @ guerra da Secessdo Americana, teria provocado um acentua do aumento populacional na regido do sertdo, fruto Ga interig rizagao de parte da populagdo marginalizada vela crescente cri se do setor acucareiro, Esta maior densidade populacional expli caria o alto indice de mortalidade na seca de 77, e com isso suas repercussées. Podemos aceitar este argumento, desde que seja levada em conta apenas a mortalidade em termos absolutos. Embora os dados, tanto para a populagdo como para o niinero de mortos, se ; i 3 < = jam bastante imprecisos'®), tomando-se a provincia do Ceara co mo exemplo, j& que 6 a provincia para a qual se dispSe de mais dados, e as secas de 1825 e 1877, teriamos as sequintes cifras: Bm 1825 9 Ceara possuia uma populagdo aproximada de 215.726 habs segundo Gardner {'°) 4 seca daquele anc teria dizimado cerca de 30.000 vidas, o que equivale a 13,9% da populagio. mm 1877 a mesma provincia passuia uma populagdo aproximada de 886.276 hab.; sequndo Gileno de Carli!) morreram naquela seca 119.000 (9) Bucontramos as seguintes cifras pava a populacdo do Geard no anu de 1877: 750,000 hab., 700,000 hab., 900.000 hal. Chegamos ao cdleule de 886.276 hab. a pertir da populagae constante de censo de 1872, fazendo incidir sobre ela a média anual de nascimentos da populagde, conseguida suberainds a populacdo de 1870 da de 1872 € dividindo o saldo por dois. A popuiacdo de 1870 consta das "InvestigagSes Sobre os Recenseaneatos da Popuiacdo Geral do Tmpério". Joaquim Norberto de Sousa Silva. 1870 ~ 641.850 hab. 1872 - 1870 = 69.836 : 2 = 4.918 hab/ano 1872- T1b.686 bab, de 1872 @ 1877 ~ 5 anos — 5 x 36.918 = 174.590 hab. 1877 - TL1.086 + 174,590 = 886.276 hab. Os dados sobre mortos canbém variavam, encontrei desde 119.000 a 200.000 mortos, par iso aptel por fazer o cdleulo com as duas cifras (LO)GARDNER, George - "Viagens no Brasil", pag, 128 CLIDBE CARLI, Gilens ~ Sécalos de Seca, pig. 53. 23 pessoas, o que equivale a apenas 14,4% da populacdo.Encontramos no entanto, para esta segunda seca dados muito desencontrados , desde esta cifra de Gileno de Carli até uma de 200.000 mor tos'2), © que elevaria este percentual, tomando-se a mesma po pulacdc, para 22,5%, mas até mesmo as estimativas populacionais so bastante divergentes, sendo mais frequente a de 750.000 hab. se levarmos em conta portanto esta populagao e as duas cifras sobre mortes a que nos referimos , teremos pois di ferentes percentagens em relagao @ mortalidade, ou seja, no pri meiro caso (119.000) 15,2% da populagdo e no segunda (200,000) subiria para 26,6% da populacio, jamais chegando no entanto, a dados astrondmicos como de 50% da populagio ou um tergo, como encontramos em alguns autores (13) . (12) Relatério apresentado a Assembléia Legistativa de Ceard ua sessde ordi niria de 1831 pelo Presidente da Provincia Senador Pedro Leao Veloso. (13) Bm Geografia da Fone, Jogué de Castro fornece uma cifra de 500.000 mor tos em relagio a tris provincias (Ceara, Paraiba e Rio Grande do Nor te), dizendo que correspondia a um percentual de 50% da sus populacdo. Ora, como vimos, sO 0 Geard teria em torno de 686.276 hab.; mesmo que a cifra de mortes estivesse correta, 0 que nao acreditamos, a percenta gem da populacdo que teria perecide ndo seria nunca de 50%. Utilizando © mesmo método apresentado ua note 9, calculames a populagio das trés provincias pare 1877, em 1.617.642 hab. Admitindo-se 500.000 mertos , seria de 30,92 @ percentage da populagdo que teria morrido. Usamos para a populagdo das outras provineias dades do censa de 1872 alm de estimativas feitas para os anos de 1869 ou 1870 por Joaguim Nor, berto de Souza Silva em suas "Investigagoes sobre os Recenseamencos da Populagdo Geral de Lmpério". Lovalizamos talvez, o equivoco de Josué de Castro, na verdade talvez te nham perecido 500,000 pessoas em todas as provincias do Norte, ineluinds © Piaui, como encontramus em Maria Mafalda Baldoino de Aradjo, 0 Poder Politico ¢ a Seca de 1877-79 no Piaul pag, 103. Ralph Della Cava, Milagre em Joazeiro, pég. 123, fala no desaparecimen- to de 1/3 da populacdo do Geard, 300,000 hab., enere mortos e migrantes, 2 que elevaria a populacdo para 900,000 hab., cifra que consideramos pou co provavel. 24 © que concluimos 6 que hd uma superestimacao do niime ro de mortos, principalmente no momento da ocorréncia do fend meno, gue tinha fins politicos. Causar impacto, impressionar a opiniao pliblica nacional divulgando cifras astronémicas de mortalida~ de.Isso nfio quer dizer: que ndo consideremos elevada uma mortalida de que pode ter passado de 25% da populagao. 0 que queremos 6 contestar 9 fato deste ser o fator que notabilizou a seca de 1877, pois outras anteriores, pelas referéncias que encontramos, tiveram também elevados indices de mortalidade © no entanto ndo despertaram a atengdo dos poderes piblicos nacional « regional ou mesmo da classe dominante da regido. A seca era um tema muito pouco debatide, mesmo nas As sembléias Provinciais; antes de 1877, sé quando se verificava o fenémeno 6 que surgiwa alqumas vozes, mas apenas para solicita rem o envio de alimentos para as populagdes das regides mais a tingidas. Encontramos dados assustadores, como a morte de 1/3 da populagao de Pernambuco, em 1793, 0 gue estimamos em 86.755 nortos (14) » OY mesmo da morte diaria de 10 a 20 pessoas sé na cidade de Sousa (PB) na seca de 1845, o que daria uma cifra a proximada de 2.400 a 4.808 mortos numa cidade nos oitc meses que teria durado o fenémeno. Embora os dados ndo sejam precisos, julgamos ter, pe io menos, questionado © argumento de Celso Furtado, de que a mortalidade foi o que notabilizou a seca de 1877-79. (14) Esta ficou conheeids como 2 "Seca Crande" © este dado encontra-se em Joaquim Alves, Histotia das Secas (Séculos XVII e XIX) - pag. 61. 25 AS migragdes também ja eram comuns em secas anteriores; a de 1692, uma das primeiras a serem registradas, provocou a mi Graco de algumas familias paraibanas para Sorecaba(se)!?; as se cas do século XVIII acentuaram a migragdo de nordestinos para a vegido das minas; a seca de 1844-45 levou alguns nordestinos a procurarem as plantagées de café do Rio de Janeiro. Veremos, no entanto, que a migragéo de 1877-79 adiquirird conotacdes novas , nao decorrentes do fendmeno clim4tico em si, mas da conjuntura que 0 cercava. Nao séo pois as caracteristicas do fendmeno climatico an si que transformaram a seca de 1877 num marco na histéria das se Ga, que provocaran uma ruptura na forma como era visto este fend meno pela classe dominante regional, pelo poder piblico nacional © outros setores da sociedad. Devemos procurar na conjuntura his torica que a cerca, as explicagdes para esta mudanca na imagem do fenémeno, e de seu deslocamento para o centro das atengdes, assu mindo o status de "o problema" do Norte. 1.2. Crise Bconémica: a estiagem dos lucros A seea de 1877 ocorre quando wa crise de mercado atin gia os dois principais produtos de exportagdo do "Norte", o acucar e 0 algaddo. Tendo uma economia voltada para produtos de exportacdo, © Norte ficava sujeito a crises periGdicas, que ocorriam devido (15) Coriolano Medeiros, citado por José Américo de Almeida, A Paraiba e Seus Problemas, pag. 196. 26 ao declinio dos precgos no mercado internacional. Embora tanto as exportagédes, como o volume de produgdo de aglicar tendam a aumentar, durante todo 0 século XIX, a tendén cla dos precos 4 declinante. (Ver Quadro 2). 0 aumento do volu me de produgdo visa justamente tentar compensar a queda dos pre gos. QUADRO 2 PRODUCAG TOTAL, EXPORTACOES E PREGOS DO ACOCAR DE PERNAMBUCO (1836-1880) anos QUANTIDADE MEDIA ANUAL QUANT. MEDIA ANUAL ane eee (TONELADAS) PRODUSIDAS (TONSLADAS) EXPORT. . DO(XELIM/CWT CIT, LONDRES) 1836-40 26.743 27.844 40/5 Le41-4s 32.357 31.926 36/0 1846-50 49,925 47.832 26/2 1851-55 63.312 56.981 21/10 1856~60 67,339 48.523 26/7 1861-65 57.357 46-741 22/2 1866-70 54.372 63.229 22/5 1873-75 98.231 78.699 23/0 1876-80 216.379 91.882 21/1 NOTA: © quadro apresenta discrepancia de dados, como no caso o acticar exportado entre 1836-0 © 1866-70 que supera o produzido; no encanto, achamos cue ele nos serve para denonstrar n aumento da producda e exporcacdo do acd car ea queda de seus pregos no decorrer do séeulo XIX, FONTES: Peter Kisenberg - Modernizacio sem Mudanga, Quadros 3, 4 © 5, pags. 42, 43 e 44/Relatérios de Prasidentes da Provincia de Pernambuco-1836-188U, B na década de 70, no entanto, que a crise do agticar brasileiro sé acentua, 4 medida que o agicar da beterraba afas, ta-o do mercado europeu, restando-lhe apenas o mercado norte-ame- ricane e o mercado interno, onde ainda estava sujeito a taxagdes para importagao. 27 A queda da taxa cambial, na segunda metade go século XIX, embora reduzisse o impacto da queda de pregos sobre os ex portadores de agicar, por outro lado, dificultava as importagdes € a modernizacdo do setor acucareiro!16) | A modernizagdo se apresentava como uma das medidas ne sessérias para recuperar mercados, pois permitiria a producdo de um agicar de melhor qualidade e de mais baixo custo, tornando-o novamente competitivo no mercado externo, A queda de precos, tanto do acticar quanto do algodao , ressalte-se ainda, deve-se 4 grande depresséo, que afetou a eco nomia mundial de 1675 a 1896'7)_ wete segundo produto, que vi nha de uma fase de euforia e expanséo na década de sessenta, fru te da retirada do algodéo americano do mercado por causa da Guer a da Secessdo, vé seus precos declinarem bruscamente, por causa da recuperagdo da produgdo americana e de sua volta ao mercado , além da tendéncia geral a queda de Precos provocada pela depres 880, atingindo no biénio 76-77 suas mais baixas cifras, (18), Ape sar de ter apresentado sempre pregos mais favordveis que o acd car entre 1831 e 1900, excetuando as décadas de 40 ¢ 5019), (16) ~ Ver EISENBERG, Peter - Modernizagde sem Mudanga, pag. 43. (17) ~ MELO, Bvaldo Gabral de ~ 0 Norte Agrario e 0 Inpério, pig. 14, (18) - NA lavoura, que € na provincia a fonte principal das rendus piblicas e particulares, tem passado por uma verdadcira crise, jd pelas. irra gularidades das chuvas e ja pelo rapido e notdvel depreciamento dos. seus principais produtos de exportucio: 0 algodao e o agucar", (Rela forlo em que o Exm? Sr. Dr. José Paulino de Figueiredo - 19 | Vices Presidente, passau a administracdo da Paraiba ao Exn? Sz. Dr. Eomeri no Gomes Parente, 24 de abril de 1877). (18) ~ Ver CANO, Wilson, - Raises da Concentragéo Industrial en S40 Pavlo, pag. 100. 28 A expansdo da produgao algodoeira no interior do "Nor te", nas zonas do Agreste e do Sertdo,provocou sensiveis altera gSes na economia nortista, 4 medida que incorporou estas areas ao mercado internacional capitalista, vindo a concorrer seriamen te com a produgdo agucareira, avangando sobre Areas antes domi (20) yas provincias @a Paraiba, Ceara e nadas por esta produgao. alo Grande do Norte, a produgdo algodocira se transforma na prin cipal atividade econémica, sobrepujando o setor agucareire. No entanto, justamente por estar incorporada a este mercado, torna @ economia destas zonas também sujeitas a sofrerem os efeitos das crises periédicas do capitalismo internacional. '?1) Estas zonas eram antes dominadas pelo binémic pecud ria-produgéo de subsisténcia, sendo a pecudria uma atividade que tinha uma maior resisténcia a crises econémicas, 4 medida que sua acumulagdéo era "natural" pelo crescimento dos rebanhos, !??) ¢ estava desligada do mercado externo, embora subsidiasse as econo mias de exportagao. A crise da economia nortista, no entanto, néo era mera mente conjuntural, ela tinha nftidos componentes estruturais, co mo a crénica falta de capitais, que enviabilizava investimentos na modernizagéo da produgéo, quer seja agricola, quer industri al. Ne Congresso Agricola realizado em Recife em 1878, este foi um dos temas que mais esteve presente nos discursos e reclamos (20) Ver ANDRADE, Manuel Correia de - A Terra ¢ 0 Homem ne Nordeste,pag. 84. (21) Esta idéie @ desenvolvida por Francisco de Oliveira em Elegia paca uma Re(1i) gide. (22) Conforme CASTRO, Antonio Barros de ~ 7 Ensaios sobre a Economia Brasi jeira, vol. Il, pag. 37. 29 dos representantes das classes dominantes nortistas que dele par ticiparam. 79) _ falta de capital, que tem sua origem nas reduzi das taxas de lucro que auferem produtores de agiicar e algodao, é acentuada pela intermediagde que é feita, tanto no setor da co mercializagdo, como no de financiamento da producdo, pelos comer ciantes usurarios conhecides como “comissdrios". Este crédito tende a ficar mais caro no final do sécu lo XIX, devido 4 elevagdo da taxa de juros, j4 que @ instabilida de de precos dos predutos de exportagdo tornava o empréstimo um empreendimenta de alto risco para o “comissdrio", Estes inclusi ve sdo preferidos pelos produtores porque em caso de dificuldades era muito mais f4cil evitar uma execugio, do que se o emprésti mo fosse feito junto aos bancos. '*4) A descapitalizagdo da regido, além de estar ligada propria dinamica do capitalismo a nivel mundial e da forma como a regido estava inserida nesta sua dindmica, é acentwada por"uma transferéncia Liquida de recursos do Norte para o Sul, sob a for ma de movimentos de fundos governamentais" ja que o “Império as sentou-se num processo de espoliagio que no Norte se apresentou semelhante a uma situagéo colonial de tipo classico, isto 6, de tipo fiseai. '?5) (23) Ver trabathos de Congresso Agricola do Recife, pags. 139, 276, 280,320- 1, 330-2, 34, 396, 346-7, 349, 356, 396, 403, 405. No Rio Grande do Norte, a falta de capitais na agricutcura, Cinaneian~ do a preducdo, era sentida como um dos malores problemas a serem enfren tados pelos que se dedivavam a avividade"(grifo nosso). ‘TAKELA, Denise. Um Outro Nordeste: 0 Algedio na Economia do Rio Grande do Norte (1880- 1915) pag. 100. (24) BINSENBERG, Peter - Modernizacdo sem Mudanca, pag. 91. (25) MELO, Evaldo Cabral de ~ 0 Norte Agrério e o Império, pag. 257. 30 Muito da expansdo do alqoddo, no século XIX,deve-se e xatamente ao cardéter mais “democrdtico" desta cultura, no senti do de exigir um volume de investimentos menor do que a produgdo acucarcira,concentrando-se principalmente na atividade de bene ficiamento, fundamental para a predugdo de uma boa fibra para a exportacdo. A caréncia de capital ndo so retarda e dificulta a mo. dernizacdo da produgdo agucareira, como também a modernizagSo do beneficiamento do algoddo e até mesmo a montagem de uma insipi. ente inddstria téxtil que j4 nasee cbsoleta, produzindo apenas tecides grossos, 5 Outro fator de perturbacdo da atividade econémica era a caréncia de mio-de-obra. Quanto a este aspecto existem posi c6es diferentes dos autores que estudaram a economia —_nortista (27) neste pericdo. Caio Prado Jinior acha que houve uma crise de m4o-Ge-obra no pericdo; ja Peter Eisenberg e Rosa Godoy discor dam desta posicao!?8) - Na verdade, o que tinhamos era uma abun dancia de bracos, mas uma caréncia de mJo-de-obra. Analisemos o porqué desta situagdo: A populacdo escrava vinha declinando desde o cessar do trafico em 1850,sendo a mortalidade o principal fator deste de clinio, secundado, no entante, pela exportagao de escravos para as vrovincias do Sul. Segundo Einsenberg, salam uma média de 760 eseravos por ano da provincia de Pernambuco, entre os anos de 1850 e 1880, sendo que com o contrabando este mimero deveria su (27) PRADO JR; Caio - Histéria Econdmica do Brasil, pdg. 202. (28) BINSERRERG, Peter ~ Nodernizacde sem Mudanga, pag. 201, SELVETRA, Rosa Maria Godoy - 0 Regionalismo Nordestino, pay. 181. 31 bir para 1.000 ou 1.500 escravos'?*), # no entanto, na década de 70, o auge desta migragdo de escravos, seja pela menor capacida de de manutencdo da méo-de-obra numa economia em crise, seja pe la prépria seca que obrigos a muitos proprietarios a se desfaze rem de seu plantel. Esta saida de escravos, que sempre se pensou teria si go mais intensa nas provincias acucareiras foi também muito in tensa nas provincias algodoeiras, notadamente no Ceara (Veja qua dros nos 3 © 4). Estes escravos haviam sido introduzidos na zona do Cariri cearense para produgdo de agilcar ou mesmo nas gran des fazendas produtoras de aigoddo nesta e nas deniais provin eias!29; além de haver sido intrdduzidos eseravos na regido co no reserva de valor, como peedlio'?!). 0 trabalho do professor Slenes demonstra que a venda de escravos foi mais intensa nas provincias algodoeiras do que nes provincias acucareiras entre os anos de 1877 e 1879, por causa da seca e da desorganizagdo conémica que esta provoea; emhora quetramos ressaltar que se po de atribuix isto, também, ac fato de que a lavoura algodocira ha via desde a sua implantacSo encontrado na mio de obra livre, uti lizada em diferentes relagGes de trabalho, uma alternativa a0 trabalho eseravo. (29) BISPNBERG, Peter - Modernizagde sem Mudanca, pag. 174-175. (20) A antiga tese de que ndo teria existido, no interior do Norte-Nordeste, uma grande populacde escrava estd sendo posta por terra a partir de re centes pesquisas. Entre estas destaca-se a da professora Marly de Almei da Gomes Vianna, feita a veapeito do mmicipio de Campina Grande, © que serviu de base para a elaboracdo de sua dissercacdo de Mestrade intitu- Jada: “A Estrutura de Distribuiggo de Terras no Municipio de Campina Grande (1840-1905). (11) ABREU, Capistrano de - Caminhos Antigos ¢ Povoamento do Beasil, pags. 261-2. 32 QUADRO 3 TRAFICO INTERREGIONAL DE ESCRAVOS: PROVINCIAS DE ORIGEM (EM PDRCENTA- CEM) E VOLUME DO TRAFICO PARA CAMPINAS, POR ANOS SELECIONADOS. PROVINCIAS DE PERCENTAGEM DE ESCRAVOS INDICE ANUAL DO VOLUME DE ESCRA- ORIGEM CHEGADOS A CAMPINAS OS CHNGADOS A CAMPINAS 1865/66 1868 1875 1877 1878/79| 1865/66 1868 1875 1877 1878/79 NORTE/NORDES- | TB... 8% 8NeBIS dS TB. Sl 55) 1079 8B PROVINCIAS CUCARETRAS 62 a9 ABE DTE 8B 6 Sl lo 56 58 Pernambuco. . ye 2638COTRCCRSdSSY 2300186 MOO AML. PROVENCIAS b ALCODOMIRAS. 22 «3921S BSR ARB 3563 0D IB 135 Ceara....... 128 lls 4% 8 10s } 150 138 100.200 250 - B18 Oe Sat - 50. log 58-250 | - is 18 48 7 - 50 100 50 50 Ineluem-se ainda, akém de Pernambuco, a Bahia © Sergipe b, Incluem-se ainda, além de Ceard, Paraiba ¢ Rio G, de Norte, o Maranhdo, Alagoas e 0 viaul. NOWA: Voram selecionados dados que interessavam ao nosso trabalho. As tabclas que servi ram de base para a wlaboragdo deste quadro possuem outros dados referentes a ou tras regides. ~ FONTE: Robert Slenes = The Demography and Economics of Brazilian Slavery: 1850-1880/Ta~ belas 4-4 © 4-5, pags. 142 © 194. QUADRO 4 ESPIMATIVA GLOBAL DA MIGRAGAO DE BSCRAVOS DAS PROVINCIAS DO NORTE SECO PA RA QO SUL CAFEEIRO ENTRE 1873 € 1885. PROVINCTAS ESTIMATIVA DO TOTAL DE ESCRAVOS MIGRADOS. NORTE SECO -27.975 Pernambuco. seeeeee = 6.219 Paraiba... seeeeee ~ 6,056 Rio G, do Norte peeeeee ~ 4.076 Ceara... seeee sees ee seeeeee 18.622 SUL _CAPFEIRO +81. 791 eevee +_2,918 seeee $24,461 seveees 423.745 Espirito Santo..... Rio de Janeiro..... Minas Gerais...... : sao Panlo...-.- weet eee +30. 667 HOTArForam selec tonados dados que fam a0 nossa trabalho. A tabela que servi de base para a elaboracde deste quadro possi outros dados ref. a outras provincias, PONTE: Robert W. Stenes-The Demography and Economics of Brazilian Slavery: !850-1880/Fa~ beta A-7, paas. O16 617. 33 A medida que a vopulagdo escrava declinava rapidamente na reqiao, surge a falta de mdo-de-obra, nao pela falta de bra cos, mas pela ndo disponibilidade destes trabalhadores, que pre feriam se ocupar na economia fe subsisténcia. Este tipo de econo mia sempre se expandia toda vez qve a grande produgdo sofria uma crise, 0 trabalhador livre e o liberto preferem ocupar as fran jas dos latifindios,canavieire ou algodoeiro, ou mesmo se esta beiecer am regi6es de pequena produgao, do que se “sujeitar“ ao trabalho na grande lavoura. '??) A falta de méo-de-obra nasce da dificuldade em disci. plinar esta m&o-de-obra livre, hd muito marginalizada dentro da sociedade escravista, acostumada a viver de precarias formas de subsisténcia,ou mesmo da resisténcia dos libertos, que véem no trabalho uma marca da escraviddo. 0 créscimento progressivo do setor de subsisténcia e a consequente crise do setor de exportagao explicam as consequéa cias “catastréficas" da seca de 1877, que ccorre numa Gpoca de fragilidade da estrutura econdmica de regido. Uma economia com deficidncia de capitais nao estava em condigdes de pagar saldrios que servissem de incentivo para esta m&o-de-obra, pelo contr4rio, as baixas taxas de salérios neste peiodo, principailmente na Svea canavieira, incentivam a penetra 80 de parcela da populagdo em demanda da produgdo algodocira,no tadamente na década de sessenta, quando a pujanga desta economia contrasta com o declinio lento da outra, ou mesmo levam-nas a se dedicar a outras atividades. (32) FURTADO, Celso ~ Formagao Beondmica do Brasil, pag. 62. 34 Esta caréncia de méo-de-obra também deve ser relativi zada pela prépria realidade de uma economia em crise © que, por, tanto, reduz o emprego. Este é o motivo da transigdo do trabalho livre no Norte ter se dado sem causar os mesmos traumas que cau sou numa economia em expansso como a do Sul. Ressaltemos;no en tanto, que a venda de seus escravos, por precos também declinan- tes nesta década, significou uma descapitalizacdo a mais, néo sd para os produtores de agiicar e algoddo, como para a prépria re gido. A drenagem de capitais somava-se & de méo-de-cbra, para o Sul, ou mesmo para a Amazdnia, inviabilizando ou, no minimo, es tagnando sua econonia'?9}, Mesmo no Congresso Agricola de 1878, fica — explicita nos préprios discursos de membros da elite nordestina a existén cia abundante de bracos, mas a sua pouca disposicao ao trabalho nas grandes lavouras, Neste Congr s0 chega-se a solicitar criagio de leis que punissem o que eles consideravam a “pregui 1 (34) ca" e a “vagabundagem" QO problema da falta de "modernizagao" no se faz sen tir apenas no setor predutivo, mas era também presente no ambito da infra-estrutura comercial. Tendo uma economia voltada para a produgdo de exportagdo, era sensivel no Norte a falta de melho ves portos para escoar a produgdo bem como de estradas de ferro (33) A visdo da economia uordestina como una economia estagnada encoatra-se em autores como: EISENBERG, Peter, Modernizagdo sem Mudanga; CANO, Wil son, Raizes da Concentracao tadustrial em Sao Paulo © FURTADO, Celso,Por macau Beondmica do Brasil. ~ (34) ",..oma lei que obrigasse a torem uma residineia fixa e profissdo hones "empregando a multidio considerével de nacionais desocupados..." — ia apresentada pelo Sr. Joao Fernandes Lopes uo Congresso Agricola de Recife, 1878). 35 ou de redagen que permitissem uma circulacao mais rapida das mercadorias © barateassen 08 fretes o que incidiria sobre 0 preco dos seus produtos tornando-os mais aptos a concorrerem no merca do externo. A falta de estradas de ferro ou de redagem, principal mente, que penetrassem para o interior se faz sentir, com maior intensidade, 4 medida que a economia algodoeira se desenvolve e tem que escoar sua produgio para o exterior, obrigande-se a fa 2é-lo em sua maior parte em lombos de animais. Mesmo oS prec&rios meios de comunicagéo: telégrafo correio, estavam completamente atrasados em relagéo a uma econo mia que passara por mais um surto de progresso na década de ses senta e que, mesmo em crise, continuava caminhando para uma maior inteqragao no mercado externo e interno!?>) Portanto, a expansdo do setor de subsisténcia e a ori. se das atividades de exportagdo, como declinio dos precos do aciicar e do algoddo durante toda a década de setenta, somada a toda fragilidade estrutural da economia nortista neste momento , @ para nés um dos elementos que explicam o grande impacto que a seca de 77 teve sebre o conjunto regional. A estiagem de lucros, a classe dominante vé s. , que aprofunda a desorgand zagdo deste espago econdmico, ¢ agrava alguns problemas como 9 da migragso da mao-de-obra livre ou da venda da mdo-ae-obra 3 crava. O setor de subsisténcia que neste momento ocupa a maior parte da populagdo, 6 extremamente vulneravel 4 acdo da se ca, © por isso,com sua destruigéo, a seca de 1877 assumiu propor gées inesperadas. (45) SYLVEIRA, Rosa Maria Codoy - 0 Regionalism Nordestino, pag. 96. 36 1.3. Crise politica: tempestades na estrutura do poder Transformacgdes politicas importantes estavam ocorren do, no plano nacional e regional, quando adveio a seca de 1877 79, Estas provocavam a paulatina perda de import@ncia politica da classe dominante nortista, no plano nacional, e um rearranjo da propria hierarquia de poder entce parcelas desta classe domi, nante no interior da regido. © declinio politico ae Norte & um processo que tem suas raizes na progressiva diferenciagdo econdmica que se estabe jece entre Norte e Sul ao longo do século XIX. 0 descavolvimento econémico do Sul cafeeiro fortalece a classe dominante desta re gido, além de criar novos grupos politicos, como comerciantes,in austriais, ete. Por outro lado, 0 Norte sofre uma crise econdai, ca que enfraquece sua classe dominante, notadamente © grupo agu careiro, de grande importancia politica em termos nacionais. Assiste-se, pols, a uma progressiva centralizagdo do poder, que tende a freiar as aspiragGes politico-econdmicas de algunas provincias, notadamente as do worte!?®), Esta centrali aagdo, em grande parte financiada velo capital estrangeiro(37)ys sava manter a unidade politica e territorial do Império, que es tivera ameagada no infeio do sécule XIX por revoltas de cunho descentralizadoras ¢ até separatistas, ao mesmo tempo que forne (36) Meswo So Paulo, provincia que vivia um periodo dureo de desenvolvimento, via com maus olhes a centralizacdo imperial, que com o passar do tempo Ike parece uma carge imitil a suscentar © flnanciar. Ver Gudiel Pertuci + A Reptblica gas Usinas, pag. 25. (37) ""...40 governo imperial,o capital estrangeiro proporcionava os recursos Financeires ¢ ceonolégicos com que afirmar,de maneira pratica a polftica de centralizacéo seguide desde os anos 40..." Evaldo Cabral de Melo ~ 0 Norte Agrrie e o Império, pag. 194. 37 cia condigées para que o Estado imperial cumprisse seu papel de agente da modernizacio do aparelho econdmico, fornecendo garan tias e criando mecanismes de aplicacdo do capital estrangeiro no pais. Qcorre, no entanto, que a politica ecendmica do Esta do imperial tenderé a beneficiar a regido dindmica da economia do pais, onde estéo os grupos que progressivamente assumem o seu controle. Alguns autores tém contestado este declinio politico G8) isando como argumento a composigio da dos arupos nortistas Assembléia Geral do Império, que teria bancadas nortistas de grande importancia, como a baiana e a pernambucana (Veja Quadros n?s 5 e 6). Achamos precdrio este argumento, pois, mesmo em ter hos quantitativos, se somarmes ag outras grandes bancadas —néo nortistas como as de Minas, So Paulo e Rio de Janeiro, veremos que totalizam um maior nimero do que estas bancadas de Norte.Res salte-se, no entanto, que exigir destas bancadas no século XIX um comportamento, em termos regionais, coerente com divisdes sé posteriormente estabelecidas 6 incorrer em anacronismo. Pensar, por exemplo, a bancada baiana como identificada com interesses regionais em termos de Norte, & querer transferir para 9 século XIX uma identificacdo regional sé adquirida ao lonyo do século XX. A perda de espago politico em termos nacionais coloca com mais forga o problema da preservagio do seu controle politi co no interior da prépria regigo. a busea de centralizagdo de po 8) Ver por exemplo SILVEIRA, Rosa Maria Godoy - 0 Regionalismo Nordestino & VIANNA, Marly de Almeida Gomes - A Estrutura de Distribuicds de Terras no Municipio de Campina Grande (1840-1905) . QUADRO 5 MAIORES BANCADAS NA ASSEMBLEIA GERAL DO IMPERIO (1826-1889) 38 REGIAO/ Ne DE DEPUTADOS TOYAL POR % DO TOTAL PROVINCIAS NO PERTODO REGIAO GROGRAFICA (2.563. DEEUT. NORTE - 786 30,58 Bahia 306 11,98 Pernambuco 294 11,48 Ceara 186 7,28 SUL - 914 35,58 Minas Gerais 460 17,98 Rio de Janeiro 248 9,68 Sao Paulo 206 8,08 FONTE: Dados extraides de SILVEIRA, Rosa Maria Godoy - 0 Regionalismo Nordest ino Quadro 4, pag. 141. QUADRO, 6 BANCADAS DO "NORTE SECO" 5 DO “SUL CAFERIRO" NA ASSEMBLEIA GERAL IMPERIO (1826-1689) a REGIOES (com provincias discriminadas) ‘TOTAL “NORTE SECO" Ceara Rio G. do Norte Paraiba Pernambuco “SUL CAFEEIRO" Minas Gerais Espirito Santo Rio de Janeiro sao Paulo TOTAL DE & DO DRPUPADOS (2.563 DEPUTADOS) (631) 24,03 186 728 38 1,48 113 4,08 294 11,48 (947) 36, 7% 460 17,98 33 1,28 248 9,68 206 8,08 NOTA: Neste perfodo a6 eram consideradas provincias sujeitas as secas periddicas as quatro provineias arroladas acima. Hmbora nem todos os deputados representassem os interesses dos cafeicultures a tabela foi elaborada para denonstrar a forga das provincias cafeicuttoras em relacdo aquelas consideradas como sujeitas as secas. FONTE: Dados extraidos de SILVEIRA, Rosa Maria Godoy - 0 Regionalismo Nordestino Quadro 4, pag. Lar. 39 ser a nivel de provincia 4 uma xesposta 4 centralizagio no pla 19), gestando-se assim as chamadas oligarguias, wi no naciona cleos dirigentes compostos de fragSes da classe dominante, que aglutinam os varios grupos que controlam o poder a nivel municd, pal ou loca !49) A crise econ6mica da década de 70, ao mesmo tempo que acentua a dependéncia da classe dominante nortista em relagdo a possIveis benesses do Estado, ceria um clima de descontentamen- to om relacdo a este mesmo Hstado, A medida que a politica fis cal, financeira © cambial empreendida pelo império genaliza ain @a mais a j4 combalida economia nortista. O imposto de exporta — cdo tenderd a se tornar cada vez mais escorchante com a crise vi vida pela economia agre-exportadora nortista. A politica de cen trallzacéo dos recursos e do retorne destes através de investi mentos, beneficiam quase sempre prioritariamente o sul. Na rotia da centralizagdéo, outros golpes sée desferidos no poder das oligarquias nortistas; em 1873 acaba-se com a conve cacao permanente da Guarda Nacional, golpe no poder dos core néis que ndo podiam mais convocd-la!4!), 2 politica de reeruta — mento militar que penalizava com maior vigor as provincias do Norte, desfazendo-as de sua mdo-de-obra, cria uma nitida antmosi dade da classe dominante nortista ew relagde ao Estado imperial, embora muitas vezes esta posigdo se aliasse a outra de permanen— GO) “Oligarquias—nicleos dirigentes compostos de fragdes da classe dominan- te que se constituem, concomitanteneate ao process de reorganizacko do vepago.Nesse sentido as oligarquias nordestinas(sic) emergem, no bojo do wovimento de reestrecuragio das regidcs acucareira e agro—pastoril,a pat tir da segunda metade do século XIX" - Kliete de Queiras Curjdo Silva — 9 Poder Oligdrquice na Paratba: Descontinuidade © Receiagdo,pag. 1é(nota ». (41) A lei 2,595 de 1874,estabeleeia que a Guarda Necional ado Etearia con cada permanentemente mas sim so em cago de guerea externa,rebelidco, sed? cdo ou insurreicdo © assim mesmo “pelo temps estritamente precise" Hamil ton de Mattos Monteiro ~ Crise Agraria e Luca de Classes,pig. 108. -

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