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No quadro que se sugere, a «exigência de razão» decorreria da

conaturalidade profunda da explicação e dos seus objectos. O


conhecimento, inclusive ciêntifico, representaria ainda uma
metamorfose da mimesis. (F. Gil)

Je m’evade. Je m’explique (Rimbaud)

Há uma dramaturgia na explicação que a assemelha à expiação. (R.


Ornato)
O explicadismo é uma corrente que sistematiza a pulsão explicativa de um
grande número obras de arte «explicativas», ao mesmo tempo que, através de
«coisas», mostra os diversos estados das «cadeias complexas» em que se
enredam todas as obras de arte, o art world e os «termos» que tornam a
percepção da arte mais lúcida e excitante.

O explicadismo considera que o modo autêntico e intenso de abordar os temas


artisticos já não pode deixar de ser feito sem ser através da prática artistica.
A partir do momento em o campo da arte se alargou todos os seus
participantes se deveriam assumir como artistas. Se bem que o explicadismo
venha a dar o grande sumo das defenições artísticas e deixar a arte, tal como
hoje a conhecemos, bem explicadinha, ele deixa esse legado para que
explicadistas futuros possam aprofundar estas noções de acordo com outras
necessidades e geometrias de forças conectivas. Deste modo livra muitos
artistas de se embrenharem em falsas questões e torna evidente que grande
parte da intencionalidade na arte é um bluff mediocre, tal como os
enunciados éticos que frequentemente se lhe associam.

Será a prática do explicadismo emancipativa? Não são as suas teorias


demasiado elásticas e a terminologia incipiente, obscura e jocosa? A
explicação da arte servirá para explicar outras coisas?
EXPLAINISM IN 20 STEPS

1. Conceptual Sketching. As obras explicadistas são como o trabalho preparatório,


o momento em que as ideias se estão ainda a formar.
2. Alegorias Abstractas. O caracter dinâmico dos esquemas establece interfaces
com palavras (perceitos/conceitos/afectos), ou teorias, ou outras imagens.
3. Gramáticas da explicação.
4. Interrogações, hipóteses, alternativas, indecisões, variantes.Ao contrário de
obras que funcionam como proposições ou teses, as obras explicadistas aceitam
as diferentes tentativas com as suas ambiguidades e as suas imperfeições. São
como o subsolo de uma ficção ou de uma imagem, mas estão ainda cheias de
lacunas, de zonas vazias.
5. Esquemas tipo gráfico científico, organigramas, tabelas, etc.
6. Esquemas «menos» explicativos. Sugere-se uma atmosfera complexa com ou
sem referência visível a determinas coisas e assuntos.
7. As notas para o grande vidro de Duchamp, os esquemas das máquinas de
Picabia.
8. Comentários, escolias, multiplicidade textual na páginal.
9. Arte mais perceptual que conceptual ou afectiva (transferência de informação).
10. Palavras em liberdade (futurismo).
11. Modos de conexão (complex networks).
12. Multiplos complex networks (conecting conections).
13. Layers e palimpsestos (sobreposição e esquecimento).
14. Grafitismo e rock art. Percursores: a arte que antecede a escrita é explicadista.
15. Teatros de memóris (Yates) e técnicas de memória medieval.
16. A teoria de Deleuze sobre os diagramas e o philum.
17. Conceber essa teoria integrando a mimesis : schema/philum/mimésis.
18. A seta como transferência inframagra de sentido.
19. Cartoonismo (como em Ad Reinhardt).
20. Yantrismo(canalização de «energias activas» através de técnicas tretateristas).
ex-plain

A autoria é um modus programandi

a autoria é uma mestiçagem que adquire uma máscara


(é uma rede de influências traficantes)

tudo é periferia
as questões periféricas acabam por se instalar no vazio degradado
dos centros

I Ching/Taixuanxing

(cage/ palo alto/morin/santa fé)

ciência
complexidade (neo-complexidade)

linguagem ética
sofistica o Mal
retórica (degradação e morte)
politica santidade
ficção athanatos
gymnásia ETHOS
pseudos MYTHOS
mesoptamia
agenben
leibnitz
Ciência/mito/linguagem

3 tipos de critica ao sujeito/objecto

1. ciência – não-eu complexo (multiestrtural e em devir)


2. ficção – pseudificação do eu
3. extase/entase – saída ou absorção do eu

tipos de renuncia à imagem

1. ÉDIPO (através da cegueira voluntária)


2. AD REINHARDT (através de uma teleologia protestante)
3. SAMNYASIN (como consequência da renuncia a qualquer coisa)

pontos do hexagono explicadista

polo poético
mythos
polo ético-extático
engenho
polo tecnológico-cognitivo
teoria
ex-pli-cation
PPP

Boa Teoria Explicadista (BTE)

Uma boa teoria tem que satisfazer dois requerimentos:


- tem que descrever com acuidade uma grande classe de observações
com base num modelo que contém só alguns elementos arbitrários.
- tem que fazer predições definitivas sobre o resultado de futures
observaçções.
S. HAWKING

Uma boa teoria é caracterizada por fazer um numero de predições


que podem em principio ser não provadas ou falsificadas pela
observação.
K. POPPER

PP

Uma BTE tem que

Mostrar as derivas e os modos de indeterminação e determinação que


organizam e tornam de grande acuídade o que é estável e
transicional.

Tem que fazer provocações persistentes de modo a que estas se


pareçam com predições eficazes de eminentes e fulgurantes
evidências.

Uma BTE é caracterizada por suscitar factos que provocam uma


agitação canónica duradoura — não é preciso que seja eterna, porque
como veremos em 1b a observação e os próprios factos estarão
sujeitos à estilistica, a mutações emotivas que se tornam reguladoras
dos instrumentos de percepção.
Quadro de Explicadismo (muito provisório)

A explicação da arte e arte da explicação (vulgaris)


As particulas da arte (artoms)

1. Como Forma

a) Morfogénese (Thom)
b) Tempo das formas - maturidade/imaturidade (Kubler e
Gombrowicsz)
c) Modelos combinatórios (Pitágoras, Platão, Leibnitz, Topologia)
d) Rizomas e processos stokasticos (Deleuze/Bateson)

2. Como Linguagem

a) Defenição (o prazer da defenição pela defenição)


b)Interpretação/Comentário
c)Refutação
(Filosofia, ética, retórica - Aristóteles, Nagarjuna, Gorgias,
Wittgenstein)

3. Como Força (tretoterismo?)

a)Eficácia/Magia/pregnancias
b)Caça/radiação
c)O uso da inutilidade
d) Sexo/amor/absoluto/extase

4. Como Sistema

a) Media (environment e anti-environmentr - Macluhan)


b) Economia Nirvanolibidinal
c) Bio-história
d) Auto-Sociologia
解释
EK-SPLIKAR
(ou eco-expicaçar?)

O explicadismo explica o que é arte para que não se tenha de


estar sempre a explicar o que é arte e para que servem as suas
defenições.

1. O explicadismo não considera que a explicação seja o sumo da vida e


da porca da existência. Mas a vida ganha em todos os sentidos com
explicações, sobretudo se essas explicações a possam tornar mais
intensa, ao ponto de facilitarem e dominarem inclusivé as experiência de
extase (já vamos falar disso).

2. Temos que nos desembaraçar das arquitecturas de Platão e de


Aristóteles que continuam a predominar na arte e na filosofia. Uns
pretendem projectar os conceitos sobre o mundo como uma forma de
degradibilidade, até estes se confundirem com uma Matéria que se opõe
radicalmente ao Ser ou ao Inefável (meus amigos, isto é uma versão
simplificada). Os outros acreditam que podemos partir da singularidade
das coisas e através de semelhanças e de diferenças conseguimos chegar
a falar do que está para além destas coisas (a puta da metafísica), isto é,
do Ser enquanto Ser. Ou da Arte enquanto Arte. O que vai dar ao
mesmo.

3. O que é certo é que podemos dissertar sobre o Ser ou sobre a arte


como sobre uma jocosa tautologia, mas isso não nos adianta na
articulação com as restantes coisas, apenas perpetuando um certo
narcisismo e snobismo na encenação das dramaturgias conceptuais. Uma
perspectiva «artomista», mais perto de Demócrito ou de algum budismo
(assim como da lógica das particulas e das microparticulas), pode abolir a
diferença gritante entre matéria e Logos ou outra coisa qualquer
(Energia, Ser, Trevas). Uma concepção combinatória e artomista
considera os conceitos como estados combinatórios de determinados
artomos, tal como a combinação de letras ou do ADN proporciona
variações e multiplicações de significados. Não há diferença de natureza
entre corpo e mente, mas há autonomia entre determinados estados do
«corpo» que são estados menos «mentais», e outros estados do corpo
que são mais «mentais». Os conceitos são estados de forças alicerçados
em particulas.

4. A noção de que a arte depende da vida e da morte do seu conceito, ou


que se torna absoluta quando seguramos o seu conceito pelos cornos, foi
uma ilusão teórica e apocaliptica. Hegel foi o primeiro a divertir-se nessa
comédia e falou, sem perder tempo, na morte da arte (de que a morte de
Deus de Nietzsche é uma variação burlesca). Hegel gostava de se
mascarar, embora, enquanto sábio, desprezasse o uso tradicional de
barba. No século XX tivemos as mais marotas das variantes. O dadaísmo
foi peremptório quanto à palhaçada das definições da arte e chegou a
falar de anti-arte, como se isso significasse alguma coisa. Os ready-
mades de Duchamp, blagues fáceis de ocasião, vieram a tornar-se com a
história notáveis factos que redefeniram a prática das artes
«radicalmente», assim como as suas ciencias adjacentes. De Mondrian a
Reinhardt e aos artistas mais conceptuais (witgensteinianos?) ousou-se
chegar a defenições cada vez mais estereotipadas da arte. A arte pode
rever-se no espelho das suas defenições e pode-se praticar enquanto arte
de encontrar defenições, mas não se esgota nem se condensa nas suas
defenições. Por isso mesmo, falar da morte da arte é como falar da morte
de um primo. Há gente que morre todos os dias, o que não quer dizer
que a nossa espécie já esteja morta.

5. A arte não é diferente da vida, e não temos vergonha em dizer que o


universo é uma gritante obra de arte que inclui as restantes obras de
arte. A lógica dos ready-mades vai no sentido de abolir as diferenças
entre arte, filosofia e ciência, mesmo que sejamos cépticos para com
todas as asserções que estas três areas possam produzir e reproduzir. A
arte assenta em inumeros agregados de forças que estão em devir (como
quase todas as outras coisas). Esses agregados podem induzir a
explicações quanto ao que é ou não é arte, mas o mais natural é que não
o façam, porque não é necessário estar sempre a falar disso. O
explicadismo explica o que é arte para que não se tenha de estar sempre
a explicar o que é arte e para que servem as suas defenições.

6. Como já referimos a «arte» é uma noção recente, quase tão recente


quanto a sua morte, e que serve para acantonar um conjunto de
práticas-explicações-representações. A separação da arte e a sua (falsa)
autonomia é uma experiência históricamente válida, mas que a fez
distanciar da filsofia, da magia ou da ciência. Deleuze e Guatarri, no seu
livrinho sobre a filosofia, contribuem para este equívoco ao considerarem
que os perceitos, os afectos e os conceitos são algo realmente distinto. A
distinção é útil, mas sabemos que os conceitos, os perceitos e os afectos,
à luz da neurobiologia e outras ciências, não são nada autonomos. Os
afectos, ou o lado supostamente «artistico» e emotivo, é
animalescamente anterior aos conceitos e perceitos, estruturando-os e
alimentando-os. Mas os conceitos e os perceitos, sendo afectivos,
também têm o seu feed-back sobre os afectos. Nunca saímos do domínio
afectivo, embora haja «artomos» que são mais perceptuais ou
conceptuais, no sentido das tradições altamente especializadas do que é
a ciência (e suas eficácias, mágicas ou não) e a «filosofia».
7. Os conceitos existem em numerosas areas, e não é invulgar vermos
artistas, até dos mais animalescos, como Picasso, forjarem dispositivos
conceptuais mais interessantes que a maioria dos filosofos profissionais.
Sócrates, que nunca escreveu nenhum livro de filosofia, era escultor,
embora não saibamos que esculturas tenha feito. As suas esculturas são
as mães mais significativas da nossa tradição filosófica.

8. Já estamos cansados de milhões de obras de arte que põem em causa


o seu conceito, quando as obras de arte falavam sobre muito mais coisas.
No entanto é bom que se esclareça o art world e os seus vícios de uma
vez por todas para nos podermos dedicar a coisas mais interessantes.

9. Explicar é eco-espicaçar, é tornar mais concreta a noção homeostética


de artephysis, de uma indistinção terminológica e prática entre a
natureza, no amplo sentido a que nós atribuímos ao termo grego physis,
e a arte, no ainda mais amplo e moderno sentido dos nossos dias.

10. Não vamos deixar a ética com o rabo de fora. A ética não é somente
a comezinha lógica que ilumina as responsabilidades e os deveres para
consigo ou para com os demais. Nem é somente a dietética dos prazeres,
a estrada para a tranquilidade, os exercicios de ascese, a integridade
moral, etc. De Nietzsche a Foucault e seus sequazes sabemos que a ética
forma e deforma, com os afectos e dispoditivos adjacentes, as
explicações. A nossa ética não pode deixar de incluir o extase, como algo
concreto, material e pragmático. O explicadismo leva ao extase
(acampanhado de um série de práticas tretatéricas)? Sim. Mas isso
depende de cada um.
COMO FAZER ARTE EXPLICADISTA

A arte explicadista é fácil de fazer. Grande parte dos professores quando desenham
esquemas nos quadros fazem explicadismo, embora não façam arte. Quando se tenta
imaginar uma tática qualquer não há nada como um desenho. Os organigramas são
explicadistas (vejam o organigrana do M. da Cultura Português). Alguns diagramas
também o são. Há cartoons, sobretudo os mais descuidados, que são teoricamente mais
certeiros que determinadas teses de doutoramento. As bandas desenhadas, àrvores
genealógicas e «mandalas» do Ad Reinhardt são exemplos contundentes desta forma de
arte. As suas pinturas só adquirem intensidade em função dos manifestos. Tornam-se,
mais do que um yantra, uma forma eliptica de explicadismo.

Com os futuristas, as palavras em liberdade, e os fascinio com as «forças» e as


máquinas surgiu uma arte que se inspirava na mecânica e nas ilustrações dos livros
cientificos. Os desenhos de Malevich e algumas pinturas mecânicas de Picabia
prometem ir no sentido do explicadismo. Os retratos mecânicos, verdadeiras «alegorias
abstractas» subentendem o humor das interfaces alegorizantes que parecem omitir.

Mais «sério» é o trabalho de Duchamp quando «publica» em diversas caixas as notas


para o grande vidro. O grande vidro já é suficientemente explicadista embora no sentido
des-explicativo (na verdade o explicadismo é tendencialmente irónico e des-explicativo
porque ao ser extremamente sucinto deixa tudo aquilo de que fala bastante ambiguo e
vago). As notas dão-lhe uma complexidade «suplementar», que é, em grande parte,
mistificação discreta, inframagra.

No caso português Almada Negreiros (o do painel Começar), o Areal, o Batarda e o


Rodrigo vão num sentido explicadista.

Há uma boa parte da arte conceptual que também parece ir nesta onda. Beuys, quando
desenha, e dá explicações nesses desenhos ou em quadros, com esquemas políticos,
antropológicos, semi-esotéricos, é o mais sintomático percursor do explicadismo. Os
esquemas são propostas de acção, teorias politicas para levar (e levadas) à prática, não
se limitam a ser obras de arte com as melhores intenções revolucionárias para alimentar
o consumo de mercadorias com a etiqueta revolucionária, sobretudo pelos museus, com
directores de «esquerda» cheios de má consciencia. (recordo a exposição de Serralves
em que os Homeostéticos, esse bando de reaccionários e machistas quiz dar um arzinho
de revolução à instituição – a mais sintomática forma de «controle» foi a imediata
supressão do som dos «insuportáveis» megafones do jardim).

Òbviamente que não há receitas para fazer arte explicadista, mas parece-me que há uma
ênfase, não-obrigatória, no caracter vectorial (que leva a acção) das imagens. As
imagens os esquemas e as palavras canalizam determinadas energias (como os devotos,
os apaixonados, os pais de familia), que possuem uma carga conceptual-perceptual-
afectiva (é impossivel desligar os 3 termos «deleuzianos»).

É certo que o poder é a gestão de forças multiplas que não se situam num só plano e em
que os dominadores não são apenas dominadores,. O explicadismo encena determinadas
forças, em quadros teatrais. Os suportes, novos ou velhos, on-line ou on the rocks, todos
servem. Os concertos do M. Vieira são òperas explicadistas e tendem para o comício-
concerto, assim como grande parte das cerimonias religiosas. Mas nós preferimos
formas desdomesticadas.

É certo que podemos usar as ferramentas informáticas mais básicas (organigramas,


autoshapes) para fazer «arte» e até «poesia». Ou o post-it.
설명하십시요
DAS IMAGENS A TUDO

«o protótipo e a imagem pertencem à categoria das coisas relacionadas, tal


como o dobro e a metade. De facto o protótipo implica sempre a imagem da
qual é protótipo, e o dobro implica sempre a metade em relação à qual é
considerado dobro. Não haveria protótipo se não existisse nenhuma imagem,
nem dobro se não se considerasse uma qualquer metade. Mas uma vez que
estas coisas existem simultaneamente, são compreendidas e subsistem
simultaneamente. Deste modo, uma vez que entre elas não intrevém qualquer
tempo, uma não difere da outra enquanto objecto de veneração, sendo esta
igual para ambas.» (Teodoro)

Tamen sintetisa Teodoro assim:


1. Cristo só pode ser defenido na relação com as suas imagens (e vice-
versa)
2. O ser de Cristo assenta na sua Imagem (e vice-versa)
3. Cristo não é o modelo (no sentido de «objecto préviamente existente do
qual é feita uma reprodução») para a sua própria imagem (e vice-versa).

Este impasse inviabiliza não só a tradicional noção platónica modelo/simulacro,


como a tradição nominalista. Se o simulacro se co-define e se torna «real» co-
participando no modelo, há algo que refuta qualquer precedência.

A noção de Dissimulacro é mais forte porque des-modeliza e des-simulacriza,


mas exige a co-defenição e co-participação quer dos modos de
desmodelização, quer dos de dissimulação.

Que a natureza (physis) é dissimulante é já enunciado por Heráclito - «a


physis tem prazer em ocultar-se» - só o que se mostra pode ser simulacro. Mas
o que não se mostra, precisamente porque ainda não é formado, embora seja
mais do que potência (já é formação, gestação, crescimento, physis), não é
«inteiramente» fruto de uma modelização.

Por exemplo, o feto é modelizável, mas não podemos nem saber qual o
espermatozoide que é escolhido, nem quais os génes que vai combinar com
òvulo. Os momentos de decisão são os de dissimulação. O decisivo (o co-
participativo) é o dissimulacro.
erklären
Trialidade (alitoral)

Metamatemático

Indualidade

Crisomorfismo

Interstícial

Transtornável

Nem-Um /Nem-Dois/ Nem-Três

Suturas (sutras da vacuidade como conectivo-cognitivo)

Durismo

Nihilástico

Extratermo

Op-postos

Em-Onde

A Unidade sado-maso

O Alterne-Ego

Principio do Meio Excessivo e da Multicontradição

O Absoluto-Vaca

A Vaca-Acuídade

O Vazio-Vaca

O Esvaziamento da Vaca

O Absoluto Vazio

O Relativo Vazio/Absoluto

criaturas = não-coisas = refutações


Contraprocesso

Hipermediania

Selvação (Salvação selvagem)

Multra (muitos ultras)

Agarrado

Pináculo

Maya = Tesão = Doxa

ortologia/totologia

A Abominável diferença do Ser

Disponível

Rebaixas brejeiras

Fora-do-Mercado

Exterminismo

Cálculos Habilidosos

Mixórdia

Kaôntico

Desistência

Só os contracontrários se solicitam

Subparadoxos

Binihilismo (só com dualidade é possivel o Nada)

Os opostos teatralizam

Representando o Irrepresentável

Godmatismo (oposto de dogmatisto)

Solteirismo

Horigem
Sistemas Especiosos

Dissimulação dissipativa

Infrassistema

Abjunção

Excesso partilhável

Desperdício mutante

Circulo Viscoso

Desatino

O Ordenhamento das Desordens

Pãnifestação

Lougos

Phisolda

Ralatividade

Insantidade

Ninfoenergia

Ramificações enforcantes

«Sillylogism»

Entrutopia

Anihil

Recriação

Evento múltiplo

Padrões de Fornicação

Metaemergências

Arradicalismo
spieghare
Há obras de arte que são apenas afectivas – fazem companhia. Há as que são
terapeuticas, as que manipulam forças (mágicas), as que são decorativas, as
que querem exibir emoções, as que exprimem ideias, as que são icones de
uma revolta de consumo (arte politica).

O explicadismo encena teorias. Não se limita a enunciar uma arte com


preocupações teoricas. Não é nem «arte depois da filosofia» nem uma «arte
como ideia como ideia». É uma arte bem materializada porque as ideias co-
participam nas coisas (e as coisas co-participam nas ideias). É uma arte que
não parte de ideias simples, mas que articula ideias complexas. Não é uma
arte como o minimalismo, que inicie séries – todas as grandes séries já foram
há muito iniciadas – mas é uma arte que reinicia e retoma séries. Não é uma
arte que separe o icónico do conceptual, mas uma arte que cria uma interface
produtiva entre networks icónicas e networks conceptuais.

Cristo usava parábolas para explicar as coisas. Por vezes fazia desenhos com
um pau na areia. Que desenhos eram? Não o sabemos. Cristo usava
claramente as mais básicas técnicas explicadistas. Quando queremos explicar
conceitos filosoficos percebemos que um esquema ou uma figura geométrica
nos elucidam mais do que o vocabulário abstracto. A imagem é mais concreta
e dá alguma arrumação e tranquilidade ao pensamento. Os textos de Platão
são explicadistas, no sentido acima apontado – encenam teorias, dando-lhes
imagens e um contexto favorável. Dante escrevia poemas enigmáticos e depois
escrevia tratados filosóficos a partir deles. No caso da Divina Comédia não
escreveu nenhum tratado. Assim como os textos de Platão são comédias
(todas as teorias que se exprimem teatralmente não podem ser trágicas, uma
vez que o trágico anula as teorias através de um simulacro da violência – logo,
toda a teoria é uma comédia), também o «poema» de Dante é uma comédia
sobre o divino, recorrendo a personagens e a geometrias. Camões rima nos
Lusiadas uma versão explicadista da história de Portugal, bem sucedida, mas
também faz fastidiosas descrições de geografia.

Os chineses têm uma cultura estruturalmente mais explicadista. A sua escrita é


combinatória e as cadeias de significados na escrita tornam as articulações
seriais e os jogos de relações mais explicitos. A sua cultura é o espelho de uma
certa obcessão com a escrita. A co-participação dos termos no mundo
(nominalismo performativo?) parece òbvia. Quando os chineses inventaram o I
Ching perceberam que cada situação se podia comparar a um jogo de forças, e
que a percepção desse jogo de forças podia ajudar a tirar partido dessa
situação – o I Ching, mais do que um Oráculo, é uma sintomatologia do poder,
um manual que premite compreender as desordens e ordens do presente,
assim como perceber as pontas daquelas que estão a emergir.

O Sofista Antiphon foi um percursor de Alberto Caeiro ao considerar a


radicalidade das coisas contra a falsificação da linguagem. Heráclito diz que
tudo está em movimento, e que o Logos exprime algo que abarca tudo,
inclusive esse movimento (que é uma lâmina de dois gumes). Antiphon diz que
usar palavras como o Logos é um abuso. Aristóteles tentou fazer uma sintese
entre a necessidade de articular a radicalidade das coisas com essas palavras
soltas e tentaculares (Logos, Ser, Categorias, etc). Os esforços aristotélicos
são complexos e as suas suas tentativas de conciliação esbarram em pontos
criticos a que chamou aporias. Aristóteles não era explicadista, o que explica
que tenham surgido tantos grandes pensadores que passaram as suas vidas
inteiras a tentar explicar, com grandes dificuldades, as teorias de Aristóteles,
como Averroes e S. Tomás de Aquino.

A arte explicadista não quer explicar de uma só vez o mundo. Provávelmente


nem sequer quer explicar com exactidão algo. Mas procura exprimir os
impulsos explicativos, provavelmente ingénuos (haverá explicações destituidas
de ingenuidade?), que é normal cada um ter. Muitas vezes o bulicio «teorico»
que nos vai na «tola» precisa de apanhar ar fresco. As teorias nem sequer
precisam de estar bem articuladas ou enunciadas – as palavras procuram-se
umas às outras como se quizessem agarrar uma ordem (organização) que
ainda está a emergir. Neste caso há um processo parecido com o I Ching –
temos algumas peças de um edificio que queremos construir, mas temos que
arranjar as outras peças e tomar decisões táticas. As teorias procuram
domesticar as coisas, por isso estão num estado de guerrilha suave com outras
teorias que dominam outras coisas. As coisas são os nossos mais preciosos
aliados e inimigos.
εξηγώ

ARTE E POLÍTICA: convicções, refutações, equívocos

Há 3 atitudes básicas entre a arte, a política e a vida:

1. arte = arte = política = vida


2. arte = arte = não-política = vida
3. arte = não-arte = não-política = não-vida

Desenvolvimento da primeira atitude:

1. Toda a arte é política, mesmo quando não é intencionalmente política.


2. Alguma arte é intencionalmente política, distinguindo-se da arte que é
inconscientemente ou não-intencionalmente política.
3. A arte que é intencionalmente política não é necessáriamente nem
melhor nem mais política do que aquela que desleixa esse rótulo.
4. Logo: algumas obras de arte são mais políticas do que outras
independentemente da afixada intencionalidade.
5. Alguma arte é eficaz políticamente.
6. Alguns artistas, independentemente da arte que praticam, são eficazes
politicamente.
7. Alguma arte política e alguns artistas militantes (a grande maioria) não
são eficazes politicamente.
8. O rótulo de arte politica pode servir quer de fait-divers (anedota ou
espétaculo), quer para canalizar um produto para um vasto mercado
(institucional ou «anti-institucional»). Logo: a «arte politica» é tão
decorativa quanto a arte que não se reclama como tal.
9. A grande arte política é aquela que se centra na eficácia e é eficaz, quer
num momento específico, quer (idealmente) em qualquer momento.
10. Toda a vida, quer se queira, quer não, é política, uma vez que oferece
aos homens a possibilidade de conviverem e de regularem através de
consensos e instituições as assimetrias na participação «social» e os
inevitáveis conflitos que permanentemente emergem. A arte, mesmo
quando se furta, espelha esta atribulada dimensão política, e insere-se
como mercadoria no mundo, quer nas suas formas mais populares, quer
nas mais refinadas transacções elitistas.

Desenvolvimento da segunda atitude:

1. Toda a arte é uma resistência à sua hipotética politização.


2. A arte é a possibilidade de comunicação e de «participação» no que não
se sociabiliza e no que não se destina a nenhum fim comunitário.
3. A arte pratica a não-intencionalidade. A sua não-eficácia é a sua única
eficácia.
4. Mesmo a arte que se desvia da política pode ser aproveitada pela
política. No entanto esse aproveitamento é superficial e perverso.
5. A arte é o não-domesticado, o gracioso, o animalesco. Não gravita em
torno de leis, de comunidades, nem contra as leis ou comunidades.
6. A arte é o refúgio que nos protege da agressividade comunitária
mergulhando numa experiência mais vasta e intensa da vida e da
«natureza».

Desenvolvimento da terceira atitude:

1. Arte e política são inconsistentes e vazias. A sua substância é nula.


2. A arte, tal como a política, tal como a vida, é inconsequente e dolorosa.
3. A intencionalidade, quer na arte, quer na política, quer na restante vida,
é uma ficção destituída de consistência. Como qualquer ficção é algo
teoricamente decorativo («todas as teorias são decorativas!»).
4. O facto da arte e da política (e suas intencionalidades e eficácias) serem
ficções gera expectativas, frustrações, desanimos,etc., que são
igualmente ficcionais e que geram dor e sofrimentos de natureza
identica naqueles que nelas «participam».
5. Não há práticamente ligação ou causalidade entre a intencionalidade e a
eficácia. Só há articulação de factos e, esporadicamente, algumas
ideias, que simplificadas e papagueadas, servem de rótulos para uma
panóplia de efeitos e eficácias.
6. A eficácia artistica ou política é um equívoco que se torna òbvio, mais
cedo ou mais tarde. O mesmo se pode aplicar à procura da não-eficácia.
7. A arte não é «arte» nem «não-arte», logo não é política, anti-politica, ou
apolitica. A prática da arte sublinha a irrelevância das suas defenições,
intenções e eficácias. Hipotéticamente poderá emancipar-nos de tudo.
Ou não.
επεξηγώ
A TRANSTRADUÇÃO

A tradução e a interpretação são muito semelhantes. A interpretação


é a procura de sentido de algo que é traduzido num ambito mais
explicíto. É ex-plicação.

Os temas e as possibilidades de os fazer variar têm os seus limites.


Cada tema, seja texual, visual, verbal, mitológico, etc., procura
repetir-se infielmente através de variações sucessivas, de confusões,
de cruzamentos aliciantes, de precisas imprecisões, de hábeis
refutações, de acanhados papagueamentos, de inuteis pastiches, de
exuberantes desenvolvimentos, de ocas teses de doutoramento.

A história do pensamento torna-se bem menos obscura à luz de uma


cartografia das metamorfoses, da erupção de séries dominantes e
das intermitências heterodoxas que as reformam e vão tornando mais
complexas até à exaustão total em que ficam a dormir.

É tarefa dos honrados e conformados amantes deste género de coisas


fazerem traduções fieis e úteis, com dedicação e esmero, para
poderem transmitir o máximo do «sentido original». No nosso caso o
sentido original é readequirido precisamente através de sucessivas
traduções selvagens. Consideramos que é literalmente impossivel
restaurar «um sentido» imaculado, na sua ambigua rede – ambigua,
mas específica e excessivamente contextualizada. Por outro lado,
temos a convicção, que mais do que a vontade de produzir sentido,
paradigma «moderno», o que existe nas obras e nos temas, é um
prazer de usufruir da linguagem e de produzir um efeito, que em
casos limites pode ser um efeito para si. Muitos dos «produtores»
(não, não me atreverei a chamar-lhes autores!) produzem como se
tratasse de uma descoberta – no fundo estão apenas a pôr em acto
quer as suas potêncialidades, quer as potêncialidades de redes
culturais, nos seus cruzamentos, sincretismos e variações. As
variações tornam os temas inescapáveis. Por isso Nietzsche foi uma
variação de Sócrates e de Cristo que na sua insistente infidelidade
acabou por lhes ser profundamente fiel.

Toda a cultura forte procura a tradução e a retradução. É certo que


nunca poderemos voltar a ser «radicais» no sentido retórico em que o
foram as ditas vanguardas, sem caírmos numa conformada
demagogia. Mas esse «heroismo» continua o seu fascínio, como uma
comicheira que se imprime nas nossas borbulhantes ansiedades. As
modernidades também foram variantes exaltadas de exaltações
antigas, e encontraremos radicalidades mais apropriadas e
consequêntes em exemplos agudos dos quais o material que a
história nos proporciona oferece suficientes casos. Quem foi mais
radical, Malevich ou o Simão estilita? Um samnyasin ou Marcel
Duchamp? Poderiamos continuar com uma lista infindável de
exemplos.

Desde os exemplos mais radicais a alguns milagres «conformistas» é


nossa obrigação (obrigação desejada e amorosa) retraduzir e
reinterpretar práticamentre tudo, por mais maus parodistas que
sejamos, por mais diligentes ou distraídos tradutores, por mais
elipticas ou redundantes que sejam as metamorfoses. O estado de
«actualidade» convida a que actualizemos, com ou sem
«engajamento» tecnológico, recorrendo a práticas arcaicas, a
retorcidas linguagens técnicas ou a desenvolto calão.

As práticas fortes são as que apanham com redes complexas as


forças que flutuam em busca de selváticas traduções. Saibamos ser
dignos trantradutores!
des-dobrar

ANTIPHON

1. Crítica do Logos Heraclitiano (associar a Pessoa (Caeiro)) – o Logos é


destituído de Unidade. Questões : o Logos permanece? Para que é que serve?
Etc.
2. Critica do Panta Rhein (tudo flui) e da Forma –através do arrythmiston –
associar a gombrowiczs (o inacabado, o deformante) – ou à forma como Deleuze
pensa o philum
3. Critica das noções de tempo
4. Tratado dos sonhos como algo que faz o processamento de uma «não-realidade»
- os sonhos são do dominio da physis ou da verdade? São Ser? Se não o são o
que é que são? Luciano refere-se a Antiphon como alguem que pensa os sonhos
não como pura ilusão, mas como algo entre Aletheia e Apathé
5. As Tetralogias – a ocorrência de algo é interpretável como conjunto de
sucessivas refutações (Elegkhos), tal como os heterónimos de Pessoa
6. «Pensamento sem preparação»? Ou improvisação? Ou disciplina? – são 3 casos
distintos – o pensamento sem preparação, o imaturo, é fruto do arrythmiston –
são as coisas para as quais não estamos pre parados que nos intensificam e
surpreendemn – crítica e louvor do heraclitiano – sem esperança não há
inesperado
7. O turbilhonário versus o revolucionário
8. o «convencional» - uso e crítica das convenções a todos os níveis
9. Relação turbilhonário(informe-formante-por-formar)/convencional
10. Quadratura do circulo. Da mesma forma o

a) A lógica anti-logos e de multiplicação de logoi supõe um personagem que tenha


cultivado uma espécie de heteronomia. A comparação com F. Pessoa, até no
dominio politico (os poemas de Pessoa louvando o «ditador» interino, retc)
b) «Alguns (Antiphon) são da opinião que a physis e a substância dos seres que são
pela physis é o constituinte interno primeiro de cada coisa, em si arrythmiston
(desprovido de estrutura, de formas – o informe?), por exemplo, de uma cama a
madeira, de uma estátua o estanho. Um indicio é que, diz Antiphon, se
enterrarmos uma cama, e se a putrefacção tiver poder para dar nascimento a
algo, não é uma cama que vem a ser, mas a madeira, uma vez que, segundo ele,
o que pertence por acidente é a «disposição convencional» ( katá rythmón
diáthesin) que lhe deu a arte, enquanto a substância é a aquilo que
continuamente perdura.» (Aristoteles)
c) «E a putrefacção engendrava o vivo» - tal como os chineses o pensam – há uma
circulação de convenções e de engendramentos.
d) «Critolaus e Antiphon sustentaram que o tempo não é uma realidade
(hupostasis), mas um conceito (noêma) ou uma medida (metron)» (Stobaeus)
e) O «inexperimentável» - este termo pode contribuir para um desenvolvimento da
teoria de «Jorge Palla» das desaventuras da inexperiência e relacionarcom o
pensamento impreparado
f) O «não-visto» em vez de dizer o invisivel ou o não-visível – os termos que
Antiphon rejeita são mais absolutos – quando se vê há sempre um não-visto, e o
que não é visivel é o que não está visivel. De certa forma Antiphon usa o
«estar»(sendo) contra o «ser». A lingua portuguesa tem ainda outra expressão –
o ficar. O não visto não é necessáriamente o oculto, nem a potência. Pode muito
bem ser a hipotese de potência.
ex-pli-care

O futuro será impiedoso com a arte mediocre – como sempre! Só que em muito
maior escala.

A produção cultural sempre levou a triagens «naturais» onde abundaram


injustiças.
A partir do sec.XVI (ou antes) começaram a tornar-se mais insistentes as
preocupações historicistas e o exotismo. O Renascimento recupera a cultura
greco-latina como uma (por vezes escandalosa) novidade.
Vasari escreve logo uma história de artistas (não uma história de «arte») onde
assinala o declinio das possibilidades de produções futuras.
Os orientes e as indias ocidentais facilitaram as modas, incitaram à
missegenação «cultural» como produto de consumo de elites. Os exotismos
não eram feitos para o povo, mas apenas para excitar sexualmente as familias
menos conservadoras, ou desviá-las do tédio (e da morte).
A última das «globalizações» promove as indústrias culturais em massa.
Dentro em breve uma grande parte da população mundial será coleccionadora
activa. A quantidade de objectos de arte é avassaladora. A quantidade de
artistas que será rápidamente «esquecido» vai, como sempre, parar ao
mercado de antiguidades. A quantidade de antiguidades de todo o tipo, como
qualquer «lixo» que resiste a ser destruído, parece-me desproporcional. Só as
catástrofes naturais podem livrar-nos desta acumulação doentia.
Numa sociedade em que o artista-gestor de carreiras parece safar-se, o artista
cândido e espontâneo pode sobressair? Sim! O que o mercado procura é a
excepção.
As recuperações multiplicam-se. O maneirismo e o barroco tornaram-se
interessantes. Os artistas que se redescobrem seja de que época for em que
àrea for, são penauts.
A música «antiga» e o restauro da pintura entre 1250 e 1600 são um bom
exemplo.
O Museu foi inventado como instrumento de orgulho nacionalista e como
máquina de guerra imperialista. É ingenuidade ignorar esta última dimensão –
os primeiros museus eram pretexto para espionagem e pilhagem. Quais as
semelhanças com a museologia actual?
O gráfico vertigionosamente declinante da cotação do Julião é vulgar entre os
artistas-manager? A boa arte ainda pode ser esquecida durante longos
periodos de tempo?

Questão: a legitimação alheia, quer através de textos, instituições, etc é


sempre postiça? Porque é que os textos dos catálogos são quase sempre tão
pretensiosos e bajuladores?
Mais importante: como é que o artista constitui a sua resistência ? O artista
deve criar todos os instrumentos (e objectos) para que a sua vida e obra não
seja usurpada? A «melhor» arte está em guerrilha com a sua legitimização? Ou
precisa dela? Ou é mais um paradoxo consumível?

Para o director do museu de Serralves a função do museu (e a da arte?)


insere-se naturalmente na industria de entertenimento... A Arte desvia-nos do
horror (for a while?)? A Arte mostra-nos o horror (for a while)?
A arte desvia-nos e mostra-nos o horror? Sim senhor! Com lirismo ou cinismo.
Com lirismo cínico. Com cinismo lírico.

A propósito de cínicos: Diogenes livrava-se de quase todos os objectos


(excepto do cajado e do tonel onde dormia). Um dia Alexandre o grande
perguntou-lhe o que é que ele mais desejava. Diógenes disse: «que saias da
minha frente para eu poder apanhar sol»!

Pois precisamos de uma arte que nos desvie de todas as coisas que não nos
deixam apanhar sol. É uma alegoria frique? Pois é!

Uma variante elegante do «estado de» é a «anatomia do».

Ex: Anatomia do criticismo.

As metáforas médicas são chiques:

Patologia (da arte enquanto «coisa» indiscriminada)


Profilaxia (das instituições e do mercado)
Dissecação (das estruturas de circulação e consagração)
Posologia (regular e convincente da «visual culture»)
Sintomatologia (das fashion-shifts)
Recuperação (do estatuto não-mercantil da arte)
Quarentena
Cirurgia
Cura
Diagnóstico
Etc.
TRETICONOGRAPHY

Instant Elementary Explainism on the Aesthetic Imperative.

This group of works by Pedro Portugal represents the


Treticonografic system. TRETICONOGRAPHY is a small layer of
research into a gargantuan investigation developed by him
and other artists, philosophers and scientists. It explains
the mysterious functioning of what is already one of the
great discoveries of the 21 st century the ARTOMS. The
method of explaining the behaviour of these new pseudo-
particles has come to be called EXPLAINISM.

TRETICONOGRAPHY is a allegorical-schematic guerrilla, whose


ambiguous allusions are of an abductive character. The
terms used are finite; the series potentialized by it are
infinite, eliminating such what is foreign to it.

EXPLAINISM is a theoretical and artistic practice which


above all produces ideas and hypothesis (explications) and
reflects on its forms of emergency. EXPLAINISM is a
thundering in the void. The premium-ultimate addiction to
the art IDEA. The autosolipsistic rendering of the world.
NOTBOOKS PROJECT

PORKY PRESS

WHYNOTSNEEZ.INC

SERIAL KILLER SONG BOOKS

EX-FINGE

GREAT AUTHORS FAKE SERIES

Explicamos para nos auto-hipnotisarmos mais fácilmente.

Entramos em transe (frenética? Debochada? Amorosa?) com a prática explicadista.


Depois é a ressaca. Conceito ou metáfora? É irrelevante! O que interessa é a capacidade
de intoxicação.

Quanto à metáfora – desconfiamos quer das metáforas quer dos conceitos,


mas veneramo-los pela sua diversidade, pelos magnificos estimulos que
produzem, pelas suas lutas internas, externas, embora pouco eternas. Dado
que somos «iconofilos militantes» sabemos também que às vezes é importante
passar pela experiência revigorante ou negativa do iconoclasma (mas sem
fanatismo, apenas como uma concentração meditativa com vista à
tranquilidade ou ao extase).

As nossas decepcionantes respostas podem dissimular perguntas que ainda


ficaram por fazer. O que compensa nas metáforas é que estas são algo mais
que a decepção das suas formas.
CONTRAREPRESENTAÇÃO – DA REPARAÇÃO DAS APARÊNCIAS

1. A contradesilusão na filosofia post-céptica.

2. O conhecimento realiza-se através de traduções selvagens do passado.

3. A emergência do assunto como sinal de glória.

4. Ingestão e digestão como mutação dos dados.

5. O mundo é contrarepresentação.

6. A contemplação reprodutiva.

7. A vida como sondagem.

8. A dessolidariedade das contrarepresentações.

9. O assunto como liturgia co-autoral.

10. A acção é gestão de dissimulacros.

11. A ilusão como articulação permanente ao absoluto-complexo.

12. Heterosolipsismo.

13. A canibalidade do conhecimento.

14. BaalBudhha – o despertar da ekomplexidade.

15. A expansão urbana do conhecimento através dos daimons.

A EKPRESSÃO

1. A ekpressão é o combustível do mundo.

2. Séries impressivas, expressivas e inexpressivas.

3. Serialização de cadeias complexas que se cruzam residualmente.

4. O retorno das «basic shapes».

5. Os refluxos dissimulativos.

6. A «terna crueldade».
7. Teoria e arte como intrínsecas à natureza.

8. O uso da palavra como manobra mimética.

9. «Ekpressão» – esculpir a significância e a insignificância.

BABEL AO ESPELHO

1. A doce ditadura das anamnéses.

2. Dionísio e os diluvios de memórias.

3. Contratos metafísicos de 3ª grau – a insuperação das metafísicas

4. Aporia das descontinuidades.

5. A mediatização dos turbilhões genealógicos.

6. Assuntos resplandecentes.

PRESTIGIO DAS CONTRAREPRESENTAÇÕES

1. O intersticial.

2. A carnalização (e carnavalização) da tradição abstracta.

3. O amor pelo deceptivo.

4. A eficácia dos universais.

5. Erotismos nominalistas e outras obscenidades.

6. A coisa como agregação.

7. Nenhuma teoria é isenta de magia.

A DANÇA DAS REDES CATEGORIAIS


1. Caçando categorias.

2. Causa-alietoriedade.

3. O tricot do ser e do não-ser.

4. Nem verdadeiros, nem falsos, nem paradoxais.

5. Categorização do metamórfico.

6. A maleabilidade meditativa.

OS ANEXOS DA ABSTRACÇÂO

1. O inoriginante.

2. O grande alterne metafísico.

3. Polifonias de dissonâncias conceptuais.

4. Os enunciados como povoamento de relações.

5. A expropriação das contradições.

6. Silogismos das contingências.

A APATIA MORIBUNDA E AS GARGALHADAS DO SABER

1. O saber como entusiasmo.

2. A alergia aos apaziguamentos.

3. Geometria e máscara.

4. Os diagramas intoxicantes.

5. O escalpe duplo das ideias pálidas.


6. A doxa epidémica.

7. O êxtase é inexplicável mas a explicação é êxtase.


ESTRUTURA DE UM LIVRO

1ª parte

EXPLICAR A EXPLICAÇÃO

A ARTE EXPLICANTE (uma tradição)

2ª parte

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES DO PENSAMENTO

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES DO UNIVERSO (cosmogonias e cosmologias)

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES DA NATUREZA (formas, sexo, reprodução, plantas,


animais, máquinas, etc)

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES DA TRETA (crenças e outras ficções – a


sobrenatureza, a política)

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES DOS MEIOS (comunicação, antropologia, sociologia)

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES NARRATIVAS (histórias, mitos, biografias,


legitimações)

EXPLICAR AS EXPLICAÇÕES DAS ARTES


Ad Reinhardt percorreu as etapas da negatividade, desembaraçando a «arte»
de toda a conspurcação e tornando mais arte preparando as tendências
«conceptuais». A «arte» mais pura é aquela que repete e recorda essa eficácia
da não-imagem. Mas Reinhardt continua agarrado à «ritualização». A sua
grelha de 9 quadrados negros sobre tela é o garante da ordem, e o facto de
repetir quadro após quadro a mesma obra no mesmo tamanho deriva de uma
mentalidade ritualista e institucuional. Na Índia, desde os tempos mais
recuados, existiu um movimento extremamente radical, que permanece até
hoje, que é o Samnyasa (o da renuncia). A noção de renúncia social que
nalguns casos acarreta a renuncia ritual (mas nem sempre) surgiu nos
Upanishades e foi acompanhada de um exodo de familias para as florestas –
um exodo frique. A cultura indiana dessa época era práticamente iconoclasta –
apesar de uma rica mitologia não há estátuas de deuses védicos. Esse terreno
foi execelente para o florescer do budismo cujo paradoxo será o da renuncia à
renuncia. A identificação do prenome pessoal com o absoluto é a formula
Upanashadica mais célebre. No budismo isso é invertido – o pronome pessoal
é uma convenção que não se identifica nem com ninguém e muito menos com
algo que designe uma plenitude. O Nirvana não é um contínuo, mas um
desagregado, é asamskrita – decomposto. Na Grécia, pela mesma época dos
Upanishades também surgem movimentos friques anti-sociais, que se
deslocam para fora da cidade ou aí permanecem extravagantemente. Os
òrficos e os pitagóricos são claramente vegetarianos. Os adeptos de Dionísios
só comem a carne crua. Os primeiros pensadores andam na orla desses
movimentos. Platão frequenta os Pitagóricos. Mas são os Cínicos (Antístenes e
Diogenes) que recusam ter qualquer coisa que não seja indispensável.
Diogenes vivia numa barrica e masturbava-se à frente de toda a gente, no
mercado, etc. Era um homeless? A solução dos gregos para as imagens surge
no drama de Édipo – o Édipo Tirano e o Èdipo em Colona de Sófocles dão-nos
a solução para o caracter temível das imagens – perante a profusão de
imagens e os vinculos sociais a solução só pode ser a cegueira voluntária. O
Édipo que vagueia acompanhado pelas duas filhas como um exílado é mais do
que um renunciante – ele entra no divino «maravilhosamente». O seu
desaparecimento contrasta com a obcessão tumular das outras peças de
Sófocles. Não haverá túmulo para o heroi incestuoso.
EXPLAINISM

POETRY (AND OTHER SILLY SEASONING SALADS) MANIFESTO

(what it is is not what it is

: openess of mind, body and


Il faut que la poetry
lumiére
in order to be really open
soit
neads some
bien avant la
critique closeness
Los cojones de
de la lumiére Dios

son
almendrados
strong opinions are great

weak metaphors are fine


rubia es la
noche

il faut faire
l’amour
be zen at noon y blancos los
avec dientes
and expressionist at 9
la cumplicité de los más
bellos
de la complexité conceptos
form is more and less

than content

multiplicity of ways of saying


il faut que tous
les images and showing
mañana las
deviennent is never musas

les images de
nôtre intensité enough se convertiran

en directores de
museus

después de
in fake we trust mañana

in truth we try los directores


de museus

se convertiran
thou shall be the builder
en chistes
of the NEW BABEL

il faut
ridicularizer
breakfast
le plus sublime
brings
et sublimer
power
le ridicule

pour que la forma


this manifest
la sublimité es un caramillo
is a flower
devienne que te cansa la
boca
plus sublime

que le sublime

encore
el amor te
vuelve

piramidal
y el
explicadismo

se emplumó

en batalla de
azafran
PORTRAIT
OF THE
ARTIST
AS
MIDLE
AGE
EXPLICADIST

the feeling of disorder is coming from the mexican border


AFINAL QUE PORRA É ESSA DO EXPLICADISMO?
É DIFÍCIL DE EXPLICAR?

o explicadismo é neo-radical? Ya!


e práticamente iconoclasta? Exactly!

Tudo o que é pintura, escultura, tecnologias novas ou velhas (com ou sem


ponta), medias esquesitos, materiais sofisticados, estilos, e outros gracejos do
género artistico

são fachadas bem menores (claro! claro!),


meios acessórios (eróticos das lojas de euro e meio)
transitórios
e bajulatórios

a grande arte é a das intuições conceptuais, mais do que a dos conceitos


acabados, digeridos, claros, mastigados, prontos a serem copmercializados
pelas grandes cadeias de GALERIAS/MUSEUS/ESTADOS e seus submissos
coleccionadores.

art as formula as art


art as explanation as art

o explicadismo não é pedagógico nem procura explicar tintin por tintin, mas
despoleta forças conceptuais que invadem o mundo

fórmulas,
esquemas,
comentários,
intuições,
gracejos

o futurismo pôs as palavras em liberdade, o dadaísmo deu-lhes a liberdade que


faltava aos futuristas. as vanguardas fizeram imensos derivados destas
experiências. a arte dita conceptual foi uma mixórdia bem esquisita que
agradou à ociosa classe dos intelectuais e pôs as palavras em toda a parte de
mil e uma maneiras. há neste género de arte muito design, mas também
alguma badalhoquice e vigarice. como no explicadismo, aliás.

Ad Reinhardt fez umas bandas desenhadas giras e uns esquemas fantásticos,


bem mais estimulantes que os seus quadrados pretos

Joseph Beuys era um explicadista quando fazia aqueles esquemas pseudo-


teóricos, meio esotéricos e meio politicos em quadros negros e folhas soltas
Keith Thyson (um artista demasiado novo) é borbulhantemente explicadista nos
seus desenhos – as fórmulas ficam-lhe bem, e a confusão faz pensar que
aquilo deve ser realmente complicado

Pedro Portugal, o inventor do explicadismo, pôe-nos a pensar no que é que


deve ser o explicadismo através das suas obras explicadistas

A filosofia de Wittegenstein dos ultimos anos é um bocado explicadista: não sei


se leva a algum sítio. No fundo (para ele) um bom HUM! é uma questão bem
mais importante do que o «solipsismo» ou outras aptidões «transcendentais».

Batarda é bué da retorcido no seu wittegenstainismo involuntário. É de um


achincalhamento ostensivo. Mas essa obstinação e achincalhação têm
qualquer coisa de explicadista. As suas àguarelas funcionavam como
esquemas «explicativos» (e bastante implicativos) da natureza da arte e da
nossa tão amada saloísse (estará a desaparecer?).

Joyce excita o explicadismo, através dele mesmo e de John Cage. O paradoxo


de Joyce é que no que é bom é muito bom e ninguém foi melhor nisso do que
ele. Mas o seu muito bom, o F. W. é também o seu pior (alguns críticos
cabotinos aplaudem!). coincidentia opositorum

O explicadismo tem muito de espirito anotativo, com mania de marginálias a


mais. Não basta sublinhar, censurar e ser decorativo ao mesmo tempo, como
faz esse grande vigarista chamado Kosuth. Há que ser alarve, ousado,
esquemático. A escolástica de Joseph K. é uma escolástica mole feita para
instituições demasiado nobres.

O explicadismo não é forçosamente peremptório. Faz muitas interrogações do


género: (ARTE = AMOR= CAPITAL =SAGRADO)?

A arte explicadista establece permanentemente analogias, hipóteses, comédias


irónico-eróticas, farsas intelectuais (e seus sucedâneos convictos), planos de
acção política, bombismo conceptual, guerrilhas neo-esotéricas, maçudas e
macerantes marginálias (apaixonadas e satíricas).

Platão, julgo que no Timeu (já não me alembro) engendrou belíssimos


esquemas que a idade média se entreteve a reproduzir. O esquematismo
geométrico parece estar por trás de quase todas as culturas: o ex bem-
sucedido Lévi-Strauss e toda a cangalha estruturalista via esquemas
determinantes em toda a parte. Os investigadores, professores, conferencistas
e outros aldrabões são adeptos de esquemas porque são mais autênticos,
imediatos, mediáticos e facilitam a comunicação (comó caraças).

Um bom sketch vale mil teorias.

Quantos tipos de fórmulas há?


Como medir a intensidade erótica de um conceito?
A associação de galáxias conceptuais parece-nos bem mais excitante do que
alguns peidos visuais ou das belas intimidades que uma escultura feminista
nos revela.

Camaradas, companheiros, amigos:

incito-vos a uma prática deveras explicadista!

Não é preciso ser-se particularmente dotado para o desenho, expert em


técnicas e tecnologias, ou artista encartado pela universadade da vida ou não.
Até uma criança de 4 anos pode engendrar maravilhosas obras explicadistas
capazes de rivalizar com as mais insipidas manifestações cuilturais que
infestam com pompa e circunstância o world as art world!

Não há revolução sem explicadismo!

Explicadismo já!

O Explicadismo activo jamais será vencido!


GENEALOGIA DO EXPLICADISMO

homeostetica

complexidades

porkis cocós

ases da paleta

centro de altos estudos


esteticos

vieira 2001

academia de
vanguarda

tretaterismo/neo-
complexidade

explicadismo
FEBRE EXPLICADISTA (CITAÇÕES)

O coleccionador torna-se afeiçoado às suas obras de arte mais disgusting – é como um


porco que exibe enchidos de seus semelhantes a outros semelhantes.

O que é significativo na arte é aquilo que procura ser incompreendido, de modo a


tornar-se algo esotérico, de difícil acesso, religiosamente pedante e comercialmente
sobrestimado.

Tornar-se urbano é procurar o máximo de reconhecimento (fama) numa estrutura que


se nivela pelo desconhecimento.

Uma autobiografia é a companhia hipócrita que o autor se faz a si mesmo quando


procura estar sózinho.

O artista é um orfão da fama.

Uma cidade desnuda-se mais rápidamente perante um turista curioso do que para um
autócne zeloso.

O artista exerce a sua sexualidade através da obra de arte. O crítico, mais realista e
consistente, fá-lo através do artista.

A história é mais cínica do que trágica.

Nada na natureza me parece marxista.

A causa da crueldade é o seu lado excitante.

Num mundo em que a memória parece estar, mais do que nunca, salvaguardada
documentalmente, estamos entregues ao livre curso da amnésia.

A classe média europeia e americana tem hoje ao seu dispor, com a maior das
facilidades, coisas que nenhum grande imperador mítico se atreveria a desejar.

A publicidade é o narcisismo do capitalismo quando sofre de excesso de felicidade.

A acumulação de memória através da documentação alivia-nos da memória mas não do


seu peso.

Os deuses foram substituídos por burocratas.

Um estilo caracteristico acelera o reconhecimento e o esquecimento.

A moda é impiedosa para com os que a seguem.

A fotografia reproduz-se com uma fidelidade que é impensável para a pintura.

Quando habitamos a história temos tendência a niglegenciar a natureza.


EXPLIQUE7

Pedro Proença e Pedro Portugal, 2006

Alguns aspectos explicadistas

1. Os artomos

hipóteses
a) as microparticulas são já «artisticas»?
b) O caracter dissimulante de algumas microparticulas (porque é que
é
tão dificil encontrá-las? Será que existem mesmo todas?).
c)As cadeias de forças que articulam as microparticulas são a base de
todas as cadeias de forças - a base explicadista.

Hipóteses P. PORTUGAL

ARTOMOS
As Partículas da Arte

(ARTOMS <=> NARTUR)

Os artomos são generativos. Os artomos disparam "expliques". Os


Artomos tem uma NARTUREZA autónoma.

(chegar a uma teoria matemática do artomo)


(máquina de cálculo de sequências de conecções baseada nos pontos
de acção potencial dos artomos que...)

Há 3 tipos de Artomos (naturais e artifíciais):

i. RECEPTOR
ii. CENTRAL (Artomos NICHT, Anti-Artomos, Artomos DOXA, etc)
iii. EFECTOR

Todos os Artomos funcionam com 3 tipos de operações:


A) Delay de propagação
B) Acção descontinua (discreta)
C) Mono output (explique) - cada artomo só emite um explique e
recebe um

História do atomismo a partir de Leucipo e Demócrito (e do


Vaiseshika indiano)como critíca do Ser, do Não-Ser e da Totalidade
(existe vazio onde se combinam particulas ao longo do tempo) – ver
também epicurismo, sobretudo Lucrécio

O termo homeostético artephysis é usado por alguns investigadores


como o de «natural transformado» - Podemos falar em NARTURAL
TRANSMUTADO - hibridização da natureza

BACK TO NARTURE

Stephen Boyden, um investigador australiano, escreveu uma história


bio-cultural. Há um projecto explicadista em curso de uma NATURAL
HISTORY OF MORE THAN ART.

POLIATEISMO - O poliateismo não excluí o tretoterismo, nam a


canalização de energias através de banhadas «mágicas». Deus não é.
Os deuses existem apenas como investimento de crenças e rituais.
Há uma eficácia «relativa» do campo do «sagrado» e da magia. Mas
numa perspectiva hedonista, materialista e artómica. Reescrever a
história da ciência, da arte, da religião nesta perspectiva. Ateísação
do tantrismo-taoísmo.

PORNOECOLOGIA - A complexidade organica (e teórica) é altamente


libidinosa -

Teorias da conectividade e das redes complexas (do vulgar dominio


ciêntifico)

Elenkhos - a função da refutação e dos esquemas de negação nas


explicações (formação de negatividades na linguagem que a agução e
tornam acutilante). Pode-se falar de erística numa fase naif (ver ERIS
- um grupo freak treatatérico com site na internet) - mas todos os
bons esquemas vivem de uma efevrescência refutativa. O lenkhos
também funcionou como um esquema que leva ao satari/apatia no
budismo e no cepticismo. Elenkhoterapia? É uma variante da
«contraindução generalizada» (ver catálogo 6=0).

EXPLICAR é forjar redes de causalidades e nexos propulsores de


persuasão. A ideia clássica de causa é substituída pela de hipóteses
sequênciais, às quais não são alheias (em inumeros casos) o acaso e
alguma indeterminação.

A EXPLICAÇÂO manifesta-se no explicante como ACTIVIDADE


DIAGRAMÁTICA e EFLÚVIO VECTORIAL.
O explicadismo está menos interessado na plausibilidade ou eficácia
das hipóteses e mais nos «arroubos explicativos» - os momentos em
que o corpo arrisca a formulação esquemática ou conceptual.

ARTOMOS
As Partículas da Arte

(ARTOMS <=> NARTUR)

Os artomos são generativos. Os artomos disparam "expliques". Os


Artomos tem uma NARTUREZA autónoma.

(chegar a uma teoria matemática do artomo)


(máquina de cálculo de sequências de conecções baseada nos pontos
de acção potencial dos artomos que...)

Há 3 tipos de Artomos:

i. RECEPTOR
ii. CENTRAL (Artomos NICHT, Anti-Artomos, Artomos DOXA, etc)
iii. EFECTOR

Todos os Artomos funcionam com 3 tipos de operações:


A) Delay de propagação
B) Acção descontinua (discreta)
C) Mono output (explique) - cada artomo só emite um explique e
recebe um explique de cada vez.
38 HIPOTÉTICAS CARACTERÍSTICAS EXPLICADISTAS

1. O homem é não só uma criatura filha do mundo dos deuses (daimones) e de si


mesmo, como é co-autor do mundo e dos deuses. O homem é também aquele
que inventa e pensa o vazio e o ser (o pleno, o cheio, o absoluto) e se esvazia e
se enche (incha) através dessa invenção.
2. O universo é originado/originante/recorrente. Os estados presentes mudam o
futuro e o passado. Cada momento e sujeito não muda apenas as representações
do que é ou foi, mas muda de facto a sequênciação do tempo.
3. Usa as finalidades desfinalizantes (o sentido do mundo é o seu inacabamento e o
seu incomeçamento).
4. Cada jogo de forças supõe um outro jogo de anti-forças. Cada degradação uma
emergência. Cada queda uma ascenção. Cada catástrofe um milagre.
5. Não há diferença entre corpo e alma. Este corpo-alma é perecível/imperecível. A
mortalidade é uma forma superior de imortalidade. A mortalidade opõe-se à
morte. O que está morto não morre.
6. Nós não somos individuos, nem sujeitos, nem espécies, mas uma multiplicidade
biológica estratificada que nos une a vários tipos de formas de vida (e até ao
inorgânico). Da mesma forma que contemos genéticamente uma diversidade de
individuações, também temos prazer em multiplicar os jogos de subjectivação
ou de especialização ( quer no sentido de espécie, de especial e de
especializado).
7. Não há diferença entre o livre-arbitrio e a predeterminação. Há sempre uma
margem de manobra de livre-arbitrio e indeterminação, mesmo quando sujeitos
a determinações estruturais fortes.
8. Exprimir e cultivar a expressão é programar e levar à prática modos ficcionais
de eloquência.
9. A autenticidade só é possivel através de uma recorrente prática de dissimulação
crítica. É o larvato prodeus. As aparências para se tornarem aparentes têm que
ser vislumbradas como representações, isto é, contempladas na sua intrinseca
teatralidade.
10. O contentamento é uma forma eufórica de autocrítica. A felicidade é a
manipulação de um estado de humilhação/exaltação/riso.
11. Cada momento convida à sua celebração e avacalhamento.
12. A ousadia é a forma mais rigorosa de prudência.
13. Cultivar a ginástica das paixões e a modulação dos sentimentos. Os estados de
espirito podem ser manipulados por posturas, respirações e pelo que ingerimos,
cheiramos e vemos.
14. A felicidade e a infelicidade (assim como todos os sentimentos intermédios) são
disposições fisico-quimicas circunstânciais. As emoções precisam de variar para
o indivíduo sobreviver. A monotonia emocional é mortífera.
15. Eu sou o meu melhor amigo e inimigo. Tal como os meus melhores amigos e
inimigos também são os meus melhores amigos e inimigos, além de serem os
seus melhores amigos e inimigos.
16. O Vazio não só provoca horror como atracção. As práticas resultantes desta
atitude ambigua roçam entre o culto do excesso, a acumulação, o minimalismo,
o classisismo, etc. Há porém quem não veja diferença entre o Vazio e o Ser
como Hegel e os seus derivados enlatos.
17. A Homeostética e o Explicadsismo postulam a identidade trinitária entre o 0 o 6
e o 9, tal como os cristãos acreditavam na não menos surpreendente identidade
entre o Pai, o Filho e o Espírito.
18. A cumplicidade é crítica e irónica.
19. Mudando-nos aprofundamos a borbulhante identidade. Pela repetição e
meditação tornamo-nos estranhos e diferentes.
20. As tácticas são preferíveis às alianças ou aos tratados. O espirito liquidatário
compensa as conservadoras tendências das solidariedades.
21. Ser casado e mudar todos os dias de amantes.
22. Prazer intenso na sociabilidade e na solidão. A sociabilidade torna desejável a
solidão. A solidão torna afrodisiaca a sociabilidade. Há alturas em que ambas se
confundem.
23. Criar e viver em sistemas onde existem hierarquias moles, mutantes e pouco
acentuadas.
24. Reger-se por dogmas paradoxais e por opiniões entusiasmadas. Poder dizer
«desta àgua não beberei» convictamente, e no dia seguinte beber dessa àgua.
Doxa na Paradoxa. Paradoxa na Doxa. Paradoxa na Paradoxa. Doxa pela Doxa.
25. Desdomesticar e Cohabitar. Não nos livramos das coisas preciosas da herança
do sedentarismo, nem dos sofisticados dispositivos conceptuais. No domesticado
subsistem impetos selvagens. Não há diferença entre o natural e o artificial.
26. Desejar saber, acumular saber, saber esquecer o saber, saber ignorar.
Enciclopedismo como acto de sedução. Docta Ignorância. Buscar o ignoto pelo
ignoto. Não desdenhar o òbvio e o pornográfico. Concentrar-se sobretudo no
eros cognitivo.
27. Não desdenhar o luxo nem o prazer, mas saber usufruí-lo cultivando uma
ascética e uma disciplina.
28. Procurar a medida na desmesura. Os excessos da sabedoria. A sabedoria dos
excessos. Geometrizar o informe. Deformar as geometrias.
29. Interdependências voluntárias sem caír em dependências fortes ou em
isolacionismos histéricos.
30. Nomadismo intelectual. Viagens circunstânciais.
31. Realização das virtudes nos sentidos. Perversão das virtudes na arte. Apatia
ocasional. Preplexidade e resposta activa perante as têndencias ambiguas da
vida.
32. Ter bom-senso e amar o absurdo. O bom-senso do absurdo. O absurdo do bom-
senso.
33. Ser mestre entre os mestres é manter o espirito de abertura dos alunos aliado a
uma acumulação de peritagens.
34. Praticar um enciclopedismo multiplo em auto-divergência.
35. Não há verdade, mas apenas estados de verificação e de incerteza. A verificação
é feita através de tentativas erráticas, metódicas ou anárquicas.
36. Aumentar a complexidade e manter-se num espirito complexo através de
práticas e enunciados aparentemente simples.
37. Cultivar o repouso no movimento. Alternar a inércia com a exuberância.
38. Ter um desapego às coisas através da acção e da criatividade.
manuália explicadista

1. A arte, a vida e a teoria – estas são as noções que fazem girar o


explicadismo.

2. A liberdade, o êxtase, a beleza – sem estes três estados


qualquer condição ética é desprezível.

3. Somos permeáveis a umas coisas e impermeáveis a outras. As


modas, o fascínio intelectual, as influências e as exigências
morais tentam determinar não só a nossa vida como aquilo que
podemos querer da nossa vida. As instituições, e todo o tipo de
intoxicação física ou moral fazem de nós uns tontos, meros
joguetes num jogo que não parece interessante.

4. Devíamos interrogarmo-nos sobre o que é que queremos fazer


com o que somos, ou se não queremos mesmo fazer nada.

5. A arte e a teoria garantem-nos liberdades que a religião ou a


politica tentam controlar.

6. A arte é uma disciplina que tenta exercitar-se no sentido de


escapar às determinações. Mas nessa fuga gera paradoxos. O
sistema da arte, com o seu ar de liberdade quase total,
pressiona e discrimina a prática artista, obrigando-a a jogos e
passos que limitam a sua (e nossa) liberdade. O artista
interroga-se frequentemente com o seu para quê. O artista
raramente percebe como é que caiu nessa situação. A resposta
é óbvia – essa situação sempre foi uma condição para a
emergência da arte. O sistema da arte será sempre poder
exercido – isto é, pressão sobre os artistas.

7. A grande arte deve procurar a autonomia relativamente ao seu


sistema, embora sempre que seja «arte» já se insira nesse
sistema.

8. A teoria, como experiência e prática constante, quer no seu


modo contemplativo, quer na vibração das suas acções, pode
tornar mais transparentes as condicionantes da arte, da vida, e
da própria teoria, e criar as estratégias de emancipação e de
plenitude, que tornarão mais nobres quer as experiências do
artista-teórico-vivente, quer daqueles que com ele e as suas
obras convivem.

9. Algumas coisas estão fora de controlo e outras não. Deveremos


controlar os nossos desejos e condicionantes ou devemos
descontrolar-nos?
10. O artista ao buscar ser o mais livre possível busca o quê?
A autodeterminação na interdependência? A determinação que
maximiza as indeterminações? A disciplina que multiplica as
indisciplinas? Deve ser isto.

11. Há uma ascese do complexo e do múltiplo que exige a


mais severa disciplina. Prepararás o corpo exercitando-o para
esta dura luta, pois um corpo fraco terá maior dificuldade em
enfrentar os desânimos frequentes.

12. Há um número de coisas que escapa à nossa vontade e


que nos modificará irreversivelmente. Devemos estar atentos
aos sinais de modificação. Toda a modificação é aproveitável.

13. Quem não está aberto ao acaso acaba escravo do


acidental e servo das suas defesas.

14. Tem consciência de que o efeito das tuas acções,


pensamentos e obras, por mais críticas e irreverentes que
sejam, podem ser sempre manipuláveis por forças alheias.

15. Sempre que a acção se expõe os manipulantes surgem.


Só no pudor e na intimidade te realizas de acordo com as tuas
intenções. Mas a arte, a teoria e a vida só adquirem o seu
sentido enquanto algo partilhável. Sem uma mínima exposição
não há partilha.

16. Deves esconder o que não queres que seja manipulado. A


dissimulação garante a participação. Não poderás exercer a
liberdade sem te mascarares.

17. A natureza, à partida, é escravidão. Terás que aprender a


fluir na crista da onda da natureza. Não te deixarás perturbar
pelos momentos de aparente subjugação.

18. Deixamo-nos perturbar porque tememos as neuroses da


apatia e da ataraxia.

19. É inevitável que falhemos. A «integridade» encontra


sempre ocasiões de refutação e double-binds que a afectam. No
entanto a «integridade» não deixa de ser um caminho em que o
mundo se faz cada vez mais digno, ou se preferirem, para a
chacota geral, mais bíblico.

20. A felicidade pode nascer de temores e de perturbações.

21. Adquirir a liberdade sem excessivos lamentos. Não há


liberdade ou libertação sem uma alegria física.
22. A arte realiza quase todos os desejos. Ser artista é uma
«obrigação ética» porque não deixa os desejos eternamente
adiados.

23. As fatalidades negativas – a morte, a doença, a velhice, a


pobreza, a servidão, o medo, a timidez, a vergonha, a culpa.
Não te deixes conformar. Não combatas as fatalidades com
inimigas, mas aproveita as ocasiões de libertação que elas
oferecem.

24. Aumenta os teus desejos para que os possas realizar na


arte.

25. Se os objectos te proporcionam prazer não fujas desse


prazer. Mas não te deixes excitar até ao ponto de seres seu
servo.

26. O grande prazer é a disciplina. Disciplina sem teoria e arte


é como a fruta sem sabor. A grande disciplina explicadista
procura ser flexibilidade, complexidade, movimento e
graciosidade.

27. Procura alternar acção e tranquilidade. O exercício do riso


torna os outros sentimentos mais sensíveis.

28. A natureza trabalha para produzir êxtase. Se rejeitas o


êxtase estarás a lutar contra a natureza. Se te tornas insensível
é porque assinaste um contrato com a morte.

29. Adequa-te à natureza como a um esplendor. O que provas


da natureza é o seu desejo de expansão, a doxa, a intuição de
que há um caminho que nos leva ao Absoluto.

30. A secagem que a teoria opera sobre a visão das coisas dá-
nos o prazer das subtilezas, de algo erótico e borbulhante que a
natureza não sabe entregar senão através de ti e dos teus
semelhantes. A teoria é o êxtase como o outro do êxtase. É a
«paradoxa» que age empaticamente sobre a doxa.

31. A teoria é instruída no abstracto e nas trevas de modo a


concentrar os hálitos expansivos da natureza em diagramas e
palavras.

32. O saber é menos uma instrução e mais uma excitação.


Aprender é a exercitação das excitações.

33. O explicadismo explica para aprender. Sabe que as


explicações não resumem o mundo mas alastram os modos de
ver e de participar no mundo.
34. É o corpo que solicita as teorias como um remédio.

35. Antes de definir uma proposição como verdadeira ou falsa


atenta à sua forma e à sua beleza. Depois considera-a do ponto
de vista dos paradoxos. Finalmente aceita-a com ligeireza.

36. É teu «dever» solicitar teorias como modos de ilusão que


excitam para a «verdade».

37. Aceita as aparências, por mais erradas que sejam. Mas sê


crítico e desconfiado.

38. Transforma os desejos e as aversões em teorias e arte.


Transforma as teorias e a arte no prazer de viver.

39. A ironia despe-nos das convicções tirânicas. O exemplo


socrático é o de que a dissimulação não oferece soluções, mas
apenas o doce prazer da refutação. Nesse sentido Sócrates é
um discípulo de Górgias – combate o sério com o risível e
desfaz o risível com sérias refutações. Utiliza este método como
uma ginástica, mas salva-te de um cepticismo somático. Cultiva
a preplexidade nas opiniões e o entusiasmo nas acções.

40. Nada possuímos no mundo senão aquilo que em nós


trazemos. Não podemos combater o nosso apego às coisas
porque as coisas nos são alheias. Só através da ingestão o
alheio é apropriado.

41. A maior diferença entre o rico e o pobre é o acesso à


comida. Quem se habitua a comer muito terá sempre algo por
saciar. Quem está habituado a pouco extrairá suficiente prazer
desse pouco. Os mais famintos deleitam-se com o que comem.

42. Extrai o benefício do benefício e do malefício.

43. Ter teorias não é dizer que se tem teorias. Uma teoria é
um modo de esquematizar relações no mundo através da
concentração da visão das operações do mundo em termos-
força.

44. Há que fazer opções. A melhor opção é aquela da qual se


pode tirar partido?

45. Há uma idade, menos explicadista, em que nos


procuramos desembaraçar de tudo como de um fardo.
Deitamos fora as teorias, a beleza, a arte, o êxtase, como se
nos deixássemos ir. Preparamo-nos para a natureza, como para
uma vulnerabilidade e mortalidade.
46. «Conhece-te a ti mesmo»? O teu conhecimento é o
conhecimento de que tens capacidades desaproveitadas.
Aproveita as capacidades que ainda não desenvolveste. É com
elas que vais pescar o desconhecido e o conhecido.

47. Apura. Torna-te diligente e negligente no entusiasmo.


Muitas vezes a correcção das negligências retira a graça.
Aprende a encontrar o ponto de equilíbrio entre diligência e
negligência.

48. Nada temos para demonstrar senão em exibicionismo,


como uma espécie de devoção a quem quiser acolher as nossas
práticas. Não há felicidade sem esta devoção.

49. Só na dádiva encontras repouso.

50. Age muito para além do estritamente necessário. Mas


com subtileza e ternura.
NOTAS DOXA
PEDRO PROENÇA 2004/2006

O ESTADO DE GRAÇA

Hé gar dinamis en astheneia teleitai

A potência na fraqueza em-fim!


Isto tudo a propósito do revitalizante livro de Agemben sobre as epistolas
paulinas: Il tempo che resta…

«Enquanto para Paulo a criação está sujeita


à caducidade e à destruição ,
gemendo e sofrendo por essa razão
na espera da redenção,
em Benjamin, graças a uma inversão genial,
a natureza é messianica precisamente porque ela
é totalmente caduca, e o ritmo dessa caducidade
é a felicidade.»

ETHOS:DYNAMIS

A ética é a potênciação. (Sêr ético é querer ser mais, daí a formula de N.:
vontade de poder)

A Sofistica coloca o caracter ilusório das aparências como mais verdadeiro do


que qualquer acto des-ilusório. A capacidade de aceitar o ilusório (a
teatralização da physis) é o encanto.

Quando Jesus diz que o seu Reino não é deste mundo não quer dizer que
rejeite o mundo porque a passagem do Logos à Carne é a passagem do
Logomorfismo a algo en-carnante, físico. A ressurreição apenas sublinha, uma
segunda vez, essa vontade de participar na Físis. A morte do messias é, de
uma certa perspectiva, a aceitação da caducidade (cade como corpo morto
cade dizia Dante!). A caducidade é o que cai, o que aceita o seu peso. É o que
se torna algo de peso: kavod, ou doxa. Ortogononalidade. Per-
pendicularidade. Ortodoxologia.

É estranho que a Doxa, que significa precisamente a errónea via da aparência


na tradição filosófica, seja assimilada enquanto glória nos escritos neo-
testamentários ( na continuidade da tradução dos Setenta). Mas a tradição
judaica, que me recorde, não faz a crítica das aparências, apenas manifesta
de vez em quando algum desânimo. O livro de Job é o exame crítico da
Demiurgia. Deus passa o exama graças ao aparato da sua doxa. A doxa
esmigalha o criticismo súbtil. Com Kavod de que servem as objecções de
qualquer tipo?

Uma leitura dadaísta ou sofística do cristianismo. «Tudo o que se vê é falso!»


de Tzara não é a rejeição do visível mas a crítica do positivismo indutivista.

Há que ler de Agemben o já distante Infância e História, nomeadamente o


capitulo Tempo e História:

«O tempo da Gnose é um tempo incoêrente e sem homogeneidade,


cuja verdade se situa no instante da brusca interrupção em que o
homem, graças a uma súbita tomada de consciência, faz sua a condição
de ressuscitado («statim ressurrectionis compos»). Conformando a sua
atitude a essa experiência de tempo interrompido, o gnóstico mostra-se
resolutamente revolucionário: ele recusa o passado, mas dando valor e
presença, de forma exemplar, a isso precisamente que se condenava
nele como negativo ( Cain, Esau, os habitantes de Sodoma) e sem nada
esperar do futuro.

Também nos estoicos, a antiguidade tardia parece ultrapassar a sua


própria concepção de tempo. Essa passagem manifesta-se como recusa
do tempo astronomico do Timeu, imagem da eternidade, e como
rejeição da noção aristotélica de instante matemático. O tempo
homogéneo, infinito e quantificado, que divide o presente em instantes
sem extensão, é para os estoicos irreal, tomando-se exemplarmente na
espera e no reenvio a mais tarde. A sujeição a esse tempo inagarrável é
a infirmeza frontal: ao diferir indefenidamente, ele impede a
existência humana de se possuir ela mesma como um todo unico e
acabado («maximum vitae vitium est, quod imperfecta semper est,
quod aliquid in illa difetur»). Ao olhar, o estoico coloca a experiência
libertadora de um tempo que não é objectivo nem subtraído ao nosso
controlo, mas nasce da acção e da decisão humanas. Ela tem por
modelo o kairós, a brusca e súbita cioncidência: o homem decide
agarrar a ocasião, realizando a sua vida no instante. Subitamente, o
tempo infinito e quantificado torna-se delimitado e faz-se presente: o
kairós concentra em si-mesmo os diversos tempos («omnium temporum
in unum collatio»), permitindo ao sábio o tornar-se seu próprio mestre,
sentindo-se à vontade em si como o deus na eternidade. O kairós é a
«mão-forte» que o homem dá à sua propria vida e que o arranca
radicalmente à servidão do tempo («qui cotidie vitae suae summam
manum imposuit, non indiget tempore»).»

Uma teoria como algo que establece nexos fluentes entre agregados de ideias.

A actividade teorica tem que ser apetecível. Se não há apetite na culinária


conceptual como é que nos poderemos alimentar dela?
A optica chinesa pretende que todo o momento é kairos, mas temos que
descobrir que tipo de oportunidades é que nos oferece. Para isso a consulta
do I ching abre promissoras pistas. O I ching é um convite ao oportunismo.

O Carisma é a manifestação da graça. O sábio explicadista desconfia das


aparências carismáticas. O carisma é a animalidade e o divino
simultaneamente. O homem encontra-se ensanduichado na sua imperfeição
entre a graça divina e a graça animal. Resta saber se essas duas graças não
são apenas peças de um mesmo puzzle.

A presença é o presente. No tempo só há representação, isto é, substituição


do presente e da presença. Ou, no tempo não há representação, porque o
único que nos é dado é o presente.

A «crise do indizível» remete para a experiência como subtracção ao


catastrófico. A re-consideração de Babel enquanto porta para o divino (bab-
el, porta de deus) não activa nenhum esforço no sentido reconstrutivo porque
num certo sentido Babel nunca foi destruída, tal como o homem nunca foi
expulso do Paraíso (vidé Kafka!). A incapacidade de «experimentar» é que
provoca a ilusão da destruição de Babel e da disseminação linguística. Só no
poliglotismo, ou em textos como o Finnegans Wake é que Babel se mantém
erecta/destruída/em-reconstrução.

A arte conceptual tenta retirar aos criadores a experiência da experiência. A


experiência da pintura ainda é das poucas autênticas, uma vez que o pintor é
confrontado com coisas absolutamente elementares, com uma física da ilusão.
A pintura é uma confiança voluntáriamente naif na re-presentação, porque
não há alternativa à naiveté, mesmo na mais profunda consciência há algo de
inconsciente ( vêr Michel Meyer ou Morin), e a única autênticidade é uma
certa candura consciente e uma confiança nas representações, por mais
inadequadas que elas sejam, quer no que diz respeito às singularidades, quer
no seu apetite pelas generalidades.

O Todo, o Uno, o Ser, a Verdade são drogas. A experiencia desses termos e as


técnicas de meditação associadas funcionam como um verdadeiro vício e são
capazes de levar ao extase. Esta é a vantagem do impulso totalizador-
generalizador. A Homeostética, tal como a Sofística, quer fazer um bom uso
dessas técnicas sem no entanto se deixar caír nessa poderosa naiveté da
linguagem. A pulsão generalizante-totalizante tem que ser considerada na sua
eficácia retórica ou performativa, e sabemos que o poder de determinados
conceitos e imagens que lhe estão associados exerce uma tremenda influência
nas «vítimas» da linguagem (vulgo os «receptores»).

Kavod é a acumulação. A acumulação levanta problemas logisticos. A glória de


Deus já não encontra espaço suficiente para se localizar. Por isso o
Cristianismo inventou a participação humilhante. Da glória à humilhação! Do
Alguém a Ninguém, como diria Borges. Mas também podemos fazer o percurso
inverso ao fazermos a leitura da Glória na Humilhação, como o fez S. Paulo.
Assim a máquina post-paradoxológica faz não só ver estes dois estados ,
gerindo os seus paradoxos, como faz a experiência para além da Glória e da
Humilhação ( e da glória humilhante, e da humilhação gloriosa!).

Doxa A (doxa do positivo) - Glória


Doxa B (doxa do negativo) - Humilhação
Paradoxa A - Glória Humilhante
Paradoxa B - Humilhação Gloriosa
Post-Paradoxa- O retorno descompactificano (fortificado-enfraquecido) das
diversas doxas e paradoxas.

Na post-paradoxalidade podemos voltar a vêr o mundo como glória, que é a


sua forma mais natural, onde pela experiência, tudo nasce permanentemente.
Na Glória é a metáfora que activa o apetite experimental. A glória é algo
ritual. A internalização do que quer que seja abre as portas à experiência
humilhante. A filosofia internaliza o ritual e tenta suprimi-lo pela abstracção.
Mas o ritual regressa sempre. E uma vez feita a experiência «humilhante»
(sobretudo a conceptual) jamais nos podemos desfazer dela, mesmo no
regresso à Glória. Por isso a glória ressurge como Graça, como Carisma.

DOXA = CHARIS

Mas a Doxa, ao contrário da Humilhação, exige a comunidade. A humilhação


começa com a experiência do deserto, com Abraão e mais tarde Moisés, Jesus
e Maomé. A crucificação de Cristo é apenas uma consequência lógica desta
pre-disposição humilhante. É certo, que há algo de humilhante, mais do que
culpável, na forma com que aparentemente Adão e Eva são expulsos do
Paraíso. Mas também há algo humilhante para Deus, ao aperceber-se que os
seus interditos são fácilmente violados, graças precisamente à curiositas-
fornicatio. Há um falhanço e o reconhecimento de um falhanço, e Adão e Eva
apercebem-se disso. Há também o reconhecimento de que Deus é mentiroso
por parte da criatura criada, uma vez que Deus tinha declarado que eles
morreriam mal comessem esse fruto. De facto eles morrerão, mas só passado
muito tempo. A glória do deus criador passou a estar afectada e condicionada
pela capacidade de discernimento da criatura provocada pela prova do fruto.

A teoria é feita em duplo sentido: como evasão, ao activar os mecanismos de


abstracção (nihilificadores!), e como feed-back de uma prática. A teoria co-
existe com as práticas; não as obriga, não as traduz, não as pressupõe. Não é
mãe nem filha. A teoria pode realizar-se contra a sua essência iconoclasta.

A «humilhação» é mais do que o regresso ao útero. É quase um retorno ao


mineral. Mas mantém-se nesse húmus que é parte da passagem entre uma
vida e a sua renovação. A prática da humilhação é a chamada meditação.

A Doxa é a manifestação exemplar de todo o pensamento «menos-lógico» (em


que a lógica, consequência da escrita, não exerce uma tirania). A doxa
articula o mundo de acordo com analogias e metáforas que ainda não
esclerosaram.
O caso exemplar do regresso à Doxa são as, aspesar de tudo, tardias
«epopeias» hindús, reacções desbragadamente mitológico-metafóricas à
lógica («Paradoxa») e à vacuídade que o dominio budista exercia inclusivé no
campo hindú. O Ramayana e o Mahabharata absorvem e ultrapassam as
aporias do pensamento paradoxante que se encontra preso a ideias como a de
«renuncia» ou «desapego», com a célebre fórmula da participação nos actos
renúnciado ao seu fruto. Será que essa renúncia é real? Ou não passa de mais
uma mentirinha de Krishna?

«Des-fruto»? A noção de altuísmo também é paradoxante!

O Ocidente também ressuscita mitológicamente (doxícamente) nas


metamorfoses de Ovídeo e Apuleio, assim como nas Dionísiacas de Nono ( e
também na biblioteca de Apolodoro). As formas mais exemplares de
enunciação (e recriação) mitológica podem ser tardias e surgirem em períodos
onde parecem improváveis. O caso de Ovídeo é exemplar uma vez que a
cultura Romana se evmerizou muito cedo. A Eneida repõe algo de mitológico
mas deixa muito a desejar. É demasiado arquitectónica. Os textos de Ovídio,
quiçá imperfeitos do ponto de vista literário, são a «vulgata mitológica» do
Ocidente. Mesmo Homero é pouco mitológico. O Único texto antigo que é
densamento mitológico é a Teogonia de Hesíodo, texto que não parece
suscitar muito entusiasmo ao longo dos séculos em termos de apropriação e
transformação. Além disso o texto de Hesíodo não tem pretensões literárias e
representações. Ovídeo, Apuleio e Nonno são resolutamente homens de letras
que, pelo menos nos dois primeiros casos, acabaram por ter problemas com a
própria sociedade civil em que se inseriam. Se no caso das gigantescas obras
hindús não temos «autores» que dêem o seu nome, os casos do ocidente são
absolutamente exemplares. Os seus estilos são ricos, procuram a exuberância
e a diversidade. Gostam de metáforas arrojadas, por vezes até à nausea. Não
são ingénuos no campo da lógica. Etc.

A frase de Picasso: «a arte é uma mentira que diz a verdade», pode ser,
parahermeneuticamente retraduzida em «grego»: a «arte» é poesis, a
«mentira» é apaté, o «dizer» é a acção do logos, e a «verdade» (pois claro!) é
a aletheia. Poesis: Logos/Apatê/Aletheia.

Ora, apaté quer dizer:«decepção, ilusão, engano, astúcia, artifício,


passatempo, prazer». É aquilo a que os indianos chamam maya, a fonte do
sofrimento a (assim dizem os livros género esotérico) «ilusão pluriversal»
(subsiste a qualquer universo!). Logos, não é só a poetica «pose recolhente»
de que fala Heidegger a propósito de Heráclito, mas «tudo o que é posto em
relação (cálculo, proporção, valor); discurso (palavra, argumento, relato,
proposição, defenição); razão (inteligência, fundamento, motivo). Aletheia é
o que se denomina de :verdade (oposta ao pseudos, falso, mentira),
realidade (oposta à Doxa, aparência, opinião): e é entendida como composta
a parte de a , privativo de lanthanô, estar escondido, escapar, esquecer (de
onde o des-velamento heideggariano).(defenições tiradas do glossario in
Cassin, o Efeito sofistico). Ou o jogo de escondidas de que fala Heráclito. É
claro que pus Apaté onde poderia, e talvez devesse pôr Pseudos, cujo sentido
é o de «falso, mentira, conclusão enganadora, fingimento, ficção». E nesse
sentido teriamos a defenição mais pessoana de que A POESIA É UM
FINGIMENTO QUE DIZ O IN-ESQUECÌVEL PARA LÀ DO SENTIMEMTO (o sentido de
Aletheia é o de «un-for-gettable», o que não se esquece no esquecimento).

Esta defenição muito mais vigorosa de Arte, que põe em jogo quer a
persuação quer a autenticidade, quer a imagem (aparência e ilusão) e
palavra.

Mas num sentido mais homeostético A ARTE É A DOXA QUE DIZ/MOSTRA A


PARADOXA e a PARADOXA QUE DIZ/MOSTRA A DOXA. A PARADOXA é um
fenómeno tardio, está associada ao nascimento da lógica e ao aparecimento
da escrita. A esse propósito devem-se lêr os livros de Jack Goody sobre as
obras onde a escrita se faz ressentir. Sem a formalização da não-
contradicção, que depende de uma profunda reflexão sobre a linguagem, a
PARADOXA 1não tem lugar, por mais que esta seja uma subversão do espirito
lógico. Mas também podemos distingir dois tipos de Doxa:

a) A Doxa como encadeamento intuitivo, ou esquemático, de uma predação


metafórica.
b) A Doxa como jogo de linguagem no sentido wittegensteiniano, isto é,
como encadeamento de proposições «coerentes».

A minha tese, bastante duvidosa, de um parentesco delirante entre o texto de


Luciano ( Uma história verdadeira) e o Apocalipse da Biblia, pode sêr
extendida aos livros «apocalipticos» (no entender de Madeleine Biardeau) que
são o Mahabharata e o Ramayana. O que o Apocalipse faz é um retorno á
DOXA, unindo o texto verdadeiramente Dóxico que é o primeiro livro da Biblia
a outro texto exuberantemente dóxico que é o último. È o kavod desbragado,
a acumulação icónica que as correntes iconoclastas, como o protestantismo,
acabaram por expurgar. Por outro lado temos os exemplos de Moisés/Paulo de
Tarso/Maomé, como organizadores-reorganizadores da lei e da comunidade
segundo modelos bastante complexos. E temos os protagonistas da
desritualização como o são Cristo e Buda. A expulsão dos vendilhões do
templo e a já evocada frase «o meu reino não é deste mundo» ( o que não
quer dizer que o seja num outro mundo! A questão é que a sua vivência, e não
a basileia, é uma vivência plena num mundo que co-existe com este! Do
mesmo modo o budismo dirá que o nirvana é o samsara). O budismo, como
remédio prático para o sofrimento, desritualiza e desteatraliza o mundo. O
iconoclasma é mais do que uma caracteristica do budismo. Extranhamente o
budismo realiza tranquilamente o iconoclasma ainda mais que o Judaísmo e o
Islamismo. Toda a representação é inadequada, mesmo a do vazio, ou a
verbal. Enquanto para o Judaísmo e Islamismo a PALAVRA é sagrada e o
mundo é dotado de uma realidade, assim como os seus seres, a inconsistência
do mundo, e sobretudo de qualquer representação, palavra incluída, são para
sêr postas de parte. Asoka, o imperador convertido, será na índia, um

1
Não é a verdade e a mentira no sentido lógico que projectamos no mundo, mas o crédito e
descrédito no que nos parece. Deveria dizer-se «parece-me que» e «acho que não».
instigador do Iconoclasma. O Iconoclasma é a expressão anti-doxica que
acaba, usualmente, por caír em deliciosos axiomas da PARADOXA.

O livro de Goody Representations and Contradictions, Ambivalence towards


Images, Theatre, Fictions, Relics and Sexuality é subterraneamente povoado
por uma polémica anti-puritana e anti-iconoclasta. No fundo a exuberância
cultural depende de:

a) representações (toda a comunicação é re-presentativa; a ideia de «pura


presença» é falsa)
b) contradicções (toda a enunciação lógica está sustentada por
contradicções)
c) ambivalências (há por vezes nas imagens e nas palavras alguma
ambivalência que provoca ruído e prazer na linguagem)

as sociedades «culturalmente pobres» são precisamente aquelas, que por


determinadas «razões» rejeitam estas premissas e interditam as «Imagens, os
Teatros, as Ficções, o culto das reliquias e a sexualidade». Tudo isto me
parece uma daquelas evidências nietzchianas.

O que me parece «lógicamente» evidente é que não se pode sêr


consequentemente um iconoclasta e gostar de ir ao cinema vêr um filme, ou
lêr um romance. Não se pode «condenar» a pintura porque está vinculada ao
comércio e receber dinheiro de uma fundação cujos negócios são obscuros, ou
estar vínculado ao Estado (o estado, hoje, é de certo modo mais totalitário do
que nunca, apesar da promiscuidade com o capitalismo-global, e a
comunicação social-manipulada). Confesso que não aceito o tratactus-logico-
filosofico de W. porque é profundamente iconoclasta de uma ponta à outra. È
certo que é uma tentativa para «clarificar» a visão do mundo que se ínicia
com um pressuposto de que há algo totalizador e de que nos devemos calar
em determinadas circunstâncias… deveremos calarmo-nos? Etc. Ou gritar? Ou
tagarelar? Ou desconversar? Há um irrepresentável. Ou é o Divino, o
Indizível,etc, um jogo de linguagem («paradoxante») que não cessa de sêr
divertido. E nesse jogo o mais «exacto» é recorrermos ao delírio imagético, às
ambiguidades, aos paradoxos, ao teatro, à sexualidade, aos ritos, e por aí
adiante. A solução mais razoável neste dominio foi a proposta pelo pseudo-
Dionísio e actualizada por Erígena: o dissemelhante, o híbrido, o monstruoso,
pela idequação às aparências (o dito real) re-presentam, à falta de mais
adequado, o divino. São o des-fruto, a jouissance…possiveis.

Os livros que poderiam «legitimar» teoricamente a homeostética são


posteriores ao fim do movimento, ou passaram-lhe ao lado. É certo que há um
impulso dado pelo «Método» de Morin, no sentido de reinvidicar a
«complexidade», como uma espécie de jogo consciente/inocente, inocente na
sua insuficiente consciencia e consciente da sua astúciosa inocência.
Cage dizia que estava a dizer nada e que o estava a dizer. A sofistica diz um
dizer que diz. Diz pelo prazer de dizer. A questão fulcral, que abordei entre
83 e 85 foi a da representação ( à sombra de Gombrich e de Fernando Gil).

Hacking não caracteriza o sêr humano como faber, mas como Homo depictor:
«os seres humanos são representadores»(in Goody), e acrescenta: «a
pluralidade de representações incita necessáriamente ao cepticismo,á duvida,
e encontra-se ligada á fractura entre aparencia e realidade.» Mas há uma boa
parte do acto representativo que não é representação nem pretende ter uma
ligação vinculativa à realidade. É a própria linguagem representativa que se
explora na sua autossuficiência. A linguagem tem uma tendência a emancipar-
se de qualquer finalidade comunicativa para encontrar em si uma não-
finalidade, um modo de se perpétuar na multiplicação serial e no prazer
performativo.

Não consideramos estas duas tendências como excluindo-se uma à outra, mas
como contribuindo para o enriquecimento reciproquo não-dialético. A
multiplicidade de representações inclui a produção iconoclasta. Precisa dela
como um outro ou como um nucleo interior que a deforma. O iconoclasma é
um banho circunstancial. O jejum é também doxa.
(folha solta, não datada )

O poema, se tal coisa existe, é um «banimal» (ou um «panimal»)


Metade «daimon», metade máquina.
Habitam-no as coisas antes das palavras e as palavras submergindo as coisas e
as coisas emergindo das palavras.
Habitam-no as más intenções do poeta e as póstumas intenções do leitor.
O poema, co-habitado, sobrevive à incongruente intencionalidade e morde a
sua cauda.
O poema deserta das hostes do poeta.
Não se percebe onde começa a natureza. Será que algo a separa do artifícial
e da sobrenatureza.
Somos nós que somos violados pelo indistinguível mundo, embora tenhamos a
ilusão de que violamos a natureza. Neofito: não há não-natureza!
nota (doxa) – Abril 2004-04-26

DOXA (apaté/maya) não nem deixa de ser o Ser nem o Não-Ser

PENSAR É DOXAR

Ser (bhraman)= não-ser (nirvana) = doxa (samsara)

SÓ HÁ UMA VIA POSSÍVEL, IMPURA, CHEIA DE FALSIDADES (OU VERDADES) E


QUE NOS PERMITE O QUE QUER QUE SEJA: A DOXA.
E A DOXA NÃO ENGANA, PORQUE NÃO É MENTIRA NEM VERDADE. É O QUE
VAMOS EXPERIMENTANDO. UNE AS CONCLUSÕES DO BOM-SENSO (INDUTIVAS)
ÀS CONSIDERAÇÕES EXTRAVAGANTES (CONTRA-INDUTIVAS). UNE A INTUIÇÃO À
LÓGICA E À FANTASIA.
O QUE É A DOXA?

Existem 3 hipoteses: não-ser, ser e doxa

o não-ser é a impotência ou ausência de ser


o ser é a omnipotência
a doxa é a potênciação

o não-ser é (apesar de tudo) enunciável, pressentível mas insondável


o ser é enunciável como abstracção mas inexprimível
a doxa é o pensar – só a doxa permite enunciar-se a si mesma assim como ao
ser e ao não ser. O ser e o não-ser são incapazes de enunciar seja o que for.

não-ser é impensamento (a inconsciência inconsciente)


ser é não-pensar (consciencia inconsciente e inconsciencia consciente)
doxa é a força e a possibilidade (limitada) do pensar (consciencia o mais
consciente possível)

o caminho do não-ser é inacessível ao que é vivo


ao caminho do ser é de muito difícil acesso mas possivel e desejável
a doxa tem vários caminhos e todos eles podem e deveriam conduzir ao ser
existem, para além disto vários não-caminhos, inércias, confusões, vícios

o não-ser está presente pela impotência ou pela ausência


o ser está presente como eminente omnipotência
a doxa está presente como complexidade e articulação de fracções
presentificantes

o não-ser é intemporal, indivisivel, impotente, vazio, indiferente


o ser é temporal, divisivel2, omnipotente, continuo, diferenciável
a doxa é instantânea, composta (agregada), «forte» (virtus), fragmentária,
diferenciante

a doxa tende para o ser, é a modulação ascendente, do não-ser para o ser


há no entanto uma modulação no sentido inverso que é a mediocratização e a
nulificação – é a tendência para o pensar inactivo, confuso, indiferenciado,
impotente, inerte, desencantado. É o «mal» (a morte, a doença, o
sofrimento, e não o mal «moral»).

esta distinção é essencial


os homens não podem viver continuamente no ser graças ao mal
o mal abriu possibilidades que a potência pura apenas acumulava como um
continuo
o enfraquecimento introduzido pelo mal tornou mais claro o ser como bem,
como prazer máximo, como deleite absoluto

2
Divisivel mas não dividido. O Divisivel está indiviso, é a potência da divisão.
a doxa é pois o hedonismo e uma exercitação vigorosa

questões: porque é que o ser é temporal e divisivel e não eterno e indivisivel?

a) se o ser não fosse temporal, dado como tempo, não havia nenhuma
manifestação. Só o não-ser pode ser intemporal ou eterno. O termo
eterno não faz sentido senão como conjectura de uma temporalidade
indefenida sem princípio nem fim. Ninguém me garante que o ser não
tenha tido um princípio e que venha a ter um fim.
b) se o Ser não fosse divisivel nenhuma distinção seria possível – o facto
do Ser ser divisivel não implica descontinuidade, antes pelo contrário.
Também é certo que o ser não se dá obrigatóriamente como
divisibilidade, mas a divisibilidade é uma possibilidade que não anula a
omnipotência.

o ser é uma totalidade? Não sabemos, mas não cremos que isso seja
necessário. A totalidade é pensada em função de limites ou, caso seja
pensada como ilimitado, não passa de uma suposição. Por isso o ser só pode
ser entendido no tempo em que se dá.

porquê a omnipotência? Porque fora do ser não há potência possível, só


impotência. Como a impotência não existe só há omnipotência.

porque é que o ser é não-pensar? porque a experiencia deste, ao contrário do


que a filosofia supõe é do dominio do não-pensamento, e é considerada
constantemente como inexprimivel. Se algo é reiteradamente dito como
inexprimível é porque a linguagem não consegue enunciar essa experiência de
acesso ao ser. A linguagem pode no entanto oferecer uma versão pobre e
imprecisa. É o seu dever. O ser é menos o não-dito que se diz que a linguagem
busca obstinadamente do que uma situação que recusa qualquer tipo de
tradução.

O ser não é um caminho, não dá acesso a nada a não ser a si mesmo.

DOXAR É PENSAR – esta é talvez a única certeza, mesmo aqui quando andamos
às voltas com a linguagem, a tentar por alguma arrumação no pensamento. A
propensão da doxa para a intensidade e o vigor da linguagem deve-se à sua
perseguição amorosa do ser.

Porque é que existe doxa e não apenas ser. Porque o ser é creativo, em
movimento, em busca de uma omnipotencia ainda mais forte, e a doxa é o
espelho das suas representações. E também pode ser que o ser seja uma
excepção no oceano do não-ser, algo que surgiu como um erro no absoluto da
nulidade. O universo dá-nos esse exemplo, apesar da agitação dos astros. A
consciência, ou doxa, ainda é algo mais infimo, quer no espaço quer no
tempo.
A doxa é uma prática: sem prática não há possibilidade de haver
possibilidades. A doxa é uma errância, é consciente das suas imperfeições e
incertezas e busca uma melhor forma.

A doxa é o que nos é dado. O ser é o que é e nos é, visceralmente. Há porém


uma obstrução a essa plenitude que não vem da doxa, mas do «mal». A noção
do mal é termodinamica. É a redução da potência, ou se preferirem a
metafora biblica, a queda. A queda não é fruto da doxa, da consciencia
consciente.

À tendência da doxa para o ser chamar-se-á entusiasmo


Á tendência da doxa para o «mal», fanatismo (ou ressentimento)

Um dos caminhos para o ser é a despossessão


Outro é a humilhação
Outro a meditação
Outro a devoção
etc.

Há uma série de entraves ao conhecimento «apropriado» – os yoga sutras de


Patanjali dão conta disso.
DESCONFIANÇAS E OUTRAS ABUNDÂNCIAS COM VISTA À GLÓRIA

Tenho amigos artistas que fogem com o rabo à seringa a qualquer doméstica
intervenção do domínio filosófico ou literário às suas idas e vindas ao
famigerado mundo da arte. Pensam, ou julgam que pensam, com as mãos,
com os olhos, ou com o corpo inteiro, incluindo as patas que já temos e
aquelas que advêm do precisarmos mais do que as que temos. Dir-se-ia que
esta ingénua animalidade é possível, com uma velha candura modernista e
com um horror declarado (ai credo!) aos espectros filosóficos, e também
comerciais, que andam à volta das obras de arte (e do restante mundo)
pondo-lhe irritantes etiquetas. A teoria é como a mioleira – é uma mixórdia
cinzenta. Eu compreendo essa genuína alergia aos «estrangeiros das letras»,
amantes bem intencionados de obras de arte ou mercenários com aspecto de
mercenário mesmo, que escarrapacham sentidos de difícil acesso ao que
parecia ser uma mensagem de corpo e alma ao pestanejar vulnerável do
freguês de ocasião.

Acontece que eu sou um dos tais fabricantes de delírios desse tipo. Escrevo
para afinar o olho. Ou para desfocá-lo. Ou para intoxicar de um modo o mais
intenso possível o que julgo que passa por aparências. Já as supostas essências
são para outro tipo de visões, e não sou grande frequentador dessas casas de
pasto de difícil acesso. É verdade, sempre escrevi, e como todos os escritores
aldrabo, sobretudo naquela cozinha subterrânea de citações em que fazemos
passar por um conhecimento certo e seguro as deambulações dos nossos
limitados conhecimentos. Ofuscar com uma catadupa de referências é fácil, e
tenho uma tendência quase inata para o fazer. O que só prova «esta»
artificialidade e superficialidade. Mas gosto da manipulação insensata do
Verbo. Ao dizer isto, estou a mais um passo de levar o leitor no engodo,
porque lhe parecerei assaz sincero. É, tu aí, que me lês, usa e abusa já das
tuas reticências mentais! Mas, apesar de incontinentes reticências, acabo por
simpatizar com a conversa dos artistas que escrevem, porque a sua escrita é
uma resistência militante a etiquetas alheias. Não que sejam melhores do que
os outros, mas esforçaram-se ou tiveram o dom de nos proporcionar uma
conversa que nalguns casos até pode ser enriquecedora. Ao invés desconfio
das obras de arte que apostam num só sentido, forte ou fraco, como num
cavalo de corrida. São um pouco como os cartoons políticos, passado o
contexto vai-se a eficácia.

Numa perspectiva um pouco distinta admito que deliro com as selvas


temáticas. Um tema não é uma mensagem. E os temas são os portais que dão
acesso a glórias inesperadas. Há duas «publicações» que condensam a maior
parte dos temas de que se serviram os artistas do ocidente – a Bíblia e as
Metamorfoses de Ovídio. Mesmo outras obras que serviram de maroto
pretexto para o manejo de pincéis e escopros derivaram em grande parte
destas duas sumas. O texto ovidiano, pouco canónico e literariamente mal
polido, não levanta à partida controversas questões de fundo. Já a Bíblia,
aglomerado de livros que se entranham uns nos outros, tem uma afirmação
(para além de múltiplas subtilezas teológicas que derivam da diversidade dos
autores e das épocas em que escreveram) que é incontornável para qualquer
artista – essa afirmação faz parte da lei mosaica e é tão simples como saltar à
corda – «Não fabricarás ídolos!» . O que é o mesmo que dizer, é pá, não te
metas a fazer imagens se não ainda chega aí um gajo que é capaz de adorá-la
em vez de dirigir o seu pensamento para o que interessa – o Deus Único e o
seu Décalogo!!! Mmmmm!... Isto dá que pensar!

Constato imediatamente duas coisas. A primeira constatação é a de que as


imagens sempre foram instrumentos ou formas de poder. Não daquele género
de poder que tem como única e caricata missão deitar governos abaixo ou pôr
amigos a ganhar mais uns tostões numa instituição. Não senhor! Este poder
merece a desconfiança do próprio Demiurgo. De facto, até tempos não muito
distantes, a arte criava «rivais» de Deus a que pessoas se prostravam e pelos
quais se sacrificavam vidas de diversas formas. Os próprios cristãos
sucumbiram à tentação iconófila, figurando não só o Demiurgo e a sua
Encarnação, Jesus, como delegando competências menores numa série de
santos e santinhas. O resultado é (foi?) a adoração de ícones, estatuetas, etc.
E o mais perturbante é que essas imagens estão corriqueiramente associadas a
milagres. Basta atravessar a rua e conversarmos com um passeante que tais
testemunhos nos chegarão às orelhas. Mas, meus amigos, não se ponham a
blasfemar tais ídolos, que podem ir de uma obscura pedra, a um temível
totem ou à Nossa Senhora de Fátima. Muitos desses artefactos destinam-se em
grande parte a angariar crenças e vontades em prol do bem e têm, na maior
parte das vezes, atestados poderes curativos! A segunda constatação,
igualmente paradoxal, é a de que a Bíblia é o «corpus» mais ilustrado de
sempre, ainda que tal ventura tenha sofrido alguma contestação por parte das
ortodoxias quer judaicas quer cristãs, abrindo intermitentemente as
chamadas crises iconoclastas. Essas crises nunca se fecham definitivamente, e
as razões da arte que hoje se faz derivam, muitas vezes sem o saberem, nas
ondas destas inacabadas controvérsias.

Mesmo dando o braço a torcer e a razão todinha à prescrição do Decálogo,


que dá acesso a uma experiência mais pura e menos contaminada do sagrado,
eu sou um entusiasta do que anda para aí em imagem, quer nos esplendorosos
códices que guarda a British Library (só para dar um exemplo... muitíssimo
vasto!) quer na forma como as pessoas se mexem ou andam «produzidas» na
rua. Apesar das minhas desconfianças, quer das tricas teóricas quer das
aparências das coisas, ando à caça de algo que se chama Doxa em grego e em
hebraico Kavod. A palavra Doxa surge, meio desgraçada, mas plenamente
justificada, no Poema de Parménides, como caminho alternativo ao caminho
do É (do Ser. do Imutável, etc.). Esse poema é o antepassado mais venerável
de toda a filosofia, por isso... respeitinho! É a «opinião», o que temos à mão
de semear. É a enunciação e a colecção das coisas na melhor forma possível.
Para mim a Doxa é o que é bom, o que «é fixe!», o que vale mesmo a pena,
seja uma tradição ou uma inovação. É a maravilha das coisas acumuladas pelo
sub-demiurgo chamado homem (numa versão muito seleccionada). Mas
também é Kavod, o esplendor divino (que inclui o «mundo»). Quando um
grupo de sábios, chamados os Setenta, verteu pela primeira vez o Antigo
Testamento para um idioma, o grego, traduziu este termo por Doxa. A
tradução pode ter traído o significado mais vasto de Kavod, mas a palavra em
que foi traduzido também ganhou um suplemento de sentido. De tal forma
que os tradutores, desde a versão da Vulgata até hoje, em lugar da original
«opinião», usam a palavra «glória», como algo poderoso, luminoso e
incontornável.

Esta exposição é uma humilde, e quiçá fracassada, demanda da Doxa. Mas as


palavras precedentes, com todas as suas bocas de escondidos dentes, são em
boa parte o contexto intelectual e emocional que acompanharam a produção
destas obras. Em síntese: estas imagens não sonegam os horrores nem as
inquietudes, nem as calamidades, nem as injustiças, mas procuram sobretudo,
mesmo que isso possa parecer pretensioso, a intensidade da Doxa, que todos
os tempos nos oferecem residualmente numa bandeja já agora. Eu apenas
procuro não ser ingrato ou malcriado.
SUTRA PARA MESTRANTES

(refutar e não-refutar)

1. A DOXA. A glória. A colecção de imagens estimulantes e teorias


adjacentes. (ref: a glória não serve para nada, e muito menos a
posteridade, tudo é vão e inconsistente . As imagens gloriosas acabam
por cansar e coleccioná-las é prerder tempo)
2. Porque é que se quer ser artista em vez de outra coisa qualquer. É tudo
uma questão de carreira?
3. Ter uma coisa para dizer, não ter nada para dizer, procurar uma coisa
para dizer. A crise de intencionalidade?
4. Dizer como? Com apatia, com violência, com raiva, com doçura, com
queridismo. Modos de expressão.
5. O que é que interessa em arte? Qual a razão de ser mais intensa.
6. Glória, sexo, dinheiro? O sindroma freudiano?
7. Poder, estratégia, manipulação.
8. Arte ética versus arte devassa. Constantação: o artista da arte ética é
quase sempre o menos ético e o mais obcecado com a «tomada do
poder». A arte da política é quase sempre uma arte que serve os fins
manipulativos e raramente a emancipação de quem quer que seja.
9. A arte como corpus. A influência inevitável. Critica da originalidade.
10.Paradoxo do passado: a arte do futuro é a que terá mais passado, a
arte mais nova é a que quando surge já vem mais envelhecida.
11.Paradoxo dos percursores (Borges): é o artista que cria os seus
percursores e não os percursores o artista. Toda a arte reinventa o
passado, seja ou não disso consciente
12.O Extase, o prazer, o belo e o lúdico. Os 4 pilares da intensidade. O
Extase como limite que se procura controlada ou descontroladamente,
o prazer como o que satisfaz, o belo como factor de atracção (falar do
adorno) sexual e não só, o lúdico como comichão, cócega, prazer
combinatório ou jogo viciante.
13.O adorno, a persuasão, o excesso.
14.A abstracção, a meditação, a prudência.
15.O que é ser radical? O que é ser conformista?
16.O artista, a arte e os seus amantes. As categorias que sistematizam a
arte. Há? Não há? Quais?
17.O que é o medium? O medium é tudo o que envolve a arte e o artista: a
familia, o art world, os «media», os materiais, os modos de agir, as
teorias, as estratégias e o acaso.
18.Para que serve a arte? Para nada? para alguma coisa?
19.Uma sociedade pode passar sem arte, mas é menos plena e mais
infeliz.
20.A arte é o suplemento que torna os sentidos mais sentidos.
21.Os temas eternos são biológicos, os outros não passam de maus
cartoons: sexo, violência, morte, as questões de familia (incesto
incluido), a guerra, a emigração, a amizade, o desconhecido, a fome, o
poder, a vontade de desonhecido, a capacidade de sacrificio, a
coragem. A mitologia sistematiza tudo.
22.As emoções: as 9 emoções básicas hindus assim como as transitórias.
23.A complexidade e a necessidade de equilibrios e desiquilibrios.
24.A arte tem que compensar o artista? Há recompensa na prática da arte?
Haverá recompensa fora dessa prática?
25.A PARADOXA. A gestão dos double-binds.
26.A post-paradoxa: extase e normalidade.
O que há é o que é.
O que não há não é.
O é é.
O não-é não é.
Sobre o é pouco há a dizer
e o que se pode dizer é discutível.

Parménides disse que o é era esférico, uno, indivisivel e imperecível.


Adiantou que o é equivale a pensar ainda que pensar não seja exactamente
aquilo que nós pensamos. De resto nada se pode dizer de muito exacto o que
é pouco. Mas deixou a via aberta ao falar de Doxa que normalmente
traduzimos por opinião ou aparência.
A Doxa é o que podemos opinar para além da certeza do é. Mesmo para
chegarmos a alguma percepção do é tivemos que passar pelo caminho da Doxa
do que há relevante a dizer sobre as coisas.
O discipulo de Parménides, o famoso Zenão, tentou defender a teoria do
mestre recorrendo a complexas fábulas com tartarugas, herois, alvos, etc.
Essas metáforas, ao contrário das defenições básicas de Parménides punham
as coisas em cena, e a sua formulação «lógica» entra em curto-circuito com a
lógica mais rigorosa e univoca:«a flecha disparada nunca atinge o alvo» ou «o
veloz Aquiles nunca ultrapassará a Tartaruga».
Inventou assim a Paradoxa.
O discipulo de Zenão, Empédocles, julgava-se um deus e atirou-se para dentro
de um vulcão. O discípulo de Empédocles, Górgias, viveu 105 anos, andava de
cidade em cidade e fartou-se de ganhar dinheiro. Considerava que o prazer de
ser iludido era superior ao de ser desiludido. Lutou pelo prestigio das
aparências, isto é, pela Doxa, da qual a ilusão é o mecanismo fundamental.
Nos 7 séculos seguintes os praticantes da arte foram servos desse paradigma.
Pelo contrário, os filósofos foram inimigos desta convicção básica. Górgias
escreveu um tratado a demontrar a impossibilidade e incomunicabilidade do
é. Será que com isso queria provar que nada é? Duvido.
Mais ou menos pela mesma altura, num ponto não muito distante do planeta
um tipo chamado Buda chegou à conclusão da vacuidade básica de tudo. Em
vez do é haveria um vazio, inconsistência, nada. Passados 7 séculos, um
budista chamado Nagarjuna, enunciou em rigorosos teoremas e em arduas
refutações a melhor defesa de uma teoria budista. Os tratados são
admiráveis, mas na substância não são muito distintos dos de Górgias. Uns
tipos nihilistas, mas cheios de bom senso. Consta que Nagarjuna era
alquimista e que adequiriu poderes fantásticos, mas deve-se tratar de uma
mitologização. Os budistas do seu género acreditavam em mantras, divindades
menores, e preferiam adiar a libertação (o nirvana) por causa da compaixão
pelas restantes criaturas. Mantinham-se no mundo como enfermeiros de tudo.
Não sei se Nagarjuna se interessava por arte. A arte do seu tempo era
influênciada pelo tipo de arte «ilusionista» exportada/impingida por
Alexandre o Grande aquando das suas invasões. As caves budistas de Ajanta
estão cheias de divindades nuas com mamas muito redondas. Buda não
gostava muito de mulheres, mas lá acabou por ceder a pressões e admiti-las
no seu séquito ateísta e vacuísta.
Cristo era mais feminista apesar dos cronistas não referirem nenhuma
apóstola. Os budistas especializaram-se na Paradoxa. São uns tipos
desiludidos, tristes, tranquilos e silênciosos: sentam-se de pernas cruzadas e
entretêm-se com paradoxos.
Os gregos não eram muito adeptos do vazio e gostavam de brincar com
imagens e geometrias.
Os hebreus não eram muito adeptos de imagens estavam habituados a
travessias no deserto e acreditavam num Deus único que se podia enunciar
com 4 letras impronunciáveis. Se não houvesse escrita era impossivel
conceber esse Deus. Deus tinha criado o mundo com palavras. Deus disse isto
e aquilo e fez-se isto e aquilo. Noutra versão deus era escultor e moldou o
homem com barro. Mas costuma-se passar por cima desta versão que ao que
parece é mais antiga (logo, menos iconoclasta). O pensamento de Deus
reflecte-se do décalogo. «Não fabricarás idolos!...»
Foi assim que surgiu a iconoclastia, pelo menos na história.
Platão, o filósofo, inventou outro tipo de iconoclastia, menos radical, e
bastante mais irónica. Deus seria abstrato, criador, e matemático. Até aqui
tudo bem. Não passa de uma versão pitagórica. Deus inventou primeiro as
formas puras. As restantes formas, bastante esquemáticas, derivam dessas
puras. As coisas não passariam de matéria que se agrega imperfeitamente a
essas formas e os artistas uns maus copistas das ilusões que essas formas
proporcionam. A ilusão é degradação. O artista é um degradador.

Platão e Moisés inventaram a tradição iconoclasta cujo último exponente mais


ou menos glorioso foram os artistas conceptuais do final dos anos 60.
Depois disso, e nessa perpectiva, tudo é simulacros. A boa arte conceptual, a
mais pura, a mais elevada, desdenha a sua materialização. Qualquer obra de
arte que se venda é uma mercadoria, isto é, é vil prostituição.
Qualquer artista que ganhe um tostãozinho qualquer com a arte é uma grande
puta.
Há obras de arte que não valeram nada enquanto os seus criadores foram
vivos e que foram reconvertidas em prostituição depois da sua morte. Tudo
acaba por se vender, diz Satã e o capitalismo. Mas a experiência do artista
enquanto faz a obra não se vende. A obra é o fruto de uma experiência.
Se a obra dá uma ideia da experiência é porque incita à experiência. Ao
bonheur de que falava Stendhal como de uma promessa, só porque era um
frustrado amoroso.
A prática da arte é (ou «deveria ser») felicidade.
As obras não são a felicidade, mas o rasto que essa felicidade deixou –
maravilhamento, apelo, etc.
No princípio, a arte servia para negociar com os deuses e com os mortos.
Hoje a arte é uma forma de especulação financeira sobre objectos inuteis
por mais moralistas e «interessantes» que eles sejam.
Paradoxalmente, quando os hebreus traduziram em grego o principal atributo
de deus, a sua glória, KAVOD, fizeram-no através da palavra DOXA.
Aristóteles, discipulo de Platão, acreditava mais nas coisas do que o seu
mestre, mas gostava de as ter arrumadas em prateleiras de palavras a que
chamou «categorias». Sofria de um horror à falta de lógica e combateu a
ambiguidadee as contradições.
Na idade média havia os que acreditavam na consistência das coisas e os que
acreditavam que as abstracções é que eram reais, como Platão. Os primeiros
eram os nominalistas, os segundos «realistas». Havia um tipo de nominalistas
que diziam que os conceitos nos quais os «realistas» acreditavam não
passavam de flatus vocis, isto é, peidos verbais. Esses nominalistas radicais
chamavam-se vocalistas.
Abelardo, um filósofo que andou metido nas bandas dos vocalistas,
compôs e cantou musicas que na altura foram muito populares.
As raparigas apaixonavam-se. Ele flirtava. Engravidou uma sua aluna, bem
novita. O tio dela não perdeu tempo em capá-lo, apesar deles já se terem
casado. Essa aluna, Heloísa, mais tarde escreveu que preferia ser puta a
esposa e que era impróprio de um filósofo aturar gemidos de crianças.
Abelardo moderou-se e acabou por produzir uma filosofia a meio termo entre
os nominalistas e os realistas.

No Renascimento acreditou-se que a arte podia ser um espelho da natureza e


tentaram espelhar a natureza através dos mecanismos da perspectiva. Depois
vieram os neo-platónicos e consideraram que a fantasia era superior porque se
emancipava da natureza que tem qualquer coisa de maligno.
Finalmente o Concílio de Trento resolveu recorrer a técnicas ilusionistaspara
atraír os fiéis, usando um tipo de linguagem mais persuasiva e sublime que
vinha de Górgias e seus compinchas.
Depois, Caravaggio descobriu que se podia pintar depressa com uma paleta
reduzida e usando espelhos convexos para copiar directamente a tal
realidade. Ainda por cima com a vantagem de só usar os pigmentos mais
baratos. Utilizou na prática a teoria de um romano antigo e austero chamado
Plínio. O mais importante seria reproduzir com meios económicos
emoções pungentes. Caravaggio pintava homens feios e pobres porque eram
modelos baratos, quase sempre prostitutas e indigentes.
Pintar à luz das velas. Muito volume. Muita teatralidade.
Bué da patética. É o barroco. Com o Bernini e os extases/orgasmos de uma
santa espanhola.
Mais tarde alguém redescobriu o «prazer»: deve ter sido Watteau.
Fragonard, Boucher e outros mais seguiram-no: Nádegas fofas, cores claras,
caras jovens e redondas prontas a serem consumidas por um filósofo libertino
experiente.
A descoberta de Herculano e Pompeia deram cabo dessa moda – o
republicanismo pré-revolucionário de origem romana politisou a arte.
David foi o pintor da revolução. Mas não perdeu tempo e como bom
oportunista tornou-se o pintor oficial de Napoleão. Poder é poder. Os grandes
contestatários acabam normalmente por terminar a sua carreira bem
alinhados com o poder.
A seguir veio a ilusão do eu, a ângustia, escaparate, desilusão e evasão.
Ilusões ácidas. Prazer no tormento. Demonismo. Perdição. E também o
«realismo», na era dos operários e camponeses, o que faz sentido.

Mais tarde os impressionistas (joie de vivre + bas fonds) que iam para o campo
que nem uns friques. A esse friquismo cheio de piqueniques e vinho opuseram
os futuristas a guerra e as máquinas. Uma boa parte dizimou-os a guerra. É
bem feito!
A guerra era a única saúde, diziam, seguindo o pior de Nietszche. Saúde na
morte? Os dadaístas eram uma espécie de futuristas cobardes com pelo menos
8 anos de atraso. Foi por isso que sobreviveram.
Conheceram-se na Suiça em festas num cabaré. Enquanto os outros se
matavam pelas puta da pátria, estes curtiam e celebravam o absurdo de ser
pró e contra ou o que quer que seja.
O urinol de Duchamp (que em 1912 fazia pinturas do género dos futuristas) é
consequência disto: enquanto os seus compatriatas estavam a ser
absurdamente dizimados só se podia responder ao patriotismo que leva à
guerra com urinois ao contrário. Depois emigrou para a América onde obteve
um sucesso simpático. Na guerra que se seguiu muitos outros artistas foram lá
parar sempre a fugir da destruição e dos seguidores de Hitler.
Picasso ficou em Paris. Os americanos não lhe perdoaram.
O imperialismo americano passou a dominar o mundo.
Duchamp ainda fez uma coisita ou outra no princípio dos anos 20 como os
vidros (acabado em 1923). Nos 50 anos seguintes fez umas graçolas
(exceptuando o Etant Donnés que é um fracasso) enquanto o Picasso pintava
que se desunhava.
A pintura americana dos anos 50 tentava libertar-se do Picasso mas o
fantasma continuava lá. Duchamp servia às mil maravilhas como alternativa e
é a arte que agora temos, mais de 100 anos depois do primeiro ready made.
A Doxa é como o budismo invertido.

Mas o que é que isto quer dizer?


Eliot dizia que há 3 condições que se parecem:

a) o apego ao mundo, às coisas, a si e ao próximo.


b) o desapego ao mundo, às coisas, etc.
c) a indiferença, que se parece com as anteriores tal como a morte com a
vida.

Não caímos na tentação de reduzir estas condições a uma tríade. Há bem mais
versões.

a) A indiferença é o que é dado: o mundo como não-vontade e cliché. O


mundo, na sua brutalidade e frieza é a indiferença e é-nos, pela sua
extensão e magnitude psicocósmica, indiferente. O mundo é quase
todo «morte».Só o que é próximo faz a diferença (pelo calor e pelas
hormonas).

b) A diferença é o apego. É o apego que vem da mama. A mama que não


queremos largar. O vício. Somos agarrados a nós próprios, à familia,
aos amigos, às coisas, ao próximo, à televisão, à cultura, ao consumo, à
nação, à raça, à espécie. Tentamos manter esse steady state
ritualizando. As religiões são o status quo dessa regularidade, assim
como a sua falsa evasão.

c) Depois existe a versão tabula rasa do desapego. Em Locke a tabula rasa


é apenas filosófica. O budismo levaria o desapego e a tabula rasa até
às últimas consequências. O paradoxo é a insistência budista na
compaixão, a justificação dos boddisattvas à luz da compaixão e
reencarnação pelo Madhiamika. Compaixão é apego, como o viu
Nietszche, o que fica mal num sistema que se justifica pelo desapego
metódico e pela equação de que tudo é vacuídade.

A Doxa é assim uma anti-tabula rasa. (Falta citar o Steven Pinker)

As coisas existem e estão aí, na nossa frente, suscitando apegos e repulsas,


subjugações, indiferenças, libertações.

É certo que todo o nosso esforço é limitado. O nosso para-quê limita-se no


tempo e no espaço. Podemos contribuir para a felicidade e infelicidade de uns
quantos e já não é nada mau. Devemos concretizar a nossa sem demora. A
creatividade, o extase, a amizade, o sexo, etc, são coisas que nos realizam.
Ter uma obra, filhos, reconhecimento, e pessoas que nos dão os afectos
também ajuda.

A Doxa é o aceitar o mundo com as suas complicações, dores e alegrias.


Não o aceitamos (inevitávelmente) de uma forma tão «radical» como
Schopenhauer (que evitava sofrer estando socegadinho no seu cantinho) ou
Nietszche (que curtia umas boas doses de sofrimento!), tipos tinham na
prática medo do mundo, das mulheres e provavelmente das crianças. O
misogenismo dos filosofos e de alguns fundadores de religiões joga contra as
suas filosofias e seitas. Estes filosofos sentiam-se superiores porque estavam
sózinhos. A solidão ajuda à megalomania e às comédias da vontade.

O que é queremos então?

Praticar a graça mais do que a serenidade. Como no Gita a acção é superior à


inércia. O que exige disciplina e autenticidade.
ICONOPATIA – a arte que cura você aí

Beuys é dos pousos artistas interessados na cura.


Era. J.B. um aldrabão?
Claro!
A sua farda é a prova mais convincente do caracter mistificador deste velho
pioneiro curandeiro.
Uma estética da Contracepção?

iconopatia – numa bienal perto de si.

anuncio/trailer/projecção gigante/muito surround

O MUNDO EXISTE PARA SER CONDENSADO NUM TRAILER


Estética e teses doutorais em rede.

As teses devem ser feitas em grupo (todos por todos e contra todos).

As diferentes posições de cada membro podem ser «marcadas». Os aspectos


consensuais não precisam de autoria?

Exemplos de «teoria de arte»:

a)
1. a teoria como teoria
2. a teoria como arte
3. a teoria como dissolução da teoria
4. a teoria como dissolução da arte
5. a teoria como superação da teoria
6. a arte «entendida» como arte
7. a arte «como» teoria
8. a arte como dissolução da teoria
9. a arte como dissolução teórica da arte
10.a arte como recusa fundamentada da teoria

b)
1. A arte que é consciente de ser «arte»
2. A arte que é involuntáriamente «arte»
3. A arte que quer deixar de sêr «arte»
4. A inevitabilidade de algo que não é arte
passar a ser «arte»

inspiração de grandes sistemáticos:


S.Tomás
Espinosa
Hegel
Adorno (assistemático)
Morin
Becker
Pessoa
fragmento (não datado)de Julio Pontinha, o verdadeiro porno-intelectual
português

Nunca ninguém foi artista. O que não quer dizer que não haja actores ou
autores de obras ditas de arte. O que se passa é que a inexistência destas
criaturas deve-se ao facto, aliás pouco preocupante, de que a arte não existe.

A espéculação económica ou teórica à volta do termo arte parecem-me


disparatadas. A palavra é demasiado vaga e só serve para teatralizar uma
fraude e legitimar uma prática que à falta de servir para qualquer coisa de
útil se limita a perpétuar equívocos.

Fala-se de arte como (ai cono!) de um território onde «os dilemas, equívocos,
desordens,etc» (Beuys) encontram um local de acolhimento.

Seria simpático falar de criatividade... mas não me parece um assunto


minimamente atraente na arena cínica do art world.

Todos os homens podem ser artistas?


Todos os homens são criativos?
Nem por sombras !!!
É certo que há tipos que se desenrascam, mas parece-me pouco.
Tenho conhecido muita gente e de facto só há uns poucos dotados e
interessados em criar seja em que ària for.
A maior parte das pessoas só quer viver a sua vidinha, com mais ou menos
sexo, saúde, conforto, excitantes, video-clips e dinheiro! E poder!...claro!
A NEGAÇÂO DO NEGATIVO (remitologização em prol da doxa-paradoxa)

1. A arte nem sempre é só arte.


2. A arte não apenas como arte. Arte a partir de arte e de outras coisas.
3. Arte sobre o que é intenso.
4. Arte por/para muito mais que arte.
5. A pintura como algo que põe muitas questões, como intrincado
questionamento, como indagação borbulhante.
6. A pintura como algo parecido com o que há e como familiarização do
desconhecido.
7. Icone como imagens, ideias, alegorias, formas, etc.
8. Icone como ferramenta, diagrama, emblema, moldura, jogo,
representação, ornamento, teatro, signo, etc.
9. Ferramenta como «possibilidade». Diagrama como ressuscitação.
Emblema como incarnação. Moldura como transbordo. Representação
como teatralidade das coisas.
NOTAS PARA GRANDES ESQUEMAS ESXPLICADISTAS

(blackbook e arredores)

o tretoterista mordido pela noiva trotsquista mesmo

salas revolucionárias ecunémicas

espancar o papa na capa

Duchamp em pequim (é mesmo assim) – opereta inframagra

a arte como retrocesso do outro sobre o mesmo

notas de roda mão

John Cage na Sibéria (tão à espera de ti)

O plesbicito é a ironia do governo da maioria

O Pato Donald Judo

Uma vasta minoria de mediocres

O rei do hipnotismo

alivio formal a pensar em tudo menos em mim

jesus de escabeche

os bisnetos de malevic

late conceptual escape

furs and mesures

acerta na mãe, idiota

suck close

as mamas de gertrude stein são as mamas de gertrude stein são as mamas de gertrude
stein

satori art fair

saying the last sayings

save yourself before your money


beuys al dente

liber caústico

uma infalível infelicidade

amor…chocolates…arte…

homem + política = bagaço

culturalisses académicas ( as múmias mamã)

Os efeitos colaterais do trabalho

Between Kant and Gengis Khan (the arts)

dialecto versus dialética

O Contraestado

máquina de fabricar sublimes

martiriologia em epitome

pornoecologia (basics)

kit de conivência para críticos e funcionários

para uma jardinagem secreta

monkey mouse flirt beat

o último tango teórico em las vegas

the pitfall of criticism

dont fake your masters

love is here to spray

senhor, tem piedade de Rorty

fluxus puding

sagrado coração de jesuita

movimento artístico para politicos mortos

diferentes planos de inacção


a trotineta de Hegel

solidariedade pitagórica

a rose, note a real rose (a naughty rose)

o conhecimento da côr ao vivo

anemic fictions

pump pulp

implantes de intiligência

caos permaturo

cirurgia escolástica

socialismo atópico
Quadro de explicadismo (muito provisório)

A explicação da arte e arte da explicação (vulgaris)


As particulas da arte (artoms)

1. Como Forma
a)Morfogénese (Thom)
b) Tempo das formas - maturidade/imaturidade (Kubler e
Gombrowicsz)
c)Modelos combinatórios (Pitágoras, Platão, Leibnitz,Topologia)
d) Rizomas e processos stokausticos (Deleuze/Bateson)

2. Como Linguagem
a) Defenição (o prazer da defenição pela defenição)
b)Interpretação/Comentário
c)Refutação
(Filosofia, ética, retórica - Aristóteles, Nagarjuna, Gorgias,
Wittgenstein)

3. Como Força (tretoterismo?)


a)Eficácia/Magia/pregnancias
b)Caça/radiação
c)O uso da inutilidade
d) Sexo/amor/absoluto/extase

4. Como Sistema

a) Media (environment e anti-environmentr - Macluhan)


b) Economia Nirvanolibidinal
c) Bio-história
d)Auto-Sociologia
Arte é a memória daquilo que no presente é mais presente.

A política é «memorável» como aquilo que no presente é


mais ausência.

Há casos, raros, em que a política parece encontrar a arte.


É o caso dos desastres de Goya, da Guernica, etc.

Toda a arte é política, não na intencionalidade, que é o lado


«falso» das obras de arte, mas nos processos, no organismo
vivo que a produz. Há na intencionalidade algo anedótico
que se esgota na sua formulação e na impotência do efeito.
As obras de arte não mudam o mundo directamente, mas
convidam a que cada um de nós se mude e mudando-nos
mudemos o mundo.

O que na arte é denuncia é «pastiche», artíficio, bluff, não-


autenticidade. O exito mediático de uma arte que denuncia
está mediáticamente mais garantido porque faz parte da
lógica de consumo mediático. Sabemos já há algum tempo
que a «sociedade do espetaculo» (Débord) é cada vez mais
o consumo espetacular das suas denúncias ou
desmontagens. Este paradoxo é inerente à teatralidade que
desde sempre se questionou em excesso, mas não pode
abolir a ilusão da teatralidade, porque o próprio
questionamento se torna, graças à sua lógica, amaneirado
e irreal.

A memória é também amnése e anamnése. A arte pode


fabricar história, mas o modo como fabrica história, ou
enuncia o material histórico, não é memorialista mas
activista. Nietzche disse-o de um modo mais convincente.

O que no presente é mais presente é amnésico, como na


criança que nasce e se degladia experimentalmente com as
coisas. A memória ainda não interfere na configuração das
suas experiências. As suas experiências são mais intensas,
menos contextualizadas e menos complexas. É pela
«complexidade» e pela «contextualização» que nenhuma
arte poderá ser infantil. Mas a arte procura, em anamnése,
regressar à experientalidade da infância. A arte procura
suspender a sua excitante complexidade e a sua inevitável
contextualização ao procurar a vertigem do presente, mas
quanto mais o presente se vislumbra mais este é traído nos
enunciados, mas não na experiência da enunciação. Por
isso a arte não capta o presente, mas apenas o que é mais
presente no presente. Torna, como sobra ao mais presente
do presente, a sua complexidade e contextualização
«actuais». O que é actual é acção que é posterior ao
acontecimento, o efeito inerente a um «presente». Nesse
sentido podemos dizer com Batarda que «toda a arte é do
passado» e, acrescentamos, somos nós, discretos
regardeurs que colaboramos na sua actualidade. Não
fazemos os «quadros» (ou o «quadrum») como pretendia
Duchamp enquanto olhadores, apenas «actualizamos»
impotentemente (embora esta impotência também seja re-
criativa) uma experiência que será sempre inacessível. Por
outro lado «toda a arte é do presente», isto é, toda a arte
se faz disponível para a sua transformação quer em arte
quer em vida (em mais do que arte). Mas esta
presencialidade só se torna òbvia enquanto experiência,
produção, metamorfose, distorsão, equívoco. O presente
das obras de arte é quase inacessível aos regardeurs. A
excepção é o momento de excitação fantasmático, o eros
produtivo, o que no olhar nos aumenta o desejo de
responder com uma presença a esse presente mais
presente.
MODERNIDADE E NATUREZA

O espirito moderno não ignorou a natureza. Mas tentou


emancipar-se dela e combatê-la a partir dessa
emancipação. A Natureza interessou-lhe como pretexto
para «descobrir» ou estudar determinadas estruturas, isto
é, para considerar a abstracção, ou o espirito como a
«suprema realidade». Mondrian falará abertamente de
desnaturalização.

Corbusier evoca o homem nú como um caso iconoclasta.


Mas a nudez é um caso de iconofilia. A nudez contra o
ornamento? Non-sense! O ornamento é a presença ritmica
da flora.

A revolução não é òbvia no mundo natural. Há na natureza


progressos, no sentido de maior complexidade e de
intensificação da vida. Um nietzchiano falará de
superabundância como cume biológico. É isso a revolução.
A simplicidade, a precariedade são antídotos e
complementos deste modo de ver a revolução, são
momentos por vezes necessários à reavaliação da
superabundância. O modernismo foi higienista ao nos
desembaraçar de uma série de preconceitos quanto à
representação e de uma ornamentalidade sufocante e
adocicada. Mas foi compagnon de route dos piores
totalitarismos enquanto pode. É certo que o nazismo, o
fascismo e o comunismo se desviaram rápidamente da
orbita artistica das vanguardas e adoptaram estilos mais
reaccionários e «realistas». A apologia do trabalho, do
poder, da familia ou da guerra da arte oficial totalitária é o
oposto da celebração do cabaret, da sexualidade e do flirt
do bom modernismo. O espirito de sacrifício opõe-se ao
des-esforço. A arte moderna foi a flor de estufa do
capitalismo. O seu olhar crítico é um pouco blasé.

O optimismo do espirito moderno morre com a segunda


guerra mundial e a bomba atómica. A confiança no deus
tecnológico do mainstream modernista cessou. Mas não foi
totalmente abandonada. A arte da guerra fria subentende
uma permanente ameaça atómica. A massificação da
cultura de consumo proletariza as elites dos países
desenvolvidos e cria um palaciano barato para as massas
que permite «emancipar» a mulher através das máquinas
caseiras e dos fast-food. O lar doce lar é pensado contra
toda a exterioridade, como supressão do mundo natural e
todas as suas catástrofes. A televisão tem agora essa
divertida tarefa de abolir a natureza transformando-a em
pitoresco ou em ruralidade. O automóvel torna fetichista a
vida urbana e simples acto de deslocação. O design invadiu
tudo. O design é a estética «anal» por excelência: é aquilo
que sublima o caracter excremental da obcessão
económica (dinheiro=merda), como bem observou Norman
O. Brown.
Notas teóricas

«esse *swe é igualmente o tema das palavras gregas étés (aliado, parente) e hetaíros,
companheiro. (...) Pode-se identificar *swe em grego em muitos grupos de formas onde
ele é especializado por afixos distintos:

*swe-d- em ídios
*swe-t- em étés
*swe-dh- em éthos

a mesma origem para hetaira e para ethos – ética = prostituição

O dilema de Hércules é falso? A virtude prostitui? A prostituição torna virtuoso?

Há uma relação entre a prostituição/pornografia e o éthosantropondaimon de Heraclito?


O dissimulacro

a dissimulância
a assimilação
a dissimilação
o dessemelhante dissimulado
o dissimil in dissimil
a infrarealização
míopismo versus alta definição
a ninforealidade

alma = lama (adão foi feito da lama – purusha-prakrti) – notar que é


anagrama

Agalma/aitia (relação entre o ornamento e a pluralidade de


principios)

catástrofe/simulacro = metacatástrofe/dissimulacro

Tese de alguns – os evangelhos como uma falsificação da vida de


Apolonnius tal como vem em Filostrato. A Sofistica como mãe (puta)
da filosofia e dos evangelhos? A Filosofia é filha da puta da Sofistica.

Acontecimento/ Inacontecimento/Anacontecimento

O acontecimento é um termo central deleuziano


O inacontecimento designa o neutro anestésico (o bhraman)
O anacontecimento é metacatástrofe e dissimulacro

Simulacro/Dissimulacro/Desdissimulacro – 3 estratégias miméticas?

Simulacro – lógica da reprodução, da camuflagem e das aparências


Dissimulacro – lógica da contrafacção, da guerra (estratégia) e do
pudor.
Desdissimulacro – lógica carnavalesca (simula-se, dissimula-se,
contrassimula-se, contradissimula-se), travestismo, teatralização
patética.

Shakespeare

Aitia opõe-se a arkhé – a multicausalidade a um princípio único. Aitia


significa – acusação, o motivo de imputação, a causa, o motivo do
assassinato. Todas as causas são motivos de assassinato.
O dissimulacro desce, sobe, atravessa-nos e desatravessa-nos, como
o Logos.

Elenchos – a refutação. Elengkhos significa - «a maneira com que


envergonhamos alguém», ralhar, a desgraça, a desonra, o
argumento, a prova, a confrontação, o exame contra-interrogatorial.

A interpretação como comunidade (amiga-inimiga) de actos


opinativos.
A interpretação como reacção arrepiante (ai que horror!) ou como
manducação aliviante (precisamos de interpretações como de
alimento, quer por sobrevivência quer por prazer – o prazer é uma
necessidade ).

A interpretação faz com que se dê uma co-participação com o


interpretado.
A interpretação é um acto de participação opinativo (doxa) na
«existência» do interpretável.
O interprete ao co-participar na sua interpretação não se pode
subtrair ao seu objecto nem invocar uma lógica «objectiva» e
positivista. O antropólogo incorpora-se históricamente nas
comunidades que estuda como um acontecimento que determina
toda as interpretações.
O no-commitement de um sociologo é pura e simplesmente um
equivoco – o sociologo co-labora nas coisas que estuda, ainda que
este «co-trabalho» seja eficaz (poderoso) em função do momento em
que é feito (com os seus òbvios interesse). A sociologia do «passado»
é perspectivista – é feita para exercer determinados poderes (e
contra-poderes) presentes.

o que não é interpretável simplesmente nem é, não existe, uma vez


que ninguém, nem nenhuma comunidade o reconhece, nem em
modos equívocos.

Opinar (doxar) = dizer das suas.

De um certo ponto de vista as opiniões são fastasmas de opiniões


com a sua genealogia e descendência. Ou pior, fantasmas de
fantasmas. Esta não é a minha perspectiva, é mais uma versão à
Bloom. Um daimon é como uma pessoa. É menos uma pálida versão
de percedências do que uma forte presença.

a doxa é um daimon, uma criatura possuinte. Não se pode dissociar o


poder da magia e da interpretação (opinião)

DOXA/DAIMON/KRATER

A defenição de poder em Foucault, e a do jogo das suas multiplas


forças de formação e das relações de poder entre multiplicidades, que
é neta da versão Escravo/Senhor hegeliana (via Marx, Kojeve,
Bataille, Heidegger) esquece em parte o caracter mágico-persuasivo.

Morin dá uma versão mais orgânica do poder, ligada a ciclos de


organização, a impulsos homeostáticos, a rupturas necessárias, às
necessidades da complexidade, mas também sem excluir os aspectos
demoniacos. Por alguma razão um dos seus livros autobiográficos que
trata da relação com a ideologia (teorias e poder) se chama «os meus
demónios».

Penso nos demónios num sentido parecido com o de Heráclito. Pode-


se falar das relações de poder como as de «eficácias demoniacas».
Hitler como possuido por um terrivel espirito.

Por isso a teoria homeostética do Enthousiasmous é uma teoria de


poder – de magia, de embriaguês (de intoxicação), e de personagens
(teatralização – como em Leirys).

A leitura da história pode e deve acolher as estruturas aparentes e


ocultas, as versões do poder, da repersão, dos diversos discursos
«libertários» e das hipócritas práticas repressivas, mas o exercicio do
poder é mais barroco, dependendo também do «prestigio» de
personagens brilhantes ou sinistros.

O tratamento de uma patologia é mais eficaz (na maioria dos casos)


consoante o prestígio e a confiança depositados no ministrador da
terapia, do que na terapia própriamente dita. É certo que as terapias
e as teorias adjacentes também vinculam poderes. Mas um burlão
consegue muitas vezes milagres que são inacessíveis a técnicos
extremamente competentes mas que são maus comunicadores.

A noção de sacramento (magia institucional) é uma fortíssima noção


de poder. As nossas sociedades, para o bem e para o mal, são
governadas por formas «secularizadas» de determinados códigos de
magia (ou de anti-magia) – o Décalogo hebraico, o código romano, e
as práticas mais obscuras que estão por detrás do direito anglo-
saxónico.
A critica da noção de autor à luz do estruturalismo e do post-
estruralismo (com Heidegger à mistura) descura todas estas
deliciosas dramaturgias demonológicas. Devemos falar de
personagens. A história é mais parecida com um romance em que
cada personagem, tal como Fernando Pessoa, pode ser vários
personagens. O pai piedoso e bom que coincide com o faccinora , o
revolucionário ressentido que coexiste com boémio hedonista,
existem com grande normalidade, não como duas faces da mesma
moeda, mas como aspectos de uma gestão dos seus daimons. Uns
são mais fortes do que outros.

A noção de coerência do sujeito que é aplicada normalmente em


filologia e que é arrastada para todo o tipo de interpretações no
dominio das ciências moles é em inumeros casos demasiadi
inconsistente.

Algo sucede no mundo graças a interpretações virtuosas ou não,


assim como algo se segue da constatação banal de que tudo são
convenções, por mais desinteressante que seja o que segue. Só a
inexistência de interpretações é que garante a mortalidade dos
acontecimentos.

As não-coisas são não-interpretáveis?

Um livro cheio de letras alinhadas caóticamente é interpretável como


um livro cheio de letras alinhadas caóticamente

Os limites da interpretação são os limites do interpretante, podendo


este ser um homrem ou uma máquina por ele programada para tal
efeito

Interpretamos em função de determinados programas de


interpretabilidade

O explicadismo é uma ventilação estratégica do dentro-fora. É uma


arqueologia messianica (a percepção dos momentos «doxicos» do
passado é já uma vivência de uma vinda que se deu e continua a
dar). As utopias são entendidas como dissimulacros imperfeitos,
inacabados e imaturos.
1 – fronteira interior e exterior (com porosidades)
2 – frequência dóxica (genealógica/messianica)
3 – forças e torções de dramaturgias expressivas e cognitivas
4 – zona de dobragem/desdobragem (plicação/explicaão)

Explicadismo - «a arte que explica sem explicar o inexplicável».

estratégias de explicação:

explicar o explicável
desexplicar o explicável
exprimir o explicável
explicar o exprimível
explicar o inexprimível
explicar o expressivo
explicar o inexpressivo
explicar o inexplicável
inexprimir o exprimível
explicar sem explicar
explicar sem exprimir
explicar o exprimivel do inexplicável
exprimir o inexplicável do inexprimível
explicar sem explicar o explicável
etc.
diagrama explicadista de Deleuze sobre Foucault.
A explicação é uma dobra desdobrando-se no de-fora

EXPLICADOR/EXPLICAÇÃO/EXPLICÁVEL

o-que-explica/explicação/o-que-é-explicado

há uma co-participação deste três agentes – neste sentido cada


sujeito e cada teoria re-determinam o mundo, quer na sua visão,
quer nos seus movimentos.

o terço e a triplicidade implicam-se (solicitam-se e explicam-se) um


ao outro, mais do que a metade e o dobro: criador/criação/criável –
não há apenas uma face visível da «demiurgia» –
causas/coisas/potência – há a potêncialidade que determina quer o
estado das coisas quer a necessidade das coisas se tornarem outras
coisas (o devir).

«É sómente quando há o sim (de modo geral) e não o não, que o não
pode aparecer. Se origináriamente não existisse senão o não, não
existiria a possibilidade de separar o sim do não. O não não forma um
oposto complementar com o sim (tal como o pequeno e o grande se
definem um através do outro): o não é apenas a negação do sim.»
(Wang Fuzhi)

Esta afirmação de Fuzhi é por ele complementada com a analogia do


sim com a saúde e do não com a doença. O não seria uma versão
degradada e pervertida do sim. O não é um sim doente. Eu diria que
o não é um sim mais morto. Mas de um prisma completamente
diferente podemos ver o não como um estado de excepção, uma
dobra no sim – como o barroco de Deleuze. A subjectividade
descartiana e seus sucedâneos (Espinosa, Leibnitz, etc) nasceria de
uma experiência intensa da negatividade, das ténebras, como se
recorresse a um jogo apofático, dentro da tradição do Areopagita.

Existe uma outra possibilidade mais optimista, em que o sim, o que


aparece e o que deixa aparecer, é um milagre dentro da normalidade
que é o não. Na percepção do universo como negatividade ou vazio, o
sim, o aparecimento, é desde logo um erro. Um erro milagroso.

O explicadismo é, à partida um duplo jogo negativo, uma dobra que


desdobra parcialmente a dobra, um não-não. Há coisas que nunca
foram dobradas e coisas que ficam por desdobrar. O sim não permite
interpretações, é pleno e fluido. O não é um entricheiramento, como
na tradição modernista, uma recusa depurante, uma guerra que
essencializa através da redução.

O desexplicadismo, o não-não-não (e o seu sucedâneo, o não-não-


não-não) é uma consequência da sequênciação explicadista. A dupla
negação nunca pode ser uma afirmação pura como na lógica
matemática tradicional – a explicação não é, nem pode ser, o mundo.
Mas a explicação é mais explicita e menos enigmática que o mundo.
A explicação é a lucidez que torna o mundo menos opaco.

A refutação (elenchos – o envergonhamento de outro) foi desde


sempre um dos motores do conhecimento no ocidente – o desejo de
refutar um conhecimento parece ser mais forte do que o de constituir
ou construir um saber. O conhecimento é nesta perspectiva aquilo
que virá a ser refutado – é uma antecipação da vergonha de termos
acreditado nisso. As instituições académicas que são as guardiãs do
saber e das tradições, guardam-no como se este fosse algo
vergonhoso. Os meticulosos procedimentos, a ritualização e a
estrutura desnecessáriamente burucrática da enunciação de teses são
fruto do embaraço refutativo.

Uma boa parte do conhecimento dos «gregos» e dos gnósticos ficou


guardado na «refutação de todas as heresias» (Ireneu). tal como o
mais suculento debate filosófico àrabe envolveu (Averroes/Ghazali)
não só refutações, como refutações de refutações. Nas chamadas
controvérsias, mesmo as mais amigáveis e honestas, há um desejo
lúbrico (mascarado de honestidade e integridade intelectual) de
humilhar o adversário. Borges explorou este tema delicioso em vários
contos (Los Teologos, etc.). A tortura, ampliamente praticada sob
pretextos doutrinários, quer no dominio religioso, quer no político,
parece à partida uma coisa inconcebível. As magras diferenças de
«explicações» adquirem um valor «demoniaco». Mesmo em criaturas
aparentemente «abertas» e tolerantes como Popper e Wittgenstein o
debate pelos mais insignificantes pentelhos teóricos gerou ondas
inexplicáveis de ressentimentos e hostilidades caricatas.

O que torna as teorias atraentes é o seu pentelhismo.

«No quadro que se sugere, a «exigência de razão» decorreria da


conaturalidade profunda da explicação e dos seus objectos. O
conhecimento, inclusive ciêntifico, representaria ainda uma
metamorfose da mimesis». (F. Gil)

«Conaturalidade profunda da explicação?» ou, num prisma (via


quiasmo), uma coteoricidade aderente do explicável? – Será a
natureza da natureza teórica? Será a teoria da teoria natural?
Quando Gil fala da metamorfose da mimesis dissimula (ou ignora?)
que o mimético é precisamente o metamórfico. Podemos arriscar-nos
a afirmar que as explicações que arrastam o conhecimento (tanto
«mitológico» quanto ciêntifico) são menos uma pura necessidade
intelectual do que a perseguição de metamorfoses de metamorfoses
(mimesis de mimesis), e que essas metamorfoses têm origem no
mimetismo animal (na simulação/dissimulação), actividade na qual o
homem, enquanto espécie, é extremamente pródigo. O homem
dissimula em quase todos os dominios (o odor é o mais fraco). Aquilo
que designamos como teatralidade é o motor dos desdobramentos
explicativos.

É certo que o mimetismo animal (visual) estudado há já tanto tempo


por Callois se divide em três tipos de comportamentos
(camuflagem,dissuasão e travestismo). O homem excede-se em
todas.

O «pensar o mundo» é uma cosmética, isto é, depende dos modos de


articulação, de decoração e de «maquilhagem» (de manipulação das
aparências). Não são as cosmologias, as cosmogonias ou quaisquer
concepções lógicas ou filosóficas (e outras «drogas») que nos dão a
sensação de pertencermos a algo mais vasto do que nós. O que
acontece é que participamos numa network caprichosa (Vieira diria
labirintica) e intuimos que essa cadeia complexa agrega muito mais
coisas do que aquelas que temos acesso, e os seus desenvolvimentos
e caminhos levam-nos na esteira de «algo» que provavelmente nos
supera. A sensação é essa. Por isso em vez do depreciativo e
banalizado adjectivo cósmico, adequado como um bluff a essas
sensações, deveriamos falar de um «sentimento cosmético».
A ironia está conceptualmente associada à dissimulação e à ilusão. O
ironista prefere dissimulacros aos simulacros, tal como atribui um
papel decisivo à manutenção da ilusão.

Cassin associa a noção de physis à de pharmakon já presente em


Homero. Toda a fisica é farmacopeia. Physis, Logos, Pharmakon são
pensados à luz do Pharmakon – droga, remédio, veneno, côr.
Há obras de arte que são apenas afectivas – fazem companhia. Há as que são
terapeuticas, as que manipulam forças (mágicas), as que são decorativas, as
que querem exibir emoções, as que exprimem ideias, as que são icones de
uma revolta de consumo (arte politica).

O explicadismo encena teorias. Não se limita a enunciar uma arte com


preocupações teoricas. Não é nem «arte depois da filosofia» nem uma «arte
como ideia como ideia». É uma arte bem materializada porque as ideias co-
participam nas coisas (e as coisas co-participam nas ideias). É uma arte que
não parte de ideias simples, mas que articula ideias complexas. Não é uma
arte como o minimalismo, que inicie séries – todas as grandes séries já foram
há muito iniciadas – mas é uma arte que reinicia e retoma séries. Não é uma
arte que separe o icónico do conceptual, mas uma arte que cria uma interface
produtiva entre networks icónicas e networks conceptuais.

Cristo usava parábolas para explicar as coisas. Por vezes fazia desenhos com
um pau na areia. Que desenhos eram? Não o sabemos. Cristo usava
claramente as mais básicas técnicas explicadistas. Quando queremos explicar
conceitos filosoficos percebemos que um esquema ou uma figura geométrica
nos elucidam mais do que o vocabulário abstracto. A imagem é mais concreta
e dá alguma arrumação e tranquilidade ao pensamento. Os textos de Platão
são explicadistas, no sentido acima apontado – encenam teorias, dando-lhes
imagens e um contexto favorável. Dante escrevia poemas enigmáticos e depois
escrevia tratados filosóficos a partir deles. No caso da Divina Comédia não
escreveu nenhum tratado. Assim como os textos de Platão são comédias
(todas as teorias que se exprimem teatralmente não podem ser trágicas, uma
vez que o trágico anula as teorias através de um simulacro da violência – logo,
toda a teoria é uma comédia), também o «poema» de Dante é uma comédia
sobre o divino, recorrendo a personagens e a geometrias. Camões rima nos
Lusiadas uma versão explicadista da história de Portugal, bem sucedida, mas
também faz fastidiosas descrições de geografia.

Os chineses têm uma cultura estruturalmente mais explicadista. A sua escrita é


combinatória e as cadeias de significados na escrita tornam as articulações
seriais e os jogos de relações mais explicitos. A sua cultura é o espelho de uma
certa obcessão com a escrita. A co-participação dos termos no mundo
(nominalismo performativo?) parece òbvia. Quando os chineses inventaram o I
Ching perceberam que cada situação se podia comparar a um jogo de forças, e
que a percepção desse jogo de forças podia ajudar a tirar partido dessa
situação – o I Ching, mais do que um Oráculo, é uma sintomatologia do poder,
um manual que premite compreender as desordens e ordens do presente,
assim como perceber as pontas daquelas que estão a emergir.

O Sofista Antiphon foi um percursor de Alberto Caeiro ao considerar a


radicalidade das coisas contra a falsificação da linguagem. Heráclito diz que
tudo está em movimento, e que o Logos exprime algo que abarca tudo,
inclusive esse movimento (que é uma lâmina de dois gumes). Antiphon diz que
usar palavras como o Logos é um abuso. Aristóteles tentou fazer uma sintese
entre a necessidade de articular a radicalidade das coisas com essas palavras
soltas e tentaculares (Logos, Ser, Categorias, etc). Os esforços aristotélicos
são complexos e as suas suas tentativas de conciliação esbarram em pontos
criticos a que chamou aporias. Aristóteles não era explicadista, o que explica
que tenham surgido tantos grandes pensadores que passaram as suas vidas
inteiras a tentar explicar, com grandes dificuldades, as teorias de Aristóteles,
como Averroes e S. Tomás de Aquino.

A arte explicadista não quer explicar de uma só vez o mundo. Provávelmente


nem sequer quer explicar com exactidão algo. Mas procura exprimir os
impulsos explicativos, provavelmente ingénuos (haverá explicações destituidas
de ingenuidade?), que é normal cada um ter. Muitas vezes o bulicio «teorico»
que nos vai na «tola» precisa de apanhar ar fresco. As teorias nem sequer
precisam de estar bem articuladas ou enunciadas – as palavras procuram-se
umas às outras como se quizessem agarrar uma ordem (organização) que
ainda está a emergir. Neste caso há um processo parecido com o I Ching –
temos algumas peças de um edificio que queremos construir, mas temos que
arranjar as outras peças e tomar decisões táticas. As teorias procuram
domesticar as coisas, por isso estão num estado de guerrilha suave com outras
teorias que dominam outras coisas. As coisas são os nossos mais preciosos
aliados e inimigos.
O Explicadismo é uma prática teórica e artistíca que produz
sobretudo ideias e hípoteses (explicações) e reflecte sobre as
suas formas de emergência.

O explicadismo é uma guerrilha alegórica-esquemática, com


alusões ambiguas de caracter abdutivo. Os termos que utiliza
são finitos, as séries que potencializa são infinitas, eliminando
tudo o que lhe é alheio.

O Explicadismo é a revelação no seu estado bruto, a produção


de sequências associativas origina estados revolucionários.

No Explicadismo as imagens, os esquemas e as palavras


canalizam energias que possuem uma carga
(indiscriminadamente) conceptual-perceptual-afectiva.

O Explicadismo é uma "complex network" auto-inerente, recursiva,


omnicompreensiva.

O Explicadismo explica-se a si mesmo enquanto explica o que explica.


PARADOXA TRADITION

Fragmentos de predecessores da homeostética/explicadismo/tretoterismo

Heraclito
Os Atomistas e Sofistas na Índia, Grécia e China
Sócrates e os Socráticos (Cirenaicos)
Cínicos
Cépticos
Epicuristas
Tchouang-Tseu
Petronio
Apuleio
S. Paulo
Luciano de Samosata
Abelardo
Cirano de Bergerac
Lewis Carrol
Rabelais
Nagarjuna e Ariadeva
Mestres Zen
Tantricos
Dogen
Max Stirner
Nietzche
Kafka
Dadaístas
Kurt Schwitters
Picabia
Gomez de La Cerna
Bill Waterson
Jarry
Montaigne
Michaux
Pittigrilli
Raymond Roussel
Pierre Leyris
Italo Calvino
Duchamp
Picasso
Pansaers
Luis Buñuel
Jean Cocteau
Borges
Savinio
Fernando Pessoa
Almada Negreiros
Irmãos Marx
Monthy Python
Woody Allen
John Cage
James Joyce
Eric Satie
Mozart
Rossini
Biber
Ives
Eckhart
Casanova
Voltaire
Diderot
Lautreamont
Deleuze
Bierce
Dubuffet
Shakespeare
Henry Miller
Blacke
Caneti
Lichtenberg
Kraus
Oscar Wilde
Morin
Hernry Miller
Ernesto de Sousa
Filosofia (segundo F. Sabedoria (segundo F. Explicadismo (segundo
Julien) Julien) «alguns» explicadistas)
Agarrada a uma ideia Nenhuma ideia é especial Relações entre ideias
especiais
A filosofia é histórica A sabedoria não tem Romanceamento dos
história acontecimentos
Progresso por A sabedoria tem que ser Produção e desfruto de
explicação/demonstração saboreada teorias enquanto arte e
exercitação
Generalização Globalização Multiplicação de
singularidades tentaculares
(generalizantes e
globalizantes)
Niveis de imanência Armazenamento de Redes complexas de
(cortando o caos) imanências imanência
Discurso (defenição) Observações (sugestões) Tagarelice inventiva
(diálogos)
Sentido O manifesto O co-
produzido/interpretado
Escondido porque retirado Escondido porque Escondido porque
manifesto dissimulado (natureza
carnavalesca)
Saber Realizar: tornar-se Co-participar: os sentidos e
consciente dos sentidos o saber desabroxam-se
reciprocamente
Revelação Regulação Entusiasmo e
diversificação
Dizer Nada a dizer Dizer pelo prazer de dizer
(ou porque há nada a dizer)
Verdade Congruência Teatralidade de doxas
Ser e sujeito Processo Serialização heteronimica
da «poesis»
Liberdade Espontaneidade Sprezzatura
Erro Parcialidade Prazer na Ilusão
O caminho é para a O caminho torna viável O caminho é entusiasmo e
Verdade ilusão
ALGUNS TERMOS EXPLICADISTAS

1. metamorfose – Mimese de mimese. Toda a diferença implica um juízo


metamórfico. Toda a metamorfose é a evidência de diferenças. O
metamórfico precede as formas e não se adequa a nenhuma forma.
«Antes de tudo (mesmo antes do antes) era a metamorfose».
2. kairos – Ocasião dita propícia. Num sentido mais «tuga», é o
maravilhoso oportunismo. O kairos só faz sentido em função de um
pensamento estratégico – tirar partido de um equilibrio/desiquilibrio, ou,
como se diz em giria, «puxar a brasa à sardinha».
3. diáspora – Na diáspora reunem-se por simpatia as «distintas» condições
de exílio, colonialismo e emigração. «Saír para fora cá dentro» (o’neill) e
«voltar para dentro saíndo para o lá fora». A diáspora faz o judeu. O
português é o hiperjudeu. O seu exilio é a pátria. «A minha lingua
portuguesa é uma superdiáspora».
4. santidade – A santidade é o dom de quem se emancipa das restrições
biológicas, politicas e culturais. É a ética impossível e ao mesmo tempo
admirável presente num corpo e nalguns dos seus perlongamentos. A
santidade é um exemplo a seguir no tom, mas não no modo.
5. ontogenia – Teoria em que as teorias engendram estados de coisas que
sempre existiram mas nunca foram evidentes. Etapas de formatação
estruturante de um organismo emergente.
6. jerusalem – Jerusalem é o modelo arquitectónico de uma cidade
nómada e divina. Deve ser invocada na semi-obscuridade através do
canto doce e ébrio de uma virgem. Jerusalem não é nenhum Éden ou
paraíso, é algo mais civilizado e intelectual. Não é uma pátria, mas o
expatriamento que a graça conceptual provoca («os conceitos não têm
pátria nem são universalistas, são atópicos, isto é, desconcertantes»).
7. sião – Sião, como alegoria de um suposto lar, é a terra prometida, isto é,
o paraíso como metonímia – história, acção, performatividade, desejo.
8. creatura – a creatura, ou o philum, é o não-formatado: forças potênciais
que se espalham buscando espectros formais que as controlem.
9. pleroma – Pleroma é o princípio desencarnado e formatante, o que
domestica as forças através da ontogénese, garantindo uma certa
estabilidade e homeostase. O pleroma supostamente seria pleno e
desencarnado, mas na perpectiva aqui abordada é o não-pleno e o
encarnante. O pleroma cristaliza-se em diagramas.
10. kavod – Glória divina através da omissão de Deus. Kavod está para o
Deus biblico da mesma forma que a doxa está para o «é» parménidiano.
11. double bind – «Não podes comer o bolo e tê-lo ao mesmo tempo». Toda
a ética é um double bind. A introdução da lógica introduziu
desfazamentos trágicos entre as errâncias ambiguas das coisas e a
formalização das opções. A vida é o metamorfico – o double bind é a
inadequação que procura a salvação nos paradoxos que não chegam.
12. doxa – Doxa é a presença chicoteante. O oposto da doxa é a apatia. É a
doxa que nos intoxica. A doxa é a mãe de todos os entusiasmos.
13. pseudos – Arrepio persuasivo. O pseudos não é verdadeiro nem falso –
é o ilusório (apaté) num sentido mais pertinente do que qualquer
evidência, enquanto instância eficaz. O pseudos é a aletheia. O pseudos
é a não-ocultação que oculta, introduzindo dissimulacros que regeneram
as coisas. É o «dissimulacro» activo.
14. acaso – O acaso é aquilo que se faz necessidade. O acaso é a
predeterminação de todos os acasos.
15. ideia – A ideia é o que formata as aparências, é a topologia das
evidências. Num outro sentido a ideia é uma arte de programação,
demonizando e «intencionalizando» determinadas práticas.
16. apaté – É o poder (a potência, a divindade) que está por detrás do
pseudos.
17. riso – É a resposta homeostásica (activando reequilibrios organicos) de
um organismo perante a inquietante complexidade que o ameaça.
18. fake/fraude – Só a honesta dissimulação é um progresso em direcção a
uma verdade mais verdadeira que a verdade.
19. iconoclasma – o iconoclasma é a negatividade da mimesis, isto é, o
fantasma do não-metamorfico. O iconoclasma promove o repouso do
excesso de imagens. Em ocasiões mais radicais é uma renúncia
(samnyasa) a qualquer tipo de representação dando como alternativa
visual a prática de diagramas. A renúncia à imagem, dentro do nosso
cânone é um momento da sua alternância com diversos tipos de
dosagem imagética.
20. tríade – Os esquemas triádicos são mais agitados, dinâmicos,
imperfeitos e produtivos. Desembaraçam-nos dos double binds e incitam
ao entusiasmo.
21. babel – Opõe-se e confunde-se com sião. Babel metamorfoseia-se em
biblos. toda a escrita procura multiplicar-se e para se multiplicar
radicalmente necessita da pluralidade das linguas.
22. logical types – Teoria de Russel que tenta fintar os paradoxos criando
hierarquias (classes e classes de classes – em que a classe não pode
conter os seus membros) que permitem compreender e resolver os
mesmos. Há paradoxos que não são fintáveis e que desierarquizam os
«logical types».
23. exílio – Caso específico de diáspora. Ser português é ser alguém que é
exilado na sua própria terra. É babel em sião e sião em babel.
24. artoíde – Arte/artista numa era em que a sua aura é arrasada por uma
entropia avassaladora.
25. barbaristica –Metáfora de uma civilização sofisticada-barbarizada.
26. génio – Excepção da moda. Aparato genético. Emergência pertinente.
27. abductus – Tradução selvagem. Infidelidade interpretativa.
Descontextualização. Só a abdução é que propicia «visões do concreto»
mais adequadas, isto é, mais complexas. A realidade não é «uma» - ela
é formatada pelas visões, derivadas da abdução, em momentos muito
concretos (chamemos-lhe lucidez, iluminações, epifanias).
28. dialogismo – Prática artistica e teórica do dissimulacro e da pluralidade.
As práticas dialógicas pautam-se pelo riso, devido a um pudor em exibir
a sua «sensibilidade» e as suas convicções. Exibem-nas enquanto
paródia e coisa parodiada. O dialogismo nada tem a ver com a sátira,
uma vez que o que o faz mover é uma terapia dessa temível doença que
é o ressentimento.
29. epigenesis – Génese inframagra (Duchamp). Cada acontecimento é
precedido de uma génese deste tipo.
30. charis – Graça, por via descendente (a graça que se deposita), e que
garante no depositado uma autoridade sem o exercício da autoridade, e
um prestigio (sobretudo nas situações mais humilhantes).
31. stochazein – processo que combina uma ou várias estratégias com uma
sensibilidade (ou dialogismo) que permite assimilar e transformar o
acaso.
32. tautologia – Sequênciação que obtem fruto da diversificação das
combinatórias dos seus pressupostos graças aos efeitos derivados de
várias posições sequênciais.
33. dissimulação – «La dissimulazione è una industria di non far veder le
cose come sono. Si simula quello che non è, si dissimula quello ch'è.»
(Acceto). A simulação hiperrealiza. A dissimulação é a persistência dos
dissimulacros negando a existência de modelos absolutos e o
nivelamento pelos simulacros.
34. aitia – Multiplicidade de causas ou motivos de acusação? Os aitia são
temas que modificam e se cruzam, excitando sanguináriamente as
formas e as coisas.
35. agalma – Ornamentalidade que establece ligações entre todos os tipos
de particulas e formas e dá origem a padrões diversificados,
promovendo alguma regularidade e homeostase. Na relação
agalma/aitia este termo acalma os impetos criminosos dos aitia.
36. elenkhos – Disposição refutatória. A obra de Nietzsche é um bom
exemplo de uma prática que sobrevive através da congruência de
fragmentações refutatórias.

outros termos

1. psukhai
2. allelophagia - canibalismo
3. antron
4. daimons
5. topos
6. phugé – exilio
7. tekton
8. alêtheia
9. enthousiasmous
10. frené
11. métis
12. telos/atelos
13. mêden – nada
14. Kosmos
15. Chaos – fenda (cona)
16. Krisis – distinção
17. muthos
18. logos
19. moira
20. anagké
21. diké
22. thumos
23. òdos
TERMOS AVACALHADAMENTE EXPLICADISTAS

Eu cito-me de forma a poder exprimir melhor os outros que ainda não me


citaram.

Julio Pontinha

Dissimulância

Ninforrealidade

Cosmeticologia

Dissimulacro

Infrarresalização/infrarrealidade

Miopísmo

Estétética

Pilosofia

Pentelhismo

Poliateismo

Hiconoclástica – Abominação devidamente alcoolizada por tudo quanto é


pintura ou imagens (sobretudo televisivas e publicitárias). Segundo a
hiconoclástica «só somos rigorosamente éticos quando embriagados, seguindo
os nobres exemplos de alguns diálogos platónicos».

Muscolástica – Disciplina poetico-interpretativa de caracter agonistico que


pretende dotar os seus praticantes da maior elasticidade e força possivel. A
musculástica visa produzir sobretudo obras-primas musculadas (mas que treta
é essa?).

Putopausa – Estado de repouso entre duas idas às putas.

Rectórica – Arte escatológica? Escatologia artística? Retórica do abjecto? De


certa forma a rectórica foi abundantemente praticada quer por Rabelais quer
por Joyce.
Desinstituição – Organização espontânea cuja fracqueza consiste em
vandalizar ou subverter propaganda institucional através de pequenas
alterações linguisticas ou icónicas.

Antroputosophia – Ciência (rigorosa) que estuda os efeitos nihilizantes nos


hominídeos.

Autopriapus – Designação pretensiosa para autopenetração (o autobroche, por


exemplo).

Bolismo – Teoria do 0=0, ou da identidade da nulidade. É certo a que a


nulidade é, de outra perspectiva, toda a potência. Assim o puro nada é Deus ou
o Ser enquanto não manifestado. O caso do 6=0 é já uma Doxa/Paradoxa uma
vez que identifica o não manifestado com um modo de manifestação específico
e glorioso. Mas o facto desta tautologia, o 0=0, se poder enunciar e pensar faz
dela a coisa mais gloriosa (superdoxa). É esta a questão por detrás do Poema
de Parménides e dos Sermões de Eckhart. O Bolismo, como intuição reactiva
ao cubismo é filha de uma ideia de P.Portugal,também «praticada» por Brito e
Vieira, com ramificações futebolísticas e da correspondente giria. Os mais
conhecidos percursores foram o referido Parménides e o pintor Cézanne (que
abusou dos cones e cilindros).

Budonga II – Povoação e civilização da qual não sabemos praticamente nada e


que se encontra mencionada em Budonga I.

Budongue X – Cidade que se encontra debaixo de Budonga1 embora


originária de uma civilização distinta que os budonguianos arrasaram. O estado
das escavações permitem considerar que se tratava de uma civilização mais
avançada do que Budonga.

Burrocratismo – Prática obstinada e levada até ao paradoxo de certas práticas


burocráticas transferidas para o domínio da produção artística.

Pretensofagia – Fagia que não se chega a consumar ou que é consumada de


uma forma falsa, como no célebre anúncio em que pescada com cerveja sabe
a lagosta. A alimentação do futuro (como parte da actual) passa cada vez mais
pela simulação de gostos através da ingestão de produtos que já nada têm a
ver com eles.

Geochaos – Termo que designa territórios desordenados e em mutação


acelerada como é o caso da Web, entre outros casos.

Urana – Visão dos corpos celestes como algo essencialmente femenino (tal
como os egípcios o conceberam). De acordo com esta versão transsexual da
mitologia grega era Urana que comia os seus próprios filhos. A ela opunha-se
Gaio (o alegre) que era obrigado a copular com ela permanentemente.

Estrangeiropolis – Cidade em que ninguém é seu nativo ou emigrante. É uma


cidade de passagem com infraestruturas destinadas à funcionarização
temporária com estruturas de poder precárias, próximas de uma anarquia ideal.
Com a desnativação mundial este planeta terá tendência a tornar-se numa
verdadeira mega-estrangeiropolis.

Imperialdejoelhosagrado – Nome esotérico para a rituais do brochistas.

Caveirismo – Despotismo esclarecido aplicado às complexidades de uma


sociedade post-globalização. Este despotismo é exercido, não através dos
estados ou de suas confederações, mas através de uma encarniçada disputa
megaempresarial.

Gulosismo – Entusiasmo canibalisador para além das necessidades mais


básicas.

Bicopolis – Sistema politico em que o sexo oral, em todas as suas variantes faz
parte dos mais vulgares protocolos.

New-Gaia – Também conhecida como Gaio (a não confundir com Gay).


Transformação da ideia dolorosista das mitologias ligadas à terra-mãe em
alegres mitologias fundadas no alegre terreno-pai.

Brownkissov – Prática sexual (anal) com métodos russos de execução delicada


e uso de chantilli (aconselhável preservativo na lingua e nas axilas!).

Neartoid (ou Neandertoid) – Artoide no seu estado inicial, glorioso. Ou, artoide,
no seu estado final, glorioso. Entenda-se por artoíde o artista que é objecto de
estudo na economia do artista desconhecido.

Artistoide – Condição hiper-declinante do artista moderno que participa na


suburbanização progressiva da arte.

Phaetonletic – Atletismo intelectual que através de traduções selvagens e


frenéticas (baseadas em conhecidos textos mitológicos) tentamos traír
radicalmente os traduzidos originais.

Multidoxa – Uma opinião babélica, que comporta potencialmente várias doxas


que são divergentes.

Poliparadoxa – Um paradoxo de tipo especial que gera vários paradoxos,


contimanando automáticamente as doxas adjacentes.

Paness – Termo que designa a «experiência abstracta da totalidade» ou algo


que se lhe assemelhe (Deus, Ser e essas tretas todas). Como experiência que
é, com as suas caracteristicas fisicas e fisiológicas, é algo de concreto. Pode-
se dizer de alguém que está em «estado de paness». O estado de paness
pode levar ao extase.

Panallway – Droga que induz a um estado de Paness perlongado.


Homeobot – Robotização da arte, não na versão mecanicista de Leonel Moura,
mas numa versão (budonguiana) à F. Brito e Fritz Lang de uma sociedade em
que as camadas escravizadas são obrigadas a criar com suor e esforço
colossais obras de arte.

Hobot – Hobby budonguiano que consiste em apanhar moscas com a lingua.


TERMOS REALMENTE EXPLICADISTAS

Anagoritmo – série de cálculos ou de enunciados que visam evitar um


determinado resultado ou uma série deles (matemáticas apofáticas). Da
mesma forma existe uma lógica cujos silogismos são encadeados de modo a
não deduzirem ou provarem determinados factos, como por exemplo Deus, etc.

Panomia – termo empregue para designar uma multiplicidade de leis de


carácter e origens distintos que apesar de por vezes entrarem em conflito em
determinadas zonas o seu funcionamento local contribui e para o
funcionamento global.

Metamorfisse – representação transicional de formas de procedências


diversas.

Kairocronismo – fracção de tempo favorável que se determina em função das


variáveis Métis e Enthousiasmos.

Synvalência – propriedade de determinados termos cujos significado além de


flutuante é acossado de polivalência (vulgar).

Axiofisismo – encarnação ou adaptação de valores ou axiomas sem que estes


necessitem de ser «conscientes» ou demoradamente reflectidos. Pragmatismo
delirante ou inconsciente.

Descomplexidade – prática descomplexada de complexidades. Combinatória


risomática de sequências stokausticas. Imprevisibilidade imanente a que
corresponde uma deliberação aventurosa quer do domínio teórico quer das
próprias tácticas.

Homeonética – sistema (raro) capaz de assimilar e entrar em acção nas


situações post-paradoxológicas.

Abcisão – capacidade de apreender e traduzir um sistema distinto, mesmo


quando estranho ou adverso, utilizando quer a Mimética , quer a análise ou a
cópia.

Mimética – noção que une a mimesis à ética. Cada situação especifica exige
uma atitude ética distinta. A mimética é uma percepção/absorção epidérmica
das complexidades num conjunto de coordenadas espacio-multiversais.

Multicrónica – o que evolui continua ou descontinuamente ao longo de várias


sequências temporais sem desaparecer completamente.

Variolética – movimento do pensamento que consiste em multiplicar opiniões,


asserções ou teses distintas, algumas vezes contraditórias, outras
pontualmente convergentes, sem se dar ao trabalho de demonstrar qualquer
relação estrita de vínculo ou adversidade (em oposição à dialética). A
Variolética funciona perante uma «tese» como um conjunto de variações
musicais: invertendo a tese, alterando o ritmo, a sequência, etc, mas mantendo
o «tema» subjacente como núcleo obcessivo.

Refuncionamento – retoma de funcionamento de um organismo que no estado


precedente parecia condenado a uma disfunção crescente ou
desaparecimento.

Afectivicácia – acção eficaz entendida como suplemento afectivo de um


organismo. Regulação desses afectos através da regulação das carências e
dos excessos.

Endoirogeno – Erupção erótica num corpo sem causas externas.

Exoirogeno – Clima ou pressão erótica sobre determinado corpo.

Antropia – Conceito da anti-termodinâmica (o universo está em reaquecimento


e é não dispersivo, concentrando os seus espaços e as suas energias).
Capacidade de um organismo se enriquecer, vitalizar e complexificar sem
passar por um processo de entropia/neguentropia.

Caosmocentrismo – Noção (leibnitziana?) de que cada coisa ou «caosmos» se


representa exactamente a si mesmo não deixando de representar o resto do
mundo (tudo é espelho de tudo).

Alteregoísmo – Propriedade de tornar determinados egoísmo altamente


proveitosos para os outros.

Antidade – O que é prévio a um ente. O clima que antecede a sua aparência e


é já a sua presença.

Epistemotopias – Os lugares do conhecimento. A epistemotopia explica como é


que os espaços, a sua geometria e a localização dos sujeitos determinam a
apreensão dos epistemas.

Etnoperiferismo – Tendência da maior parte das sociedades actuais para a


desvalorização das suas tradições e culturas locais em função de uma cultura
planetária, manipulada a partir de 2 ou 3 centros. Diáspora sem sair do
território.

Extraínte – Agente ou mecanismo que rouba a outro sistema as suas


propriedades.

Retardação – Propriedade de um sistema se desviar dos fins a que pareceria


estar configurado. Estes casos são também ditos fenómenos desteleológicos.

Porosidade – Zonas «fronteiriças» de sistemas complexos onde há


permeabilidade ou contrabando, permitindo alterações de diverso tipo quer na
«aparência» quer no «interior».

Alavanca – Palavra que designa uma acção forte e eficaz de poder.


Ultrabilidade – Capacidade invulgar de reacção, produção, regeneração,
aprendizagem, etc. A ultrabilidade acontece em organismos que aparentam
ligeireza e imaturidade.

Conformação – Informação que entretém um sistema de forma a que pouco


seja alterado (pan e circe).

Heterostasia – Capacidade de um organismo gerir as desordens que vêm do


exterior.

Heterosteticas – Estéticas intermitentes e fragmentárias que contribuem para a


reciclagem dos movimentos homeostéticos.

Fonogénese – Nascimento por vibração. Ao contrário da morfogénese que


designa a cristalização em formas, as fonogéneses diluem-se em ondas cada
vez mais fracas. Embora haja uma aparente tendência da fonogénese para o
silêncio, ela mantém o mundo num banho sussurrante de micro-ondas. Pelo
contrário, as teorias antrópicas consideram que nos inicios é o silêncio e que
que os universos estão no caminho irrediável para um ruído ensurdecedor.

Multinstabilidades – É o caso (assaz vulgar) de uma relativa estabilidade


ameaçada por várias instabilidade de procedência e tipo distinto. Toda a
estabilidade vive e é reciclada de multinstabilidades.

Co-dramatização – Surge quando vários agentes co-organizam/desorganizam


um acto de tal forma que esse sistema se consolida e a cooperação é alargada
a outros sistemas.

Interdisparidade – Acção em que o heterógeneo é concertado em


determinados movimentos.

Retroinacção – propriedade de bloquear ou suspender determinadas


retroacções.

Desrepresentação – situação em que os representantes teatralizam


metalinguisticamente (e comicamente) a sua própria teatralidade.

Samântica – Ramo da semântica que investiga os sinais premonitórios


(advinhação).

Liberomecanismo – Mecanismo de um mecanismo cujas propriedades


permitem que se livre do organismo dominador deixando em aberto a
possibilidade de uma relativa autonomia ou de associação (ou integração) com
outro organismo.

Interarquia – Conexões e alterações de co-relações entre diversos poderes.

Alearquia – sociedade em que as interarquias são extremamente frequentes.


Patática – Táticas com características irrisórias nas quais os adversários são
facilmente derrotados graças uma redução ao ridículo.

Vagabilidade – Diz-se de um sistema cujos dispositivos comunicativos não são


aparentemente precisos. A vagabilidade tem também um sentido estratégico
que designa a propriedade de transmissão aos aos sistemas adversos do
menor número de informações fiáveis

Zigurástica – Todos o tipo de cómico-simbolismo proveniente da obcessão por


zigurats.

Negantropia – Possibilidade de uma antropia se entropisar, com ou sem


neguentropias.

Toleologia – Lógica que permite notáveis avanços graças ao recurso à tolice.

Transindisciplinariedade – Interacção de várias indisciplinas ou de sistemas


indisciplinados. A transindisciplinariedade não pretende comprometer-se com
nenhuma «compreensão do mundo» seja em que estado for, mas apenas
desfrutar poeticamente as complexidades simultâneas que as indisciplinas
permitem.

9=0 - Teoria rival e idêntica à de 6=0. Ao contrário desta última, que parte do
pressuposto da Doxa do Ângulo Recto ( definindo o universo como cúbico, e
utilizando analogias com o I Ching sobretudo na categorização em 64
mutações), o 9=0 parte do pressuposto que o universo é estruturado a partir de
estruturas ternárias (o universo equilátero?): é a chamada Doxa do Triângulo
Equitativo. Há para esta Doxa analogias com os nove rasas hindus ou com o
Tai Hsuang Xing (livro obscuro do sec II a.c. mas só recentemente editado
(1995) que estava previsto geometricamente no primeiro dos cadernos doxa e
foi desenvolvido por Proença no inicio da década de 90). Existe também o
bolismo (a Doxa da Curva Perfeita, desenvolvida por Brito e Vieira) cuja
equação é 0=0. Segundo a lógica post-paradoxológica, a estas 3 doxas
corresponde a expressão rigorosa 6=9=0.
ARTOIDE

The artoid is thundering in the void

1. A noção de arte correspondia a uma ideia classica (etimológica) de


ordem. Ora a alteração, sobretudo no sec.XX, da noção ordenadora
de arte deu-se no sentido de a encarar como perturbação, isto é, de
«novo», de «ermergência». Neste caso Braque foi claro ao dizer que
«a arte perturba e a ciência assegura».
A arte é hoje uma forma complexa no sentido em que é a expressão
mais simbólica de algo que está na fronteira com o caos. A ideia
duchampiana de que tudo pode ser arte aumentou e abriu imensas
possibilidades de produção artística, mas também degradou o seu
caracter nobre.

É certo que esta perca de prestígio, ou de aura, não se deve ao gesto


sintomático do nosso amigo Marcel, mas ao facto de que o século XX
massificou a produção, isto é, tudo perdeu o seu prestígio. Entrou-se
numa era hiper-replicante que hoje em dia atinge proporções
vorazes. Assim, tal como os insignificantes asteroides estão em
proporção para os astros, também o artoide o está para a arte
( asteroíde/astro = artoide/arte).
Deviamos falar de um estado terminal, mas neste caso nada termina.
Há uma persistência climatericamente apocalíptica. Mas ao contrário
da gloriosa (doxa) ideia apocalíptica, o artoide erra na sua condição
miserável num espaço infinitamente desmesurado e decadente que é
o úniverso artistico.

2. A segunda ideia que o artoide transmite surge da sua comparação


com o «androide», de andros, o homem, e de -oíde, o que é
imperfeito. Na era da informática e da intiligência artificial, o artoide
já não é a promessa das ficções científicas, mas a realidade de certa
forma ultrapassada: assim como se cultiva o retro-futurismo e se tem
nostaslgia das velhas ficções-científicas, localizamos cada vez mais as
útopias do futuro nas nostalgias de um passado auspicioso. O
artoide sublinha a artificialização replicante cruelmente, colocando-
nos nesse futuro sem futuro onde tudo parece já ter sido feito e onde
as coisas funcionam cada vez menos de acordo com as expectativas
que projectamos.

3. Uma terceira ideia é a do artoide, não só como substituto de obra


de arte ou de «objecto artístico» (e este novo termo economiza
espaço de escrita) mas também como substituto ao mesmo tempo do
artista.
O artoide é o artista-cometa, o artista dessuperlativado, o que «não
passa de um artoide ».
O hábito de que a biografia do artista podia ser ou não ser irrelevente
para a compreensão da obra é mandada às urtigas e esmagada pelo
facto anti-classissista de que, por mais esforços que se façam a obra
e o artista já são um só, isto é, a expressão biográfica já devora os
momentos objectuais. O fim das distinções entre a arte e a vida
(Cage, Fluxus) faz com que as obras de arte sejam acima de tudo um
life stile. O artoide mostra que estes life stiles acabam sempre por
revelar algo de ridículo, das blagues mediocres às misérias da vida
sexual. Assim o artoide adapta-se lindamente aos tabloídes.

4. É desta situação soberanamente enfraquecida que nascem, por


retorsão (vidé Nietszche, Lyotard, Clara Brito) os artoides fortes. A
sua fraqueza é a sua força. Como diria Cage ou Norman O. Brown, se
«átomos esmagados explodem então…» (a nossa extrema fraqueza é
a nossa implosiva força). É graças a esta força do quase-
imperceptível que propomos obras resolutamente fortes porque
nascem de uma condição fraca, de quase inviabilidade, que só uma
desobstinação de sábio taoísta torna o que parece não-acção em
manipulação ou eficácia.
Textos de apoio (tradução cá da casa)

DELEUZE

Máquinas abstractas (diagrama e phylum)

Num primeiro sentido não existe máquina abstracta, nem máquinas abstractas que sejam
como as ideias platónicas, transcendentes, universais, eternas. As máquinas abstractas
operam nos agenciamentos concretos: elas definem-se pelo quarto aspecto dos
agenciamentos, isto é, pelas pontas de de descodificação e de desterritorialização. Elas
traçam essas pontas; desse modo elas abrem o agenciamento territorial sobre outra
coisa, sobre agenciamentos de outro tipo, sobre o molecular, sobre o cósmico, e
constituem devires. Elas são sempre singulares e imanentes. Contrariamente ao que se
passa nos estratos, tal como nos agenciamentos considerados sobre os seus outros
aspectos, as máquinas abstractas ignoram as formas e as substâncias. É nisso que elas
são abstractas, mas também é esse o conceito rigoroso de máquinas. Elas excedem toda
a mecânica. Elas opõem-se ao abstracto no seu sentido corrente. As máquinas abstractas
consistem em matérias não formadas e em funções não formais. Cada máquina
abstracta é um conjunto consolidado de matérias-funções (philum e diagrama). Isso vê-
se bem num plano tecnológico. (...)

Mas, se as máquinas abstractas ignoram a forma e a substância, o que é que acontece na


outra determinação dos estratos, ou mesmo dos agenciamentos; o conteúdo e a
expressão? De certa maneira pode-se dizer que essa distinção deixa de ser pertinente em
relação à máquina abstracta; e isso, precisamente, deve-se ao ela já não ter formas nem
substâncias que condicionem a distinção. O plano de consistência é um plano de
variação contínua: cada máquina abstracta pode ser considerada como um «plateau» de
variação que põe em continuidade as variáveis de conteúdo e de expressão. O conteúdo
e a expressão atingem aí o seu maior grau de relatividade e devêm «functivos de uma
mesma função», ou os materiais de uma mesma matéria. (...)

É que a matéria não formada, o philum, não é uma matéria morta, bruta, homogénea,
mas uma matéria-movimento que comporta as singularidades ou hiceidades das
qualidades ou mesmo das operações (linhagens tecnológicas itinerantes). Também a
função não formal, o diagrama, não é uma metalinguagem inexpressiva e sem sintaxe,
mas antes uma expressividade-movimento que comporta sempre uma lingua estrangeira
na lingua e categorias não linguísticas na linguagem (linhas poéticas nómadas). Então,
escreve-se identicamente o real de uma matéria não formada, ao mesmo tempo que essa
matéria atravessa e estica a linguagagem não formal como um todo: um devir-animal
como os ratinhos de Kafka, as ratazanas de Hofmannsthal e os vitelos de Moritz? Uma
máquina revolucionária, tanto mais abstracta quanto ela é real. Um regime que já não
passa pelo significante nem pelo subjectivo.(...)

Há máquinas abstractas que não cessam de se trabalharem umas às outras, e que


qualificam os agenciamentos: máquinas abstractas de consistência, singulares e
mutantes, com conexões múltiplicadas; mas também máquinas abstractas de
estratificação, que rodeiam o plano de consistência de outro plano e as máquinas
sobrecodificantes ou axiomáticas, que procedem às totalizações, às homogenizações e
conjunções de encerramento. Se bem que toda a máquina abstracta reenvie a outras
máquinas abstractas: não apenas porque elas são inseparávelmente politicas,
económicas, cientificas, artisticas, ecológicas, cósmicas – percetivas, afectivas, activas,
pensantes, físicas e semióticas – mas porque elas entrecruzam seus tipos diferentes, tal
como o exercicio que lhes é decorrente.
MXG
(incompleto – falta o principal)

Melissus, Xenofonte e Górgias

(«atribuído» ao Pseudo-Aristóteles)

1. Se há qualquer coisa (diz Melissus), o que há é sem-tempo, uma vez que nada pode
provir do nada. Dado que tudo provém, ou, pelo contrário, que todas as coisas não
provêm de qualquer coisa, em ambos os casos elas são incongruentes, uma vez que
aquelas de entre elas que proviessem de qualquer coisa deveriam provir de nada.

Assim sendo, se todas as coisam provêm de qualquer coisa, nada poderá prexistir. E se
algumas tivessem uma existência permanente e outras fossem produzidas
adicionalmente, o sendo tornar-se-ia mais numeroso e maior. Ora, aquilo através do
qual o mais numeroso e maior provêm, é-o do nada, uma vez que o que é menos não
contem o que é mais e o menor não encerra o maior.

2. Sendo sem-tempo, essa qualquer coisa é sem-limites, dado que não comporta uma
origem de onde provenha, nem de fim que constituiria o termo do seu devir.

3. Mas esse todo é Um, ainda que sem-limites, dado que em caso de ser dois ou mais,
estes limitar-se-iam uns para os outros.

4. Sendo apenas Um, o designado é semelhante em todos os pontos, pois se fosse


dissemelhante, ele seria mais do que um e já não seria um, mas múltiplo.

5. O Um, sendo sem-tempo, sem-limites e semelhante em todos os pontos, é também


sem-movimento, pois caso se mexesse iria alojar-se em qualquer sítio. Porém toda a
deslocação decorre necessáriamente seja para algo cheio, seja para algo vazio. Mas, de
entre estes dois tipos de espaço, o cheio não poderia receber qualquer coisa, e o vazio
também não é nada.

&. Assim sendo, o Um é desprovido de sofrimento e de dor, saudável e sem doença. A


sua posição não está sujeita a nenhuma reorganização, nem a sua forma a alterações, e
nada mais se lhe junta. Pois em ambos os casos o Um deviria consequentemente
multiplo, o que necessáriamente engendraria o não-ser e destruiria o ser, coisa que é
impossível.
OS FICHEIROS FIXADOS (à moda de Leiris)

Aforismo – o que ferra sem rima não forra senão com frases
de estribo

Alquimia - quimica na cama

Amor – maremoto alquimico

Antiphon - sendo cada palavra um sacrificio ou o seu motivo,


antiphon é o que se opõe (ou apõe) a qualquer som

Apaté – ilusão de que um pito é um paté

Apetite - a pequena vontade de devorar (a avó?)

Arte – Quem é que leu Sartre?

Autor – crocodilo pré-cibernético à procura dos seus direitos

Belo – lamber o belo é delicioso

Bruto – a César o que é de Cesário?

Brito – é agradável na brasa

Canibal – devora o homem sem ser por mal

Casanova – predador de sofismas sexuais


Caveira - imagem perdurável do impermanente

Censura – sedução pela elisão?


Cínico – canídeo filosofal

Cohabitar – limpar o rabo no mesmo papel que os outros

Colher - utensílio que mais nos penetra

Corpo – com os copos é um porco

Creatividade - actividade que não se limita a ser actividade

Dados – nenhum acaso abolirá os dados?

Desenho - nenhum designio abandonará a sua sanha

Dharma – é o que se arma em dar, mas prefere tirar

Elipse – psique segundo a Elle ou Deus de acordo com si


próprio

Enciclopédia - ciclismo em que se utilizam as bicicletas e os


conceitos para andar ao pé coxinho

Entusiasmo - tusa que emerge graças a um quiasmo

Escrever - escreve-se para não se ser escravo quer de si quer


dos outros

Espaço - só os passos, em frente ou atrás, desfloram os


espaços

F
Fama - é o que ama o fútil sabendo que não há essencialidade

Favas - petisco filosófico que permite partilhar banquetes


com os mortos

Filosofia - conversa fiada dos ditos filosofos

Fraude - audácia mascarada, ou frique de fraque

Fumo - «fumo de fumo» é uma boa metáfora para a natureza


humana, mas é mais aplicável aos fumadores

Gnomo - criatura ignóbil que se parece com um gomo

Gnósticos - tipos que desatam os nós dos sapatos do Ignoto

Górgias - sofista que regorgita a ontologia e que regorgeia em


retóricas

Heráclito - grego obscuro que desenvolveu sem o saber um


pensamento clitórico

Hermes - deus da fraude e da internet

Histrião - truão distraído

I
Ilimitado - imitação de mitos

Ideia - deusa do I, isto é, criatura (sobrehumana?) aguda ou


esganiçada

Imagem - é o que nos vem à ideia (ver acima) quando nos


falta mama

Imortal - Iman total

Impossível - o que é passivel de ser improvável (ver abaixo)

Improvável - o que se prova sem se provar

Justo - alguém que em nenhuma situação sabe dar largas às


suas larguezas

Kayros - chulisse do já ou e oposto de Ìcaro

Lacuna - a cona quando falta ou uma lagoa bem seca

Limitado - o que lima o ditado

Lógica - é o que está lógicamente a mais


M

Mal - às vezes vem em lugar do bem

Metamorfoses - metas do amor em romances ferozes

Métis - é o que se mete com tudo mesmo quando para isso


não é chamado

Morte - vida elidida

Multiplicidade - cumplicidade da complexidade

Nada - é danado para dar sem sequer dar

Natural - artificio da natureza

Negação - ganancia da acção

Olimpo - moradia de luxo adquirida graças à limpeza étnica


dos titãs

Ordem - diz-se que está em ordem das coisas quando mordem

Paradoxa - é o que pára o transito da doxa


Pintura - a pintura supõe um pintelhismo endireitado do
pincel

Polemos - guerrilha com sotaque grego

Posteridade - a idade em que tinhamos posters

Prolixo - o oposto de imoprodutividade, mesmo que à custa de


lixo

Quantidade - probabildades quânticas

Qualidade - mesmo que esteja garantida não está


minimamente garantida

Quiasmo - passagem do tesão a picha mole e vice-versa

Quine - enquinamento fulanizado ou quinino verbal a não


confundir com Queneau

Raiva - uivo de uma ruiva

Representação - reprodução de presentes

Regras - o que os homens raramente respeitam e que as


mulheres têm

Rima - rito verbal de efeito banal

Rito - anagrama de tiro eventualmente pela culatra


S

Sade - sociedade anonima desportiva no seu melhor e pior

Sacrifício - o que os pais fazem ou não fazem pelos filhos

Sentido - um significado bem-passado ou saignant

Sofista - antónimo de fadista

Tempo - tampa fanhosa

Tirésias - o tipo que atira com a tese do atrito apesar da atrite

Tradução - trapalhada que tenta passar o que se diz com


lingua seca em lingua molhada

Ulisses - ninguém se chama assim

Unicornio - criatura com meio par de cornos

Unidade - o nada que nos é dado disfarçado de um ou nenhum


(vêr unhidade e nenhunidade - mas aonde?)

Vaca - forma da eternidade distinta da do queijo


Velocidade - consequência venenosa de alguma fractura na
unidade, ou no nada

Voltaire - Revuelto de variadas reverências e manietadas e


francófanas influências

Wou Wei - espontaneidade disfarçada de esforçada

Xamã - aquele que chama à Terra mamã

Zenão - entre o Zé Ninguém e o Zé Não há um paradoxo que


terá razão?

Zhuangzi - O que se resignou a resignar-se


AS ATRIBULAÇÕES DOS ARTISTAS NA ESTÉTICA

(para uma ars complexa)

90 Teses Hipotéticas de uma


Supertese

1 A evidência da sobrevivência da arte apesar das suas crises e mortes.

A arte é um tema obscuro. A arte não é algo que tenha uma origem ou um
fim. A cada momento a suposta arte se imagina como uma coisa particular.
Cada obra particulariza o seu significado na sua forma e contexto. Ao
contrário de determinadas coisas dotadas de constância, das quais se pode
deduzir ou induzir uma característica, a arte é polimorfa e demasiado
diversificada. Pelo menos neste momento. Suportes, práticas, etc, não a
unificam. O seu conceito é demasiado vago para ser um conceito. O seu
denominador comum ou é o mercado ou o museu. Arte é tudo o que se
vende como arte. Ou arte é tudo o que se expôe como arte. Estes dois
casos abragem clássicos objectos como o famoso urinol e a enlatada merda
de artista. Há uma justificação porventura mais significativa que é o facto de
haver um «corpus» histórico da arte com uma lógica sequêncial, e que tudo
o que entre dessa lógica e se refira a essa lógica é arte. Essa lógica é
imparável. A história da arte é abrangente. Classifica como arte coisas
anteriores anteriores ao aparecimento da história, ou marginais a esta. O
que significa que a existência de produção de história não é
necessáriamente contemporânea da produção da hipotética arte. Vou mais
longe. Considero sobrevalorizado o papel histórico da emergência de
determinadas obras. O pioneirismo, a novidade, têm à luz das vulgatas algo
de vedetismo das pop-stars. A emergência de novidades deve ser
entendida de um ponto de vista mais formal, como o fez Kubler. O novo é o
que ínicia uma série. Ou que retoma uma série há já muito esquecida. A
história de arte moderna foi apocaliptíca no sentido em que o Novo seria o
seu objecto predilecto. Objecto demasiado consumível. Transgressão,
descontinuidade, vanguarda, etc. É de admirar como é que estes termos
tiveram uma história tão longa. Os limites parecem já esgotados nos
primeiros ready-mades de Duchamp e nos manifestos futuristas. Ou ainda
antes, nas doutrinas de Nietzsche e seus derivados. O drama da origem e
da morte da Arte estava bem anunciado um século antes das vanguardas
com as tiradas da morte da arte esgrimidas por Hegel. Ou ainda mais atrás,
na ideia de decadência da arte subjacente às vidas dos artistas de Vasari.
Podemos ainda ir mais longe e dizer que desde que a arte é consciente de
ser arte e o faz de uma forma teórica e sistemática que a sua morte está
presente nos enunciados. Se recuarmos a Plinio, ou às tiradas irónicas de
Petrónio, estamos longe de qualquer exaltação heroica. Pergunto-me se os
melhores tempos terão sido os da Grécia? Mas se lermos Platão o seu
olhar sobre a «arte» é tudo menos grandiloquente, antes pelo contrário.
Compreende-se logo que há um desejo intrinseco à teoria de a
marginalizar, de a dar como algo acabado, sem futuro, sem surpresas, sem
possibilidades. As exaltações circunstânciais vêm de personagens
ingénuos, mais interessados em legitimar um artista ou um grupo deles do
que aceitar o devir inevitável de uma coisa que, ainda por cima, para
sobreviver precisa de variar. A terrivel evidência é que a arte sobrevive
como um virus que se metamorfoseia demasiado. É certo que há
sociedades que graças a férreos constrangimentos éticos sobrevivem sem
arte apesar desta parecer satisfazer algo que parece essêncial à espécie
humana. Há um fundo biológico, eventualmente lúdico, mas que não está
ainda suficientemente desenvolvido. A maior parte dos homens sobrevive
bem sem arte. Esta não é uma necessidade básica. Mas é a situação de
suplemento que lhe dá o interesse. Para uns a arte é a finalidade da
espécie. Como Mallarmé. A finalidade do mundo seria um poema ou algo
parecido. Seremos mais prudentes quanto a propor finalidades para o
mundo ou para a espécie, mas o certo é que a arte, tal como a ciência, é
um excelente tema para projectarmos as nossas ânsias de sentido. Ora, no
estado actual das coisas é difícil encontrar muito mais coisas onde a dita
humanidade se goste de projectar como num espelho de virtudes e
obscenidades. A arte persiste, boa ou má, decadente ou resistente, com ou
sem legitimidade. Os artistas continuam a produzir, as galerias vendem, os
criticos criticam e os teóricos cumprem o seu papel militante de a declarar
morta ou post-morta, porque isso é mais fácil. Esta evidência deve ser
compensada por alguma humildade quanto ao devir. O que irá ser da arte
não o sabemos. A sua história só pode ir enriquecendo a cada dia que
passa, porque a história não se apaga. Vivemos num mundo de
acumulação. A impossibilidade do esquecimento traz o ruído de uma
overdose de história e memória. Os artistas continuam a ser excitados pelas
obras do passado e pelas narrativas que se fazem à sua volta. A situação
apresenta-se crítica para os produtores. Mas é isso que faz dela uma coisa
excitante e aventurosa. Há sempre uma opacidade a cada momento que
não torna evidente o futuro. O tempo, por norma, acabou sempre por
refutar, essas perniciosas aporias.

2 A problematização da arte como «origem» permanente e a refundação do


seu maravilhoso corpus.

3 Os apelos persuasivos e as «vidas» das obras nas suas errâncias e


climas.

4 A insaciedade da arte – o papel das elites, os golpes de legitimação, a


indiferença do povo e o oportunismo dos estados. (a «arte» só é consumida
pelo povo como cliché que forje a sua hipotética identidade).

A arte é onde o ser mais se satisfaz, bem para lá de qualquer «consumo»,


assumindo uma imanência que também é do «espirito» (o espirito é carnal,
e a corpo, na sua maior consciência e uso, é mental). Mas a arte é
insaciável, porque quer sempre mais: mais quantidade, mais intensidade,
mais possibilidade, mais prazer, mais extase, etc. É a lógica da vida. O
óptimo deseja superar-se. Lógica nietzschiana. O superhomem como
imagem de superação é um critério demente e vagamente alegórico. No
caso da insaciedade a resposta é prática: as mutações biológicas são
lentas, as contradições e mutações crescentes. O homem adapta-se como
pode. Também falha, também se perde. As elites, seja em que sociedade
for, são incontornáveis – são pontos críticos na gestão dos vários tipos de
poder. Uma sociedade complexa dificilmente passará sem as elites, que ao
serem as guardiãs quer da tradição quer das conformidas, são
simultaneamente os elementos insaciáveis de onde eventualmente pode
nascer o novo ou gerarem profundas alterações hierárquicas. É certo que
há sociedades mais hierarquizadas do que outras, e que a escala dos
estados, a flutuação hierarquica, etc, tem sofrido mutações significativas
sobretudo nos ultimos séculos, mas as elites emergem mesmo na mais
radical das desordens como crista da deriva dos poderes. É a legitimação
de um determinado estado de coisas (uma certa regularidade) que o povo
«oferece» às elites, de forma a que sejam possiveis padrões de
comportamento. As elites protegem o seu status quo através de rituais, de
burocracia, de humilhações, de competições estruturadas, ou pura
simplesmente através da proteção genética. As legitimidades podem no
entanto ser manipuladas quer pela força das armas, quer pela gestão das
massas, quer por actos persuasivos, quer por golpes jurídicos. Ao contrário
da ideia hegeliana, do senhor que procura o «reconhecimento» no escravo,
as elites cultivam o secretismo, e a sua força deriva do facto de se
reconhecerem entre elas graças à partilha de determinadas técnicas,
vocabulário e jogos semi-clandestinos de poder. O povo é práticamente
indiferente a estes jogos na maioria das vezes subtis. Da mesma forma os
estados que são originados graças à violência e à força só se consolidam
graças a uma gestão qualificada de técnicos especializados. É nesses
circulos que nasce a arte como aparente mecanismo de legitimação. Para
isso contribui o facto da arte estar associada a magia, a sacramentos ou a
uma instrumentalização da sexualidade. Nesse sentido a arte é um poder
que é solicitado pelas estruturas do poder – o oportunismo, e a distinção
hierarquica que nascem do usufruto de diversas formas de arte tornam-na
um produto de luxo e um mecanismo de hierarquização. A relativa
indiferença das massas é amenizada por obras normativas que funcionam
como clichés e como mistificação do poder – esse tipo de obras de arte
servem para reforçar a koiné, o espirito de pertença a uma comunidade, a
que muitos chamam «identidade cultural». Esta hipotética identidade é um
artificio que algumas vezes se consege implantar e ser objecto de
reverência, tornando-se estimados «simbolos» nos quais as massas
depositam uma inquestionável afectividade (como é o caso estapafúrdio dos
hinos nacionais).

5 As aventuras da libertação pela arte e outras histórias da carochinha.


6 O artista como guardião preverso do prazer.

O artista é o «libertino», o encenador e guardião do prazer. Este termo


(«libertino») surge num contexto de recuperação da filosofia epicurista no
séc. XVII. Sade leva-o a um extremo temível e simultaneamente admirável,
mas inequivocamente condenável. O libertino sádico, e Sade com ele, nada
mais faz do que a apologia do pior crime como essência da liberdade. A
orgia já não é o lugar do prazer, como alguém observou, mas da apatia
«perversa». Pelo contrário a arte defende o prazer, epicurista, contra a
apatia «estoica», por mais que o estoicismo esteja invertido através de
Sade ou Nietzsche. O artista consegue manter a tensão entre a preversão,
com as suas tendências apáticas, e a dietética do prazer. E nisso ele nada
tem de radical. Antes pelo contrário, é a mediania, ou se preferirem a
«mediocridade», que garante a intensidade sensual. Podemos vê-lo em
Fragonard ou Boucher ou lê-lo nas memórias de Casanova.

7 As estéticas hedonistas e as suas manas dolorosistas.

8 A ângustia como marca, a indiferença como produto e a felicidade


produtiva.

9 Imaterialidade mimética e essências materiais.

O mundo é uma performance. A noção grega de kosmos, que significa na


origem ornamento, ou bem parecença, e que designará a partir de Heráclito
boa ordem intuída de todas as coisas, reforça essa noção de performance.
É dificil distinguir a fronteira entre materialidade e imaterialidade. Um corpo
é «material». A atracção entre os corpos será materialidade ou
imaterialidade. Os complexos jogos de forças entram em que categoria? E o
fabrico fisiológico dos «conceitos» ou de qualquer coisa pensada mas não
exteriorizada é matéria ou não passa de um efeito. Algumas versões hindus
não distinguém a Prakrti (matéria?) do Purusha (da
Forma/respirito/homem). É natural que alinhemos nessa versão mas sem
apetites monistas. Para o yogui o mantra impronunciado, mas repetido, é
mais forte que algo exteriorizado. Retomando a metáfora da atracção o
mimetismo transforma por simpatia ou antipatia – é uma resposta
estratégica ao environement. Um caso de «adaptação» mimética é o dos
gatos que adquiraram em poucos séculos inúmeras raças. O mimetismo é o
feed-back ao estado das coisas cristalizando-se em corpos. A beleza é um
eco das relações dos corpos com os seus envolvimentos. O feio é ou é uma
má adaptação ou a simbiose com um envioronment desiquilibrado. A
constatação das «essências» é um acto linguistico que ou se verbaliza ou
se escreve – a sua materialidade é induscutível, tal como o acto neurológico
da sua formação. O dificil é entender estas performances e enunciados
como algo transmissivel ou partilhável. A partilha dos conceitos acaba por
ser algo igualmente mimético – eles fazem parte da paisagem tanto quanto
a «natureza» ou os utênsilios. É a sua forma, a sua frequência, a sua
assimilação, e as técnicas com que são assimiliados, que fazem com que
os conceitos mais «desenraízados» ou abstractos, sejam dotados de uma
vida e participem na ordem e na desordem das coisas assim como no
sensus communis.

10 Excitação, Vício, linguas canibais e linguagens anestésicas.

A apatia de Sade é mãe da de Duchamp. Não saber ler uma requintada


maldade nos ready-mades ou no grand verre é descurar o caracter
essêncialmente «maroto» da tradição que estas obras originaram. A
«excitação», maladie futurista e expressionista, foi o coração da produção
moderna, como vaciana contra os decadentismos e moleza assexuada do
final do século XIX. A excitação é de natureza sexual e mistura o
messianismo com o erotismo – o Reino Futuro, desejável, é, como diriam
muitos autores da época, uma «apotéose de luxúria». O hábito da luxuria
torna-se Vício, tique, exacerbação do informal, busca da matéria
«genésica», apetite por aquile que antecede a formação – nada mais que o
imaterial como matéria, ou o impensável como uma espécie de todo-
poderosa ejaculação mental. As linguas canibais apercebem-se logo que o
Outro não pode ser traduzido, e que os fantasmas «exóticos» só podem ser
devorados. Babel não é nada mais que o canibalismo, a interlingua total, a
tradução mais selvagem, menos preocupada em assinalar parecenças ou
fidelidades com um «original» que não existe nem nunca existiu. A
inexistência do original indicia que a apreensão de qualquer obra de arte é
profunda canibalização, gerando outros originais que não o são. As obras
não são objectos, mas transacções devorantes. Pelo contrário, as
linguagens anestésicas, levam-nos a uma tranquilidade que também não
existe na obra nem na sua transação. É a plenitude do nulo budista, como
algo que é prooduzido quimicamente, como por um opiácio. Essa plenitude
dá-nos uma sensação de espaço, uma tranquila embrieguês e uma
sensibilidade demasiado epidérmica que está em oposição ao fogo interior
da excitação canibal. É uma não-fome, ou o desejo da não-transacção.
Quer a excitação, quer a anestesia precisam do repouso através da
alternância.

11 Modas normais e modas sísmicas – a perspectivação futuristica do


antigo, e a revisão reaccionária do novo.

A normalidade da moda pode não ser um fenómeno recente (dependendo


do que é que chamamos recente), mas só surge em sociedades que já não
estão em equilibrio. A voluptuosidade da novidade é frequentemente usada
para exercer poder. O novo é o bem mais desejado, algo exquis. Luís XIV
foi um hábil manipulador através do incitamento à moda. A modernidade foi
concebida para o consumo de elites abastadas; qualquer modernidade, e
não apenas a oitocentista e novecentista. O povo, por ironia, é conservador.
A burguesia contenta-se com o sub-novo: o novo «reproduzido»,
abastardado, o pechisbeque. O pechisbeque é mais anómalo e erótico, e
incita ao fetichismo, porque os objectos fetichistas são quase sempre
vulgares, maus substitutos dos objectos valiosos ou proíbidos. As modas
tornam-se normais porque os poderes geram a ânsiedade da moda. É uma
lógica de substituição e de «reciclagem» do antigo ou do exótico. Quando
há pouco dinheiro há pouca moda. Logo, a moda depende da
sobreabundância económica, e normaliza a sobreabundância. Enquanto
nas culturas étnicas a sobreabundância se mede pelas raras festividades na
sociedade de consumo a moda é disseminada nas «estações» e
compensada pela orgia de consumo chamada saldos. As modas sísmicas
são aquelas que inauguram novos ciclos. São raras como os grandes
cataclismos, e arrasam as modas instaladas. Os teóricos das vanguardas
forjaram explicações revolucionárias quer para a modernidade quer para a
moda. Atribuem à modernidade um caracter ascético e ético, o que é uma
piedosa mentira. Só me lembro de Mondrian e Beckett como emblemas de
eticidade, se bem que (ainda) com algumas contradições. O intelectual de
gauche é incapaz de entender a sobreabundância e o consumo que estão
por detrás das vanguardas artísticas. O dadaísmo é o exemplo mais
cristalino da «festa» nihilista. Depois do dadaísmo todas as vanguardas
foram reaccionárias, passos atrás, tentativas inconsequentes, falhanços,
totalitarismos estéticos, ou boas tentativas de aburguesamento para tirar
partido das instituiçõpes ou da clientela.
Um bom exemplo das contradições é o futurismo, verdadeiro paradoxo
sobre o tempo: a ânsiedade do ultra-moderno acabou por tornar a
antecipação frustrante. No entanto os futuristas tinham razão, o futuro é a
assimilação do rumor, do ruído, do caos. A complexidade emerge desse
crescendo de ansiedade. O futurismo tornou-se demasiado antigo. O seu
inventor depressa se converteu ao totalitarismo e ao estado. A pré-
perspectivação da produção actual como salgo do passado confere a
antiguidade antecipada. A condenação museológica não salva ninguém da
museologia. Temos que olhar para o passado com olhos futuristas, anti-
museológicos. A grande arte não aspira ao museu? Aspira então a quê? Ao
extase? É nesta questão que se devem entender os museus. A
domesticação do extase atravês da veneração pelos antepassados (os
momentos históricos, as sagradas vanguardas).

12 Exaltação do múltiplo e a necessidade de fingimentos utópicos.

13 As redes co-produtivas e as multiplicidades da subjectividade, ou como


poucos se podem tornar mais do que muitos.
14 O acaso na elaboração processual e os processos na sistematização do
acaso.
Modernidade e Limpeza Ética.

15 O Antigo como afrodisiaco, as Atopias carnais e a Indecidibilidade


estratégica.
Dialógica delirante de dissolução.

16 Canones de permissas e permissas canónicas – as emergências


estilisticas como sincretismo.

17 Batalhas críticas: a teoria como censura e os avatares da popização.

18 Sobre a noção de vontade e outros disparates.

19 Contra o metier. A vida artistica como superação da arte, da teoria e do


esteticismo.

20 Os exercicios artistico-espirituais debochados como única possibilidade


de «santidade».

21 As intuições babélicas: a desenigmatização e as ambiguidades da


materialidade.

22 «A história é um corpus inacabado de anedotas». Necessidade da


história ser risivel (as justificões para a história são a emancipação, o prazer
e as narrativas).

23 O belo e o tosco. Sprezzatura. Espontaneidade forçada.


24 A categorização a partir da ruína e do fragmento: uma lógica vesuviana.

25 Uma poética anti-dialética. O principio da não-exclusão metodológica.


Não-sínteses.

26 A persistência do ambiguo. Mobilis in Mobilis.

27 A percepção estética como deformação.

28 O caracter acidental do «criticismo» e da crítica de arte.

29 Serialidade e indeterminado. Conceitos e ars combinatória.

30 A aura da natureza na arte. A naturalidade da arte.

31 Circulação digital versus reprodução mecânica.

32 Edulcoração. Acidismo.

As culturas oficiais nunca são realmente edulcorantes, mesmo as dos


realismos socialistas. O açucaramento é já uma degenerescência, uma
moleza, uma falta de ética. A edulcoração é resultado do aburguesamento e
do consumo real de doçaria. O estado procura sempre a sua encenação
trágica ou espartana. O contrato entre as criaturas e o estado passa
frequentemente pela expropriação pela guerra (ou pela tropa, verdadeiro
«rito de passagem») e pelas orgias de sangue. A edulcoração resulta de um
apetite desmesurado pela carne. Ela surge na pintura veneziana: Veronese,
Ticiano, etc. Parte do século XVIII é francamente edulcorada, isto é,
decadente, sobretudo no olhar mais terno sobre as coisas. Chardin é
moralmente edulcorado, mas Boucher ou Fragonard incitam ao deboche e
às caixas de bonbons (le bon chocolat!). Sade também recorre às caixas de
bonbons para se revitalizar no meio da orgia, como se procurasse a
inocência entre actos celerados. No fundo a lógica sádica (acidista?) é anti
edulcorante. Esperma e sangue estão unidos numa voluptuosidade fria,
feita de silogismos implacáveis. Pelo contrário, a edulcoração é bastante má
matemática. É o morno, aura mediocritas de uma nádega fofa como uma
almofada.
O acidismo injecta nas veias algo distinto do açucar, bastante mais viciante.
Todos os limites são ultrapassados. A junk culture é o primeiro passo para a
ascese de todas as outras coisas. A arte àcida é realmente uma arte «forte»
corrosiva, que serve para ilustrar as minucias da abjecção com alguma
apatia. As últimas vacilações éticas vão para o caralho. Estranhamente as
burocracias tendem a proteger mais o acidismo do que o edulcorantismo
porque a abjecção é um espelho mais fiel da burocracia.

33 A falsificação do belo natural e as desavenças do belo artístico.

34 O «mais-ou-menos» como dissimulação.

As expressões de ambiguidade e de indefenição mostram que há um


espaço de manobra de que a dissimulação necessita. Enquanto a
simulação assinala a precisão, o detalhe e o rigor «pornográfico», como no
caso dos assuntos mais picuinhas das sociedades hipermmediáticas, a
dissimulação procura zonas escuras, pouco defenidas, pardacentas ou de
flutuação cromática. O film noir, o barroco, a elisão retórica, as máscaras, a
tragédia, etc, administram um pudor essêncial e uma reticência em cair nas
malhas do inequívoco.

35 Fraude, Utopia, Autenticidade.

36 O reencantamento: fim das transcendências estéticas e seus derivados.

37 O fim dos fins das artes.

38 Misticismo e obscurecimento (prólogo ao tretatetrismo).

39 A arte como familiarização selvática.


40 Lubricidade dos criadores e falta de singularidade. Eros e
hiperrealidades.

41 O caos espiritualizado. A natureza aporética.

A natureza é o não-analógico. Na natureza a descontinuidade é dada como


um continuo. A nossa percepção das descontinuidades e das mutações
deve-se a uma miopia da percepção de todos os dados. A natureza, sendo
o mais acessivel é o mais inacessível. A natureza da natureza não passa de
uma fórmula de tráfico que serve para atraír as teorias mais díspares.

42 Crise da Ausência – Abjecção e experiência do Nulo.

43 A desprogramação semântica. Os sentidos desviantes e a inevitável


recuperação.

44 A domesticação das dissonâncias. Os fantasmas da libertação. A


monotonia do heterogénio.

45 Caracter mercantil e integrado dos inexpressionismos.

46 A marginalidade como culto de culto.

A marginalidade depende de uma lógica cultual. No fundo é secrecismo


voluntário, busca de esoterismo, mais do que isolamento involuntário.
Quanto mais marginalizado mais o artista e a sua claque se encena como
soberano, «cósmico». O sublime e a grandiloquência do abismo assetam-
lhe como luvas. Em última análise a marginalidade é subsidiada. Mistura
pensões de putas com «esmolas» ministeriais. O dinheiro também ajuda ao
tabaco ou à coca. Apocalipticos? Sim,! A passagem por um hospital
psiquiátrico era uma garantia de genialidade no século XX. A lógica da
marginalidade, com um pouco de créme fraiche deleuziana, incita em última
análise ao suicidio: assinatura que garante a consagração, isto é, a
legitimidade para a posteridade que tanto agrada aos burocratas do estado.
47 Quase impossibilidade de interioridade. Pudor e clandestinidade. A
autoria como fuga.

48 A excitabilidade do anonimato. Intimações anónimas. O vazio e a


intimidade.
Mito e mimetismo.

49 Katharsis versus criticismo.

O criticismo é o adiamento da katharsis. O criticismo é a «amartia», a


mácula fedorenta que aguenta as obras de arte na sua legitimação e
circulação económica, mas que estagna as energias nelas contida. Por isso
a katharsis dispensa os filtros do criticismo – através dela a potência da
obra age plenamente sobre aqueles que lhe acedem.

50 Enigma de não-enigmático.

O enigma funciona mais como um isco do que como qualquer coisa que
exista. O enigma do enigma é o facto de nada ter de enigmático. É a
falsidade do enigma que condena Tebas e Édipo. Os cidadãos ao
acreditarem na potência enigmática acendem calamidades. Édipo dá-se
como enigma. O enigma é o espelho do òbvio. O enigma supostamente
condena Homero e protege Heráclito. São Paulo invoca o espelho e o
enigma como metáforas messianicas. Abelardo responde à letra – nada de
espelhos, nada de enigmas. S. João de Damasco falará do icone como um
espelho enigmático. O icone corresponde às nossas espectivas
enigmáticas. Mas a decepção (e quiçá a plenitude) é a presença que
antecede o icónico (e toda a representação), o cara a cara com o hipotético
absoluto. Mas enquanto o absoluto é adiado resta-nos o enigma como
pseudos, como camuflagem do não-enigmático.

51 Carnívoro versus hiperreal.

52 Naufrágios e sobrevivências do Absoluto.

53 Intensificação, Espécie, Complexidade.


54 Arte e Sofística – os fragmentos persusivos. O Logos como fraude e
falsificação.

55 Os avatares do asianismo: Górgias, o romance, o corpus hespérico,


culteranismo, Joyce.

56 A representação e a questão da presença e da aparência.

57 O inconciliavel conectivo.

58 O Sublime na discoteca.

59 Serialidade, Acaso, Tempo.

60 O inacabável a céu aberto.

61 Reciclagem – para uma ecologia dos estilos.

62 Inatenção e sensibilia.

63 Crise das crises de ausência de sentido.

64 Os deliberados fracassos da retórica.

A retórica acredita no seu sucesso e o sucesso da retórica é inegável. Mas


a retórica também procura os seus fracassos. A ordem do discurso, a acção
das suas e figuras e os tons performativos nem sempre se combinam da
melhor forma. A retórica procura supostamente o efeito poderoso. Mas a
retórica mais pura é de indole refutativo. Não é no sucesso que a retórica se
baseia, mas no fracasso de um adversário que é, no fundo no fundo, o
desejo de fracasso de qualquer asserção mais ou menos positiva. A retórica
procura o negativo, copmo um objecto erótico repugnante, e é graças à
exaltação da repugnância que os esforços retóricos impõe a sua soberania.

65 Esquivos classissismos. Òbvios maneirismos.

66 As dietéticas na interface entre «sujeito» e «objecto».

67 O génio nos corpos.

68 Caracter processual da vida artística e factualidade das obras como


epigonismo biográfico.

69 As efemérides do efémero.

70 Géneses dilacerantes.

71 O mundo como mónada(s) abortante(s).

Sobre a origem ou não-origem do mundo não deveriamos especular. O


paradoxo é que vivemos, pelos dados que nos chegam, num «universo»
demasiado regular que tem demasiadas irregularidades. Sabemos que o
Universo não é estático, e que aparentemente está, na sua grande maioria,
em expansão. Se é finito ou infinito não o sabemos. Se teve um origem ou
várias também não. Mas o Universo assemelha-se mais a um aborto do que
a uma criatura. É um ponto de vista semi-gnóstico. A sua desmesurada
dimensão faz-nos sentir menos do que migalhas. A hipótese da consciência
ser rara nesta sopa de inanimado e de nada, torna-nos orgulhosos, embora
miseráveis. O espetáculo justifica-se no espectador, mas a posição do
espectador é bem mais que humilhante. O Deus de Job invocando a
sublimidade de algumas criaturas parece um anão nesta comédia para a
qual me faltam superlativos. Se nos tratados antigos as justificações éticas
e estéticas iam parar a Deus ou à sua ausência, a nossa posição obriga-se
a referir, não a um principio cosmológico simples, como o hipotético big-
bang, mas a este insólito estado da natureza, de que a pequena natureza
que nos rodeia pode ser simultaneamente o espelho e a excepção. Espelho
porque as particulas que a compõe são de certa forma vulgares, por mais
raras que algumas delas sejam. Excepção porque a «vida», tal como a
concebemos, parece ser bem menos que uma migalha num oceano que,
apesar da sua vertigem de nascimentos estelares (a partir de mortes
estelares), é essencialmente «morte». Imaginar um demiurgo que tenha
planificado esta complexidade, onde o espectro dominante é a inutilidade,
está bem longe do demiurgo humanizado do qual seriamos uma réplica
mortal. Considerar esta «inutilidade» genérica sem autor, parece-me, pela
escala deste evento, ainda mais absurdo. O estado das coisas é demasiado
monstruoso para ser justificado e demasiado «matemático» para ser
injustificável. Isto seria um paradoxo se nos acomodássemos à lógica. Mas
a lógica parece ser um instrumento muito pobre da nossa incipiente
consciência. Abarcar, sistematizaR E EXPLICAR O MUNDO

72 As musas compulsivas. Ninfas e caça artistica.

73 Desdomesticação da memória. A monumentalidade criptica.

74 Encenações da «verdade» na história. «A museologia é esotérica».

75 O indistanciável na produção de história – encenar o presente como


passado para esquecer o passado no presente.

76 Felix Culpa e desertos ideológicos.

A culpa, por mais feliz que seja, não absolve o passado. A absolvição
confessional é decerto propulsora da felicidade, uma vez que disseca as
culpas, e dissecar é matar os agentes que imploram uma expiação de
crimes cometidos. A Feloix Culpa é, porém, um excelente refúgio, uma doce
ascese no meio dos desertos ideológicos. Nada mais aguerridamente
ideológico do que qualquer tipo de totalitarismo. As ideologias são
culpabilizantes, mas são-no pelo motivo errado. A culpa perante a agressão
ideológica é a felicidade possível, mascarada ou não de subtil transgressão.
E é na transgressão dos vinculos à cultura romana, mais do que no
arrependimento perante Deus, que podemos perceber esta feliz, e culpada,
expressão agostiniana.

77 Patologia da Arte, hoje.


78 A Ética como Solipsismo.

A ética é a desculpa de si para si da impotência da subjectividade perante


um mundo deveras complexo. O engagement, recurso frequento na retórica
da éticsa, tenta simular uma participação activa na ordem do mundo. Mas a
situação oposta é mais verdadeira: as Madres Teresas de Calcutá não
precisam de axiomas ou teses para passarem à prática. Toda a boa ética é
intuitiva e nasce da sensibilidade perante a particularidade das situações.
Por isso o ético é solipsista, enamorado dos seus argumentos como de um
umbigo abstracto. É certo que determinados conceitos tornam tudo mais
claro. A Ética de Spinoza é talvez a mais exemplar. Mostra-nos que do òdio
não pode nascer nenhuma emoção positiva. Mas este pode mover mundos
– é um ingrediente da acção, mesmo que nefasto. Mas as éticas que
enunciamos não nos livram da crueldade. E esta sabe escolher as formas
mais subtis e inesperadas.

79 Heteronomias politicas. A arte nas guerrilhas mediáticas.

80 Philum, Schéma, Mimésis (a matéria, a estrutura, a pele)

81 Revolução ou Paraíso?

82 Dissolução da autoria e narcisismo tecnológico.

83 Teorias sobre o inacabamento e incomeçamento da arte

84 Renascimentos e carnavais. O passado como Festa.

85 A ingenuidade como estratégia «filosófica».

86 A estética é um suplemento inextricável.


87 Meteorologias – catástrofe do conteúdo, milagres da forma.

88 Slogan, Mantra, Enthousiasmous.

89 O fundo biológico e as mutações sociológicas. Persistência e


sobrevivência.

90 O que segue? A fome das questões em aberto.


ZONAS TEMÁTICAS DE PREDAÇÃO CONCEPTUAL

1. Acção/inacção/contracção/retracção/concentração/passividade.
2. Encontro/desencontro/fuga/escape/procura
3. Crueldade/generosidade/admiração/Sadismo/Masoquismo
4. Geometria/circulo/elipse/triangularidade/quadratura/topologia/yantras/neolítico/
elipse/doxa-kavod/espiral
5. Amizade/infidelidade/fidelidade/constância/indiferença/traição
6. Dialógica/polilógica/tautológica/monológica
7. Besta/homem/bestiário/totémismo/homunculo/deus/símio/robot
8. Identidade/dês-identidade/genes/génio/engenho/tabula rasa/património
9. Crise/estabilidade/equilíbrio/estagnação
10. Guerra/paz/polémica/disputa/consenso/estagnação/adversidade/cumplicidade
11. Animalidade/monstruosidade/zoomorfismo/mimetismo
12. Música/silêncio/ruído/melodia/ritmos/modal/tonal/atonal
13. Desafio/neutralidade/indiferença/conformismo/aventura
14. Intelectual/bestial/sensual/bronco/institivo/intuitivo/apolínio/dionisíaco
15. Paraíso, infelicidade, nostalgia,/inferno/purgatório/melancolia/alegre/sério
16. Messianismo/pragmatismo/adiamento/fractalidade
17. Compreensão/confusão/desfruto/adivinha
18. Linguagens/interdisciplina/babel/interlinguas/polilógica
19. Complexidades/estupidezes/stokaustico/concorrência/co-organização/caos
20. Bárbarie/hiperciviliuzado/hipercomplexo/sofisticado/poliglota/provinciano
21. Sabedoria/prudência/excesso/cepticismo/convicção/competência/expert/métis/so
fismas/sofista
22. Eu/uni-multi-inter-extra-des-co-subjectividades
23. Mentira/fraude/fraude-de-fraude/ilusões/magias/persuasões
24. Racionalidade/desregramento/incomensurabilidade
25. Sonho/vago/minúcia/concreto/preciso/delirante/fantasia
26. Exotismo/orientes/ocidentes/rico/pobre/sul/norte/primitivo
27. Liberdade/disciplina/perguiça/opressão/resistência/dependência/servidão/nirvana
28. Conhecimento/Fausto/ansiedade/desconhecido/conhecido/inconhecível/obtuso/e
nigmático
29. Sexualidades/mulher/homem/criança/homossexual/assexual/misógeno
30. Vida/mortalidade/ressurreição/moribundo/nato
31. Cinema/montagem/teatralidade/narrativa/poética/montagem/fragmento/stasis
32. Loucura/normalidade/esquizonormalização/sensatez/psicose
33. Mestiçagem/hibridismo/puritanismo/racismo/minimalismo
34. Caminho/percursos/Tao/etapas/erros/desvios
35. Beijo/táctil/superfície/eros/penetração
36. Olhar/visual/invisual/predação/luz/sombra/cor/representação
37. Método/experiência/enamoramento/controle/categorização/análise/consciência
38. Universos/caosmologias/microemergências/entropias
39. Utopia/fábulas/totalitarismo/democracia/autonomia/falhanço/modelo
40. Tempos/histórias/eterno retorno/irreversível
41. Acaso/kairos/estratégias
42. Civilização/barbarização/naturalização/harmonização/ecossistema
43. Verdade/falsificação/interpretação/plausibilidade
44. Viagem/iniciação/mudança/familiaridade/desconhecido
45. Amor/canibalismo/exploração/ódio/poder/desejo/reciprocidade
46. Poesia/previsível/imprevisível/monotonia/perturbação/consolação/katharsis
47. Culpabilidade/ousadia/cuidado/orgulho/pudor
48. Sabor/prova/digestão/maneiras/educação/manducação/voracidade/absorção
49. Contradicção/doxas/paradoxas/lógica/post-paradoxológico
50. Rito/repetição/controle/descontrole/regularidade
51. Ignorância/lucidez/aprendizagem/insuficiências/carências
52. Estética/ética/percepção/responsabilidade/contemplações/desprezos
53. Mistério/evidência galante/gramática de suposições/adivinhação/opacidade
54. Demónios/génios/enthousiasmous/divino
55. Exclusão/inclusões/sobras/simplificações/confusões
56. Solidariedade/liquidação/gazozidade/rizomação/pulverização/vegetalidade
57. Idade/moda/modernidade/eternidade/intemporalidade/intempestividade
58. Terra/enraizamento/céu/fossilização/vegetarianização
59. Literatura/fala/escrita/tecido/rede/metáfora
60. Cultura/domesticação/delicadeza/repressão/sodificação/inclassificável
61. Surpresa/epifania/declínio/espectativa/tédio
62. Sujeito/predicados/auto-refutação/heteronomia/anónimo/serial
63. Emoções/sensações/variações/tranquilidade/apatia/abstracção
64. Nada/tudo/nihil/negação//afirmação/apofático/assertivo
THE NATURAL

HISTORY

OF MORE THAN ART

“a própria história é uma parte real da história natural, da transformação da


natureza em homem” (Marx)

A história da humanidade é a apenas a parte mais irreal da história natural


porque parte do falso pressuposto de que o homem se emancipa ou destaca
da natureza, embora não passe de um seu ambicioso produto que está longe
de a finalizar. A história natural é demasiado longa e a emancipação do
homem, seja do que fôr, não tem sequer que passar por um conjunto de
narrativas barbeadas por ideologias implacáveis que procuram efeitos
mágicos. A história que “liberta” é fruto de memórias reutilizáveis, como
ferramentas excitantes.

Marx, ao dizer que a natureza se transforma no homem, não está a dizer que a
natureza se transforma nela própria. A transformação do homem noutro
homem, quem sabe se para melhor ou pior, é uma variante da transformação
da natureza na natureza.
A arte como algo indissociável quer da natureza quer da história natural – a
natureza como algo artístico. A animalidade do artista e da arte. A animalidade
do artificial.

Encarar a arte como expressão da hipercomplexidade do homem nos seus


aspectos mais frágeis (a rever)

Bab’Elle – O jardim/torre/labrinto das linguagens enquanto metamorfose de


citações

A modernidade como histeria

A modernidade como fechamento (redução) em Reinhardt


A modernidade como abertura a more than art.
Crítica da modernidade na sua vontade de fazer história e de a fechar.
A ateleologia da arte.
Progresso mimético versus revolução social.
A impossibilidade da revolução permanente.

Escrita em várias linguas


mito do artista como gestor de ready-mades tornou-se o paradigma do
consumo museológico.

A história de arte ao anunciar a sua morte ignora que é um ecossistema


demasiado complexo, composto, interdependente do seu envolvimento e de
formas de vida que finge ignorar. A história de arte confunde-se cada vez
mais com a história natural, para a qual não se adivinha nenhum fim
tranquilizante.

A sociedade ajuda a tornar mais rica e complexa a nossa individualidade


através do seu caracter irritante e afrodisiaco. Necessitamos que ela nos
refute no que nos é mais ìntimo para progredirmos nas mais excentricas
singularizações que rápidamente se tornarão quer agentes de excitação, quer
parametros de catastração.

A arte reproduz inecessantemente quer a sua vontade de autodestruir-se


quer a sua capacidade de sobreviver graças a essa encenação de
autodestruição

Os revolucionários tornam-se rápidamente tiranos graças a uma lógica de


transgressão que aliena tudo o que a não a segue fanáticamente. A lógica do
poder ou é de destruição ou de legitimação. Por isso só a lógica do
enfraquecimento permite os progressos miméticos.

A linguagem é a excepção que torna o homem mais multiplicável

As linguagens são os recreios onde os homens se recriam.

A cultura é a excepção natural que mais retroage sobre a natureza, ainda que
de um modo absurdo.

A desordem natural da história torna a natureza mais cultural que a


humanidade.

A verdadeira sabedoria é demasiado consciente da sua falsidade.

homem diviniza-se porque acha chique o facto de se saber incompreensível.

A história é o ranço da memória.

A história é a multiplicidade de fios indeterminantes/determinantes que


procura figurar o espetáculo de alguns acontecimentos sintomáticos numa
montagem bem intencionada.

A história de arte tem tratado a arte como uma coisa demasiado


circunscrita. A arte encontra-se em vias de se reencontrar com a sua
hipercomplexidade, depois das razzias de simplificação que a sua
historização impõs.

Sobram sombras aos avatares lúdicos da nossa consciência.

Julgamos que passamos de sistemas a méta-sistemas, mas continuamos


prisioneiros de opiniões vulneráveis

A ambiguidade e a incerteza existem como uma máquina activa e


surpreendente que nos tira o tapete aos mais belos momentos de
consciência.

O mundo é obscurecido pela consciência selvagem. A consciência é


uma brecha que mantém os holofotes do louvor acesos para a natureza

A cultura é degenerativa, no sentido em que tudo o quje degenera está


em vias de gerar outras coisas.

A arte apercebeu-se de que também tem o seu código genético

Shakespeare proporciona-nos versões sofísticas e retóricas da história


que iluminam de uma forma mais incisiva que a tradição hegeliana.

A exaltação das virtudes da história não a absolve do seu rasto de


destruição.

O homem é escravo da imagem burlesca da humanidade.

As teorias são noivas rejeitadas pelo real.

Toda a dialética é amorosa. São essas infusões dialéticas que fazem da


arte um caso deveras sentimental.

A arte navega através de arquipélagos mediáticos.

A experiência não nos traz certezas, mas socega-nos as incertezas.

A incerteza é o desejo em estado líquido. O dogma a frustração em


estado gazoso.

Temos que hipotecar as nossas hipóteses de nos vermos livres dos


paradoxos.

Uma coerência delirante como uma abstracção das puras


Estás gravido de dias que não virás a conhecer.

Os frutos do perigo raramente nos salvam.

A arte é o sarcofago onde exibimos o prazer da necrofagia.


O REPRESENTÁVEL, O IRREPRESENTÁVEL (CASO EXISTA) E A
PERPLEXIDADE

1. A não-originalidade da cultura, desde sempre. O caso grego: as


múltiplas influências que levaram ao «milagre grego» (Egípcias,
Babilónicas, hindús, etc.). O efeito Boomerang – Gandhara e a
helenização do oriente.
2. A tradição da refutação. a) a refutação como prova em Zenão (o
nascimento da dialética e dos paradoxos). b) a refutação pelo
prazer da refutação na sofística. c) a refutação como método
socrático d) o «irrepresentável» e a tradição apofática como
consequência da máquina refutativa. A exportação da refutação
para a India – o caso Nagarjuna e a refutação sistemática. A
constituição da filosofia hindú como resposta ao sistema lógico
de Nagarjuna.
3. A perplexidade como medecina (a ambiguidade do corpo e dos
sintomas – a desconfiança quanto a todo o dogmatismo,
inclusivé aquele que rejeita todos os dogmas. O cepticismo (e o
budismo) como conformismo («nada é mais isto do que aquilo»
ou neti, neti).
4. O modernismo como tradição refutativa (a
«desmaterialização»)
5. Duchamp: o ready-made como perplexidade conformista (de
consumo). A arte como sociologia da arte e a sociologia da arte
como arte.
6. A doxa ou a glória do representável: a possessão e o
entusiasmo
7. A paradoxa ou a humilhação do irrepresentável – a paixão do
sublime.
8. A filosofia antiga como exercicio espiritual (Hadot) – o rigor
conceptual, ou as suas aparentes contradições são apenas a
preparação, ou o acompanhamento de uma exigente
experiência do mundo, ou extatica. Filosofar era mudar
radicalmente de vida.
9. A representação é sempre politica, sexual e mitologica.
10. Iconofilia e magia – o caso dos ícones. Iconoclasma e
abstracção – o refúgio nas palavras que procuram o inominável.
(ver João Damasceno). O irrepresentável é realmente
impresentável. A irrepresentabilidade do extase.
11. A «aparência alegórica» ou a interface entre iconofilia e
iconoclastia.
PÚBICAS VIRTUDES

1. Fazer parte de um público é cultivar modos de


desentendimento a partir de um pretexto participativo, mesmo
que seja estupidamente passivo.

2. O que se diz é uma distorção antecipada do que se está a ouvir.

3. Uma besta é uma besta que tenta provar a sua intiligência


através da violência.

4. Vivemos várias vidas descontínuas mas não damos por isso


porque não se parecem com vidas.

5. A demagogia é uma necessidade tão estupida e básica como


urinar – precisamos dela para saír da perplexidade e nos
atirarmos para o abismo ou para a mediocridade.

6. Aderir aos ideais com cinismo e rejeitá-los com cepticismo? Os


ideais procuram crescer para fora deles e de nós, ou morrer
antes do aparecimento dos seus simulacros.

7. As etimologias restituem a palhaçada inaugural. Só me socorro


das bisbilhotices etimológicas para atribuir sentidos tardios,
demasiado tardios, às palavras e às incontinentes
interpretações.

8. O casamento é a convivência das inconveniências.

9. Somos clientes do progresso para nos sentirmos mais


descartáveis.

10. Há algo de épico na hipocrisia – é o que nos diz a Odisseia


e o Mahabharata.

11. O meu inconsciente masturba-se demais. Por isso não


fode nem sai de cima – como todos os inconscientes.

12. Não confundas saltos de coelho com terramotos.

13. A impopularidade é uma popularidade mais convicta.

14. A moralidade é um velho dispositivo retórico usado por


jornalistas para crucificarem o que quer que seja à menor
suspeita.

15. Os homens são enigmas desiguais que procuram


respostas incertas e consensuais.
16. Um escritor é alguém que vai para a cama com o estilo
dos outros.

17. A moralidade traduz-se em perliminares de fetichista.

18. Os transgressores têm saudades das censuras.


All I want anyone to do is to get in and out of my paintings, and all I ever get is a
sublime mess, with people coming in and out of that boiling confusion of exciting forms
and burning ideas. … What you see is what you never will see again. (Aldo)

O homem é uma invenção que apesar de recente não se concretizou


nem se vai concretizar. O seu anunciado fim potencializa o
inacabamento do seu modelo em algo que embora não sendo
inumano também já não é humano.

O acaso des-simplifica, seja eruptivo, convulsivo ou de pés ligeiros. O


acaso não é a fronteira da consciência, mas a dispositivo que lhe
retira o tapete das convicções e a alarga, seja num passo trágico,
seja num movimento de dança brejeiro.

A liberalidade de consciencia gosta de ser sumptuosamente


displiciente, embora seja mais frágil do que perigosa.

Estamos menos interessados em explorar os modos de nos vermos


livres da repressão ou dos seus fantasmas, e mais disponíveis para
nos exercitarmos nas mutantes disciplinas da liberalidades.

A arte cura e educa não porque queira ser curativa e educativa, mas
porque arrasta com ela inumeros poderes, e porque ilumina, graças a
estados excepcionais, os processos normativos e repressivos.

A arte dissolve-se no mundo graças a uma espécie de contra-loucura que a habita e que
se distingue em tudo da vontade da verdade e dols impetosa normalizadores.

O poder é o conjunto de tipos forças que articulam os fluxos que circulam como uma
espécie de causalidade complexa. Mas num sentido mais acutilante o poder só realiza na
singularidade do prazer como potência que não se dissipa na sua acção. Neste sentido o
corpo é o único local onde o poder e o prazer são reais, como conjunto de táticas e
práticas sensíveis, extremamente sensíveis. Ao se socorrer dos artificios da
legitimização o poder torna-se degradante, desencarnado.

A insistência no juízo, mesmo o mais apocaliptico, é sempre uma burocratização dos


hábitos de pensar e dos outros hábitos que derivam das propensões do pensamento.
Maroto Não Mim
NAUGTHY-NOT-ME
Algumas suposições explicadistas.

O homem é vagamente vivo, parcialmente morto, tendencialmente


emergente e presencialmente ressurrecto.

O tempo obriga-nos a fazer falsas escolhas. A incapacidade de pensarmos o


que é o nó cego do tempo de um modo convicto convida às aporias adjacentes
e a um sentimento de equivoco generalizado. Escolhemos porque sabemos que
a vida é um cocktail entre as nossas falsas escolhas (como burlesco bluff) e a
máquina de indeterminação que não é nada mais nada menos do que a
encarnação em mutação das complexidades.

O homem é semi-ressurrecto. As velhas categorias descaracterizam-no como


uma branda caricatura. Tudo é reconsiderado como um palimpsesto quase
infinito. Rescrevemos o passado como se este fosse um vazio. A existência
humana traduziu-se em desistências inumanas.

Procuras eliminar a teatralidade das influências. Demasiadas palavras? Muita


pompa? O desapego é um paradoxo e uma maquina que reapropria
cinicamente todos os apegos. Queremos ser eficazes ou ligeiros? Destrutivos,
instrutivos ou construtivos? Irónicos e emocionais ao mesmo tempo? Milénios
de equívocos não nos parecem inúteis. É graças a esses equívocos que
fabricamos a paradisíaca comédia do presente.

A consciência é uma interface. Existe como um atribulado conflito das suas


precedências. Faz um esforço para não se retirar. O «inconsciente» é uma
mentira que assinala ou a inexistência concreta de um lugar da consciência ou
a propensão construtiva/destrutiva dessa interface. A consciência é um
organismo a tentar morder na cauda do tempo.

6
O homem é carne (ressurrecta). A consciência é uma aberração abstracta que
distrai a carne da dor. A abstracção finge que desencarna. Essa desencarnação
fingida tem saudades da carne. A saudade, a nostalgia, é apenas o equívoco
dessa alienação do corpo. Podemos dizer que a abstracção é uma
particularidade da carne que procura negá-la. O homem é «artista». Resiste
ao environment criando um anti-environment. Está em transição não para um
meio mas para uma mediação activa. Anda a pastar criativamente na sua
acção-reacção à estranha mistura entre a sua criatividade particular e natural
(mas generalizante) e a criatividade geral e particularizante da natureza.

Farejamos o passado antes de nos atirarmos ao seu tutano.

As abstracções são tumultuosas mesmo no seu túmulo. Organizam os nossos


fenómenos como mortos que tentam influenciar vivos através de uma magia
subterrânea.

A habilidade e a correspondente inabilidade (mais as ferramentas adjacentes)


põem-nos frente a frente com o que acontece. O que acontece é apreendido
parcialmente, capturado pelos padrões que vagueiam nos fluxos
organizacionais dos corpos. Os ritmos vêm ter connosco. O conhecimento é
melodioso. O homem ressurge dos seus estigmas e das suas mortes. O homem
morre quando o seu environment se torna redundante. O homem cria um anti-
environment para sair do seu conforto e das suas certezas. As certezas e os
hábitos matam. A simplificação dissimula os aspectos transicionais. A pele
processa as informações metamórficas. A vanguarda do saber é mimética ou
abdutiva. Não sabemos ainda o que é que estamos a inventar em colaboração
com o mundo. Não tarda vamos ter um feedback. Toda a invenção é
performativa. O mundo é radicalmente performativo.

Toda a vida é do passado. Toda a vida é do presente, ainda que não saibamos
exactamente o que ocorre ou ocorreu quer no passado quer no presente. O
que regressa regressa diferido.
Há uma memória activa na vida que complementa a nossa memória individual.
É a memória individual que se excita com os feedbacks e que cria padrões que
deformam a apreensão da memória activa. O esquecimento é o pai das
formas.
10

As coisas são notações que requerem que componhamos musicas. É no


intervalo que surgem os conceitos enquanto ramificadores da felicidade. Os
conceitos não são secos e estão cheios de seiva. A sintaxe não obriga a dizer,
mas condiciona o dizível. Deus não está na sintaxe. Caso existisse Deus este
seria desprovido de sintaxe. Deus é o momento assintático das enunciações.
Há mais intervalos do que julgamos na actividade da consciência. A meditação
é a continuidade absoluta na condução da consciência? O êxtase é uma
fulgurância desconectiva? A percepção é o retorno de um meio geral a um
meio particular. A mensagem é a digestão da percepção, é um trabalho
autónomo de falsificação. O meio alerta, o corpo responde como pode, para
dentro ou para fora. O sentido é forjado na pausa, no intervalo em que o
environment se parece ausentar.

11

O homem só deixa de existir quando se vende totalmente ao environment,


isto é, quando sacrifica definitivamente a autonomia do seu anti-
environment.

12

A evolução não é um palco. Há progressos orgânicos mas não há progressos


culturais. A cultura é uma miragem provocada por uma interiorização da
natureza na tremenda perversão natural que é a técnica.

13

A experiência é o antídoto do fetichismo. A psicologia organiza em coutadas


as interfaces a que chamamos consciência. Há algo de sanguinário na palavra
mundo. A palavra mundo é a excitante hipótese de uma exterioridade que nos
garante que participamos em algo, quer com o corpo, como vibração
organizacional e física, quer com a consciência, como expressão de
permanentes encontros com o exterior. Sabemos que há algo ilusório nesses
encontros. Mas é nessas ilusões que encontramos o deleite que nos permite
viver. A ilusão é o alimento da alma.

14

O passado aparece-nos fragmentado. As memórias são relíquias que excitam


uma confiança mágica. A memória tenta garantir-nos que o passado existiu. A
história é a manipulação interpretativa de vários planos de ilusão.
15

As linguagens procuram escolher-nos como vítimas perfeitas da sua


sobrevivência. O acaso existe como efeito da degradação das linguagens. O
homem encontra-se entre o apetite omnívoro das linguagens e a sua sábia
degeneração. A degeneração das linguagens alimenta o homem e fortifica-o
para resistir aos aspectos tirânicos das linguagens. A escolha está na entropia
do que organiza.

16

A informação torna-nos mais informais. A conectividade vem facilitada. A


informação é carnívora. Não procura mais informação, mas mais corpos. A
abstracção é uma deformação da alegoria. A alegoria infere a diferença como
imagem. A abstracção infere a diferença como supressão sintética das
imagens.

17

Uma referência é uma alergia provocada pela mudança. Quando o meio muda,
o meio que está a desaparecer parece-nos um mosaico que articula citações
de outros meios que desapareceram.

18

Temos que lidar com a inabilidade em traduzir. Traduzir idealmente é uma


traição à tradução radical. A moderação das traduções fieis é um equivoco. A
informação ataca-nos de vários lados como uma invasão marciana. A escolha
existe, mas não somos só nós que a fazemos. A inibição é mimética. Todo o
animal é um tradutor. A inabilidade desinibe-se nas traduções pulsionais. As
pulsões são respostas estratégicas a pressões ambientais.

19

A informação é a circulação predadora do informe. O seu aspecto processual


não lhe confere um rosto. Há algo de acéfalo na pura informação. Mas as
formas são-lhe miméticamente sensíveis.

20

A informação é o aborto das formações. A informação é o que sobra à


desmesura dos afectos. A informação não produz feitos mas efeitos. A
afectação dos efeitos parece algo trivial. Queríamos algo mais estável? Sabes
que tudo é óbvio e contentas-te com a manta dos simulacros. Ou és
expropriado pelo vortex dos dissimulacros?

21

A comunicação é a permeabilidade das mensagens. Sabemos que existem


corpos porque há permeabilidade ou resistência. A informação não processa
as diferenças senão nos corpos. São os corpos que fazem e sexualizam as
diferenças. A informação é assexuada.

22

A consciência organiza esteticamente o que lhe foi comunicado. A organização


é já uma interpretação. A recepção, mesmo a mais ingénua, é uma estratégia
decorativa. A guerra é ornamento.

23

O desejo de inventar, de ser criativo, não é um apetite humano, mas uma


ansiedade latente na natureza. O homem é um instrumento lúbrico dessa
propensão criativa.

24

O homem é no mínimo tricéfalo. Transformou a morte num acto de crédito.


Os deuses são próteses burocráticas que garantem tais transações. A
burocracia nasceu com o culto dos mortos.

25

O homem encena a sua autodestruição, assim como a da sua história, no culto


da abstracção. A abstracção é o fetichismo da vacuidade: o mais puro
inorgânico.

26

A simultaneidade de causas não evita determinadas propensões. A


regularidade dá-nos a sensação de que somos prisioneiros de leis a que o bom
senso aconselha. As irregularidades são menos perceptíveis porque não as
queremos ver.

27
A insanidade é a irregularidade que não se ajusta à higiene do presente.

28

A insensibilidade é o limite da consciência, a sensibilidade o seu centro. A


loucura é a transgressão do limite. A insensibilidade sublima e oculta a
loucura.

29

Penso para fingir que sou. Não sei bem se sou. Há uma intermitência que não
é bem experiência. A consciência vagueia na selva neurológica.

29

A mente é uma armadilha. Os neurónios vão à caça. Conseguimos discernir


alguma coisa, mas mesmo embriagados não somos lúcidos. A lucidez é um
limbo – fica à porta de uma realidade que não existe. Não existe nem a
realidade, nem as interpretações (cinzas de interfaces), nem sequer fábulas.

30

As abstracções ainda são mais não-lineares do que a eventual experiência. É a


linguagem comum que abre os carreiros por onde descortinamos algumas
interacções. Sentimos que pode haver coisas fortes na linguagem que nos
superam e a que chamamos símbolos, ou que há coisas vagas que nos levam
para zonas mais abstractas e a que chamamos alegorias.

31

A soma das partes produz um excesso sobre a própria soma. Qualquer todo é
menos que a soma das suas partes. O todo é a prisão das partes. As partes em
conjunto também são menos que a interacção das suas singularidades. O que
é singular nunca é absorvido na conjunção.

32

Qualquer organização tem uma autonomia que não é forçosamente a sua


propensão. A propensão de um sistema não é resultante da sua combinatória
mas é arrastada por um movimento biológico. Há um canibalismo quer na
emergência quer na degradação que deforma a sistematização.

33
Interessam-nos os processos, colmo vibração e vivência, mas estamo-nos nas
tintas para esse conceito. Já há muito que desconfiamos das intenções das
nossas operações, e das tautologias que nos empurram para as obras.

34

Tudo acontece em close-up e depressa. Temos dificuldade em registar as


colagens sísmicas.

35

Podemos posicionar-nos de duas perspectivas antagónicas. Se os Media


existem nós somos apenas zonas sensíveis da interacção mediática. Não nos
distinguimos da diversidade relativamente uniforme que é o envolvimento
mediático, embora nos tentemos projectar como emergência anti-mediática.
De um outro ponto de vista os Media são a espectralidade da espectralidade.
Existem como uma dimensão suplementar absolutamente falsa. Nesse sentido
o medium é mesmo a mensagem. Toda a mensagem é banal. Toda a
mediatização é banalização.

36

Os processos são excitados por um desejo de contra-informação.

37

A desbanilazação da banalidade deu-se na arte, mas essa desbanalização


acabou por tornar a arte banal.

38

Os pontos de vista não existem como um olhar prévio, mas criam-se enquanto
processo. Os processos estão sujeitos a permanentes feedbacks, mas movem-
se mais depressa do que a sua capacidade de assimilação.

39

A rede neuronal forma núcleos emotivos que permitem que a invasão


mediática seja digerida. Há uma certa irritabilidade entre os fluxos emotivos
e as temperaturas mediáticas.

40

Ainda não somos um agregado de próteses. As próteses são substituições


exemplares que se integram num team-work sedimentado. Se combinarmos
vários órgãos dos mais diversos corpos será possível criar um vivo a partir de
vários mortos?

41

As modas fornecem o clima mimético a partir do qual entramos na auto-


organização. A importância do ornamento é a de que nos fornece padrões
sensíveis e partilháveis. O ornamento e a moda substituem a excitação da
natureza numa simplificação ainda mais excitável. Essa excitação tranquiliza
pela padronização mas cria uma tensão e uma ansiedade onde a natureza
efectiva falta.

42

Forjamos zonas de circulação que nos permitem atrair as coisas como


desfinalizadas e desfundamentadas. Já não estamos no estado de crítica da
crítica da crítica de qualquer principio metafísico ou racional. Estamos mais
interessados na emotividade teórica e no entusiasmo da experimentação dos
processos. Não precisamos de nos mover porque tudo nos move.

43

Os Media não comunicam, apenas excomungam. Essa violência excomungante


atiça-nos a condição de malditos. Mais do que alienados somos exilados numa
maldição que dificilmente se ousa assumir.

44

O que controla o controle está a entrar fora de controle.

45

O homem está programado para adiar qualquer sentimento de plenitude de


significado, o que esvaziaria, obviamente, a sua vida de qualquer expectativa
de mais significado.

46

Procuramos cada vez mais que as nossas experiências se pareçam com as


vertigens cinematográficas, mas ainda não adquirimos uma capacidade
natural de montar o tempo. Cada vez mais a vida é uma colagem em que o
lado épico se tornou elíptico.

47

O cinema tenta reinventar a condição intra-uterina. Temos a sensação errada


que cada filme inicia qualquer coisa e que estamos metidos ao barulho. Mas
os filmes desiniciam-nos sem nos finalizarem. Quando terminam espectralizam
a nossa vida. Mas não durante muito tempo.

48

Não há simultaneidade nem sequenciamento. Só temos o presente com o qual


nunca chegamos a ser familiares. É essa falta de familiaridade que nos obriga
a inventar mitologias. A causa das mitologias é uma disfunção na assimilação
do tempo.

49

O homem tem uma vontade adaptativa que não se contenta com o seu
ambiente. Por isso cria espaços de inadaptação, com os quais enceta lutas
absurdas. As cidades são complexos esquemas que satisfazem um certo desejo
de auto-agressão. O homem, porém ainda não se deixou derrotar ou morrer.

50

Os perigos existem como molduras excitantes de eventuais acções. Não é o


interprete que propõe decifrações, são as decifrações que procuram actores
que as representem decentemente. O que torna tudo um pouco teatral, e,
consequentemente, menos ilusório.

60

Sabemos que as abstracções são espectrais, e como tal não as podemos


matar, mas apenas arrefecer. A filosofia gosta de atiçar espectros de modo a
exercer uma violência mágica sobre alguém. Esse sonho filosófico é possível.
O filosofo livra-se do ostracismo que cultivou e torna-se num manipulador de
vítimas. A filosofia é cruelmente prática, mesmo no mais assanhado
solipsismo.

61

Participamos. O que é o mesmo que dizer que comungamos na destruição. A


comunhão cristã é menos a assimilação de um corpo do que a assimilação
destrutiva que implica todo o acto de comer.
62

O cérebro é apenas um mediador de impasses que se passam nos arredores


perceptivos. Somos manipulados, não pelo ambiente, mas por eminentes
emergências e tangenciais abortos.

63

Classificamos para nos desclassificarmos.

64

O sexo é uma coisa rítmica. Não há ritmos novos. A poliritmia é constante na


natureza. A vibração neuronal deriva de outras vibrações. As microondas
estendem-se como teias rítmicas sobre o universo.

65

Parece que não há objectivos, mas trata-se de uma deliberada liberalidade.


O homem extrai um certo prazer na desvalorização das suas competências e
da sua personalidade. As pessoas existem porque a cada momento desistem.
Se não tivermos mais nada sempre temos por companhia a ilusão.

66

Os impulsos neuronais são uma incarnação brejeira da intoxicação amorosa.


Todos os actos são variantes do prazer ou das suas formas mais degradadas.
Todo a programação é uma consequência do carácter percursivo e
repercussivo do prazer. O budismo circunscreve o prazer como ausência de
prazer ou de dor. O Ser, o Absoluto, é prazer. Nós somos todos esses
estereótipos.

67

Do ponto de vista da ilusão não há cérebros. A química é uma combinatória de


forças de atracção mais complexas e misteriosas. O lado duro da realidade é
uma perversão do seu fluxo ligeiro. As transições entre opostos são demasiado
compostas. Os acontecimentos fazem puré das nossas interpretações.
Gostamos de encarar a nossa improbabilidade como uma responsabilidade e
qualquer responsabilidade como o aperfeiçoamento de várias
impossibilidades.
68

Forjamos as nossas pastagens como uma memória que nos inclui. É o ambiente
que nos interpreta ao interpretar as nossas crípticas interpretações. Somos
terminais de descargas amorosas. Os astros continuam a informar-nos de
acontecimentos demasiado distantes.

69

Algo nos leva a acreditar que não há um ambiente, um envolvimento, mas um


plural in-volvimento. As criaturas são baratas tontas. O cérebro recebe
supositórios de ideias. Gosto de pensar a ideologia como um hábito
supositório.

70

Deus enquanto nome é um abuso de legitimação. Deus é a dissipação de todos


os fundamentos e de todo o direito de nomeação. Qualquer acto em nome de
qualquer Deus é uma heresia, seja em que religião for.

71

As imagens criaram-nos à sua réplica. Nem os deuses nos criaram à sua


imagem nem nós à deles. Para isso deveria existir uma imagem referenciante.
De um certo ponto de vista um deus é uma não-imagem, e nós seríamos
réplicas de algo irreplicável. Mas são as imagens, quer na sua imprecisão
metafórica quer no seu fluxo metonímico, que nos vão criando, não como
imagens degradadas, mas como reproduções revitalizantes.

72

Os deuses são imagens demasiado imprecisas nas quais acumulamos as


energias dos nossos impasses.

73

A arte opera como um fluxo que inverte as expectativas quanto ao divino.


Enquanto a profanação repete uma reverência negativa quanto ao sagrado, a
arte emancipa dos estados reverenciais. A arte não é revolta. É a
contradecifração. Tenta atrair as convenções com que representamos o
envolvimento a várias ciladas. A arte não é o que força a revelar, mas o que
se revela sem esforço. É o anti-apocalipse.

74
Isto não é um exercício. As definições acontecem-nos como ficções que
iluminam instantaneamente a percepção. A percepção é apenas uma parcela
da experiência. São as coisas mais vulgares que nos vão acabar por
surpreender. As definições são como muletas nesta caminhada.

75

A noção de absurdo torna implícita a liberdade. Temos direito de escolher a


não-escolha. Gostamos de escolher o que não escolheríamos. Procuramos
testar-nos numa espécie de auto-infidelidade. É a instabilidade das ideias que
nos torna proprietários da nossa disponibilidade.

76

Queremos desembaraçar-nos do Estado naturalmente, sem golpes de estado


ou acidas revoluções. A crise das ideologias é consequência da falibilidade de
soluções quer para o estado quer para a economia. Liberalidade versus
totalitarismos ou liberalismos. A interacção da globalização já aboliu o que
era essencialmente restritivo nos estados. O capitalismo é o espectro dos
estados. O desaparecimento natural através da biodegradação da violência
estatal acarreta o desaparecimento da violência da exploração
concentracionária da lógica do capital.

77

As tiranias cimentam-se nos hábitos. A linguagem é um hábito que nos


permite reorganizar fluxos codificados que nos excitam nas experiências com
as coisas. O patriotismo é um hábito que exalta uma certa familiaridade. A
localidade é uma gestão de hábitos com o que nos é próximo. Neste planeta a
distância está a desaparecer. Dificilmente nos aprontamos a sacrificar as
nossas vidas por ilusões ideológicas ou tribais.

78

A vida é um processo, mas não fazemos nenhuma ideia se tem fim ou não. Nós
somos diagonalmente atravessados por vários estilos processuais. As mutações
acontecem quando os estilos se cruzam.

79

O real é o relativo. O relativo é o que se relaciona. Os ritmos possíveis


significativos são limitados. Não se advinha nenhuma ruptura radical no
macrocosmos. Os processos a grande escala conseguem diversificar-se e
diferir. São reformistas e não revolucionários. O homem é um animal que se
imagina revolucionário porque não está contente com o seu corpo.

80

A propriedade é uma extensão antes de ser um roubo. Crescer para fora dos
limites do corpo é tornar-se proprietário. Não é repugnante ser autor. Tudo o
que é forte procura continuar-se além do seu espaço. Não é uma necessidade
de comunicação mas de crescimento: produção e reprodução mais do que
intencionalidade ou informação.

81

O que acontece não é silencioso. A não ser que sejamos surdos. Mas pode-se
admitir alguma descontinuidade perceptiva. Nem tudo é processado como um
glissando. Experimentar é focar numa coisa. Focar uma coisa implica desfocar
ou ignorar quase todas as outras.

82

A arte procura regular o seu controle através de sucessivas simulações de


descontrole.

83

As perguntas procuram caçar-nos. Os símbolos e os mitos são imprecisos. É a


sua imprecisão que nos interroga. O homem não existe senão na condição de
interrogado. Ser humano é ser examinado. Nenhuma resposta é feita para
abolir as questões.

84

As palavras estão interessadas que nós estejamos interessadas nelas. Os que


se interessam por nós são poucos. Mas interessam-se por nós ainda mais do
que as palavras.

85

Não progredimos, apenas acumulamos complexidade. Não há riqueza sem


complexidade. O ouro é uma forma tosca de pobreza.

86
Faltam-nos dimensões. O passado é a radiação de algo arquivado, de uma
informação repetível e redundante. O passado não pode tomar conta do
presente mas deforma-o estilisticamente. O presente é o hábito que nos
habita.

87

O universo é um intervalo que não se consegue espelhar – nem finito nem


infinito, nem limitado ou limitado.

88

O universo não acumula, mas há partes do universo que acumulam e outras


que vão sendo expropriadas.

89

São os adjectivos e as afecções que são efectivos, as coisas são ilusões ou


transições dotados de contornos. Os verbos resultam da interacção entre
adjectivos. A acção é a atracção das interfaces.

90

As fotografias antes de serem registos de estados de luz são fotomontagens.

91

Só o único é ubíquo. A singularidade faz a força. O que melhor se dissimula


dá-se em toda a parte.

92

O senso-comum até pode desvirtuar a experiência. A linguagem deforma as


percepções. Mas o modo como as percepções são deformadas também
constitui uma experiência única. Em vez de abolir o senso-comum há que
cultivar o senso-incomum.

93

Quanto mais conscientes somos dos limites de qualquer coisa ou dessa


metáfora ambiciosa a que chamamos Universo, mais lhe retiramos a finitude
sem para isso incorrermos na tentação demente da infinitude. Conjugação do
des-finito e do des-infinito.
94

A sintaxe é menos um espartilho ou um elemento que põe ordem entre as


palavras do que um método que incita à exploração de algo mais complexo,
como se uma pulsão transgressora lhe fosse subjacente. A sintaxe convida às
explosões intersticiais, às bifurcações, às ambiguidades galopantes, aos
exageros proteiformes.

95

As palavras são as muletas da memória. É certo que simplificam, como se


quisessem abolir os objectos que nomeiam, mas também amplificam como se
procurassem reproduzir uma glória subterrânea.

96

Concebemo-nos como algo indescritível porque achamos que a linguagem é


demasiado pobre para traduzir as nossas atribuladas intermitências e
incoerências. Mas o que procuramos na linguagem é menos o preenchimento
de um vazio do que um povoamento refutativo. A linguagem é aquilo que
usamos para nos expropriarmos, para nos livrarmos da própria linguagem e
de tudo o resto. A expropriação é o êxtase.

97

A atenção só se torna atenta na meditação. A meditação, como todo o bom


crime, resulta de uma perversa premeditação.

98

Desconfia das contradições nas suas formas extremas: o lado dilacerante e o


confortável hábito. A contradicção é a formatação lógica das representações.
A formatação lógica é útil como referência caricatural. A confusão é mais
realista.

99

A função da lógica é ir suprimindo gradualmente todo o sentimento de


realidade através de refutações involuntárias mas consequentes. A lógica
reforça a nossa sensação de alienação.

100
É um contra-senso pensar no autor quer como normatividade estilística quer
como algo conceptualmente uniforme. As atribuições autorais dos textos
antigos têm-se entretido a desmontar camadas de autores em textos que
parecem ser palimpsestos, como é o caso de grande numero de livros
bíblicos. Mas a perplexidade surge em autores estilisticamente ricos como
Empédocles ou Antifonte.

101

É uma perca de tempo tentar exterminar a autoria. Não é uma operação


muito diferente do extermínio de uma raça ou da propriedade privada. A
autoria, tal como a propriedade privada é um roubo, mas um roubo tão ou
mais necessário quanto o fogo. A autoria é o que nos torna rivais dos deuses.
Mais problemáticas são as noções de originalidade ou de direitos do autor. A
autoria é precisamente aquilo que se desembaraça produtivamente do mito
da originalidade e que infringe permanentemente a ideia absurda dos direitos
de autor.

102

O perspectivismo continua a ser a única atitude hermenêutica possível. Os


enigmas só se oferecem na resposta às inquietações do presente. O que é do
passado nem ao passado responde. O sentido foi vacilação de sentido,
pregnância transicional.

103

Mesmo o supostamente inanimado está em interacção. A recusa em participar


é participação. Mas há duas esferas de participação: a que vai no sentido do
desprazer e da simplificação, e a que vai sentido do prazer e da
complexidade. Ou dito de outra maneira: a que vai no sentido da falsa
separação da carne e do espírito e a que vai no sentido da consciencialização
da carne enquanto espírito e do espírito enquanto carne.

104

Estar consciente é estar aberto às perturbações. Ao asfixiarmos as


perturbações asfixiamos o que através de nós é expansão, vida, mundo.

105

O performativo é o que se vai formando antes da forma se formar.


106

Os conceitos são agentes secretos do indistinto que estruturam distinções. Os


conceitos podem-se criar uns aos outros mas o seu estatuto é como se fosse
de algo incriado. Os conceitos são uma agitada espectralidade que procura
reencarnar noutros corpos.

107

Procuramos designar qualquer coisa como um artigo que busca mais


substancia que a dos substantivos.

108

Só forjamos diferenças a partir da focagem que as tautologias nos abrem. São


as tautologias que nos homogeneízam a percepção formando narrativas
espontaneamente.

109

A repetição da designação de um objecto não o faz aparecer mais, embora a


insistência pareça ir nesse sentido: a rose is a rose is a rose ou o what you see
is what you see. Pelo contrário, a negação repetida de qualquer evidência faz
com que qualquer coisa realmente apareça, embora uma designação não seja
imprescindível. O que aparece é o que se opõe a qualquer silenciamento,
místico ou não.

110

A indeterminação começa ainda antes do sujeito. Desanima-se no meio das


nossas subjectividades e prossegue o seu caminho tentando contornar as mais
diversas causalidades.

111

A origem e a finalidade são os extremos trágicos de uma comédia. O


intermédio é ridículo e vem cheio de inextricáveis dificuldades. Sem
dificuldades não há diferenças. O que é comunicável é a diferenciação a que
julgamos que gostaríamos de fugir. O que nos regenera é aquilo que antes
temíamos.

112

A competição é uma adversidade imaginária que cultivamos para não nos


repetirmos comodamente.

113

Poderíamos ver por espelhos e enigmas, mas os espelhos estão partidos e os


enigmas incompletos.

114

As medidas em vez de regularem as desmesuras acabam por excitá-las. A


tecnologia tornou-se a medida da humanidade libertando uma natureza
titânica anterior à natureza olímpica.

115

As intenções engravidam o sentido. Mas a maior parte das vezes abortam.

116

A sinceridade consigo mesmo é insuficiente. Falar convincentemente de


sinceridade é camuflar uma ignorância. Mas não podemos deixar de confiar
nessa estratégia de sincera dissimulação que nos torna mais enxutos, mais
honestos e mais confiáveis.

117

A confiança recíproca é uma aposta que arrasta consigo muita confusão.


Qualquer amizade ou compromisso é um entrelace de simpatias e de
compromissos que atraiem demasiada confusão. É essa confusão que assassina
as amizades ou que as salva da estagnação.

118

A linguagem e o silêncio já disseram tudo menos as improváveis traduções que


se desviarão definitivamente dos falsos sentidos originais.

119

A incrível credibilidade do que nos afecta.

120
Os factos são bifurcações no sentido de humor que sustenta o mundo.

121

A vida acaba por apagar toda a vontade de coerência demasiado rígida.


Queremos ver-nos livres das proposições que nos obrigam à fidelidade
absoluta.

122

Devemos desconfiar das nossas desconfianças. A confiança engendra alegria. É


certo que a desconfiança afina a percepção das coisas, mas só penetramos no
seu âmago, ou nos deixamos penetrar, através da confiança.

123

Toda a informação que antecede cada momento é falsa, porque só a


informação tal como é sentida no momento é verdadeira. O trabalho da
memória não é o de lapidar para tornar o que já foi experimentado luminoso.
A memória usa o passado apenas para que este seja útil.

124

Não podemos começar nada de novo. Não é possível nenhuma radicalidade. O


que precede cada instante não cessa. O poder do passado é imenso. Não há
nada que cesse.

125

Mundo indisponível. O mundo esconde demasiado bem o seu sistema.


Provavelmente o sistema do mundo não existe senão como brincadeira. O
mundo joga às escondidas connosco. A indisponibilidade do mundo faz com
que tenhamos ainda mais vontade de lhe arrancar a disponibilidade à força.

126

As palavras não são coisas mas exercem alguma eficácia nas nossas relações
com as coisas. Daí que pareçam mágicas.

127

O mundo obriga-nos a rejeitar a sua rejeição.


128

Não podemos deixar de aceitar o que se apresenta como mais ilusório, mais
quebradiço, mais falível. Rejeitamos a rejeição do mundo através de uma
amizade cega. Sabemos que o desencantamento é a norma e que o
encantamento é um dom capaz de enganar as forças do desencantamento.

129

O mundo é algo que se vai fazendo por desfasamentos. É isso que nos provoca
uma certa afazia.

130

A personalidade é a possibilidade de o mundo se mascarar e se enunciar numa


pele. A personalidade é o encantamento da descida à carne que pensa que
por acaso existe.

131

A inexpressão é uma expressão demasiado polida. A vida ainda não é


expressividade, mas é o que torna a expressividade expressiva.

132

Há algo degradante em pedir desculpas que torna este género de acto em


tema heróico.

133

A humanidade é o menos pitoresco e o mais ínfimo dos cenários a que a


natureza se permite. Ao lado da maior das ambições do homem a dimensão
do mundo humilha-nos sempre. O environment não é os arredores das nossas
casinhas, nós é que somos o sombrio e impotente arredor das desmesuras.

134

Teimamos em que há um centro, mas tudo parece girar à volta de tudo


desviando-se da sua rota discretamente.

135
Cansamo-nos de negar as realidades internas ou externas. Relativizamo-nos
até à náusea. Sentimo-nos importantes na forma como assumimos a
desimportância. Tudo isto é bonito, mas não queremos para já morrer já.

136

No momento em que as coisas se dão como assombrosa e incómoda


familiaridade já não nos sentimos excluídos da vida ou do mundo. Somos
patologicamente desalienados. Consumimos o nosso consumo. Tornámos as
diásporas impossíveis.

137

Não há palavras sem autor. Mesmo o interprete mais desleixado é autor.


Palavras que não se falam, não se lêem ou não se ouvem não existem senão
como não-palavras. As palavras são citações, reconhecimentos. Somos nós
que constituímos as nossas autoridades sobre cada palavra. O que pusermos
nas palavras é o que elas nos podem vir a dar. Mas essa dádiva é quase
sempre maior do que as expectativas iniciais.

138

Não estamos interessados sequer em criar perguntas, mas em fornecer uma


verdadeira máquina de guerra dissimuladamente interrogativa. Todos os
aforismos subentendem, não uma questão, mas uma rede de perguntas ainda
por formular.

139

O autor é importante como alguém que convida para a festa. Por mais que a
sua existência seja duvidosa ele pode marcar-nos para sempre. O autor existe
nessa generosidade fantasmática que se pode tornar tirânica ou libertadora.

140

A perfeição só é admissível como paródia funesta. Cada homem é o centro do


seu descentrado mundo. Cada homem destrói desleixadamente os centros que
lhe são alheios.

141

A massa surge como uma energia que suprime o centramento de cada homem.
A massa arrasta como algo magnético. O que a arrasta não é uma pulsão, mas
uma propulsão.
142

Há narradores a mais a quererem meter as patas na narrativa. O filósofo é


pelo menos três narradores, um dos quais, ainda por cima está bêbado. Sobra
silêncio às narrativas. Sobra carne à filosofia.

143

O universo está por aí. Nós tentamos dar o salto fora. Queremos construir algo
à margem do universo sem cair na morte. A morte integra-nos no universo.

144

A fatalidade de continuar depois dos intervalos. A memória prega-nos partidas


retirando perturbantes fragmentos de algo que nem se sabia esquecido.

145

Ninguém sabe enquanto não deixar de saber.


Trattato della contraffazione del pensiero

TRATADO DA CONTRAFACÇÃO DO PENSAMENTO

(Renato Ornato)

XV. Os cautelosos vivos soem-se acompanhar de um pensamento polivalente, de


harmonias estridentes, que não saem nem da lingua nem dos dentes. Os
incautos deixam-se cegar pelas mirambolantes maravilhas que enchem e
ecoam no céu e na terra, como presas para a persuasão devoradora.

XVI. O prazer arma as suas tendas. Aqueles que se deixam tragar na guerra dos
simulacros ignoram do autêntico prazer a indecência e o pudor, e a forma
como os astros favorecem os animais que em tudo dissimulam.

XVII. Os homens procuram a justiça como uma bomba que defraude os


encantamentos.

XVIII. Mas a vida não passa de má montagem cinematográfica. Tal como os sonhos
e todas as bizarrias psicológicas.

XIX. Ele viu os cedros como uma concisão absoluta, como a gramática do extase.

XX. E a minha amada era um alvo honesto cheio de floridas evidências.

XXI. E disfarçava na beleza as maneiras violentas que lhe assomavam no peito.

XXII. Emudecia, como quem tolera o silêncio.

XXIII. Percepitava-se na contemplação com uma suave sapiência.

XXIV. Todas as estradas são precepícios.

XXV. A vaidade não procura quem a aconselhe. Tudo é vaidade, sobretudo os


deuses, as metafísicas e a fuga das garras suaves da vaidade. Encontrarás
vaidades intelectuais, namoros com o Demiurgo, orgulho no ascetismo.

XXVI. A verdadeira cognição não precisa de etapas. Vai direito ao assunto. As


etapas podem ser vírgulas ou pontos de exclamação quando o caminho é
longo.

XXVII. Estarás sempre em desvantagem – essa é a tua vantagem.


XXVIII. O sujeito é um negócio. É o indivíduo enquanto transacção de máscaras
sociais. É o movimento das dificuldades íntimas. É um subterfúgio que
procura na encenação dos gestos uma maneira extravagante.

XXIX. Se puseres nas palavras as pequenas coisas não darás a entender que a tua
ambição procura ter filhos.

XXX. A intencionalidade é algo decisivamente selvagem.

XXXI. As cicatrizes são julgamentos que recaiem sobre os outros. As feridas


desculpam-nos. Mesmo quando não são convicentes.

XXXII. Adiar uma coisa como se a reduzissemos a zero.

XXXIII. Será preferivel emendar ou liquidar?

XXXIV. A dissimulação parece uma diminuição para o vulgo. Trata-se, no


entanto, de providenciar os aumentos, de dar fôlego à potenciação.

XXXV. O que escrevo é para arrasar a minha vontade. Mas ela sabe resistir.

XXXVI. O gosto do público é uma má esperança e uma desastrosa consolação.

XXXVII. A nudez mitológica de Adão e Eva é que encena a fraude – a criatura que
se veste é uma simuladora. A pele edénica é uma máscara. Uma máscara
inocente. É só através da censura sexual que as partes baixas se tornam
obscenas.

XXXVIII. A descoberta do pudor é apresentada como uma tragédia, como o


nascimento da culpa, mas este texto biblico está destituído das violências
fundadoras e dos rituais de sangue que lhe seguirão. A culpa surge num
ambiente de comédia brejeira, e será difícil não desculpar criaturas tão naifs
que cometem uma infração tão ligeira quanto o provar um fruto proíbido (a
quem se destinaria tal fruto?). A severidade da punição é desproporcional, e
o Criador também tem a sua quota-parte de responsabilidade neste
argumento de opereta.

XXXIX. A simulação começa na roupa, no vestir, na puritanização. A simulação


institui a pornografia. A diferença entre pornografia e fotografia é irrisória. É
na pornografia e na fotografia que o Mal se exacerba como hipotética
transgressão, como reedição da culpa, e entrega masoquista à exploração
desse sentimento complexo. O prazer da transgressão é, de certa forma, um
exebicionismo para «Deus», uma espécie de acusação, uma delirante
adulação.

XL. A confortável neblina da mentira...

XLI. Muitos excluem-se da redoma social para se consagrarem às cadências do


romanesco.
XLII. As canduras voltam a adocicar os venenos.

XLIII. Há momentos em que as infelizes contradições se tornam divinas.

XLIV. Cada época procura industriosos argumentos. A desordem proporciona-os.

XLV. O significado é uma ponte entre uma opinião maliciosa e um acolhimento


cínico.

XLVI. As verdades até acabam por ser bonitas quando vistas em contrapicado.

XLVII.Mesmo os provérbios chineses pirosos estão cheios de sombras e ameaças.

XLVIII. A honestidade é um meio (ou um fim) que justifica as farsas.

XLIX. O amigo do carniceiro será um dia pendurado no talho.

L. O intelecto procura repouso nas coisas, como quem chega num dia
tempestuso a um lar aconchegante.

LI. A virtude é a força da contemplação, é a manipulação da atenção.

LII. Os pensamentos nobres têm a sua gravidade, o seu peso interno, mas gostam
de andar em bicos dos pés. Não necessitam de holofotes, porque isso só os
tornaria vulneráveis. Surgem da espuma das ondas divinas, como algo
burbulhante, arrastando oráculos desfeitos e fósseis de deuses pré-históricos.

LIII. As substâncias têm os seus acidentes. Toda a substância é acidental, e todos


os acidentes se substancializam.

LIV. A mutabilidade não é necessáriamente mutilante, mas uma mutilação é


sempre uma mutação.

LV. O pensamento dissimulado age como os amantes tímidos que amam


incondicionalmente: tenta dizer e não dizer; ousa desmesuradamente, mas
não é suficientemente explícito. Mesmo as entrelinhas que deixa para lêr são
demasiado ambiguas. Onde é que quer chegar? Quer manter a aventura em
suspenso? Consegue saír da toca das suas contradicções?

LVI. A elipse faz o desaparecimento geométrico das essências. É como uma


cidade que perdeu o seu centro e que transpira de explendor nos subúrbios.
O que parecia uma irremidável contracção, um gesto de puro pudor, resolve-
se em contorcido exibicionismo, num gosto pela complexidade e pela
expansão. A acção essêncial da elipse é a de propulsionar os efeitos que
estavam em potência. A acção secundária é a de simular um
desaparecimento que nunca se chega a dar. As atenções que dá ao vazio e ao
nulo são o pretexto para recolher os ecos que chegam de todas as partes.

LVII. O homem é um abismo nú que gosta de se vestir.


LVIII. Para nos aproximarmos da nossa humanidade, temos começar por descascá-
la.

LIX. A humildade é quase sempre uma estratégia de sublimação. É Jesus que o


proclama quando diz que para se chegar ao reino dos céus devemos
humilhar-nos como os meninos.

LX. A imprudência calculada... a gaffe como uma arte de dar nas vistas. Há
também a falsa imprudência como uma espécie de estilo que serve para
desfazer as aparências das prudências alheias dando um ar de naturalidade e
de imprevisibilidade.

LXI. Pertencemos à lama, mas não sei muito bem porquê.

LXII. Os universais procuram refugiar-se nos pormenores.

LXIII. A beleza demonstra-se como um conjunto de axiomas que emergem do


amor.

LXIV. Extrair a verdade como uma cárie.

LXV. Crisípo foi censurado por descrever as obscenidades sexuais entre os deuses.
Mas a acção divina é quase sempre obscena. O inexplícito na acção tem um
fundo repugnante. Ou atraente?

LXVI. O ornamento, e todo o tipo de adorno, tem uma razão mais forte que os
conceitos, uma vez que emerge da natureza directamente, sem raciocínios
fraudulentos. Podemos dizer que essa razão é táctil, como a atracção
amorosa de uma pele. É pelo estilo que essa racionalidade táctil se
manifesta. Para chegarmos a qualquer conteúdo temos que escarafunchar
muito.

LXVII.Há um estilo directo, possante, curto, claro, sem rodeios. É nessa sobriedade
estilistica que se fazem os apelos maís hipócritas. É um estilo doce como
uma guerra. Ou rápido quanto uma revolução.

LXVIII. O caracol é discreto, não partilha a sua intimidade. Isso parece-nos òbvio.

LXIX. A conjugação de contrários torna o pensamento hermafrodita, mas não o seu


pensador.

LXX. A impaciência confunde-se por vezes com a imbecilidade. O que é uma


pena! A impaciência é a acção desacautulada de uma urgência. É a urgência
somatizada. A impaciência faz mais e melhor obra que o labor paciênte,
ruminado e polido. As imperfeições que são fruto da impaciência, assim
como os derivados inacabamentos, agem como uma propensão que se
mantém fresca com os séculos.

LXXI. Os séculos de ouro cultivaram com primor o pechisbeque.


LXXII.É na desatenção que os contornos singulares surgem mais nítidos.

LXXIII. Ele encontra satisfação na floresta de apelos das obras mais subterrâneas.

LXXIV. Devorar a natureza é estar com ela. É na degustação dos seus pastos que
ela desvela a sua cruel mecânica.

LXXV. Tornar o corpo àgil é mais urgente e importante do que fazer o exame da
consciência ou da inconsciência.

LXXVI. As obras de arte resultam de encenadas orgias entre as influências.

LXXVII. A civilidade é desdentada.

LXXVIII. Uma boa justificação para fazer falsas traduções é o prazer da


«infidelidade conjugal».

LXXIX. Uma má justificação para fazer boas traduções é a da fidelidade ao autor,


à obra acabada. As obras acabadas estão, enquanto acabadas, mortas.
Necrófilia?

LXXX. Dar tempo ao tempo é útil para sarar feridas ou deixar-se morrer, mas é
péssimo para convencer alguém.

LXXXI. Temos, logo à partida, de desconfiar da honestidade natural. A natureza


nada tem de honesto. A honestidade a que nos podemos permitir é aquela em
que nos apercebemos e disfrutamos dos limites do pensamento. Porquê?
Porque os jogos de linguagem, e sobretudo aqueles que usam e abusam dos
fantasmas conceptuais, se apoiam num ingénuo bluff – o de fazer
corresponder as palavras aos actos e às coisas.

LXXXII. Ulisses é o heroi que lacrimeja. As suas lágrimas acabam por se


confundir com as lágrimas dos desterrados em Babilónia dos autores dos
Salmos. Ulisses chora porque todo o passado faz com que o presente seja um
exílio.

LXXXIII. O bem presente também é um exílio, talvez o mais duro. Os herois épicos
preferem a recordação dos males passados.

LXXXIV. A amizade é uma correspondência sem cartas. O amor torna-nos cativos


de uma propensão elegiaca.

LXXXV. Os antigos não admitiam que qualquer coisa pudesse gerar o vazio, mas o
vazio é o mais artificial dos produtos naturais.

LXXXVI. A ilustração mais fatal da mentira é o silêncio.

LXXXVII. Cala-te!... como todos os culpados.

LXXXVIII. Fecha os lábios, mas move a lingua por dentro.


LXXXIX. A vergonha faz-nos engulir muita coisa em seco.

XC. O mundo e a sua variedade são demasiado estreitos para a amplidão dos
nossos ânseios. Mas o anseio não basta. Há uma cobardia no ânseio. Por isso
há que rectificar a balbuciante ânsiedade com actos. Nem que sejam
picarescos.

XCI. É na voz estridente que o mundo encontra um espelho à altura da sua


equívoca glória.

XCII. Muitos andam agarrados às saias e saiotes da fortuna.

XCIII. Acomodava-se em provérbios cujas pernas estavam partidas.

XCIV. Amava a outra pátria por causa da estrutura musical do hino.

XCV. O fingimento é uma arte que tenta iludir a mortalidade com argumentos
convincentes.

XCVI. É preferível morrer a aceitar a morte depressa.

XCVII. As sombras são monótonas e traiçoeiras? Ou gatos a trentarem sere


pardos como a noite?

XCVIII. A escuridão é honesta na sua pretensão de ambiguidade e perigo. As


formas do falso são tão quiméricas quanto as do paladar.

XCIX. É da verdadeira admiração que nascem as rupturas. As rupturas geram


amizades.

C. A corda do fáquir leva a um céu de escorpiões.

CI. Coloca a mão no fogo até que o fogo se queime.

CII. As falácias indicam o caminho para as falésias. Ajudam a que nos desviemos
delas.

CIII. A falácia é o felatio da lógica.

CIV. Falhei na dignidade, mas não falhei nos objectivos.

CV. A sua concisão era como o baixo continuo – dava alguma margem de
manobra para improvisos.

CVI. Abraça a melancolia como um prelúdio de uma alegria maior.

CVII. O céu não tem cura, quanto mais a terra!

CVIII. O homem livre é o que destruiu a vontade de simular.


CIX. A alegria não precisa de ordem para se aguentar nas pernas.

CX. Os atributos dos povos a que pertencemos não são os nossos.

CXI. As tempestades do coração desfazem as soberanias mais consolidadas.

CXII. Um exercicio rende melhor graças às suas maneiras mais arrepiantes.

CXIII. Há algo de pernicioso nas alegorias que as torna mais frescas e saborosas.

CXIV. Ele retirava o freio às afeições para que elas carnavalassem.

CXV. Sucumbi à deliciosa tirania dos dissimulacros.

CXVI. A potência só se satisfaz através da polivalência.

CXVII. Corrigir os juízos é acrescentar-lhes perplexidade.

CXVIII. À lógica platónica do modelo/simulacro deve-se opor uma gramática de


dissimulacros, uma contaminação mimética. As aparências ou estão em
perpétua guerrilha ou em frívolo carnaval. Não são os modelos que geram as
coisas, mas a interacção de multiplicidades que se dispõe como exércitos.

CXIX. A simulação é contraceptiva, disfarça a criatividade garantindo as


aparências. A dissimulação é conceptiva, garante a criatividade disfarçando
as aparências.

CXX. As coisas não querem ser vistas tal e qual como são. Daí a necessidade de
máscaras e véus. Não que haja algo de realmente arrepiante debaixo das
máscaras e dos véus. Antes pelo contrário. Mas as coisas querem ser vistas
«disfarçadas», para sua protecção, para que não pereçam engolidas pelas
outras coisas. Daí que a contrafacção do pensamento seja sempre estratégica
e teatral.

CXXI. «Deslembro-me incertamente» – a memória é um hálito que não nos


abandona, mas que nos enreda com uma distorcida cumplicidade. Não se
pode simular o passado. Não o podemos representar nem o identificar com
rigor. Não recordamos, só deslembramos. Desrememoração...
Subanamnése... A falta de rigor do passado é compensada com as rigorosas
memórias, com as imagens que lhe sobram como se fossem precisas
evidências. Essas precisas evidências são representações maravilhosas, mas
não passam de representações muito circumstânciais que falsificam a
complexidade, as ambiguidades e a mutabilidade dos acontecimentos.
Deslembrar é aprofundar a inextricável glória das recordações. É livrá-las do
informe e dar-lhes caprichosos contornos.

CXXII. Os enigmas procuram ferir a mente com ferros em brasa.


CXXIII. A arte deve ser vista como a porta traseira pela qual podemos fugir dos
dilemas trágicos a que parecemos estar condenados.

CXXIV. Escapa-te a toda a solicitude que te quer esmagar ou mesgulhar em


sangue e lágrimas. Submete-te ao exílio como se este fosse o Paraíso.

CXXV. O cadáver disfarça os favores que o tempo e a vida concederam. Ignora-


se que o cadáver assinala a maravilha que foi a vida e o nascimento, e as
possibilidades não desperdiçadas.

CXXVI. No célebre discurso de Hamlet a incerteza pesa sobre a possibilidade da


morte não poder ser uma consolação, uma tranquilização, um puro nada. A
dúvida que recai sobre a morte é mais terrível do que as dúvidas, mais
plausíveis, que nos assaltam na vida.

CXXVII. Há idades que favorecem a gentileza.

CXXVIII. Lá encontrarás as côres que te assombram, os vermelhos hipnotisantes, o


azul consolador, o trágico púrpura, o açafrão efevrescente como a dança de
Shiva Nataraja.

CXXIX. Pedes a beleza mortal, ou o doce tormento, mas o que te dão são
palavrosas batalhas onde a inconstância dos sentimentos é salva por uma
subterrânea música de harmonias sem freios.

CXXX. O grande sofista é òbviamente o demiurgo. Somos escravos da sua dança


criativa. A nossa mão e os nossos pensamentos são perlongamentos das suas
frenéticas decisões e indecisões. A dissimulação dá-se quer no microcosmo
quer no macrocosmo.

CXXXI. A divindade vive do terror de nada ser fiável. É o último recurso das
nossas esperanças. Entregamo-nos a ela como se quisessemos ser devorados
pelo engano dos enganos.

CXXXII. O facto de ele ser versado no bom-gosto não o obrigava a fixar-se nesse
paladar. Porquê? Porque o que ele pretendia era a variação, mais do que uma
ética que lhe caísse no goto.

CXXXIII. É do talento que brotam as mais alegres calamidades.

CXXXIV. A sobriedade é um fato pendurado há já muito tempo no guarda-fatos.

CXXXV. Os epigramas tornam a amizade inquietante.

CXXXVI. Para o pensamento viver descansado precisa de uma almofada excelente.

CXXXVII. Pode-se mostrar algum desprezo para com a razão, mas não
podemos ser insensíveis a conjunturas e raciocinios que nos permitam
orientar e tomar decisões. A razão é aquilo que nos permite fazer projecções
e projectos – um alicerce frágil, enganador, mas imprescindível.
CXXXVIII. É da impossibilidade do similar, e das analogias profundas, que
faz nascer a convicção de que é o inidentificável (e não a diferença) que
governa a natureza – a dissimulação no dissemelhante.

CXXXIX. Os simulacros parecem-se com lobos de dentes afiados. É a lógica da


comunicação social. A nossa comunicação é associal ou dissocial?

CXL. A voluptuosidade rectifica as especulações.

CXLI. Uma notícia é apelativa graças ao seu teor de violência. Procuro extraír o
apelo do não-apelo, a frágil crueldade da não-crueldade.

CXLII.Qualquer manifesto é um incitamento ao furor... se possível divino.

CXLIII. O tolo acredita que ele pode ser o artifíce de uma conduta prudente.

CXLIV. Nem na extremidade há ou haverá eternidade.

CXLV. Quem aposta no cavalo do inefável não deve abusar de metáforas dúbias.

CXLVI. É nos interstícios dessas metáforas dúbias que o inefável é pilhável!

CXLVII. A ruiva ravina das desordens...

CXLVIII. A monstruosidade é o adorno dissimulando o divino. O divino é o terror.


O adorno apazigua-o como um aguaceiro sobre um incêndio.

CXLIX. Ninguém nasce de si mesmo – somos sincretismos genéticos filtrados por


pastiches sociais.

CL. A medida do seu talento é inversamente proporcional à das suas penas.

CLI. Uma opinião superficial é mais maravilhosa do que uma filosofia com
demasiadas profundesas.

CLII. A modernidade é a consolação do esquecimento.

CLIII. A moderação é uma cilada armada pelos inclementes.

CLIV. Para um pensamento andar sobre rodas precisa de ter bons pneus.

CLV. Ao prazer deve-se juntar um pouco de piri-piri.

CLVI. A tentação de ceder à ética do simulacro é a vontade de participar numa


alienação insipida. É nesse género de sopa que a humanidade está caída.

CLVII.O amor é o melhor antídoto para o bom-senso.

CLVIII. O amor incendeia a retórica interior.


CLIX. O terrorismo é o alicerce dos estados.

CLX. Deitou fogo a todas as suas convicções e agora nem sequer encontra as suas
cinzas.

CLXI. Ama o mundo como se este fosse um vaudeville. Era bom que fosse?

CLXII.As lágrimas são um cortês convite a suplícios bem maiores.

CLXIII. A sua afeição fazia progressos que me incomodavam.

CLXIV. O mal que o amor esconde acabará por florescer noutras primaveras.

CLXV.Um suspirar suave que é inimigo do espetáculo.

CLXVI. A ira move-se com os seus navios ao longo das margens da ambição.

CLXVII. Os naufragos da paixão acabam por ser recolhidos por inadevertidas


criaturas.

CLXVIII. ...manietar o pudor...

CLXIX. A ira pode render melhor quando estimulada pela vingança.

CLXX.Os amantes ventilam desejos insatisfeitos.

CLXXI. A mente precisa de tempestades para se regenerar.

CLXXII. O estilo desprezante disfarça a doçura. O romancista que trata mal as


suas adoradas criaturas fá-lo por excessivo pudor – é a forma dilacerada de
dizer que as ama. Mas também é uma demonstração de inveja. Ele sabe que
elas o abandonarão e que lhe sobreviverão nas perversas mãos dos inquietos
leitores.

CLXXIII. Um erro evidente para todos será bem disfarçado se assumido com lata e
humor.

CLXXIV. O conhecimento é uma bomba retardada.

CLXXV. Pitagoras ensinou-nos a fazer crochet com rigor geométrico.

CLXXVI. As palavras ressoam e compõe-se por simpatia, como as cordas de


determinados instrumentos.

CLXXVII.Há os conceitos que geram, há os que são primogénitos, e finalmente os


bastardos. Estes pertencem a essa espécie que escapa às heranças e que não
se reconhece nas juridisções.

CLXXVIII. A lingua coze-se no seu lume e move-se no seu leme.


CLXXIX. Há momentos em que os detalhes são mais importantes que o negócio.

CLXXX. Sem desprazer o teatro do mundo seria de um tédio confrangedor. Por


isso se buscam os trágicos sofrimentos como salada de emoções. Mais do
que espectador, o homem procura ser uma besta que age para teatralizar as
descargas de adrenalina e encenar as canalhices do poder.

CLXXXI. Há um lado pulha nas mutações e de que não devemos descurar.

CLXXXII.Os deuses organizam a sua autoridade, o seu prestígio e a sua acção


através de proibições demasiado evidentes. Um verdadeiro deus organizaria
a sua teia de poder pelo meio de regras icogniscíveis.

CLXXXIII. É difícil escapar quer à hipocrisia da modéstia quer à da glória. Só


na hipocrisia assumida não há excessiva hipocrisia.

CLXXXIV. O vento corre a favor das aparências sinistras.

CLXXXV. O que me agrada no catolicismo post-tridentino é a magnifica


consciência da estrutura hipócrita da igreja (que acaba por ter algo de
extraordináriamente salutar) contrastada com a outra hipocrisia, não-
assumida, higienista e tanática dos protestantismos mais radicais. Há uma
militância pela metáfora, pela carne, pelo rito que é tudo menos «ética», mas
que é mais ética do que a ética e mais forte que a lógica de Deus.

CLXXXVI. A glória vende-se e a excelência corrompe-se. A própria


posteridade, apesar dos carimbos de garantia, é caprichosa. Se as conjunturas
do presente não nos oferecem as mínimas garantias, porque é que as hão de
oferecer as do futuro?

CLXXXVII. Era um devorador do aplauso devido à sua inconsequente


exaltação.

CLXXXVIII. Poucos são os que buscam excelência e muitos os que se entretêm


a espetar facas. Estas desventuras são banais tal como a sua constatação. Mas
as facadas não se espetam na excelência, por mais que a consigam ocultar.

CLXXXIX. Há homens que se enterram nas suas próprias revelações.

CXC. Suspeitamos que cada criatura tem uma sabedoria (ou várias) que a procura e
que se lhe ajusta, e que as sabedorias e remédios para todos são mais
assassinas que os canibais.

CXCI. Disfarçava as virtudes como quem faz um atalho para si mesmo.

CXCII.A necessidade da estrela não é a mesma do camelo.

CXCIII. A maioria das vezes a mais bela das ordens ofende a vista.
CXCIV. Os ornamentos inactivos são ferramentas da espontaneidade.

CXCV. A tirania procura leis para poder respirar.

CXCVI. A opressão não é apenas um jogo de forças social ou político, mas um


estado de ar no peito.

CXCVII. Slogans tristes como suspiros.

CXCVIII. Devemos distinguir as injúrias obscuras das injúrias caras-pálidas.

CXCIX. Os homens saciam-se na desonra e desonram-se na saciedade.

CC. Uma ética decente, por mais vaga que seja, tem que alicerçar-se na exclusão
do máximo de crueldade.

CCI. O reprimido desejo de vingança tornava-o um repugnante tolerante.

CCII. As suas convicções eram opiniões de coreto ou de corista.

CCIII. Ele precepitava-se no perdão. Literalmente: na impostura.

CCIV. A dor tem divinas proporções, mas tem que se aguentar.

CCV. Á medida que ia perdendo inocência ia ganhando ingenuidade.

CCVI. O que a natureza esconde no coração não se consegue colocar debaixo de um


colchão.

CCVII.Usa a incerteza como bengala da sabedoria.

CCVIII. O predador tanto caça na selva como no templo.

CCIX. As obras mais sublimes não têm pudor em mostrar as suas partes traseiras.

CCX. A indignação mutila com garantida rapidez a beleza dos indignados.

CCXI. Os antepassados dissimulam-se na inacessibilidade que lhes dá o tempo.

CCXII.Os afectos são organização crescente que nos afecta suavemente.

CCXIII. A feliz culpa não chega para desculpar as infelizes desculpas.

CCXIV. A pele é um excelente disfarce para uma rameira.

CCXV. As trevas deviam ser de quatro folhas.

CCXVI. Uma confissão só se absolve pela confiânça na confidência.

CCXVII. Desembaraça-te do teu passado como de uma guerra civil.


CCXVIII. Era advogado, não de um diabo, mas de uma tribo deles.

CCXIX. Tinha a essência divina mesmo à sua frente mas era demasiado míope
para a ver.

CCXX. Quando o coração se torna transparente a pele fica mais morena.

CCXXI. Alourava-se nos refugados. Ou na àgua oxigenada? Nem tudo o que luz
é...

CCXXII. Através da dissimulação remanescem os paraísos.

CCXXIII. Mascaramo-nos de libertinos para o prazer de Deus?

CCXXIV. A glória é mais carnal que a posteridade.


O JOGO DO GÉNIO

Os homens tornam-se grandes quando se deixam queimar pelo seu


contentamento.

O jogo de humilhações torna as mentes mais acutilantes.

A modernidade é a maçada da actualidade social.

As acções extremas só são brilhantes à luz do (halo)génio.

A genialidade tem implicitas explicações tão claras que mais ninguém


consegue explicar.

Procura finalidades meteoriticas.

Há reflexões que são fatais ainda mesmo antes de serem reflectidas.

A maioria dos homens sai-se relativamente mal naquilo que se deixou ser
quando se poderia saír muito melhor naquilo que não tive coragem de ser.

A maneira como sou não coincide com as minhas personalidades.

O infinito é uma desculpa para evitar os excessos.

Os génios não conseguem lamber os cús a comissários de exposições


mediocres.

O verdadeiro génio põe com frequência o génio no prego.

As obras compensam a falta de biografia dos génios.

A genialidade herda-se através do pastiche.

O talento tem grandes nádegas, mas pernas demasiado curtas.

A mediocridade corresponde ao anseio dos povos.

As nações procuram espelhar-se nas excepções que mais dela diferem.

Faltou-me o génio onde o tive em excesso.

O génio prefere a astúcia à coragem.

A integridade é o espelho de envergonhadas injustiças.

É a variedade de amores e de humores que nos eleva para lá da fidelidade à


banalidade.
O amor à verdade sobrevive em estátuas hipócritas.

São os pensamentos insensatos que nos tornam poderosos.

Nada tenho nada a declarar excepto a minha simpática estupidez.

O génio é aquele que assimilou o bom senso errado.

Os erros dos génios recaiem na ortografia.

É toda uma época que se prepara para estrangular connosco.

O génio é o lacaio de um subconsciente práticamente vazio.

As opiniões da massa são contrárias às opiniões massivas.

O génio é involuntáriamente original.

As obras mais geniais têm frequentemente òbvias imperfeições.

A principal arma do génio é a bazooka.

O santo é um génio improdutivo ou amordaçado.

A dessemelhança pode tornar-se particularmente tediosa.

As ângustias alheias não geram obras-primas.

Há poucas coisas tão banais quanto a intimidade.

O...(um nome qualquer) era um génio que preferiu ser um idiota de sucesso.

O génio é uma pequena etapa nos designios da natureza.

A afortunada negligência revela uma beleza surpreendente.

A doçura, a sensibilidade e o mau-feitio combinam-se com a maior das


facilidades.

Uma obra-prima fria não me aquece nem me arrefece.

O génio é proporcional ao amor pelo absurdo.

A humanidade é a necessidade de escapar à animalidade. O génio é a


capacidade de integrar a animalidade.

A tirania das opinões leva a limites excêntricos.

A fuga à banalidade ainda é mais banal.


Tememos a morte como se esta fosse uma excentricidade. Duvidamos do
génio como se tratasse de um mistério.

A lucidez é uma variante do sonambulismo.

O pensamento julga-se subversivo e revolucionário, destrutivo e terrível,


porque ainda não aprendeu a desfrutar dos seus limites.

O génio é impiedoso com a propensão para fazer bonito.

Os ritos intelectuais cegam-nos para as vacilações emocionais.

É a singularização dos afectos que torna as novidades dificeis de comunicar.

O génio dispara em rajadas.

Chamamos infinito à atracção obscura e mitológica das ninfas.

O homem comove-se com as suas insuficiências.

As massas consolidão a fraternidade através do rebaixamento e do


ressentimento.

Cada sociedade tem a sua própria saciedade.

O génio só se sacia na insaciedade.

A aparente inutilidade do génio leva ao ostracismo.

O génio suspeita da sua inexistência.

As ideias novas fazem-se com refugos de ideias muito velhas.

Os grandes acontecimentos tornam mesquinhas as pequenas paixões.

As nossas mais estimadas visões são desprezíveis ou inuteis para a grande


maioria das pessoas sensatas.

Um grande homem procura o aplauso hipócrita de si mesmo.

Os porcos são sábios quando lhes dão ouro ou pérolas.

Se um génio raramente reconhece outro génio porque é que o vulgo o há de


reconhecer?

O génio serve para limpar o cú ao orgulho da humanidade.

O génio em carne e osso é muitas vezes intolerável.


O génio é um cheque em branco que não se consegue levantar em nenhum
banco.

Os pensamentos humildes ajudam a humilhar o próximo.

O génio é a fatalidade de alguém se ter evadido do bom senso.

O génio só tem capacidades surpreendentes para as coisas excepcionais.


I SHOP
THEREFORE
I SOY

A elegância é uma arma que torna o terror mais apetecível.

Atrave-te a desfocagens destrutivas.

O espetáculo é o espectro de impotências.

O tempo é o terrorismo que faz rebentar o espaço.

Os resultados antecipam as decepções.

A poliateologia torna as nossas sexualidades mais sagradas.

A revolta é a prova da senilidade dos mais novos.

Antes de mudarmos já estamos a ser mudados.

As essências sempre se transformaram em nada.

As refutações gostam de ser mitológicas.

Toda a ordem é uma desordem demasiado verde.

Nem nós, nem qualquer deus, é responsável pela inocência do


mundo.

Não podemos esperar consolo daquilo que não nos queremos dar.
ORATÓRIAS MENTAIS

O espelho é pródigo em oratórias mentais.

É difícil para o sábio tornar-se homem.

As dificuldades são como nozes que querem ser esmigalhadas pela astúcia.

O corpo faz a edição do acaso.

É preferivel o génio à popularidade.

O que poupa o lobo quer devorar o cordeiro.

A ousadia torna demasiado raras as coisas dificeis.

Devemos contrariar a desilusão acima de qualquer imperativo moral.

A loucura é uma bebedeira involuntária que se parece com má literatura.

O que o tempo cura a razão descura.

A raiva é o melhor remédio para a raiva.

Quem se costuma atrasar nunca se adiantará si mesmo.

A virtude que nos precede é uma ratoeira, a que nos sucede, uma baboseira.

As melhores leis são que se aplicadam ao nada.

Se ter algo é uma ilusão, dar qualquer coisa é uma hipocrisia.

Exalte-se silênciosamente: não seja cínico para com os seus sentimentos.

A emoção é a mãe do rigor. O rigor é o pai do terror.

A justiça supera-se quando se escapa a si mesma

O silêncio só faz sentido se for muda eloquência, isto é, pintura.

Apesar de não haver emenda, mas meros remendos, deve-se reconhecer que o erro está
em toda a parte.

A ignorância é o tempero da sabedoria.

O mais poderoso é o que sabe que o poder está práticamente fora de controle.

Carregar os infortunios alheios desumanisa.


A mente limpida não aprende, nem se reflecte.

Perceitos curtos, exemplos compridos.

A natureza não precisa de ser sábia para seguir o seu curso.

Quem teme insiste no prazer de temer.

A injustiça pode não ser eterna, mas parece.

Os direitos de autor insultam as obras.

O talento nasce do esforço, a graça do desforço.

Os homens estão mais familiarizados com cinzeiros do que com poços.

O saber é tão útil ou inutil quanto a riqueza.

Os escravos da sabedoria funcionam a pilhas... de livros!

As leis ameaçam, a persuasão subjuga.

As proezas com o tempo tornam-se triviais.

A ascese é amante do excesso.

As ideias mais justas são bastardas.

A loucura tem excertos de génio, mas não nos convence.

A franqueza tem várias pontas mas só uma mola.

A perversão tanto pode ser bondosa quanto a bondade perversa.

Todas as oportunidades são boas, mas não sabemos exactamente para quê.

Os deuses falam aos homens através de tradutores duvidosos.

Quem acumula coisas é porque gosta de enumerá-las secretamente.

O génio aplica-se à vida, a loucura à obra.

Os elogios consolam-nos, mas pouco.

A essência das coisas está em dívida para com as coisas.

A intenção é um vício que se confunde com as aparências.

As conclusões são consequência de muita surdez.


O destino arrasta-nos para outros destinos.

A grandeza da mente é a diversidade dos seus desejos.

Limitar a sabedoria é como reduzir uma sopa a àgua e batata.

A vingança é uma companhia que consola mais que a bondade.

A felicidade é a degradação dos queixumes.

A falta de tempo dá-nos tempo para nos queixarmos da falta de tempo.

A adversidade tem encontro marcado com a diversidade.

A solidão é um perliminar do absoluto.

O forte procura o confronto com o mais forte e não perde tempo em espezinhar os
fracos.
TRATACTUS PSICOLOGICUS-AMOROSUS

O autor faz-se através deste tratado


amante, embora um amante difuso,
ficcional, encenando os seus actos, e
fazendo que a arquitectura amorosa
transpire na sua vida, ainda que
transformada, ou se preferirem,
sublimada.

É certo que escrever sobre o amor é um


passo para se ver rodeado de mulheres
à procura de ser compreendidas e
amadas, mas essa tentação de poder e
de desfruto não está na mira do autor,
ao contrário do que se passa com
grande número de romancistas, embora
não condenemos o seu delicioso
oportunismo.

A explicação amorosa é exactamente a


mesma coisa que a explicação artistica.
Amor sine ars nihil. Onde está esc frito
amor poderia estar escrito arte.
1. O Amor é a exuberância de todos corpos. É o jogo de atracções
e repulsas que leva à reprodução e à multiplicação.
2. O Amor foi pensado quer como principio cosmológico, quer
como qualidade divina. Neste tratado o Amor é pensado numa
dimensão menos equívoca. Por isso a uma lógica generalista
preferimos uma psicológica: a geografia amatória na
diversidade das suas cidadelas.
3. O Amor é um conjunto de afectos que um sujeito experimenta
quando se sente intensamente atraído por outros sujeitos.
4. O Amor é essencialmente uma construção subjectivante à qual
se agregam pulsões e sensações cuja origem é sexual, mas que
frequentemente se desviam do seu objectivo inicial para
constituírem uma experiência fragilizante.
5. No Amor o sujeito torna-se mais vulnerável.
6. O amor é o enigma do sexo. Procura a sua finalidade, mas adia-
a.
7. A atracção sexual, assim como a sua prática governa-se pela
simples atracção dos corpos, baseando-se na boa forma, no
desempenho competente das competências e num apetite pelo
aumento de poder e possibilidades que as outras criaturas
possam oferecer.
8. A pura atracção baseia-se na beleza, na força e na saúde. Os
objectos de amor são em geral animais possantes ou
personagens mais poderosos que os outros.
9. Há no entanto objectos de amor mais sofisticados. São casos de
luxo, e as suas regras de atracção, sem se desviarem
totalmente dos modelos biológicos, regem-se por necessidades
mais quiméricas ou pela partilha de interesses e estratégias.
10. A noite torna o amor propício porque um dos motores do
amor é o sono e o medo. A obscuridade nivela a beleza, abre
vulnerabilidades nos corações das criaturas, confunde os
objectos com as fantasmagorias.
11. Na noite o frio é maior e por isso os corpos procuram o
calor dos outros corpos. Os olhos deixam de se concentrar nas
as cores para se dedicarem ao claro-escuro, aos brilhos, aos
pesos e aos volumes. Esta mutação na regulação optica dos
cones e bastonetes retira ligeireza aos objectos, o que
psicológicamente se transforma na ideia de fatalidade. A perca
de visão é compensada por um acrescimo olfactivo que exige
mais proximidade física. Por todas estas razões a química
amorosa encontra um terreno mais propício na nocturnidade.
12. As sensações amorosas diurnas regem-se por uma maior
plasticidade. As cores intensas, os movimentos àgeis, os
perfumes fortes, desempenham um papel de atracção-repulsão.
13. O amor diurno é uma opção estética e é natural que a
primavera e o bom tempo realcem a atractividade das formas.
A excitabilidade provocada pelos perfumes primaveris, a
apetência por um vestuário mais exuberante e a facilidade dos
corpos se movimentarem porque menos sobrecarregados
fazem com que os potênciais amantes se abram uns para os
outros como flores que desabrocham subitamente.
14. Os povos onde há maior calor são em geral mais dados ao
amor e à sexualidade. Nas regiões frias a sexualidade é mais
furtiva e rápida.
15. Os locais de natureza luxuriante e humida convidam à
sexualidade e ao amor. Os locais secos e frios à contemplação e
à transcendência.
PATÉTICA AMOROSA

1. A paixão é um enigma cheio de surpresas num percurso de decepções.

2. «Ter um romance como quem se vê ao espelho.»

3. O amor é um preço demasiado caro a pagar pela sedução.

4. Diluir-se como um grão de mostarda num garam-massala erótico.

5. A mais ténue esperança amorosa pode provocar violentos adultérios.

6. Ser profundamente platónico, mas saber que elas/eles não o são.

7. Saber que a sua paixão se vai diluir até me transformar no seu pastor-alemão, no
seu caniche ou num pussy-cat.

8. O amor tenta o pior para obter o melhor.

9. A paixão é uma vantagem estética sobre as restantes criaturas. Mas é uma


desvantagem prática e ética.

10. O sedutor contabiliza os casos como um ganho, o apaixonado como percas.

11. O amor é uma das formas mais engenhosas de combater o tédio e de perlongar o
tempo.

12. Quem não ama torna-se mais rápidamente obsoleto.

13. A fealdade surge para compensar a estupidez e o desinteresse.

14. A solidão é excelente para adquirir mau carácter.

15. O amor é frequentemente um prelúdio a uma fuga ou a um crime.

16. Dar-se ao luxo de coleccionar paixões.

17. Quem ama à primeira vista sofre de uma invejável miopia mental.

18. Nutriam um pelo outro um profundo amor impiedoso.

19. A anatomia da felicidade não é fácil de descrever.

20. A felicidade torna-nos mesquinhos.

21. Amar é hipotecar-se.

22. O amor verdadeiro é capaz de gerar mais mentiras que o amor falso.
23. O amor é de borla, embora atinja preços exorbitantes.

24. Combinar o procura-te com o procura-a é uma mistura explosiva.

25. A dádiva sem retorno é mais recompensante do que ter que carregá-la aos
ombros.

26. Quem tem várias almas pode amar muitas criaturas ao mesmo tempo.

27. O ciumento deseja o ciume mais do que a si próprio.

28. O amor platónico quer ser traído pelo amor físico. E o físico pelo platónico.

29. É mais frequente o amor entrar pelos olhos do que pelo cu.

30. O infinito não é amor por mais que o amor seja infinito.

31. Quem ama várias pessoas é porque tem uma invulgar capacidade de dádiva.

32. Os amores divinos são uma embriagante recompensa para quem falha nos
amores terrenos.

33. Não falhar no amor é anormal.

34. Para seduzir mostre as suas fraquezas com humor.

35. Como é que uma loucura sagrada se torna uma virtude?

36. A mais sublime forma de amor é feita por correspondência.

37. É mais fácil encontrar amores do que os perder.

38. O ressentimente é um substituto de mau gosto para uma paixão desperdiçada.

39. Põe no amor mais qualquer coisa do que a tua vida.

40. A magia do primeiro amor é parecida com a magia da primeira mãe.

41. A simplicidade de uma emoção é inversamente proporcional à da sua descrição.

42. Resestir ao irresistível para ser irresistível.

43. Entre as ilusões o amor é das mais intensas e variadas.

44. O amor torna-se mais complexo e paradisíaco quando é um exercicio espiritual


intelectualizado.

45. Os beijos podem aprofundar a dor do amor.

46. As feridas de uma paixão demoram tempo a sarar, mas saram.


47. O desejo de se esquecer de si para mais tarde recordar.

48. O amor é uma resposta exótica para a questão da existência.

49. O amor chinês anda em bicos dos pés.

50. O que tu amas não é nem será o que és.

51. Uma boa justificação para amar é a vontade de se metamorfosear.

52. O amor pode divinizar as coisas mais caricatas e desprezíveis.

53. Uma amada é uma deusa, embora não saibamos muito bem porquê.

54. As táticas de guerra amorosas deveriam ser ensinadas na escola.

55. O amor é uma justificação mediocre para as banalidades pretenciosas da poesia.

56. A ausência do ente amado torna as nossas emoções estranhamente elásticas.

57. Sem dissimulação e pudor amoroso o sexo seria banal, informal e


desinteressante.

58. A simulação pode produzir maravilhas amorosas de que a autênticidade é


incapaz.

59. Um só tipo de amor é pouco para uma vida, por mais forte e perfeito que seja.

60. Os julgamentos de amor são mais severos que os dos tribunais.

61. O amor serve para refutar as mais profundas convicções.

62. No amor procuramos a fusão mas acabamos por descobrir as diferenças.

63. A amizade não é remédio receitável para uma separação difícil.

64. A amizade que se transforma em amor tem um défice de curiosidade.

65. A beleza é um vício.

66. Um amante demasiado romantico é mais enfadonho que a rotina de um casal.

67. O amor é um bom veneno para aceitar a morte.

68. Ter amantes torna o casamento mais paradoxal.

69. A reputação precede o sedutor.

70. Há quem procure amantes apenas pelo prazer da clandestinidade.


71. Um exame exaustivo da consciência não deixa o amor em bons lençois.

72. O sexo mais javardo pode tornar belas coisas de que a poesia é incapaz.

73. Os homens que perdem tempo a discutir pormenores de carros são geralmente
maus amantes.

74. A possibilidade de um escandalo torna os desejos mais cintilantes.

75. Um gemido amoroso é mais belo que qualquer sinfonia.

76. O amor começa por ser aceitação, mas só se consolida pela manipulação.

77. A persistência amorosa apenas se deve à hipótese de poder haver prazeres


extremos que ainda estão por vir.

78. A vulgaridade do amor vulgariza a raridade da sabedoria.

79. O sexo é o limiar do canibalismo. Isto explica a ânseadade que nos provoca o ser
amado.
POP-ARISTOTELIS

Livro das Ambulatórias Atribulações Atributivas

(1) A ciência está no número dos bens arrepiantes. Uma ciência é


melhor que outra nem que seja só para fazer inveja.

(2) A ciência que trata da excitabilidade e do acalmamento é um


panejamento mais fecundo dos afectos brutos e abruptos que se
procuram polir em desenvolta arte.

(3) O conhecimento é um propósito da alma, de inquestionável


utilidade para os arremessos retóricos e para a encenação de
complexas autenticidades.

(4) A alma é a animalidade, o acto movente que dá caça a todos os


aspectos e principios morredoros ou supostamente eternos.

(5) Diversos são os principios que dão trela a outros contentamentos


e arreliamentos.

(6) O animal que na sua singularidade se universaliza quer-se um


pouco de tudo e em um tudo um excelso nada. Ele é o que é, nem
anterior nem posterior a qualquer natureza, mas algo que se entrega
à devorante oferta do mundo. Ele é a atenção às desenvoltas
intenções que no mundano ar se confutam.

(7) A acidentalidade forja os modos como encaramos os quês das


coisas, quer através do que nelas lhes é acessório, quer nos afectos
transicionais e nas circunstâncias com que damos de cara com elas.

(8) A forma exaltada com que atiramos com as nossas indagações


levam as suspeitas sobre os quês a diversas pessoas,
desembrulhando os assuntos em equilibradas defenições que se
desejariam assombrosas.

(9) Em qualquer operação a que animadamente nos entregamos são


indistintos os humores do corpo dos da alma, se bem que o corpo
proceda como coordenado exército e alma goste de encenar as suas
diletantes multiplicidades numa desejável diversificação, pois querer
ser é procurar expandir-se nas singularizações das diversidades.

(10) As operações da alma querem-se limpidas nos seus


procedimentos estilisticos e nas finalidades que desenrolam as
intenções. É através de desejos precisos que o corpo as acolhe, e é
numa ginástica coordenada entre os desejos da suposta alma e a
exercitabilidade do corpo que se dá uma purificação essêncial para a
persistência conjugal de ambos.

(11) O intelecto busca espaços nos quais se ancorar, tecendo e


destecendo imagens. O espelho do intelecto é a florida imaginação. A
intelecção pode ser a secagem das fontes, e como tal um espelho
onde se reflectem fantasmas, imprecisões, neblusidades. Mas o
intelecto rigoroso faz belos desenhos.

(12) As defenições procuram a excelência de um momento e a


multiplicação das variantes, quer confirmativas, quer refutativas. O
que é dado é o moldável, o philum, o que adere a esquemas e
designios. Ou como dizia Antiphon o arrythmyon, a disponibilidade do
não-esquematizado. Toda a esquematização está em potência, mas a
potência não existe sem prática, sem «materialização». As formas
engendram as formas, mas as formas que se contentam com a sua
inércia só podem sonhar com a réplica.

(13) A naturalidade é a dupla interface entre as diversas reacções


miméticas (simpatia, antipatia, paródia), as forças diagramáticas (e
as sequências complexas que as geram) e o philum (o não-formatado
aderente, a simpatia da matéria). A animação e a animalidade são a
vertigem de uma demorada interacção. De certa forma, toda a
geometria é um animal voraz.

(14) As explicações não são isentas nem de alegria nem de tristeza,


por mais clássicas, engenhosas ou inexpressivas que pareçam. As
explicações são geradas, têm um subsolo «patético», tendo sido
tecidas num emaranhado de afectos.

(15) Os olhos do passado são predadores. Os renascimentos


procuram vitímas em excitáveis rememoradores.

(...)

(44) As explicações são bestas formatadas por diagramas animados.


O olhar caça o visível. A visão não é nem a afortunada desocultação
(ocultante ou não) de uma natureza demasiado púdica nem uma pura
e galhofeira aparência de uma literalidade irrepreênsível. A visão é
uma selecção e uma caça, ou até mesmo uma intoxicação.

(45) O visivel distingue-se do ainda não visto menos como


esgotamento de possibilidades e mais como uma encarnação
personificadora, uma força metonímica que procura contagiar-se
narrativamente noutras formas e visões. O caracter romanesco da
realidade é a sua não-finalidade. A natureza do romance nega que o
romanesco termine no livro. Cada livro é a sequela do que
determinado livro deixou como propulsão metonímica. É menos a
questão do aberto do que a do abrinte.
(46) Viver dissimula-se em vários modos: crescer, sentir, fingir,
aperceber, criar, adorar, embriagar, ocultar, rir, chorar. É a
inadaptação ao lugar que faz a intiligência. São as estratégias de
simpatia ou de rejeição do lugar que determinam as nossas
competências e incompetências.

(47) A alma incita o corpo quer à diferença quer à indeterminação.


Põe-no a jogar em todas as posições – alerta-o para os contrataques e
para os perigosos movimentos na rectaguarda.

(48) A animalidade é predominantemente voracidade, graça e toque.

(49) A alma gosta de se entregar aos espaços numa confutação


amorosa – a intiligência é quase sempre uma intiligência de lugar e
posição. Os seus méritos são miméticos e sequênciais.

(50) A alma usa uma série de personas para passar à acção: a


deambulativa, a sentimentalona, a mimética e a intelectiva.

(51) Há nas plantas uma alma pública com erecções privadas.

(52) A conectividade entre todas as personas da alma é indispensável


para aumentar as suas potências. Mesmo as zonas mais abstractas
são corruptíveis. O intelecto só adquire um movimento perpétuo se se
mover, sentir e establecer interfaces metamórficas com os espaços à
disposição.

(53) Inclinamo-nos nos avatares da ciência, nas predações da alma –


buscamos uma saúde mais exuberante para que seja transpirada pelo
corpo.

(54) A acidentalidade é a vontade de actualização das essências. A


criação de novos objectos encaminha transicionalmente a de
determinadas essências. A natureza do canapé ou do sofá não é a
mesma da cadeira, é uma gradação entre cadeira, cama e
eventualmente outra coisa. A criação de novas espécies animais e
vegetais supõe atributos acidentais que se tornam defenitivos. Será
que se pode dizer o mesmo do mundo – entendê-lo como genérica
acidentalidade é enunciar o que nele e na acidentalidade há de mais
universal?

(55) Os actos das coisas são a sua inclinação substanciando-se.

(56) As capacidades são reconhecidas pela ingerência actuante. A


função dos actos é actualizar os objectos nos objectos.

(57) A mais natural das operações é a de aprimoramento dos


apetites, isto é, aumentar a exuberância das formas e entranhar-lhe
uma apetência metamórfica – mantê-las numa tensão aberta para
novas gestações, quer internas, quer externas. A ideia de perfeição é
menos a de acabamento e mais a de processamento – work in
progress. Espontaneidade que procura a divindade e a imortalidade
nas extremidades do caduco.

(58) O corruptível é a desentificação e a acção desconcertada. A


perca de identidade (mesmo sendo uma identidade multipla) de
qualquer agente diminui as suas capacidades regeneradoras. Há
agentes que sobrevivem perpetuando-se pela reprodutibilidade, por
mais que sejam rápidamente corruptiveis. A reprodução no quase
identico é a espécie.

(59) A ciência determina o seu rigor criando universais onde possa


arrumar a confusão mundana.

(60) Os universais imprimem-se na alma como uma força


diagramática que flutua com um determinado poder quer na
enunciação do mundo quer na sua manipulação.

(61) A alma gostaria de ser mais autonoma nas suas andanças, mas o
que a enriquece é a interface entre a sua autonomia volitiva e a
vulnerabilidade perante as coisas e as ocasiões.

(62) A sensibilidade afina-se como progressão da sua combinatória


interna e como digestão do acidental.

(63) Há uma sensibilidade genérica que é partilhável e comunicável e


há uma sensibilidade mais particular e intransmissivel. A linguagem
tenta traduzir o incomunicável das singularidades em termos de
sensibilidade genérica.

(64) O sensibilidade genérica distribui-se em três pares modais: a


elevação/rebaixamento, o repouso/movimento, a geometria/informe.

(65) Há nove sentidos: a vista, o ouvido, o odor, o tocar, o execrar, o


sublimar, o sexuar, o provar, o regorgitar.

(66) A sensibilidade não se engana a si própria mas pode induzir a


erros a sua intelecção e o modo de lidar com os seus problemas.

(67) A cor é a visibilidade inconstante, propriedade das


complexidades da luz e da refracção do momento. A côr é o
antegosto do paraíso.

(68) A luz é a substância que constitui todos os corpos. A tendencia


da luz para a inércia é o obscurecimento. A luz continua a banhar
tudo, mesmo na sua lentidão.

(69) Dois corpos não podem ocupar em simultaneo o mesmo lugar,


mas podem cohabitar determinadas àreas.
(70) A iluminação não se produz de maneira sucessiva e no tempo,
mas produz-se no momento.

(71) O obscurecimento é uma elisão da luz. As trevas estão grávidas


de iluminações.

(72) A cor é a luz dividida, dispersa. As cores, na sua intensidade


remetem para a intensidade da luz – quer na sua insuportável
magnitude, quer no doce clamor com que a luz se dissimula nas
ténebras.

(73) A sensibilidade procura a intensidade para saír fora de si. O


sentido do fora não é enunciável nem inteligível – é o extase.

(74) O som é resultante da vib-ratio original, de um tremendo clamor


genésico, cuja ressonancia e ecoamento parece despontar na
vontade dos objectos e os animais persistirem em esfregar objectos
sonoros com ou sem violência.

(75) O eco é um som que continua em diminuendo parte de outro


som. Temos que pensar que o mundo é a variação em pianíssimo de
sucessivos ecos, já de si variações de um chamamento temível que
roça com o mundo – variações de variações em busca de novas
variações.

(76) A voz é um som que se procurou desembaraçar de um corpo.

(77) A voz é o que se solta através do ar das nossas zonas vocais na


garganta destilando um prazer que se compraz em jogos e inflexões
musicais que procuram emocionar e através da emoção significar em
outros.

(78) Nenhuma coisa consegue ser alheia às vozes, mesmo que seja
surda.

(79) As línguas empurram os ecos que vegetam musicalmente no


mundo para operações de significação particular ou para operações
sentimentais. Toda a lingua é babel no seu enfase de particularizar,
de preencher os requesitos e particularidades de espaços e
momentos.

(80) O homem compraz-se em sentir imperfeitamente – muitos dos


seus sentidos são inferiores aos de outros animais, mas não a forma
como recicla e reelabora o que lhe é dado por esses sentidos.

(81) Há três variedades de causas: a causa esquemática, a causa


estratégica e causa directa. A primeira actua sobre as determinações
morfológicas, a segunda establece sequências de oportunidade, a
terceira entra de rompante na matéria e é por isso a mais eristica de
todas e a mais observável.
(82) A estratégia implica a duplicidade de procurar um fim em parte
desejado, mas também a gestão do adiar esse fim, uma vez que a
finalidade alcançada implica a morte da estratégia. A graça é a
estratégia para além do fim – como o messianismo para além do
messias.

(83) O ordem da fala alimenta-se da desordem das impressões que


em seu redor flutuam. Por isso os mestres de retórica buscam locais
ordenados para alicerçar os seus discursos improvisados.

(84) A alma vegeta nas suas apetências: consumidora, aumentativa,


regenerativa e reprodutiva.

(85) As bocas dos animais são como famintas raízes que tentam
devorar tudo que é apetecível ao olhar.

(86) A combustão das coisas dá-nos a ideia de que há um limite de


combustiveis apesar da imagem do fogo nos proporcionar a ideia do
infinito, como coisa que se alastra incontroladamente.

(87) A natureza coloca limites que procura transgredir. O ilimitado


não existe senão como hipótese de alastramento dos limites.

(88) A assimilação digestiva apropria o dissemelhente que dilui as


suas qualidades nas qualidades do devorador. A predação tem a sua
justificação morfológica – toda a forma quer engulir outras formas.

(89) A sobrevivência depende da manducação e da assimilação de


multiplas dissemelhanças.

(90) Tudo se gera de si-mesmo contra si-mesmo, conservando-se


graças ao nada.

(91) À partida, o predador e a presa são dissimilares, no fim são


semelhantes.

(92) As criaturas tentam exacerbar a sua potência marcando o


espaço e devorando outras formas, ou pelo contrário, deixam-se
devorar de forma a pertencerem de um modo mais completo à
matéria. A potência exerce-se quer como poder dentro de um espaço
circunscrito, quer como exibição para outros espaços que não
controla.

(98) Homem é o mais excentrico entre todas a bestas.

(99) São mais expeditas as criaturas cujos corpos são elásticos.

(100) Sem humidade e humildade nada pode ser provado. Toda a


prova implica humilhação.
(101) Tocamos nos outros corpos como se uma ligeira palpitação lhes
proporcionasse um incendio neurológico. A pele e a carne parecem
dispositivos elétricos em que cada ponto contagia o resto do corpo.

(102) Os conceitos tentam fazer passar por palavras determinados


estados de sensibilidade extrema, secando-lhes as ambiguidades.

(103) Qualquer sentido é a receptividade a cadeias ambulatórias de


outros sentidos que se dão quer como combinados clichés verbais
quer como dados projectados de imprecisas experiências.

(104) Uma sensibilidade forte corrompe os sentidos mais


fraudulentos.

(105) Os sentidos engendram-se nas pregas da imaginação.

(106) O motor que faz mover o mundo é nú.

(107) O sentido comum é o sentido partilhável e esquematizável que


permite as incontornáveis variações dos sentidos pessoais – o sentido
comum é ,à partida, biológico e político.

(108) O pensamento tenta absolver os homens da sua violência – ou


não passará de um intoxicante ainda mais terrivel que o sabor do
sangue?

(109) Nunca nos limpamos suficientemente quer do erro quer da


ignorância, por mais que nos simplifiquemos nos fundamentos ou nos
eduquemos na etiqueta de ciências plausíveis. A nossa perfeição é
tanto mais perfeita na admissão de desavindas ignorâncias e de
imperfeitas hipóteses do que na maningância de uma snob
excelência.

(110) Pensar melhor, um pouco melhor.

(142) A inteligência procura segurar-se. Uma leve ironia não a deixa


atirar-se ao abismo.

(143) Cada coisa tem a sua forma deformante e a sua materialidade


com ecos imateriais.

(144) A coisidade de um objecto é mais um combustível que anima a


já de si animada alma.

(145) O intelecto procura demonstrar que é simples como garantia da


autenticidade, mas não passa de um composto, uma conectiva
máquina de filtrar estados de sensibilidade e de confusão cognitiva.
(146) O intelecto possível é determinado pelo modos como arruma,
pelas prateleiras cognitivas que se pretendem virgens mas que já
foram desfloradas ainda antes de nascerem.

(147) O nosso intelecto procura entender-se a si mesmo, mas não há


especulação que espelhe efectivamente. O intelecto é uma
voracidade esquemática enamorada dos axiomas e teoremas que
propõe.

(148) A matéria é inseparável da suposta imaterialidade. Inseparável


quer dizer que são o mesmo ser.

(149) A natureza dispersa-se em afãs produtivos, reprodutivos e


destrutivos. Nós somos as criaturas que procuram ter acesso aos
mais delicados mecanismos dessa engrenagem. A inteligência é a
porta aberta para uma compreensão intensa. A inteligência está com
a luz, solicitando a competência farmaceutica das cores. Entenderás a
potência como o paradisiaco que não cessa de ser em acto.

(150) O pensamento que se revela na arte da vida é mais nobre do


que aquele que se deixa subjugar por potências alheias. O
pensamento nobre, e a arte nobre enobrecem a vida.

(151) O intelecto é mortal mas procura perpétuar-se recorrendo a


multiplos registos. Não podemos confundir os registos com o
intelecto.

(152) O intelecto opera com termos polposos – têm demasiados


braços para agarrar as coisas.

(153) Outro dos atributos do intelecto é o de pôr em acção as


diversas analogias e relações como se fossem tribos de afectos.

(160) Todo ser é sensível por mais que seja filtrado pelas comédias do
inteligível.

(161) A alma é, de certa maneira, a implexação do nada e a


implicação rizomática de todas as coisas num complot ontológico.

(162) As ciências interagem umas sobre as outras como linguagens


transgredindo as fronteiras. Nenhuma ciência se traduz
completamente noutra.

(163) Não é a espécie (no sentido «escolástico») que designa a pedra


que está na alma, mas a velocidade de um saber que permite
denominar a pedra como pedra reconhecível. A alma é uma
velocidade que é sensivel a determinadas redes de convenções.

(164) A mão é o orgão que se compraz em manipular os outros


orgãos.
(165) O intelecto organiza, desorganiza e reorganiza as espécies de
acordo com as velocidades da alma.

(166) O apetite, a fome e a gula são os pais da vontade – esta é uma


extensão caprichosa da gestão da fome. A disciplina da inteligência
surge muitas vezes como disciplina de rejeição do apetite – ascese;
isto é, passar fome. Da mesma forma a inteligência é a
superabundância resultante de uma ascese. A inteligência transforma
a vontade, as capacidades perceptivas e até a sensibilidade. Também
se deleita na dificil gestão dos humores, sobretudo da ira e da
concupiscência.

(167) Tal como as sensações e percepções geram equivocos também


os caminhos da consciência podem levar a erros, por mais seguros
que sejam os métodos utilizados.

(168) A natureza nada faz impunemente – cria-nos necessidades


caprichosas e procura-nos viciar na superabundância. Mas em geral a
gestão do mundo, nas suas inumeras localidades, parece quase
perfeita.

(169) Procuramos principios como nucleos estratégicos a partir dos


quais criamos redes de tráfico de sentido que nos dão acesso à
variedade e às regularidades do mundo.

(170) O desejo que nos empurra para as coisas é ético, não no


sentido de um bem «moral» que se opõe ao mal, mas no sentido de
intoxicação voluntária que abre mais diferenças nas diferenças já
assimiladas.

(171) Falar de animalidade é falar de mobilidade, de criaturas


vocacionadas para a acção. E o que é que as faz mover? São motores
vários dos quais o mais evidente é o coração.

(172) O movimento é dado ao animal. Ele dispensa-o em actividades


de manutenção. Mas o homem tem apetites que se estendem bem
para lá das suas necessidades ou da sua segurança. O homem
explora o movimento nos limites da sua própria movimentação. Por
isso a dança é a metáfora de todas as artes, movimento exploratório
por excelência, na apetência do corpo pelo espaço em todas as
variantes posicionais e ritmícas.

(173) A alma começa por ser vegetal, como reacção à relativa


estabilidade do mineral. A animalidade é já um estado de radical
liberdade quer perante a formalidade grosseira do mineral e o
limitado nomadismo do vegetal.

(174) É por necessidade que qualquer animal possui uma voracidade


semiológica – é o que o distingue do in-animal.
(175) Nenhuma animalidade é pura ou simples. É antes contaminada,
conspurcada e complexa.

(176) Os animais apetecem-se uns aos outros através do gostar (e


degustar) e do tocar – os afectos mais imediatos expressam-se
predominantemente nestes dois sentidos. Os outros sentidos
desenvolvem o lúdico, o belo, o conforto e a tranquilidade.

(177) Ver é uma promiscuidade. O olhar acolhe as coisas como uma


oferenda que será devorada pelo fogo dos seus hábitos perceptivos.

(178) Nenhum sentido, por mais universal e abstracto que seja


consegue ausentar radicalmente a animalidade que o engendrou.

(179) A sensibilidade sublime procura alastrar o sentido para lá do


sentido.

(180) O excesso de tangíbilidade corrompe a excelência no animal.


Deveriamos defender o direito ao pudor como algo divino.

(181) Os animais possuem línguas para oscular nos outros os


apetitosos significantes. Comunicar é partilhar as mesmas iguarias
semanticas.
ZERACLITORIS FRAGMENTA

1. É melhor não me darem orelhas mas apenas ao Antro, porque é


do Antro que tudo vem e devem.
2. Não podemos dizer com rigor que o Antro é Um ou Nenhum ou
mesmo que é muitos. Todas essas possibilidades e publicidades
convergem de uma forma labirintica sossobrando noutra forma
labirintica. Pensar é atravessar esses labirintos.
3. É preferível que os homens experimentem o labirinto do que
andarem para aí seguindo hipóteses demasiado abstractas.
4. Embora todas as coisas se transformem com a maior
naturalidade, continuamos a vestir e a despir os nossos
perconceitos como se nos preparassemos para um baile de
máscaras.
5. É no Antro que tentamos segredar os pensamentos que
segregamos.
6. Nenhuma palavra pode abarcar toda a experiência. As palavras
fazem parte dessa experiência. Mas uma parte muito pequena.
7. A variedade da natureza e a desmesura do Universo não se
deixam aprisionar num termo nem numa equação. Há no entanto
palavras que nos excitam para a sua pujança como se quisessem
agarrar tudo ao mesmo tempo: palavras gloriosamente falsas
para intuições fortes. Amamos essas palavras altas assim como
os fragmentos que as envolvem.
8. Aqueles que dormem desconhecem o sono dos que estão
acordados. Aquilo que imaginamos acordados é mais prodigioso
do que os sonhos mais fantásticos.
9. Há um descanso na actividade e há um cansaço no repouso. Só
repousa aquele que aceita o cansaço quer no movimento quer no
repouso.
10. Não nos devemos submeter nem aos imperativos da terra nem à
demagogia dos termos fortes. Podemos continuar a vaguear à
espera de que a natureza nos confidencie algo sábio.
11. Serão sábios os deuses? Se os deuses nos tivessem oferecido a
sabedoria a filosofia não passatria de inutil fofoca. Ou não passa?
12. É a elasticidade inerente às coisas que obriga o mundo a fluir. O
fluir opera segundo determinados modos. É a diversidade dos
modos que procurando-nos faz que a procuremos.
13. O Dia e a Noite são polos que se vão entranhando um no outro.
No Universo inteiro o dia e a noite estão misturados; estrelas cuja
luz se vai dissolvendo no nada; buracos negros que famintos
engolem a luz e a matéria.
14. As coisas oferecem-se em doce prostituição e exaltante
pornografia. O pudor que adivinhamos na natureza é apenas
hesitação. O mundo quer oferecer-se sem reservas, sobretudo
nas suas partes mais baixas. Se fizermos o exame há buracos e
não-buracos.
15. O que vem junto precisa de ser descompactado. A arte comprime
o disperso e descompacta os agregados.
16. Não há unidade nem fragmentação, apenas conectividade e
transformação.
17. Procura a distância na elegância.
18. Se queres ferir alguém sê afinado, se queres aceitar o
desconhecido desafina-te.
19. O que une um organismo está fora das partes. As partes são as
suas patas. Não há nenhum organismo que abarque todos os
organismos.
20. O arabesco é doce e caprichoso no seu movimento, mas trágico
nas entrelinhas.
21. Na elipse, como no círculo, não há extremidades, nem fim ou
começo. No entanto a elipse é o que verga as presenças e
ausências à elasticidade.
22. A harmonia evidente é mais caprichosa e complexa do que o
caos oculto.
23. A obscenidade da natureza é sublimada nos amores aparentes.
24. Harmonia é elasticidade: a tensão e a distensão encenam a sua
força.
25. A fatalidade dos temas é a sua exigência de variação.
26. A fatalidade do inesperado fermenta nas mais sensatas
espectativas.
27. É o inimigo comum que alimenta o amor ao próximo. O homem
combate «biológicamente» contra as outras espécies de forma a
obter supremacia (poder). Quando a espécie não está em perigo,
combate os seus semelhantes. Quando está só combate-se a si
mesmo. Ao vencer-se derrota-se.
28. As àguas do pensamento quando correm nunca voltam a ser
identicas. Mesmo o mesmo pensamento nunca será o mesmo.
Como poderá haver um pensamento que não seja retorcido,
parcial e delicado?
29. És o mendigo cuja familia não o reconhece.
30. O mundo é desapego, não há coisa às quais possas renunciar.
31. O impermanente permanece como uma afectividade insaciável.
32. Os deuses existem como perigosos brinquedos dos homens.
33. Os deuses alimentam-se da devoção.
34. O mundo é como um fogo que se extingue na frieza elástica do
espaço.
35. A novidade é nova ou velha consoante o dia e a predisposição.
36. A vontade de julgar e castigar é filha do tédio.
37. O poder está em toda a parte. A excessiva autarquia é nociva,
mas é preferível cultivar o poder da não-submissão do que reinar
sobre outros. Um rei é prisioneiro dos seus subditos.
38. O obsceno é o pai de todas as leis.
39. Tudo se esconde...dentro de si mesmo!
40. Os nossos sentidos testemunham a vontade de sermos mais do
que eles.
41. A natureza ilusória é preferível à constância da desilusão. Da
mesma forma, um mau testemunho, a Doxa, é superior à inércia
do cepticismo.
42. O melhor trajecto é serpentinante.
43. A privação faz a «normalidade» desejável. A normalidade procura
o excesso. O excesso procura o ainda mais excessivo.
44. Os homens mais perversos são aqueles que estão mais
obcecados com a higiene.
45. Os homens ladram perante o novo.
46. O novo é um roubo e uma farsa. O antigo, tendo sido novo, é uma
acumulação de roubos e farsas.
47. A história, mesmo antes de se repetir, já é uma má parodia
daquilo que vinha acontecendo.
48. As linhas rectas gostariam de usar ligas.
49. O fogo que se acende no altar é o mesmo que incendeia e mata
sem piedade.
50. Somos o modo como respiramos.
51. Se os homens fossem imortais desejariam ardentemente a
mortalidade.
52. Nunca sabes se um morto está bem morto enquanto não
morreres. Se os mortos não estão bem mortos é porque
reclamam a companhia dos vivos.
53. A habilidade costuma levar ao exílio.
54. O bom senso perante cada situação é preferível à melhor
sabedoria generalista.
55. A vida não se resume à mutação de contrários ou a uma
transformação mais complexa de combinados dos mesmos. Há
sempre um terceiro termo à perna.
56. Submete-te à mudança como se esta fosse uma especiaria que
torna tudo mais saboroso.
57. Não há nada de sábio, nominável ou inominável, que esteja
acima dos estados de coisas e que procure um nome que como
uma fantasmagoria as submeta. Deuses, conceitos, palavras,
silêncios... Meras mistificações que procuram substituir-se à
experiência.
58. O sangue e o fogo só lavam as máculas porque são máculas
mais profundas. Só o ar purifica.
59. Os ritos secretos são uma forma discreta dos homens se
familiarizarem com o Obsceno. É o Obsceno que os acalma.
60. Os oráculos indicam uma fatalidade que ainda não está
determinada.
61. As sibilas são porta-vozes dos orgasmos da terra.
62. As almas lubricas são melhores companhias do que as secas.
63. O comportamento depende das imagens que acompanham a
acção.
64. Oikos/anthropodaimon/porneia.
65. Investiguei-me como se não fosse mim mesmo.
66. É mais fácil de extinguir a insolência com humor do que com uma
guerra.
67. Quando confiamos o poder aos outros é porque desconfiamos
das nossas capacidades... ou das deles?
68. Se existissem leis divinas os povos seriam deuses.
69. O homem excepcional dá sentido aos ânseios da maioria.
O LIVRO CINZENTO DE ZINGDONG

1. Não é uma criatura, mas algo malcriado.

2. Tem nomes a mais para uma forma de desistência.

3. Nomes que indicam como se indefenissem

4. Algo que rasteja nas palavras mas que prefere ficar aquém
destas.

5. As palavras curtas tornam as jogadas mais rápidas.

6. Agarra as transições e os buracos negros entre as palavras e os


silêncios.

7. Exprimir exactamente o que não nos apetecia exprimir.

8. Os conhecimentos pequenos esgueiram-se para debaixo dos


grandes aproveitando-se maliciosamente das suas sombras.

9. Os argumentos éticos propiciam crimes oficiais.

10. O ego, assim como o que nos distingue dos demais, não
pretende confundir-se com a vulgaridade da verdade. O que é
mais nosso é uma fibrosa variação.

11. Recusa participar em equipas que não te singularizem. A


tua singularidade é muitas vezes supremamente indistinta.

12. Entrar num estado entre a forma perfeita e cabotina e a


moleza do informe.

13. Alcançar o que se quer formar no informe e o que não


informa nas formas.

14. Uma aliança contra as semelhanças.

15. Não te podes comparar a nenhuma maneira, mas também


não pedes para ser original.

16. Dissimulas, mas não tens nenhum segredo no buxo. É


uma estratégia vital?

17. A natureza é mais estratégica do que essencial.


18. Uma falta de talento para a manipulção e algum faro para
agarrar a ocasião.

19. A sensibilidade é, ao fim e ao cabo, a luxúria numa versão


mais admissível.

20. O amor da sabedoria pode levar a overdoses liturgicas.

21. Porque é que treinas as tuas orelhas se acabas sempre


por ser frito pela piedade?

22. Ter razão é engordar a presunção. A presunção dá-nos a


possibilidade de chegar à condição de presunto.

23. As pessoas gostam de cortar fatias de prazer aos outros.

24. A musicalidade é pouco mais do que o talento


combinatório armadilhado de sons: a especialidade canalha de
dar milho aos melómanos.

25. O amor da sabedoria faz do sábio um actor enervante que


ficaria melhor pendurado num talho.

26. O amor do conhecimento conduz à busca de facas e ao


adiamento das fezes.

27. A confusão é o mundo mesmo quando este cai em si


mesmo.

28. Os homens desonram o prazer repetidamente porque


encontram um prazer mais fácil nos remorsos.

29. Que o jejum afaste das nossas unhas a unidade.

30. Quando te retiras da unidade, sobretudo a mais


negramente interior, o que vem ter contigo é delicioso.

31. Mordiscas os opostos em todas as dentadas.

32. Os jogos de palavras fazem com que as palavras já não


nos apanhem

33. As afirmações e negações convergem nas suas


divergências e divergem nas suas convergências.

34. As coisas obscurecem naquilo que as ilumina.

35. A desordem é uma variante da variação tentacular que


nos sedimenta.
36. As capacidades estão-se nas tintas para os erros de onde
nasceram.

37. Pensamos para simular independência.

38. Gostamos de pendurar limpas semelhanças ao lado de


porcas diferenças.

39. A recusa não é apenas uma a aceitação irónica, mas uma


partida iconoclasta.

40. O funeral do sábio enterra a sua sabedoria.

41. A inação camufla-se de acção.

42. Determinadas habilidades transformam-nos em algo


misterioso e ligeiro.

43. Não estudamos, mas farejamos. A sabedoria vem ter


connosco como uma presa fácil. Chupamos-lhe o tutano em
menos de um fósforo.

44. A sabedoria afina-se na sua refutação. A sabedoria refina-


se na masturbação.

45. O acaso atrai muitas necessidades mas não se contenta


com nenhuma.

46. Garantimos uma quietude com muito movimento. É a


imobilidade que transforma a transformação?

47. A alegria é preferível à beatitude. Um sábio triste ou mais-


ou-menos apático destila sabedoria de merda, por mais limpa
que esta seja.

48. Não preciso de seguir um método porque são os métodos


que me seguem.

49. Vejo as distinções como distrações. Ás vezes chegam a


ser prometedoras.

50. Os pensamentos exercitam-se pelo prazer de se


exercitarem. O que faz parte dos atributos irónicos do corpo.

51. A sesta afina o conhecimento das transições.

52. O grande vácuo, ou o supremo vazio é como um grande


peido. Com todo o respeito! Mas na demiurgia sobram
caganitas estelares e planetárias.
53. O mundo auto-organiza-se sem directivas superiores. É na
identificação com esse vácuo peidológico que se dá o extase.

54. Limitado e ilimitado são casos extremos do entreaberto.

55. Há uma pretensão em não deixar pistas ou obras


semelhante à do egocentrico Ling Chung polindo as suas odes.
O tempo, o grande tempo, apagará todos os traços. Somos,
mesmo mortos e desconhecidos, tremendamente interactivos.

56. É complexo, com demasiadas e contraditórias defenições.

57. Há quem procure a boa ou a má reputação. Mas a


aparência não interessa, só a simpatia.

58. Amizade carismática. O carisma dos chefes é como as perucas.

59. Serás um dia autodestruído. Então já não será tarde.

60. A disciplina do desforço torna os esforços talentos ligeiros.


Não te esforces para seres desforçado.

61. Longevidade é criatividade e curiosidade.

62. Não há um momento certo para parar. Nada fica acabado.


A acção mantém-se no inacabado. Há recomeços que
continuam os inacabamentos com outros inacabamentos.

63. Felizes interactores de multiplas acções que se cruzam.

64. A felicidade não nos encontra se a ficarmos aguardando


ou se a procurarmos. É a treta de sempre. Acabamos por
encontrá-la por acaso.

65. O que deve ser feito é o que não deve ser feito, sobretudo
quando parece que é para ser feito.

66. O indeterminado como determinante provoca


gargalhadas. Os produtos da pura indeterminação provocam
bocejos.

67. Concretiza através do não-fazer, mesmo que isso tenhas


que fazer alguma coisa.

68. Toda a perfeição é uma imperfeição amputada e


simplificada.

69. Torna as proezas banais, quase imperceptíveis.

70. Se a arte for superflua o mundo fica equilibrado.


71. Vida fácil, morte retardada.

72. Mentes livre, pensamentos lubrificados.

73. A desonra torna os homens mais nobres mas as suas


vidas mais marginais.

74. As virtudes são estereis, mas se forem bem diversificadas,


fazem um excelente cozido.

75. Sinto uma certa nausea quando vejo a sabedoria a


procurar atingir objectivos.

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