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SANDRA CUREAU, SANDRA AKEMI SHIMADA KISHI INES VIRGINIA PRADO SOARES CLAUDIA MARCIA FREIRE LAGE PAULO AFFONSO LEME MACHADO. Capriruto 10 ‘VALOR DE PaTRIMONIO E SABER Técnico INstrrucIONAL Lia Motta 9:1 Novas concepedes nova abrangéncia das praticas de preservacio~2 Saber técnica cultura institucional na valoragao do patriménio cultural-3 A legitimidade do saber técnico stitucional e outros saberes — 4 Conclusio ~ Referéncias Cabe, com efeito, aos profissionais cientificos da meméria (..), fazer da lute pela democratizagiio da ‘meméria social um dos imperatioos de sua objetividade cientifiea (Le Goff, 1984, p. 47) © amplo entendimento de patriménio adotado a partir do final da década ide 1970 e consagrado na Constituicdo Federal de 1988 sugere algumas reflexdes a respeito do saber técnico nas decisdes sobre o valor de patriménio cultural. © que antes legitimava a atribuicdo deste valor, feita por especialistas em histéria da arte da arquitetura, ganhou contornos mais complexos, requerendo um saber téenico wultidisciplinar e um olhar para a diversidade dos bens de referéncia a identidade, Imem@ria e acdo dos grupos formadores da sociedade brasileira. _ Entende-se aqui opatetdeitneatucial cone ooticodlbsServidores das ‘netituigGes piiblicas dedicadas a preservacao do patriménio cultural, qué produzem ‘conhecimentos especializados para a valoragao dos bens culturais como patriménio. ‘Um saber desenvolvido na lida diéria, quando sao enfrentadas as quéstoes relacionadas » a0 campo da preservacao e se dé a interacdo com o saber de outras instituigdes e de grupos sociais que participam da construc do valor de patriménio. Trata-se de um saber que exige reflexdes criticas ¢ atualizagSes, tendo em vista que o patrimdnio cultural sca até detefmitiadla, que se transforma oS) oa | Saeco et et cpr ao longo do tempo, sujeito a disputas, tensdes e negociacdes, Dispuutas muitas vezes relativas ao proprio saber técnico e as estruturas de comando das instituigdes, por um descompasso com relacao aos referenciais teérico-metodologicos, ou pelo fato de decisdes gerenciais se sobreporem as técnicas ou estas ficarem subordinadas a interesses alheios & logica da preservacao. ‘A preservacao do patriménio de natureza material é foco do presente texto, considerando que, além de ser, como qualquer outro bem, objeto de disputas de repre- sentagoes de identidades e memérias, assim como de pertencimento aos lugares, é, em grande parte, propriedade privada, agravando os conflitos ¢ interesses envolvidos na sua preservacao. Assim, os iméveis e sitios urbanos sao sujeitos a pressées econdmicas da especulacao imobilisria e, também, as necessidades de seu uso e adaptagio a novas fungdes sociais. E também o tipo de bem cultural sobre o qual jé se criou uma tradigao de sua valorizacdo em func&o da excepcionalidade ou de determinadas caracteristicas estéticas de época, que serviram durante anos como referéncia para ‘uma identidade nacional, supostamente homogénea: 0lanos, aipartir de 1957) “@eatiagao de PHAN Nalorizando a arte e arquitetu lonial comorrepresentacae da’ “abrasileirament da cultura trazida de Portugal: Esta seria entao a primeira expresso autenticamente brasileira, nao se limitando a mera importacao de estilos e técnicas da metrdpole.’ Esta atribuicdo de valor estabeleceu padres socialmente imagem do que seja patriménio cultural e constituiu um fjpincorporada 2 inémria Soeial; conforme serd visto adiante, io a compreensdo de outros valores como patriménio, As praticas de preservagéo do patriménio cultural envolvem, portanto, tra- diigoes, interesses privados e coletivos, a interagio com o saber de outras instituicdes, assim como o amplo conceito de patriménio, justificando compartilhar nesta publi- cago de reflexdes presentes no cotidiano das instituigées de preservacao, relativas a atribuicao de valor aos bens culturais e seu tratamento como patriménio. Reflexes que visam, sobretudo, o fortalecimento de politicas piiblicas democraticas e éticas no atendimento aos interesses coletivos da preservacao cultural e de inclusao social. Democriticas e éticas nao apenas pela inclusdo social, mas por se tratar de acoes. que tém suas decisGes fundamentadas, por respeitarem as instancias decisérias ¢ compartilharem escolhas, dando a0 cidadao o direito de questioné-las diante da explicitacdo de suas motivages. 1 Novas concepgdes enova abrangéncia das praticas de preservaciio Desde o final da 2* Guerra Mundial iniciou-se um proceso de valorizacao da cultura de todos os povos,? que levou, paulatinamente, a ampliagao do conceito de patriménio. No Brasil, além do acompanhamento do panorama internacional as transformagdes econémicas, politicas ¢ demandas sociais levaram & atualizacao SS) [Eigued tice Come “a acquietr populr brine (lori) 40 saad do ‘ameleciment’ © da Splenda contrac gucci ast Metopale" (COSTA, T27,p. 0). ‘Maron ft Delp Unters Diets nanos, da ON, ce 985, ge conser clara como ‘um dss fndament' do nomen, sede domes intemacinas rs ded de 1950 1950 Em 17a nogio de ued exiitads i Rese NaS ONU, com »preccspario om s enogeneiago das cults em fanaa padrosari Spada do mans mero, Wor dePeinénioe Saber Tesi nttcon! | 185 re congagrada na Consituicao de 1988. Hoje se entende-como & beng de natuteza miateialeiniateral,toniados individu ec we portadores de teferénvia di identidade, a agao, 1 ROT jores da Sa brasileira’ (Secao TI, = aN SNS tural, associloia ts Outed conceitos peices “ie , tornam os trabalhos de valorizagao preservagio do patriménio cultural mais complexos, requerendo novos avangos das priticas institucionais ena construcao do saber técnico. Segundo Cecilia Londres da Fonseca: (Quando se fala em “referéincias culturais’, se pressupdiem sujeitos para os quais essas referéncias fazem sentido (referéncias para quem?). Essa perspectiva yeio deslocar 0 {foco dos bens ~ que em geral se impdem por sua monumentalidade, por sua riqueza, por seu “peso” material ¢ simbslico — para a dinémica de atribuicdo de sentidos & valores. (2008, p. 83) Embora a construcéo de uma identidade nacional também considerasse “sujeitos”, sendo aqueles que deveriam ser portadores de uma identidadenacional — os sujeitos da “comunidade nacional imaginada” (ANDERSON, 1989, p. 14) — anova perspectiva de referéncia cultural leva em conta atliversidadédos grupos formadorés dia nacao, exigindo outros olharespesquisas ¢ métodos para a atribuicao de valor, aendo como agentes desta aribuigia os grupos interessados, Podiemos dizer que, a partir dos anos setenta, o eixo do problema da preservacio se deslocou de uma esfera eminentemente técnica, para um campo em que a negociacao politica tem reconhecido seu papel. (FONSECA, 2003, p. 88) Sobre o patriménio material, pode-se entender que a referéncia cultural diz, respeito aos processos de construcao das coisas, da ocupagio dos espagose territérios, devendo ser levado ye ‘em conta um ambiente, que nao se constitui apenasem natureza ~ vegetacao, relevo, ros e lagos, fauna e flora ete. — e de um conjunto de construcies, mas sobretudo de lum. processo cultural — ou seja, a maneira como determinados sujeitos ocupam esse s0l6, utilizam e valorizam os recursos existentes, como constroem sua histéria, como produzem edificagdes e objetos, conhecimentos, usos e costumes. (FONSECA, 2003, p.86) O conceito de identidade segundo Sti Hal é "eases ile spouc assenvesidoye mt poucnsompresiids nos acts us pata GEM sepa ROME Hp Ae lon lates arts sbe "aquces ager e eee caret erate ese eee eee ee linguisticasreligiosas.e, acima de tudo, nacionais”, (1995, p.8) Oautorrefere-sea um suteltomodero que reconhece sas miltiplas identidades eas utiliza como forma de se situar no mundo, de se fazer ser reconhecido e se reconhecer como pertencendo aos grupos e higares. Ainda segundo o autor, asidentidades, tornaram-se um fendmeno complexo, desde 1970, quando 0 processo de globalizacio foi acelerado. Embora a globalizagdo nao seja um fen6meno recente, pois a modernidade é “inerentemente 186 | teria sca Seredoa ds oofseimenncawn n MeRComs) globalizante, (..) éem geral consenso que, desde a década de 70, tanto o ritmo quanto 0 escopo da integra¢ao global intensificaram-se bastante, acelerando 0s fluxos e os los entre nagies” (1995, p. 68-69). Esta complexidade ¢ desafiadora para as priticas de preservagio uma vez queo patriménio cultural entendido como referéncia de identidade é fator de incluso, nao apenas pelo seu significado nacional, mas como forma de representar a diversidade local, regional e dos grupos. Assim, a construcio de conhecimento sobre os sitios, iméveis e demais bens materiais, visando a compreensao de seus significados para 0s grupos, representa um dos grandes desafios para a sua preservagao pelo poder lice, doin hgiipe toned 2s coves Westley, ome se definir o valor do patriménio cultural brasileiro, pode ser pensada nas praticas de preservacao usando um autor classico — Matirice!Halbjeaehis (1990). Ele define conceitos fundamentais relativos a meméria, usando a ideia de guemirinygoftivn, inenispiaBodibe de gilgétias: Pee RN Explica que embora a memoria seja uma capacidade humana, ela é sempre coletiva e socialmente construida. Os pensa- mentos so sempre permeados por lembrancas e imagens exteriores, muitas das quais nunca foram vistas ou vividas, mas repassadas por familiares e pessoas do convivio coletivo. Desde a infancia 0 homem é alimentado com informagdes que © antecederam, utilizadas para entender o mundo e intograr-se socialmente. S40 fontes de identificagao que alimentam lembrangas e situam © homem nos grupos & na sociedade. ad Diante disto, o autor estabelece uma divisao entre a memdria coletiow ea memoria social “A iiemérit‘colatica émaisréstrita aps grupos; alimentando-se das lembrangas de familia, das comunidades religiosas, das associagdes corporativas. Ela mantém vivas as tradigdes, 05 comportamentos, as crencas etcA: meiméritt social alimentada por _sohstrgies intencioniais com 0 objetivo de estabelecer uma lembranga comum entre ‘gfUpos sociais que nao necessariamente interajam diretamente, estabelecendo um elo. entre eles. Entre outros exemplos, Halbwachs refere-se ao uso desta meméria para a construgio da identidade nacional, apoiando-se, geralmente, nos “acontecimentos mais importantes que modificaram a vida de uma nagao” (1990, p. 78) para identificar cidadaos que, mesmo distantes, devem sentir-se membros da nagao. A #ibiiria? ieidl'é, portantoymaix‘ebrangente do que dé‘tieviria chletita considerada como um. pensamento auténomo, que transcende os grupos. Ainda segundo Halbwachs, tanto femidria sociaf quanto a coletiva apoiam-se nos guiros socinis da meméria. Estes so quadros que servem como provocagao, para trazer a lembranga temas ou assuntos relativos a uma coletividade. Nesta perspectiva as ages de valorizagao dos bens culturais como patriménio feitas pelo poder publica constituem quadros sociais de meméria, definindo que deve ser lembrado ou pode ser esquecido. : ‘Com base neste entendimento é possivel afirmar que 6iPHAN, a0 longo dos seus primeirosi@0/anids de atuacao;efiga unix quadte Soptaldd ifeminia para se com- preender o valor de patriménio segundo padres baseacios em determinada estética —vidvarte © arquitetufaleoloitial — e na excepcionalidade dos bens culturais.*Superar 6 Sabre ene aspanto ver Chuva (2009) ¢ Mota (200) ‘alr de itntn essere ona | 187 este quadvo foi um enorme desafio que se apresentou a partir das décadas de 1970 |, 1980, talvez. presente ainda hoje, para uma atuacéo mais ampla de preservacao. inalmente, a terceira indicacio constitucional norteadora de patrimSnio cul- tural é a de referéncia a agéo dos diferentes grupos formadores da sociedade brasi- leira, No que diz respeito ao patriménio material esta ideia sugere a atencio a0s_..}— processos sociais de produgao e constante apropriacdo das coisas, conforme citacio anterior de Cecilia Londres da Fonseca, Tanto as obras de arte quanto os iméveis e as cidades sao sujeitos a apropriagées e a ganharem novas significagoes, a0 longo do tempo, que imprimem marcas nos produtos culturais. Para a valorizaao das ‘marcas impressas nos bens culturais foi fundamental a adogao de dois conceitos: monuamento-documento e lugar. Muito emboraa ideia de documento possa ter influenciado a valoracioe trata- _mento dos diversos bens culturais, como por exemplo decisbes sobre a retirada ou ndo de eventuais repinturas em obras de arte,‘ foi a ideia de cidade documento que ganhou importancia no IPHAN na década de 1980. O uso deste conceito buscava possibilitar ‘maior abrangéncia na valorizagao das cidades para o tombamento, assim como novas Ieituras dos sitios j4 tombados. Deveriam ser considerados, além das caracteristicas estéticas, os demais aspects que a forma arquiteténico-urbanistica expressa como vestigios do processo de ocupagao.e transformagao dos sitios, conforme defini Luiz Fernando Franco, em palestra sobre inventérios de sitios histéricos, em 1989. Implicita na nogio de documentoesté a walorizago de uma linguagem prépriado sitio turbano —a linguagem da forma, na qual encontramos expressaoe significados. Os homens socialmente organizados moldam osmaeteriais, dando aeles uma forma que se constitui numa inguagem que pode ser ida einterpretada.E importante lembrar que ST ogio de forma aqui reerida nao se limita iquela que representa um estilo ou uma stein, mas aquela que exprossa toda a série de operagbes que caracteriza a vida do Thomem no seu modo de estar no mundo, Isso incu o tragado urbano, as parcelas de subdivisio dos lotes, a organizagio dos espagos de moradia, 05 volumes edificados, detalhes de oramentagio etc. A forma é-0 resitado dos materia © do tert tatural moldados dante das possbilidadese limites dos homens ao se apropriarem eum espaco e de estruturas preexistentes ao longo do tempo. (PHAN, 2007, p. 146) Esse tipo de trabalho considera a importancia das informagSes contidas nos bens como referéncia de quem os produziue utilizou ao longo do tempo. Apropria-se de concedes da histéria formulada ao longo do século XX, desde a Escola de Analles até a Nova Historia, tendo como referéncia autores como Marc Bloch (s..) ¢ Jacques Le Goff (1984). Uma das transformacoes conceituais foi a nogio de documento. Diferentemente da nogio empregada no século XIX, quando os documentos eram vistos com a expresso de uma verdade, Le Golf refere-se & necessidade da critica 0 documento, pois este nao ¢ inécuo, sendo produto de contextos socials, ea ideia dos documentos serem uma escolha do historiador. F ohistoriador que constréi seus documentos a partir de problemas e questies especificas e sempre presentes. Os documentos nao necessariamente so 0s escritos, mas todas as coisas que possam ser lidas e interpretadas para a construgao da historia. Nesta perspectiva as cidades, os ‘Fema explorado pela bolsista do Programa de Especializagio em Patriménio do IPHAN: Moreira (2011). wo | Science enh tt ttt ‘monumentos ¢ os bens culturais em geral passama serentendidos como documentos, podendo ser lidos (1984, p. 95-105). Lugar é um conceito comumente usado pelos gedgratos e recenteniente pelos historiadores e antropélogos, e vem orientando os trabalhos de preservacio do patriménio material. E 0 caso dos lugares de meméria do historiador, também ident ficado com a corrente da Nova Hist6ria, Pierre Nora (1984). Em resumo, os lugares de ‘memria s8o aqueles que apropriados simbolicamente perdem seu sentido original, passando a representar um valor a eles atribuido. O conceito de lugar também & compreendicio em associacdo com a nocéo de documento, ao ser valorizado pelos vestigios da acdo humana que apresenta. Con- forme diz o antropélogo Anténio Augusto Arantes, lugares io) ‘marcos culturais de pedra e cal, antigas estruturas arquitetdnicas em paisagens urbanas, [que] corporificam contlitos politicos e ideoldgicos mais do que acordos ‘ou, simplesmente, dominacao ou subordinacao. Eles celebram realizagées politicas e estéticas, sempre sujeitas & reelaboragio pela cultura vernacular, conseguida na Juta pela legitimacao de interesses priticos, valores estéticos e visbes de mundo Sio 0 resultado da ago humana, deixados no territério em vestigios .» que transformam “espacos” em “lugares”, isto é, em sitios habitados por pessoas que vivem de formas determinadas e que os consideram como algo que lhes pertence ‘ou no minimo thes diz respeito...(1997, p. 288) Nos dois casos, a condicio para a valorizago dos vestigios da historia como referéncia cultural éleitura dos modos de viver e usar os sitios eas coisas impressas no territério, Implica na produgao de conhecimento e metodologias adequacas, passiveis de identificar a diversidade dos produtores dos bens culturais e os significadios neles cantidos. E um trabalho de carter técnico especializado de construcao de referéncias para 0s grupos sociais, inciuindo-os como agentes da acao de construgao dos bens, situando-os como parte da histéria, como pertencentes aos lugares. Aabrangéncia desses conceitos orientadores das possibilidades de atribuigao de valor de patriménio aos bens culturais aponta para a complexidade das praticas de preservacao.e paraa legitimidade de quem faz.as escolhas do que deve ser protegido. Requer um olhar interdisciplinar e métodos para a producao de um conhecimento muiltiplo e para a leitura da diversidade das caracteristicas e significados sociais contidos nos bens culturais e que possibilite 0 compartilhamento entre os diversos envolvidos e seus saberes. 2 Saber técnico e cultura institucional na valoracao do patriménio cultural Seja o IPHAN, com uma abordagem nacional, ou os érgaos estaduais & municipais com abordagens regionais ou de Ambito local, a preservagio do patri ménio cultural dependerd de estudos para a atribuigdo de valor, que embasem os procedimentos administrativos de limitacao dos direitos de uns em nome das coleti- vidades. Trata-se de escolhas que devem ocorrer por atos discriciondrios de Ambito \todePevinnio saben nttacren! | 189 ‘estritamente técnico. Discricionarios, porque sao atos feitos a partir de discernimento, baseados em trabalhos que devem estabelecer e explicitar 0s critérios de atribuigao de valor, justificando a preservacdo ~ no saber técnico (RABELLO, 2008). valor atribuido no ato da protecio — seja pelo tombamento dos bens méveis, iméveis e seu entorno, ou por meio do uso de outros instruments — seré abasendo apenas para a protegao naquele momento, como também para o acompanhamento do bem. Este inclui a sua fiscalizacao, conservacao, restauracéo e notmatizagao, assim como 0 atendimento das demandas para a execucao de obras de ampliagoes, adaptacdes a novos usos, implantacao de loteamentos e crescimento de gabaritos no caso das Areas urbanas. A revisao, ao longo do tempo, dos valores atribuidos também levaré em conta o momento dessa atribuicao e a evolugao das concepgdes de patriménio cultural. Ou seja, a fundamentacéo do valor e sua explicitacao sao a base de todos os trabalhos de preservacao. ‘A produgao de conhecimento é a base para os procedimentos técnico-admi- nistrativos, com suas etapas e competéncias, que garantem ao cidadao a selegao € preservacdo do patrimOnio cultural mediante métodose critérios elaborados e discu- tidos nas instancias institucionais e seus conselhos, representantes da sociedade civil, e demais encaminhamentos para as autoridades encarregadas de homologar os atos ‘administrativos da tutela ao patriménio cultural. Sao procedimentos que incluem 0 recebimento dos pedidos de protecao ou de intervengdes nos bens, analises técnicas quanto a sua pertinéncia e possibilidade de aprovacao, considerando as concepgies de patriménioe politicas culturais sempre atuais, aelaboracdo de estudos,a discussio dos seus resultados e a mediacao com os interesses sociais. Além do atendimento as demandas sociais, hd, ainda, a competéncia do poder piblico, que nao pode ser negligenciada, de identificar ou rever valores por meio de seus inventirios ¢ estudos tecnicos ‘As instituig6es de preservacio, onde se desenvolvem as praticas cotidianas, $0 lugares privilegiados de elabora¢ao do pensamento sobre o patriménio e sua atua- lizagdo. A lida diaria 6 capaz de alimentar o processo de producao de conhecimento e uma reflexao critica sobre o préprio trabalho institucional. Estas instituicdes nao se limitam, portanto, a ser instancias burocraticas, mas sao lugares onde se inter- nalizam reflexes sobre suas préticas. Capacitam-se, assim, para a construgao ou adogio de novos conceitos, para propor noves métodos de trabalho ¢ instrumentos normativos, necessétios & preservacao. Trata-se de um processo de formagao de cultura institucional, que deve ser considerado, visando 0 respeito & autoridade institucional no cumprimento de seus deveres e competéncias com a preservagao do patriménio brasileiro, ‘O processo paulatino de ampliago das concepgdes de patrimanio no Brasil teve inicio muito cedo pela interpretacao da nogao de vizinhanga e visibilidade dos bens iméveis tombados, descrito no artigo 18 do Decreto-Lei n® 25 de 1937 (DL n° 25/37). Embora este determinasse que “sem prévia autorizacéo do Sexvigo do Patrimonio Hist6rico e Artistico Nacional, nao se poder, na vizinhanga da coisa tombada, fazer construgio que lhe impeca ou reduza a visibilidade”, o entendimentona prética nao se ateve a ideia de impedimento fisico. Jé nos anos 1940, o IPHAN enfrentou muitos problemas para a preservagao da vizinhanca do Outeiro da Gloria, no Rio de Janeiro. O embate com proprietérios 3 190 | Se SA tr th Vi ne sa Ct rc rig Cant de terrenos na area se prolongou por varias décadas, envolvendo a abertura de pelo sadn aaiGs Processosjuiciais. O mais significativo resultou na demoligdo de quatro iudares de um prédio em construczo, sem a devida lienca do IPHAN. Este peecosno {oi instaurado em 1949 e ficou conhecido como 0 caso de Edificio Torroséley antigo Edifico Memphos, Sobre o caso, o Ministro Joao José de Queirds consideroxe Q-conceito de visibilidade para fins da proteéo legal dispensada 8s coisas de valor Peterico eatisticonBo se limita a simples percepsio tia Determinads obra pode permit a visdo fisca, em nada.a reduzindo, no sentido material, quanto to bom {imbado, Esse, entretanto, embora continuanda fisicamente visivel, poderd vit a oot Sttemente prejudicado por construsio que se faa em sua vizinhanga, quer cone ‘egutado da comparasio entre as respectivas dimens&es, quet por prejudivar & wove Stiticio,o conjunto paisagistico que emoldura tradicionalimente whem tombado, Neg ‘Seo. A propria diferenga de estos arquitetnicos, quebrando aharmonia de conjunto eee antivel 4 obra de arte integrada no espago urbano, poder no sentido legal, Setuzica “visibilidade” da coisa protegida. Esse 0 espiritodo artigo 18 do Decree 25. (Queitds apud LIMA, s.d.) A ideia de que visibilidade “nao se limita & simples percepgo 6tica”, foi A.sua delimitacao e parametros de ocupagio do solo, necessérios ao controlede eteg Hansformasdes,requerem 0 desenvolvimento de estidostéenicos. Trata-se, também da atribuigSo de valor a um sitio tendo em vista sua relagao com o bem tombado, ‘nao bastando aferir a reducio da visibilidade. 4 sea de excepcionalidade do patrimdnio foi ampliada ao longo dos anos, dle preservacéo, tendo em vista as consequéncias da industralizagie ne Brasil, acentuada nos anos 50, que vinha pressionando transformagdes nas cidades histé, Ticas tombadas e nos centros das cidades maiores, onde ha grande niamero de bene [(ombados individualmente. A Instituigéo buscou o apoio da UNESCO para tepensor gpreservacio no Brasil. Entre os consultores da UNESCO que visitaram oPais estava hel Parent, com a missio de apoiar uma avaliagio sabre a "protegdo e welort Zasfo do patriménio cultural brasileiro no ambito do desenvolvimento turistico €econdmico”, que deu nome ao seu Relatério de Missio, de 1968. Entre os temas traados,oconsultorrefere-se “dupa relasio, quantitativaequaltatva” do potencial Patriménio brasileiro, pelo fato de possuir simultaneamente um “espace naturel fo riya lugares espetaculares e em espécies” e “uma vida cultural vigorosa e com, plexa nascida da confluéncia histécica de tréscomrentes: América indigens, Europa latina e Africa negra” (2008, p43) Ressalta a importancia do turismo cme face desenvolvimento, considerafdo ser este um “Alibi” para. salvaguarda do pattimdnio, cultural, masse preocupand com os danos que poderiam ser causados pelo turismo, ‘ode sinnine Saber Teoma | 191 pelo que chama de “efeitos de fachada’ com 0 aumento da degradagao interna” (2008, p, 46), Refere-se deste modo ao potencial de um trabalho mais abrangente ¢ integrado as politicas desenvolvimentistas como forma de sobrevivéncia e as suas dificuldades, Além da ampliagio das ages no terrtério brasileiro um trabalho deste tipo requeria parcerias e planejamento. Vivia-se o contexto desenvolvimentista da ditadura militar, iniciada em 1964, que se pretendia 0 desenvolvimento regional, favorecendo a ampliagio das acbes de preservacio no territrio brasileiro e a associacio do valor de patriménio ao valor econdmico, principalmente para o turismo. Teve inicio, entdo, um processo de des- centralizagao dos trabalhos de preservagio, com a promogio de duas reunides com Governadores, em 1970 ¢ 1971, pelo Ministério de Educagio e Cultura e pelo IPHAN, contando com outras instituigbes federais, resultando na assinatura dos Compro- ‘issos de Brasilia e de Salvador (PHAN, 2000 p. 137 a 146). Estes definiram estra- tégias para o envolvimento dos estados e municipios nos trabalhos de preservacio. Em 1973 foi criado o Programa das Cidades Historicas (PCH), principal motor da agio descentralizada de preservacio, oferecendo recursos federais para os estados € _municfpios que tivessem organizado seus sistemas de preservacio. Foram financiados trabalhios de restauragdes e adaptacio de prédios, asim como planos diretores para as cidades historicas, em diversas regides do Brasil Como parte desse processo, 0 IPHAN passou a lidar, pela primeira vez, com uma rede de agentes e agdes extrainstitucionais e com demandes mais diversificadas, (0s técnicos da Casa, principalmente na qualidade de pareceristas nos procedimentos de aprovacio dos projetos, participaram desta nova politica de preservacio. Outras instituigSes, mais novas criadas a partir deste movimento, também trouxeram novas questées para o campo da preservacao cultural. Estas deveriam conceituar o que seria o valor regional ou local de sua competéncia. No Rio de Janeiro, por exemplo, coma fusio dos antiges estados da Guanabara eRio de Janeiro, em 1975, foi criado o Instituto Estadual do Patriménio Cultural (INEPAC), em substituicéo a0 Departamento do Patriménio Histérico e Artistico do Estado da Guanabara (DPHA), ‘Annova instituicio jé continha em seu nome um conceito mais amplo de patriménio, conforme apontado por Dina Lemer,arquiteta do INEPAC, aoidentificar que a “énfase no patriménio cultural traz consigo significado muito importante ¢ o compromiss0 com uma visao mais ampla da questo cultural e, conseqiientemente, da respon- sabilidade do érgao” (1998, p.81) Observa-se, no entanto, que nas décadas de 1960 e 1970 o valor regional nao chegou a ser conceituado ea ampliacao da acdo de preservacio se deu pela proteca0 debens a semelhanca do que havia sido valorizado desde a déceda de 1930, segundo a imagem da arte e arquitetura colonial e da excepcionalidade, espalhando-se em maior parvela do territério brasileiro. © avango observado foi apenas a inclusio como patriménio de exemplares da arquitetura de caracteristicas ecléticas, antes desprezadas pelo IPHAN? Bowe Programa, crado em 1973, fo inicalmente chamado de Programa Intogrado de Reconstrugio das CGdades do Notdeste sendo amplindo em 1975 pera todo Brasil como Programa das Cidades Histricas ci, «sn afirmagto tem base ns dacos pesuisados para 2 DissertagSo de Mestrado (MOTTA, 200} 3 192 Seen See ha Rn Fine es har La Co) “Metodologicamente os planos diretores desenvolvidos para as cidades histéricas representaram uma mudanca fundamental: a compreensao das areas histéricas dentro de seus contextos urbanos mais amplos, incluindo a aceitacio dos processos hhistéricos pelos quais passavam ea possibilidade de se estabelecer normas de controle das intervengGes urbanas compartilhadas entre o [PHAN e as prefeituras. Mas neste caso, também se identificam poucos avangos praticos para a preservacao das Areas hist6ricas, uma vez que estas constituiam setores especificos dos planos, nos quais ‘undo se determinava normas urbanisticas, deixando-0s sob a responsabilidade das instituigGes de preservagao, ou eram determinadas normas semelhanca daquelas praticadas tradicionalmente pelo IPHAN, buscando a uniformidade de caracteristicas coloniaisignorando-se os vestigios da historia do lugar. Outro problema foi areduzida participacio das prefeituras e comunidades, fazendo com que 0s planos nao fossem adotados pelas municipalidades? No entanto, agui o que importa ¢ a constatacio de um processo ¢ ndo os resultados especificos. Foram ténues 0s avancos, mas motivadores de reflexdes que alguns anos depois apresentaram resultados mais maduros e transformadores das praticas No final da década ¢ 1970 as demandas das comunidades urbanas organi- zadas pela preservagao de suas cidades, aps sofrerem o violento surto de especu- lacao imobiliria, promovido pela politica econémica da ditadura militar, também contribufram para o repensar das praticas de preservacao. As comunidades também reivindicavam o tombamento de iméveis e sitios distintos dos coloniais e excepcionais, exigindo respostas a estas demandas! Neste contexto, em 1979, o refrdo trazido por Aloisio Magalhies quando assumiu a direcdo do IPHAN era: “a sociedade ¢ a melhor guardia de seus bens culturais”. Neste momento a Instituigao iniciou trabalhos de preservacio visando consideraros bens como referéncia das comunidades. Estavam em jogo procedlimentos de compartithamento de valores e, consequentemente, de decis6es sobre o patrimdnio. ‘Tratava-se de interagir com as comunidades, mas sem abrir mao do saber técnica. Por um lado, foram desenvalvidos trabalhos que propunham a vivéncia direta com ‘os grupos sociais, buscando aprender os seus saber e valores e, por outro, foram empregados critérios mais abrangentes de patriménio nos processos de tombamento ‘eadotados métodos visando a revisao dos valores ecritérios de intervengo nos bens ja preservados. Nesta perspectiva, ao longo da década de 1980, o IPHAN desenvolvew trabalhos de natureza interdisciplinar, contando principalmente com arquitetos & historiadores, mas também com cientistas sociais e gedgrafos. Foi quando se adotow 6, 8 referido, conceito de cidade-dacumento e foram estabelecidos métodos de leit dos bens como documentos, para compreensao da histéria dos seus produtores das apropriagées e significados atribuidos aos sitios ao longo do tempo. Com relagao ao tombamento de sitios urbanos, dois casos sio emblemati Laguna, em Santa Catarina, e Cuiab, em Mato Grosso. Ambos estavam bastante co prometidos em sua uniformidadeestilistica do perioxo colonial, contendo construc do século XIX e XX, sendo algumas de altura elevada. O valor atribuide aos das ide *Sobe movimentos soca urbanas ver Boschi (1987) e centros hist6ricos, nos estudos de tombamento, considerou o fato de representarem ‘marcos da conquista do territério brasileiro, denotado pela forma urbana e sua relagao ‘com 0 sitio natural, No caso de Laguna a sua conformacao como documento da historia urbana se deu “pela escolha criteriosa do sitio; pelo papel que o povoado pode desempenhar, em virtude de sua localizagao, no processo de expansao das fronteiras meridionais; e, sobretudo, pela forma urbana” (FRANCO, 1995, p. 9). © papel da | arquitetura na valorizacao destas areas histéricas néo considerou as caracteristicas individuais das edificagdes, mas, conforme parecer sobre Cuiabé, observou «a associagio de cada uma das unidades que, assim relacionadas, contribuem para 2 formacao de uma nova “entidade coletiva’, sendo esse 0 cardter que determina 0 seu valor A questio baisica em relagio A preservagio de centros histricos ¢ a paisagem urbana. Assim, as caracteristicas arquiteténicas contribuem para a leitura do espaco urbano ‘organizado, como uma parcela esse espaco. (CHUVA; SANTOS, 1995, p. 21) ‘A delimitacao da area tombada de Cuiaba se baseou no tragado e calhas ori ginais de ruas, travessas e becos, na homogeneidade predominante de escala, na maior densidade de espécimes arquitet6nicos expressivos e na historicidade da area e de seus equipamentos. Tratava entao da preservagao do sitio histérico, considerando 0 processo de ocupacio do territério que o gerou, endo do conjunto arquiteténico por "meio da observacdo das caracteristicas dos iméveis. Com relagao & adogao de métodos visando a revisio dos valores e critérios | de intervencao nos bens jé tombados, um exemplo é 0 Inventario Nacional de Bens Iméveis em Sitios Urbanos Tombados (INBISU). Este também teve como principio de sua formulacio o conceito cidade-documento, e propunha a produgao de conhecimento ‘como forma de se estabelecer uma aproximacao com as comunidades locais. Além de incluir questionarios que registravam dados socioecondmicos, a visio dos moradores ¢ usuérios sobre qo sitio tombada e os problemas da presecvacio porestes identifiéados, eram desenvolvidas pesquisas sobre ahistéria do ugar ¢levantamentos arquiteténicos e urbanisticos. A produgio e compartilhamento de conhecimento a partir desse tipo de aproximagio do sitio ea definigao de critérios e normas de inter- vvengao para a sua preservacao seriam modos a garantir a legitimidade dos atos de preservacio. Seu embasamento técnico e a promogao de critérios de intervencao nos sitios eram condigio para se exercer o dever-competéncia institucional de preservar © patriménio urbano com autoridade e sem autoritarismo, © projeto-piloto do INBISU foi desenvolvido na cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, a partir do final da década de 1980, inchuindo a pesquisa histérica, levan- tamentos urbanistico-arquiteténicos e as entrevistas com 0s moradores e usuarios, ‘Aaanilise conjunta dos dados resultou no estabelecimento de critérios e normas de preservacao do sitio, com suas justificativas, publicadas em 1994, e veiculadas junto ‘| comunidade, incluindo discussdes puiblicasna Camara dos Vereadores e exposico ‘com painéis apresentando os principios do trabalho. A sua importancia foi aleitura do 193 194 Sci can Sp tosis i rae Ch a ee Gon sitio como um documento, com a identificagao de valores de patriménio nao apenas nna sua arquitetura colonial, mas nos diversos aspectos da forma urbana: 0 parcela~ mento do solo, os becos, os antigos caminhose as dreas de caracteristicas diferenciadas que testemunham a formagio e a evolucao da cidade e a historia de quem ali viveu. Buscou-se, na publicagao e exposicio, explicar as diferentes caracteristicas da cidade como valor relacionado a sua fundagao e a0 seu desenvolvimento, processos no qual as pessoas sio parte fundamenial. Durante a exposicéo foram indmeras as manifestagdes que demonstravam 0 alcance dos resultados e sua veiculacéo para © compartilhamento de critérios de preservagao. Evidentemente as limitagdes a0 direito de propriedade serio muitas vezes objeto de insatisfacao dos proprietarios, ‘mas esclarecimentos, com base em estudos detalhados, demonstram nao apenas as limitagées, mas as possibilidades, assim como o sentido social da preservacao, tendendo a diminuir este tipo de insatisfacao. (trabalho desenvolvidoem Tiradentes também pode ser usado como exemplo da importincia dos processos continuos de atribuicao de valor de patrimOnio e de decisdes gerencias que se sobrepdem as técnicas e as subordinam a interesses alheios logica da preservacao. Anos depois da definigio dos critérios e normas de intervencao na cidade, foi necessério discutir 0 valor de uma area de grandes dimensdes, denominada de Cacheu. Esta se situa na baixada alagadica préxima a0 Rio das Mortes sendo considerada como parte do entomo do sitio tombado. O entomo constituia grande area desocupada ou de ocupacio rarefeita para a qual “9s projetos de edificagdes com mais de dois pavimentos, assim como 0s projetos de desmembramentos ¢ loteamentos” deveriam ser “submetidos a avaliagio do IPHAN”. ‘Assim, os projetos seriam estudados caso a caso, mediante sua apresentacio para aprovacao pela Instituicao (IPHAN, 1994), Em 2004, obra de loteamento irregular no Cacheu, que nao tinha a aprovacao do IPHAN, foi objeto de dentincia ao Ministério Publico Federal de Minas Gerais (PRMG-MPP), por parte dos moradores da cidade. A intervencdo havia sido iniciada pelo aterramento da area, descaracterizando sta feicao natural ainda desocupada e alagadica. O IPHAN, com 0 apoio do Ministério Publico, buscou, entéo, atribuir valot de patriménio ao Cacheu, visando a interrupgao do processo de destruicio em curso, Durante a pesquisa, observou-se que, independentemente de seu inegavel valor ambiental, o principal indicativo para a atribuicao de valor cultural ao sitio era a maneira pela qual a populagao a denominava aquela baixada — Cacheu. Este éonome de uma cidade africana, hoje em territério da Guiné-Bissau, fundada pelos portugueses, em 1588, para o funcionamento de um entreposto de comércio de es- cravos. A cidade africana é considerada por alguns historiadores como o mais impor- tante entreposto de comércio de escravos dos portugueses, £ um lugar marcado por denso sistema de rios, que penetram fundo numa planicie parcialmente imersa em gua grande parte do ano. Aiguns historiadores referem-se a uma etnia afticana com ‘onome de Cacheu. Essas informagies, em associacio com a geomorfologia da baixada alagadica do Cacheu mineiro, em Tiradentes, semelhante ao territério africano, a urna pata dopo de comentriowesrtos acompanhos 2 expsiio,sendo surpreendene a reasto Polva da popula e «forma pela qua se vis retratadoe no extudo de esis enorme. Valor de Pande esate Tenens | 195 configuram um vestigio material da histéria. Conforme descrito na Informagio “Técnica Conjunta do IPHAN/ PRMG-MPF sobre o caso, trata-se de vestigio que suscita muitas perguntas para as quais nao temos ainda respostas. Seria o lugar dos escravos? Quais as praticas que ali lesenvolviam? Lugar de chegada dos negros? ‘Tetia sido um nome dado pelos colonizadores portugueses relacionados a0 comércio deescravos? E a meméria coletva dos tiradentinos que perpetuaesse nome, oferecendo essa informagSo para a historia — importante vestigio da apropriacao da area e de sua relagao com 0 conjunto urban. Uma apropriacio simbolica, que manteve um nome sugestivo vivo na meméria da comunidade, que pode ser referéncia de parte significativa da populagio que ali -viveu e participou da produgio do sitio historico — os escravos. Referéncia cultural representada pelas caracteristicas naturais de drea alagadica, de baixada relacionada com 0 Rio das Mortes, merecedoras de normas adequadas para sua preservacao, Tratou-se de um trabalho de pesquisa que atribuiu valor de patriménio em jélogo com a meméria coletiva. Um tipo de iniciativa que, independentemente de seu resultado final no embate processual, exemplifica a maneira pela qual o saber técnico pode contribuir para a construgao de um patriménio que considere as comunidades, observando as informagies que oferecem, respeitando-os como parte do processo de produgao da meméria dos lugares.” Outro inventirio importante com relagao as novas possibilidades de trabalho foi o Inventario Nacional de Referéncias Culturais (INRC), criadona década de 1990, dedicado aos bens culturais de natureza material e imaterial. Embora este seja pouco ‘usado para o trabalho com os bens materiais, no que diz. respeito & construcdo e permanente revisio de um saber téenico foi fundamental nas reflexdes sobre o valor de patriménio, Trata-se de inventario estruturado a partir da nogdo de referéncia cultural e com base numa visio antropoligica de patriménio, entendendo-o como aquilo que ¢ apropriado e ganha significado para determinada comunidade; deve ser compreendido por meio do estudo dos processos culturais de atribuigao de significados. Além de propor a realizacao de pesquisas em fontes secundarias, para o conhecimento histérico e a delimitagao dos territérios ou bens a serem inventariados, ‘usa metgdologia da pesquisa etnografica para o registro dos valores de referencia dos grupos sociais detentores dos bens culturais.*O método, deste modo, estabelece fa troca entre da saber técnico eo saber popular como forma de identificacao ¢ construgao do valor de patriménio. Trabalha com as quatro categorias — saberes, celebracoes, modos de fazer e lugares — cotejando-as com as nogbes “nativas”, dos valores atribuidos pelos grupos sociais usuarios e produtores dos bens. ‘Acategoria de “lugar”, além de compor os levantamentos durante a realiza¢ao do INRC, conta com Livro de Registro proprio para a sua inscri¢ao como Patrimonio Cultural Brasileiro, segundo o Decreto Federal n®,551, de 4 de agosto de 2000, sendo nova altetnativa para a valorizagio dos sitios onde se concentram @ reproduzem praticas culturais coletivas. ' 330 proceso ainda eid em andamento, podendo se decid com base em outa orientasio institucional "2Roram poucos os INRCs que abordam os bens materials. Um exempio &0 trabalho desenvolvido na Uha Ge Marj no Pah 196 Sse Carn, Sra Ae Shima Kis Vii Pd Soe Cnn Mac Fv Lage (Cord Mais recentemente a dificuldade de viabilizar tombamentos que abrangessem amplos territérios e contemplassem a protegao de bens de natureza material € material neles contidos, levou a publicacao, no Dirio Oficial da Unio, da Portaria n® 127 do IPHAN, de 30 de abril de 2009, para a Chancela da Paisagem Cultural. Esta deve ser valorizada como uma “porgéo peculiar do territ6rio nacional, representativa do processo de interagao do homem com 0 meio natural, a qual a vida e a ciéncia humana imprimiram marcas ou atribvuiram valores”. Deste modo 0 IPHAN buscou alternativa para atender & Convengio da Unesco de 1972, para o patrimSnio mundial, complementada em 1992, que trabalha o conceito de paisagem cultural. Segundo Carlos Fernando Delphin, a Chancela propoe o estabelecimento de pacto entre 0 poder ptiblico, a sociedade civil e a iniciativa privada para definirnormas de uso e gestao da paisagem, tendoem vista sua defesa eculdando para que sua qualidade seja sempre melhorada. Nao é como um tombamento. Quem no cumprir 0s compromissos assumidos em um pacto comum, perder a chancela de valor e qualidade como paisagem cultural brasileira...” E importante ressaltar que um dos motivadores do instrumento da Chancela das Paisagens Culturais foi o trabalho de inventario de conhecimento desenvolvido pelo IPHAN, na regido de imigragao de Santa Catarina, nos anos de 1980 e 1990. Ao abranger os caminhos trilhados pelos imigrantes, ao longo dos quais assentaram suas fazendas, sitios, aldeias e cidades, marcando a paisagem Catarinense, o que se constatou foi a inadequagao do tombamento para uma escala territorial. (Os exemplos citados so poucos diante dos inimeras que estio presentes no cotidiano da preservagdo. Mas oferecem um panorama da constitui¢do da cultura, que situa as instituigdes de preservagao como locus da produgao ¢ transmissio do saber técnico ea sua importancia na legitimagio da atribuicao do valor de patriménio, 3 A legitimidade do saber técnico institucional e outros saberes ‘Mesmo diante da complexidade atual das concepedes que orientam o valor de patriménio, dos novos métados e marcos normativos e legais, este valor é por vezes tratado como se fosse obviedade, diante das tradigGes instituidas pelas praticas de preservacao no Brasil, pelo ja referido guadro social da meméria como referéncia de ppatrimSnio, ou do entendimento de que tudo ¢ patriménio, em fungao da nogio de diversidade estabelecida na Constituigao. Corre-se, diante disso, o risco de subordinar 4a protegio do patriménio as escolhas dos dirigentes no comando das instituigdes, ou aos interesses de politicos, ou ao oportunismo dos eventos como a Copa do Mundo ou as Olimpiadas, ou, ainda, as decisdes do legislativo, neste caso sendo definido por lei, sem o respeito aos procedimentos administrativos e pareceres téenicos dos responsdveis pela preservacao do patriménio, Esta obviedade deve ser matéria de algumas reflexdes, visando fortalecer e ampliar as praticas de preservacéo, sem colocé-las em risco ou vulgarizé-las. "Porial do IPHAN, publicado em 06 de mai de 2008. ‘Wor deems ter Tens ntacnat | 197 Nao se nega, com isso, a importancia da participacdo dos initmeros agentes eciais na protecao do patriménio. Entende-se, no entanto, que a cooperacio entre nstituigdes nao deve suprimir ou substituir competéncias, mas sim, promover 0 alecimento de uma rede/sistema de preservacao. Nada obsta, também, que outras as de preservacio sejam estabelecidas para complementar aquelas de com- ancia dos érgaos dedicadosa preservagao do patrimOnio cultural. Referindo-se a0 trumento do tombamento, Sénia Rabello ressalta que este “nao esgota as formas gais de protecio dos bens culturais, uma vez que a Constituigo ndo determinou formas de protec3o e sim 0 dever do Estado de proteger” (2009, p. 47). Com relacio ao saber das comunidades, muitos tém sido 0s debates, nas varias, -as de conhecimento, sobre a dicotomia entre este saber e 0 saber técnico. Cada ez mais se reconhece a importancia do saber popular. No caso da valorizacao do "patriménio cultural, as referéncias culturais, conforme visto, sao construidas em ‘Gialogo com os grupos sociais — suas memérias coletivas, modos de atribuir sentidos as sas ¢ de se reconhecer nelas, No entanto, isto nao diminui o trabalho técnico, pois ‘é possivel simplificar as praticas de preservacao do patrimOnio, especialmente andio se trata dos bens materiais. A simplificacao tenderé a solugées que poderio plocar os bens em risco. Nao se pode ignorar os interesses em jogo, tanto os econd- ® financeiros, quanto os de representacao e legitimidade de identidades. ___ Epor meio dos métodos de pesquisas e procedimentos administrativos que possivel compartilhar a atribuigao de valor com os grupos sociais. Trata-se de Fauscultar” as comunidades, conforme diz, Cecilia Londres da Fonseca (2003, p. 88), de contribuir com o arsenal administrative e de conhecimentos que as instituigbes patriménio podem oferecer. A preocupacio com a simplificacao se justifica tendo em vista 0 risco de se .ogeneizar procedimentos relativos ao patriménio de natureza imaterial e ma- erial. No caso do patriménio imaterial, a Instrugio Normativa n® 01, de 2009, exige scomprovacao de anuéncia das comunidades para que o IPHAN autorize o uso do "NRC. No caso do patriménio material, a anuéncia prévia pode colocar em risco a gridade do bem. A meméria oral do IPHAN mantém vivo um exemplo de desca- terizagio de intimeros iméveis na cidade de Angra do Reis, no Rio de Janeiro, “eo inicio da década de 1940, quando foi iniciado um estudo de tombamento, pelo quiteto do IPHAN, Paulo Tedim Barreto. Ao interagir com moradores ¢ autori- des locais foi desencadeadio um processo de descaracterizacao da cidade, visando “mpedir 0 tombamento. No final, foram tombados apenas seus bens religiosos e um ‘conjunto de sobrados.* Embora vivendo hoje momento muito diferente, no qual hé maior interesse na _preservacio do patriménio cultural, tanto para aafirmagao de identidades quanto em ‘ancdo de interesses econdmicos, espacialmente para o turismo, ocontlito entre o valor

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