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a av PARTIDO LIBERAL | PORTUGUEZ | x ASSOCIACAS POPULAR PROMOTORA DA EDUCAGAO DO SEXO FEMENINO LISBOA IMPRENSA UNIAO-TYPOGRAPHICA. rua dos Calafates, 118 1858 (DEZENBRO) e PETAL epin abe gr Hits Be eis Ht Piggies car tae aeapes Falhee' ie = peioronna siest+¥ cr engde as Sig GS, Dee BUNS it abe a; Hh YC a de fe Sate mobbictease serphete: Muitos cidadaos de Lisboa pertencentes ds diversas fraccdes do par- tido liberal, movidos por um sentimento de perigo cummum, tendo-se reunido para deliberarem sobre o modo de obviar a esse perigo, que re- putam mais ou menos graye, mais ou menos imminente, mas indubitavel. ~ resolveram constituir uma associagao, que, organisando-se e dilatando-se, possa combatel-o com vantagem. 0 lago principal d’esta associagao con- siste na unidade de idéas e na unidade de esforcos para annullar, sem sair da stricta legalidade, as tentativas de reacco antiliberal, cuja ma- nifestacio mais importante é 0 empenho de transviar a educa¢io popular, entregando-a a congregacdes religiosas, nao sé estrangeiras, mas tambem regidas por principios oppostos as instituigdes liberaes. A associacao, desejando firmar bem a sua bandeira, e habilitar o paiz para a favorecer ow para a condemnar, ordenou que em seu nome se pu- blicasse o presente escripto, onde amplamente se expozessem 0s motivos da sua existencia, ¢ 0 alvo dos seus esforcos. Os acontecimentos de 1848 que agitaram a Europa, deram origem a exaggeracdes @ desconcertos, que, ferindo nao sé os interesses ligados 4 manutencao do passado, 0 que pouco importava, mas tamhem, 0 que era absurdo, os interesses das numerosissimas classes que unicamente veom o-progresso no lento e prudente desenvolvimento das idéas e das institui- codes representativas, produziram temores, que, podendo jwstificar-se a principio, nao tardaram a ultrapassar os limites do justo e a precipitar- se n’um systema de reac¢a%o, que se confundiu com o dos partidos ante- rior e absolutamente adversos 4 liberdade legitima e honesta, procedi- mento nao menos absurdo, que o @aquelles, que se haviam declarado ini- migos da sociedade. got J saa No meio do estampido das revolucdes, das peripecias dos thronos ¢ das gentes, das luctas e das desgracas publicas, algumas nacdes, ancora- das no porto das instituigdes liberaes, e forcejando pacificamente por ob- terem 0 progresso pelos meios que subministra 0 goyerno parlamentar, haviam-se abstido de se associarem ao movimento revolucionario da Eu- ropa, visto que disso no careciam para assegurar os seus destinos futu- ros. Tal fora a Inglaterra, a civilisadora do mundo, esse paiz modelo, essa terra da nobre raga anglo-saxonia, defensora natural dos povos livres me- nos poderosos : taes haviam sido Portugal e a Belgica. Outras, por um ac- cordo generoso entre o soberano e os subditos, souberam tirar da grande agitagao européa s6 as consequencias juslas, é vieram associar-se emfim pa- Cificamente ao gremio das sociedades livres. Tal foi o Piemonte, tio mo- derado nos dias prosperos como tinha sido nobre nos da adversidade, e que a Providencia collocou nos pendores dos Alpes e dos Apeninos como pharol e ultima esperanga da Italia. Ha annos que estas nagoes respondem triumphantemente com a clo- quencia dos factos as accusagdes da reaceio contra a liberdade: ha annos que apontam a povos que se reputavam mais allumiados do que ellas, ¢ que s6 sabemos terem sido ou mais imprudentes ou mais infelizes, a lei moral do futuro, as condigdes impreteriveis de vitalidade para as insti- tuigdes representativas—isto é, a moderacio e a firmeza. Foragidos de todos os paizes, que no seio dellas tem vindo re@linar a cabecga e respirar a atmosphera da liberdade, voltando algum dia 4 patria nao esqueceraio as salutares ligdes que receberam, e amestraram os menos experientes para nao confundirem o desacato do direito com o direito, a revolla com a resistencia legitima, a licenga com a liberdade. Protesto vivo contra a reace%io, a forma da existencia politica d'estas nagoes devia ser-lhe profundamente odiosa. Absorvel-as, affeicgoal-as pelo proprio pensamento, desmentir a sua muda linguagem era para a reaccaio Ff um postulado importante. Na Gra-Bretanha a empreza seria impossivel. Do mar das Hebridas ao canal da Mancha a luz da liberdade que fulgura no ceu da Inglaterra 6 demasiado intensa. A reaccao ficaria deslumbrada passarido além da penumbra do continente. Mas a Gra-Bretanha, physica- mente insulada, podia sel-o moralmente, se Ihe destruissem as affinidades continentaes,que ainda conserva. No Piemonte a reacgao apresentou-se audaz, e a lucta foi renhida; mas 4 firmeza moderada dos poderes constitucionaes tem bastado para a re= premir. Nao evitou a Belgica ser convertida em campo de batalha, posto que 0-partido liberal alevantasse energicamente a luva que se Ihe atirava as faces, A pradeneia, porém, de um monarcha verdadeiramente consti- = tucional, grande pelos dotes da intelligencia, mas ainda maior pela sabe- doria que daa longa experiencia, impediu até agora que 0 fogo nem sem- pre latente se conyertesse em assolador incendio. Portugal nao podia fugir 4 sorte commum. Ha annos que os annuncios da procella assomavam nos horisontes ; que nuvens fugitivas offuscavam os ares. Nio faltou quem o advertisse; mas a advertencia passou desap- percebida. Debalde em publicages assis conhecidas se chamou a attenca do paiz para certas tendencias que se manifestavam: de balde a imprensa periodica mais de uma vez as assignalou tambem. Foi necessario para 0 espirito publico despertar, que s tendencias assustadoras se conver- tessem em actos demasiado positivos e palpaveis, e que, com 0 pretexto de se createm og meios de dirigir melhor a edueacio publica, se fizesse uma grave injustiga 4 moralidade e a intelligencia hacionaes, introdu- zindo-se em Portugal mestras estrangeiras, pertencentes a uma corpora- ¢io do sexo feminino, que, conservando a sua organisagao actual, é in- compatiyel com as leis € instituicdes do paiz. Dreste despertar da attengio publica nasceu esta associacio. Nao foi o pensamento de um ou de alguns homens que a creou. Foi uma idéa que brotara ao Mesmo tempo no cummum dos espiritos: uma d’estas illumi- nacdes subitas que o povo tem as vezes na hora dos grandes perigos. O que se chama de ordinario o instincto do povo nao é senao um racioci- nio; mas raciocinio obvi, simples, claro, accessivel a todos os entendi~ mentos, ¢ irresistivel para a consciencia de todos. A reacgdo ameagava a liberdade, nao sé no presente, mas tambem no futuro; dava um dos pas- sos mais importantes para a conquista, senaio da sociedade que é, ao me- nos da sociedade que ha de ser. E o partido liberal uniu-se ¢ marchou a0 encontro do inimigo no terreno em que elle lhe apresentava 0 com- bate. ‘ De certo que nem todas as pessoas envolvidas nesta deploravel manifes: tagao dos planos reaccionarios podem com justiga ser taxadas de favore- cerem de proposito deliberado os intentos da reaccio. Nao tendo prova- yelmente estudado a, historia dos progressos d’esta na Europa, dos seus esforcos e artificios, dos seus triumphos e dos seus desastres nos ultimos trinta ou quarenta annos, deixaram-se embair pela sua linguagem devota, pelos seus ademanes modestos, pelo seu apparente zelo da moral e da or- dem publica. Ignoravam quantas vezes ella tem soltado rugidos de edlera e de ameaga ; quantas vezes se tem trahido a si propria, e revelado 0 seu intimo pensamento: ignoravam como homens, cujo caracter religioso e austero, @ cuja moderacao de opinides politicas est%io acima de qualquer suspeita, tem julgado 0 partido cujas tendencias esta associagio é destis = nada a combater, ¢ que por toda a parte se manifestam principalmente no desvelado affinco com que esse partido procura apoderar-se dos animos feminis, e de affeicoar aos seus intuitos as geragdes novas. Crémos que eram nobres e puras as intengdes das pessoas sinceramente liberaes, que, sem © saber, sem o querer, ampararam com 0 seu nome, cont a sua holga, e com a sua influencia 0 pensamento da reaccio, ou della se tornaram instrumentos, Mas nem a respeitabilidade do seu caracter as tornaria in- falliveis, ainda em materias nas quaes fossem mais competentes, nem essa respeitabilidade pode obrigar-nos a submetter-lhes 0 nosso alvedrio, a nossa intelligencia e a livre manifestagao das proprias conviccdes. O nosso unico dever para com ellas é uma justiga indulgente: @ nao accusar as suas intencdes, que nao © merecem; nem reputar irremissivel o seu erro, A, essas pessoas s6 pediriamos, quando certos resentimentos infundados chegassem a acalmar, que reflectissem n’um phenomeno que tem diante dos olhos ; que, digamos assim, as rodeia por todos os lados, e que 6 de uma significagio indubitavel e immensa. Depois de terem reflectido, pedir- lhes-hiamos s6mente que seguissem, nfo o que lhes dictasse o peior dos conselheiros, © amor proprio offendido, mas a voz intima de uma honesta consciencia. Existe em Portugal um partido numeroso, dirigido por homens intelli- gentes, que ha winte e cinco annos esta organisado e diseiplinado ; partido moralmente 440 legitimo como © partido liberal, mas que professa franca- mente 6 seu amor -exclusivo ao passado,.e cujos escriptores, usando dos foros de cidadios de um paiz livre, aflirmam ha vinte e cinco annos pe- rante Deus e @ mundo o direito de 0 nao. serem, ou, para melhor dizer, 0 direito de nao se-thes tolerar que o sejam. Na grande questio que agita © paiz, e que nds cremos importar uma grave manifestagao do pensamento reaccionario, ninguem mais do que esse partido tem mostrado zeloardente pela educagao peregrina, e por tanto langado com mais violencia o stygma de incapacidade moral e intellectual sobre as pessoas do sexo feminino nas- cidas nesta terra;que possam dedicar-se ao magisterio. No symbolo da- quelle partido uma adoragao supersticiosa da nacionalidade figurara entre Os seus artigos fundamentaes por vinte cinco annos; ¢ quando, nao esta ou aquella mulher, mas a mulher portugueza, em geral, é vilipendiada, amaldigoada, condemnada na sua capacidade moral e intellectual de mie (porque a educadora,¢, verdadeira mae da infancia que he § confiada), esse partido apaga aquelle artigo fundamental do velho symbolo, e sada a invasio estrangeira! E nao a salida so ; dedlara-aa taboa de salvagio das Hovas geracdes ; n&o-acha’ que. apoderarem-se de orphdos adoptados pela = Pim patria seis mulheres e dois ou tres frades estrangeiros seja um facto insig- nificante ou indifferente. E qué os homens’ eminentes desse partido tem estudlado a historia. No seio delle nao ha uma. voz que se levante para protestar contra a supressio da mais exaggerada sentenga do seu credo ; no ha quem nao marche alegremente ao combate. No meio das profun- das fileiras do lazarismo, ou do jesbitismo, ou do ultramontanismo, ou como quizerem chamar-lhe, os vultos liberaes apenas raramente se descortinam,: perdidos entre a multidao dos combatentes que detestam a liberdade. Se- ria 0 partido que sempre se mostrou to leal, tio francamente, es mao dus vidamos dizel-o, tio nobremente reaccionario, porque pode haver nobreza até no erro e no mal; seria esse partido assaz insensato para fazer sacri- ficios taes, se no estivesse empenhado nisso 0 seu dogma supremo, a reac- io? Valeria pata elle a pena de se agitar, colorico e impaciente, por causa de seis mulheres e dois frades, e de combater com tanto azedume os que repellem essa importagao estrangeira ; elles, os hotnens da nacio- nalidade exaggerada? Se tal faetos no disser nada aos transviados do campo liberal, entio 6 que s6 nos resta deplorar a sua irremediavel ¢e~ gueira. 4 Ha tres sectilos que tambem dois frades de um instituto novo, chamado da companhia de Jesus, entravam sosinhos em Portugal. Um delles aban- donava logo este paiz para atravessar 0 oceano e ir embremhar-se entre as gentilidades da Asia. Ficou 0 outro. Foi 0 que bastou para nucleo de uma agsoviag30, que em breve dominou tudo. A mocidade 6 amiga de novida- des. Mancehos saidos do seio das mais nobres familias, outros nascidos entre 0 povo e entre a burguezia, correram a alistar-se no gremio nas- cenite, a0 passo que os reforeos estrangeiros chegavam pouco a poueo. Vi- nham, dizia-se, moralisar 0 paiz ¢ instruil-o pela religiio. Homens de as- tado conspicuos, a universidade de Coimbra, a parte mais illustrada do sociedade era-Ihes adversa, @ fazia sinistras predicgdes, que o tempo sc encarregou de justificar. O poder estava, porém, nas mos do fanatisme, da hypoerisia, @ sobretudo da imbecilidade intellectual. A liberdade da palavra, a liberdade do pensamenlo escripto, a liberdade da associagao nao existiam. Ponderavam-se 0s fins to uteis do sancto instituto, o bom que tinlia feito fora do paiz, como por toda a parte o acothiam. As reluctan- Gias, estereis porque sem nexo, esmoreceram ¢@ calaram-se. A instituigzo estrangeira venceu, enraizou-se, dilatou-se e dominou. A historia politica social ¢ lifteraria do paiz durante duzentos annos esta ahi para responder aos que perguntarem quaes foram os resultados da influencia incontrasta- yel e incontrastada dos jesuitas. ‘ ‘Este evemplo memoravel ¢ de triste recordagao domestica deve ser inu he til para nos? As apprehens0es actuaes serao menos justificadas do que as, dos homens instruidos, sisudos e experientes do meiado do seculo xv1? Ha quem diga que sim; ha quem pense que a historia serve sé para pasto de uma curiosidade vi; quem supponha que as leis da humanidade nao, si0 sempre as mesmas.; que onde se derem causas identicas nao se haio de repetir os mesmos effeitos. Deploremos a intelligencia dos que assim pen- sam. Dizem-nos que estamos numa época de progresso, e que é impos- sivel retrogradar ; que a publicidade, a discussao, a liberdade.bastam para preservar a sociedade das aggressdes da reaccio ; que 0 espirito das con- gregacoes religiosas é diverso do quo foi; que nao exercerao a perniciosa influencia que exerceram n’outras épocas,, a0 passo que podem ser gran_ demente uteis é illustragio e 4 moralidade. Affirmam-nos que é preciso remocar os antigos instrumentos do religiosidade para os oppor 4 irreligiao. pratica, que’ invadiv as sociedades, e para fortificar o principio christio, unico que péde combater com vantagem os delirios das novas escélas, que poem em questio a propricdade @ a familia, os elementos vitaes da vida civil. A educag%o, dizem-nos, estd fora da esphera dos partidos : -educae e instrui sé por educar e instruir, ¢ nao cureis de saber qual seré © destino politico das novas geragdes. Ensinae-lhes os elementos. da ins- truccdo goral, a religido.e a moral, de, modo que depois se adaptem. a, todas as férmas de governo, a todas as situagdes da sociedade. Diz-se isto, escreve-se, proclama-se. Os que assim falam sio os reac- ciononarios occultos, os transfugas, do campo liberal, e tambem aquelles. que devemos considerar como suas Victimas, os que se deixam illudir pelos sophismas desses homens> de trevas, que nfio tendo a nobre ousadia de déclarar lealmente que abandonaram os seus estandartes, calumniam a li- Derdade para a trahirem sem trahirem os proprios intuitos, ¢ sem sacrifica- yem 0s proventos que thes resultam da'sua supposta permanencia nas filei- ras em que andavam alistados. Comparada com a linguagem destes, a dos reaccionarios puros @ nobre, porque é franca, @ sincera. O, mal, na sua opiniao, no consiste nas aberragdes do liberalismo ; consiste no proprio liberalismo. As doutrinas liberaes conduzem logicamente, forgadamente, bs povos aos desvarios anarchicos, 4 negagio absoluta da ordem social. E preciso restaurar 0 passado nas formas mais absolutas, nas maximas.ex- tremas da igreja e do. estado; expungir todos os axiomas, todas as idéas de progresso civil e politico dos ultimos dez ou doze lustros, todas as ins- tituicGies d’ahi derivadas. Os progressos materiaes deste seculo sto accei- taveis: nada mais. 0 molde social novo cumpre quebral-o, repondo as so- ciedades no antigo, unico em que podem salvar-se. Entre este partido e © nosso esta dicto tudo. Somos radicalmente adver- 2 — Fi sarios. Podemos combater sem mutuamente nos despresarmos; podemos ser mais ou menos violentos na lucta sem que em regra, em principio, nos accusomos de deslealdade. Nao é este partido, que nos obriga a defender esta Associacaio, e a expor na imprensa 0s motivos da sua existencia, a sua indole, 0 pensamento que dirige todos os seus actos. As aceusagoes d’alli yindas serio 0 seu melhor titulo para grangear a confianga do partido sin- ceramente liberal ; porque os dois campos ostio extremados e cireumserip- tos. O que importa é precaver-nos contra 0 mal que lavra nos proprios ar- raiaes ; contra os inimigos que nos querem introduzir nelles como alliados. 0 fim dos nossos esforcos deve ser repellir doutrinas que se vao pedir em- prestadas ds theorias dos adversarios para se nos darem como idéas pro- gressivas; deve ser repellir taes doutrinas principalmente nas suas ap- plicagdes praticas. Dizem-nos que estamos n’uma época de progresso, @ nao podemos re- trogradar; que a publicidade, a discussao, a liberdade hastam para preser- yar a sociedade das agressdes da reacedo. Sio phrases écas, sem valor, nom aleance na questao que deu origem a esta Associacto, porque nao de- terminam nenhum facto especial. De certo que 0 genero humano progride no seculo presente ; porque o progresso é uma condic¢ao impreterivel. da sua existencia: progride neste seculo como progrediu em todos desde a mais remota data. Nem os tempos tormentosos das invasdes dos barbaros deixaram de ser uma época de progresso. Demonstra-o a historia. Mas tem esse grande facto da humanidade impedido que n’um ou n’outro paiz do~ mine a tyrannia depois da liberdade ; que os foros do homem tenham sido despresados; que as nagoes tenham sido individualmente opprimidas, des- moralisadas, barbarisadas, dissolvidas, anniquiladas como entidades politicas? Concluir do progresso constante da civilisagao ‘geral que um povo nao pide retrogradar, © que por tanto no deve premunir-se contra a reacgao que o aggride, 6 aconselhar a0 homem que se nio previna contra as causas ordi- narias da morte, porque a raga humana tem por condigio.a perpetuidade. ‘A liberdade do pensamento, a discussio, a publicidade, as garantias, em gumma, de um paiz livre bastam a defesa da sociedade. Mas entao por- que se acha estranho que pensemos livremente, que discutamos, que nos associemos, que usemos, dentro da stricta legalidade, esses meios. que as instituigdes facultam aos cidadios, para affastarmos um perigo que cre- mos sério e imminente? Porque ainjuria, a colera; a calumnia? Dir-se-hia, qo vér os santos furores, que se alevantam em. regides mais que suspeitas, que os nossos temores nao sao to infundados, as nossas prevengoes tao jnuteis como se affirma, ¢ que 0 perigo é verdadeiro e real. A veaccao- no. pode vencer-nos : cruzemos 0s bragos! Como se julgaria afte o homem, que n’uma praca sitiada, mas defendida por centenares de ca+ nhdes e por uma guarnicdo numerosa e aguerrida, clamasse aos soldados no momento do ataque : «nao assesteis a artilherias nio marcheis para as muralhas; confiae na efficacia dos nossos recursos ; rae OS bragos, por+ que a praca é inexpugnavel. » Este homem nao chegaria a ser reputado traidor : tel-o-hiam apenas por um mentecapto. Dizem-nos que a aggressio ngo existe; que a importacao de um instituto estrangeiro, repugnante pela sua indole, pela sua regra, ds instituigdes do paiz, nao 6 um symploma, e mais do que um symptoma, um acto de reac+ co organisada. Examinemos esse facto em si: procuremos a sua causa. Uma calamidade publica determinou subitamente na capital do reino’a existencia de um grande numero de orphios, que foram perfilhados pela compaixio publica. Sem aquella calamidade esses individuos teriam rece- bido a educacio no seio das suas familias, ou nos estabelecimentos de edu- cacao ji existentes, e a sociedade nao teria visto n’isso um grande mal. Eram os estabelecimentos publicos e privados ja instituidos no reino, ¢ des- tinados 4 educac&o da infancia e da puericia, radicalmente incapazes de preencher 0 seu fim? Onde estao as provas ? Cumpria crear um estabele- cimento de educacto diversamente organisado? Se assim era, as pessoas que tinham dirigido, mantido, protegido parte dos j4 existentes ; 0 parla- mento e 0 governo que mantinham e dirigiam outra parte, todos se ha- viam enganado, ou enganavam o paiz. Em perto de um milhao de muthe- res’ portuguezas, nao havia cinco ou seis que se podessem encarregar da santa ¢ nobre missio de serem as mies adoptivas dos orphios tutelados pela commiseracao publica? A sciencia da educacao inspira-a Deus por me- tade ao coragao da mulher, porque 0 seu destino providencial 6 a mater- nidade: a outra metade dio-Ih’a as tradic¢des domesticas, as recordacdes dos primeiros annos, o ensino dos livros e dos mestres, @ a observacio da so- ciedade. Tinha-se Deus esquecido de nés? A mulher portugueza ignorava porventura esses delicados affectos, essa arte instinctiva, com que o espi- rito femenil attrahe para o bem a infancia desprevenida, ¢ Ihe suavisa as asperezas inevilaveis do primeiro ensind? Dir-se-hia, acaso, que o typo da mulher mie ¢ mestra nao existia em Portugal, ou existia em regides fio elevadas, e por excepcao tio singular, qué deseobrir no paiz quem podesse desempenhar as graves funecdes de educadora, seria um problema insolu- vel? Se assim fosse, a familia nao existiria entre nds senao por excepeao, porque, a primeira © impreterivel qualidade da mae de familia 6 possuir 0 instincto e os dotes de edueadora. Onde se 110 da essa condicao, a fa- milia nfo passa de uma juxta-posicdo de pessoas. Acreditar que esta fosse a nossa situagao ; que poderia ser a situacdo de algum ovo,’ seria presup- elites. por um absurdo, Nao’ se partiu, de cerlo, de similhante hypothese: para a introducgio em Portugal das irmas da idade francezas. E se foi, di- gam-nos que meios se empregaram para verificar a existencia de t40 mons- truoso facto? Foi essa introduceao apenas um capricho, uma puerilidade ? Capricho, leveza pueril, poderia ter-se reputado, se.a indignacdo, manifestada desde logo pelo sentimento nacional ferido, houyera ensinado a prudencia. Mas © sentimento publico s6 despertou coleras indiscretas, e declamagdes apai- xonadas. Isto prova que o facto nfio nascera de irreflexao ; que fora cal- culado, discutido, apreciado, nos seus motivos @ nas suas consequencias. Buscava-se o bem ou o mal; mas buscava-se alguma cousa importante. Po- diam as pessoas que figuravam naquelle empenho nao medir o seu alean- ce ; mas atraz dellas estava de certo quem 0 medisse, e que talvez guar- dasse para si previsdes @ esperangas que nao thes revelava. Nasceria 0 facto do desejo de dar a eonhecer ao paiz systemas, metho dos mais perfeitos de educacao physica e intellectual ? Cremos que se de- vem estudar os systemas de educacio estrangeira, e adoptar aquillo que nelles for verdadeiramente util @ applicavel a Portugal. Mas para isto nem bastam nem servem algumas irmas de caridade franceza: collocadas 4 frente de um asylo-escola. Suppondo que a Franca fosse 0 paiz elassico da peda- gogia, o que ¢ mais que duvidoso (2), seria das escolas normaes de mes- tras que alumnas nossas poderiam.trazer para Portugal os aperfeigoamentos . de que carecessem, ou alumnas dessas escolas vir introduzil-os, nao. num asylo-escola, mas n’uma escola normal. ‘A lei franceza de 45 de margo de 1850, promulgada no meio do terror do socialismo, lei organica do artigo constitucional que proclamaya a li- berdade do ensino, permittiu as congregacbes religiosas 0 magisterio sem a habilitagao das escolas publicas. Queria-se oppor 0 ensino clerical ao do professorado secular, que na eseala inferior tendia, conforme se affirmava, para as idéas socialistas. © titulo de capacidade das irmas da caridade francezas para 0 magiste- yio esti nas prescripcdes dessa Jei de reaceao fundada no medo, pres. eripcbes que, alids, qualificam do mesmo modo 6s individuos de ambos os sexos pertencentes a quaesquer outras congregacodes religiosas. Especial- (1) 0 artigo 48.° da lei de 15 de morgo de 1850, que hoje rege. a instrucgio publica em Franca, prescreve que nes escolas primarias do. sexo femenino se ensinem os trabalhos de agulha, Segundo 0 commentador Rondu, esta disposicdo do lei é uma felis innotacdo, Sai- pamas mestras portuguezas que os logisladores francezes desrobriram em 1850, que as me ninas devem aprender a eoser, a bordar, etc. As irmas da caridade introduizidas em Portus gal em 1958 foram de certo educadas antes de 1850. Saberag ellas fazer wma camisa? Cre mos que ¢ livito perguatal-o. aie mente as irmas da caridade nao tem habilitagio alguma official como edu- eadoras : teem apenas as provisdes geraes da sua regra: mas nem essa re- gra indica systema algum de ensino, nem temos meio nenhum de verificar a bondade dos que seguem, se alguns seguem, a nao ser a auctoridade da congregagao lazarista, @ as vagas affirmativas dos partidarios da educacio clerical. Que’se péde esperar das congregagdes religiosas como instrumentos da educagao? A circular do ministro de instruc¢io publica em Franca, de 19. de agosto de 1880, diz: —« Pelo que respeita 4 creacao de mestras, as es colas normaes e 0s cursos normaes, que existem, tem feito servicos assds positivos para nao se poder duyidar, que os recursos para manter essas es+ colas» sejam facilmente votados;—e 0 commentador da lei de 15 de margo, Rendu, accrescenta: —« A utilidade destas escolas normaes, é tanto mais apreciada quanto 6 certo que em quasi todos os departamentos hha falta de mestras, falta provada pela experiencia diaria,» —O governo, portanto, que procurou entregar quanto fosse possivel a educagio ao clero, appella es- pecialmente para os antigos institutos seculares, e poe nelles a sua espe- ranga de poder subministrar 4 Franga mestras habeis, a0 passo que um dos homens mais competentes na materia nos revela que ellas fallam em quasi todos os districtos administrativos do imperio. Mas que fazem essas vinte ou trinta congregagdes a quem se tiraram todas as restricgdes no ensino, ¢ que devem salvar as geracdes futuras da impia educacdo secu- lar? A-regra de S. Vicente de Paulo nfo excluiu o patriotismo. Enviando. a este paiz inhospito e barbaro seis irmas da caridade habilitadas para educadoras, o geral dos Lazaristas privou a Franca dos seus servicos e trahiu 0 proprio dever senio para com Deus, de certo para com a patria. O que, porém, na realidade a circular do ministro, e as palayras de Mr. Rendu provam é que o progresso da educagiio em intensidade e em exten- sao nao ha-de nem pdéde vir de se entregar o magisterio ds corporagies religiosas, cuja impotencia no meio da liberdade d’ensino que se lhes deus sem garantias sequer para a sociedade, os factos esto demonstrando. Pode ¢ ha-de vir de institutos seculares liberal e fortemente organisados. A civi- lisagio gradual © crescente das sociedades pela educagio popular é uma das primeiras questdes de governo, e nao uma intriga de sacristia. $o ha paizes onde as paixdes politicas a reduzissem a essas dimensoes, deplore- Mos os seus destinos ; mas abstenhamo-nos de os imitar. Assim, considerada pelo lado pedagogico, a introducedo das irmas da ca- ridade francezas nao correspondeu a nenhuma idéa de progresso ; nao sa- tisfez a nenhuma necessidade da educagio popular. Fugir-se-ha d’esta questo suprema para a de simples caridade? Dir-se-ha quo o estabeleci~ = f= ‘nento qué serviu de pertexto 4 introduccao nao ¢ propriamente um ins- tituto de ensino, mas de beneficencia? Todos os absurdos se podem dizer quando se defende uma ruim causa; mas em tal caso porque excluir a mulher portugueza? Porque reputal-a incapaz de carinho, de aceio, de religiao, de moralidade? & licito porém, admittir-se que 0 Asylo entre- gue ao lazarismo seja apenas um abrigo para a indigencia material? As Casas de Asylo sio ossencialmente institutos de educacaio. O mais su- perficial exame da sua indole o esti provando. Se os homens da reac- io ignoram até isso, citar-Ihes-hemos uma auctoridade insuspeita para el- les, a do actual governo francez. O decreto do imperador Napoledo de 21 de marco de 4855 diz: — « As casas de Asylo quer publicas quer livres sao. institutos de educacto », — e a circular de Mr. de Fortoul de 18 de maio do mesmo anno declara-as — « casas de educagao primeiro que tudo. » —De certo nao seriam nem 0 senso commum nem a opinido que prevalece em Franga que auctorisariam os fautores da educagao lazarista a considerar 0 asylo confiado 4s irmas da caridade como um simples instituto de benefi- cencia. Se accusar as mulheres de um paiz em peso de falta de capacidade na- tural para a educacao da infancia equivale.a negar a possibilidade da exis- tencia da familia, e portanto a da sociedade, proposicaio de tal modo ab- surda que por si propria se refuta ; se manifestacdes inequivocas nos pro- yam que a introduceao das irmas da caridade francezas nio foi um acto de capricho ou de inconsideracto ; se nem as doutrinas em os factos re- lativos a tio grave assumpto legitimam aquella importacdo estrangeira no intoresse do progresso do ensino, que resta para a explicar sendo um pensamento de reaccao social, pensamento que se tem, em assumptos ana- logos, manifestado na Belgica e no Piemonte, e que triumpha por outras partes ? Mas 0 que quer esta reaccao? Para onde caminha? Até onde vae? E o sentimento*christio que se pretende avivar, restaurando por elle a mo- ral positiva e pratica ? FE aféamortecida no animo das multiddes, que por um impulso sublime de caridade se lhes quer restituir em toda a sua be- nefica energia, como guia, consolag&o e esperanga, no meio das miserias da vida? Nio @ nada disso. Se 0 fosse, esta Associacio, justamente por- que & composta de liberaes, ‘sinceros, de homens de ordem, de justica ¢ de paz, seria tambem reaccionaria. A reac¢ao é 0 eatholicismo posto ao servico dos interesses mundanos ; é uma parle importante do clero que se deixa assoldadar pelo absolutismo com a esperanca de que fazendo re- troceder os povos até o estado social que precedeu a liberdade, podera um dia recuar ainda mais longe ¢ restabelecer a supremacia clerical sobre o ce poder civil. E por outro lado o absolutismo, que, servindo-se dessa parte do elero, e da poderosa arma da religito, procura restaurar o proprio pre- dominio, persuadido de que,. depois de obtido o triumpho, conterd o seu perigoso alliado pelos mesmos meios que outr’ora empregou para 0 do- Mar, a resistencia energica ds suas pretencOes, e a participagao generosa nos proventos dos abusos, violencias, espoliagdes, e yexames com que por seculos flagellou a humanidade. A reaceao é 0 abraco refalsado de dois poderes que se hostilisaram, que se perseguiram, que alternadamente se esmagaram muitas vezes durante seculos, @ cuja paz nos ultimos tempos era apenas uma tregoa que tacitamente ajustara a corrupeao. O direito di- vino da monarchia absoluta ¢ a supremacia do chefe da egreja sobre os monarehas sio duas idéas que repugnam entre si; que ainda hoje mutua- mente se condemnam na regiao das theorias, como durante sete seculos os seus representantes so tinham amaldicoado, injuriado, despedacado matua- mente, em nome de dois principios contradictorios, que se diziam ambos emanados do ceu. 0 absolutisme eo ultramontanismo, dando um abraco fraternal demittiram a historia. A desgraca aconselhava-lhes a unido, Guar- daram para tempos mais prosperos og odios mutuos, filhos de mutuos aggravos, € no vacuo que lhes deixava nos coragdes aquelle antigo senti- mento, ficou mais 4 larga o rancor contraa liberdade. Na lucta gigante que emprehenderam, para fazer retroceder a torrente impetuosa das geragdes ¢ das idéas, empregam a arte e a dissimulagio onde thes falta a forca; a forca onde a arte ¢ a dissimulagao se escusam. Onde ¢ quando cumpre, o absolutismo prostitue e compromette a monarchia em servico do recente alliado ; 0 ultramontanismo prostitue e compromette a religiaio em vantagem do implacayel adversario de outr’ora. Os defensores do throno absoluto so- mem cuidadosamente debaixo dos degraus delle os procossos, as sentencas, as providencias, as leis, com que, unanimes, os tribunaes catholicos e 0s so- beranos da Europa fulminaram e anniquilaram a sociedade dos. jesuitas, como um gremio de homens corruptos ¢ criminosos: O jeswitismo escon- de nos recessos mais escusos das casas-professas as vastas bibliothecas da litteratura do regicidio, os volumes pulverulentos de Bellarmino, de Sua- res, W@Escobar, de Molina, de Juvenei, de Busenbium, de Lacroix, de Ma- zotta, e dos outros eseriptores dos bons tempos da companhia de Jesus. A santa allianca péde nao ser duradoura, porque as reservas casuisticas estao atraz della; mas 6 intima e forte, Abonam-na os custosos sacrificios feitos pelos dois alliados sobre o altar da concordia. Um homem de estado dos maiores da Europa, 0 maior talvez do seu paiz, cujos destinos dirigin largos annos, ti0 probo e moderado como es criptor, quanto o foi na vida publica, descreveu com rapidos tragos, n’um ee ae livro recentissimo, 0 caracter de reaccao, clerieat e absolutista a que im- piamente foi sacrificado o sentimento religioso que renascia em Franca, «O mal que ainda dura — diz Mr, Guizot—apesar de tantas procellas e de tanta luz vertida, e a guerra declarada por uma porgao considerayel da igreja catholica de Franga 4 sociedade franceza actual, aos seus principios, & sua organisaezio politica e. civil, 4s suas origens e a5 suas vocacves... Em nenhum tempo houve guerra de tal natureza mais desarrazoada ¢ inopportana... O movimento que reconduzia a Franga para 0 christianismo era sincero € mais grave do que parecia... Entregue a si, e-sustentado pela influencia de um clero que sé se preoccupasse de renovar.a f6 ea vida christ, aquelle movimento teria grandes probabilidades de se propagar, e . de restituir 4 religiio o seu legitimo imperio. Mas, em vez de se conseryar nesta alta esphera, muitos membros do clero catholico @ seus eegos par- tidarios desceram a quest0es mundanas, @ mostraram-se mais ardentes em repor no antigo molde a sociedade franceza, como intuito,de restituir 4 igraja a anterior situagio, do que em reformar ¢ dirigir moralmente os espiritos. » (2). Esta sentenca fulminada por uma altissima intelligencia, por um nobre caracter collocado por muitos annos n’uma posic¢ao sem igual para ajuizar com seguranca das: tendencias ¢ fins de todas as parcialidades do seu paiz; esta aflirmativa tremenda de um homem de bem assentado na borda do tumulo, & to verdadeira, como triste para nds os, que, sem inten¢gdes re- servadas amamos 0 catholicismo, como crenga de nossos paes, como reli- gifio unica na constancia e unidade de doutrina, @ cujos dogmas, precisos, indubitaveis, completos, se fem conseryado immutaveis por mais de dez- cito seculos, desde os tempos apostolicos até agora, no meio das heresias, das variagdes, das superstigbes, nascidas hoje para se desmentirem, se al- terarem ou desapparecerem amanhi. O facto descripto pelo grande’ histo- riador da civilisagio repete-se em Portugal. Perverteram-se aqui como li as tendencias christs, que sé manifestaram depois dos graves aconteci- mentos de 1833, para se ir tentando. gradualmente a restauragao de certas formulas sociaes ¢ politicas, de certos abusos escandalosos condemnados e destruidos irrevogavelmente. Faz-se guerra & sociedade portugueza actual, aos seas principios, 4 sua organisacaio Politica e civil, ds suas origens @ as suas vocagdes, Faz-se intervir a religiie em questdes mundanas, e pensi-se mais em repor no antigo molde a sociedade portugueza do, que em reformar @ ditigir moralmente os espiritos, ‘A corrupeso: de uma parte preponderante do clero, a sua participagiio (2) Menioires T. 1 p. 272 (1858). AG mas rapinas, nas violencias, nas extorsdes fiscaes dos antigos tempos, sua devassidaio, 0 seu luxo, e por fim os seus esforcos insensatos a favor do absolutismo, levados até a cooperacao armada, fizeram com que elle se achasse debaixo das ruinas do edificio que a liberdade desmoronou no dia assignalado pela justia de Deus. O partido liberal nto desejava encontrar Jo clero; mas tambem nao perguntou quem tinha ido abrigar a cabeca debaixo do tecto maldito. Cofunndem faci!mente ds espiritos vulgares & idéa com a manifestagio, a doutrina com o homem. O povo confundiu até certo ponto o altar com o ministro, e confundiu-o justamente porque por muitos annos a por¢ao corrupta do clero fizera escudo do altar. O senti- mento religioso esmorecera. A mocidade intelligente ousou entio pedir paz para 0 innocente, perddo para o culpado, respeito para a cruz; Uma parte dos vencedores riram-se, ¢@ todavia a supplica era justa. Incre- dulos, os vencidos sorriram tambem; e todavia a supplica era sincera: Ouviu-a Deus. No de tempos o sentimento christéo dominava no libe- ralismo. A litteratura de quinze annos, e a imprensa periodica d’esta épo- cha ahi esto para responder por nds quando 0 futuro tiver de julgar a reaccio e a liberdade. Os espiritos mais nobres ¢ mais illustrados do par- tido do progresso social comprehendiam, emfim, uma verdade simples; que as paixdes haviam offuseado ; comprehendiam que 0 christianismo e a liberdade eram a descendencia do evangelho; eram dous irmaos que os maus tinham inimisado, e que cumpria reconciliar. De todas as obras do progresso a mais grave, a mais fecunda, a mais civilisadora. era. esta. Mas, incorrigivel aqui, como em Franca, como por toda a parte, 0 velho partido da corrupgao na igreja, que fizera ja uma vez paz com o absolus tismo, porque 0 absolutismo tinha ouro, tinha grandezas, tinha esplendo- res para o saciar, apertou mais energicamente os lagos que o ligavam a elle, Aterrava-o a idéa de que a religido podesse erguer-se pura e illesa do seio das revolucdes sociaes. Rendia pouco uma religiao assim. Correi as publicacdes chamadas religiosas feitas neste paiz ha vinte cinco annos ; vereis que as suas tendencias, as suas manifestagdes de sympathia sao, tal- vez sem excepcdo, para o ultramontanismo, isto é para o despotismo na igreja, e para a monarchia de direito divino, isto 6 para o despotismo na sociedade. Excluem-se os dois principios em theoria ; excluiram-se por seculos nos factos: mas que importa isso aos grandes incredulos chama« dos os defensores da religito ? Se gosarem dois dias neste mundo, que thes importam os males futuros dos poyos ? Que lhes importa que d’aqui a cem annos a thiara role no lado aos pés do throno dos reis, ou que as coroas se reyolvam no pé aos pés do solio pontifical ? Dahi veio a guerra implacavel e tenaz feita 4 liberdade. Onde esta se sai RM alebilitou pelo excesso ‘iemporario de vida, até degenerar em licenca.e em ameaca'a sociedade, a reaccdo, que fora até entao vencida, venceu a final. £ tio completamente venceu, que ja nos horisontes apparecem, como con- sequencias inevitaveis dessa yictoria, os primeiros signaes da lucta entre 0 sacerdocio e 0 imperio, ow antes entre os dois despotismos, que por forga da propria indole sao obrigados a aggredir-se desde que se equilibram, Nos paizes onde a liberdade é forte, porque é moderada, como na Belgica, no Piemonte e em Portagal, 0 definitive triumpho sera mais dificil para ella, se 0 partido: liberal, sejam quaes foram as suas dissensdes intestinas, nao cair nas exaggeragdes politicas, ¢ se conservar unido em frente do movimento reaccionario. 4 ‘ Por muito tempo foi este appreciado mal, porque as suas manifestagdes eram desconnexas, intermittentes. Appareceram, desappareceram, renoya- ram-se certas imitagdes peregrinas, certas confrarias e associagdes do sexo feminino, nas quaes um singular perfume de mysticismo se accommoda aos habitos. o costumes luxuarios que dia opulencia. A devocao é abi diversio de certas classes, a quem o ber¢o owa fortuna habilitaram para se esquivarem dura comminacio do trabalho imposta no Génesis. Publicagbes devotas e quasi romanticas, traduzidas do francez, ¢ onde nem.sempre a pureza seyera da crenca catholica é respeitada, feitas com a elegancia typographica dos prelos francezes vieram expulsar do mercado aristocratico 0 antigo liyro de vesas portuguez, grosseiro na forma, rude no aspecto, singelo na phrase. A. reacgio civilisa-se. Alguns dos yerdadeiros amigos do altar e¢ do throno,que, refugiados em Pariz vertiam ou architectavam, em lingua proximamente portugueza, essas maravilhas do mysticismo francez, j4 foram recompensa- dos por prelados nossos dos seus servigos 4 hoa causa politica e 4 boa eausa religiosa. Aquelles yardes apostolicos nfo recusaram. 0 amplexo fra- terno 4 igreja lusitana arrependida, Esperemos que os mais colericos e per- finazes nio continuem a negar ao arrependimento 0 osculo de paz. 0 povo nao esqueceu 4 reacgao : a caridade desta estende-se a todos @ a tudo. Tro- yejando contra a sociedade moderna, os missionarios analphabetos sobem aos pulpitos dos povoados ¢ dos campos, @ ora se occultam, ora resurgem como fogos fatuos. Os milagres tinham militado no campo da reacgio em Franga, na Alemanha, e na Italia: nao podiamos por isso dispensal-os. Og milagres, porém, entre nos foram de miu gosto: os fabricantes eram inex- pertos, e a impiedade da sciencia inutilisou a obra (3). Reconheceu-se que eram soldados de pouco prestimo. Mas a agencia da associagdo franceza () >A maravilha da serva de Dens, que fazia milagres de dysuria, adornados pelas cores do prisma, ineommodou a policia de Lisboa, Recolhida ao hospital a saneta mulher, os faeut- tativos descubriram com facilidade a origem da maravilha. © negorio sopitou-se para evi- 9 RL da propagacio da fé fazia alistamento’ de tropas mais solidag: ese infe- rirmos da verba total da contribuigio paga por Portugal aquelle instituto, attendendo 4 exiguidade da quota, nao se podem caleular os seus adeptos neste paiz em menos de quatorze ou quinze mil individuos (4). O nexo apparente que une esta vasta associacio é a contribuicio para as miissi francezas e a leitura dos Anraes da Propagacdo da Fé, tecido de embus- tes, ja desmascarado. por um missionario, 0 padre Gabet, e por outros es- _ @iptores. Os Annaes, especie de Carlos-Magno da reacg%io, servem para manter corm patranhas-a confianca dos adeptos na influencia da associacao, ha grandeza dos seus recursos, e no zelo dos seus missionarios, mas ainda mais the devem servir para calcular as forcas de que péde dispor em cada paiz, @ para manter sem custo por toda a parte uma jerarchia de agentes, cujos servicos utilise nas oceasies opportunas, como por exemplo, em grangear assignaturas a favor de alguma tentativa reaceionaria. Estes meios, sem exceptuar os proprios milagres, c além delles outros. taes como os trabathos oceultos ‘da sociedade cujos gremios se deriomi- nam capellas, especie de maconaria ao divino, de ha muito organisada, ou como as invectivas diarias de certa parte da imprensa ignobil e da imprensa politica, dirigidas contra as instituigdes liberaes, e ainda alguns desabafos, mais ou menos violentos, na impretisa litteraria a proposito deste seeulo ferreo, que nao desconjuncta no potro, nao pendura no patibulo, nto es- quarteja nem queima ninguem pelos erros ou acertos da sua intelligencia ; tudo isso cram e sto manifestacdes da reacgao que vae lavrando ; mas 0 partido liberal podia e devia toleral-as, embora nem sempre fossem alheias 4 sanegio do Codigo Penal. Era aos poderes publicos que pertencia veri- fical-o, e nao thes ficava excessivamente mal cerla indolencia nessa parte. Se ha alguma circumstancia em que aos magistrados se deva perdoar a frouxidao no cumprimento de leis, 4s vezes demasiado severas, 6 quando a applicacao dessas leis pide comprometter aos olhos da conseiencia pu- blica‘a doutrina evangelica e¢ liberal da tolerancia. Mas ao lado destas di- versas manifestacOes, ostenssivamente desconnexas, © mais on menos par- ticulares, appareceram outras de maior gravidade, porque mostravam que taro eseandalo, Katretanto.a auctoridade do districto de Coimbra applicava a um sanicto vivo, que comecava a disparar milagres nauelle districto, o celebre distico De par le roi, défense d Dien De faire miracles dans ce lieu. (4) A quota dos membros da associagio da propagngao da fe nao exeede a A80-rs. an— nuaes © 0 producto destas quotas remettidas para Franga tem eubido alguns annos a '8:0003000 rs.

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