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Robert A.

Oahl
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Reitor
Lauro Morhy

Vice-Reitor
Timothy Martin Mulholland

EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASíLIA


Diretor
Alexandre Lima

CONSELHO EDITORIAL Sobre a democracia


Airton Lugarillho de Lima Camara,
Alexandre Lima, Elizabeth Cancelli, Estevão Chaves de
Rezende Martins, Henryk Siewierski, José Maria Gonçalves de
Almeida Júnior, Moema Malheiros Pontes, Reinhardt Adolfo
Fuck, Sérgio Paulo Rouallet e Sylvia Ficher

Tradução
Beatriz Sidou

,
40 anos
EdltoraUnlversldadedeBra~ma
EDITORA

ljEJ
UnB
Equipe editorial: Airton Lugarinho (Supervisão editorial): Rejane de
Meneses (Acompanhamento editorial): Wilma Gonçalves Rosas Saltarelli
(Preparação de originais): Gilvam Joaquim Cosmo e Wilma Gonçalves
Rosas Saltarelli (Revisão): Eugênio Fclix Braga (Editoração eletrônica):
Cleide Passos, Rejane de Meneses e Rúbia Pereira (Índice); Maurício
Borges (Capa)
Cop)'right © 1998 h)' Yale University Sumário
COjJyright © 2001 by Editora Universidade de Brasília, pela tradução

Título original: 0/1 deIl10CraC~1'


Impresso 110 Brasil
AGRADECIMENTOS, 9
Direitos exclusivos para esta edição:
CAPÍTULO 1
Editora Universidade de Brasília PRECISAMOS REALMENTE DE UM GUIA?, 11
SCS Q.02 Bloco C N~ 78 Ed. OK 2~ andar
70300-500 - Brasília. DF PARTE I
Tel: (Oxx61) 226-6874 O COMEÇO
Fax: (Oxx61) 225-5611
CAPÍTULO 2
editora@unb.br
ONDE SURGIU E COMO SE DESENVOLVEU A DEMOCRACIA? UMA
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicaçào poderá ser BREVE HISTÓRIA, 17
armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorizaçào por es- O Mediterrâneo, 21
crito da Editora. A Europa do Norte, 27
Democratização: a caminho, apenas a caminho ... , 32
Ficha catalográfica elahorada pela
CAPÍTULO 3
Biblioteca Central da Universidade de Brasília
O QUE HÁ PELA FRENTE?, 37
Dahl. Rohert A Objetivos democráticos e realidades, 39
DL\ 1 Sobre a delllocracia / Rohert A. Dahl: tradução de Dos julgamentos de valor aos julgamentos empíricos, 42
B'eatriz Sidou. - Brasília : Editora Universidade de
Brasíl ia. 2001 PARTE II
230 p. A DEMOCRACIA IDEAL
Traduçào de: On del1locracy
CAPÍTULO 4
ISBN: ~S-23()-O()21-4
O QUE É DEMOCRACIA'!, 47
1. Democracia I. Sidou. Beatriz lI. Título. Os critérios de um processo democrático, 49
Por que esses critérios?, 50
CDU 321.7 Algumas questões decisivas, 52
CAPÍTULO 5
POR QUE A DEMOCRACIA?, 57
As vantagens da democracia: resumo, 73

.-
6 Sumário Sobre a democracia 7

CAPÍTULO 6 A representaçào já existia, 119


POR QUE A IGUALDADE POLÍTICA I? IGUALDADE INTRÍNSECA, 75 Mais uma vez: tamanho e democracia, 120
A igualdade é óbvia?, 75 Os limites democráticos do governo representativo, 124
Igualdade intrínseca: um julgamento moral, 77 Um dilema básico da democracia, 125
Por que devemos adotar este princípio, 79 O negócio às vezes é ser pequeno, 125
CAPÍTULO 7 Às vezes o negócio é ser grande, 127
POR QUE IGUALDADE POLÍTICA lI? COMPETÊNCIA CÍVICA, 83 O lado sombrio: a negociação entre as elites, 128
A tutela: uma alegação em contrário, 83 Organizações internacionais podem ser democráticas?, 129
A competência dos cidadãos para governar, 89 Uma sociedade pluralista vigorosa nos países
Uma quinta norma democrática: a inclusào, 91 democráticos, 132
Problemas não-resolvidos, 92
CAPÍTULO 10
Comentários conclusivos e apresentação, 94
V ARIEDADES lI: CONSTITUIÇÕES, 135
PARTE III
Variações constitucionais, 136
A VERDADEIRA DEMOCRACIA Quanta diferença fazem as diferenças?, 145

CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 11
QUE INSTITUIÇÕES POLÍTICAS REQUER A DEMOCRACIA EM VARIEDADES lU: PARTIDOS E SISTEMAS ELEITORAIS, 147
GRANDE ESCALA?, 97 Os sistemas eleitorais, 147
Como podemos saber?, 98 Algumas opções básicas para as constituições
As instituições políticas da moderna democracia democráticas, 154
representativa, 99 Algumas orientações sobre as constituições democráticas, 156
As instituições políticas em perspectiva, 100
O fator tamanho, 105 PARTE IV
Por que (e quando) a democracia exige representantes As CONDIÇÕES FA VaRÁ VEIS E AS DESFAVORÁVEIS
eleitos?, 106
CAPÍTULO 12
Por que a democracia exige eleições livres, justas e
QUE CONDIÇÕES SUBJACENTES FAVORECEM A
freqüentes?, 109
DEMOCRACIA?,161
Por que a democracia exige a livre expressào?, 110
Por que a democracia exige a existência de fontes alternativas A falha das alternativas, 162
e independentes de informaçào?, 111 Intervençào estrangeira, 163
Por que a democracia exige associações independentes?, 111 Controle dos militares e da Polícia, 165
Por que a democracia exige uma cidadania inclusiva?, 112 Connitos culturais fracos ou ausentes, 166
Cultura e convicções democráticas, 173
CAPÍTULO 9
Desenvolvimento econômico e economia de mercado 175
VARIEDADES I: DEMOCRACIA EM ESCALAS DIFERENTES, 115 Um resumo. 175 ' ' ••
Em todo caso, as palavras importam, sim ... , 115
Índia: uma democracia improvável, 176
Democracia: grega x moderna, 117
Por que a democracia se espalhou pelo mundo inteiro, 180
Democracia de assembléia x democracia representativa, 118
8 Sumál"io

CAPÍTULO 13
PORQUE O CAPITALISMO DE MERCADO FAVORECE A
DEMOCRACIA,183
Algumas ressalvas, 186
Agradeci mentos
CAPÍTULO 14
POR QUE O CAPITALISMO DE MERCADO PREJUDICA A
DEMOCRACIA,191
Pelo que me lembro, foi para minha mulher, Ann Sale Oah\,
CAPÍTULO 15
que mencionei que talvez estivesse interessado em escrever mais
A VIAGEM INACABADA, 199 um livro sobre a teoria e a prática da democracia. Dessa vez. o li-
Dificuldade 1: a ordem econômica, 200 vro que eu tinha em mente seria menos acadêmico do que a maio-
Dificuldade 2: a internacionalização, 202 ria dos outros já publicados. Eu não escreveria o livro para outros
Dificuldade 3: a diversidade cultural, 202 acadêmicos nem especialmente para os norte-americanos. Eu gos-
Dificuldade 4: a educação cívica, 204 taria de ser útil para qualquer pessoa, em qualquer lugar, seria-
mente interessada em aprender mais sobre um assunto vasto, que
ApÊNDICE A
pode facilmente tornar-se tão complicado que as únicas pessoas
Os SISTEMAS ELEITORAIS, 209 desejando investigá-lo em profundidade são os teóricos políticos,
ApÊNDICEB filósofos e outros estudiosos. Confesso que encontrar o estilo exato
A ACOMODAÇÃO I'OLÍTICA NOS PAÍSES ÉTNICA OU seria dificílimo. A entusiástica reação de Anil me incentivou a se-
ClI LTURALl\1ENTE DIVIDIDOS, 213 guir em frente. Ela também foi a primeira leitora de um esb(l(';o
quase completo; suas atiladas sugestõcs editoriais melhoraram
ApÊNDICE C bastante a minha exposição do assunto.
A CONTAGEM DOS PAÍSES DEMOCRÁTICOS, 217 Dois ocupadíssimos colegas da universidade, James Fishkin
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 221 e Michael Walzer, generosamcnte fizeram comentários detalhados
a meu rascunho terminado - bom, não exatamente terminado. no
ÍNDICE,227 final das contas. Suas críticas e sugestões foram tão importantes
e tão úteis que adotei quase todas: tive de deixar algumas de lado.
pois me pareciam exigir um livro bem mais comprido do que ()
que eu tinha em mente. Também devo a I-Ians Daalder, Arend
Lipjhart e Hans BlockJand por seus importantes comentários sobre
a Holanda.
Sou grato a Charles Hill, David Mayhew, lall Shapiro e Nonnél
Thompson por responderem a meu pedido de nomes de ohras que
servissem aos leitores desejosos de prosseguir estudando o tema.
Suas sugestões enriqueceram a lista intitulada "Mais leituras".
10 Robert A. Dahl

Bem antes de completar o original, mencionei-o a John Covell,


editor sênior na Yale University Press, que imediatamente expres-
sou grande interesse nele. Depois de lhe entregar uma cópia do
manuscrito, as perguntas e sugestões que ele ofereceu me ajudaram
a aperfeiçoá-lo em muitos pontos. Capítulo 1
Sinto-me feliz porque este livro é a continuação de um longo
relacionamento com a Yale University Press. Para mim, é especial-
mente prazeroso que a Yale University Press o esteja publicando, Precisamos realmente de um guia?
porque ao escrevê-lo não hesitei em consultar trabalhos antigos
meus que a Yale publicou no correr de muitos anos. Também me
senti encantado com o diretor John Ryden, a diretora associada
Tina Weiner e a diretora administrativa Meryl Lanning, que não
apenas expressaram seu entusiasmo pela publicação do livro, mas Durante esta última metade do século XX, o mundo testemu-
avalizaram energicamente minha proposta de que ele fosse rapida- nhou uma extraordinária alteração política, sem precedentes. Todas
mente traduzido e publicado em outros países, de modo a torná-lo as principais alternativas para a democracia desapareceram. trans-
disponível a leitores em outros cantos do mundo. formaram-se em sobreviventes excêntricos ou recuaram, para se
Por fim, o trabalho de editoração de Laura Jones Dooley, edi- abrigarem em seus últimos bastiões. No início do século, os inimi-
tora assistente, foi rápido e maravilhoso. Sua contribuição é invisível gos pré-modernos da democracia - a monarquia centralizada, a
para o leitor, mas o autor sabe muito bem que o livro está melhor por aristocracia hereditária, a oligarquia baseada no sufrágio limitado e
causa desse trabalho - e espera que ela também saiba ... exclusivo - haviam perdido sua legitimidade aos olhos de hoa parte
da humanidade. Os mais importantes regimes antidemocráticos
do século XX - o comunista. o fascista, o nazista - des~1pareceral1l
nas ruínas de uma guerra calamitosa ou. como aconteceu na Unifto
Soviética, desmoronaram internamente. As ditaduras militares fo-
ram totalmente desacreditadas por Sl!{\S falhas. especialmente na
América Latina; onde conseguiram sobreviver, em geral adotaram
uma fachada pseuclodemocrática.
Assim, teria a democracia pelo menos conquistado () apoio dos
povos e das pessoas pelo mundo afora? Não. Continuaram a existir
convicções e movimentos antidel11ocráticos, muitas vezes associa-
dos ao nacionalismo fanático ou ao fundamentalisl110 religioso.
Existiam governos democráticos (em variados graus de "democra-
cia") para menos da metade da população do mundo. Um quinto
dos habitantes do mundo vivia na China - que, em seus ilustres 4
mil anos de história, jamais experimentou um governo democráti-
co. Na Rússia, que só fez a transição para o governo democrático
na última década do século, a democracia era frágil ej.inha fracu
apoio. Mesmo nos países em que há muito a democracia fora esta-
12 Robert A. Dahl Sobre a democracia 13

belecida e parecia segura, alguns observadores sustentavam que a O próprio fato de ter uma história tão comprida ironicamente
democracia estava em crise ou, no mínimo, gravemente distorcida contribuiu para a confusão e a discordância, pois "democracia" tem
pela reduçào na confiança dos cidadàos de que os líderes eleitos, os significados diferentes para povos diferentes em diferentes tempos
partidos políticos e os funcionários do governo conseguiriam ou e diferentes lugares. Por longos períodos na história humana, na
realmente tratariam corretamente ou pelo menos teriam algum su- prática, a democracia realmente desapareceu, mal sobrevivendo
cesso em questões como o persistente desemprego, os programas como valiosa idéia ou memória entre poucos. Até dois séculos
de bem-estar, a imigraçào, os impostos e a corrupção. atrás apenas (digamos, há dez gerações), a história tinha pouquís-
Suponha que dividamos os cerca de duzentos países do mundo simos exemplos de verdadeiras democracias. A democracia era
entre os que têm governos nào-democráticos, os que têm novos mais assunto para teorização de filósofos do que um verdadeiro
governos democráticos e os que têm governos democráticos longos sistema a ser adotado e praticado pelos povos. Mesmo nos raros
e relativamente bem estabelecidos. Deve-se reconhecer que cada casos em que realmente existia uma "democracia" ou uma "repú-
um desses grupos abrange um conjunto imensamente diversificado blica", a maioria dos adultos não estava autorizada a participar da
de países. Não obstante, essa tríplice simplificaçào nos ajuda a per- vida política.
ceber que, de uma perspectiva democrática, cada grupo enfrenta Embora em seu sentido mais geral seja antiga, a forma da de-
uma dificuldade diferente. Para os países recentemente democrati- mocracia que discutirei neste livro é um produto do século XX.
zados' a dificuldade é saber se e como as novas instituições e as Hoje, pressupõe-se que a democracia assegure virtualmente a todo
práticas democráticas podem ser reforçadas ou, como diriam al- cidadão adulto o direito de voto. No entanto, há cerca de quatro
guns cientistas políticos, consolidadas, para que venham a suportar gerações - por volta de 1918, mais ou menos ao final da Primeira
o teste do tempo, o coni1ito político e a crise. Para as democracias Guerra Mundial -, em todas as democracias ou repúblicas indepen-
mais antigas, o problema é aperfeiçoar e a]Jl"Ofillldar a sua demo- dentes que até então existiam, uma boa metade de toda a população
cracia. adulta sempre estivera excluída do pleno direito de cidadania: a
A esta altura, pode-se muito bem perguntar: o que rEallllenlE metade das mulheres.
entendemos por democracia? O que distingue um governo democráti- Temos então algo impressionante a pensar: se aceitássemos o
co de um governo não-democrático? Se um país não-democrático faz sufrágio universal como exigência da democracia, haveria algumas
a transição para a democracia, é transição para o quJ? Com refe- pessoas, em praticamente todos os países democráticos, que seriam
rência à consolidação da democracia, o que exatamente é consoli- mais velhas do que seu sistema democrático de governo. A demo-
dado? E o que significa falar de aprofllndar a dE/llOcracia num cracia no sentido moderno talvez não seja lá muito jovem, mas
país democrático? Se um país já é uma democracia, como ele pode- também não é tão antiga ...
rá se tornar mais democrático? E assim por diante ... Pode-se fazer uma objeção: os Estados Unidos não se torna-
A democracia, de vez em quando, é discutida há cerca de ram uma democracia da Revolução norte-americana em diante -
2.500 anos - tempo mais do que suficiente para reunir um bom "uma democracia numa república", como a chamou Ahraham
conjunto de idéias sobre o qual todos ou quase todos possam con- Lincoln? O ilustre francês Alexis de Tocqucville, depois de visitar
cordar. Aqui não tratamos de saber se para o bem ou para () mal. os Estados Unidos nos anos 1830, nào chamou seu famoso livro de
Os 25 séculos em que tem sido discutida, debatida. apoiada. A democracia na América? Os atenienses não chamavam de ct~o-·'·
atacada, ignorada, estabelecida, praticada, destruída e depois às vezes cracia seu sistema no século V a.c.? E o que era a república roma-
restabelecida aparentemente não resultaram em concordância sobre na, se não lima espécie de democracia? Se "democracia" significou
algumas das questões fundamentais sobre a democracia. diferentes coisas em épocas diferentes, como poderernos nós con-
cordar sobre o que signifique hoje?
14 Robert A. Dahl

Uma vez começado, pode-se insistir: por que, afinal, a demo-


cracia é desejável? E quão democrática é a "democracia" nos paí-
ses hoje chamados democráticos - Estados Unidos, Inglaterra,
França, Noruega, Austrália e muitos outros? Além do mais, será
possível explicar por que esses países são "democráticos" e tantos
outros não? Poderíamos fazer muitas perguntas mais.
Assim, a resposta à pergunta no título deste capítulo está razoa-
velmente clara. Quando se está interessado em procurar respostas
para as perguntas essenciais sobre democracia, um guia pode ajudar.
Nesta pequena excursão, você não encontrará respostas para
todas as perguntas que gostaria de fazer. Para manter a nossa via-
gem relativamente curta e acessível, teremos de passar por cima ele
incontáveis trilhas que você talvez preferisse explorar. Elas real-
mente deveriam ser exploradas ... Espero que depois desta nossa
excursão você comece a explorá-las por sua conta. Para ajudá-lo Parte I
nesse empreendimento, no final deste livro darei uma rápida lista
de obras pertinentes.
Nossa viagem começa pelo começo: as origens da democracia.
o começo
I
Capítulo Z

Onde surgiu e como se


desenvolveu a democracia?
Uma breve história

Você deve lembrar que iniciei dizendo que a democracia,(de


vez em quandc;) é discutida há 2.500 anos. Será realmente tão velha
a democracia? Muitos norte-americanos e outros acreditam que a
democracia começou há duzentos anos, nos Estados Unidos. Ou-
tros, cientes de suas raízes clássicas, afirmariam que ela teria co-
meçado na Grécia ou na Roma antiga. Onde começou e como teria
evoluído a democracia?
Talvez fosse agradável vermos a democracia progredindo mais
ou menos continuamente desde sua invenção, por assim dizer, na
Grécia antiga há 2.500 anos e aos poucos se expandindo a partir
daquele Ínfimo começo até os dias de hoje, quando chegou a todos
os continentes e a uma boa parte da humanidade.
Belo quadro - mas falso, no mínimo por duas razões.
Em primeiro lugar, como sabe qualquer conhecedor da história
européia, depois de seus primeiros séculos na Grécia ou em Roma,
a ascensão do governo popular transformou-se em declínio e queda.
Ainda que nos permitíssemos uma razoável liberdade para decidir
I quais governos contaríamos como "populares", "democráticos" nu

~
"republicanos", sua ascensão e sua queda não poderiam ser descri-
tas como ascensão firme até um pico distante, pontilhada aqui e ali
por breves descidas. Ao contrário, o rumo da história democrática
mais parece a trilha de um viajante atravessando um deserto plano

I
Sobre a democracia 19

e quase interminável, quebrada por apenas alguns morrinhos, até


finalmente iniciar a longa subida até sua altura no presente (Fig. ]).
Número de países Em segundo lugar, seria um equívoco pressupor que a demo-
o
N N cracia houvesse sido inventada de uma vez por todas como, por
cn cn o cn
o o o o o o exemplo, foi inventada a máquina a vapor. Quando descobrem que
Q:)
práticas ou ferramentas surgiram em momentos diferentes e em
(j)
o eM
'-l
diferentes lugares, antropólogos e historiadores em geral desejam

N
2? saber como esses aparecimentos isolados foram produzidos. Será

~ que as ferramentas ou as práticas se espalharam por divulgação a


Q:)
"-l eM
o co
~ partir de seus inventores para outros grupos - ou teriam sido in-
Q:) w 'I:l
~
ventadas de maneira independente por grupos diferentes? Muitas
Q:)
o c:;;' vezes é difícil ou até impossível encontrar uma resposta. O mesmo
~

Q:)
Co

~
°
acontece com desenvolvimento da democracia no mundo. Quanto
co ;:! de sua disseminação pode ser explicado simplesmente por sua di-
o o
'"..,
~,
fusão a partir das origens e quanto (se é que isto aconteceu) por ter
i:J'.
co sido criado de modo independente em diferentes épocas e diferen-
o
o '"o
Co
tes lugares?
~
o Embora no caso da democracia a resposta estej a sempre ro-
co ;:!
o Co deada por muita incerteza, minha leitura do registro da história é
'§,
e-Õ "',
OQ
essencialmente esta: parte da expansão da democracia (talvez boa
co
N õ' parte) pode ser atribuída à difusiio de idéias e práticas democráti-
o i'!
CIO
~ cas, mas só a difusão nito explica tudo. Como o fogo, a pintura ou a
Co

s:'"
co .: escrita, a democracia parcce ter sido inventada mais de uma vez,
W
o o em mais de um local. Afinal de contas, se houvesse condições fa-
o vorúveis para a invclH;fto da democracia em um momento, num só
.:
<.o '\:j
.4
(i;""
lug,w(por exemplo, em Atenas, mais ou menos 500 anos a.c.), não
o ;:;
Ç) poderiam ocorrer semelhantes cOl1diçôes favoráveis em qualquer
Co
<.o
cn
.S:: outro lug.ar?
o 'f
~,
!iq Pressuponho que a democracia possa ser inventada e rein-
,C;' ventada de maneira autônoma sempre quc existircm as condições
<.o .......
O)
o Co
v,
adequadas. Acredito que essas cOl1diçôes adequadas existiram em
?....... diferentes épocas e em lugares diferentes. Assim como uma terra

~ tJ
g..
to
~o
• <.o
'-l
o
....
co ~
'O
'O que pode ser cultivada e a devida quantidade de chuva estimularam
o desenvolvimento da agricultura, determinadas condições favorá-
q
oto 10), (j)
O) ..J.
veis, sempre apoiaram uma tendência para () desenvolvimento de
'\:j i:J'
",'
o N
..J. um governo democrútico. Por exemplo, devido a condições favorá-
~
1;;' o
veis, é bem provável que tenha existido alguma forma de democra-
'" '"
to (j)
(j)
o
-'-
<D cia em governos tribais muito antes da história registra~a.
N
20 Robert A. Dahl Sobre a democracia 21

Imagine esta possibilidade: pressupoilhamos que certos povos pessoas começaram a desenvolver sistemas de governo que pro-I
constituam um grupo bastante unido: "nós" e "eles", nós e outros, a porcionavam oportunidades bastante amplas para participar em
minha gente e o povo deles, a minha tribo e as outras tribos. Além decisões de grupo. Pode-se dizer que a democracia primitiva foi
do mais, pressuponhamos que o grupo (a triho, digamos) é bastante reinventada em uma forma mais avançada. Os avanços mais deci-
independente de controle exterior; os membros da tribo mais ou sivos ocorreram na Europa - três na costa do Mediterrâneo, outros
menos conseguem dirigir o seu próprio espetáculo, por assim dizer, na Europa do Norte.
sem a interferência de gente de fora. Por fim, suponhamos que um
bom número de membros do grupo, talvez os mais idosos da tribo,
vejam-se como bastante iguais, estando bem qualificados para dar o Mediterrâneo
uma palavra em seu governo. Em tais circunstâncias, acredito que
seja provável emergirem tendências democráticas. Um impulso Os sistemas de governo que permitiam a participação popular
para a participação democrática desenvolve-se a partir do que po- de um significativo número de cidadãos foram estabelecidos pela
deríamos chamar de lÓKica da igualdade. primeira vez na Grécia clássica e em Roma, por volta do ano
Durante todo o longo período em que os seres humanos vive- 500 a.C, em bases tão sólidas que resistiram por séculos, com al-
ram juntos em pequenos grupos e sobreviveram da caça e da coleta gumas mudanças ocasionais.
de raízes, frutos e outras dádivas da natureza, sem a menor dúvida,
às vezes - talvez habitualmente -, teriam criado um sistema em
que boa parte dos membros, animados por essa lógica da igualdade Grécia
(certamente os mais velhos ou os mais experientes), participaria
de quaisquer decisões que tivessem de tomar como grupo. Isto A Grécia clássica não era um país no sentido moderno. UI11 lu-
realmente aconteceu, conforme está bastante comprovado pelos gar em que todos os gregos vivessem num único estado, com um
estudos de sociedades tribais ágrafas. Portanto, durante muitos governo único. Ao contrário, a Grécia era composta por centenas
milhares de anos, alguma forma primitiva da democracia pode de cidades independentes, rodeadas de áreas rurais. Diferente dos
muito bem ter sido o sistema político mais "natural". Estados Unidos, da Prança, do Japão e de outros países modernos.
Entretanto, sabemos que esse longo período teve um fim. os estados soberanos da Grécia eram cidades-estado. A mais famo-
Quando os seres humanos começaram a se estabelecer por demo- sa desde o período clássico foi Atenas. Em 507 a.C. os ateni61ses
rados períodos em comunidades fixas para tratar da agricultura e adotaram um sistema de governo popular que durou aproximada-
do comércio, os tipos de circunstâncias favoráveis à participação mente dois séculos, até a cidade ser subjugada por sua vizinha mais
popular no governo que acabo de mencionar - a identidade do gru- poderosa ao norte, a Macedônia. (Depois cle 321 a.C, () governo
po. a pouca interferência exterior, um pressuposto de igualdade - ateniense tropeçou sob o domínio macedônio por gerações; mais
parecem ter rareado. As formas de hierarquia e dominação torna- tarde, a cidade foi novamente subjugada, desta vez por Roma.)
ram-se mais "naturais". Em conseqüência, os governos populares Foram os gregos - provavelmente os atenienses - que cunha-
desitpareceram entre os povos estabelecidos por milhares de anos. ram o termo dClIlokralia: demos, () povo, e krofos, governar. Por
No entanto, eles foram substituídos por monarquias, despotismos, falar nisso, é interessante saber que. em Atenas, emhora a palavra
aristocracias ou oligarquias, todos com base em alguma forma de demos em geral se referisse a todo o povo ateniense. às vezes,
categorização ou hierarquia. significava apenas a gente comum ou apenas () pobre. Às vezes,
Então, por volta de 500 a.C, parece terem ressurgido condi- del11ok,.afia era utilizada por seus críticos aristocráticos como uma
ções favoráveis em diversos lugares, e alguns pequenos grupos de espécie cle epíteto, para m_ostrar seu desprezo pelas pessoas comu ns
zz Robert A. Dahl Sobre a demoo'acia 23

que haviam usurpado o controle que os aristocratas tinham sobre o mente rejeitadas durante o desenvolvimento da moderna democra-
governo. Em quaisquer dos casos, demokratia era aplicada pelos cia representativa.
atenienses e por outros gregos ao governo de Atenas e ao de muitas
outras cidades gregas.'
Entre as democracias gregas, a de Atenas era de longe a mais Roma
importante, a mais conhecida na época e, ainda hoje, de incompa-
rável int1uência na filosofia política, muitas vezes considerada um Mais ou menos na época em que foi introduzido na Grécia. (l
exemplo primordial de participação dos cidadãos ou, como diriam governo popular apareceu na península italiana na cidade de Roma.
alguns, era uma democracia participante. Os romanos preferiram chamar seu sistema de república: rcs, que
O governo de Atenas era complexo - por demais complexo em latim significa coisa ou negócios, e public/ls - ou sej a, a repú-
para ser devidamente descrito aqui. Em seu âmago havia uma as- blica poderia ser interpretada como "a coisa pública" ou "os negó-
sembléia a que todos os cidadãos estavam autorizados a participar. cios do povo". (Voltarei a essas duas palavras. dOllocracio e
A assembléia elegia alguns funcionários essenciais - generais, por repúhlica. )
exemplo, por mais estranho que pareça. O principal método para O direito de participar no governo da república inicialmente
selecionar os cidadãos para os outros deveres públicos era uma estava restrito aos patrícios, os aristocratas. Numa etapa da evolu-
espécie de loteria em que os cidadãos que poderiam ser eleitos ção da democracia que encontraremos mais adiante, depois de
detinham a mesma chance de ser escolhidos. Segundo algumas es- muita luta, o povo (a piche) também adquiriu esse direito. Como
timativas, um cidadão comum tinha uma boa chance de ser esco- em Atenas, o direito a participar restringia-se aos homens, o que
lhido por essa loteria pelo menos uma vez na vida para servir como também aconteceu em todas as democracias que apareceram de-
() funcionário mais importante a presidir o governo. pois, até o século XX.
Embora algumas cidades gregas se reunissem, formando ru- Desde seu início como urbe de tamanho bastante modesto. a
dimentares governos representativos por suas alianças, ligas e con- república romaIla expandiu-se por meio da anexa<';;l() ou da con-
federações (essencialmente para defesa comum), pouco se sabe quista muito além dos limites da velha cidade, chegando a dominar
sobre esses sistemas representativos. Praticamente não deixaram toda a Itália e regiões bem mais distantes. A república, muitas ve-
nenhuma impressão sobre idéias e práticas democráticas e, com
zes, conferia a valorizadíssima cidadania romana aos povos con-
certeza, nenhuma sohre a forma tardia da democracia representati-
quistados, que assim se tornavam cidadãos romanos no pleno gozo
va. O sistema ateniense ele seleção dos cidadãos para os deveres
dos direitos e dos privilégios de um cidadão. e não simples súditos.
públicos por sorteio também jamais se tornou uma alternativa
Ainda que esse dom parecesse generoso e sábio. se a julgar-
aceitável para as eleições como maneira de escolher os represen-
mos da perspectiva atual, descobriremos um enorme defeito: Roma
tantes.
Assim, as instituições políticas da Grécia, por mais inovadoras jamais adaptou adequadamente suas institui<,'ões de governo popu-
que tenham sido em sua época, foram ignoradas ou mesmo clara- lar ao descomunal aumento no número de seus cidadãos e seu
enorme distanciamento geográfico da cidade. Por estranbo que pa-
reça de nosso ponto de vista, as assembléias a que os cidadàos ro-
manos estavam autorizados a participar continuavam se reunindo,
Pora uma descrição minuciosa da democracia em Atenas, veja Mogens Herlllan como antes, na cidade de Roma - exatamente nesse mesmo Fórum,
I-lansen. Tlle Alhl'I/iOI7 De/1/ocrac)I in lhe ARe o{Dell/oSlhel/l!s: Slruc/lIrc. Prill- hoje em ruínas, visitado pelos turistas. No entanto, para a maioria
cip!es alld ldeo!ogr, traduzida para o inglês por J. A. Crook, Oxford. Blackwell.
dos cidadãos romanos que viviam no vastíssimo território da repú-
1991.
Robert A. Dahl Sobre a democracia 25

blica, a cidade era muito distante para que pudessem assIstIr às Com a queda da república, o governo popular desapareceu in-
assembléias, pelo menos sem esforço extraonjil1<1rio e altíssimos teiramente no sul da Europa. Excetuando-se os sistemas políticos
custos. Conseqüentemente, era negada a um número cada vez de pequenas tribos esparsas, ele desapareceu da face da terra por
maior (e mais tarde esmagador) de cidadãos a oportunidade de cerca de mil anos.
participar das assembléias que se realizavam no centro do sistema
de governo romano. Era como se a cidadania norte-americana fosse
conferida a pessoas em diversos estados, conforme o país se expandia, Itália
embora a população desses novos estados só pudesse exercer seu
Como uma espécie extinta ressurgindo depois de uma grande
direito de voto nas eleições nacionais se comparecesse a assem-
mudança climática, o governo popular começou a reaparecer em
bléias realizadas em Washington, D. C
muitas cidades do norte da Itália por volta do ano 1100 d.C Mais
Em muitos aspectos, os romanos eram um povo criativo e
uma vez, fo.i em cidades-estado relativamente pequenas que se
pragmático, mas não inventaram ou adotaram uma solução que
desenvolveram os governos populares, não em grandes regiões ou
hoje nos parece óbvia: um sistema viável de governo representati- em g.randes países. Num padrão conhecido. em Roma e mais tarde
vo, fundamentado em representantes eleitos democraticamente. repetido durante o surgimento dos modernos governos representa-
Antes que saltemos para a conclusão de que os romanos eram tivos, a participação nos corpos governantes das cidades-estado foi
menos criativos ou menos capazes do que nós, devemos nos lem- inicialmente restrita aos membros das famílias da classe superior:
brar que as inovaçôes e as invençôes a que nos habituamos em ge- nobres, grandes proprietários e afins. Com o tempo, os residentes
ral nos parecem tão óbvias que começamos a nos perguntar por que nas cidades, que estavam abaixo na escala socioeconômica, come-
nossos predecessores não as introduziram antes. Em geral. aceita- çaram a exigir o direito de participar. Membros do que hoje
mos prontamente, sem discutir coisas que algum tempo antes esta- chamamos classes médias - novos ricos, pequenos mercadores,
vam por ser descobertas. Da mesma forma, gerações que vierem mais ba nqueiros, pequenos artesãos organizados em guildas, soldados
tarde poderão também se perguntar como não enxergamos deter- das infantarias comandadas por cavaleiros - não apenas eram mais
minadas inovações que virão a considerar óbvias ... Devido ao que llumerosos do que as classes superiores dominantes, mas também
nós, hoje, aceitamos sem discutir, será que, assim como os roma- capazes de se organizar. Eles ainda podiam ameaçar violentas re-
nos, seremos insuficientemente criativos na reformu lação de llossas beli(\Cs e, se necessário, levá-Ias adiante. Conseqüentemente, em
instituições políticas? muitas cidades, essas pessoas - o popolo, como eram chamadas -
Embora a república romana tenha durado consideravelmente ganharam o direito de participar do governo local.
mais tempo do que a democracia ateniense e mais tempo do que Durante mais de dois séculos, essas repúblicas floresceram em
qualquer democracia moderna durou até hoje, por volta do ano uma série de cidades italianas. Uma boa parte dessas repúblicas,
130 a.C, ela começou a enfraquecer pela inquietude civiL pela mi- como Florença e Veneza, eram centros de extraordinária prospe-
litarização, pela guerra, pela corrupção e por um decréscimo no ridade, refinado artesanato, arte e arquitetura soberbas, desenho
espírito cívico que existira entre os cidadãos. O que restava das urbano incomparável, música e poesia magníficas, e a entusiástica
práticas republicanas autênticas terminou perecendo com a ditadu- redescoherta do mundo antigo da Grécia e de Roma. Encerrava-se
ra de Júlio César. Depois de seu assassinato em 44 a.c., uma o que as gerações posteriores vieram a chamar Idade Média e
cheg.ou aquela inacreditável explosão de brilhante criatividade, o
república outrora governada por seus cidadãos tornou-se um impé-
Renascimento.
rio, comandado por imperadores.
26 Robert A. Dahl Sobre a democracia 27

Infelizmente, para o desenvolvimento da democracia, entre- Essa distinção não tinha base algurna na história anterior: nem
tanto, depois de meados do século XIV, os governos republicanos em Roma nem em Veneza, por exemplo, havia um "sistema de re-
de algumas das maiores cidades cada vez mais deram lugar aos presentação". Para falar a verdade, todas as primeiras repúblicas
eternos inimigos do governo popular: o declínio econômico, a cor- cabiam muito bem na definição de Madison para delllocracia.
rupção, a oligarquia, a guerra, a conquista e a tomada de poder por Além elo mais, essas duas palavras foram usadas como sinônimos
governantes autoritários, fossem príncipes, monarcas ou soldados. nos Estados Unidos durante o século XVIII. A distinç;lo de Madison
Isso não foi tudo. Vista no vasto panorama das tendências históricas, a também não é encontrada numa obra do conhecido filósofo político
cidade-estado foi condenada como base para o governo popular pelo francês Montesquieu, a quem Madison admirava imensamente e
surgimento de um rival com forças esmagadoramente superiores: o muitas vezes elogiou. O próprio Madison, provavelmente, sabia
estado nacional, ou país. Vilas e cidades estavam destinadas a ser que sua distinção não tinha nenhuma base histórica firme: assim,
incorporadas a essa entidade maior e mais poderosa, tornando-se, devemos concluir que ele a criou para desacreditar críticos que dis-
na melhor das hipóteses, unidades subordinadas do governo. cutiam o fato de a constituição proposta não ser suficientemcnte "de-
Por gloriosa que tenha sido, a cidade-estado estava obsoleta. mocrática" .
Entretanto (a questão não está clara), talvez as palavras deJllo-
cracia e república (apesar de Madison) não designassem diferen-
Palavras sobre palavras ças nos tipos de governo popular. Elas apenas refletiam, ao preço
ela confusão posterior, uma diferença entre () grego e o latim, as
Você talvez tenha notado que me referi a "governos populares" línguas de que se originaram.
na Grécia, em Roma e na Itália. Como vimos, para designar seus
governos populares, os gregos inventaram o termo democracia. Os
romanos tiraram do latim o nome de seu governo, a rep1ÍMica, e A Europa do Node
mais tarde os italianos deram este nome para os governos popula-
res de suas cidades-estado. Você poderia muito bem lembrar que Quer se chamassem democracias ou repúbJ icas, os sistemas de
dell/Ocracia e república se referem a tipos fundamentalmente dife- governo popular na Grécia, em Roma e na Itália não possuíam
rentes de sistemas constitucionais. Ou será que essas duas palavras inúmeras das características decisivas do moderno governo repre-
refletem justamente as diferenças nas línguas de que vieram? sentativo. A Grécia clássica e a Itália medieval e renascentista
A resposta correta foi toldada em 1787, num ensaio influente compunham-se de governos populares locais. mas n;to possuíam
que James Madison escreveu para ganhar apoio à constituição um governo nacional eficaz. Por assim dizer, Roma tinha apenas
norte-americana recentemente proposta. Um elos principais arqui- um governo local baseado na participação popular, mas nenhulll
tetos dessa constituição e estadista excepcionalmente conhecedor parlamento nacional de representantes eleitos.
da ciência política de seu tempo, Madison fazia uma distinção el1- Da perspectiva de hoje, evidentemente ausente de todos esses
tre "uma democracia pura, que é uma sociedade consistindo num sistemas, estavam pelo menos três instituiçôes políticas hásicas: lI/li
número pequeno ele cidadãos, que se reúnem e administram o go- parlamento naciollal composto por rejJresel/tul//(,s ('!('i/os e goremos
verno pessoalmente", e uma "república, que é um governo em que locais eleitos 1'('10 pOl'O que, em última análise, cstavam subordi-
há um sistema de representação". 2 nados ao governo nacional. Um sistema comhinando a democracia
em níveis locais com um parlamento eleito pelo povo \lO \lível mais
2 J3mes M3dison, TIl!' Fedl'mlisl: A C0I771l11'J1lar) , 0/1 lhe CO/lslilllliol1s o( lhe
elevado ainda estava para ser criado.
lf/liledSlales ... , Nova York, Modem Library [1937'1]. n~ 10, p. 59.
28 Robert A. Dahl Sobre a democt·acia 29

Essa combinação de instituições políticas onglllou-se na In- prias assembléias. Entre os vikings livres existia a idéia úa igual-
glaterra, na Escandinávia, nos Países Baixos, na Suíça e em qual- dade, como demonstra a resposta dada por alguns vikings dinamar-
quer outro canto ao norte do Mediterrâneo. queses quando um mensageiro lhes perguntou da margem do rio
Embora os padrões do desenvolvimento político divergissem que subiam na França: "Qual é nome de vosso senhor?"
amplamente entre essas regiões, uma versão bastante simplificada - Nenhum. Somos todos iguais.-1
seria muito parecida com essa. Em várias localidades, homens li- Em todo caso, temos de resistir à tentação de exagerar. A igual-
vres e nobres começariam a participar diretamente das assem- dade de que se gahavam os vikings aplicava-se apenas aos homens
bléias locais. A essas, foram acrescentadas assembléias regionais e livres, e mesmo estes variavam em riqueza e status. Abaixo dos
nacionais, consistindo em representantes a serem eleitos. homens livres estavam os escravos. Como os gregos e os romanos
ou, séculos depois, os europeus e os americanos, os vikings possuíam
escravos: inimigos capturados em batalhas, vítimas desafortunadas
Assembléias locais de incursões pelos povos das vizinhanças ou simplesmente pessoas
compradas no velho comércio de escravos que havia por toda
Começo com os vikings, não apenas por sentimentalismo, mas parte. Ao contrário dos homens nascidos livres, quando libertados,
porque sua experiência não é muito conhecida, embora importan- os escravos continuavam na dependência de seus antigos proprietá-
tíssima. Visitei algumas vezes a fazenda norueguesa a cerca de 130 rios. Se os escravos constituíam uma classe abaixo dos homens
quilômetros a nordeste de Trondheim, de onde emigrou meu avô livres, acima destes havia uma aristocracia de famílias com rique-
paterno (e que, para meu encanto, ainda é conhecida como Dahl za, geralmente em terras, e stat/ls hereditário. No ápice dessa pirâ-
Vestre, ou Dahl do Oeste). Na cidadezinha próxima, Steinkjer, ain- mide social havia U/11 rei, cujo poder era limitado por sua eleição,
da se pode ver um anel de grandes pedras em forma de barco, pela obrigação de obedecer ilS leis e pela necessidade de reter a
onde, periodicamente, se reuniam os vikings livres entre mais ou lealdade dos nobres c o apoio dos hOlllens livres.
menos o ano 600 d.C. a 1000 d.C., para uma assembléia judicial Apesar dessas graves limitaç(leS na igualdade, a classe dos
chamada Ting, em norueguês. Lugares como esse, alguns ainda homens Iivres (camponeses livres, pequenos proprietários, agri-
mais antigos, podem ser encontrados por toda a vizinhança. cultores) era grande o bastante para impor lima duradoura influên-
Por volta do ano 900 d.C., as assembléias de vikings livres não cia democrática !las instituiçües e nas tradiçcles políticas.
se encontravam apenas na região de Trondheim, mas também em Em diversas oütras partes da Europa, as condiçües locais às
muitas áreas da Escandinávia. Como acontecia em Steinkjer, a vezes também favoreciam () surgimento da participa~~ão popular no
Ting caracteristicamente se reunia num campo aberto, marcado por governo. Os vales das altas montanhas cios AI pes, por exemplo,
grandes pedras verticais. Na reunião da Til1g, os homens livres re- proporcionavam uma medida de proteção e autollomia para os ho-
solviam disputas; discutiam, aceitavam ou rejeitavam leis: adota- mens livres empenhados em atividades pastoris. Um escritor moderno
vam ou derrubavam uma proposta de mudança de religião (por descreve a Réciêl (mais tarde, () cantão suíço de Graubünden), por
exemplo, aceitaram a religião cristã em troca da antiga religião volta cio ano 800 d.C.:
nôrdica); e até elegiam ou davam aprovação a um rei - que em ge-
rai devia jurar fidelidade às leis aprovadas pela Ting. Camponeses livres ... encontravam-se numa singular situação
Os ~ikings pouco ou nada sabiam e menos ainda se importa- igualitária. Ligados pelo statlls elll COIllUIll ..• e pelos direitos
vam com as práticas políticas democráticas e republicanas de mil eOllluns de liSO dos pastos das Illontanhas. eles desenvolveram
anos antes na Grécia e em Roma. Dentro da lógica da igualdade
que aplicavam aos homens livres, eles parecem ter criado suas pró- J Joliannes Br\~IllJsted, Th" l'ikil7gs, Nova Ynrk. Penguin. JYÓO. !l. 24l.


30 Robert A. Oahl Sobre a democracia 31

um sentido de igualdade totalmente em desacordo com o impul-


a.llsia~am eternamente por rendimentos, não podiam ignorai"este
so hierárquico e voltado para o status do feudalismo medicval.
fiCO fila0 nem taxá-lo sem o consentimento de seus proprietários.
Este espírito mais tarde dominaria o posterior surgimento da
democracia na república reciana.
4 ~ara obt.er esse con~entim~nto, convocavam reuniões de represen-
t,lIltes vmdos das CidadeZinhas e das classes sociais mais impor-
tantes. Essas assembléias, esses parlamentos ou esses "estados",
Das assell/bléias aos parlamentos como eram às vezes chamados, não resultaram diretamente nas le-
gi~l~~uras nacionais de hoje, mas estabeleceram tradições, práticas
Quando se aventuraram a oeste, na direção da Islândia. os vikings e Idelas que favoreceram intensamente esse resultado.
transplantaram suas práticas políticas e recriaram em diversos locais Enquanto isso, de origens obscuras, aos poucos surgiu um
uma Ting. Foram além: prenunciando o posterior aparecimento de parlamento representativo, que nos séculos futuros viria a exercer.
parlamentos nacionais em todos os cantos, no ano 930 d.C., cria- de longe, a maior e mais importante influência sobre a idéia e a
ram uma espécie de supra Ting, a Althil/g, assembléia nacional que p~ática do governo representativo: o Parlamento da Inglaterra me-
permaneceu a fonte da legislação islandesa por trezentos anos, até dieval. _M:nos um produto intencional e planejado do que uma
a Islândia ser finalmente subjugada pelos noruegueses.' evoluçao as cegas, o Parlamento emergiu das assembléias convo-
Enquanto isso, na Noruega, na Dinamarca e na Suécia, foram cadas esporadicamente, sob a pressão de necessidades, durante o
criadas assembléias regionais que, depois, como aconteceu na reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307.
Islândia, se transformaram em assembléias nacionais. Embora o , . A e~olução do Parlamento a partir de suas origens é uma his-
subseqüente aumento do poder do rei e das burocracias centraliza- tona mUito demorada e bastante complexa para ser aqui resumida.
das sob seu controle reduzisse a importância dessas assembléias Não obstante, mais ou menos no século XVIII, essa evolução havia
nacionais, elas deixaram sua marca no que veio a acontecer mais levado a um sistema constitucional em que o rei e o Parlamento
tarde. eram !imitado: um pela autoridade do outro; no Parlamento, o poder
Na Suécia, por exemplo, a tradição da participação popular Ilas da anstocracla hereditária na Casa dos Lordes era contrabalan-
assembléias do período viking levou, no século XV, a um precur- çado pelo po(~er do povo na Casa dos Comuns. As leis promul-
sor do parlamento representativo moderno, quando () rei come(,'ou a gadas pelo reI e pelo Parlamento eram interpretadas por juízes
convocar reuniôes de representantes de diferentes setores da socie- ql:e. de modo geral (embora não sempre), independi am tanto do
dade sueca: nobreza, clero, burguesia e povo. Posteriormente, essas rei quanto do Parlamento.
l
reuniôes evoluíram, transformando-se no riksdag, ou parlamento. ' No século XVII, esse aparentemente maravilhoso sistema de
No ambiente radicalmente diferente da Holanda e de Flandres. pesos_ e contrapesos entre as grandes forças sociais do país e a se-
a expansão da indústria, do comércio e do setor financeiro ajudou a paraçao dos poderes dentro do governo era amplamente admirado
criar classes médias urbanas, compostas de indivíduos que dOll1i- na ~LI:()pa. Ele foi louvado, entre outros, por Montesquieu, o famo-
navam recursos econômicos de bom tamanho. Os governantes. que so fIlosofo político francês, e admirado nos Estados Unidos pelos
elab;)I:adores da constituição, muitos dos quais esperavam criar lla
Amenca do Norte uma república que teria as virtudes do sistema
4 Benjamin R. Barber, The [)('{/{h OfCo/1/llIl111al Liherll': A HÍslOlT o{FrccdOlIl Ín
inglês, sem os vícios da monarquia. Em seu devido tempo, a república
a SlI'Íss 11 101 111 laÍn Cllllloll, Prince!on, Princeton LJlliversitv Press. 1974. p. I 1.".
5
GWyll Jones, A Histarl' af lhe Vikings, 2. ecl .. Oxford, Oxford Universilv Pless.
que eles. ajudaram a formar proporcionaria uma espécie de modelo
1985, p. 150, 152,282-284.
para mUltas outr,ls repúblicas.
ri
Franklin D. Scott, SlI'edl'l1: Tfle Naliol1's Hislor\,. Millneapolis. LJnivelsitv (lf
Minneso[a Press, 1977, p. 1] 1-1·12.
32 Robert A. Dahl Sobre a democracia 33

Democratização: a caminho, apenas a caminho .•• o que faltou realizar


Se as idéias, as tradições, a história e os costumes que acabo
Olhando para trás com todas as vantagens de uma visão pano-
de descrever continham uma promessa de democratização ... na
râmica do passado, facilmente conseguimos ver que no início do
melhor das hipóteses, seria apenas uma promessa. Ainda faltavam
século XVIII já haviam surgido na Europa idéias e práticas políti-
peças decisivas.
cas que se tornariam importantes elementos nas convicçôes e nas
Em primeiro lugar, mesmo nos países com os mais auspiciosos
instituições democráticas posteriores. Usando uma linguagem mais
moderna e abstrata do que empregariam as pessoas dessa época. inícios, imensas desigualdades impunham enormes obstáculos à
deixem-me resumir o que seriam esses elementos. democracia: diferenças entre direitos, deveres, influência e a
Favorecida por condições e oportunidades locais em muitas força de escravos e homens livres, ricos e pobres, proprietários e
áreas da Europa (especialmente na Escandinávia. em Flandres. na não-proprietários de terras, senhores e servos, homens e mulheres,
Holanda, na Suíça e na Inglaterra), a lógica da igualdade estimulou trabalhadores independentes e aprendizes, artesãos empregados e
a criação de assembléias locais, em que os homens livres pudes- donos de oficinas, burgueses e banqueiros, senhores feudais e
sem participar do governo, pelo menos até certo ponto. A idéia de rendeiros, nobres e gente do povo, monarcas e seus súditos, fun-
que os governos precisavam do consenso dos governados, que 110 cionários do rei e seus subordinados. Mesmo os homens livres
início era uma reivindicação sobre o aumento dos impostos. aos eram muito desiguais em status, fortuna, trabalho, obrigações, co-
poucos se tornou uma reivindicação a respeito das leis em geral. nhecimento, liberdade, influência e poder. Em muitos lugares, a
Numa área grande demais para assembléias diretas de homens li-
mulher de um homem livre era considerada propriedade sua por
vres, como acontece numa cidade, numa região ou num país muito
lei, pelo costume e na prática. Assim, como sempre acontecia em
grande, o consenso exigia representaçtío no corpo que aumentava
todos os cantos, a lógica da igualdade mergulhava de cabeça na
os impostos e fazia as leis. Muito diferente do costume ateniense,
desigualdade irracional.
a representação devia ser garantida pela eleiçao - em vez de
sorteio ou alguma outra forma de seleção pelo acaso. Para garantir Em segundo lugar, mesmo onde existiam, as assembléias e os
() consenso de cidadãos livres em um país, nação ou estado- parlamentos estavam muito longe de corresponder a mínimos pa-
nação, seriam necessários legislativos ou parlamentos representati- drões democráticos. Muitas vezes os parlamentos não eram páreo
vos eleitos em diversos níveis: local, nacional e talveZ~lté provin- para um monarca; deveriam passar muitos séculos antes que o
ciano, regional ou ainda outros níveis intermediários. controle sobre os ministros do rei mudasse de um monarca para um
Essas idéias e essas práticas políticas européias proporcionaram parlamento ou que um presidente tomasse o lugar de um rei. Os
uma base para o surgimento da democracia. Entre os proponentes parlamentos em si eram bastiões de privilégio, especialmente em
de uma democratização maior, as descrições de governos populares dtmaras reservadas para a aristocracia e o alto clero. Na melhor das
na Grécia clássica, em Roma e nas cidades italianas às vezes em- hipóteses, os representantes eleitos pelo "povo" tinham apenas uma
prestavam maior plausibilidade à sua defesa. Essas experiências influência parcial na legislação.
históricas demonstraram que os governos sujeitos à vontade do Em terceiro lugar os representantes do "povo", na verdade.
povo eram mais do que esperanças ilusórias. Elas reallllente acoll-
não representavam todo o povo. Afinal de contas, os homens livres
teceram e duraram muitos séculos; valia a pena tirar proveito delas.
eram homens. Com a exceção da mulher que ocasionalmente ocu-
passe o posto ele monarca, metade da população adulta estava ex-
cluída da vida política. Muitos - ou melhor, a maioria - dos
34 Robert A. Dahl Sobre a democracia 35

homens adultos também estavam excluídos. Somente em 1832 o ex.p:essão era seriamente restrita, especialmente se exercida para
direito de voto foi estendido a apenas 5% da população acima dos cntIcar o rei. Não havia legitimidade ou legalidade na oposição
vinte anos de idade. Naquele ano foi preciso uma tempestuosa luta política. A "Leal Oposição a Sua Majestade" era uma idéia cujo
para expandir o sufrágio a pouco mais de 7% (Fig. 2)t Na Noruega, momento ainda não havia chegado. Os partidos políticos fora'm
apesar do promissor aparecimento da participação popular nas Tings amplamente condenados por ser considerados perigosos e indese-
jáveis. As eleições eram notoriamente corrompidas por agentes da
dos tempos dos vikings, a porcentagem era um pouco melhor. 7
Coroa.
O avanço das idéias e dos costumes democráticos dependia da
FIGURA 2. Eleitorado da Grã-Bretanha, 1831-1931 (dados da En-
existência de determinadas condições favoráveis ainda inexisten-
ciclopédia Britânica [1970], verbete "Parlamento")
tes. Enquanto somente uns poucos acreditassem na democracia e
estivessem prontos para lutar por ela, o privilégio existente se
<l) 97
"O
c;)
100 manteria com a ajuda de governos não-democráticos. Mesmo no
"O
''-<
90
momento em que muitos passaram a acreditar nas idéias e nas me-
<l)
"O tas democráticas, outras condições ainda seriam necessárias para
Vl
oq 80 74 uma democratização maior. Mais adiante, na Parte IV, descreverei
C"(I
algumas das mais importantes dessas condiçôes.
<l) 70
I=i Entretanto, temos de lembrar que, depois do promissor início
'>
Vl
60 esboçado neste capítulo, a democratização não seguiu a trilha
o ascendente até () presente. Havia altos e haixos, movimentos de
"O 50
C"(I
resistência, rebeliões, guerras civis, revoluções. Por muitos séculos,
S 40
'0 30 a ascensão das monarquias centralizadas inverteu alguns dos anti-
C"(I 28.5
o 30 gos avanços - ainda que essas mesmas monarquias talvez tenham
tC"j
u'
C"(I 16.4 18 ajudado a criar algumas das condiçôes favoráveis à democratização
;::I 20 a longo prazo.
o... 9
o 7.1 Examinando-se a ascensào e a queda da democracia, está claro
o... 10
C"(I
"O
que não podemos ctfIltar com as forças históricas para assegurar
O que a democracia avançará para sempre - ou sobreviverá, como
~ 1831 1832 1864 1868 1883 1886 1914 1921 1931
nos fazem lembrar os longos períodos em que desapareceram da
face da Terra os governos populares.
Em quarto lugar, até depois do século VIII, as idéias e as C()J1-
Aparentemente, a democracia é um tantinho incerta. Em todo
vicções democráticas não eram amplamente compartilhadas nem
caso, suas chances também dependem do que fazemos. Ainda que
muito bem compreendidas. Em todos os países, a lógica da igual-
não possamos contar com forças históricas benevolentes para favo-
dade foi eficaz apenas entre poucos - poucos bastante privilegiados.
recer a democracia, não somos simples vítimas de forças cegas
Mesmo a compreensão do que exigiria uma república democrática
sobre as quais não temos nenhum controle. Com uma boa compre-
como instituição política absolutamente não existia. A liberdade de
ensão do que a democracia exige e a vontade para satisfazer essas
exigências, podemos agir para preservar e levar adiante as idéias e
Dolf Sternberger e Bernhard Vogel, eds., Die Wah! Der f'ar/iaI/1I'1/Ie. v. I. os costumes democráticos.
E/lroJ){J Berlim, \Valter de Gruyter, 1969, parte L Tabela Al, p. 632, parte 2,
p. 895, Tabela A2, p. 913.

.. '
Capítulo 3

o que há pela frente?

Quando se discute a democracia, talvez nada proporcione COIl-


fusão maior do que o simples fato de "democracia" referir-se ao
mesmo tempo a um ideal e a uma realidade. Muitas vezes essa dis-
tinção não é muito clara. Por exemplo, Alan diz:
- Penso que a democracia é a melhor forma possível de governo.
Beth retruca:
- Você deve estar doido, para acreditar que o chamado govefllo
democrático deste país seja o melhor que poderíamos ter! A meu
ver, não chega a ser uma grande democracia ...
Naturalmente, Alan fala de uma democracia ideal, e Beth se
refere a um governo de verdade, do tipo chamado democracia. Até
conseguirem esclarecer o significado que cada um dos dois tem em
mente, Alan e Beth muito discutirão. De minha vasta experiência.
sei como isso pode acontecer facilmente - até mesmo (sinto ter de
acrescentar) entre acadêmicos profu ndamente conhecedores das
idéias e das práticas democráticas.
Em geral, podemos evitar esse tipo de confusão esclarecendo ()
significado que tencionamos dar à expressão - Alan continua:
- Ah, mas eu não falava do governo reaL .. Quanto a isso. es-
taria inclinado a concordar com você ...
E Beth replica:
- Muito bem, se você está falando de governos ideais, creio
que está certíssimo. Acredito que, no plano ideal, a democracia é a
melhor forma de governo. É por isso que eu gostaria que o nosso
governo fosse bem mais democrático do que realmente é.
38 Robert A. Dahl Sobre a democracia 39

Os filósofos empenharam-se em intermináveis discussôes a (1) a saúde é um bom objetivo; (2) o governo deveria esforçar-se
respeito das diferenças entre as nossas opiniões sobre metas, fins, para atingir este objetivo; e (3) o seguro de saúde universal é a
valores e assim por diante, além de nossas opiniões sobre realida- melhor maneira de atingir esse objetivo. Além do mais, fazemos
de, verdade e por aí afora ... temos opiniões do primeiro tipo em uma enorme série de julgamentos empíricos, como o (3), que re-
resposta a perguntas do tipo "O que eu deveria fazer? Qual é a coi- presentam nossa melhor opinião diante de grandes incertezas. Num
sa certa a fazer?" Formamos opiniões do segundo tipo em resposta sentido estrito, não são conclusões "científicas". Muitas vezes ha-
a perguntas do tipo "O que posso fazer? Que opiniões estão abertas seiam-se num misto de evidências concretas, evidências subjetivas,
para mim? Quais serão as prováveis conseqüências, se eu escolher evidência nenhuma e incerteza. Julgamentos desse tipo às vezes
fazer X e não Y?" As opiniões do primeiro tipo são os julgamentos são chamados "práticos" ou "empíricos". Por fim, um tipo impor-
de valor, ou julgamentos morais; as do segundo, são os julgamen- tante de julgamento prático é pesar os ganhos de um determinado
tos empíricos. valor, indivíduo ou grupo de indivíduos em relaçáo aos custos de
outro valor, indivíduo ou grupo. Para descrever situações dessa
espécie, às vezes tomarei de empréstimo uma expressáo fre-
Palavras sobre palavras qüentemente adotada pelos economistas, para dizer que temos de
escolher entre as diversas "negociações" possíveis entre os nossos
Embora os filósofos se tenham empenhado em intermináveis
objetivos. Conforme avançarmos, iremos deparando com todas
discussões sobre a natureza dos julgamentos de valor, dos julga- essas variantes de julgamentos de valor e julgamentos empíricos.
mentos empíricos e sobre as diferenças entre esses dois tipos de
julgamentos, aqui não precisamos preocupar com essas questôes
filosóficas, pois na vida cotidiana estamos bastantc habituados a Ob.ietiyos democráticos e realidades
distinguir entre o real e o ideal. Não obstante, devemos ter sempre
em mente que é bom haver uma distinção entre os julgamentos de Embora valha a pena distinguir entre ideais e realidades, tam-
valor e os julgamentos empíricos, desde que não forcemos demais. bém precisam()s entender como as realidades e as metas ou os
Quando afirmamos que "um governo deveria dedicar semelhante ideais democráticos estão ligados entre si. Nos capítulos mais
consideração ao bem e aos interesses de todas as pessoas ligadas adiante, explicarei mais completamente essas conexões. Enquanto
por suas decisões" ou que "a felicidade é o bem maior", estamos () isso, permitam-me usar um gráfico como guia para o que teremos à
mais próximo possível de julgamentos "puros" de valor. Um frcnte.
exemplo no extremo oposto é a proposição estritamente empírica Caua uma das quatro questões sobre Ideal e Realidade é fun-
da famosa lei da gravitação universal de Newton, que afirma que a damental:
força entre dois corpos é diretamente proporcional ao produto de () (file' é democracia? () que sigl7ifica a democracia? Em outras
suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância palmnls. qlfe' critàio.\' deveríal//os utilizar para determinar se - e
entre elas. Na prática, muitas afirmações contêm ou implicam ele- até que ponto ~ 11111 go"erno é de/l1ocrático?
mentos dos dois tipos de julgamentos, o que cI'Contece quase sem-
pre em relação às opiniões sobre a política pública. Por exemplo,
alguém que diz que "o governo deveria estabelecer um programa
de seguro de saúde universal", na verdade, estará afirmando que:
4-0 Robert A. Dahl Sobre a democracia 41

FIGURA 3. Os elementos mais importantes de .enriquecer, .ror pensar~m que a política democrática poderá
abm uma pronllssora carreIra política ou porque alguém que admi-
IDEAL REALIIM.DE ram lhes diz que a democracia é melhor - e assim por diante ...
Metas e ideais Governos democráticos reais Existirão razões para apoiar a democracia de importância mais
geral ou, quem sabe, mais universal? Acredito que sim. Essas ra-
o queé Por que democracia? Que instituições Que condições
zões serão discutidas do Capítulo 5 ao Capítulo 7.
democracia políticas a favorecem a
democracia democracia?
exige? Dados os hmites e as possibilidades do lI//mdo real. que institui-
ções políticas são necessárias para corresponder da melhor ma-
Capítulo 4 Capítulos 5-7 Parte III Parte IV
neira possível aos padrões ideais?
Creio que um sistema como esse teria de satisfazer cinco crité-
Como veremos no próximo capítulo, em tempos e lugares
rios e que um sistema que satisfaça a esses critérios seria plena-
v.ari~dos, sistemas políticos dotados de instituições políticas ;igni-
mente democrático. No Capítulo 4, descrevo quatro desses critérios
fIcatIvamente diferentes têm sido chamados de repúblicas ou de-
e nos Capítulos 6 e 7 mostro por que precisamos de um quinto cri-
/J~ocracias. No capítulo anterior, descobrimos uma razão pela qual
tério. No entanto, lembre-se de que esses critérios descrevem um
dIferem as instituições políticas: elas foram adaptadas a enormes
sistema democrático ideal ou perfeito. Imagino que nenhum de nós
diferenças no tamanho ou na escala das unidades políticas - popu-
acredita que realmente possamos chegar a um sistema perfeita-
lação, território, ou ambas. Algumas unidades políticas, como uma
mente democrático, dados os inúmeros limites que o mundo real
aldeia inglesa, são minúsculas em área e população; outras, como a
noS impõe. Contudo, esses critérios nos dão padrões em relação aos
China, o Brasil ou os Estados Unidos. são gigantescas em ambas.
quais podemos comparar as realizações e as imperfeições restantes
Uma pequena cidade poderá satisfazer razoavelmente bem aos cri-
dos sistemas políticos existentes e suas instituições, e assim podem
térios democráticos sem algumas das instituições que seriam ne-
nos orientar para as soluções que nos aproximariam do ideal.
cessárias em um grande país, por exemplo.
Entretanto, desde o século XVIII. a idéia de democracia foi
aplicada a países inteiros: os E"tados Unidos, a França, a Grã-
Por que a de111ocracia? Que razôes podemos dar para acreditar
Bretanha, a Noruega, o Japão, a Índia. Instituições -políticas que
que a democracia é o melhor sistema político? Que valores sâo
pareceriam necessárias ou desejáveis para a democracia na peque-
mais bem atendidos pela democracia?
na escala de uma cidadezinha ou de uma vila mostraram ser total-
Ao responder a essas perguntas, é essencial que nos lembre- mente impróprias para a escala muito maior de um país moderno.
mos de que não estamos apenas perguntando por que as pessoas As instituições políticas adequadas para uma cidadezinha seriam
hoje apóiam a democracia, por que a apoiaram no passado ou como também totalmente impróprias até mesmo para países pequenos na
surgiram os sistemas democráticos. Pode-se preferir a democracia escala global, como a Dinamarca ou a Holanda. Nos séculos XIX e
por inúmeras razões. Por exemplo, algumas pessoas preferem a XX, surgiu um novo conjunto de instituições parcialmente asse-
democracia sem pensar muito por quê; em seu tempo e lugar, fal- melhado às instituições políticas nas democracias e nas repúblicas
sos louvores à democracia podem ser o mais convencional ou o antigas; mas, visto na Íntegra, ele constitui um sistema político in-
mais tradicional a fazer. Alguns preferirão a democracia por acre- teiramente novo.
ditarem que um governo democrático lhes dará maior oportunidade O Capítulo 2 apresentou um rápido esboço desse desenvolvi-
mento histórico. Na Parte m, descrevo mais plenamente as insti-
'1-2 Robert A. Dahl Sobre a democracia 43

tuições políticas das verdadeiras democracias e como elas vanam mentos continuam dependendo muito de valores ideais, mas tam-
em pontos importantes. bém de nossas convicções relacionadas a conexões causais, a limi-
Uma palavra de advertência: dizer que determinadas institui- tes e a possibilidades no mundo real à nossa volta - ou seja, em
ções são necessárias não é dizer que elas sejam suficientes para julgamentos empíricos. Começamos a confiar bem mais nas inter-
atingir a democracia perfeita. Em todos os países democráticos há pretações das evidências, dos fatos e dos fatos implícitos. Quando
uma grande lacuna entre a democracia real e a democracia ideal. tentamos decidir que instituições políticas a democracia realmente
Esta lacuna oferece uma dificuldade: poderíamos encontrar manei- exige, confiamos ainda mais nas evidências e nos julgamentos em-
ras de tornar os países "democráticos" mais democráticos? píricos. No entanto, aqui também o que tem importância para lHís
Se até mesmo os países "democráticos" não são totalmente em parte depende de nossas opiniões anteriores sobre o significado
democráticos, o que poderemos dizer de países que não dispõem e o valor da democracia. A razão pela qual talvez nos preocupemos
das grandes instituições políticas da democracia moderna - os paí- com a forma das instituições políticas no mundo real é que os valo-
ses não-democráticos? Como seria possível torná-los mais demo- res da democracia e seus critérios são importantes para nós.
cráticos, se é que isto seria possível? Por que razão alguns países se Quando chegamos ao lado direito do gráfico e procuramos
tornaram mais democráticos do que outros? Essas questões nos determinar as condições que favorecem o desenvolvimento e a
levarão a outras. Que condiçües em um país (ou qualquer outra estabilidade das instituições democráticas, nossas opiniües sáo
unidade política) favorecem o desenvolvimento e a estabilidade das diretamente empíricas, dependem inteiramente da maneira como
instituições democráticas? Inversamente, poderíamos perguntar: interpretamos as evidências de que dispomos. Por exemplo: as
quais condições têm probabilidade de evitar ou impedir seu surgi- convicções democráticas contribuem ou não contribuem de ma-
mento e sua estabilidade? neira significativa para a sobrevivência das instituições políticas
No mundo de hoje, essas questües têm extraordinária importân- democráticas?
cia. Felizmente, neste final do século XX, temos respostas muito Assim, nossa trilha nos levará da exploração cle ideais, metas e
melhores do que se poderia obter há poucas geraçi\es e muito me- valores, na Parte lI, para as descrições muito mais empíricas das
lhores do que em qualquer outro momento da história. Na Parte IV, instituições políticas, na Parte Ill. Com isso, estaremos em posição
indicarei as respostas que temos para essas questües decisivas no para, na Parte IV, passarmos a uma descrição das condições favo-
momento em que se encerra o século XX. ráveis ou desfavoráveis para as instituiçües políticas democráticas,
As respost(ts que temos nfto deixam de ser um tanto incertas. em que nossas opiniões serão de natureza quase exclusivamente
Não obstante, elas proporcionam um ponto de partida mais firme empírica. Por fim, no último capítulo, descreverei algumas das
do que nunca para procurarmos as soluçües. dificuldades que as democracias terão de enfrentar nos próximos
anos.

Dos .julgamentos de valor' aos julgamentos empíricos

Antes de abandonar o gráfico, desejo chamar atenção para


uma importante mudança quando passamos da esquerda para a di-
reita. Ao responder à pergunta O que é democracia?, fazemos jul-
gamentos exclusivamente baseados em nossos valores ou 110 que
acreditamos ser um objetivo bom, correto ou desejável. Quando
passamos para a pergunta Por que democracia?, nossos julga-
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Capítulo 1+

o que é democracia?

Todos nós temos objetivos que não conseguimos atingir sozi-


nhos. No entanto, cooperando com outras pessoas que visam a
objetivos semelhantes, podemos atingir alguns deles.
Suponhamos então que, para atingir certas metas em comum,
você e muitas centenas de outras pessoas concordam em formar
uma associação. Podemos deixar de lado os objetivos específicos
dessa associação para nos concentrarmos na pergunta que serve de
título para este capítulo: O que é democracia?
Na primeira reunião, continuaremos supondo, diversos mem-
bros dizem que a associação precisará de uma constituição. A opi-
nião deles é bem recebida. Já que você é considerada pessoa dotada
de certa habilidade em questões desse tipo, um membro propõe que
seja convidado para fazer a minuta de uma constituição, que depois
levaria a uma próxima reunião para ser discutida pelos memhros.
A proposta é adotada por aclamação.
Ao aceitar a incumbência, você diz algo mais ou menos assim:
- Creio que compreendo os objetivos que temos em comum,
mas não sei muito bem como deveríamos tomar nossas decisões.
Por exemplo: queremos uma constituição que entregue a muitos
dos mais capazes e mais instruídos entre nós a autoridade para
tomar todas as nossas decisões mais importantes? Esse arranjo ga-
rantiria decisões mais sábias, além de poupar muito tempo e esfor-
ço para os outros.
Os membros rejeitam em massa uma solução desse tipo. Um
cleles, a quem chamarei cle Principal Falante, argumenta () seguinte:
48 Robert A. Dahl Sobre a democracia 49

- Nas questões mais importantes de que esta assembléia trata- tarefa que tem pela frente é mais específica: criar um conjunto de
rá, nenhum de nós é tão mais sábio do que os outros, para que regras e princípios, uma constituição, que determinará como serão
automaticamente prevaleçam as idéias de um ou de outro. Ainda tomadas as decisões da associação. Além disso, a sua associação
que alguns membros saibam mais sobre uma questão em determi- deverá estar de acordo com um princípio elementar: todos os
nado momento, somos todos capazes de aprender o que precisamos membros deverão ser tratados (sob a constituição) como se estives-
saber. Naturalmente, teremos de discutir as questões e deliberar sem igualmente qualificados para participar do processo de tomar
entre nós antes de chegar a qualquer decisão. Deliberar, discutir e decisões sobre as políticas que a associação seguirá. Sejam quais
depois tomar as decisões políticas é uma das razões pelas quais forem as outras questões, no governo desta associação todos os
estamos formando essa associação. Mas todos estamos igualmente membros serão considerados politicamel1te iguais.
qualificados para participar da discussão das questões e discutir as
políticas que a nossa associação deve seguir. Conseqüentemente. a
nossa constituição deve basear-se nesse pressuposto, ela terá cle Os critérios de um processo democrático
assegurar a todos nós o direito de participar das tomadas de deci-
são da associação. Para ser bem claro: porque estamos todos No espesso matagal das idéias sobre a democracia, às vezes
igualmente qualificados, devemos nos governar democraticamente. impenetrável, é possível identificar alguns critérios a que um pro-
O prosseguimento da discussão revela que as idéias apresenta- cesso para o governo de uma associação teria de corresponder, para
das pelo Principal Falante estão de acordo com a visão prevale- satisfazer a exigência de que todos os membros estejam igualmente
cente. Todos concordam em fazer o esboço de uma constituição, capacitados a participar nas decisões da associação sobre sua política?
segundo esses pressupostos. Acredito que existam pelo menos cinco desses critérios (Fig. 4).
Entretanto, ao começar a tarefa, descobre-se que diversas asso-
ciações e organizações que se chamam "democráticas" adotaram • F'articipaçào efetiva. Antes de ser adotada uma política pela
muitas constituições diferentes. Descobre-se que, mesmo entre associação, todos os membros devem ter oportunidades iguais
países "democráticos", as constituições diferem em pontos impor- e efetivas para fazer os outros membros conhecerem suas opi-
tantes. Por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos prevê um niões sobre qual deveria ser esta política.
poderoso chefe executivo na presidência e, ao mesmu tempo, um • Igllaldade de roto. Quando chegar o momento em que a deci-
poderoso legislativo no Congresso; cada um é bastante indepen- -- são sobre a política for tomada, todos os membros devem ter
-dente do outro. Em compensação, a maioria dos países europeus oportunidades iguais e efetivas de voto e todos os votos devem
preferiu um sistema parlamentar, em que o chefe do Executivo. () ser contados como iguais.
primeiro-ministro, é escolhido pelo Parlamento. Pode-se facilmente • Entendimento esclarecido. Dentro de limites razoáveis de tem-
apontar muitas outras diferenças importantes. Aparentemente. não po, cada membro deve ter oportunidades iguais e efetivas de
existe uma só constituição democrática (voltarei a essa questão n() aprender sobre as políticas alternativas importantes e suas pro-
Capítulo 10). váveis cOllseqüências.
Começamos então a nos perguntar se essas diferentes COIlS- • Controle do programa de planejamento. Os membros devem ter a
tituições têm algo em comum que justifique intitularem-se "democrá- oportunidade exclusiva para decidir como e, se preferirem, quais
ticas". Talvez algumas sejam mais "democráticas" do que outras? as questôes que devem ser colocadas no planejamento. Assim, o
O que significa del/locracia? Logo os leitores aprenderão que a processo democrático exigido pelos três critérios anteriores jamais
palavra é usada de maneiras pasmosamente diferentes. Sabiamente, é encerrado. As políticas da associação estão sempre abertas
você decidirá ignorar essa infinita variedade de definições, pois a para a mudança pelos membros, se assim estes escolherem.
50 Robert A. Dahl Sobre a democracia 51

• Inclusão dos adultos. Todos ou, de qualquer maneira. a maio- associação. O critério da participação efetiva visa evitar que ISSO
ria dos adultos residentes permanentes deveriam ter o pleno aconteça.
direito de cidadãos implícito no primeiro de nossos critérios. Suponhamos que os votos de diferentes membros sejam con-
Antes do século XX, este critério era inaceitável para a maioria tados desigualmente. Por exemplo, imagine que aos votos seja
dos defensores da democracia. Justificá-lo exigiria que exami- atribuído um peso proporcional à quantidade de propriedades dos
nássemos por que devemos tratar os outros como nossos iguais membros e estes possuam quantidades imensamente diferentes de
políticos. Depois de explorarmos essa questão nos Capítulos () propriedades. Se acreditamos que todos os membros estão igual-
e 7, voltarei ao critério de inclusão. mente hem qualificados para participar das decisões da associação,
por que os votos de alguns deveriam ser contados mais do que os
FIGURA 4. O que é de/llocracia? votos de outros?
Embora os dois primeiros critérios pareçam quase evidentes, ()
A democracia proporciona oportunidades para:
critério do entendimento esclarecido poderia ser questionado: será
1. Participação efetiva necessário ou adequado? Se os membros não forem igualmente
qualificados, por que então criar uma constituição baseada no pres-
2. Igualdade de voto
suposto de que süo iguais?
3. Aquisição de entendimento esclarecido Contudo, como disse o Principal Falante, o princípio da igual-
dade política pressupõe que os membros estejam todos igualmente
4. Exercer o controle definitivo do planejamento
qualificados para participar das decisões, desde qlle tenham iguais
5. Inclusão dos adultos oportunidades de aprender sobre as questões da associação pela
investigaçüo. pela discussão e pela deliberação. O terceiro critério
Enquanto isso, você poderia começar a se perguntar se os quatro visa assegurar essas oportunidades para cada um dos membros. Sua
primeiros critérios são apenas seleções muitíssimo arbitrárias de essência foi apresentada no ano 431 a.c. pelo ateniense Péricles,
várias possibilidades. Teremos boas razões para adotar esses pa- numa famosa oraç;lo comemorativa dos mortos da guerra da cidade:
drões especiais para um processo democrático?
Nossos cidadf!os cOl1luns. embora ocupados com as atividades
da indústria. ainda são bons juízes das questões públicas .,. e.
Por que esses cl"itérios? em vez de ver a discussào COl1l0 um impedimento da ação. pen-
samos ser um preliminar indispensável para qualquer açào judi-
• 1
A resposta mais curta é simplesmente esta: cada um deles é Ciosa.

necessário, se os membros (por mais limitado que seja seu número)


forem politicamente iguais para determinar as políticas da associa- Reunidos, os três primeiros critérios pareceriam suficientes.
ção. Em outras palavras, quando qualquer das exigências é violada. Imagine que alguns membros se oponham secretamente à idéia cle
os membros não serão politicamente iguais. que todos devam ser tratados como iguais políticos no governo dos
Por exemplo, se alguns membros recebem maiores oportuni- negócios da associação. Os interesses dos maiores proprietários,
dades do que outros para expressar seus pontos de vista, é provável dizem eles, são bem mais importantes do que os interesses dos
que suas políticas prevaleçam. No caso extremo, restringi ndo as
oportunidades de discutir as pl'opostas constantes no programa. Tucídides. ('OllllJ!eI~ Wrilillgs: 7he !'eI!J!J(}//lIcsilll1 W({r. traduçãll Crawley (pnra
(1 inglês) nClo-rcsumida, com introdução de Jllhn H. Finley .Ir.. Nova York,
uma pequena minoria poderá realmente determinar as políticas da
Random HOllse. 1951, p. 1 0 5 . " "
52 Robert A. Dahl Sobre a democracia 53

outros. Argumentam que, embora fosse melhor se os votos dos Palavras sobre palavras
maiores proprietários recebessem maior peso, eles sempre ven-
ceriam, o que parece estar fora de questão. Conseqüentemente, se- Como a palavra estado muitas vezes é utilizada de maneira li-
ria necessário haver um dispositivo que lhes permitisse prevalecer, vre e ambígua, eu gostaria de dizer rapidamente o que entendo so-
não importa o que a maioria dos associados adote em voto livre e bre ela. A meu ver, estado é um tipo muito especial de associação
justo. que se distingue pelo tanto que pode garantir a obediência às regras
Eles apresentam uma solução criativa: uma constituição que sobre as quais reivindica jurisdição, por seus meios superiores de
corresponderia satisfatoriamente aos três primeiros critérios e que, coerção. Quando as pessoas falam sobre "governo", normalmente
até este ponto, pareceria plenamente democrática. No entanto, para se referem ao goremo do estado sob cuja jurisdição vivem. Por
anular esses critérios, propõem exigir que nas reuniões gerais os toda a história, com raras exceções, os estados exerceram sua juris-
membros pudessem apenas discutir e votar sobre questões já in- dição sobre pessoas que ocupam um determinado território (às ve-
cluídas no programa por uma comissão executiva; a participação zes incerto ou contestado). Podemos então pensar no estado como
nesse comitê executivo estará aberta apenas para os maiores pro- entidade territorial. Embora em alguns momentos ou lugares o ter-
prietários. Controlando o programa do governo, essa minúscula ritório de um estado não seja maior do que uma cidade, nos últimos
"igrejinha" teria a certeza de que a associação jamais atuará contra séculos em geral reclamaram jurisdição sobre países inteiros.
seus interesses, porque jamais permitirá qualquer proposta que se Pode-se pensar que uso subterfúgios em minha rápida tentativa
mostre contrária a seus interesses. de transmitir o significado da palavra estado. Os textos de filósofos
Depois de refletir, você rejeitará a proposta deles, por violar o conhecedores da política e das leis provavelmente exigiriam o ce)!1-
princípio da igualdade política que deveria sustentar. Em vez disso, sumo de uma pequena t1oresta, mas o que eu disse servirá para
você é levado a buscar arranjos constitucionais que satisfaçam o nossos objetivos."
quarto critério, garantindo assim que o controle final permaneça Voltemos à nossa,questão. Podemos aplicar os critérios ao go-
em mãos do conjunto dos associados. verno de um estado? E claro que sim! Há muito tempo, o foco es-
Para que os membros sejam iguais políticos no governo dos sencial das idéias democráticas é o estado. Embora outros tipos de
negócios da associação, seria preciso corresponder a todos os qua- associações, em especial algumas organizações religiosas, tenham
tro critérios. Parece então que descobrimos os critérios que devem mais tarde desempenhado um papel na história das idéias e das
~-
ser correspondidos por uma associação regida por princípios de- praticas democráticas, desde o início da democracia na Grécia e na
mocráticos. Roma antiga, as instituições políticas, que normalmente conside-
ramos características da democracia. foram criadas, em essência,
como um meio de democratizar o governo dos estados.
Algumas questões decisivas Talvez valha a pena repetir: nenhum estado jamais possuiu um
governo que estivesse plenamente de acordo com os critérios de
Será que respondemos à pergunta "o que é democracia?" ... um processo democrático. É provável que isso não aconteça. No
Seria tão fácil responder a essa pergunta! A resposta que apresentei
é um bom lugar para começarmos, mas ela sugere muitas outras
Os leitores norte-americanos acostumados a aplicar a expressão estado para os
perguntas. estados que constituem o sistema Federal dos Estados Unidos poderão aclwr
Para começar: mesmo que os critérios sejam bem aplicados ao confuso eqe uso. A expressão é amplamente usada na legislaçfio internaciollal.
governo de uma associação voluntária muito pequena, seriam apli- Ilas ciências políticas, na filosofia, e em outros países. incluindo diversos com
cáveis ao governo de um estado ... ? sistemas de federação. constituídos de partes chamadas f1,.o"íllcias (como o Ca-
nadá), Ca17Ir1CS (a Suíça), La/l(!e (a Alemanha), e assim por diante.
54 Robert A. Dahl Sobre a democracia 55

entanto, como espero demonstrar, esses critérios proporcionam líticas, em que nossas opções exigirão incontáveis julgamentos teó-
configurações altamente vantajosas para se avaliar as realizações e ricos e opiniões práticas. Entre outras dificuldades, quando tenta-
as potencialidades do governo democrático. mos aplicar muitos critérios (neste caso, pelo menos quatro), é
Uma segunda questão: seria realista pensar que uma associa- provável que venhamos a descobrir que às vezes entram em conflito
ção poderia satisfazer plenamente a esses critérios? Em outras uns com os outros e teremos de ponderar os valores contlitantes,
palavras, poderia alguma associação verdadeira ser plenamente como descobriremos no exame das constituições democráticas no
democrática? No mundo real, será provável que todos os membros Capítulo 10.
de uma associação tenham iguais oportunidades de participar, de Por fim, uma questão ainda mais fundamental: aparentemente,
adquirir informação para compreender as questões envolvidas e as idéias do Principal Falante foram aceitas sem discussão. Por
assim influenciar o programa? quê? Por que deveríamos acreditar que a democracia é desejável,
Não, não é provável. Se fosse, seriam úteis esses critérios? Oll especialmente 110 governo de uma associação importante c(;mo o
serão apenas esperanças utópicas pelo impossível? A resposta mais estado? Se a característica desejável da democracia pressupõe a
simples é que são tão úteis quanto podem ser modelos ideais e mais desejável característica da igualdade política, por que deveríamos
importantes e úteis do que muitos. Eles nos proporcionam padrões acreditar em algo que, diante disso, parece bastante absurdo? E se
para medirmos o desempenho de associações reais que afirmam ser não acreditamos em igualdade política, como poderemos apoiar a
democráticas. Podem servir como orientação para a moldagem e a democracia? Se acreditamos em igualdade política entre os cida-
remoldagem de instituições políticas, constituições, práticas e arranjos dãos de um estado, isto não exigiria que adotássemos algo como o
concretos. Para todos os que aspiram à democracia, eles também quinto critério - até mesmo a cidadania?
podem gerar questões pertinentes e ajudar na busca de respostas. Agora nos voltaremos para essas complicadas questóes.
Assim como se conhece o bom cozinheiro provando a comida.
espero mostrar nos próximos capítulos como esses critérios podem
nos orientar para as soluções de alguns dos principais problemas da
teoria e da prática democrática.
Uma terceira questão: considerando que nos sirvam de orien-
tação, bastariam esses critérios para o planejamento de instituiçóes
políticas democráticas? Se, como imaginei anteriormente, houvesse
recebido o encargo de planejar uma constituição democrática e
propor instituições verdadeiras de um governo democrático, você
conseguiria passar diretamente dos critérios ao plano? Evidente-
mente, não. Um arquiteto munido apenas dos critérios dados pelo
cliente -localização, tamanho, estilo geral, número e tipo de peças,
custo, cronograma e assim por diante - só poderia desenhar o pro-
jeto depois de levar em conta uma série enorme de fatores específi-
cos. O mesmo acontece com as instituições políticas.
Não é nada simples encontrarmos a melhor maneira de inter-
pretar os nossos padrões democráticos, aplicá-los a uma associação
específica e criar as práticas e as instituições políticas que eles exi-
giriam. Para isto, devemos mergulhar de cabeça nas realidades po-
Capítulo 5

Por que a democracia?

Por que deveríamos apoiar a democracia? Por que deveríamos


apoiar a democracia no governo do estado? Lembremos: o estado é
uma associação singular, cujo governo possui uma extraordinária
capacidade de obter obediência a suas regras pela força, pela coerção
e pela violência, entre outros meios. Não haverá melhor maneira de
governar um estado? Um sistema não-democrático de governo não
seria melhor?

Palavras sobre palavras

Em todo esse capítulo, usarei a palavra democracia livremente


para me referir a governos de verdade (não governos ideais) que
até certo ponto, mas não completamente, correspondam aos critérios
apresentados no último capítulo. Às vezes, usarei tamhém governo
popular como expressão abrangente, incluindo os sistemas demo-
cráticos do século XX e ainda sistemas que são democráticos de
maneira diferente, nos quais boa parte da populaçào adulta está
excluída do sufrágio e de outras formas de participaçào política ..
Até o século XX, a maior parte do mundo proclamava a supe-
rioridade dos sistemas não-democráticos, na teoria e na prática. Até
bem pouco tempo, uma preponderante maioria dos seres humanos -
às vezes, todos - estava sujeita a governantes não-democráticos.
Os chefes dos regimes não-democráticos em geral tentaram justifi-
car seu domínio recorrendo à velha exigência persistente de que,
em geral, as pessoas simplesmente não têm competência para partl-
58 Robert A. Dahl Sobre a democracia 59

cipar do governo de um estado. Segundo esse argumento, a maioria :I de/llocracia a;/lda a evitar o governo de all/ocra/as
estaria bem melhor se deixasse o complicado problema do governo cruéis e co,.rllp/os
nas mãos dos mais sábios - no máximo, a minoria, às vezes apenas
uma pessoa ... Na prática, esse tipo de racionalização nunca era o problema fundamental e mais persistente na política talvez
seja evitar o domínio autocrático. Em toda a história registrada,
suficiente, e, assim, onde a argumentação era deixada de lado, a coer-
incluindo este nosso tempo, líderes movidos por megalomania, pa-
ção assumia o controle. A maioria jamais consentia em ser gover-
ranóia, interesse pessoal, ideologia, nacionalismo, fé religiosa,
nada pelos auto nomeados superiores, era obrigada a aceitá-los. convicções de superioridade inata, pura emoção ou simples impulso
Esse tipo de visão (e prática) ainda não terminou. Mesmo nos dias exploraram as excepcionais capacidades de coerção e violência do
de hoje. De uma forma ou de outra, a discussão sobre o governo estado para atender a seus próprios fins. Os custos humanos do go-
"de um, de poucos ou de muitos" ainda existe entre nós. verno despótico rivalizam com os custos da doença, da fome e da
guerra.
Pense em alguns exemplos cio século XX. Sob o governo de
FIGURA 5. Por que a democracia? Joseph Stalin, na União Soviética (1929-1953), milhões de pessoas
foram encarceradas por motivos políticos, muitas vezes devido ao
A democracia apresenta conseqüências desejáveis:
medo paranóico que ele tinha de conspirações contra si. Estima-se
1. Evita a tirania que vinte milhões morreram nos campos de trabalho, foram exe-
2. Direitos essenciais cutados por razões políticas ou morreram da fome (1932-1933) que
3. Liberdade geral aconteceu quando Stalin obrigou os camponeses a se inscrever nas
fazendas administradas pelo estado. Embora outros vinte milhôes
4. Autodeterminação
talvez tenham conseguido sobreviver ao governo de Stalin, todos
5. Autonomia moral sofreram cruelmente. I Pense tamhém em Adolph Hitler, o gover-
6. Desenvolvimento humano nante autocrata da Alemanha nazista (1933-1945). Sem contar as
7. Proteção dos interesses pessoais essenciais dezenas de milhCles de baixas militares e civis resultantes da Se-
gunda Guerra IvlundiaL Hitler foi diretamente responsável pela
8. Igualdade política
morte de seis milhões de judeus nos campos de concentração, além
Além disso, as democracias modernas apresentam: de milhares de oj1ositores, poloneses, ciganos, homossexuais e
9. A busca pela paz membros de outros grupos que ele desejava exterminar. Sob () go-
10. A prosperidade verno despótico de Pot Pol, no Cambodja (1975-1979), o Khmer
Vermelho matou um quarto da população cambodjana: pode-se
dizer que um exemplo de genocídio auto-infligido. Tão grande era
o temor de Pot Pol das classes instruídas, que elas foram pratica-
Diante de tanta história, por que acreditaríamos que a democracia
mente eliminadas - usar óculos ou não ter calos nas mãos era quase
é a melhor maneira de governar um estado do que qualquer opção
não-democrática? Contarei por quê. A democracia tem pelo menos uma sentença de morte.
dez vantagens (Fig. 5) em relação a qualquer alternativa viável.
E~,es números são de Roherl Conquest. "f1w C;,.ral Tcrror . .')'Ialin '.I PlIrge ollll('
Tl,irlie.l, Nova York, MacMillan, 1968, p. 525 SS., e ele ullla compilação ele
J\)89, do eminente historiador russo Roy Medvedev, Nnv rork Til7les, 4 de fe-
vereiro de 1989, p. 1.
60 Robert A. Dahl Sobre a democracia 61

Sem dúvida, a história do governo popular tcm suas próprias Eu gostaria muito que a resposta fosse simples. Ah! - é bem
falhas, bastante graves. Como todos os outros governos, os popula- mais complicada do que você poderia imaginar. Surgem complica-
res algumas vezes agiram injusta ou cruelmente em relação aos ções porque, virtualmente, toda lei ou política pública, adotada por
povos fora de suas fronteiras, vivendo em outros estados - estran- um ditador benevolente, por maioria democrática ou minoria oli-
geiros, colonizados e assim por diante. Com estes, os governos po- gárquica, tende a prejudicar de alguma forma algumas pessoas. Em
pulares não se comportaram pior em relação a forasteiros do que os palavras singelas, não se trata de uma questão de saber se um go-
governos não-democráticos, que muitas vezes se comportaram verno pode criar todas as suas leis de modo que nenhuma dela fira
melhor. Em alguns casos, como na Índia, o poder colonial inadver- os interesses de qualquer cidadão. Nenhum governo, nem mesmo
tida ou intencionalmente, contribuiu para a criação de convicções e um governo democrático, poderia sustentar uma afirmação desse
instituições democráticas. Mesmo assim, não deveríamos tolerar as tipo. A questão é saber se a longo prazo há probabilidade de um
injustiças que os países democráticos muitas vezes mostram para processo democrático prejudicar menos os direitos e os interesses
os de fora, pois assim eles contradizem um princípio moral funda- fundamentais de seus cidadãos do que qualquer alternativa não-
mentaI que (veremos no próximo capítulo) ajuda a justificar a democrática. No mínimo, porque os governos democráticos previ-
igualdade política entre os cidadãos de uma democracia. A única nem os desmandos de autocracias no governo, e assim correspondem
solução para essa contradição poderá ser um rigoroso código uni- a essa exigência melhor do que os governos não-democráticos.
versal de direitos humanos com vigência no mundo inteiro. Por Não obstante, apenas porque as democracias sejam bem menos
importantes que sejam, este problema e sua solução estão além dos tirânicas do que os regimes não-democráticos, os cidadãos demo-
limites deste livrinho. cráticos não podem se permitir o luxo da complacência. Não é
O dano infligido por governos populares a pessoas que vivem razoável justificarmos a perpetração de um crime menor porque
em sua jurisdição e são forçadas a obedecer suas leis, mas estão outros cometem crimes maiores. Quando um país democrático in-
privadas do direito de participar no governo, impõe uma dificulda- flige uma injustiça, mesmo seguindo procedimentos democráticos,
de maior às idéias e às práticas democráticas. Essas pessoas são o resultado continuará sendo ... uma injustiça. O poder da maioria
governadas, mas não governam. A solução para o problema é evi- não faz o direito da maioria. 3
dente, ainda que nem sempre fácil de levar a cabo: os direitos Há outras razões para se acreditar que as democracias, prova-
democráticos devem ser estendidos aos membros dos grupos ex- velmente, sejam mais justas e respeitem mais os iIlteresses huma-
cluídos. Essa solução foi amplamente adotada 110 século XIX e nos básicos do que as não-democracias.
início do século XX, quando os limites ao sufrágio foram abolidos
e o sufrágio universal se tornou um aspecto normal do governo
democrático. 2 A democracia garante a seus cidadãos lima série de direitos fim-
Espere aí' ... diria você, será que os governos populares tam- damentais que os sistemas llZío-deflJocróricos 1/(/0 concedem e m/o
bém não prejudicam a minoria de cidadãos que possuem os direitos podem conceder
de voto mas são derrotados pelas maiorias? Não será isto o que
chamamos de "tirania da maioria"? A democracia não é apenas um processo de governar. Como
os direitos são elementos necessários nas instituiçôes políticas de-

Uma importante exceção foram os Estados Unidos; nos estados do Sul, eram 3 Para investigar mais profundamente o problema. ver James S. Fishkin. 7\TiIlJn1·
impostos limites defaClo do sufrágio pelos cidadãos negros até depois da assi- alld Legilil71acy: A Criliqlle af Patifica! Theories. Baltimore, Johns Hopkins
natura elos Atos dos Direitos Civis de 1964-1965. University Press, 1979.
62 Robert A. Dahl Sobre a democracia 63

l110cráticas, a democracia também é inerentemente um sistema de Certamente, dirá você, a associação deve ser algo além de uma de-
direitos. Os direitos estão entre os blocos essenciais da construção finição. É isso mesmo. Instituições que proporcionem e protejam
de um processo de governo democrático. oportunidades e direitos democráticos essenciais são necessárias à
Por um momento, imagine os padrões democráticos descritos democracia: não simplesmente na qualidade de condição logica-
no último capítulo. Não está óbvio que, para satisfazer a esses pa- mente necessária, mas de condição empiricamente necessária para
drões, um sistema político teria necessariamente de garantir certos a democracia existir.
direitos a seus cidadãos? Tome-se a participação efetiva: para cor- Mesmo assim, você perguntaria, tudo isso não seriam apenas
responder a essa norma, seus cidadãos não teriam necessariamente teorias, abstrações, brincadeiras de teóricos, filósofos e outros in-
de possuir um direito de participar e um direito de expressar suas telectuais? Certamente, acrescentará você, seria bohagem pensar
idéias sobre questões políticas, de ouvir o que outros cidad~IOS têm que o apoio de meia dúzia de filósofos seja o suficiente para criar e
a dizer, de discutir questões políticas com outros cidadãos? Veja o sustentar uma democracia. Naturalmente, você teria razão. Na
que requer o critério de igualdade de voto: os cidadãos devem Parte IV, examinaremos algumas das condições que aumentam as
ter um direito de votar e de ter seus votos contados com justiça. chances da manutenção da democracia. Entre elas, a existência de
O mesmo acontece com as outras normas democráticas: é evidente convicções bastante disseminadas entre cidadãos e líderes, incluin-
que os cidadãos devem ter um direito de investigar as opções viá- do as convicções nas oport unidades e nos direitos necessários para
veis, um direito de participar na decisão de como e () que deve en- a democracia.
trar no planej amento - e assim por diante. A necessidade desses direitos e dessas oportunidades não é táo
Por definição, nenhum sistema não-democrático permite a obscura que esteja além da compreensão dos cidadãos comuns e de
seus cidadãos (ou súditos) esse amplo leque de direitos polít icos. seus líderes políticos. Por exemplo, no século XVIII, estava muito
Se qualquer sistema político o fizer, por definição se tornaria uma claro para americanos hastante comuns que eles não poderiam ter
democracia! uma república democrática sem a liberdade de expressão. Uma das
Não obstante, a diferença não é apenas uma questão de defini- primeiras 'H,·ões de Tholl1as Jefferson depois de eleito para a presi-
ções. Para satisfazer as exigências da democracia, os direitos nela dência, em I ~()(), foi dar um fim às infamantes leis dos Estrangei-
inerentes devem realmente ser cumpridos e, na prática, devem es- ros e do Tumulto· promulgadas sob () governo de seu allteces;or,
tar à disposição dos cidadãos. Se não estiverem, se não forem John Adams, que teria reprimido a expressão política. Com isso,
compulsórios, o sistema político náo é democrático, apesar do que Jefferson respondia náo apenas a suas próprias convicções, mas,
digam seus governantes, e as "aparências externas" de democracia aparentemente, a idéias amplamente disseminadas entre os cidadãos
serão apenas fachada para um governo não-democrático. norte-americanos comuns de seu tempo. Se e quando os cida-
Por causa do apelo das idéias democráticas, no século XX os dàos deixam de entender que a democracia exige certos direitos
déspotas disfarçaram seus governos C0111 um espetáculo de "demo- fundamentais ou não apóiam as instituições políticas, jurídicas e
cracia" e "eleições". Imagine que, realisticamente falando, num administrativas que protegem esses direitos, sua democracia corre
país desse tipo todos os direitos necessários à democracia, de al- algum risco.
guma forma, estão à disposição dos cidadãos. Depois o país fez a Felizmente, esse perigo é bastante reduzido por um terceiro
transição para a democracia - como aconteceu com muita freqüên- benefício dos sistemas democráticos.
cia na última metade do século XX.
A essa altura, você faria uma objeção, alegando que a liberdade
;\ Lei dos E<;trangeiros (179<"\) permitia ao presidente prender e expulsar qual-
de expressão, digamos, não existe apenas por ser parte da própria
qucrestrangeiro que julgasse perigoso. Foi revogada em iSUl!. A Lei do Tumulto foi
definição de democracia. Mas quem se importa com definições? uma tentativa de reprimir editores de jornais que apoiavam o Par1ido Republicano,
os quais. em sua maioria. eram imigrantes ou refugiados. (N, do E.)
64- Robert A. Dahl Sobre a democracia 65

A democracia garante a seus cidadelos lima liberdade pessoal mais mente por consenso unânime, em geral se chega à conclusão de
ampla do qlle qllalquer alternativa viável a ela que é impossível. A coerção de algumas pessoas por outras pesso-
as, grupos ou organizações seria sempre muito parecida - por
Além de todos os direitos, liberdades e oportunidades rigoro- exemplo, a de pessoas, grupos ou organizações que pretendem
samente necessários para um governo ser democrático, os cidadãos roubar o fruto do trabalho dos outros, escravizar ou dominar os
numa democracia, com certeza, gozam de uma série de liberdades mais fracos, impor suas regras ou até recriar um estado coercitivo
ainda mais extensa. A convicção de que a democracia é desejável para assegurar seu domínio. No entanto, se a abolição do estado
não existe isolada de outras convicções. Para a maioria das pessoas, é causasse violência e desordem intolerável - "anarquia" no sentido
parte de um feixe de convicções, como a certeza de (.lue a liberdade popular -, é claro que um bom estado seria superior ao mau estado
de expressão é desejável em si, por exemplo. No UJ1lverso de valo- que, provavelmente, viria nos calcanhares da anarquia.
rés ou bens, a dem'ocracia tem um lugar decisivo - mas nào é o Se rejeitamos o anarquismo e pressupomos a necessidade de
único bem. Como os outros direitos essenciais para um processo um estado, é claro que um estado com um governo democrático
democrático, a livre expressào tem seu próprio valor, por contribuir proporcionará uma amplitude maior de liberdade do que qualquer
para a autonomia moral, para o julgamento moral e para uma vida outra.
boa.
A democracia não poderia existir mais, a menos que seus cida-
dãos conseguissem criar e sustentar uma cultura política de apoio, A democracia ajuda as pessoas a proteger seus pró!w;c)s interesses
na verdade uma cultura geral de apoio a esses ideais e a essas prá- fundamentais
ticas. A relação entre um sistema democrático de governo e a cul-
tura democrática que () apóia é complexa; voltaremos a ela no Todos ou quase todos querem determinadas coisas: sobrevi-
Capítulo 12. Por enquanto, hasta dizer que é quase certo uma cul~u­ vência, alimento, abrigo, saúde, amor, respeito, seguran~a, família.
ra democrática dar ênfase ao valor da liberdade pessoal e aSSUl1 amigos, trabalho satisfatório, lazer - e outras. O que você especifi-
proporcionar apoio para outros direitos e outras lib.erdade~. O que camente deseja provavelmente difere do que outra pessoa quer.
disse Péricles. () estadista grego, sobre a democracta atemense em Você desejará exercer algum controle sobre os fatores que deter-
43 J a.c. aplica-se igualmente à dem?cracia l11ode~'n~: "A liber~?~e minam se e até que ponto poderá satisfazer as suas carências - al-
que gozamos em nosso governo tambem se estende a vida comum : . guma liberdade de escolha, uma oportunidade de moldar a sua vida
Para falar a verdade, a afirmação de que um estado democratI- conforme os seus próprios objetivos, preferências, gostos, valores,
co proporciona uma liberdade mais ampla do qu~ qualquer viá~el compromissos, convicções. A democracia protege essa liberdade e
alternativa teria problemas com a dos que acreditam que obtena- essa oportunidade melhor que qualquer sistema político alternativo
mos maior liherdade se o estado fosse inteiramente abolido - a au- que já tenha sjdo criado. Ninguém expôs essa discussão de maneira
daciosa reivindicação dos anarquistas. 5 Contudo, quando se tenta mais convincente que J ohn Stuar( Mill.
imaginar um mundo sem nenhum estado, em que todas as pessoas Um princípio "de verdade e aplicabilidade tão universal
resp~itam os direitos fundamentais de todas as outr.as e tod~~ as quanto quaisquer proposições que sejam apresentadas com relação
questões que exigem decisões coletivas são resolVidas paclfIca- aos negócios humanos" - escreveu ele - ...

4 Tucídides, 7he I'r/ofW//llrsiul1 War. NOV'IYork. Modem Library. 1951. p. lOS. é que os direitos e os interesses óe todas as pessoas certamente
'i A palavra (II1(1/"(fll;O vem do grego (/I/orchos, que significa sem governo (al/: n:o serão levados em conta quando a pessoa é capaz e está normal-
+ arc!Jos, governante). O anarquismo é lima teoria política que defende aldeia mente disposta a defendê-los.... Os seres humanos só estào sc-
de que o Estado é desnecessário e indesejável.
66 Robert A. Dahl Sobre a democracia 67

guros do mal em mãos de outros na proporção em que têm a Surge então uma questão que se mostrou profundamente des-
força para se proteger e se protegelll. cOl1certante, tanto na teoria como na prática. Como será possível
escolher as regras as quais o grupo obriga a obedecer? Devido à
Você pode proteger os seus direitos e interesses dos desmandos do excepcional capacidade do estado de impor suas regras pela coerção,
governo e dos que influenciam ou controlam o governo, continuava essa é uma questão especialmente importante para a sua posição
ele, apenas se puder participar plenamente na determinação da como cidadão ou súdito de um estado. Como se pode ao mesmo
conduta do governo. Portanto, concluía, "nada pode ser mais dese- tempo ter a liberdade para escolher as leis que o estado fará res-
jável que a admissão de todos em uma parcela no poder soberano peitar e, ainda assim, depois de escolher essas leis, não ser livre
do estado" - ou seja: um governo democrático.!> para desobedecê-las?
Mill estava certo. Para falar a verdade, ainda que você fa<.;a Se você e seus concidadãos sempre concordassem entre si, a
parte do eleitorado de um estado democrático, não poderá ter a solução seria fácil: todos simplesmente concordariam unanime-
certeza de que todos os seus interesses serào bem protegidos - mas mente a respeito das leis. Em tais circunstâncias, talvez não
se estiver excluído, pode ter a certeza de que os seus interesses houvesse nenhuma necessidade de leis, a não ser para servir de
serào gravemente feridos por descuido ou por perdas completas. lembrete: obedecendo às leis, cada um estaria obedecendo a si
Melhor estar dentro do que fora! mesmo. O problema realmente desapareceria e a completa harmonia
A democracia ainda está relacionada com a liberdade de outra entre todos tornaria realidade o sonho do anarquismo! Que mara-
maneira. vilha! A experiência mostra que a unanimidade legítima, não im-
posta e duradoura é rara nas questões humanas; o consenso perfeito
e duradouro é um objetivo inatingível. Assim, nossa complicada
Ape11as 11T/1 gOl'erno democrático pode proporcionar UI/lO 0jJor/u- questão permanece ...
nidade máxima para as pessoas exercitarem a liherdade da (//1- Se não é razoável esperar-se viver em perfeita harmonia com
todeterl11inaçõo - ou seja: "il'ere/11 soh leis de slIa IJrópria escolha
todos os seres humanos, poderíamos experimentar criar um proces-
so para chegar a decisões em relação a regras e a leis que satisfa-
Nenhum ser humano normal pode gozar uma vida satisfatória
çam determinados critérios razoáveis.
a não ser em associação com outras pessoas. Contudo. isto tem um
preço - nem sempre se pode fazer o que se gostaria de fazer. Assim
processo garantiria que, antes de uma lei ser promulgada, todos
que deixou a infância para trás, você aprendeu um fato básico da
os cidadàos tenham a oportunidade de apresentar seus pontos
vida: o qne você gostaria de fazer muitas vezes entra em conflito
de vista.
com o que os outros gostariam de fazer. Deve ter aprendido tam-
• Todos terão garantidas oportunidades para discutir, deliberar,
bém que o seu grupo ou grupos segue/m certas regras que, na qua-
negociar e procurar soluções conciliatórias, que nas melhores
lidade de participante, você também terá de obedecer. Se ninguém
circunstâncias poderiam levar a uma lei que todos considerarão
pode simplesmente impor as suas vontades pela força, será preciso
satisfatória.
encontrar um meio de resolver pacificamente as diferenças. prefe-
rivelmente pelo consenso. • No mais provável caso da impossibilidade de se atingir a una-
nimidade, a lei proposta pelo maior número será a promulgada.

Você perceberá que esses critérios são parte do ideal demo-


(, 101m Stuart Mills, COllsidl'ra!iol/s 017 RC/)f"c.\'I'II!a!ire Gorcmlllfll! [lR61 J. Nova crático, descrito no capítulo anterior. Embora não assegure que to-
York, Liberal Arts Press, 1958, j1. 43, 45. dos os membros literalmente viverão sob leis que escolheram, eles
68 Robert A. Dahl Sobre a democracia 69

expandem a autodeterminação até seu maior limite viável. Ainda ríamos testar essa afirmação, criando uma boa maneira de medir ()
que esteja entre os eleitores cuja opção preferida é rejeitada pela "desenvolvimento humano" e comparando esse desenvolvimento en-
maioria de seus concidadãos, você haverá de convir que este pro- tre os povos que vivem em regimes democráticos e não-democráticos.
cesso é mais justo que qualquer outro que razoavelmente tenha es- Tarefa complicadíssima. Embora existam evidências que apóiem a
perança de atingir. Você estará exercendo a sua liberdade de proposição, é melhor considerá-la uma afirmação altamente plausí-
autodeterminação escolhendo livremente viver sob uma constitui- vel, mas não comprovada.
ção democrática em vez de uma alternativa não-democrática. Praticamente todos têm idéias a respeito das características
humanas que pensam ser desejáveis ou indesejáveis - característi-
SOl/lel1te Ul11 governo de 111 o crát;co ]Jode proporcimwr uma oportu- cas que deveriam ser desenvolvidas se desejáveis e eliminadas,
nidade máxima de exercer a responsabilidade 1I10ral quando indesejáveis. Entre as características desejáveis que em
geral gostaríamos de promover estão a honestidade, a justiça, a co-
o que significa "exercer a responsabilidade moral"? A meu ragem e o amor. Muitos também acreditam que as pessoas amadu-
ver, é adotar os seus princípios morais e tomar decisões baseadas recidas devem ser capazes de tomar conta de si e cuidar de seus
nesses princípios apenas depois de se empenhar num ponderado próprios interesses, em vez de esperar que outros o façam. Muitos
processo de ref1exão, deliberação, escrutínio e consideração das pensam que adultos devem agir com responsabilidade, ponderar as
alternativas e suas conseqüências. Ser moralmente responsável é melhores alternativas e pesar as conseqüências de seu atos, levar
ter o governo de si no domínio das opções moralmente pertinentes. em conta os direitos e as obrigações dos outros e os seus. Além
Isso exige mais do que podemos esperar em geral. Não obs- disso, deveriam saber discutir livre e abertamente com outros os
tante, até o ponto em que a sua oportunidade de viver sob as leis de problemas que enfrentam juntos.
sua própria escolha é limitada, o escopo da sua responsabilidade Ao nascer. a maioria dos seres humanos possui o potencial
moral também está limitado. Como é possível ser responsável por para desenvolver essas características. Esse desenvolvimento de-
decisões que não se pode controlar? Se você não tem como influen- pende de inúmeras circuIlstâncias, entre as quais a natureza do sis-
ciar a conduta dos funcionários do governo, como poderá ser res- tema político em que vive a pessoa. Apenas sistemas democráticos
ponsável por sua conduta? Se você está sujeito a decisões coletivas proporcionam as cOlHJi<,;'ôes sob as quais as características mencio-
(certamente está) e se o processo democrático maximiza a sua nadas têm prohabilidade de se desenvolver plenamente. Todos os
oportunidade de viver sob leis de sua própria escolha, é claro que - outros regimes reduzem, em geral urasticamente, o campo em que
a um ponto que nenhuma alternativa não-democrática pode atingir - os adultos podem agir para proteger seus próprios interesses, levar
ele também o capacita a viver como indivíduo moralmente respon- em conta os interesses dos outros, assumir a responsabilidade por
sáveL decisCies importantes e empenhar-se livremente com outros na hus-
ca pela melhor decisão. Um governo democrático não basta para
garantir que essas características se desenvolvam, mas é essencial.
A democracia p/'OTllove o desenvolvimento h1lmano lIIais ]Jlena-
mente do que qualquer opção viál'el
Apenas 111/1 goremo democrático pode prOJIlO1'er 11111 grau relati-
Esta é uma declaração corajosa e consideravelmente mais po- re/mente e1emdo de ig1laldade polít ica
lêmica que qualquer uma das outras. Você observará que é lima
afirmação empírica, algo que diz respeito a fatos. A princípio, dcve- U ma das razCies mais importantes para se preferir um governo
democrático é que ele pode obter a igualdade política entre os ci-
70 Robeít A. Dahl Sobre a democracia 71

dadãos em maior extensão do que qualquer opçfto viável. Por que os direitos civis foram conferidos a boa parte da população mascu-
deveríamos atribuir valor à igualdade política? Como a resposta lina, não lutaram entre si.
está longe de ser óbvia, nos dois próximos capítulos explicarei por Naturalmente, governos democráticos modernos guerreara 111
que a igualdade política é desejável e por que ela, necessariamente, com países não-democráticos, como aconteceu na Primeira e na
ocorre se aceitamos diversos pressupostos razoáveis nos quais em Segunda Guerra Mundial - e, pela força militar, também impuse-
geral acreditamos. Mostrarei também que, se aceitamos a igualdade ram o domínio colonial aos povos conquistados. Algumas vezes,
política, devemos acrescentar o quinto critério democrático da interferiram na vida política de outros países, enfraquecendo ou
Figura 4. ajudando a derrubar governos fracos. Até a década de 1980, por
As vantagens da democracia que discuti até aqui se aplicariam exemplo, os Estados Unidos tiveram um registro abismal de apoio
a democracias do passado e do presente. Não obstante, como vimos dado a ditaduras militares na América Latina; em 1954, serviu de
no Capítulo 2, algumas das instituições políticas dos sistemas de- instrumento no golpe militar que derrubou o recém-eleito governo
mocráticos que hoje conhecemos são produtos dos últimos séculos; da Guatemala.
uma delas, o sufrágio universal dos adultos, é principalmente um É notável que as democracias representativas modernas nfto se
produto do século XX. Esses sistemas representativos modernos envolvam em guerras lIlllOS com as outras. As razões não estão in-
com o pleno sufrágio adulto parecem ter duas outras vantagens que teiramente claras - provavelmente o grande comércio internacional
não se poderia afirmar a respeito de todas as democracias e repú- entre elas predispõe as democracias modernas à amizade em vez da
R
blicas anteriores. guerra. Também é verdade que os cidadãos e os líderes democráti-
cos aprendem as artes da conciliação. Além disso, estão inclinados
a considerar os outros países democráticos menos ameaçadores e
As democracias representotiras /llodernas não g1lerreiam limas mais confiáveis. Por fim, a prática e a história de tratados, alianças
COl71 as oulras e negociações pacíficas para defesa comum contra os inimigos
não-democráticos reforçam a predisposição de buscar a paz, em
Esta vantagem extraordinária dos governos democráticos era vez de lutar.
amplamente imprevisível e inesperada. Mesmo assim, na última Assim, um mundo mais democrático promete ser também um
década do século XX. as evidências se tornaram avassaladoras. mundo mais pacífico.
Nenhuma das 34 guerras internacionais entre 1945 e 1989 ocorreu
entre países democráticos - e "também houve pouca expectativa ou
preparativos para guerras entre estes".7 Essa observação vale para o Países com governos democráticos tendem a ser mais prósperos
período anterior a 1945 - e, ainda no século XIX, países com go- do que países com governos não-democráticos
vernos representativos e outras instituiçôes democráticas, em que
Até cerca de duzentos anos atrás, era comum os filósofos polí-
ticos pressuporem que a democracia era mais adequada a um povo
7 Esta importante descoberta é fundamentada por Bruce Russett. ('()/II,.ol1illfi; lhe
parcimonioso: acreditava-se que a afluência fosse a marca das
.~\ro,.d: lhe Delllocl"Illic Gorernallce o(ll"'alional Secllrily. Cambridge. Harvard
University Preos. 1990, capo 5. p. 119-145. Extraí livrelllente trechos da discus- Altos níveis de comércio internacional Jlarecem predispor os países a rela~'ões
são de Russett no que segue. A observação tamhélll parece valer para as antigas pacíficas, independentemente de serem ou não democráticos. Jolm Onea! e Bru-
democracias e repúhlicas. Veia Spencer \Vear1. N('rcr 111 War: Wln' DC/llocraôcs ce Russett, "The C'lassical Liberais \Vere Right: Delllocracy, Interdependence.
WiII Nel'e1" Fighl ()1Ii' AlIolhel", New Haven e Londres, Yale University Press. and Conflict, 1950-1985", lnlernaliollal Slui/ics Qllarl('/"Iv. 4 L 2, jUllho cle
1998. 1997, p. 267-294. . .
1
7Z Robert A. Dahl i Sobre a democracia 73

aristocracias, das oligarquias e das monarquias - e não das demo- Se a fusão entre a democracia moderna e as economias de
cracias. Não obstante, a experiência dos séculos XIX e XX de- mercado tem vantagens para as duas partes, não podemos deixar
monstrou exatamente o contrário: as democracias eram ricas e, em passar um custo que as economias de mercado impõem a uma de-
relação a elas, em seu cOl~iunto, os países não-democráticos eram mocracia. A economia de mercado gera a desigualdade política,
pobres. por isso também pode reduzir as perspectivas de atingir a plena
A relação entre riqueza e democracia era especialmente im- igualdade política entre os cidadãos de um país democrático. Vol-
pressionante na metade final do século XX. Em parte, a explicação taremos a este problema no Capítulo 14.
poderá estar na afinidade entre a democracia representativa e uma
economia de mercado - em que os mercados em geral nf!o são ri-
gorosamente regulados, os trabalhadores são livres para mudar de As vantagens da democracia: l'eSUIllO
um lugar ou um emprego para outro, em que firmas de propriedade
particular competem por vendas e por recursos, em que consumidores Seria um erro grave pedir demais de qualquer governo, mesmo
podem escolher bens e serviços de fornecedores rivais. Embora de um governo democrático. A democracia não pode assegurar que
nem todos os países com economia de mercado fossem democráti- seus cidadãos sejam felizes, prósperos, saudáveis, sábios, pacíficos
cos no final do século XX, todos os países com sistemas políticos ou justos. Atingir esses fins estú além da capacidade de qualquer
democráticos também tinham economia de mercado. governo - incluindo-se um governo democrático. Na prática, a demo-
Nos últimos dois séculos, a economia de mercado produziu, em cracia jamais correspondeu a seus ideais. Como todas as tentativas
geral, mais riqueza que qualquer alternativa a ela. O velho conheci- anteriores de atingir um governo mais democrático, as democracias
mento foi virado de cabeça para baixo: como todos os países de- modernas também sofrem de muitos defeitos.
mocráticos modernos têm economias de mercado e um país com Apesar de suas fal has, não elevemos perder de vista os benefí-
economia de mercado tem probabilidade de prosperar, um país demo- cios que tornam a democracia mais desejável que qualquer alterna-
crático moderno também tem a probabilidade de ser um país rico. tiva viúvel a ela:
Caracteristicamente, as democracias possuem outras vantagens
econômicas sobre a maioria dos sistemas não-democráticos. Os A democracia ajuda a impedir o governo de autocratas cruéis e
países democráticos promovem a educação de seu povo -- e uma perversos.
força de trabalho instruída é inovadora e leva ao desenvolvimento A democracia garante aos cidadãos uma série de direitos fun-
econômico. O governo da lei normalmente se sustenta melhor em -, damentais que os sistemas não-democráticos nfto proporcionam
países democráticos, os tribunais são mais independentes, os di- (nem podem proporcionar).
reitos de propriedade são mais seguros, os acordos contratuais são A democracia assegura aos cidadãos uma liberdade individual
cumpridos com maior eficácia e é menos provável haver interven- mais ampla que qualquer alternativa viável.
ção arbitrária do governo e dos políticos. Finalmente. as economias
A democracia ajuda a proteger os interesses fundamentais das
modernas dependem da comunicação; nos países democrúticos. as pessoas.
barreiras para as comunicações são muito baixas - é mais fácil
Apenas um governo democrático pode proporcionar uma
procurar e trocar informação e hem menos arriscado do que na
oportunidade máxima para os indivíduos exercitarem a liber-
maioria dos regimes não-democráticos.
dade de autodeterminação - ou seja: viverem sob leis de sua
Resumindo: apesar de exceções Ilotáveis dos dois lados, os própria escolha. .
países democráticos modernos em geral proporcionam um ambiente
Somente um governo democrático pode proporcionar uma
mais hospitaleiro, em que são obtidas as vantagens das economias
oportunidade máxima do exercício da responsabilidade moral.
de mercado e o desenvolvimento econômico, do que os governos
de regimes não-democráticos.
74 Robert A. Dahl

• A democracia promove o desenvolvimento humano mais ple-


namente que qualquer alternativa viável.
• Apenas um governo democrático pode promover um grau re-
lativamente alto de igualdade política.
As modernas democracias representativas não lutam umas Capítulo 6

contra as outras.
• Os países com governos democráticos tendem a ser mais prós-
peros que os países com governos não-democráticos. Por que a igua Idade poI ítica I?
Com todas essas vantagens, a democracia é para a maioria um 19ua Idade i ntrí nseca
jogo bem melhor que qualquer outra alternativa viável.

Muitos concluirão que as vantagens da democracia discutidas


no último capítulo podem ser suficientes (talvez mais do que sufi-
cientes!) para justificar sua convicção de que o governo democráti-
co é superior a quaisquer alternativas realistas. Mesmo assim, você
poderia se perguntar se é razoúvel pressupor (como parece estar
implícito nessa convicçflO) que os cidadãos devam ser tratados
como ;y,1I0;S políticos quando participam do governo. Por que os
direitos necessários a um processo de governo democrático deve-
riam ser ;}!,ua/1Ilente estendidos aos cidadãos?
A resposta não é nada evidente, emhora seja decisiva para a fé
na democracia.

A igualdade é óbvia?

Em palavras que se tornariam famosas pelo mundo afora, os


autores da Declaração da Independência dos Estados Unidos escre-
veram, em 1776:

Consideramos evidentes as verdades de que todos os homens


foram criados iguais e que todos são dotados pelo Criador com
certos direitos inalienáveis. entre os quais a vida. a liberdade e a
busca pela felicidade.
76 Robert A. Dahl Sobre a democracia 77

Se a igualdade é óbvia, nào é preciso mais nenhuma justificativa. des por toda parte. Aparentemente, a desigualdade - não a igualda-
Nenhuma pode ser encontrada na Declaração. No entanto, a idéia de - é uma condição natural da humanidade. ~
de que todos os homens (e mulheres) foram criados iguais não é Thomas Jefferson conhecia bastante as questôes humanas e
nada evidente para a maioria das pessoas. Se o pressuposto não percebia que, obviamente, em muitos aspectos importantes, as capaci-
é verdadeiramente óbvio, seria razoável adotá-lo? E, se não pode- dades, as vantagens e as oportunidades dos seres humanos não
mos adotá-lo, como defendemos um processo de governo que pa- eram distribuídas com igualdade no nascimento e menos ainda
rece presumir que ele existe? depois que a educação, as circunstâncias e a sorte se somavam às
Os críticos muitas vezes rejeitaram afirmações sobre a igual- diferenças iniciais. Os 55 homens que assinaram a Declaracão de
dade, como a da Declaração de Independência, considerando-as Independência, indivíduos de experiência prática, advogad(;s. co-
simples retórica vazia. Uma afirmação desse tipo, que suposta- merciantes, agricultores, não eram nada ingênuos em sua percepção
mente expressa um fato sobre os seres humanos, é obviamente fal- dos seres humanos. Se admitimos que não ignoravam a realidade e
sa, dizem eles. que nào fossem hipócritas, o que pretenderiam eles dizer com a
À acusação de falsidade, os críticos juntam a de hipocrisia. audaciosa afirmação de que todos os homcnsfórom c";ados iguais?
Como exemplo, mostram que os autores da Declaração deixavam Apesar das inúmeras evidências em contrário, a idéia de que
de lado o inconveniente fato de que uma preponderante maioria de os seres humanos sejam fundamentalmente iguais fazia tanto sentido
pessoas estava excluída dos direitos inalienáveis (aparentemente, para Jefferson como fizera, em períodos anteriores, para os filóso-
concedidos pelo próprio Criador) nos novos estados que agora se fos ingleses Thomas Hobbes e John Locke.' Da época de Jefferson
declaravam independentes. Desde então e por muito tempo, mulhe- em diante, muitas outras pessoas pelo mundo afora passaram a
res, escravos, negros libertos e povos nativos estavam privados não aceitar, de alguma forma, a idéia da igualdade humana. Para mui-
apenas dos direitos políticos, mas de inúmeros outros "direitos tas, é simplesmente um fato. Para Alexis de TocljuevilJe. em 1835.
inalienáveis" essenciais à vida, à liberdade e à busca da felicidade. a "igualdade de condi~'ôes" cada vez maior que ele havia ohserva-
A propriedade também era um direito inalienável - e os escravos do na Europa e na América era impressionante. a ponto de conside-
eram propriedade de seus senhores ... O próprio Thomas Jefferson, rá-Ia "um fato providenciaL dotado de todas as características de
principal autor da Declaração de Independência, possuía escravos. um decreto divino: é universaL é permanente. escapa sempre a
Em importantes aspectos, as mulheres eram propriedade de seus qualquer interferência humana; lodos os _ªcon tecimcntos e lodos os
maridos. A um grande número de homens livres (em algumas es- homens contribuem para seu progresso"."
timativas, cerca de 40%) era negado o direito de voto; I)or todo o
século XIX, o direito de voto restringia-se aos proprietários em
todos os novos estados norte-americanos. Igualdade intrínseca: um julgamento moral
A desigualdade não era uma característica especial dos Esta-
dos Unidos nesse período, nem posteriormente. Ao contrário: na As igualdades e as desigualdades podem assumir uma varie-
década de 1830, o escritor francês Alexis de Tocqueville chegou à dade quase infinita de formas. A desigualdade na capacidade de
conclusão de que, em relação à Europa, uma das características vencer uma corrida ou uma competição ortográfica é uma coisa.
distintivas dos Estados Unidos era o grau de igualdade social entre
os cidadãos do país. Para saber mais sobre essa questão, veja Garry l\1iÍ!s. Illl'l'llling . (I/le,-im.· .Icf!érso/l 's
Embora as desigualdades se tenham reduzido desde 1776, Declara/ion
p. 167-228.
or
Il/dcIJI'/lde/lce. Garden City, Nova York. Douhleday. 1978.
.
muitas permanecem. Basta olharmos em volta para ver desigualda-
Alexis de Tocqucville, DI'I/locracr i/l AI/lcr;c(/, v. I. Nova York, Schocken
Books. 1961, p. Ixxi.
78 Robert A. Dahl Sobre a democracia 79

A desigualdade nas oportunidades de votar, de falar e de participar Em?o:a O ~ril:cíp~o da igualdade intrínseca esteja muito perto
no governo s{ío outros quinhentos ... desses lImItes filiaIS, all1da não os alcançamos. Por diversas razôes,
Para compreender por que é razoável nos empenharmos na acredito que a igualdade intrínseca seja um princípio razoável que
igualdade política entre os cidadãos de um estado democrático, deve fundamentar o governo de um estado.
precisamos reconhecer que às vezes, quando falamos sobre igual-
dade, não expressamos um julgamento concreto. Não tencionamos
descrever o que acreditamos ser real no presente ou no futuro, Por que devemos adotar este pdncípio
como acontece quando fazemos declaraçôes sobre os vencedores
de corridas ou os vencedores de competiçôes. Nesse caso, estare-
mos expressando um julgamento moral sobre seres humanos, ten- Bases éticas e religiosas
cionamos dizer algo sobre o que acreditamos que del'eria ser. Esse
tipo de julgamento moral poderia ser dito assim: "Devemos consi- Em primeiro lugar, para muita gente pejo mundo afora, ele
derar o bem de cada ser humano intrinsecall/ente igual ao de qualquer está de acordo com suas convicções e seus princípios éticos essen-
um". Empregando as palavras da Declaração de Independência. ciais. Que somos todos igualmente filhos de Deus é dogma do ju-
como julgamento 1I10ral insistimos que a vida, a liberdade e a feli-
daísmo, da cristandade e do islamismo; o budismo contém u;na
cidade de uma pessoa não são intrinsecamente superiores ou infe-
visão muito assemelhada. (Entre as grandes religiões do mundo, o
riores às de qualquer outra. Conseqüentemente, devemos tratar todas
as pessoas como se possuíssem igual direito à vida, à liberdade. à hin?u~smo talvez seja uma exceção.) Explícita ou implicitamente, a
felicidade e a outros bens e interesses fundamentais. Chamarei esse maIOrIa dos argumentos morais e a maioria dos sistemas éticos
pressupõem este princípio.
julgamento moral de princípio da igualdade intrínseca.
Este princípio não nos leva muito longe e, para aplicá-lo ao
governo de um estado, ajuda a acrescentar um princípio suple-
mentar que parece estar implícito nele: "Ao chegar a decisões. o Afi-agilidade de lIm princípio alternatil'o
governo deve dar igual peso ao bem e aos interesses de todas as
pessoas ligadas por tais decisões". Por que deveríamos aplicar () Em segundo lugar, seja qual for o caso em relação a outras
princípio da igualdade intrínseca ao governo de um estado e obri- formas de associação, para governar um estado muitos pensarão
gá-lo a dar igual peso aos interesses ele todos? Ao contrário dos que, de modo geral, todas as alternativas para a igualdade intrínse-
autores da Declaração de Independência norte-americana. a afir- ca são implausÍveis e duvidosas. Imagine que o cidadão Jones pro-
mação de que a verdade da igualdade intrínseca seja óbvia me il11- pusesse a seguinte alternativa como princípio para governar um
pressiona (e a muita gente, sem dúvida) por me parecer bastante estado: "Ao tomar decisôes, o governo deverá sempre tratar o meu
implausível... No entanto, a igualdade intrínseca abrange lima bem e os meus interesses como superiores aos de todos os outros".
idéia tão fundamental sobre os méritos dos seres humanos. que está Rejeitando implicitamente o princípio da igualdade intrínseca, Jones
bem perto dos limites de maior justificação racional. Acontece com está afirmando o princípio da superioridade intrínseca - ou. no
os julgamentos morais o mesmo que ocorre aos julgameíltos con- mínimo, afirmando a superioridade intrínseca de Jones ... A reivin-
cretos: buscando-se as raízes de qualquer afirmação. chegamos a dicação à superioridade intrínseca pode ser mais inclusiva, é claro,
limites, além dos quais nenhum argumento racional pode nos levar como ~~ralmente acontece: "O bem e os interesses de meu grupo
mais adiante. Martinho Lutero disse essas memoráveis palavras em
[~ famJ!lê~, a classe, a casta, a raça ou seja lá o que mais de .Tcmes1
1521: "Não é seguro nem prudente fazer qualquer coisa contra a sao supenores aos de todos os outros".
consciência. Aqui me detenho - não posso fazer diferente. Deus
me ajude. Amém".
80 Robert A. Dahl Sobre a democracia 81

A essa altura, não será nenhum choque admitirmos que nós, no mínimo, tão incerta, que é melhor insistir em que os seus interes-
seres humanos, temos um pouco mais do que simples vestígios de ses recebam peso igual aos interesses de outros ...
egoísmo: em graus variados, tendemos a nos preocupar mais com
nossos próprios interesses do que com os dos outros. Conseqüen-
temente, muitos de nós poderiam sentir-se muitíssimo tentados a Aceitabilidade
fazer esse tipo de reivindicação para si e para os mais próximos.
Em todo caso, a menos que possamos contar confiantemente no Um princípio que você considere prudente adotar muitos outros
controle do governo do estado, por que deveríamos aceitar a supe- também considera~ã;). AS:im, um processo que assegure igual peso
rioridade intrínseca de determinadas pessoas como princípio político para todos (concJuua voce razoavelmente) tem maior probabilidade
fundamental? de a~s~gurar o ~on~enso de todos os outros cuja cooperação é ne-
Para falar a verdade, uma pessoa ou um grupo com poder sufi- ce~sa~](~ par,~ atmglr os seus objetivos. Visto nesta perspectiva, o
ciente poderia fazer valer uma reivindicação de superioridade in- pflIlClplO da Igualdade intrínseca faz muito sentido.
trínseca sobre as objeções que você tivesse - literalmente, sobre o Sim, apesar da reivindicação em contrário na DecJaraçào de
seu cadáver. Durante toda a história da humanidade, muitos indiví- Independência, está realmente longe do óbvio a razão pela qual
duos e grupos assim usaram seu poder (ou melhor, abusaram de devemos nos apegar ao princípio da igualdade intrínseca e dar
dito poder). No entanto, a força pura e simples tem seus limites; os igual peso aos interesses de todos no governo do estado.
que reivindicaram ser a encarnação de alguma superioridade intrín- Não obstante, se interpretarmos a igualdade intrínseca como
seca sobre outros invariavelmente disfarçaram esta sua reivindica- p:in~ípio de gov.ern? )ustificado com base na moralidade, na pru-
ção, aliás frágil e transparente, com o mito, o mistério, a religião, a denela e na aceltablhdade, parece-me fazer mais sentido do que
tradi\;ão, a ideologia, as pompas e as circunstâncias. qualquer alternativa ...
Não sendo membro do grupo privilegiado e podendo rejeitar
com segurança a reivindicaçào de superioridade intrínseca, você
consentiria livre e conscientemente num princípio absurdo como
esse? Duvido muito ...

Prudência

As duas razôes precedentes para se adotar um princlplo de


igualdade intrínseca como base para o governo de um estado
apontam uma terceira: a prudência. Além de conferir grandes benefí-
cios, () governo de um estado também pode infligir grandes males;
assim, a prudência dita uma cautelosa preocupação pela maneira
como serão empregadas suas capacidades incomuns. Um processo
de governo que privilegiasse de 111odo definitivo e permanente o seu
próprio bem c seus interesses sobre os de outros seria atraente - se
proporcionasse a certeza de que você ou o seu grupo prevaleceriam
sempre ... Para muita gente essa possibilidade é tão improvável ou,
Capítulo 7

Por que igualdade política lI?


Competência cívica

Poderá parecer uma surpresa desagradável descobrir que,


mesmo quando aceitamos a igualdade intrínseca e o peso igual nos
interesses como julgamentos morais corretos, não estamos necessa-
riamente inclinados a considerar a democracia o melhor processo
para () governo de um estado.

A tutela: uma alegação em contr-ário

Para ver por que é assim, imaginemos que um membro de um


pequeno grupo de concidadãos diz para você e os outros:
- Como vocês, nós também acreditamos bastante na igualdade
intrínseca. Não somos apenas profundamente dedicados ao bem
comum, também sabemos melhor do que a maioria como chegar a
ele. Portanto, estamos muito mais preparados para governar do que
a grande maioria das pessoas. Assim, se vocês nos concederem
exclusiva autoridade no governo, empenharemos nossos conheci-
mentos e nosso trabalho ao serviço do bem geral; com isso, dare-
mos igual peso ao bem e aos interesses de todos.
A afirmação de que o governo deve ser entregue a especialis-
tas profundamente empenhados em governar para o bem geral e
superiores a todos em seus conhecimentos dos meios para obtê-lo -
os tlltores, C0l110 Platão os chamava - sempre foi o mais importante
rival das idéias democráticas. Os defensores da tutela atacam a
democracia num ponto aparentemente vulnerável: eles simples-
Robert A. Dahl Sobre a democracia 85

mente negam que as pessoas comuns tenham competência para se Por atraente que às vezes possa parecer, a defesa da tutela,
governar. Eles não negam, necessariaÍnente, que os seres humanos mais do que a da democracia, deixa de levar em conta alguns dos
sejam intrinsecamente iguais no sentido que já exploramos. Como princi pais defeitos nessa analogia.
na República ideal de Platão, os tutores poderiam empenhar-se em
servir ao bem de todos e, pelo menos por implicação, sustentar que
todos sob sua proteção sejam intrinsecamente iguais em seu bem Delegar determinadas decisões secundárias a espccialistas nao é o
ou seus interesses. Os defensores da tutela no sentido platônico não mcsmo que ceder o controle decisi\'() l7as grandes questões
afirmam que os interesses das pessoas escolhidas como tutores
sejam intrinsecamente superiores aos interesses dos outros. Eles Como se diz popularmente, os especialistas devem ser manti-
alegam que os especialistas em governar, os tutores, seriam su- dos prontos para consumo. Os especialistas, às vezes, possuem co-
periores em seu conhecimento do bem geral e dos melhores meios nhecimentos superiores aos seus em alguns aspectos importantes.
de atingi-lo. Um bom médico saberá melhor do que você diagnosticar a sua do-
O argumento a favor da tutela política utiliza de modo persua- ença - que rumo ela provavelmente tomará, sua gravidade, qual
sivo as analogias, especialmente analogias que envolvem a com- será o melhor tratamento ou se é de fato possível tratá-Ia. É razoá-
petência e o conhecimento especializado: o conhecimento superior vel que você resolva seguir as recomendações do seu méJico.
de um médico nas questões da doença e da saúde, por exemplo, ou Contudo, isto não significa que deva ceder a este médico o poder
a competência superior de um piloto para nos levar com segurança de decidir se você fará ou não () tratamento recomendado. Da
ao destino. Assim, por que não permitir aos dotados de competên- mesma forma, uma coisa é os funcionários do governo procurarem
cia superior no governo que tomem decisões sobre a saúde do esta- a ajuda de especialistas. mas outra muito diferente é uma elite po-
do? Que pilotem o governo em direção a seu devido destino, o bem lítica deter em suas mãos () poder de tomar decisões sobre leis e
público? Certamente não podemos pressupor que todas as pessoas políticas a que você terá de obedecer.
sejam invariavelmente os melhores juízes de seus próprios interes-
ses. Evidentemente, as crianças não o são - outros, em geral seus
pais, devem servir de tutores até que elas adquiram a competência Decisties pessoais tomadas por il7dil·íd/{()s /leio equivalem a dec;-
para tomar conta de si mesmas. A experiência comum nos mostra seles tomadas e iJ/lj}(}stas pelo gOl'erl/O de l{/ll estado
que adultos também podem equivocar-se a respeito de seus interes-
ses, da melhor maneira de atingir seus objetivos: a maioria das A questão fundamental no debate sobre tutela vcrsus democra-
pessoas algum dia se arrepende de decisões tomadas no passado. cIa não é saber se. como indivíduos. às vezes temos de depositar
Admitimos ter estado equivocados. Além do mais, quase todos nós nossa confiança em especialistas. Não se trata de saber quem ou
confiamos em especialistas para tomar decisões importantes muito que grupo deveria ter a última palavra nas decisões tomadas pelo
diretamente relacionadas a llOSSO bem-estar, a nossa felicidade, a governo de um estado. Seria razoável desejar entregar certas deci-
llOSSO futuro e até a nossa sobrevivência - não apenas médicos, sões pessoais nas mãos de alguém mais especializado em determi-
cirurgiões e pilotos, mas, em nossa sociedade cada vez mais com- nadas questões do que você. C01110 um médico. um contador. um
plexa, uma porção de outros especialistas. Assim, se deixamos es- advogado, um piloto de avif\o e outros. Em todo caso, isso' I1flO
pecialistas tomarem decisões a respeito de questões importantes significa que automaticamente seja razoável entregar a LIma elite
como essas, por que não entregamos o governo a especialistas? política a autoridade para cOI1troÍar as decis(íes m7\is importantes
cio governo do estado - decis(íes essas que, se preciso, seriam im-
postas por coerção, pela prisão, talvez até a morte.
86 Robert A. Dahl
Sobre a democracia 87

Governar 11111 estado exige Tl/uito Tl/ais do que 11111 conhecimento I d . ~ I' .
(as eCls?~s po IlIcas, quase sempre há uma grande incerteza e al-
rigorosamente científico
gum conflIto em.relação aos meios: como os fills seriam atingidos
de ~elh.or maneua, o quanto seria desejável, viável, aceitáv~1 as
Governar não é uma ciência como a física, a química ou, como
provavels cOI~seqüências dos meios alternativos. Quais seriam os
em certos aspectos, a medicina. Esta é uma verdade por diversas
melhore~ meIOs de cuid~r dos pobres, dos desempregados, dos
razões. Por um lado, virtualmente todas as decisões importantes
sem-teto. Co.mo se podera proteger melhor e implementar os inte-
sobre políticas, sejam pessoais ou governamentais, exigem julga-
resses das cnan~~s? De que tamanho é um orçamento necessário
mentos éticos. Tomar uma decisão sobre os objetivos que as políti- para a defesa mIlJt.ar e para que objetivos? Creio que é impossível
cas do governo deveriam atingir (justiça, equanimidade, probidade,
demoll~trar que e~lsta ou que poderia ser criado um grupo com os
felicidade, saúde, sobrevivência, segurança, bem-estar, igualdade e conhecllnent~:s. ':clentíficos" ou "especializados" que proporcionem
sei lá mais o que) é fazer um julgamento ético. Julgamentos éticos respostas deflllltIvas para questões desse tipo. Entregaríamos o COIl-
não são "científicos" no sentido habitual. I serto de nosso carro a um físico teórico ou a um bom~mecânico?
Além disso, bons objetivos muitas vezes entram em conflito
uns com os outros, e os recursos são limitados. Decisões sobre po-
líticas, sejam pessoais ou governamentais, quase sempre exigem Governar bem lIfn estado e,úge l1lais do que o conheci1l1ento
julgamentos sobre negociações, um equilíbrio entre diferentes objeti-
vos. Por exemplo, obter igualdade econômica poderá enfraquecer Exige também a honestidade sem corrupção, a resistência fir-
os incentivos econômicos; os custos dos benefícios para os idosos I~e a todas ~s el1o~mes tentações, do poder, além de uma dedicação
poderão ser impostos aos jovens; as despesas para as gerações que constante e ll1flexlvel ao bem publico, mais do que aos benefícios
hoje vivem poderão impor custos às gerações futuras; a preserva- de uma pessoa ou seu grupo.
ção de uma área selvagem poderá custar o preço dos empregos de Os especialistas podem estar capacitados para agir como re-
mi neiros e do pessoal que trabalha nas serrarias. ] ulgamentos sobre pres~ntantes seus, o que não significa que estejam capacitados p,lra
negociaçfles entre objetivos diferentes não são científicos. As com- se:v.lr ~e g~vern~ntes para você. Os defensores da tutela têm duas
provaçfles empíricas são importantes e necessárias, jamais suficien- relvll1(hcaçoes-, nao apenas lIma, e afirmam: pode-se criar uma elite
tes. Ao decidir o quanto se deve sacrificar para a obtenção de um ~overnante CUJOS membros s~.iam ao mesmo tempo realmente supe-
fim, um bem ou um objetivo de modo a atingir certa medida de flores. aos outros no conheclll1ento dos fins que um bOl1t'-governo
outro, necessariamente ultrapassamos qualquer coisa que o conheci- deverIa buscar e nos melhores meios para atingir esses fins~- e {üo
mento rigorosamente científico possa proporcionar. profund~mente d~dicada à busca do hem púhlico, que essa elite
Há uma outra razão por que as decisões sobre políticas exigem merecerIa a êlutondade soberana para governar () estado.
julgamentos que não sejam rigorosamente "científicos". Mesmo . Como acabamos de.verificar, a primeira reivindicação é muito
quando se consiga chegar a um consenso geral a respeito dos fins d.uv:dosa. No e.ntanto, amda que se mostrasse justificável, isto em
SI ~lao suportafla a segunda reivindicação. O conhecimento é uma
COisa, o P?der ~ outra .. O provável efeito do poder sobre as pessoas
O stallls filosófico das afirmações éticas e a maneira como diferem de afirma-
que o d~ete.m f~1 resunlldo sucintamente, em liiii7, por lorde Acton,
I
çües nas ciências empíricas. como a física, a química e assim por diante. têm
sido tema de al11plo debate. Eu não poderia esperar fazer justiça a essas ques- um barao ll1gles, numa famosa sentença: "O poder tende a corrom-
tC1es aqui. Entretanto, para ul11a excelente discussão da importância do argu- pe:, :) pod~r absolt~to corrompe absolutamente". Um século antes,
mento l110ral em decisões públicas, veia Allly Gutman e Dennis Thol11psol1, ~~:hal~ PIL estaclIsta britânico (~e vasta experiência na vida po-
Di'/7IOCraC\' a/7d Disagree111cnl, Cambridge, Belknap Press of Harvard Univer- hlIca, Ílzefa semelhante observaçao num discurso ao Parlamento:
sity Press, 1996.
88 Robert A. Dahl Sobre a democracia 1'9

"O poder ilimitado está apto a corromper as mentes de quem o Como serão escolhidos os primeiros tutores? Se a tutela de alguma
possui". forma dependerá do consentimento dos governados e não da coer-
Esse era também o ponto de vista vigente entre os membros da ção direta, como será obtido esse consentimento? Seja lá como
Convenção Constituinte norte-americana em 1787, que também forem os tutores selecionados pela primeira vez, depois eles esco-
possuíam alguma experiência na questão: lherão seus sucessores, como os membros de um clube? Se assim
- Sir, existem duas paixões que têm poderosa influência nos for, o sistema não correrá um enorme risco de se degenerar, dei-
negócios dos homens: a ambição e a avareza, o amor pelo poder e xando de ser uma aristocracia de talento e tornando-se uma oligarquia
o amor pelo dinheiro, disse o representante mais velho, Benjamin de nascimento? E se os tutores não escolherem seus sucessores,
Franklin. quem o fará? Como serão dispensados os tutores que abusam e
Um dos mais jovens, Alexander Hamilton, concordava: exploram ... ? - e assim por diante.
- Os homens adoram o poder.
George Mason, um dos representantes mais experientes e de
maior influência, também concordava com eles: A competência dos cidadãos pat'a governar
- Da natureza humana, podemos ter a certeza de que os que
detêm o poder em suas mãos ... sempre que puderem, tratarão de A menos que os defensores da tutela sejam capazes de propor-
aumentá-lo." cionar soluções convincentes para os problemas que descrevi ante-
Por mais instruídos e confiáveis que sej am inicialmente os riormente, a meu ver a prudência e a razão exigem que rejeitemos
memhros de uma elite governante dotada do poder de governar um essa idéia - e, com isso, podemos concluir que, el/tre os ad1lltos.
estado, em poucos anos ou em poucas gerações, é muito provável 11(10há ninguém tão i11equivocamente mais bem preparado do q /{c
que abusem dele. Se podemos dizer que a história ela humanidade outros para governar, a quem se possa confiar a autoridade COTll-
nos proporciona algumas lições, certamente uma destas é o fato de pleta e decisil'O no governo do estado.
que, pela corrupção, pelo nepotismo, pela promoção dos interesses Se não devemos ser governados por tutores, quem deveria nos
do indivíduo e seu grupo, pelo abuso de seu monopólio da força governar? Nós mesmos,
coercitiva do estado para reprimir a crítica, extrair riqueza dos sú- Tendemos a acreditar que, na maioria das questões, todos os
ditos ou governados e garantir sua obediência pela força, é muito adultos devem ter a permissão para julgar o que é melhor para seu
j'tfovável que os tutores de um estado se transformem em déspotas. próprio bem ou para seus interesses - a menos que haja um bom
argumento em contrário. Aplicamos esse pressuposto a favor da
autonomia individual apenas aos adultos, não às crianças. A partir
Por filll, crior U/l1O utopia ri lI/IIa coisa. realizá-la selo outros qui- da experiência, presumimos que os pais devem agir como tutores
nhentos ... para proteger os interesses de seus filhos. Se os pais falham, outros,
o governo talvez, poderão ter de intervir.
Um defensor dos tutores enfrenta uma legião de tremendos
Às vezes também rejeitamos esse pressuposto para adultos
problemas práticos: como será a investidura da tutela? Quem, por considerados incapazes de cuidar de si mesmos. Como íJS crianças,
assim dizer, planejará a constituição e quem a colocará em ação? eles também podem precisar de tutores. Não obstante, ao contrário
das crianças, para quem o pressuposto é determinado por lei e por
convenção, com os adultos esse pressuposto não pode ser superfi-
Para essas o!lserVaç(leS na C(lnvcn~'5() Constitucional, veja Max Farrand (ed.).
7he Records oi Ih(' Federal COI7)"('lIlirll/ oi 1787, 4 v., New Haven. Yale Uni- cialmente desprezado. O potencial para o abuso é muito evidente _
versity Press, J 96ó. v. 1, )l. 82, 284. 578.
90 Robert A. Dahl Sobre a democracia 91

e, assim, é preciso uma opinião independente, alguma espécie de considerados slIficientemente bem preparados para participar do
processo judicial. processo delllocrático de gOl'erl/o do estado.
Quando presumimos que, com poucas exceções, os adultos
devem ter o direito de tomar decisões pessoais sobre o que é me-
lhor para seus interesses, por que devemos rejeitar essa idéia no Uma quinta norma democrática: a inclusão
governo cIo estado? Aqui, o essencial já não é mais saber se os
adultos em geral têm competência para tomar as decisões que en- A conclusão a que agora aponta o argumento deste capítulo é
frentam no dia-a-dia. Agora, trata-se de saber se a maioria dos que há enormes chances de que os interesses das pessoas privadas
adultos é competente para governar o estado. Será? de voz igual no governo de um estado não recebam a mesma aten-
Para chegarmos à resposta, pondere mais uma vez algumas ção que os interesses dos que têm uma voz. Se não tem essa voz,
conclusões a que chegamos nos últimos capítulos: quem falará por você? Quem defenderá os seus interesses, se você
A democracia confere inúmeras vantagens a seus cidadãos. não pode? E não se trata apenas dos seus interesses como indiví-
Os cidadãos estão fortemente protegidos contra governantes des- duo: se por acaso você faz parte de todo um grupo excluído da
póticos, possuem direitos fundamentais e, além do mais, também participação, como serão protegidos os interesses fundamentais
gozam de uma esfera mais ampla de liberdade. Como cidadãos, desse gru po?
adquirem os meios de proteger e implementar seus interesses pes- A resposta é clara: os interesses fundamentais dos adultos, a
soais mais importantes; podem ainda participar das decisões sobre quem são negadas as oportunidades de participar do governo, não
as leis sob as quais viverão, são dotados de uma vasta autonomia serão devidamente protegidos e promovidos pelos que governam.
moral e possuem extraordinárias oportunidades para o desenvol- Sobre este aspecto, a comprovação da história é avassaladora.
vimento pessoal. Como vimos em nosso rápido exame da evolução da democracia,
Se concluímos que a democracia proporciona essas vantagens insatisfeitos com a maneira arbitrária com que os monarcas impu-
sobre os sistemas não-democráticos de governo, surgem diversas nham taxas sem o seu consentimento, nobres e burgueses na In-
questões fundamentais: por que as vantagens da democracia es- glaterra exigiram e conquistaram o direito de participar. Séculos
tariam restritas a algumas pessoas e não a outras? Por que não mais tarde, por sua vez, acreditando que seus interesses funda-
estariam elas à disposição de todos os adultos? mentais eram deixados de lado, as classes médias exigiram e COII-
Se o governo deve dar igual peso ao bem de cada pessoa, não quistaram esse direito. Lú e por toda parte, a continuação da
teriam todos os adultos () direito de participar na decisão de que exclusão legal ou de facto de mulheres, escravos, pobres e traba-
leis e políticas melhor atingiriam os fins buscados, estejam esses lhadores manuais, entre outros, deixava os membros desses grupos
fins estreitamente restritos a seu próprio bem ou incluindo o bem mal protegidos contra a exploração e o abuso mesmo em países
de todos? Se ninguém estiver realmente preparado para governar e como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, onde o governo era
receber autoridade completa sobre o governo de um estado, quem bastante democrático.
estará mais bem preparado para participar que todos os adultos su- Em 1R61, J ohn Stuart Mil! afirmava que ninguém no governo
jeitos às leis? falava pelos interesses das classes trabalhadoras, pois o sufrágio
Das conclusões implícitas nessas perguntas, segue-se uma ou- lhes era negado. Embora não acreditasse que os membros do go-
tra, que assim expresso: com a exceção de 1ll1la fortíssima de- verno pretendessem deliberadamente sacrificar os interesses das
mOllstração em contrário, em raras circllnstâncias, protegidas por classes trabalhadoras aos seus, dizia ele:
legislaçào, todos os ad1lltos sujeitos às leis do estado del'em ser
92 Robert A. Dahl Sobre a democracia 93

Será que o Parlamento ou qualquer um de seus membros por al- especialistas e do conhecimento especializado para o bom fUllcio-
gum momcnto terá examinado alguma questão com os olhos de namento dos governos democráticos.
~m trabalhador? Quando surge um assunto em que os trabalha- A política pública muitas vezes é tão complexa (e cada vez
dores têm um intcrcsse, será ele examina,do com olhos outros mais!), que nenhum governo poderia tomar decisões satisfatórias
que não os dos cmpregadores do trabalho?' sem a ajuda de especialistas de excelente formaçào. Assim como
cada um em suas decisões pessoais às vezes depende de especia-
A mesma per!:,'1lnta serviria para os escravos em repúblicas anti- listas para obter orientação e terá de entregar-lhes decisões impor-
gas e modernas, para as mulheres por toda a história até.o século tantes, os governos também devem fazer o mesmo - até mesmo os
XX, para muitas pessoas nominalmente livres mas efetIvamente governos democráticos. A melhor maneira de satisfazer os critérios
privadas dos direitos democráticos, cOI?o. os negros n~ sul dos democráticos, de sustentar um grau satisfatório de igualdade política
Estados Unidos até os anos 1960 e na Afnca do Sul ate os anos e continuar confiando em especialistas e no conhecimento especia-
1990 - e outros mais, por todos os cantos. lizado na tomada das decisões públicas apresenta um grave pro-
Sim, indivíduos e grupos, às vezes, podem se equivocar sobre blema - um problema que seria bobagem que os defensores do
seu próprio bem. É claro, podem, às vezes, sentir equivocadamente governo democrático ignorassem.
o que é melhor para seus interesses - mas o preponderante peso da Se devem ser competentes, os cidadãos não precisariam de
experiência humana !lOS informa que nenhum grupo de adultos instituições políticas e sociais para ajudá-los? É indiscutível. As
pode entregar com segurança a outros o poder de governá-lo. Isto oportunidades de adquirir uma compreensão esclarecida das ques-
nOS leva a uma conclusão de importância decisiva. tões públicas não são apenas parte da definição de democracia. São
Você talvez lembre que, ao discutir os critérios para a demo- a exigência para se ter uma democracia.
cracia no Capítulo 4, deixei para depois a discussão sobre o quinto, Nada do que eu disse até aqui pretende deixar implícito que a
a inc!us;\o dos adultos (veja a Figura 4, na púg. 50). Neste capítulo maioria dos cidadãos não cometa erros. Eles podem errar e real-
e no último, creio que teremos muito boas razões para concluir que mente erram. É justamente por isto que os defensores da democra-
o governo democrático de um estado deve corresponder a essa cia sempre dão um lugar privilegiado à educação - e a educação
no;ma. Expressarei assim: Plena incluscfo. O corpo dos cidadàos CÍvica não exige apenas a escola formal, mas também a discussão
nUlIl estado dCl/locraticamcnte govcrnado de!'e incluir todas as pública, a deliberação, o debate, a controvérsia, a pronta.clisponihi-
pessoas slIjei/as às leis desse estado, com exceçào dos q1le estào de lidade de informação confiável e outras instituiçôes de uma socie-
passagelll e dos incapazes de cuidar de si meSl/lOS, dade livre.
Imagine que as instituições para o desenvolvimento de cida-
dãos competentes sejam fracas e que muitos não sabem o bastante
Problemas não-resolyidos para proteger seus valores e interesses fundamentais? O que deve-
mos fazer? Na busca por uma resposta, vale a pena examinar mais
Rejeitar () argumento da tutela e adotar a igualdade política
uma vez as conclusões a que chegamos até aqui ...
como i~leal ainda deixa algumas questões complicadas. Adotamos o princípio da igualdade intrínseca - devemos con-
CidadflOs e funcionários do governo não precisam da ajuda de
siderar o bem de cada ser humano intrinsecamente igual ao de
especialistas? É claro que precisam! É inegável a importância dos
qualquer outro ser humano. Aplicamos esse princípio ao governo
de um estado: no momento de chegar às decisões, o governo deve
dar igual peso ao bem e aos interesses de todas as pessoas ligadas
] Jolm Stuart Mill, COl/sideralio/ls 0/1 Represenlalire GOl'el'lllllcnl [1861]. Nova por essas decisões.-Recusamos considerar a tutela uma boa maneira
York, Liberal Arts Prcss. 1958, p, 44.
94 Robert A. Dahl

de aplicar o princípio: entre os adultos, nenhum indivíduo é tão


mais bem preparado do que outro para governar a ponto de poder
receber em mãos autoridade total e decisiva no governo do estado.
Em vez disso, aceitamos a plena inclusão: o corpo dos cida-
dãos num estado democraticamente governado deve incluir todas
as pessoas sujeitas às leis desse estado, com exceção das que esti-
verem de passagem e as comprovadamente incapazes de cuidar de
si mesmas.
Portanto, se as instituições destinadas à educação pública são
fracas, resta apenas uma solução satisfatória: elas devem ser refor-
çadas. Todos os que acreditam em metas democráticas são obriga-
dos a buscar maneiras pelas quais os cidadãos possam adquirir a
competência de que precisam.
Talvez as instituições para educação cívica criadas nos países
democráticos durante os séculos XIX e XX já não sejam adequa- Parte III
das. Se assim for, os países democráticos terão de criar novas ins-
tituições para complementar as antigas.
A verdadeira democracia
Comentários conclusivos e apresentação

Já exploramos cerca da metade do território exposto na Figura 3


(página 40). Contudo, mal demos uma espiadela na outra metade:
as instituições básicas necessárias para levar adiante a meta da
democracia e as condições sociais, econômicas e outras que favo-
recem o desenvolvimento e a manutenção dessas instituições polí-
ticas democráticas. É o que exploraremos nos próximos capítulos.
Passemos agora das metas para as realidades.
Capítulo 8

Que instituições políticas requer a


democracia em grande escala?

o que significa dizer que um país é democraticamente gover-


nado?
Neste capítulo, nos concentraremos nas instituições políticas
da democracia em p,l"ande escala - ou seja, as instituições políticas
necessárias para um país democrático. Não estamos aqui preocu-
pados com o que poderia exigir a democracia num grupo muito
pequeno, como uma comissão. Precisamos também ter sempre em
mente a nossa advertência comum: todas as verdadeiras democra-
cias jamais corres ponderam aos critérios democráticos descritos na
Parte II e apresentados na Figura 4 (pág. 50). Por fim, devemos ter
consciência, neste capítulo e em qualquer outro lugar, de que na
linguagem comum usamos a palavra delllocracia tanto para nos
referirmos a um objetivo ou ideal como a uma realidade que é ape-
nas uma consecução parcial desse objetivo. Portanto, contarei com
o leitor para fazer as necessárias distinções quando utilizo as pala-
vras democracia, democraticalllente, gOl'erl1o democrático, país
democrático e assim por diante.
O que é necessário para que um país seja democraticamente
governado? No mínimo, ele terá de ter determinados arranjos, prá-
ticas ou instituições políticas que estariam muito distantes (senão
infinitamente distantes) de corresponder aos critérios democráticos
ideais.
98 Robert A. Dahl Sobre a democracia 99

Palavras sobre palavras s?bre as possibilidade.s, as tendê~lcias, as limitações e as experiên-


CiaS ,h~manas, para cnar um cODJunto das instituições políticas ne-
Arranjos políticos podem ser considerados algo muito provisó- cess~n~s a_uma democracia em grande escala viável que, dentro
rio, que seriam razoáveis em um país que acaba de sair de um go- das lllllltaçoes das humanas, possamos atingir.
verno não-democrático. Costumamos pensar que práticas são mais
habituais e, assim, mais duráveis. Em geral, pensamos que as ins- FIGURA 6. Que instituições políticas exige a democracia em grande
tituições estão estabelecidas há muito tempo, passadas de geração a escala?
geração. Quando um país passa de um governo não-democrático Uma democracia em grande escala exige:
para um governo democrático, os arranjos democráticos iniciais
aos poucos se tornam práticas e, em seu devido tempo, tornam-se 1. Funcionários eleitos
instituições. Por úteis que pareçam essas distinções, para nossos 2. Eleições livres, justas e freqüentes
objetivos será mais conveniente preferirmos instituições, deixando
3. Liberdade de expressão
as outras de lado.
4. Fontes de informação diversificadas
5. Autonomia para as associações
Como podemos saber?
6. Cidadania inclusiva
Como poderemos determinar razoavelmente quais são as ins-
tituiçôes políticas necessárias para a democracia em grande escala? . Felizme~lte, todos os três métodos convergem para um mesmo
Poderíamos examinar a história dos países que, pelo menos em CO,ll.l.unto de lIlstituições políticas democráticas: estas, as exigências
mllllmas para um país democrático (Fig. 6). ~
parte, mudaram suas instituições políticas em resposta às exigências
de inclusão popular mais amplas e participação efetiva no governo
e na vida política. Embora em épocas anteriores os que procuraram
As instituições políticas da moderna democmcia representativa
obter a inclusão e a participaçflo não estivessem necessariamente
inspirados por idéias democráticas, do século XVIII em diante,
Resumindo, as instituições políticas do moderno governo de-
tendiam ajustificar suas exigências recorrendo a idéias democráti-
mocrático são:
cas e republicanas. Que instituiç[les políticas buscavam esses paí-
ses e quais eram realmente adotadas neles? •
Poderíamos também examinar os países cujos governos são Flll1c!~náT~;~S elei!os. O controle das decisões do governo sobre
considerados democrúticos pela maioria de seus habitantes, por a pohtl~a e lIlvestIdo constitucionalmente a funcionários eleitos
pelos cIdadãos.
muitas pessoas em outros países, por estudiosos, por jornalistas,
• EleiçtJes !il'res, justas e ji-eqüentes. Funcionários eleitos são
etc. Em outras palavras, no discurso comum e nas discussões aca-
dêmicas, o país é chamado democracia. esco~hidos em eleições freqüentes e justas em que a coerção é
relatIvamente incomum.
Em terceiro lugar, poderíamos refletir sobre um determinado
• Liberdade de expressão. Os cidadãos têm o direito de se ex-
país ou grupo de países, talvez um país hipotético, para imaginar-
mos da maneira mais realista possível que instituições seriam ne- pressar sem o r~s~() de sérias punições em questões políticas
cessárias para atingir os objetivos democráticos num grau razoável. amplamente deflIlldas, incluindo a crítica aos funcionúrios, o
Poderíamos fazer uma experiência mental, refletindo atentamente
100 Robert A. Dahl Sobre a democracia 101

governo, o regime, a ordem socioeconômica e a ideologia pre- 1110cráticas chegou mais cedo e reSistIU até o presente, emergem
valecente. elementos de um padrão comum. As eleiçfles para os legislativos
• Fontes de informação dive"s~ficadas. Os cidadãos têm o direito chegaram bem cedo - na Inglaterra, já no começo do século XIII, e
de buscar fontes de informação diversificadas e independentes nos Estados Unidos, durante o período colonial, nos séculos XVII e
de outros cidadãos, especialistas, jornais, revi~~as, livros, tele- XVIlI. A prática de eleger funcionários superiores para fazer as
comunicações e afins. leis foi seguida por uma gradual expansão dos direitos dos cida-
• A u/ol1OTllia para as associações. Para obter seus vários direi- dãos para se expressarem sobre questões políticas, buscando e tro-
tos, até mesmo os necessários para o funcionamento eficaz das cando informação. O direito de formar associações com objetivos
instituições políticas democráticas, os cidadãos também têm o políticos explícitos tendia a aparecer em seguida. As "facções" po-
direito de formar associações ou organizações relativamente líticas e a organização partisall em geral eram consideradas perigo-
independentes, como também partidos políticos e grupos de sas, separatistas, passíveis de subverter a estabilidade e a ordem
interesses. política, além de ofensivas ao bem público. No entanto, como as
• Cidadania inclusiva. A nenhum adulto com residência penna- associações políticas não poderiam ser reprimidas sem um certo
nente no país e sujeito a suas leis podem ser ne?ados. os ~Iir.ci~os grau de coerção que um número cada vez maior e mais influente de
disponíveis para os outros e necessários às ~1l~CO ll1st~tlllçoe.s cidadãos considerava intolerável, muitas vezes conseguiam existir
políticas anteriormente listadas. En~re e:se~ ~lfCltos, est.a~ o d~­ de maneira mais ou menos clandestina até emergirem das sombras
reito de votar para a escolha dos funclOnanos em eleJ(;oes I J- para a plena luz do dia. Nos corpos legislativos, o que haviam sido
vres e justas; de se candidatar para os postos eletivos; de livre "facçôes" se tornaram partidos políticos. A "posição" que servia ao
expres~ão; de formar e participar organizaçõe~ políticas inde- governo de momento tinha como antagonista a "oposição" - na
pendentes; de ter acesso a fontes de illformaçã~) ll1dependentc.s: e Inglaterra, in.\" e mlfs (estes, oficialmente chamados de His ou !-ler
de ter direitos a outras liberdades e oportul1ldades que sepm Maie.\{l'S LoJ'o! Op/)(}sifio1/: Leal Oposição de Sua Majestade). Na
necessárias para o bom funcionamento das instituiçfles políti- Inglaterra do século XVIII, a facção que apoiava () monarca e a
cas da democracia em grande escala. facção opositora, apoiada por boa parte da gentl)', a pequena no-
breza do interior. aos poucos se transformaram em Tories e Wlúgs.
Nesse mesmo século, na Suécia, adversários partisall no parla-
As instituições políticas em pe,·spectiva mento chamavam-se um tanto jocosamente de Cartolas e Bonés. I
Nos últimos anos do século XVIII, na recentemente constituída
Normalmente, essas instituições não chegam de lima s() vez república dos Estados Unidos, Thomas Jeffersoll, vice-presidente, e
num país. Vimos na breve história da democracia, apresel~tada no James Madisoll, líder da Casa dos Representantes, organizaram seus
Capítulo 2, que as últimas duas claramente chegaram ha pouco seguidores no Congresso para fazer oposiçào às políticas do presi-
tempo. Até () século XX, o sufrágio universal era l1ega(~o. tan(o 11.<1 dente federalista, .lohn Adams, e seu secretário do tesouro, Alexander
teoria como na prática do governo republicano .democra~lc:l. MaJs Hamilton. Para obter sucesso na oposição, logo perceberam que
do que qualquer outro aspecto, o sufrágio u!1lvcrsal (lis(JIlgue a
moderna democracia representativa de todas as f(jíI11aS anteriores
de democracia. "Os lhas [chapéus] tomaram seu Ilome por serem como os camaradas arrojados
O momento da chegada e a seqüência em que as instituições que usavam o (ricórnio da época ... Os C'ajJs [bonés] receberam este apelido
porque diziam que pareciam velhas tímidas em (oucas de Iloite.'· Franklin
foram introduzidas variaram muitíssimo. Nas democracias "mais
D. Scott, Sl\'C'den.· Thc Naliol7·s HislorJ', Minneapolis. University of Millnesota
antigas", países em que o conjunto compLeto das instituições de- Press, 1977. p. 243.
102 Robert A. Dahl Sobre a democracia 103

teriam de fazer mais do que se oporem aos federalistas no Con- Muitos ~bservadores na Europa e nos Estados Unidos chegaram à
gresso e no gabinete: teriam de retirar seus adversários do posto ~onclusao de que qualquer país que tivesse a aspiração de ser civi-
ocupado. Para isto, precisariam vencer as eleições nacionais e, para lIzado e avançado teria necessariamente de adotar uma forma de-
vencer as eleições nacionais, teriam de organizar seus seguidores mocrática de governo.
pelo país inteiro. Em menos de uma década, Jefferson, Madison e . Não o~stante, faltava a sexta instituição fundamental - até mesmo
outros solidários com suas idéias criaram um partido político que a cIdadal1Ia. Embora TocquevilIe afirmasse que "o estado de
foi organizado de cima até os menores distritos, municipalidades e Marylan~" f~nda~o por homens de classe, foi o primeiro a procla-
áreas eleitorais, uma organização que reforçaria a lealdade de seus mar o sufraglO uI1l~ersal", como quase todos os homens (e mulheres)
seguidores entre e durante as campanhas das eleições, para terem a de seu tempo, tacItamente pressupôs que "universal" não incluísse
3
certeza de que todos compareceriam às urnas. Esse Partido Repu- as mulheres. Não incluía alguns homens. O "sufrágio universal"'
blicano (cujo nome logo foi mudado para Republicano Democrático de Maryland também excluía a maioria dos afro-americanos. Por
e, uma geração adiante, Democrático) tornou-se o primeiro partido toda parte, em países que eram mais ou menos democráticos como
eleitoral popularmente apoiado do mundo. Assim, uma das insti- os Estados Unidos, uma boa metade de todos os adultos 'estava
tuições políticas mais fundamentais e características da democracia completamente excl~ída ?a vida política nacional simplesmente por
moderna, o partido político, explodira além de seus confins no Par- serem mulheres; alem dISSO, o sufrágio era negado a muitos ho-
lamento e nas legislaturas para organizar os cidadãos e mobilizar mens porque não satisfaziam as exigências de ser alfabetizados ou
os que apoiavam os partidos nas eleições nacionais. ter ~ropriedades, exclusão essa apoiada por muita gente que se
Na época em que o jovem aristocrata francês Alexis de Tocque- conSIderava Adef~nsora de um governo democrático ou republicano.
ville visitou os Estados Unidos em 1830, as primeiras cinco ins- ~ No~a Zelamha estendeu às mulheres o sufrágio nas eleições na-
tituições políticas democráticas descritas anteriormente já haviam CIonaiS em 1893 e a Austrália em 1902, mas em países democráti-
co~, :m outros aspectos, as mulheres não obtiveram o sufr,ígio em
aparecido na América do Norte. Essas instituições pareceram-lhe
elelçoes ,naciona~s até mais ou menos 1920. Na Bélgica, na rrallça
tão profundamente enraizadas e disseminadas que ele não hesitou
e na SlIlça - paIses que a maioria das pessoas chamaria de alta-
em se referir aos Estados Unidos como uma democracia. Naquele
mente democráticos -, as mulheres só puderam votar depois da
país, dizia ele, o povo era soberano, "a sociedade se governa por si Segunda Guerra M u n d i a l . -
mesma" e o poder da maioria era ilimitado. 2 Tocqueville estava
, ,.~~j~ ai~l~a é difícil para muita gente apreender () que "demo-
assombrado com a multiplicidade de associações em que os norte- craCIa .sIgl11ÍIcava para os que nos precederam; permita-me enfati-
americanos se organizavam para qualquer finalidade. Entre essas zar mais uma vez a diferença: durante 25 séculos, em todas as
associações, destacavam-se dois grandes partidos políticos. Pare- d?mocra,c~as e repúblicas, os direitos de se envolver plenamente na
ceu a Tocqueville que nos Estados Unidos a democracia era a mais vId~ pohtIC~ ~st~~am restritos a uma minoria de adultos. O gover-
completa que alguém poderia imaginar. 110 democrahco era um governo apenas de homens - e nem to-
No século seguinte, todas as cinco instituições democráticas dos ... Som~nte n.o século XX é que tanto na teoria como na prática
básicas observadas por Tocqueville em sua visita à América do a del11ocra~Ia veI~ .a exigir que os direitos de envolver-se plena-
Norte foram consolidadas em mais de uma dúzia de outros países. mente na VIda pohtlca deveriam ser estendidos, com pouquíssimas

2 Alexis de Tocqueville, Delllocracv in Alllerica, v. 1, Nova York, Schocken


Books, 1961 j1 . ."i 1. 3 !dem, ibidem, j1. 50.
104 Robert A. Dahl Sobre a democracia 105

exceções - se é que devesse haver alguma -, a toda a população nos em parte, como reação a exigências de inclusão e participação
adulta com residência permanente em um país. na vida política. Em países que são hoje chamados democracias,
Tomadas integralmente, essas seis instituições políticas não existem todas as seis instituições. Você poderia muito bem per-
constituem apenas um novo tipo de sistema político, mas uma nova guntar: algumas dessas instituições não serão mais do que produtos
espécie de governo popular, um tipo de "democracia" que jamais de lutas históricas do passado? Por que elas ainda são necessárias
existira pelos 25 séculos de experiência, desde a primeira de/llo- hoje?
cracia em Atenas e a primeira república em Roma. Tomadas em
seu conjunto, as instituições do moderno governo representativo
democrático são historicamente únicas; por isso é bom que rece- o fatol" (([mall/IO
bam seu próprio nome. Esse tipo moderno de governo democrático
em grande escala às vezes é chamado de poharqlúa - democracia Antes de responder, tenho de chamar atenção para uma im-
poliárquica. portante ressalva. Como adverti no início deste capítulo, estamos
ponderando as instituições necessárias para o governo de um país
democrático. Por que "país"? Porque todas as instituições necessá-
Palavras sobre palavras rias para 111/1 país de/llocrático nem sempre seriam exigidas para
uma IInidade muito 1/Ienor do que um país.
Poliarquia deriva de palavras gregas que significam "muitos" Imagine uma comissão democraticamente governada - ou um
e "governo"; assim, "o governo de muitos" se distingue do governo clube, ou uma cidadezinha bem pequena. A igualdade no voto parece-
de um, a monarquia, e do governo de poucos, a oligarquia ou a ria necessária, mas unidades pequenas como essas poderiam resolver
aristocracia. Embora a expressão seja usada raramente, em 1953 seus problemas sem muitos funcionários eleitos: talvez um moderador
um colega e eu a introduzimos, por ser uma boa maneira para usar para presidir as reunióes, um secretário-tesoureiro para tratar das mi-
como referência a uma democracia representativa moderna. Mais nutas e da contabilidade. Os próprios participantes poderiam decidir
precisamente, uma democracia poliárquica é um sistema político praticamente tudo nessas reuniões, deixando os detalhes para o secre-
dotado das seis instituições democráticas listadas anteriormente. tário-tesoureiro. O governo de pequenas organizações não precisaria
Portanto, a democracia poliárquica é diferente da democracia Et:- ser governos representativos plenamente desenvolvidos, em que os
presentativa com o sufrágio restrito - como a do século XIX. Tam- cidadãos elejam representantes encarregados de promulgar leis e criar
bém é diferente das democracias e das repúblicas antigas que não políticas. No entanto, esses govemos poderiam ser democráticos, tal-
apenas tinham sufrágio restrito, mas faltavam-lhes muitas outras vez até bastante democráticos. A<;sim, embora lhes faltassem partidos
características decisivas da democracia poliárquica - por exemplo, políticos ou outras associações políticas independentes, poderiam ser
os partidos políticos, o direito de formar organizaçfles políticas bastante democráticos. Na verdade, poderíamos concordar com a
para influenciar ou fazer oposição ao governo existente, os grupos visão democrática e republicana clássica que com pequenas ações
de interesse organizados, e assim por diante. É também diferente organizaram "partidos" que são não somente desnecessários mas
das práticas democráticas em unidades tão pequenas que os membros completamente perniciosos. Em lugar da oposição exarcebada pelo
podem se reunir diretamente e tomar decisões políticas (ou reco- partidarismo, pelos conluios, pelos partidos políticos e assim por di-
mendá-Ias), fazer leis. (Voltarei a essa diferença daqui a pouco.) ante, podemos optar pela união, pelo consenso, pelo acordo consuma-
Embora muitas vezes outros fatores contribuíssem, as seis ins- do pela discussão e pelo respeito mútuo,
tituições políticas da democracia poliárquica apareceram, pelo me-
106 Robert A. Dahl 107
Sobre a democracia

FIGURA 7. Por que as instituições são necessárias de pessoas se tornar exageradamente grande ou geograficamente
muito disperso (ou ambos, o que pode acontecer num país) para
Numa unidade grande como um país, São necessárias para satisfazer os que possam participar de maneira conveniente na feitura de leis.
essas instituições políticas da seguintes critérios democráticos: reunindo-se em um único lugar? Como elas poderão ter a certeza
democracia poliárquica ...
de que as questões que mais as preocupam venham a ser devida-
Participação efetiva mente ponderadas pelos funcionários - ou seja: C01110 os cidadãos
1. Representantes eleitos ... Controle do programa poderão controlar o programa de plal/ejalllento das decisões do
Igualdade de voto governo?
2. Eleições livres, justas e freqüentes ... Naturalmente, é complicadíssimo satisfazer a essas exigências
Controle do programa
da democracia numa unidade política do tamanho de um país; para
Participação efetiva
falar a verdade, até certo ponto quase impossível. No entanto.
3. Liberdade de expressão ... Entendi menta esclarecido como acontece com outros critérios democráticos bastante exigen-
Controle do programa tes, este pode também servir como padrão para avaliar possibilida-
4. Informação alternativa ... Participação efetiva des e soluções alternativas. Está muito claro que as exigências não
Entendimento esclarecido estarão satisfeitas se os funcionários mais importantes do governo
5. Autonomia para as associações ... Controle do programa fizerem o planejamento e adotarem políticas independentemente
dos desejos dos cidadãos. A única solução viável, embora bastante
Participação efetiva
imperfeita, é que os cidadãos elejam seus funcionários mais im-
6. Cidadania inclusiva '" Entendimento esclarecido
portantes e os mantenham mais ou menos responsáveis por meio
Controle do programa das eleições, descartando-os nas eleições seguintes.
Plena inclusão Para nós, esta solução parece óbvia - mas () que nos parece
óbvio talvez não tenha sido tão óbvio para nossos predecessores.
Como vimos no Capítulo 2, até muito pouco tempo a possibili-
As institui,ç~es políticas rigorosamente exigidas para um go- dade de que os cidadãos pudessem escolher ou rejeitar representantes
:eTl~o .d:l11oc.ratlco dependem do tamanho da unidade. As seis com autoridade para legislar por meio de eleiçôes continuava aJ1l-
InStItU1yles lIstadas anteriormente desenvolveram-se porque são
piamente estranha à teoria e à prática da democracia. Como tamhém
nece.ssafla:, par~ governar países, não unidades menores. A demo-
já vimos, a eleição de representantes desenvolveu-se principal-
cr~CIa poharguIca é o governo democrático na grande escala do
mente durante a Idade Média, quando os monarcas perceberam que
paIS ou estado-nação .
para impor taxas, levantar exércitos e legislar precisavam ohter o
. ,Vol~ando às nossas perguntas: as instituiçôes da democracia
consentimento da nobreza, do alto clero e de alguns anônimos não
polwrqllJca serão realmente necessárias para a democracia na gran-
de escala de um país? muito anônimos nas maiores cidades.
Até o século XVIII, a visão comum era a de que um governo
democrático ou republicano significasse governo do povo e que.
ror quc (e quando) a dcmocracia exige rep"esentantes eleitos? para governar, o povo teria de se reunir em UIll único local e votar
sobre decretos, leis ou políticas. Democracia teria de ser uma de-
Conforme o foco do governo democrático mudava para unida- mocracia de assembléias populares: "democracia representativa"-
des em gr~lI1de_ escala, como nações ou países, surgiam questões: seria uma contradição. Explícita ou implicitamente, uma república
como os cIdadaos podem participar efetivamente quando o número ou uma democracia só_poderia existir numa pequena unidade,
108 Robert A. Dahl Sobre a democracia 109

como uma cidade, pequena ou grande. Autores que defendiam esse ser menos desejável do que a admissão de todos numa parcela
ponto de vista, como Jean-Jacques Rousseau ou Montesquieu, co- do poder soberano do estado. Numa comunidade que exceda o
tamanho de uma cidadezinha, todos não podem participar pes-
nheciam perfeitamente as desvantagens de um pequeno estado, es-
soalmente de qualquer porção dos negócios públicos, a não ser
pecialmente se comparado à superioridade militar de um estado
alguma muito pequena: portanto, o tipo ideal do governo per-
bem maior, e eram muitíssimo pessimistas sobre as perspectivas feito deve ser representativo.~
futuras para a verdadeira democracia.
A visão comum foi rapidamente superada e posta de lado pela
força da investida do estado nacional. O próprio Rousseau com-
preendia claramente que, para um país grande como a Polônia POI' que a democracia exige eleições livl'es, justas e ft'eqiientes?
(para o qual ele propôs uma constituição), seria necessária a repre-
sentação. Pouco depois, essa visão comum foi rechaçada do palco Se aceitamos a conveniência da igualdade política, todos os
da história com a chegada da democracia nos Estados Unidos da cidadãos devem ter uma oportunidade igual e ej'efim de vofar e
América. fodos os rofos devem ser confados como iguais. Para implementar
No final de 1787, quando a Convenção Constitucional se reu- a igualdade no voto, é evidente que as eleições devem ser livres e
niu na riladélfia para criar uma constituição adequada para um justas. Livres quer dizer que os cidadãos podem ir às urnas sem
grande país com uma população cada vez maior, os delegados co- medo de repressão; para serem jusfas, todos os votos devem ser
nheciam muito bem a tradição histórica, Seria possível existir uma contados igualmente. Mesmo assim, eleições livres e justas não são
república da gigantesca escala já atingida pelos Estados Unidos, o bastante. Imagine eleger representantes para um período de - di-
para não mencionar a escala ainda maior prevista pelos delegados? gamos - vinte anos! Se os cidadãos quiserem manter o cO/lfl'Ole final
Contudo, ninguém questionava que uma república que viesse a sohre o planejamento, as eleições também devem ser freqüentes.
existir na América do Norte tivesse de assumir a forma de república A melhor maneira de implementar eleições livres e justas não
rCjll'csellfalilv. Devido à demorada experiência com a representa- é evidente. No final do século XIX, o voto secreto começou a
ção nas legislaturas coloniais e estatais no Congresso Continental, substituir a mão erguida em público. Embora o voto aberto ainda
a viabilidade do governo representativo estava praticamente além tenha poucos defensores, o segredo se tornou () padrão geral: um
da discussão, país em que ele é amplamente violado seria consiuerado ~esprovi­
Em meados do século XIX, a visão tradicional era ignorada, do de eleições livres e justas. A discussão sobre () tipo de sistema
esquecida ou, quando lembrada, tratada como se fosse irrelevante. ue voto que melhor correspollcla aos padrCles da justiça continua.
Stuart Mil! escreveu, em 1861: Será um sistema de representação proporcional. como o empreg.ado
na maioria dos países democráticos, mais justo do que () sistema
É evidente que o único governo que pode corresponder plena- Fi/'st-Past-tlie-Pos/ usado na Ing.laterra e nos Estados Unidos?
mente a todas as exigências do estado social é um governo em Pode-se apresentar argumentos razoáveis para ambos, como vere-
que todo o povo participa: em que qualquer participação, mes-
mo na mcnor função púhlica. é útil; quc a participação deveria
ser por toda parte tão grande quanto permita o grau geral de
4 Jolm Stuart Mill, CO/lsiderafiOl/s 011 Represl!/l{<l{il'l! (~Ol'emllle/l{ I J80 ll. Nova
mclhoria da comunidade; e que, em última análise, nada pode
York, Liberal Arts Press, 1958, p. 55.
" Expressão inglesa que significa, literalmente. "o primeiro a ultrapw;sar a linha
Alguns delegados temerários previram que os Estados Unidos poderiam. em de chegada". Esta expressão foi "tomada emprestada" do .jargão das conidas de
última análise, chegar a ter cem milhões de habitantes. Este número foi atingido cavalos. No caso da elci~'ao, é usada porque o candidato CClIll mais votos entre
em 1915. os distritos é o que representa a região c não (1 mais votado ela região. (N. do E.)
110 Robert A. Dahl Sobre a democracia 111

mos ao voltarmos a essa questão no Capítulo 10. Não obstante, em Por que a demoCl"acia exige a existência de fontes alternatiyas e
discussões sobre diferentes sistemas de voto, pressupõe-se a neces- independentes de informação?
sidade de um sistema justo; a melhor maneira de obter a justiça e
outros objetivos razoáveis é apenas uma questão técnica. Como a liberdade de expressão, diversos critérios democráti-
Que freqüência deveriam ter as eleições? A julgar pelos méto- cos básicos exigem que fontes de informação alternativas e relati-
dos habituais em países democráticos no século XX, diríamos que vamente independentes estejam disponíveis para as pessoas. Pense
eleições anuais para os representantes do legislativo seriam fre- na necessidade de cOlllpreensc7o esclarecida. Como os cidadãos
qüentes demais e que um prazo além de cinco anos seria muito podem adquirir a informação de que precisam para entender as
exagerado. Evidentemente, os democratas podem muito bem dis- questões se o governo controla todas as fontes importantes de in-
cordar a respeito do intervalo específico e de como ele poderia va- formação? Ou, por exemplo, se apenas um grupo goza do mono-
riar em diferentes postos e em diferentes tradições. O caso é que, pólio de fornecer a informação? Portanto, os cidadãos devem ter
sem eleições freqüentes, os cidadãos perderiam um verdadeiro acesso a fontes de informação que não estejam sob o controle do
controle sobre os funcionários eleitos. governo ou que sejam dominadas por qualquer grupo ou ponto de
vista.
Pense ainda sobre a participação efetim e a influência no /J/a-
Por que a democracia exige a livre expressão? nejamento público. Como poderiam os cidadãos participar real-
mente da vida política se toda a informação que pudessem adquirir
Para começar, a liberdade de expressão é um reqtlISlto para fosse proporcionada por uma única fonte - o governo, digamos -
que os cidadãos realmente participem da vida política. Como pode- ou, por exemplo, um único partido, uma só facção ou um único
rão eles tornar conhecidos seus pontos de vista e persuadir seus interesse?
camaradas e seus representantes a adotá-los, a não ser expressando-se
livremente sobre todas as questões relacionadas à conduta do go-
verno? Se tiverem de levar em conta as idéias de outros, será preciso POI' que a democracia exige associações independentes?
escutar o que esses outros tenham a dizer. A livre expressão não
significa apenas ter o direito de ser ouvido, mas ter também o di- Como vimos anteriormente, foi preciso uma virada radical !las
reito de ouvir o que os outros têm para dizer. maneiras de pensar para aceitar a necessidade de associaçCles polí-
Para se adquirir uma cOTllpreensão esclarecida de possíveis ticas: grupos de interesse, organizaçCles de !oh/n', partidos políti-
atos e políticas do governo, também é preciso a liberdade de ex- cos. No entanto, se uma grande república exige que representantes
pressão. Para adquirir a competência cívica, os cidadãos precisam sejam eleitos, então, como as eleiçCles poderão ser contestadas?
de oportunidades para expressar seus pontos de vista, aprender UllS Formar uma organização, como um partido político, dú a um grupo
com os outros, discutir e deliberar, ler, escutar e questionar especia- uma evidente vantagem eleitoral. Se um grupo quer obter essa
listas, candidatos políticos e pessoas em cujas opiniões confiem - e vantagem, não a desejarão também outros que discordem de suas
aprender de outras maneiras que dependem da liberdade de expressão. políticas? Por que a atividade política deveria ser interrompida en-
Por fim, sem a liberdade de expressão, os cidadãos logo perde- tre as eleições? Os legisladores podem ser influenciados: as causas
riam sua capacidade de iniluenciar o progralllo de p/anejalllento podem ser apresentadas, políticas podem ser implementadas, no-
das decisões do governo. Cidadãos silenciosos podem ser perfeitos meações podem ser procllladas. Assim, (lO contrário de lima cida-
para um governante autoritário, mas seriam desastrosos para uma dezinha, a democracia na grande escala de um país faz com que as
democracia. associações políticas se tornem ao mesmo tempo necessárias e de-
112 Robet1: A. Dahl Sobre a democracia 113

sejáveis. Seja como for, como poderiam ser evitadas sem prejudi- Assim çomo precisamos de estratégias para produzir uma
car o direito fundamental dos cidadãos de participar efetivamente transição para a democracia em países não-democráticos e para
do governo? Numa grande república, eles não são apenas necessá- consolidar as instituições democráticas em países recentemente
rios e desejáveis, mas inevitáveis. Associações independentes tam- democratizados, nas democracias mais antigas é necessário pensar
bém são uma fonte de educação cívica e esclarecimento cÍl'ico: se e como ultrapassar o nível existente de democracia.
proporcionam informação aos cidadãos e, além disso, oportunida- Deixe-me expor dessa maneira: em muitos países, é preciso
des para discutir, deliberar e adquirir habilidades políticas. atingir a democratização até o nível da democracia poliárquica. No
entanto, a dificuldade para os cidadãos nas democracias mais anti-
gas é descobrir como elas poderiam chegar a um nível de demo-
Por que a democracia exige uma cidadania inclusiva? cratização além da democracia poliárquica.

Naturalmente, a resposta será encontrada nas razões que nos


levaram à conclusão do capítulo anterior. Não é preciso repeti-las
aqUJ.
Podemos ver as instituições políticas descritas neste capítulo e
resumidas na Figura 6 de várias maneiras. Um país que não possua
uma ou mais dessas instituições até esse ponto não está suficiente-
mente democratizado: o conhecimento das instituições políticas
básicas pode nos ajudar a criar uma estratégia para realizar uma
t/"ansiçc7o completa para a democracia representativa moderna.
Para um país que apenas recentemente fez ti transição, esse conhe-
cimento pode ajudar a nos informar sobre as instituições decisivas
que precisam ser reforçadas. opro(illldadas e consolidadas. Como
são todas necessárias pa ra a democracia representativa moderna (a
democracia poliárquica). também podemos ver que elas estabele-
cem lIIllllíl'e! lJIínilJlo /wra a democracia.
As pessoas que vivem em democracias mais antigas, em que a
transição para a democracia ocorreu há algumas gerações e as ins-
tituições políticas listadas na Figura 6 estão hoje solidamente esta-
belecidas, enfrentam hoje uma dificuldade diferente e igualmente
complicada. Ainda que necessárias para a democratização, com
toda a certeza essas inst it lIições nflo são szr!icientes para atingir
plenamente os critéri()s democrát icos listados na Figura (i e des-
critos no Capítulo 4. Não teremos então a liberdade, talvez até a
obrigação, de avaliar as nossas instituições democráticas em rela-
ção a esses critérios? Parece-me óbvio, como a muita gente, que,
ponderadas em relação a critérios democráticos, as instituições po-
líticas existentes apresentam muitas falhas.
Capítulo 9

Variedades I:
democracia em esca las diferentes

Existem diferentes variedades de democracia? Se existem,


quais são elas? As palavras democraôa e democrático são espa-
lhadas por aí sem qualquer discriminação, e, com isso, é tentador
adotar as idéias de Humpty Dumpty, em Alice através do espelho:

- Quando uso uma palavra, ela quer dizer exatamente o que


eu quiser - disse Humpty Dumpty em tom bastante zombeteiro.
- Nada mais, nada menos.
- O caso é saber se você pode meSl/lO fazer as palavras significa-
rem tantas coisas diferentes ... - disse Alice.
- O caso é saber quem é que manda - disse Humpty Dumpty.
- Só isso!

Em todo caso, as palavras impol·tam, sim ...

Se aceitarmos o ponto de vista de Alice,' qualquer um pode


chamar de democracia qualquer governo - até mesmo um governo
despótico. Isso acontece com freqüência maior do que você imagi-
naria. Líderes autoritários, às vezes, dizem que seu regime é um
tipo "especial" de democracia, superior aos outros. Por exemplo,
Vladimir llitch Lenin afirmou:

Alice /lO país das IIlm'm'i/llas, obra clássica de Lewis Canal. (N. do E.)
116 Robert A. Dahl

A democracia do proletário é um milhão de vezes mais demo-


'1

I
- Sobre a democraciil

dários, métodos de votação e afins? Examinaremos algumas


117

crática do que qualquer democracia burguesa; o governo sovié- dessas variações nos próximos dois capítulos.
tico é um milhão de vezes mais democrático do que a mais
democrática república burguesa.'
O fato de serem necessárias as instituições da democracia poliár-
quica não implica que sejam suficientes para a democracia.
Uma visão do homem que foi o arquiteto mais importante na cons- Sim, um sistema político dotado dessas instituiçües correspon-
trução dos alicerces do regime totalitário que regeu a União Sovié- derá de modo mais ou menos satisfatório aos critérios demo-
cráticos descritos no Capítulo 4. Não será possível que outras
tica por mais de sessenta anos.
instituições, além dessas, permitam que um país atinja um ou
Ficções como essa também foram inventadas por líderes e
mais desses critérios mais plenamente?
propagandistas de "democracias do povo" altamente autoritárias
criadas na Europa Central e do Leste, em países que caíram sob
domínio soviético durante e depois da Segunda Guerra Mundial.
Democracia: grega x modem a
No entanto, por que deveríamos aceitar covardemente as de-
clarações dos déspotas de que são democratas? Uma serpente ve-
Se as instituições políticas requeridas para a democracia têm
nenosa não se torna uma pomba porque seu dono diz que é. Não
de incluir representantes eleitos, o que diremos dos gregos, os pri-
importa o que afirmem líderes e propagandistas, um país será uma
meiros a aplicar a palavra deTllocracia ao governo de suas cidades-
democracia apenas se possuir todas as instituições políticas neces-
estado? Se - como Lenin. Mussolini e outros antidemocratas do
sárias à democracia.
século XX - concluíssemos que os gregos utilizaram mal essa pa-
Isso significaria que os critérios democráticos só poderão ser
lavra, não estaríamos levando a nossa perspectiva do presente um
correspondidos por meio de todo o conjunto de instituições políti-
tanto longe, ao ponto de um ahsurdo anacr(lIlico? Afinal de contas,
cas da democracia poliárquica no último capítulo? Não necessa-
foram os gregos que inventaram e usaram a palavra dl!TIlocracia.
riamente.
Negar que Atenas fosse lima democracia seria como afirmar que os
irmãos Wright não inventaram o avião porque a máquina deles se
• As instituições da democracia poliárquica são necessárias para
parecia pouquíssimo com os nossos aviflCs de hoje.
a democratização do governo do estado num sistema em gran-
Com o devido respeito ao uso do passado. talvez possamos
de escala, especificamente um país. Contudo, elas poderiam ser
aprender algo sobre -[f democracia das pessoas que não apenas nos
desnecessárias ou completamente inadequadas para a democra-
deram a palavra, mas também nos proporcionaram exemplos con-
cia em unidades em escala menor (ou maior?) ou em menores
cretos de seu significado. Quando examinamos Atenas, o me lhor
associações independentes do estado, que ajudam a constituir a
exemplo conhecido da democracia grega, logo observamos duas
sociedade civil. (Falarei mais sobre isso daqui a pouco.)
importantes diferenças em relação à versão atual. Por razões que já
• No capítulo anterior, as instituições da democracia poliárquica exploramos, hoje a maioria dos democratas insistiria que um siste-
foram descritas em linhas gerais; mas os países democráticos ma democrático aceitável deve satisfazer a um critério democrático
não podem variar muitíssimo e em aspectos ba~tante impo:- inaceitável para os gregos: a inclusão. Também acrescentamos uma
tantes de suas instituições políticas - tais como SIstemas partI- instituição política que os gregos n;\O apenas cOIlsideravam desne-
cessária para suas democracias, mas perfeitamente indesejável: a
, Lenin. The Prolelaria/1 Rel'ol1lliOl1 al1d lhe Renegade Kaulskl' (novembro de eleição de representantes com autoridade para legislar. Poderíamos
1918), citado em Jells A. Cltristophersen. 7711' Meallillf, (il "De/l/oc/"(/Cl'" as
dizer que o sistema político inventado pelos gregos era Ullla demo-
Used ill Europl!(J/1 Ideologiesfrolll lhe Frel1ch lo lhe Russlan Remhll/Ol1, Oslo,
Universitetsvorlaget, 1966, p. 260. cracia primária, uma democracia de assembléia ou uma democracia
118 Robert A. Dahl Sobre a democracia 119

de câmara de vereadores. Decididamente, eles não criaram a de- sentação tinham um argumento ainda mais essencial. Numa pequena
mocracia representativa como hoje a entendemos. 2 unidade política, C01110 uma cidadezinha, a democracia de assem,
bléia proporciona aos cidadãos boas oportunidades de se envolverem
no processo de governar a si mesmos que um governo representativo
Demonacia de assembléia x democracia I'epresentativa numa grande unidade simplesmente não conseguiria proporcionar.
Leve em conta um dos critérios ideais para a democracia des-
Acostumados como estamos a aceitar a legitimidade da demo- critos no Capítulo 4: oportunidades para realmente participar nas
crelcia representativa, talvez tenhamos alguma dificuldade para en- decisões. Numa pequena unidade governada por seus cidadãos reu-
tender por que os gregos se sentiam tão apegados à democracia de nidos em uma assembléia popular, os participantes podem discutir e
assembléia. Não obstante, até bem pouco tempo, a maioria dos ou- debater as questões consideradas importantes; depois cle ouvir os
tros defensores da democracia pensava como eles até 1762, quando prós e os contras, podem tomar suas decisões, votar diretamente
foi publicado O conlralo soôal, de Jean-Jacques Rousseau. Talvez sobre os assuntos em pauta à sua frente e assim não terão de dele-
até depois de Rousseau, os antifederalistas nos Estados Unidos, gar uma série de decisões cruciais a representantes que poderiam
que se opunham à nova Constituição norte-americana porque acre- muito bem ser influenciados por seus próprios fins e interesses em
ditavam que, sob um governo federal, seriam incapazes de se go- lugar dos que teriam seus constituintes.
vernar. Até hoje, os cidadãos de cantões na Suíça e de cidadezinhas Dadas essas claras vantagens, por que a antiga compreensão
do estado de Vermol1t, nos Estados Unidos, preservam ciumenta- da democracia foi alterada para abrigar uma instituição política
mente suas assembléias populares. Os estudantes norte-americanos não-democrática em sua origem?
nos anos 1960 e 1970 exigiam furiosamente que a "democracia
participativa" substituísse os sistemas representativos - e muitos
outros, que em nossos dias continuam a enfatizar as virtudes do A representação já existia
governo democrático por meio de assembléias de cidadãos.
Os defensores da democracia de assembléia que conhecem sua C01110 sempre, a história nos responde em parte. Nos países
história estão conscientes de que a representação, como artifício em que já existia o costume de eleger representantes, os reforma-
democrático, tem um passado sombrio. Como vimos no Capítulo 2, dores democráticos viram uma deslumbrante oportunidade. Não
o governo representativo não se originou como prática democráti- viam nenhuma necessidade de rejeitar o sistema representativo,
ca' mas como artifício pelo qual os governantes não-democráticos apesar de sua duvidosa origem e do sufrágio restrito e exclusivo
(principalmente, os monarcas) poderiam enfiar as mãos em valio- em que estava baseado. Eles acreditavam que, ampliando a hase
sos rendimentos e outros recursos que desejavam, especialmente eleitoral, a legislatura ou o Parlamento poderiam ser transformados
para fazer as guerras. Em sua origem, a representação não era de- em um corpo mais verdadeiramente representativo que atenderia
mocrática: era uma instituição não-democrática, mais tarde enxer- aos objetivos democráticos. Alguns viam na representação uma
tada na teoria e na prática democrática. alteração profunda e deslumbrante nas perspectivas para a demo-
Além de sua muito bem fundamentada suspeita dessa institui- cracia. Um pensador francês do século XVIII, Destlltt de Tracy,
ção desprovida de credenciais democráticas, os críticos da repre- cujas críticas a Montesqllieu, seu predecessor, influenciaram imen-
samente a Thomas Jefferson, observou triunfante:
Conforme já mencionei no Capítulo 2, os gregos não consideravam "democníti-
cos" os rudimentares governos representativos formados por algumas cidades A representação ou governo representativo pode ser considerada
objetivando a defesa comulll que, de qualquer maneira, era relevante para (l uma invenção inovadora, desconhecida na época de Montesqlliell
desenvolvimento de governos representativos posteriores.
120 Robert A. Dahl Sobre a democracia 121

... A democracia representativa ... é a democracia viável por com freqüência para exercitar sua soberania numa assembléia. Os
muito tempo e sobre um território de grande extensão.-' cidadãos de seu país são por demais numerosos para se reunirem
numa assembléia e, além disso, estão espalhados por um território
Em 1820, James Stuart Mil! descreveu o "sistema de repre- grande demais para todos se reunirem sem tremendas dificuldades.
sentação" como "a grandiosa descoberta dos tempos modernos".4 O que você deveria fazer?
Invenção inovadora, grandiosa descoberta: essas palavras nos ajudam Talvez hoje e cada vez mais no futuro seja possível resolver o
a apreender um pouco da emoção que sentiram os reformadores problema territorial com o emprego dos meios de comunicação
democráticos ao desvendar o pensamento democrático tradicional e eletrônicos; assim, os cidadãos disseminados por uma área muito
perceberam que seria possível criar uma nova espécie de democra- grande se "encontrarão" para discutir variadas questões e para vo-
cia, enxertando a prática medieval da representação na árvore da tar. Contudo, uma coisa é possibilitar "reuniões" eletrônicas e outra
democracia antiga. muito diferente é resolver o problema apresentado por números
Eles estavam certos. Em essência, o processo de ampliação le- imensos de cidadãos. Além de certo limite, a tentativa de fazer com
vou a um governo representativo baseado em um demos inclusivo, que todos se reúnam e se envolvam em discussão frutífera, mesmo
ajudando a atingir a concepção moderna da democracia. por meios eletrônicos, torna-se um disparate.
, Dadas as vantagens relativas da representação, por que os re- Que tamanho é grande demais para uma democracia de assem-
formadores democráticos não a rejeitaram completamente e opta- bléia? Que tamanho é pequeno demais? Segundo estimativas recentes
ram pela democracia direta sob a forma, por exemplo, de uma de estudiosos, nas cidades-estado gregas, o corpo de cidadãos adultos
assembléia do povo no estilo dos gregos? Esta possibilidade tem do sexo masculino tipicamente chegava a um número que variava
alguns defensores, mas em geral os defensores da democracia, de dois mil a dez mil - este seria mais ou menos o número correto
como os formadores da Constituição dos Estados Unidos, concluÍ- para uma boa jJolis (ou uma cidade-estado autogovernacla) na visão
ram que a unidade política que desejavam democrat izar era grande de alguns teóricos políticos gregos. Não obstante. em Atenas o
demais para uma democracia de assembléia. corpo dos cidadãos era bem maior do que isto, possivelmente em
torno de sessenta mil no período áureo da democracia ateniense,
em 450 a.c. "Atenas simplesmente tinha um número exagerado de
:l\1ais uma vez: tamanho e democracia cidadãos para a jJo/is funcionar devidamente", escreveu um es-
tudioso. Um século mais tarde, como resultado de emigração, de
o
tamanho tem importância. O número de pessoas numa uni-
mortes pelas guerras e doenças e de maiores restrições à cidadania,
dade política e a extensão de seu território têm conseqüências para este número talvez tenha sido reduzido à metade, o que ainda era
a forma da democracia. Imagine, por um momento, que você é um
demais para reunir em sua assembléia mais do que uma pequena
reformador democrático num país com um governo não-democrático
fração dos homens dotados de cidadania ateniense. 5
que quer democratizar. Você não quer que o seu país se dilua em Um pouquinho de aritmética revelará daqui a pouco as inexo-
dezenas ou até centenas de miniestados, mesmo que cada um ráveis conseqüências do tempo e dos números. Imagine que iniciemos
deles fosse pequeno o bastante para que seus cidadãos se reúnam

A citaçflo e as estill1ativas dos números de cidadãos atenienses são de Morgens


:1 Destult de Tracy. A ('olTllTlenfar\, (/fui Rel'iell' of MOllfesqlliell 's Sllirit o(Lml's, Herlllan Hansen, Thc Afhcllioll f)CII/OCraCT ill lhe Age or
Dl'IlIoslhen('.I'.· .'lImei/ire.
Filadélfia. William Duane. 1811, p. 19. citado em Adrienne Koch. T!i(' !'hi!o.\o!lhl' PrincipIes, ill1d Idcologl'. traduzido para () inglês por J. A. ('rook. Oxford.
of TholTlas Je(fersoll, Chicago, 1964, p. 152, 157. Blackwell, 1991. p. 53-54. As estimativas para outras cidades são de 101m V.
4 Citado em George H. Sabine, A Ifislor)' of Po!ilica! T"eur)', 3. ed:. Nova York. Fine. T"e Allc;clll Creek.\': A CriticaI f {isIO/T, Cambridge, Belknap Press of
Holt, Rinehart and Winston, 1961. p. 695. Harvard University Press, 1983.
122 Robert A. Dahl Sobre a democracia .123

com uma unidade minúscula, um comitê de apenas dez pessoas, a respeito das assembléias populares. O característico é que poucas
por exemplo. Acreditamos que seria razoável permitir a cada membro pessoas falem na maior parte do tempo. Os outros se contêm por
pelo menos dez minutos para discutir a questão em pauta. Assim, pre- alguma razão: porque o que teriam a dizer já foi devidamente ex-
cisaremos de mais ou menos uma hora e quarenta minutos para a posto por alguém, porque já tomaram sua decisão, porque têm
nossa reunião, o que certamente não é nenhum tempo exorhitante
medo de falar em público, sentem-se mal, não têm nenhum interesse
para a reunião dos membros desse comitê. Contudo, imagine que o
tão urgente no assunto discutido, não conhecem muito bem a questão
assunto é muito complicado, exigindo cerca de meia hora de cada
e assim por diante ... Portanto, enquanto alguns discutem, o resto
membro do comitê. Será preciso planejar uma reunião de cinco
escuta (ou não), e quando chega na hora de votar, vota (ou não).
horas ou, talvez, duas reuniões - uma quantidade de tempo ainda
aceitável. Além do mais, podem ocorrer muitas discussões e investiga-
Um comitê bastante grande ainda seria uma pequena assem- <,;ões por outros cantos. Muitas das horas necessárias na Tabela I
bléia de cidadãos. Imagine agora, por exemplo. uma aldeia de du- podem ser na verdade usadas na discussão de questões públicas em
zentas pessoas, das quais cem adultos. todos os quais assistem às inúmeros cenários informais. Assim, não devemos ler a Tabela 1
reuniões das assembléias. Cada um deles tem o direito de falar por de maneira muito simplória. Apesar de todas as restri<,;ões razoá-
veis, a democracia de assembléia tem alguns problemas sérios:
TABELA 1. O alto preço da democracia parlicipatim
As oportunidades para a participação rapidamente diminuem
Número Total do tem[lo exigido se cada pesssoa tem
com o tamanho do corpo dos cidadãos.
de pessoas JO minutos 30 Illinutos
minutos horas d ias de il horas Illinutos hora~ dias de 8 horas
• Embora muito mais gente possa participar escutando os que
10 100 2 :100 ') falam, o número máximo de participantes numa única reunião
20 20() :I 6()() lO com probahilidade de se expressar pela oratória é muito peque-
SO
SOO
500
5.000
fi
83 10
I.S()()
15.()()()
25
250
.'
31 no - hem menos do que uma centena.
1.000 10.000 167 21 :lO.OOO ."00 03 Esses membros com plena participação se (ornam os represen-
5.000 50.00U 833 10+ ISO.(lOO 2.S00 31:1
10.000 10O.OO() 1667 208 300.()()O 5.()()() <í25 tantes dos outros, exceto no voto. (Esta exceção é importallte~
voltarei a ela daqui a pouco.)
dez minutos. Esse modesto total exigiria dois dias de oito horas de • Assim. mesmo numa unidade governada pela democracia ele
reunião - o que não é impossível, mas com toda a certeza não é assembléia, é provável existir lima espécie de sistema defaclo.
nada fácil de conseguir! Por enquanto, mantenhamos o nosso pres- Nada garante que os membros dotados do direito de plena par-
suposto de apenas dez minutos para a participa<,;ão de cada cidadão. ticipação sejam representativos do resto.
Conforme aumentam os números, mais absurda se torna a situação. Para proporcionar um sistema satisfatório para selecionar re-
Numa "polis ideal" de dez mil cidadãos com plenos direitos, ()
presentantes, é razoável que os cidadãos prefiram eleger seus
tempo requerido ultrapassa em muito quaisquer limites toleráveis.
representantes em elei<,;ões livres e justas.
Os dez minutos concedidos a cada cidadão exigiriam mais de du-
zentos dias ele oito horas de trabalho! A concessão de meia hora a
cada um exigiria quase dois anos de reuniôes constantes (Tabela J)!
Naturalmente, pressupor que todos os cidadãos queiram falar é
absurdo, como sabe qualquer um que tenha um vago conhecimento
124 Robert A. Dahl Sobre a democracia 125

Os limites democráticos do govenlO rep.'esentativo A lei do tel1/jJo e dos lIúmeros: qllalllo l1/ois cidodàos 1/lI1a Ul1i-
dade democrática cOlltém, mel/os esses cidodàos pudem participar
Aparentemente, a vantagem está com a representação. Será? direlamellte das decisDes do gOl'crl/o e mais eles têm de delegar a
A ironia dessa combinação de tempo e números é ser uma faca de o/llros essa autoridade.
dois gumes: ela revela num instante um enorme defeito democráti-
co no governo representativo. Voltando à Tabela 1 e aos nossos
exercícios de aritmética: imagine que agora calculamos o tempo Um dilema básico da democ.'acia
necessário para cada cidadão ter um rapidíssimo encontro com seu
representante. A Tabela 1 proporciona um argumento devastador Há um dilema fundamental da democracia espreitando nos
contra as possibilidades de participação no governo representativo. bastidores deste cenário. Se nosso objetivo é estabelecer um sistema
Imaginemos que um representante eleito separe dez minutos de seu de governo democrático que proporcione o máximo de oportunidades
tempo para discutir com cada cidadão adulto as questôes de seu para os cidadãos participarem das decisões políticas, evidentemente a
distrito, Não levaremos em conta o tempo de viagem e outros pro- democracia de assembléia num sistema político de pequena escala
blemas pragmáticos. Façamos de conta que no distrito vivem dez está com a vantagem. Contudo, se nossa meta é estabelecer um
mil cidadãos adultos - o maior número mostrado na Tabela 1. Q/lod sistema democrático de governo que proporcione o maior terreno
erat demo17strandu1/7 (como queríamos demonstrar): o represen- possível para tratar eficazmente dos problemas de maior importân-
tante teria de passar mais da metade dos dias do ano só para se cia para os cidadãos, então, em geral, a vantagem estará numa uni-
encontrar com seus constituintes! Nos Estados Unidos, os repre- dade de tal tamanho que será preciso um sistema representativo.
sentantes do Congresso são eleitos em distritos que em média con- Este é o dilema da participação do cidadão l'CI"SIIS a eficácia do
têm mais de 400 mil cidadãos adultos! Um membro do Parlamento sistema:
norte-americano que desejasse dedicar apenas dez minutos para
cada cidadão em seu distrito não teria tempo para mais nada em Quanto mcnor a unidade democrática, maior seu potencial para
a participação do cidadão e menor a necessidade de que os ci-
sua vida." Se o deputado (ou deputada) quisesse passar oito horas
dadãos deleguem as decisôes do governo a reprcsentantes.
por dia nessa tarefa, todos os dias do ano, precisaria de mais de
Quanto maior a unidade, maior sua capacidade para tratar de
vinte anos ou dez mandatos de dois anos - mais tempo do que a problemas importantes rara seus cidadãos e maior a necessida-
maioria dos representantes costuma permanecer no Congresso! - de dos cidadãos delegarem as decisôcs a representantes.
Democracia de assembléia ou democracia representativa?
Democracia em pequena escala ou democracia em grande escala? Não vejo como podemos fugir desse dilema. Em todo caso,
Qual a melhor? Qual a mais democrática? Cada uma delas tem ainda que não possamos fugir dele, podemos enfrentá-lo.
seus defensores apaixonados. Exatamente como acabamos de ver,
há um bom argumento para as vantagens de cada uma delas. Con-
tudo, nossos exercícios aritméticos bastante artificiais e até absur- O negócio ás I'ezes é ser pequeno
dos revelaram os limites 'imuperáveis da participação cívica -
limites esses que se aplicam aos dois tipos com uma indiferença Como acontece com todas as outras atividades dos seres h 1I-
cruel. Nenhum dos dois pode fugir dos limites inexoráveis impos- manos, os sistemas políticos não realizam necessariamente suas
tos pela interação do tempo exigido para um ato de participação e possibilidades. O título de um livro apreende a essência desse tipo
do número de cidadãos autorizados a participar.
126 Robert A. Dahl Sobre a democracia 127

de perspectiva: O l1egócio é ser pequeno.r, Indiscutivelmente, em Aparentemente, as assembléias populares não são exatamente
teoria é possível que sistemas políticos muito pequenos obtenham modelos da democracia participativa - mas esta não é toda a histó-
um elevado índice de participação do cidadão a que os sistemas ria. Quando sabem que as questôes a tratar são comuns ou indiscu-
grandes jamais podem corresponder. No entanto, muitas vezes, tal- tíveis, os cidadãos preferem ficar em casa - e por que não? No
vez em geral, eles não conseguem realizar seu potencial. entanto, as questões polêmicas os levam à rua. Minha cieladezinha
As assembléias populares em algumas cidades menores da em Connecticut abandonou em grande parte sua tradicional assem-
Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, são um bom exemplo dos bléia popular, mas ainda me lembro de questões em que os cida-
limites e das possibilidades. Embora a maioria das assembléias po- dãos se dividiam seriamente e apareciam em tal número que
pulares tradicionais da Nova Inglaterra tenha sido substituída no apinhavam o auditório ela high-schoo/; para os que não haviam
todo ou em parte por um corpo legislativo de representantes elei- conseguido entrar na primeira, era preciso marcar lima segunda
tos, elas ainda estão vivas e muito bem em Vermont, um estado reunião, que se mostrava igualmente apinhada. Como ainda hoje
principalmente rural. acontece em Vermont, as discussôes nas assembléias populares não
Um observador solidário e participante que estudou as assem- são dominadas pelas pessoas instruídas e ricas. As fortes convic-
bléias populares em Vermont descobriu que entre 1970 e 1994 fo- ções e a determinação para tomar a palavra absolutamente não são
ram realizadas 1.215 dessas reuniões em 210 cidadezinhas do tipo monopolizadas por um único grupo socioeconômico.
de Vermont com menos de 4.500 moradores. Dos livros de registro Com todas as suas limitações, a democracia de assembléia tem
de 1.129 dessas assembléias, ele chegou à seguinte conclusão: muito a seu favor.

... 0 número médio de pessoas que assistia a essas reuniões


quando a contagem era mais alta era de 139. Destas pessoas, em Às vezes o negócio é ser grande
média, 45 participaram pelo menos uma vez ... Em média. 197r.'
dos votantes elegíveis de uma dessas cidadezinhas estarão pre- Como já vimos no Capítulo 2, os gregos não fugiam ao llile-
sentes numa assembléia popular e 7(10 dos votantes elegíveis de ma. Eles sabiam perfeitamente que o calcanhar de Aquiles do esta-
uma cidadezinha (37% dos assistentes) tomarão a palavra pelo
do pequeno é sua fragilidade diante de um grande estado. Por mais
mcnos uma vez ... A grande maioria das pessoas que tomam a
palavra o faz mais de uma vez ... Em média. uma reunião dura criativos e corajosos que fossem na preservação de sua independên-
aproximadamente quatro horas ... de tempo para deliberaçôes. cia, os atenienses não conseguiram evitar a-derrota pela superiorida-
É o tempo suficiente para dar a cada um dos presentes dois mi- de das forças de Filipe da Macedônia, em 322 a.c., nem os séculos
nutos e 14 segundos para falar. Naturalmente, como bem menos de dominação estrangeira que seguiram. Quando o estado nacional
das pessoas que assistem tomam a palavra. em média o tempo centralizado começou a emergir, as restantes cidades-estado estavam
de cada falante é de quase exatamente cinco minutos ... Ao condenadas. A última grande cidade-estado república, Veneza, caiu
contrário, como há cerca de quatro vezes mais participantes do sem resistência para as forças de Napoleão Bonaparte em 1797: dali
que participaçôes, cm média uma assembléia popular dá apenas em diante, jamais retomou sua independência.
7
um minuto e vinte segundos para cada participação.
Nos últimos séculos, especialmente no século XX, as limitadas
capacidades de unidades pequenas o bastante para se autogovernarem
numa democracia de assembléia apareceram Illuitas e muitas vezes
h E, F. Schumacher. SllIa!! is Bcalllirlll: A SllIdl' oi Ecollolllics as Ir Peof!!e não apenas em questões militares, mas tratando de outras questôes.
Mlllfercd. Londres, Blong and I3riggs. 1973. como economia, tráfego, transportes, comunicações, movimentos das
7 Frilnk M, Bryan. "Diree! Del110eraey anel Civic Competence". (]()or! Soeief" 5.
pessoas e dos bens, da saúde, do planejamento familiar, da agricultura,
I (outono cle 1995), p. ]6-44.
128 Robert A. Dahl Sobre a democracia 129

do crime, da educação, dos assuntos civis, políticos, dos direitos llll- muito amplos, a participação e o controle popular nem sempre são
manos e uma série de outros interesses importantes. vigorosos, e as elites políticas e burocráticas possuem enorme dis-
Na ausência de um catac1isma universal que reduzisse drástica cernimento. Apesar dos limites para o controle popular, as elites
e permanentemente a população do mundo e eliminasse a tecnolo- políticas nos países democráticos não são déspotas sem controle.
gia avançada, é impossível prever um mundo em que desaparece- Longe disso. As eleições periódicas obrigam-nos a manter um olho
ram todas as grandes unidades políticas, inteiramente substituídas na opinião do povo. Além do mais, quando chegam a decisões, as
por unidades políticas completamente independentes, com popula- elites políticas e burocráticas são influenciadas e refreadas umas
ções tão pequenas (digamos, no máximo, com menos de cinqüenta pelas outras. A negociação das elites tem seus próprios pesos e
mil pessoas) que seus cidadãos pudessem se governar e prefeririam contrapesos. Os representantes eleitos participam da negociação até
se governar exclusivamente por um sistema de democracia de o ponto em que são um canal através do qual os desejos, os obje-
assembléia. Para piorar tudo, um mundo de unidades pequenas e tivos e os valores populares entram nas decisões gov~rnamel1t~is.
completamente independentes com toda a certeza seria instável, As elites políticas e burocráticas nos países democráticos são pode-
pois seria preciso que umas poucas unidades se juntassem e se rosas, bem mais poderosas do que podem ser os cidadãos comuns -
empenhassem em agressão militar, tomando uma unidade pequena mas elas não são déspotas.
depois da outra, para estar criado um sistema grande demais para o
governo de assembléia. Para democratizar essa nova unidade
maior, os reformadores (ou revolucionários) democráticos teriam Organizações internacionais podem ser democráticas?
de reinventar a democracia representativa.
Até aqui nos preocupamos com as possibilidades da democra-
cia em unidades de escala menor do que um país ou nação-estado.
o lado sombrio: a negociação ('nft·c as elites E quanto às unidades de maior escala ou pelo menos uma escala
muito diferente - as organizações internacionais?
Com todas as suas vantagens, () governo representativo tem No final do século XX, os países democráticos passaram a sentir
um lado sombrio. A maioria dos cidadãos que vivem em países cada vez mais as conseqüências da internacionalização - econômica,
democráticos tem consciência dele, em geral o aceitam como parte cultural, social, política, burocrática, militar. O que reserva o futuro
do preço a pagar pela representação. para a democracia? Ainda que os governos de países democráticos
O lado sombrio é o seguinte: sob um governo representativo, independentes entreguem grande parte de seu poder a algum tipo de
muitas vezes os cidadãos delegam imensa autoridade arbitrária governo internacional, o processo democrático não passará simples-
para decisões de importflI1cia extraordinária. Não delegam autori- mente a um nível internacional? Se é assim, conforme são democrati-
dade apenas a seus representantes eleitos, mas, num trajeto ainda zados os emergentes governos internacionais, os valores democráticos
mais indireto e tortuoso, a autoridade é delegada a administradores, não enfraquecerão e talvez até se aperfeiçoem.
burocratas, funcionários públicos, juízes c, em grau ainda maior, a Podemos tomar uma analogia da história. Como vimos no
organizações internacionais. Há um processo ligado a instituições Capítulo 2, o locus original da idéia e da prática da democracia foi
da democracia poliárquica que ajuda os cidadãos a exercer iniluên- a cidade-estado. No entanto, as cidades-estado nào poderiam se
cia sobre a conduta e as decisões de seu governo: a negociação opor à força crescente dos estados nacionais. Ou as cidades-estado
entre as elites jJolíticos e burocráticas. deixariam de existir com identidade própria ou, como aconteceu
A negociacão da elite ocorre dentro dos limites impostos pelas com Atenas e Veneza, tornam-se governos locais subordinados ao
instituiçõ~s e I;elos processos democráticos. 8m geral, são limites governo do país. No século XXI, será que os governos nacionais
130 Robert A. Dahl Sobre a democracia 131

não parecerão simplesmente governos locais subordinados a go- teriam de criar instituições políticas que proporcIonassem partici-
vernos democráticos internacionais? pação, influência e controle político de eficácia mais ou menos
Afinal de contas, poderíamos dizer, a subordinação de gover- equivalente à existente em países democráticos. Para aproveitar
noS locais menores a um governo nacional não significou o fim da essas oportunidades, os cidadãos teriam de estar mais ou menos
democracia. Ao contrário, a democratizaçáo de governos nacionais interessados e informados sobre as decisões políticas das organiza-
não apenas estendeu imensamente os domínios da democracia, mas ções internacionais bem como sobre as decisões do governo de
abriu um importante espaço para os processos democráticos nas seus países. Para os cidadãos estarem informados, as elites da polí-
unidades subordinadas - vilas, cidades, cantões, estados, provín- tica e da comunicação teriam de discutir publicamente as alternati-
cias, regiões, e assim por diante. Assim, nessa visão, a dificuldade vas, de maneira que envolvesse a atenção e as emoções do público.
não está em deter a internacionalização em suas trilhas, o que é Para assegurar o debate público, seria preciso criar um equivalente
impossível. A dificuldade é democratizar as organizações interna- internacional à competição política nacional de partidos e pessoas
cionais. em busca do posto. Os representantes eleitos ou seus equivalentes
Para meu pesar, sou forçado a concluir que essa visão é exage- funcionais (sejam quais forem) teriam de exercer controle sobre
radamente otimista, por mais atraente que seja para qualquer um importantes burocracias internacionais mais ou menos tão hem quanto
que valorize a democracia. Mesmo nos países em que as institui- o fazem os legislativos e os executivos nos países democráticos.
ções e as práticas democráticas existem há muito tempo e estão A maneira como os representantes de um hipotético corpo de
consolidadas, é dificílimo que os cidadãos exerçam um controle cidadãos internacionais seriam distribuídos entre povos de países
eficaz sobre inúmeras questões essenciais nas relações exteriores. diferentes traz mais um problema. Dadas as imensas diferenças na
Esse controle é bem mais difícil em organizações internacionais. magnitude das populações de países diferentes. nenhum sistema de
A Uniáo Européia nos oferece um bom exemplo. Ali, estrutu- representação conseguiria dar igual peso ao voto de todos os cida-
ras nominalmente democráticas, como eleições populares e um dãos, evitando que os votos dos países grandes superassem com
parlamento, estão pro forlJ1([ em seu devido lugar. Não obstante, vantagem os pequenos - assim, todas as soluçôes aceitáveis para as
virtualmente todos os observadores concordam que permanece um democracias menores negarão a igualdade política entre os mem-
gigantesco "déficit democrático". Decisões importantes sáo tomadas, bros do demos maior. Como acontece nos Estados Unidos e em
principalmente, por meio de negociações entre as elites políticas e outros sistemas federais, as soluçües aceitáveis podem ser costura-
burocráticas. Os limites não são impostos por meio de processos das como uma colcha cle retalbos.-como a feita para a União Euro-
democráticos, mas, sobretudo, pela concordância obtida pelos ne- péia. Em todo caso. seja qual for a solução conciliatória alcançada.
gociadores, levando em conta as prováveis conseqüências para os ela facilmente poderia se tornar fonte de tens()es internas, especial-
mercados nacionais e internacionais. A negociação. a hierarquia e mente na ausência de uma forte identidade comul11.
os mercados determinam os resultados. Os processos democráticos A tensão é ainda mais provável porque a maioria das decis(les nas
praticamente têm apenas o papeI de ratificar esses resultados. democracias nacionais tende a ser considerada prejudicial para os inte-
Se as instituições democráticas são em geral ineficazes no go- resses de algumas pessoas, o mesmo podendo acontecer llas organiza-
verno da União Européia, as perspectivas para a democratização de ções internacionais - como eu já disse. O peso maior de algumas
outros sistemas internacionais parecem ainda mais remotas. Para decisôes poderá recair sobre determinados grupos. países ou regiões.
obter um controle popular que esteja em algum ponto próximo ao Para sobreviver a essas tensões, uma cultura política apoiando especí-
controle já existente nos países democráticos, as organizações ficas instituições ajudaria - e talvez fosse necess;íria. Criar e desen-
internacionais teriam de resolver, da melhor maneira, diversos pro- volver uma cultura política toma tempo, talvez gerações. Além do
blemas que estejam sendo tratados nesses países. Os líderes políticos mais, se as decisões políticas forem amplamente aceitáveis e válidas
132 Robeli: A. Dahl Sobre a democracia 133

entre os perdedores, provavelmente teria de surgir alguma identidade suas unidades ou de associações independentes numa sociedade
comum equivalente à existente em países democráticos. civil pluralista. Os princípios democráticos sugerem algumas per-
Parece-me altamente improvável que todas essas exigências guntas a fazer sobre o governo de qualquer associação:
essenciais para a democratização de organizações internacionais
sejam satisfeitas. E, se as exigências não forem satisfeitas, por que Ao chegar a decisões, o governo da associação garante igual
processo serão tomadas as decisões internacionais? Creio que por peso ao bem e ao interesse de todas as pessoas ligadas por es-
meio de negociações entre as elites políticas e burocráticas: superin- sas decisões?
tendentes de grandes companhias, ministros, diplomatas, burocratas Alguns dos membros da associação estarão mais bem qualifi-
dos governos e de organizaçôes não-governamentais, líderes em- cados do que outros para governar, que pudessem receber auto-
presariais e afins. Embora os processos democráticos de vez em ridade plena e definitiva no governo da associação? Se não,
quando consigam determinar os limites exteriores dentro dos quais será que no governo da associação não deveríamos considerar
as elites realizam suas negociações, chamar ue "democráticas" as os membros da associação como iguais políticos?
práticas políticas dos sistemas internacionais seria roubar todo o • Se os membros têm igualdade política, o governo da associa-
significado da expressão. ção não corresponde aos critérios democráticos? Se correspon-
de, até que ponto a associação proporciona a seus membros as
oportunidades de participação eficaz, igualdade de voto, obten-
Uma sociedade plm'alista vigo,'osa nos países demoCl'áticos ção de um entendimento esclarecido e exercendo controle final
sobre os planos?
É improvável que a democracia passe ao nível internacional,
mas é importante ter sempre em mente que todo país democrático Em quase todas (talvez todas) as organizações por toda parte,
precisa de unidades menores. Num país moderno, essas unidades há algum espaço para alguma democracia, Em quase todos os paí-
são variadíssimas. Até os menores países democráticos exigem go- ses democráticos há bastante espaço para mais democracia.
vernos municipais. Países maiores poderão ter outro tipo de unida-
des: distritos, condados, estados, províncias, regiões, c assim por
diante, Por menor que seja o país na escala mundiaL ele precisará
de uma série de associações e organ~zações independentes - ou
seja, uma sociedade civil pluralista.
A melhor maneira de governar as menores associaçôes de
estado e sociedade - sindicatos, empresas econômicas, grupos de
interesses especializados, organizações euucacionais, e assim por
diante - não admite uma resposta única. O governo democrático
pode não estar justificado em todas as associações; diferenças mar-
cadas na competência podem impor limites legítimos na extensão
a que devem ser satisfeitos os critérios democráticos. Mesmo onde
a democracia está comprovada, nenhuma forma será necessaria-
mente a melhor.
No entanto, nenhum aspecto não-democrático de qualquer go-
verno deveria passar sem um questionamento - seja do estado e
Capítulo 10

Variedades II: constituições

Assim como a democracia vem em tamanhos diferentes, as


constituições democráticas vêm em estilos e formas variados. Você
poderia muito bem se perguntar se as diferenças nas constituiçôes
de países democráticos realmente têm importância ... A resposta
pode ser nclo, sim e talvez.
Para explicar por quê, começarei, principalmente, com a expe-
riência ela constituição das democracias antigas, países em que as
instituiçôcs democráticas básicas existiram ininterruptamente des-
de 1950 - 22 (lO todo (Alemanha, Austrália. Áustria, Bélgica, Ca-
nadá. Costa Rica. Dinamarca, Estados Unidos. Finlândia, França,
Irlanda, Islândia, Israel, Itúlia, Japão, Luxemburgo, Holanda, No-
ruega. Nova ZelflIldia. Reino Unido, Suécia, Suíça).'
As variaçôes entre eles são suficientes para proporcionar uma
boa idéia das possibilidades. Não obstante, os arranjos constitucio-
nais dos países recentemente democratizados não são menos im-
portantes - talvez sejam até mais, porque podem ser decisivos para
a vitória da democratização.
Ao descrever as cU/7stitZliçaes e os arranjos constitucio17ais,
desejo usar esses termos amplamente, de modo a incluir práticas
importantes que talvez n;\o estejam especificadas na constituição,
como os sistemas eleitorais c partidários. Minha razão para isto
será esclarecida no próximo capítulo.
Quais são as variaçflcs importantes nas constituições demo-
cráticas c qual sua verdadeira importância?

Veja Arend Lijphart l!cl7locracics: l'allall5 oI" Afujori(o/"ioll (///({ CO/lSC/lSIIS


C;Ol'CI"/lfIlCIII in 7i"CII11'-()/lC COlllllrie,\'. New Haven e Londres, Yale Universitv
Press, 1984, Tabela 3,1, p. 3R. Acrescentei a Costa Rica à list~l.
136 Robert A. Dahl Sobre a democracia 137

Variações constitucionais Mundial normalmente os incluem. Nào obstante, às vezes os di-


reitos sociais e econômicos prescritos (de maneira até bastante
prolixa) são pouco mais do que simbólicos.
Escritas 0/1 não-escritas?

Uma constituição não-escrita pode parecer uma contradição, Federal ou unitário?


embora em alguns países se considere que determinadas práticas e
instituições consolidadas abrangem um sistema constitucional, Num sistema federal, os governos de algumas unidades ter-
mesmo não estando prescritas em um único documento adotado ritoriais menores (estados, províncias, regiões) têm a garantia da
como constituição desse país. Entre as democracias mais antigas permanência e razoável autoridade; nos sistemas unitários, sua
(e certamente entre as mais novas), uma constituição não-escrita é existência e sua autoridade dependem de decisões tomadas pelo
resultado de circunstâncias históricas bastante incomuns - como governo nacional. Entre os 22 países democráticos mais antigos,
aconteceu nos três casos excepcionais da Grã-Bretanha, Israef e apenas seis são estritamente federais (Alemanha, Austráli<l, Áustria,
Nova Zelândia. Não obstante, constituições escritas tornaram-se Canadá, Estados Unidos, Suíça). Em todos estes seis países, o fede-
uma prática habitual. ralismo é conseqüência de circunstâncias históricas especiais ..!

Carfa de direitos Legislativo unicameral ou hicameral?

A constituição inclui uma carta de direitos explícita? Mais Ainda que predomine o bicameralismo, Israel nunca teve uma
uma vez, emhora uma carta de direitos constitucionais explícitos segunda câmara, e, desde 1950, os quatros países escandinavos, a
não seja universal entre as democracias mais antigas, hoje é a prá- Finlândia e a Nova Zelândia aboliram suas câmaras superiores.
tica habitual. Por razões históricas e devido à ausência de uma
constituição escrita, a notável exceção é a Inglaterra (onde, em
todo caso, a idéia tem apoio significativo). Rel'istío judicial?

A corte suprema poderá declarar inconstitucionais as leis pro-


Direitos sociais e econômicos? mulgadas por um legislativo nacional? Conhecida como revisão
judicial, esta prática tem sido um aspecto comum nos países demo-
Embora a constituição norte-americana e as que sobrevivem cráticos dotados de sistemas federais, onde é considerada necessária
desde o século XIX nos países democráticos mais antigos geral- se a constituição nacional prevalecer sobre as leis promulgadas
mente tenham pouco a dizer explicitamente a respeito de direitos pelos estados, pelas províncias ou pelos cantões. A queslào mais
sociais e econômicos,' as adotadas a partir da Segunda Guerra
que aboliu a escravidão, ou pela interpretaç50 do Congresso e do ludici5rin da
Por meio de uma série de leis sancionadas pelo Parlamento reunido com corpo décima quarta e décima quinta emendas.
constitucional, Israel tem transformado seus arranjos constitucionais em uma 4 Lijphart, Democracies, Tabelas 10.1 e 10.2, p. 174, 178. Por cau~a da descen-
constituição escrita. tralização regional, é razoável acrescentarmos a Bélgica à Iista. Como acontece
.1 Alguns direitos sociais e econômicos foram diretamente acrescentados à Cons- com outros arranjos constitucionais, entre as categorias "federa!" e "unitário" há
tituição dos Estados Unidos, como aconteceu com a décima terceira emenda, muitas variações.
138 Robert A. Dahl
Sobre a democracia 139

importante é saber se a Corte poderá declarar inconstitucional uma Referendos?


lei promulgada pelo Parlamento nacional inconstitucional. A Suíça
limita o poder da revisão judicial apenas à legislação cantonaL Referendos nacionais são possíveis ou, no caso de emendas
Entretanto, como acabamos de ver, em geral os países democráti- constitucionais, talvez obrigatórios? A Suíça proporciona um
cos não são federais, e, entre os sistemas unitários, apenas cerca de exemplo limite: ali, os referendos para tratar de questões nacionais
metade tem alguma forma de revisão judiciaL Além do mais, mes- são permitidos, obrigatórios por emenda constitucional e freqüentes.
mo entre os países em que existe a revisão judicial, a extensão a No outro extremo, a Constituição dos Estados Unidos não prevê
qual a Corte procura exercer esse poder varia do caso extremo, os referendos (e jamais houve qualquer referendo nacional no país),
Estados Unidos, onde a Suprema Corte às vezes exerce um poder embora sejam comuns em diversos estados. Por outro lado, em mais
extraordinário, aos países onde o Judiciário tem grande deferência da metade das democracias mais antigas houve pelo menos um
em relação às decisões do Parlamento. O Canadá tem uma variante referendo.
interessante: é um sistema federal, com urna Corte suprema dotada
de autoridade para declarar inconstitucionais tanto as leis federais
quanto as provinciais. Contudo, as legislaturas provinciais e o Par- Presidencialismo ou parlalllelltarislllo?
lamento federal podem sobrepor-se à decisão da Corte, votando
urna segunda vez para fazer passar a lei em questão. Num sistema presidencialista, o chefe do Executivo é eleito inde-
pendentemente do Legislativo e, pela Constituição, é investido de
grande poder. Num sistema parlamentarista ou de gabinete, o chefe do
J\lalldato dosjufzes Executivo é eleito e pode ser destituído pelo Parlamento. O exemplo
clássico de governo presidencialista são os Estados Unidos; o exemplo
Vitalício ou com prazo limitado? Nos Estados Unidos, os clássico de governo parlamentarista é a Grã-Bretanha.
membros do Judiciário federal (ou seja: nacional) têm mandato O governo presidencialista foi inventado pelos delegados pre-
vitalício por uma provisão constitucionaL A vantagem do mandato sentes na Convenção Constitucional dos Estados Unidos em 17R7.
vitalício é assegurar aos juízes maior independência das pressões A maioria dos delegados admirava a Constituição britânica (não-
políticas. No entanto, se também tiverem o poder de revisão judicial, escrita) por sua "separação dos poderes" em um Judiciário inde-
seus julgamentos poderão refletir a influência de uma ideologia pendente tanto do Legislativo quanto do Executtvo; um Legislativo
mais antiga que já não é mais apoiada pelas maiorias da população (o Parlamento) independente do Executivo; e um Executivo (a mo-
e do Legislativo. Conseqüentemente, poderão empregar a revisão narquia) independente do Legislativo. Os delegados procuravam
judicial para impedir reformas, como fizeram algumas vezes nos emular as virtudes da Constituição britânica, mas a monarquia es-
Estados Unidos - durante o grande período das reformas de 1933 a tava completamente fora de questão: viram-se perplexos com o
1937, sob a liderança do presidente Franklin Delano RooseveIt. problema do Executivo. Sem nenhum modelo histórico importante
Tendo em vista a experiência norte-americana, alguns países de- a utilizar como base, lutaram com a questão por quase dois meses,
mocráticos que providenciaram cláusulas explícitas sobre a revisão antes de encontrar a solução.
judicial em constituições escritas depois da Segunda Guerra Mun- Embora aquela convenção tenha sido uma extraordinária reu-
dial rejeitaram o mandato vitalício e preferiram mandatos limita- nião de talentos constitucionalistas, a passagem do tempo dotou os
dos, embora longos - como aconteceu na Alemanha, na Itália e no delegados de uma visão de futuro bem maior do que nos revelam
Japão. os registros históricos ou do que a falibilidade do ser humano nos
permitiria~maginar. Como acontece com muitas invençôes, os
140 Robert A. Dahl Sobre a democracia 141

criadores do sistema presidencialista dos Estados Unidos (ou me- como os sistemas eleitorais interagem com outras partes da Cons-
lhor, do sistema presidencialista e congressista) I.ilo poderiam tituição. Mais sobre essa questão no próximo capítulo.
prever a evolução de sua idéia no decorrer dos duzentos anos A lista das alternativas poderia ser bem mais estendida; basta
seguintes. Também não poderiam prever que o governo parlamen- mostrar que os arranjos constitucionais entre as antigas democracias
tarista se desenvolveria como solução alternativa e amplamente variam bastante. As variações que mencionei até aqui são muito
adotada pelo mundo afora. gerais; se passássemos para um nível mais concreto de observação,
Atualmente, o governo parlamentarista é impensável para os descobriríamos maiores diferenças.
norte-americanos; não obstante, se a Convenção Constitucionalista Até aqui, você poderia concluir que as constituições dos países
houvesse ocorrido cerca de trinta anos mais tarde, é muito possível democráticos diferem em pontos importantes. Será que essas varia-
que os delegados houvessem proposto um sistema parlamentar. Em çôes tornam algumas constituiçôes melhores - ou, quem sabe, mais
relação ao Parlamento, nem eles nem os observadores britânicos democráticas ... ? Existirá algum tipo melhor cle Constituição demo-
perceberam que o próprio sistema constitucional britânico passava crática?
por uma rápida mudança: estava se transformando num sistema Essas questões levantam mais uma: como deveríamos avaliar a
parlamentarista em que a autoridade do Executivo estaria efetiva- relativa conveniência de diferentes constituições? É evidente que
mente nas mãos do primeiro-ministro e do gabinete, não com o precisamos ter alguns critérios.
monarca. Embora nominalmente escolhido pelo monarca, o pri-
meiro-ministro seria na verdade escolhido pela maioria no Parlamento
(em seu devido tempo, na Câmara dos Comuns) e permaneceria no Como as cOllstillliçõesfazem diferença
posto apenas enquanto detivesse o apoio da maioria parlamentar.
Por sua vez, o primeiro-ministro escolheria os outros membros do As constituições poderiam importar para a democracia de um
gabinete. Este sistema já funcionava praticamente assim desde país de muitas maneiras.
mais ou menos 1810.
Na maior parte dos países democráticos estáveis de hoje, em
que as instituições democráticas evoluíram durante os séculos Estabilidade
XIX-XX e resistiram, variantes do governo parlamentarista (não do
presidencialista) tornaram-se o arranjo constitucional aceito. Uma constituição poderia ajudar a proporcionar estabilidade
às instituições políticas básicas descritas no Capítulo 8. Ela não
apenas estabeleceria uma estrutura democrática de governo, mas
Sistema eleitoral? tamhém asseguraria todos os necessários direitos e garantias que
exigem as instituições políticas básicas.
Precisamente COI/lO são distribuídos os assentos no Legislativo
nacional em proporção às preferências dos que votam nas eleições?
Por exemplo, um partido cujos candidatos obtêm cerca de 30% dos Direitos fundamentais
votos em uma eleição conquistará uma quantidade de assentos pró-
xima a esses 30%? Conquistariam algo em torno de 15% desses Uma constituição protegeria os direitos da maioria e das mino-
assentos? Ainda que a rigor o sistema eleitoral não precise estar rias. Ainda que nela esteja implicitamente incluído esse critério, é
especificado na "constituição", como afirmei anteriormente, é bom bom dar especial atenção aos direitos e deveres básicos que pro-
considerá-lo parte do sistema constitucional, devido à maneira
142 Robert A. Dahl Sobre a democracia 143

porcionam garantias para as maiorias e as minorias, devido às GOl'emo eficaz


variaçôes entre as constituições democráticas.
Por eficácia entendo a competência com que são tratados os
problemas e as questões importantes a enfrentar, para os quais os
Nelllralidade cidadãos acreditem ser necessária a ação do governo. Um governo
eficaz é especialmente importante nos momentos de grande emer-
Uma constituição manteria a neutralidade entre os cidadãos do gência trazidos pela guerra, pela ameaça de guerra, pela grave
país. Com as garantias e os direitos fundamentais assegurados, os tensão internacional, por sérias dificuldades econômicas e crises
arranjos constitucionais também assegurariam que o processo le- semelhantes. Sua competência também é necessária em períodos
gislativo não favoreça nem penalize as idéias ou os interesses legí- mais comuns, quando importantes questões encabeçam os planos
timeis de qualquer cidadão ou grupo de cidadãos. de cidadãos e líderes. A curto prazo, às vezes um governo não-
democrático correspol1derá melhor a este critério do que um go-
verno democrático, embora isso em geral não aconteça num prazo
ResjJollsabilidade maior. De qualquer maneira, estamos preocupados com governos
que funcionam dentro dos confins da democracia. Dentro desses
A Constituição poderia ser planejada para habilitar os cidadãos limites, parece razoável desejar um sistema constitucional dotado
a atribuírem aos líderes políticos a responsabilidade por suas deci- de cláusulas que desestimulem impasses demorados, atraso 0\1
sões, açôes e conduta dentro de um período "razoável". evitamento de grandes questões, ao mesmo tempo estimulando a
ação para resolvê-las.
RcprCSClllaçcloj llSI (/
Decis[jes com]Jclc/lles
o que constitui uma "representação justa" é tema de intermi-
nável controvérsia, em parte devido aos dois critérios que apre- Um governo eficaz é desejável, mas não poderíamos admirar
sento a seguir. uma constituição que favoreça a ação resoluta e decisiva, impedin-
do que o governo utilize o conhecimento disponível para solucio-
nar os problemas urgentes do país. A ação decisiva não substitui a
COllSCIlSO hcm inlormado
política inteligente.
U ma constituição ajudaria os cidadãos e os líderes a obter um
consenso baseado na boa informação sobre leis e políticas. Ela po- Transparência c ahrangência
deria criar oportunidades e incentivos para os líderes políticos se
empenharem em negociações, acertos e coalisôes que facilitassem Com este par de critérios quero dizer que a operaçfto do go-
a conciliação de variados interesses. Mais sobre essa questão nos
verno deve ser suficientemente aberta para a visão do público e
próximos capítulos. simples o bastante em sua essência para que os cidadftos entendam
prontamente o que ele faz e C01110 está agindo. A atuação do go-
verno não deve ser tão complexa que os cidadãos não consigam
entender o que acontece - e, se eles não entenderem seu governo,
Robert A. Dahl Sobre a democracia 145

não poderão atribuir responsabilidades a seus líderes, especial- Quanta diferença fazem as difc."enças?
mente nas eleições.
Diferenças constitucionais desse tipo têm realmente alguma
importância?
Flexibilidade Para responder a essa pergunta, devemos acrescentar mais dois
conjuntos de evidências às dos 22 países democráticos mais anti-
Um sistema constitucional não precisa ser tão rígido ou tão gos'. Podemos extrair uma série de experiências elas democracias
imutável em seu texto e em sua tradição que não permita a adapta- "mais novas" - países em que as instituições democráticas básicas
ção a novas situações. foram estabelecidas e mantidas durante a segunda metade do sé-
culo XX. Por outro lado, temos a história trágica e esclarecedora de
países em que as instituições democráticas foram estabelecidas em
Legit Ílll idade algum ponto no século XX, mas foram rompidas, e eles se sujeita-
ram a um regime autoritário - pelo menos por algum tempo.
Satisfazer aos dez critérios anteriores certamente seria boa Embora essas três abundantes fontes de comprovação não te-
parte do caminho para garantir a sobrevivência de uma constituição nham sido plenamente investigadas ou analisaelas, acredito que
de suficiente legitimidade e lealdade entre os cidadãos e as elites apresentem interessantes conclusões.
políticas. Não obstante, em um determinado país, certos arranjos Para começar, cada uma das alternativas anteriormente enume-
constitucionais seriam mais compatíveis do que em outros, com radas existiu em pelo menos uma democracia estável. Portanto, é
normas tradicionais de legitimidade mais disseminadas. Por exem- perfeitamente razoável, e até logicamente necessário, concluir que
plo, embora possa parecer paradoxal a muitos republicanos, manter existem muitos arranjos constitucionais compatíveis com as insti-
um monarca na chefia de um estado, adaptando a monarquia às tuições políticas básicas da democracia poliárquica descrita no
exigências da poliarquia, conferiu maior legitimidade às constitui- Capítulo 8. Parece que as instituições políticas da democracia poliár-
ções democráticas nos países escandinavos, na Holanda, na Bélgi- quica podem assumir muitas formas ...
ca, no Japão, na Espanha e na Inglaterra. Em compensação, na Por que isto acontece? Determinadas condições subjacentes
maioria dos países democráticos, qualquer tentativa de misturar um altamente favoráveis à estabilidade elas instituições democráticas
monarca com a chefia do Estado provocaria um impacto nas con- básicas (discutidas no Capítulo 12) prevaleceram em todas essas
vicções republicanas disseminadas. A'isim, a proposta ele Alexander democracias mais antigas bastante estáveis. Dadas essas condições
Hamilton, na Convenção Constitucional norte-americana de 1787, favoráveis, as variações constitucionais, como as descritas, não têm
a favor de um executivo com mandato vitalício - um monarca nenhuIll grande efeito sobre a estabilidade das instituições demo-
"eleito" -, foi rejeitaela praticamente sem questionamento. Elbridge cráticas básicas. A julgar apenas por este critério, as variações que
Gerry, outro delegado presente na Convenção, observou: descrevi não parecem importar muito. Assim, dentro ele vastos limites,
- Não havia um milésimo de nossos compatriotas que não os países democráticos têm uma ampla escolha de constituições.
fosse contra qualquer idéia de monarquia. 5 Ao contrário, onde as condições subjacentes são altamente
desfavoráveis, é improvável que a democracia venha a ser preser-
5 Segundo as notas ele Maelison, num longo discurso a 1,'\ de junho de 17R7, vada com qualquer projeto constitucional.
Hamilton observou: "COlll relação ao Executivo, parecia admissível que nenhum
bom poderia ser estabelecido sobre os princípios republ icanos ... O modelo in- Deixemos o Executivo ser também vitalício". Veja Max Parrand, eel., The Rccords
glês era o único bom nesse aspecto. Deixe-se um ramo do Legislativo manter seu of lhe Fedem! COl7rel7/iol1 of 1787, v. 1, New Haven, Yale University Press,
posto pela vida inteira ou, pelo menos. enquanto tiver bom comportamento. J 966, p. 289. O comentário de Gerry do dia 26 de junho está na p. 425.
146 Robert A. Dahl

Com um leve exagero, poderíamos resumir assim os dois pri-


meiros pontos:
Se as condições subjacentes são altamente favoráveis, a esta-
bilidade é provável com praticamente qualquer tipo de constituição
que o país adotar. Se as condições forem altamente desfavoráveis,
Capítulo 11
ne/11111/lla constituição salvará a democracia.
Não obstante, há uma terceira possibilidade mais interessante:
num país onde as condições não são altamente favoráveis nem Variedades IH:
altamente desfavoráveis, e sim mistas - de modo que a democracia
é incerta, mas absolutamente não-impossível -, a escolha do projeto
partidos e sistemas eleitorais
constitucional poderia ter importância. Em suma: se as condições
forem mistas em um país - algumas favoráveis e outras desfavorá-
veis -, uma constituição beTl/ jJlcmeiada ajudaria as instituições
democráticas a so/Jrel'h'er, ao passo que lima constituição TIIal
Provavelmente, nenhuma instituição política molda a paisa-
elaborada poderia cOllfri!JlIir para o rompimellto das instituições
gem política de um país democrático mais do que seu sistema
democráticas.
eleitoral e seus partidos. Nenhuma apresenta variedade maior.
Por fim, por mais decisiva que seja, a estabilidade não é o úni- As variações são imensas, a tal ponto que um cidadão, conhe-
co critério importante. Se tivéssemos de julgá-los por outros crité- cedor do sistema partidário e dos arranjos eleitorais de seu país,
rios, os arranjos constitucionais poderiam ter graves conseqüências poderá achar incompreensível o panorama político de outro país
mesmo nos países em que as condiçiks são altamente favoráveis ou, se compreensível, nada atraente. Para o cidadão ele um país em
para a estabilidade democrática. E realmente são ... Elas moldam as que apenas dois partidos políticos disputam as eleições, o país do-
instituições políticas concretas dos países democráticos: executi- tado de inúmeros partidos parecerá um caos político. Para () cida-
vos, legislaturas, judiciários, sistemas partidários, governos locais, dão de um país multi partidário ter apenas dois partidos políticos
e assim por diante. Por sua vez, a forma dessas instituições teria para escolher parecerá uma camisa-de-força. Se cada um examinar
importantes conseqüências para a justiça da representação na le- o sistema partidário do outro país, as diferenças parecerão ainda
gislatura ou na eficácia do governo e, como resultado, poderia até mais confusas.
mesmo afetar a legitimidade do governo. Nos países em que as Como podemos explicar essas variações? Alguns sistemas
condições são mistas e as perspectivas para a estabilidade demo- partidários ou eleitorais serão mais democráticos ou melhores do
crática um tanto incertas, essas variaçôes poderiam ser excepcio- que outros em determinados aspectos?
nalmente importantes. Comecemos com as principais variações nos sistemas eleitorais.
Examinaremos as razões para isto no próximo capítulo.
Os sistemas eleitorais

Há infinitas variações de sistemas eleitorais. I Uma razão para


tanta diversidade é o fato de que nenhum poderá satisfazer todos os

Como afirma um excelente estudo, as variações são "inconUíveis". O mesmo


estudo diz que, "essencialmente, elas se dividem em nove principais sistemas.
148 Robert A. Dahl Sobre a democracia 149

critérios pelos quais seria razoável qualquer julgamento. Como Palm'l'as sohl'e jJalal'ras
sempre, é preciso haver negociações. Se escolhemos um sistema,
obteremos alguns valores - mas à custa de outros. Nos Estados Unidos, em geral esse tipo de arranjo é chamado
Por que isso acontece? Para uma resposta de tolerável brevi- de sistema de pllfralidade, porque o candidato com uma plurali-
dade, reduzirei a frustrante série de possibilidades a apenas duas: dade (não necessariamente a maioria) de votos é o vencedor. Os
cientistas políticos muitas vezes se referem a este como sistema de
"distritos de um só membro com uma pluralidade de eleições" -
Representação proporcional um título mais literal, mas excessivamente prolixo. First-past-the-
jJost é o nome usado na Inglaterra; é o que adotarei aqui.
Entre as democracias mais antigas, o sistema eleitoral mais
comum foi deliberadamente criado para produzir uma correspon-
dência bastante aproximada entre a proporção do total de votos RP x FPTP
lançados para um partido nas eleições e a proporção de assentos
que o partido obtém na legislatura. Por exemplo, um partido com Como indiquei anteriormente, continua-se a discutir que tipo
53% dos votos ganhará 53% dos assentos. Esse tipo de arranjo, em ele sistema eleitoral satisfaz melhor a exigência de que as eleições
geral, é conhecido como sistema de representação proporcional - devem ser livres e/listas. Os críticos do FPTP alegam que, em ge-
ou RP. ral, ele falha no teste da representação justa; às vezes, falha seria-
mente nesse critério. Por exemplo. nas eleiçôes parlamentares da
Inglaterra em 1977, () Partido Trabalhista conqu istou 64% dos
First-past-the-post ou FPTP assentos no Parlamento - a maior maioria na história parlamentar
moderna; no entanto, essa conquista deveu-se a apenas 44% dos
Se os sistemas de representação proporcional foram criados votos. O Partido Conservador. com 31 % dos votos, ganhou apeá as
para satisfazer um teste de justiça, poderíamos supor que todos os 25% dos assentos, e os azarados democratas liberais, que tiveram o
países democráticos o adotassem. Contudo, alguns não o fizeram. apoio de 17% dos votantes, terminaram com apenas 7% dos assentos!
Em vez disso, preferiram manter arranjos eleitorais que podem (Os candidatos dos outros partidos ganharam um total de 7% dos
aumentar imensamente a proporção de assentos conquistados pelo vot os-e 4% dos assentos.)
°
partido com maior número de votos. Digamos, um partido com Como acontece essa diferença entre a porcentagem de votos
53% dos votos poderá ter 60% dos assentos. Na variante deste sis- para um partido e a porcentagem ele assentos? Imagine um sistema
tema utilizada na Inglaterra e nos Estados Unidos, é escolhido um democrático minúsculo, com apenas mil membros divididos entre
só candidato de cada distrito; vence o candidato que tiver o maior dez distritos iguais; de cada um desses distritos os eleitores esco-
número de votos. Devido à analogia com corridas de cavalos, é lhem apenas um representante para o corpo legislativo. Imagine
chamado de sistemaflrst-past-the-post- ou FPTP. agora que em nossa pequena democracia 510 eleitores (51 % do
total) votam para o Partido Azul e 490 (ou 49%) para () Partido
Vermelho. Suponhamos então (por mais improvável que pareça)
que recaem em três grandes famílias". Andrew Reynolds e Ben Reilly. eds., TITe que o apoio para cada um deles é perfeitamente uniforme em toda a
In(emalionalIDEAHall(lhookorElecloralS).SleI71Design.2.ec! .. Estocolmo, nossa minidemocracia: cada um dos dez distritos tem 51 eleitores
Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral. 1997, p. 17. do Azul e 49 do Vermelho. Como terminaria a eleição? O Partido
A, três "grandes famílias" têm maioria relativa de votos, representação semipropor-
cional e representação proporcional. Para maiores detalhes, veja () Apêndice A
Azul vence em lodos os distritos e assim conquista 100% dos
150 Robert A. Oahl Sobre a democracia 151

assentos e uma "maioria" de dez a zero no Parlamento (Tabela 2, EXEMPLO 2. O apoio aos partidos não é uniforme
Exemplo 1)! Poderíamos ampliar o sistema, incluindo um país in- Distrito Números de votos Assentos conquistados
teiro, e aumentar imensamente o número de distritos. O resultado
permaneceria o mesmo. Azuis Vermelhos Azuis Vermelhos
É razoável ter a certeza de que nenhum país democrático (número) (número)
manteria o FPTP sob tais condições. Esse resultado estranho - e 1 55 45 1 O
nenhum pouco democrático - não acontece porque o apoio do par-
2 60 40 1 ()
tido TItio é uniformemente distribuído pelo país: em alguns distri-
tos, os Azuis talvez tenham 65 % dos votantes, em outros podem ter 3 40 60 O 1
apenas 40%, e os Vermelhos ali têm os 60% restantes. Os distritos 4 45 55 () 1
variam em (orno da média nacional. Para uma ilustração hipotética, 5 52 48 1 O
examine o Exemplo 2 da Tabela 2.
6 51 49 1 O
TABELA 2. I1ustraçtio hipotética do sistema eleitoral First-Past- 7 53 47 O
Ihe-Post 8 45 55 () 1
9 46 54 O 1
Há dez distritos, cada um com cem votantes, divididos entre os
10 55 45 O
dois partidos (Azul e Vermelho), conforme vemos a seguir.
Total 502 498 (í 4
EXEMPLO 1. O apoio aos partidos é uniforme
Assim, está evidente que, para que o FPTP resulte em repre-
Distrito Números de votos Assentos conquistados
sentação aceitavelmente justa, o apoio ao partiuo /7(10 deve ser
Azuis Vennelhos Azuis Vermelhos uniformemente distribuído pelo país. Inversamente, quanto mais
(número) (número) uniforme a distribuição do apoio dos votos, maior será a divergên-
cia entre os votos e os assentos conquistados. Portanto, se as dife-
51 49 o renças regionais diminuem no país, como aconteceu na Inglaterra
2 51 49 O em 1997, aumenta a distorção FPTP.
3 51 49 O Se assim é, então por que os países democráticos que usam o
4 51 49 O sistema FPTP mudam para a RP? Por isso, não podemos ignorar ()
O peso da história e da tradição em países como a Inglaterra e os
5 51 49
Estados Unidos, onde este sistema prevaleceu desde o início do
6 51 49 O governo representativo. Os Estados Ulliuos são um exemplo de
7 51 49 O primeira classe. O sistema FPTP norte-americano pode privar lima
8 51 49 1 O boa maioria de afro-americanos da representação justa nos legisla-
O tivos estaduais e no Parlamento nacional. Para se certificarem de
9 51 49
que os eleitores afro-americanos possam conquistar pelo menos
10 51 49 1 O
alguns representantes em seu Legislativo estadual ou no Congresso,
Total 510 490 10 O os juízes e os legislativoJ; às vezes riscaram as fronteiras do distrito
152 Robert A. Dahl Sobre a democracia 153

de modo a formar uma área de maioria afro-americana. A forma do Sistemas bipartidârios x 1IIl//tipartidârios
distrito resultante muitas vezes não tem relação alguma com a geo-
grafia, a economia ou a história. Num sistema RP, se preferirem É comum defenderem o FPTP justamente porque ele cria obs-
votar em candidatos afro-americanos, os afro-americanos seriam táculos para terceiros partidos e, com isso, ajuda a criar os sistemas
representados em proporção a seus números: num estado em que, bipartidários muito admirados especialmente nas democracias de
digamos, 20% dos eleitores fossem negros, eles teriam certeza de fala inglesa - que também não gostam e denigrem os sistemas
preencher cerca de 20% dos assentos com afro-americanos, se fosse multi partidários. Qual será o melhor?
esta sua preferência. Uma enorme discussão gira em torno das virtudes relativas
Contudo, se assim for, por que a RP não foi adotada como so- desses dois sistemas. De modo geral, as vantagens de cada um
lução? Principalmente porque a hostilidade à RP é tão disseminada refletem suas desvantagens. Por exemplo, uma vantagem do siste-
nos Estados Unidos, que nem os legislativos nem os juízes a levam ma bipartidário é dar peso menor aos eleitores, simplificando suas
a sério, como possível alternativa à gelTI'/IlaTlderúlg' racial. opções. que se reduzem a duas. Contudo, do ponto de vista de
quem defende a RP, essa redução drástica das alternativas disponí-
veis debilita seriamente a liberdade de escolha dos eleitores. As
Palavras sobre palmnls eleições podem ser perfeitamente livres, diriam os defensores da
RP - mas com certeza não são nada justas, porque negam às mino-
GenYlIIandering - ou a divisão arhitrária de distritos eleitorais rias a representação.
para fins estritamente políticos - é uma velha prática usada nos
Estados Unidos. Seu nome vem de Elhridge Gerry, que encontra-
mos em capítulo anterior como delegado à COl1veIH,;ão Constitucio- G(werno eficaz
nal norte-americana. Eleito governador de Massachussetts, em
1812, Gerry redesenhou as fronteiras do distrito para os represen- Os defensores dos sistemas bipartidários também apóiam o
tantes ao Legislativo do estado que ajudaram os democratas a FPTP porque há mais uma conseqüência. Ao amplificar a maioria
manter a maioria. Quando alguém observou que um distrito tinha legislativa do partido vencedor, o FPTP torna mais difícil para o
a forma de uma salamandra (sa/all/ol/der. em inglês), li III crítico partido minoritário a formação de uma coalisão capaz de impedir
disse que ele parecia mais uma GelTl'IIIOlldf!." (ou "Gerrymandra"). que o partido da maioria concretize seu programa - ou, como diriam
A palavra genymallder e sua forma verbal, to gerrl'IIwllder [em os líderes da maioria, seu "mandato popular". Com a maioria am-
português, mais Oll menos "gerrymandrejar'l depois entraram no plificada no Legislativo, os líderes partidários normalmente terão
vocabulário dos norte-americanos. votos de sobra, mesmo que alguns membros passem para a oposi-
Preconceitos históricos a favor do sistema FPTP são escorados ção. Assim, diz o argumento, o FPTP ajuda os governos a corres-
por argumentos mais razoáveis. Na visão dos que o apôiam, sua ponder ao critério da eficácia. Em compensação, em alguns países,
tendência para amplificar a maioria do partido vencedor no Legis- a RP ajudou a produzir tantos partidos e alianças rivais e confli-
lativo tem duas conseqüências desejáveis. tantes no Parlamento, que as coalisões da maioria são dificílimas
de formar e muitíssimo instáveis. Como resultado, a eficácia do
governo é bastante reduzida. A Itália é muito citada como exemplo.
Não obstante, os defensores do FPTP, em geral, ignoram que
Expressão inglesa. intraduzível. que significa o ato de criar. arbitrariamente. em alguns países com sistemas de RP grandes programas de refor-
três anos de influência eleitoral de modo a garantir a vitória de um candidato ou
ma foram votados por maiorias parlamentares estáveis, muitas ve-
part-ido. (N. do E.)
154- Robert A. Dahl Sobre a democracia 155

zes consistindo de uma coalisão de dois ou três partidos. Muitas as novas democracias também a adotaram), eu a chamarei de
democracias com sistemas de RP, como a Holanda e os países es- "opção do continente europeu".
candinavos, são verdadeiros modelos de reforma pragmática com- A opçào inglesa (ou Westmillster): gOI'ema parlamentar C01l1
binada com a estabilidade. eleições FPTP. Devido a suas origens e ao fato de ser prevalecente
nas democracias de fala inglesa, além dos Estados Unidos, eu a
chamarei de ojJçilo inglesa - também chamada "modelo Westminster",
Algumas opções básicas para as constituições democráticas por causa da sede do governo britânico. Apenas quatro das demo-
cracias antigas mantêm esta solução há muitíssimo tempo: Inglaterra,
Agora vemos por que a reforma de uma constituição ou a cria- Canadá, Austrália e Nova Zelândia - que a abandonou em 1993. 3
ção de uma nova deve ser levada muito a sério. É uma tarefa tão A ojJÇ"clo dos Estados Unidos: gm'erno presidencialista com
difícil e complexa quanto o projeto de uma nave tripulada para a eleições Fr7J>. Os Estados Unidos são a única das democracias
sondagem do universo. Assim como nenhuma pessoa sensível en- mais antigas que ainda utiliza esta combinaçflo, daí o nome. Meia
tregaria a um amador o projeto de uma nave espacial, uma consti- dúzia das democracias mais novas também escolheram este arranjo.
tuição exigirá os melhores talentos de um país. Ao contrário das A OpÇ(/O latillo-Wller;calla: g(werno presidellcialista com ele;-
naves espaciais, importantes inovações constitucionais requerem a ções de repreSc17foç{ío proporcional. Os países latino-americanos
concordância e o consentimento dos governados para resistir. seguiram a mesma via constitucional dos Estados Unidos, prefe-
As principais opções constitucionais e as diversas possibilida- rindo o goveruo presidencialista. Durante a segunda metade do
des de combiná-las apresentam uma formidável série de alternati- século )eX, em geral optaram pela representaçflo proporcional, se-
vas. Por enquanto não precisarei repetir minha advertência de que guindo o sistema eleitoral europeu. Nos 15 países latino-americanos
toda alternativa geral permite uma variedade quase ilimitada de em que as instituiçôes democráticas estavam mais ou menos estabele-
escolhas mais específicas. Entretanto, examine com prudência al-
gumas orientações para pensar nas alternativas constitucionais. i cidas 110 início do século, (l modelo constitucional era basicamellte
uma comhinação de governo presidencialista e representação propor-
Comecemos com as cinco possíveis combinaçôes de sistemas
eleitorais e chefes do Executivo:
A opção do continente ellropeu: governo parlamentar com
eleições de RP. O governo parlamentar é a opção dominante das
I cional 4 - por isso. a chamaremos de opção latino-americana.
(~ impressionante que nenhuma das democracias mais antigas
(CO!l1 exceção da Costa Rica) telllla optado por essa combinaçào.
Ainda que mostrassem forte predisposi\'ão para a representação
democracias mais antigas e, entre essas, predomina sobre o gover-
no presidencíalista. 2 A combinação favorita entre as democracias
mais antigas, como vimos, é o sistema parlamentar em que os
membros são eleitos em algum sistema de representação propor-
cional. Como esta combinação é a predominante na Ellfopa (onde
I proporcional, as antigas democracias rejeitaram unanimemente o

Num referendo acontecido em 1992 e 1993, os neozelandeses rejeitaram o


FPTI'. No referendo llhri~a\(írio de 1993. a Jl1aioria adotou UIll sistema qlle
cOlllhina a proporcionalidade COIll a eleição de alguns Illemhros do Parlamento
de distlitos e outros de listas dos partidos.
Para detalhes. veia Dieter Nohlell. "Sistemas electorales y gobelllnbilidnd·', em
2 A propósito. o fato de um [laís ser federal ou unitário não tem nada ,1 ver em Dieter Nolilell. ed., F!eccirJlIl.'s)' sisremas de fior/idos ('/I AII/C'ric(l Lafillo, San
especial com sua escolha entre os si~temas presidencialista ou parlamentarista. Jo;;é. Co,ta Rica. Instituto Illteralllericallo de Derechos Humanos. lYSJ3. p. 3Yl-
Dos sistemas federais entre as democracias mais antigas. quatro são parlamenta- 424. Veja talllhélll Dieter Nnhlell, eel., Ellcic!ol'edia elec/w,'; !,,/il/(){/I/Icr;c{///(/
ristas (Alemanha, Austrália, Áustria e Canadá). enquanto apenas os Est3dos .1' de! (·ari!",. San José, Costa Rica. In>tituto Inter,I111ericano de Derechos HlI-

Unidos é presidencialista e a Suíça um híbriJo singular. Assim. podemos des- 1ll<lIH1S, 199::1. Sem exce\'\leS, todos os 12 países elll ilhas do Caribe recente-

contar o federalismo como fator determinante na escolha entre presidencialismo mente independentes qlle haviam sido colônias hritânicas adotaram o modelo de
e parlamentarismo. Constituição hrit:íllica (Westlllinster).
156 Robert A. Dahl Sobre a democracia 157

governo presidencialista. A Costa Rica, única exceção, ao contrário • A maioria dos problemas básicos de um país não pode ser re-
de todos os outros países latino-americanos, é firmemente demo- solvida com um projeto constitucional. Nenhuma Constituição
crática desde por volta de 1950 - por isso, eu a considero parte das preservará a democracia num país cujas condições sejam alta-
democracias mais antigas. Ao contrário destas, a Costa Rica com- mente desfavoráveis. Um país em que as condições são altamente
bina o presidencialismo com a representação proporcional. favoráveis pode preservar suas instituições democráticas básicas
A opção mista: outras combiflaç6es. Paralelamente, muitas sob uma grande variedade de arranjos constitucionais. Entretanto,
outras democracias criaram arranjos constitucionais bastante dis- um projeto constitucional cuidadosamente elaborado pode servir
para preservar as instituições democráticas básicas em países cujas
tanciados desses tipos mais ou menos "puros" - visando minimizar
condições subjacentes sejam mistas - tanto favoráveis, como des-
as conseqüências indesejáveis e aproveitar suas vantagens. A Fran-
favoráveis. (Mais sobre isto no próximo capítulo.)
ça, a Alemanha e a Suíça são boas ilustrações dessa criatividade
Por mais essencial que seja, manter a estabilidade democrática
constitucional.
fundamental não é o único critério pertinente a uma boa Cons-
A Constituição da Quinta República francesa prevê um presi- tituiçüo. Entre outros aspectos, representação justa, transparên-
dente eleito com poder considerável e um primeiro-ministro que cia, abrangência, sensibilidade e governo eficaz são também
depende do Parlamento. A França também modificou o sistema importantes. Arranjos constitucionais específicos podem e pro-
eleitoral FPTP: nas eleições em que nenhum candidato à Assem- vavelmente terão conseqüências para valores como esses.
bléia Nacional recebe a maioria dos votos, há uma segunda vota- • Todos os arranjos constitucionais têm algumas desvantagens,
ção. Nessa segunda eleição, entra qualquer candidato que tenha nenhuma satisfaz a todos os critérios razoáveis. De um ponto
obtido mais de 12,5% dos votos registrados na primeira. Assim, os de vista democrático, não existe a Constituição perfeita. Além
pequenos partidos podem tentar conquistar um assento aqui e ali 110 do mais, a introdução ou a reforma de uma Constituição tende
primeiro turno - mas no segundo turno, eles e seus eleitores podem a resultados um tanto incertos. Conseqüentemente, um projeto
decidir apoiar um dos dois candidatos mais fortes. ou uma reforma constitucional exige opiniões sobre negocia-
Na Alemanha, metade dos membros do Bundestag é escolhida ções aceitáveis entre as metas, os riscos e as incertezas da mu-
em eleições do tipo FPTP, e a outra metade, pela representação dança.
proporcional. A Itália e a Nova Zelândia adotaram versões da solu- Os norte-americanos desenvolveram uma cullura, uma habili-
ção alemã. dade e uma prática política durante dois séculos que permitem
Para adaptar o sistema político à sua população diversificada, um funcionamento-~atisfatório de seu sistema presidencial-
congressista com eleições do tipo FPTP, federalismo e forte re-
os suíços criaram um executivo pluralista, consistindo de sete con-
visão judicial. Contudo, o sistema norte-americano é complica-
selheiros eleitos para o Parlamento por quatro anos. O Executivo
díssimo e provavelmente não funcionaria tão bem em qualquer
plural suíço permanece único entre as democracias mais antigas.'
outro país. De qualquer maneira, não foi lá muito copiado. Tal-
vez não devesse mesmo ser copiado.
• Alguns estudiosos afirmam que a combinação latino-americana
Algumas orientações sobre as constituições democniticas de presidencialismo e representação proporcional contribui II
para as quebras da democracia, tão freqüentes entre as repúbli-
A partir das experiências das democracias mais antigas abordadas cas das Américas Central e do SuL!; Embora seja difícil separar
nos dois últimos capítulos, apresento as seguintes conclusões: os efeitos da forma constitucional das con~ições adversas que

5 E mais novas também. Por alguns anos, o Uruguai teve um Executivo plllr<!I. Veja Juan J. Linz e Arturo Valenzuela, eos., ]/u' Failurc (ir Presidcl/(ial Del11ocracl'.
que depois abandonou. Baltirnore, Johns Hopkins University Press, j994.
158 Robert A. Dahl

eram as causas subjacentes da polarização e da crise política,


talvez fosse mais sensato que os países democráticos evitassem
a opção latino-americana ...

Movido por seu otimismo em relação à Revolução Francesa e


à norte-americana, Thomas Jefferson uma vez disse que seria bom
haver uma revolução em cada geração. Essa idéia romântica foi por
terra durante o século XX pelas incontáveis revoluções que falharam
trágica ou tristemente - ou, pior, produziram regimes despóticos.
Mesmo assim, não seria má idéia se um país democrático reunisse
mais ou menos uma vez a cada vinte anos um grupo de estudiosos,
líderes políticos e cidadãos bem informados para avaliar sua Cons-
tituição não apenas à luz da experiência, mas também do corpo de
conhecimentos em rápida expansão obtidos de outros países demo-
cráticos. Parte IV

As condições favoráveis e as
desfavoráve is
Capítulo 12

Que condições subjacentes


favorecem a democracia?

o século XX foi um período de muitos revezes democráticos.


Em mais de setenta ocasiões, a democracia entrou em colapso e
deu lugar a um regime autoritário. I Mas também foi um momento
de extraorclil1{lrio sucesso democrútico. Antes de terminar. o século
XX transformou-se numa era de triunfo democrático. O alcance
global e a influência de idéias, instituições e práticas democráticas
tornaram este século, de longe, o período mais florescente para a
democracia na história do homem.
Portanto, temos duas questflcs a cnfrentar - ou melhor, a
mesma questão, apresentada ele eluas maneiras. Cnnw se pode ex-
plicar o estabelecimento cle instituiçües democrúticas em tantos
países. el11 tantas partes do mundo? E como é possível explicar sua
falha? Embora seja impossí\'el uma resposta completa. sem a mc-
nor dúvida há dois conjunt()s ele fatores inter-relacionados que têm
importância decisiva.

Criei essa estimativa juntando listas (e eliminando saltos) de dois estudos que
usaram critérius Ulll tanto diferentes: Frank 13ealey. "St~hiIity and Crisis: Fears
Abollt Threats to Democracy". ElIl'Ofieall .1olll'lla/ 0/ f'o!ir;ca! [{('sei/!'ell 15
(19.'\7), p. 687-715 - e Alfred Stepan e Cind)' Skacl1, "Presidentialism anel
Parlialllentarism in Comparativc Perspective". em Juan J. Linz e Arturtl Valen·
zuela. ed.s .. 77/e Foi/II!'C (Ir f'residml;a! GOl'cl'17/1leTll. Baltimore. 10l1ns Hopkins
University Press, 199-\. p. 119-136.
Sobre a democracia J63 -
162 Roberl: A. Dahl

fim, em muitos países que haviam feito a transição eintroduzir,úll -


A falha das altemativHs
as instituições políticas búsicas da democracia poliárquica, as CC)\]- -
.i .
dições subjacentes não eram 1avoráveis o hastante para ga;aÍltir
Em primeiro lugar, no decorrer do século, as principais alter-
que a democracia sobrevivesse indefinidamente.
nativas perderam-se na competição com a democracia . .lá pelo final Condiçôes suhjacentes? Jft sugeri mais de uma vez que certas
do primeiro quarto do século, as formas não-democráticas de go- condiçôes subjacentes (ou históricas) em um país são favOíáveis à
verno que desde tempos imemOljais dominaram as convicções c~os estabilidade da democracia e qüe onde essas condições estão fra- -
costumes pelo mundo afora - monarquia, aristocracia hereditária c camente presentes ou totalmente ausentes é improvável existil: a
oligarquia descarada - haviam fatalmente perdido a legitimidade e democracÍ;J - ou, se existe, prova velmente é precária.
a força ideológica. Embora tenham sido substituídas por alternati-
vas antidemocráticas bem mais populares na forma do Ül <;ci <;l1lO. FIGURA 8. QlIe condiçt5esfámrecelll as instituiçties democráticas?
nazismo, lellinisl110 e outros credos e governos autoritários. essas
floresceram ape:~as brevemente. O na~isll1o e o fascismo -foram Condiçües essenciais para a democracia:
mortalmente feridos pela derrota das forcas do Eixo na Segunda
Guerra Mundial. Mais tarde, 110 mesmo ~éculo, especiall11Cl~te na 1. Controle dos militares e da Polícia por funcionários eleitos
América Latina, as ditaduras militares caíram sob o peso de su(\~ 2. Cultura política e convicçôes democráticas
falhas econômicas, diplomáticas e até militares (como aconteceu 3. Nenhum controle estrangeiro hostil à democracia
na Argentina). Conforme se aproximava a última década do século,
o remanescente rival totalitário mais importante da democracia - () Condi<;ôes favoráveis à democracia:
leninislllO encarnado no comunismo soviético - caiu abruptamente,
debilitado de modo irreparável pela decadência interna e pelas 4. Uma sociedade e uma economia de mercado modernas
press(les externas. 5. fraco pluralismo subcultural
Com isso, estaria a democracia agora segura pelo mundo afo-
E agora é o momento de perguntar: quais são essas condiç()cs?
ra? Otimista (e, como se viu, cguivo~ado), ;1ll 1919 o presidente
Para responder. podemos aprovcitar () vasto conjunto da expc-
\Voodro\V \Vilson proclamou. depois do final da Primeira Gucrr;l
riência pe.rtinente proporcionada pelo século XX: os paíse::; que
~.1u~1~lial, que afinal o mundo estava "seguro para a democraci;t. passaram por uma transiç;\o para a democracia consolidaram suas
Sera! instituiçôes dC!l1ocráticas e as COllservaram por J1luitas décadas: os
1nfelizmente, n;IO. A vitória definitiva ela democracia nflO for;l países em que a transição foi seguida pelo deSl110rOll<1lnellto e os p,lí-
obtida, nem estava perto. A China. país mais populoso sohre a terra ses que jamais pas::;aral11 pela transição. Esses exemplos de transi-
e grande potência Illlllldial. ai/lda 11;!O havia sido democratizada. ção democrática, cOllsolida<;;\O c rompimento indicam que as cinco
Durante os' quatro mil anos de ilustre civilização, o povo chinês condiçôes (prov<l'·elll1ente bá mais) afdam bastallte as oportullid,l-
jamais experimentou a dcmocracia - sequer por uma lÍnica rc::in/li/:
des para a democracia em um país \ Fig. X).
as perspectivas de que () país logo se tornasse democrático eram
muitíssimo duvidosas. Da mesma forma, regimes não-democráticos
persistiam em muitas outras partes do IlltllH.!O: na Arrica, !lO su-
IntcrYcllção csh·angeira
deste asiático, /lU Oriente Médio e em algulls dos países remanes-
centes da dissolvida Unifto Soviética. Na maioria desses países. ,)" É menos provável que se desenvolvam as instituiçôes demo-
comlições para a democracia não eram altamente favoráveis. não se cráticas num país sujeito à intervenção de outro hostil ao governo
sabia se ou como eles fariam a transição para a democracia. Por
democrático nesse país.
165
164- __Roberf A. Oahl Sobre-a denlOcracia

. _ . E~Ja condiçãc), às vezes, ésuficien..te para explicar por que as ContI'ole dos milital'es e da polícia
II~StItUlç~es. de!l1ocrálicas deixara~n~de se deseuv(Ílver ou por que
nao persIstIram nUIll país em que as outras condições e~'am hem É improvável que as instituições políticas democrúticas se
mais favoráveis. Por exemplo, não fosse a intervenção da União desenvolvam, a menos que as forças militares e a Polícia estejam
So~iética depois da Segunda Guerra lVlundial, a Checoslováquia sob pleno controle de funcionários democraticamente eleitos.
hOJe provavelmente estaria entre _~IS antigas democracias. A inter- Em contraposição à ameaça e:xternéulCl intervenção estrangei-
venção soviética também il1lpediú que a Polônia e a Hungria desen- ra, talvez a ameaça interna mais perigosa para a democracia venha
volvessem instituições democráticas. L
de líderes que têm acesso aos grandes II1eios da coerção física: os
militares e a Polícia. Se representantes del1locr(\Íicamente eleitos
Mais surpreendellte, até as últimas décadas do século XX, os
pretendem obter e sustentar um controle eficaz sobre as forç\s po-
Estados Unidos haviam compilado um triste recorde de intervencilo
liciais e militares, os memhros da Polícia e os militares, especial-
na América Latina, onde algumas vezes atuou contra um govel:no
mente entre os oficiais, de\'em ceder. Sua deferência ao controle
popu~armente eleito, solapando-o, para proteger empresas norte-
dos líderes eleitos deve estar profundamente arraigada, para não ser
amencanas ou (na concepção oficial) sua própria segurança nacio-
arrancada. A razão pela qual o controle civil se desenvolveu elll
nal. Emhora esses países latino-americanos, em que a democracia
algulls países e não em outros é complexa demais para ser aqui
era podada no botão, nem sempre fossem plenamente democrftti-
descrita. Para nossos objetivos, o importante é que, sem ele, as
C?S, se não sofressem a intervenção norte-americana (ou, o que se-
perspectivas para a democracia são vagas.
na bem melhor, ohtivessem um forte <lpoio em seus primeiros Pensemos na história infeliz da América Central. Dos 47 go-
passos em direção à democratização), com o tcmpo as illstituicôes vernos da Guatemala, EI Salvador, Honduras e Nicarágua entre
democráticas poderiam muito bem ter-se desenvolvido. Um ex'em- J 948 e 1982, mais de doi~ terços obtiveram o poder por meios di fe-
2
pIo inegavelmente péssimo foi LI intervenção clandestina das Agên- rentes de eleiçües livres e jUS(éIS - em geral, golpes IIlilitares.
cias Norte-americanas de Inteligência na Guatemala em J964, ;~ara Em compensação, a Costa Rica tem sido um farol da democra-
derrubar o governo eleito de um presidente pOplI lista ele tendência cia na região desde 1950. Por que os costa-riquenhos conseguiram
esquerdista, .Jacopo Arbellz. descnvolver e manter as iI1<;tituiçfles clenlllcrú{icas quando todos os
~ Com o desmoronamell(u da União Soviética, os países da Eu- seus vizinhos n~\o cOIlseguial11? Parte da resposta está na existênci a
ropa Central e elo Báltico rapidamellte começaram a instalar insti- de outras condições favorá\-eis. Em todo caso. mesmo essas n;\O
1\ tuições democráticas. i\iém do mais, os Estados Ullidos e, de modo sustentariam um governo clelllocrútico cliél11te de um golpe militél]",
I g:raJ, a comunidade internacional começaram a fazer oposição i'ls como tantas vezes aconteccu no resto da América Latina. Em 1950,
i ditaduras latino-americanas e em outros lugares, e a apoiar o desen- a Costa Rica eliminou, cle modo il11pres<;ionallte, essa ameaça: em
volvimento di! institlliçôes democráticas em boa parte do mumlo. decisão singular e auclaci\lséL o ek!llocr:'t(ico presidente aboliu os
Jamais, em toda a história do mundo, ,IS forças - políticas, eco!1cl- militarest
micas e culturais - internaci()nais deram tanto apoio às idéias e JS Ncnhum outro país seguiu o exempl() da Costa Rica, nem h,í
instituiçôes democrúticas. Assim, durante as últimas décadas do muita probabilidade de que algum o faça. Nada poderia ilustrar
século XX, ocurreu Ullla épica mudan~'a no clima político elo mUIl-
do, que melhorou imensamente as perspectivas para () desenvolvi-
Mark Rosenherg. "f'olitical Ohst,tcles to Dei1l11Cracy in Central i\l1lcrica'·. elll
mento da democracia.
Jalllcs 1\1. Malloy e Mitrhell Seligsoll. eds .. Alllhorilal';aJ/s (/lId [)clllOcrals:
Regílllf! ihlllSilÍOII ill Vlrill Alllcrica, rittshurgh. Univcrsity 01' Pittsburgh Press.
ICJi\7, p. I 93-25U.
167
166 Robert A. Dahl

ram -suas eXlgencias por-demais decisivé!s para permitirem uma


- mais vivamente o quanto é decisivo que os funcionários eleitos es- sol ução conciliafórii! - não são {lassíveis de negCíciaçflO. Não ü\1s-
tabeleçam e mantenham o controle sobre os militares e a Polícill, tante, num i~rocesso democrático pacífico, a solüção de conflitos
para estabelecer e preservar as instituições democráticas. políticos, em geral, requer negociaçilo, conciliação, soluç()es con-
ciliatórias.
Assim, não é de espantar a d~scoberta de que os países democrá-
Conflitos culturais fracos ou ausentes ticos mais antigos e jlOliticamellte estáveis em gerai conseguiram
evitar conflitos culturais g.raves. Mesmo existindo significativas
Instituições políticas democráticas têm maior probabilidade de
diferenças culturais entre os cidadãos, em geral eles permitiram
se desenvolver e resistirem num país culturalmente bastante homo-
que diferenças mais negociáveis (em questões econômicas. por
gêneo e menor probabilidade num país com subculturas muito dife-
exemplo) dominem a vida política.
renciadas e conflitantes. Não existirão exceçôes a essa situação aparentemente feliz?
Em geral, culturas distintas formam-se em torno de diferenças
Algumas. A diversidade cultura! é especialmente significativa nos
cle língua, religião, raça, identidade étnica, região e, às vezes, ideo-lo-
Estados Unidos, na Suíça, na Bélgica, na Holanda e \lO Canadá. No
gia. Os membros de uma comunidade compartilham uma identida-
cntanto, se a diversidade ameaça gcrar conflitos culturais intratá-
de e laços emocionais, distinguem nitidamente o "nós" do "eles" e
veis, como as instituiçôes democráticas foram mantidas nesses
entre os outros membros do grupo procuram seus relacionamentos
pessoais: amigos, companheiros, parceiros de casamento, vizinhos. países?
Embora muito diferentes, suas experiências mostram que as
convidados. Com freqüência, empenham-se em cerimônias e rituais
conseqüências políticas potencialmente adversas da diversidade
que, entre outros efeitos, definem suas -fronteiras de grupo. Esta é
cultural às vezes podem ser mais tratáveis em países onde todas as
uma das maneiras pejas quais uma cultura se torna virtualmente um
outras condições S~IO favorúveis à democracia.
"modo de vida" para seus memhros, um país dentro de um país.
uma nação dentro de nação. Neste caso, a sociedade está vertical-
lIlellte estratificada, por assim dizer.
Conflitos culturais podem irromper 11a arena política. como
A assimilação
normalmente acontece: nas CjucslClcs de religião. língua e códi!.':os Esta foi ,1 solução dos Estados Unidos. Da década de lR40 aos
de vestimenta \las escolas, por exemplo: na igualda(le de acess~l :1 allos 1920, a cultura d'ominante, que durante duzentos anos de go-
educação; nas práticas discriminatórias de um grupo em relaçiio an verno colonial e independência fora solidamente estabeleci(l;\ por
outro; ou, se o governo apóia a religifto ou as instituiçôes religio- colonizadores brancos vindos principalmente da Inglaterra. viu-se
sas, quais e ,ÇOll1o: ou as práticas de Ulll grupo que outro acha pro- diante de imigrantes nilo-britânicos provenientes da Irlanda. Es-
fundamente ofensiva e deseja proibir, COJl]O o ahorto, o :~hate de call1linávia, Alelll;:nha, Polônia, Itúlia c outros cantus - imigrantes
vacas ou roupas "indecentes"; ou. ainda, como e se as fronteiras que em geral se distinguiam por diferellças na língua (com a cxcc-
territoriais e políticas devem ser adaptadas para satisfazer a desejos çüo dos irlandeses), na religi;lO, na comida. !las roupas, nos costu-
e exigências de grupos - e assim por diante ... etc. mes, no comportamento, na vida comunitária e em ()utr~s
Essas questões impõem Ulll problema especial para a democracia. características. Por volta de 19HL praticamente um em cada cinco
Os adeptos de uma determinada cultura l1luitas vezes COllsideram suas reside ntes nos Estados Unidos era pessoa que havia nascido em
exigências políticas UIlla questão de princípio, de convicção pro- outro lugar; além do mais, os pais de mais de um em cada quatro
fundamente religiosa ou mais ou menos religiosa, de preservaçã(l brancos lá nascidos haviam, por sua vez, nascido no exterior. Não
da cultura ou sobrevivência do grupo. Conseqüentemente, conside-

I
169-
1§8 Sobre a democracia
Robert A. Dahl

obstante, em uma geração de duas, depois que os imigrantes chcga- I-louve ainda 111ais uma grande divisória que a assimilação não
- . ,. d " lo XIX desenvolveu-se 110
rnm-aos Estados Unidos, seus descellôentes já estavam assimilados conseguiu transpor. No I111CIO o secu ~ ~,. , .<
à cultura-dominante e tão completamente que, embOl:a ainda hojc sul dos Estados Unidos uma subcultura dIstinta, com e~onomld e
muitos norte-americanos manlenham (ou cricm) certo apego à sociedade que dependiam da escravidão. Os ~10rte-al11enca<n()s que
cultura ou ao país anceslraL sua idenlidade e lealdade política do- viviam nos estados do Sul e seus compatnotas dos e~t.)dos do
minante são norte-americanas. Norte e do Oeste estavam divididos em dois estilos .de VIda fllnd~)­
Apesar do impressionan1e sucesso da assimilação na redução mentalmente incompatíveis, O resultado foi um "con~hto de repres~ao
de conflitos culturais que a imigração em massa poderia ler provo- impossível" que, apesar dos e~forços, llÜ(~ pod~na s~~ ,l~~solvl(::~
cado 110S Estados Unidos, a experiência norte-americana revela COI11 solucões cOllciliatórias obtIdas por meio de IlegoClaçccs pacI
algumas falhas decisivas nesse tipo cle soluçüo. ficas.4 H(~uve \lma guerra civil que durou quatro an.os e custou
Para começar, a dificuldade da assimilação foi imensamente inúmeras vidas. O conflito também não terminou depOiS da derrota
simplificada porque boa parte dos imigrantes adultos que for,1I11 do Sul e da abolição da escravatura. Emergiram então Ul11~ ~U~1-
para os Esíados Unidos para conseguir uma vida melhor eslava cultura e uma estrutura SOC1<l . 1 suJIS
.. t',lS, d·JS t·III tas
,. ,
em (lue a sUjelçao
;
bastante ansiosa em se deixar assimilar, em se tornar "verdadeiros ' I I·
de cidadf\os afro-americanos era re t orça c a pe <I dI nc'l"') <
,~<
e peta rea-
.
norte-americanos". Seus descendentes mais ainda. Assim, a assi- !idade da violência e do terror. . 1
milação foi principalmcnte espontânea ou reforçada por mecanis- Essas foram as falhas da assimilaçào 110 passado. P~I.n fmai do
mos sociais (como a vergonha) que minimizaram a necessidade de século XX, ainda nfto se sabia muito bem s~ a !1raf~ca, Jl.()~fe~
coerção pelo Estado.-1 americana da assimilação funcionaria com a 1111110na IJlSpanlC,) :
Se uma população maciçamente constiluída de imigrantes foi outras minorias conscientes, que aumelltaya\11 intensamente. ~era
muito bem assimilada em seu todo, quando a sociedade norte- que os Estados Unidos se transformarão numa sociedade ,n~u~t.lcld:
americana viu-se diante de diferenças raciais ou culturais mais furaI em que a assimil<lí.;üO já não assegure o trata:n.elll(~ p<lutlCO de
profundas, os limites dessa abordagem logo se revelaram. Nos ell-
conflitos culturais sob os procedimentos del110cmtlcos? .Ou se tOl-
frenlamen!os entre a poplllaçüo branca c os povos nativos que hrt
nará uma sociedade em que as diferenças cu1turai; motIvam C01ll-
muito ocupavam este Novo Mundo, a assimila<.;üo deu lug;\r à
preensão, tolerância e harmonizaçflO bem maiores?·
coerção, a mudanças forçadas e ao isolamento em r(:'I,)ção à socie-
dade dominante. A sociedade norte-americana também nüo conse-
guiu assimilar o grande corpo de escravos afro-americanos e seus
descendentes - que, ironicamente, como os indígenas, já viviam n" A decisclo pelo consenso
América do Norte bem antes da chegada da maioria dos outros
Subculturas distintas e potencialment(:' conClitantes existiram
imigrantes. Barreiras de casta baseadas em raça e legalmente cocr-
na Suíça, na Bélgica e na Iloial1da. O que podemos aprender com
citiv,lS impedíi·am a assimilaçüo com eficácia. Fracasso um tanto
parecido também ocorreu 110 final do século XIX, quando chega- as experiências destes três países democráticos?
ram imigrantes asiáticos para trabalho braçal nas ferrovias e 1I~)
agricultura.
,I Muitos volumes foram escntos. so I)re as l,Hlsas
" . (,\ I' t-"lIern' ôvilnos
.
Est;ldos
-
Uni-
..
~
. -
dos. Minha rápida af\l"1naçao, naturaIIllente,
' c
n<lO t·'IZ iustl"a aos complexos
, J. "
Embora, como se pensava, n50 deixasse de existir coerção. Na escola. as crian-
ças eram uniformemente obrigadas a falar inglês. Muito rapidamente. perdiam ;1 eventos e causas que levaram ao confl ito. , .
,- . . ,., f\f 'I 'el V1alzer 011 701eralHlll,
competência em sua língu;\ ancestral. Fora de casa e das vizinhanças, n inglês :; Para uma excelente analise comparativa. \e.l<1 \e ld , -: •. "

era empregado quase exclusivamente ~ e ai de quem nflo soubesse compreender Ne\\' T!~ven
r " .
e Londres. Yale University f'ress, 19t)7. Num eptlogll, ele o!ellce
. .' "~IJl
ou responder em inglês, por pior que fosse. "Rellexües sobre o \llulticulturalislllo norlê-amer\c:\no . p. Y.'- _.
171
170 - Robert A. Dahl-" 50b,'e a democracia

Cada um deles criou arranjos políiicos :C!ue exigiamullánillli- ,Slstemas eleitorais


. .-- ~.

dade ou amplo conseyso nas decisões tomadas pelq galiinétee pelo - c - - . " -. t "11 a 111 i 'lcocntroláveis
Parlamento. O princípio do governo da maioria deu lugar (em graus As diferenças culturaIS mUItas vezes se OI. '_ ' _ . O"
porque são alimentadas por políticos em cOlllpetIçao pelo dpOIO. I s
variados) a um princípio de unanimidade. Assim, Cjuaiquer decisão
regimes autoritários às vezes cOI:seguem u~ar S~ll gr~l~lde pOl.e~
do governo que afetasse ele modo significativo os interesses de Ullla
~ .·t·IVO 11al"a
coerCl '" 'lel"I"()t'lr
' v.' rel1rimu
" os conll!tos cultllT,\Is.l' que II ~
ou mais d<ís subculturas seria tomada apenas com a cOllcordància c ,;-

rom 1em C0l110 decréscimos da -coerçào com passos .em llT~Çd~l, ':
explícita desse grupo no gabinete ou no Parlamento. Essa solução demJocratização. Tentados por lucros fáceis l:ropO[C~Ollad()s I:C Ll~
foi facilitada pela representação proporcional, que assegurava que . l' . le ";-I() CIlCif delIberadamente,
identidades culturaIS, os po ltlCOS j1m I, " ."' , ,.""' "
os representantes de cada UIll dos grupos estivessem representados '111elos aos membros de seu grupo cultural e, dessa mane"lId. ,IClll,l:
com j lIstiça no Parlamento e também no gabinete. Com a prátic<\ do "animosidades latentes, tr<lns! ~"I' r) llue cu j nu J1ara
O[IllaJl( o-as em Ol H
consenso adotada nesses países, os membros do gabinete de cada em "limpeza cultural"" . A r '
subcultura detinham o poder de veto em relação a qualquer política 1)'1['\ evifar esse resultado. os cientistas POlítICOS tem uto q.uc
, , . I d'u" (Y" 111
com a qual discordassem. (Em cada Ulll dos três países, esse tipo de os sistemas eleitorais poderiam ser plane:!,:( o~s pa ra l1lU ,', ";~ 1~
arranjo -" a que os cientistas políticos se referem C0J110 "democracia centivos dos políticos para tomar a cOIlCllwçao mais IUCIc1tl\c\ \:
"
propos t o s por e 1<::,s , nenl"ll11 canu-
1n
de associação" - varia bastante nos detalhes. Para saber mais, veja cjue o conflito. Sob os arranjos " I "' 1
.
dato poderia ser eleito com () CipOIO (e "pc " I <'11'IS UI11 grUn(l cu tUlc1 .
o Apêndice B.) c I .

teri'l de conquistar votos de diversos grupos grandes. O problen.l,l.


Evidentemente, esses sistemas consensuais não podem ser
nat:nalmente, é persuadir os líderes políticos. a a~lotaren: a,n:'lI:.1o~
criados ou não funcionarão bem, senão sob condiçCles muito espe-
desse tipo no início do processo de delllocratwl<.;a(~. Ullld \~.z 1I,~~S
ciais, que incluem um talento para a conciliação: grande fole:"ância
talado um sistema eleitoral mais di:'ergent:. a espiral em lllec;,lO
para a transigência; líderes confiáveis para negociar soluçClcs par,1 ao conflito cultural poderá se tornar nrevers1\'el.
conflitos que ganhem o consentimento de seus seguidores: um COIJ-
senso em relação a metas e valores básicos, amplo o suficiente p,n<l
tornar os acordos viáveis; uma identidade nacional que desestimule A sej!(/ra~'i1()
as exigêllcias de lima completa separaç;!o - e um compromisso
relativo aos procedimentos democráticos que exclui os Illeios'vio- QLl'llldo as fendas culturais são profundas dem,lis para 5_ere'l11
, 1 - , t ' " " l"es re<;t'l 'I <;O]UC<I() l e
lentos ou revolucionários" SUI)er'lchs I)or quaisquer das <;p,uçoes ,lll.UH I " ""' ( "'1"' ,
Essas condiçfles sflo incomulls. Onde eSI;lo ausentcs. os ar-
' ", Urll\l(lS culturais se separem em liI'f"'"'
tICI, ,,( "s po. ItIC';<;
ltes lI!1"hdc
que os I:' ' " '"' ' i T sua identidade c
ranjos conseIÍsllais são imprnv;l\leis. Mesmo existindo de alguma dentro das quais possuam autonomIa IMld 111,111 c. ". 1 ."

realizar os mais i1l1portantes objetivos de SU,I cultur,~. L:111 dlplI~I:I:


forma, CO!110 indica () exemplo tr<Ígico do Líhano. elas poderão
sitLl"lcClcs a solução poderia ser um sistema iedel:~li~sta elll que, ,\..
cair sob a pressão de UIll conrJito ('u](ural gra\'e" Uma vez des- suhclenlemente ,\LI-
I "~o
, (J "'" , ' " -,:) ,",

unidades (estados, prOVIIlCl<lS. Cc111tocS sej<lll1, ,"

crito pelos cientistas políticos como "uemocr;lCia de associação" "OS Um elemento (e\..lSIV(l
tfll10mas para abranger os d I"f"eren t es gwp ":. , /, "
muito bem-sucedida, o Líbano mergulhou nUllla demorada guer- na llot<Ível sociedade ll1ulticultural harmo!llosa, crIa:la pel(t~ Sl!IÇO~
ra civil em 1958, quando a tensão interna se lllostroU grande / 'stenl'l federal. A maioria dos cantôes SUIÇOS e clllttll,ttl~lellte
demais para seu sistema consensual. e o SI. ,
bastante homogênea; por exemplo, um can ao pOl e '
r 1 ser lnncoiono
,
50bt-e a democniüa 173
172 Robert A. Dahl

É um tanto desalentador saber que todas as soluç6cs para tlS


e_ católico, e outro alemão e prote~tante. Os poderes dos cantões
possíveis problemas do l11ulticulturalismo em um país .democrático ~ -- .
sao adequados para as variadas necessidades culturais. '
as que descrevi e ollt~as - dependem de condiçôes espeCÍ,lis (mui
COl~O as Ol~tras soluções políticas democráticas para o problema
provavelmente raras) para darem certo. Como até agora a maioria
do l11uItICulturalIsmo, a solução suíça também requer condicôes in-
dos países onde vigoram as mais antigas democracias é apenas
C~)~l1UllS - nesfe caso, pelo menos duas: primeiro, os cidadãos de
moderadamente heterogênea. em boa parte foram poupados de
dd~r~lltes subcultu("(~,> já devem estar separados em linhas ferri-
conflitos culturais graves. Não obstante, neste final doséculü: XX.
touals, para que a solução não imponha nenhum sofrimento pro-
tiveram início mudanças que certamente encerrarão essa feliz situa-
fUI.HJO. E, se~ulldo, embora divididos por alguns propósitos em
ullldades autollomas, os cidadãos devem ter identidade nacional çüo no decorrer do século XXI.
metas e v,~lores em comum fortes o uastante para sustentar a ulliã(~
federal. A!nda. que essas duas condições existam na Suíça. nenhu-
ma delas e I11tllto comum. Cultura e convicções democrúticas
I Onde .e~~~te a l~rill1eira I11~S Il~O a segunda condição, é prová- Mais cedo ou mais tarde. todos os países passarão por crises
~_el ,CJue ~s :I1Clen çds ct~lturals cr~e~l1 exigências para lima plena bastante profundas - crises políticas. ideológicas, econômicas, mi-
11ldependellCIa.
d . _ Se UmjlaIS. democntIco . Ie paCl'j"ICamente cm
( ,se dI' VIL litares, internacionais. Dessa maneira, se pretende resistir, UIll sis-
OIS,_ a soluça0 parece Impecável se julgada unicamente segundo tema político clemocrútico de\"erá ter a capacidade de sohreviver às
p~ldl:O~S democ;·áti.cos. Por exemplo, depois de quase um séc~l() de dificuldades e aos turbilhües que essas crises apresentam. Atingir a
senll-lIldependellCIa em uma união com a Suécia em 19()'l 'I N -
. I 'f' ' - ( o estabilidade democrática n~tO é simplesmente navegar Ilum mar
I ucga ~ lteve paCl Icamente a plena independência.
sem ondas; às vezes, significa enfrentar um clima enlouquecido e
. N~I(: obstante, quando a primeira COI1diç~o existe de maneira
perigoso.
lmper!c:ta porque os gl:U,r0S estão entremeados, a independência Durante lima crise severa c prolongada. aumentam as chances
PO(~Cld Impor graves solrImentos à minoria (ou minorias) a ser in-
de que a democracia seja derrubadú por lídercs autoritúrios, que
cl~ld<~(s) n:) .no:,o país. Por sua vez, esta(s) pode(m) justificar suas prometem ellcerrar (lS problemas com métodos ditatoriais rigor()-
propnas rClvllldlcaçôes por independência ou por. d~ ;llguma forma.
sos. É claro, esses métodos exigem que as instituições e os proce-
pern~<lI~ccer ~I~ntro do p~lís. Para a província do Queh~c. esse pro- dimentos essenciais da dell1llcracia sejam postos de lado.
blel.ll<l cOl.nplt:ou a questao de sua independência do Cao'ldá. Embora Durante o sécujo XX. a queda da democracia foi um evento
~lltIltos C1Ada~aos de fala francesa do Quebec desejcm obter fotal
freqüente, como atestam "()~ tantus ... " cxemplos menciollados !lO
lndep,e:ldcIlcla: a província abrange um razoável l~lÍl1ler(l ele não- início destc capítuio. No elltanto. algumas democracias ,Igiientaram
fJr~lll~~)fon~)s -, lalante~ do _inglês, grupos indígenas e imigrantes - que scus ventos e furacôcs não ;l]lcnas uma vez, Illas illlímcras. Como
oese~dlll contllluar c:dadao~ canadenses. Embora seja teoricamente
vimos, muitas del1locraci<ls conseguiram superar os riscos que
p~~~~vel l:ma.complIcada sItuação territorial que permita aos que o emergiam de sérias ti ifere m;:ts cu ltmais. AI gUIl1as emergi ra 111 lk
desc.~aI.IJ. contlIluar sendo canadenses, não sabemos se isto será lima
suas crises com o Ilil\'io do estado dcmocrútico em meibores condi-
possIbIlIdadc política. r,
çôes do que antes. Os sobre\'iventes desses períodos tempestuosos
sào justamente os países CJue agora chamamos de "mais antigas
Scotl J. Reid descreve
< " ,
UI1l proce sso (e
I e1
ell;ao"em- ' turnos que penl1llm<l
dOIS ... que
d matOlld das pessoas no Quebec, não (odas, permanecesse no Canad~ ou nUIll democracias" .
~uebec In(~eeelldellte~ ~~e ,;'0 11 corda que sua "proposta e outras semelhantes po- Por que as instituiçôes democrúticas agüentam as crises em al-
«elll S~I pra,:lca,s ou 1:<10 ( fhe Borders of an Independent Québec: A Thought guns países e não em outros? Às condiçôes favorúveis que já dcs-
ExperJlllenI , (J(Jod ,\OC;I'{I' 7 [inverno de 1997], p. 11-15.
- Sobre a democraôa 175
17'~ Robeli: A- Dahl

crevi~, devemos acresce!1(a~ m,lis uma. As perspectivas para a d~- Desenvolvimento econômico e econoJuia de mercad_o
111~)cl'acia e.stávehilltl1--país são melhores quando ~eus cidadãos e
seus líde-res apóiam vigorosamente as prática-s, as idéias e (lS -valo- Historicamente, o desenvolvimento das convicções democráti-
res democráticos. O apoio mais confiável surge quando essas CO!l- cas e de uma cultura democrútica estava estreitamente associado ao
vicções e predisposições estão incrustadas na cultura do país e são que chamaríamos de CCOIlOlllia de TlIercado. Mais especificamente,
transmitidas, em boayarte, de uma geração para a outra. Em outras uma condição aIt,lInen!e favorável às instituições democráticas é
palavras, qual1do o país possui uma cuitura democrútÍca. uma economia de mercado em que as empresas econômicas são
Uma cultura política democrática ajudaria a formar cid"t!flOS principalmente de propriedade privada e não estatal - ou seja, uma
que acreditem no seguinte: democracia e igualdade política são economia capitalista, em vez de socialista ou estatal. No entanto. a
obj etivos desejáveis; o controle sobre militares e Polícia deve estar estreita associação entre democracia c capitalismo de mercado es-
inteiramente nas mãos dos líderes eleitos; as instituicões del1locrú- conde um paradoxo: a economia do capitalismo de mercado, ine-
ticas búsicas descritas no Capítulo 8 devem ser man'tidas; diferl'n- vitavelmente, gera desigualdades nos recursos políticos a que os
Ç,IS e desacordos políticos entre os cidadãos devem ser tolerados e diferentes cidadãos têm acesso. Assim, uma economia capitalista
protegidos. de mercado prejudica seriamente a igualdade política - cidadãos
Não tenho a intençào de sugerir que todos em um país demo- economicamente desiguais têm grande probabilidade de ser também
crático devem ser moldados como perfeitos cidadãos democráticos. politicamente desiguais. Ela aparece num país com uma economia
Felizmente não - ou certamente jamais teria existido uma demo- canitalista de mercado: é impossível atingir a plena igualdade polí-
cracia! Em todo caso, a nito ser ~Iue uma considerável maioria de ti~a. Conseqüentemente, há uma tensão permanente entre a demo-
cidadãos prefira a democracia e suas instituições políticas a qual- cracia e a economia de mercado capitalista. Existirá uma opção
quer possível alternativa não-democrática e apóie líderes políticos viável ao capitalismo de mercado que seja menos prejudicial à
que defendam prúticas democráticas, é improvável que a dell1ocra- igualdade política? Nos próximos dois capítulos voltarei a esta
cia consiga sobreviver às inevitáveis crises. Na verdade. até lima questão e, de modo mais geral, 11 re\açào entre democracia e capi-
raí':oúvel minoria de militantes antidemocrat,ls violent(ls pode Sl'I talismo de mercado.
suficiente para destruir a capacidade de um país para a manlltell~'f1() Enquanto isso. nào podemos fugir da conclusão de que uma
de suas instituiçóes del1locrúticéls. economia capi!ali~ta de mercado. a sociedade e (l desenvolvimento
C01ll0 as pessoas passam a acreditar lias idéias e Jlas práticas
econômico tipicamente gerados por ela sf!o condições "llamellte
democrática:,,? CO!1l0 as idéias e as prúticas democráticas se tOlI1,II11 favoráveis ao desenvolvimento e 11 manutenção das instituições
parte intrínseca da cultura de um país? Qualquer tentativa de res- democrúíicas políticas.
ponder a essas perguntas exigiria que eSll1ill~'ásselllos profun(],l-
mente os falos histcíriens, algulls generalizados, outros específicos
cle um (letermillado país - tarefa essa muito ,ilém dos limites dc~lc Um resumo
livro. Digo apenas o seguinte: sorte do país cuja Ilistória levou a
12 bem prov<Í\'eI que tamhém ajudem outras condi<;ôes - como
esses felizes resultados!
o domínio das leis. a paz prolongada, e assim por diante. Acredito
Nem sempre a história é tão generos,l. Às vezes. ela dota al-
que as cinco condições que acabo de descrever sejam as mais deci-
guns pníses com uma cultura política que, na melhor das hipóteses.
apóia fracamente as institui<.;ões e as idéias democráticas e, na pior sivas.
Podemos resumir o argumento deste capítulo em três proposi-
das hipúteses, favorece o governo autoritário.
ções gerais: em primeiro lugar, um país dotado de todas essas cinco
176
Robet-t A. Dahl Sobre a democr~cia_ 177

princil1ais condições terá praticamente a certeza de desenvolver e vasto JlÚlllerO de pess9asestá.sx~!lfído das quatro castas hereditá-
manter as instituições democráticas. Em segundo lugar, é rl)uitíssil11o rias p.rescritasi ocOlltat9-{:ol11 essa gente - os )árias" ou "into-
improvável que um país onde essas condiçôes estejam auselltes cáveis" - conspurca. Em todci caso, cada Ullla das castas está
desenvolva as instituições democráticas ou, se () cOJl~eguir, que as dividida em incontáveis subcastas hereditárias. cujas fronteiras
mantenha. E um país em que as condições são mistas - ai gUlllas sociais, residenciais e muitas vezes ocupacionais têm limites bas-
favoráveis, outras desfavoníveis? Retardarei um pouco a res~)sta e tante rígidos. _
~ terceira proposição geral até ponderarmos o estranho caso da A Índia étlm dos países mais pobres do mundo. Veja os núme-
lndia. ros: de 1981 a 1995, cerca de metade da população vivia com o
equivalente a menos de um dólar norte-americano por dia. Por essa
medida, apenas quatro países eram mais pohres. Em ! 993-1 <)94.
Índia: ullIa dcmocmcia impnn·úvel mais de Ulll ter~'o da populaçiio da Índia (mais de 30CJ milhCles de
pessoas!) viviam oficialmente na pobreza. em pequenas ,Ildeias.
Você talvez já tenha começado a se perguntar sobre a Índia. trabalhando na agricultura. Em 1996, a Índia foi classificada cm
Não lhe faltam todas as condiçües favoráveis? Se assim é, não esta- quadragésimo sétimo lugar entre 78 países em desenvolvimento.
ria contradizendo todo o meu argumento? Bom, nem tanto ... nUI1l índice de pobreza humana próximo a Ruanda, que estava !lO
Parece altamente improvável que a Índia possa manter nor quadragésimo oitavo lugar. Além do mais. cerca da metade cle to-
muito tempo as instituições democráticas. Com uma população ~lUC cios os indianos acima dos 15 anos de idade e mais de 60S'c' das
se aproxima de um bilhão de pessoas neste final do século XX, os muI heres acima dos se is anos são anal fahetos.
indianos se dividem em mais lil~has do que ljualquer outro país no Apesar de haver obtido a independência em 1947 e adotado
mundo. Entre essas divisües estão línguas, castas. classes, religiücs uma constituição democrática em 1950. dadas as condições quc
e regiõe;,> - e infinitas subdivisões dentro de cada uma. 7 IlI1agine só: acabo de descrever, ninguém se surpreenderá que as prát icas polít i-
A Iudia não tem uma língua nacional. A Constituição indiana cas da Índia tenham apresentado algumas falhas chocantes de Ul1I
reconhece oficialmellte J5 línguas. Mesmo essa quantidade suhes- ponto de vista democrático. O país sofre recorrentes vi()l<~ções dos
tima a amplitude do problema lingüístico: pelo menos um millti"lo direiíos hásicos.~ Os meios empresariais consideram a índia um
cle indianos fala uma das 35 línguas distintas - e. mais do que isso. dos países mais corruptos do mundo.') Pior: as institu ições delllo-
os indianos falam cerca de 22 miÍ dialetos distintos! cr{)tiC1S foram derrubadas e suhstituídas ]lcla ditadura. quando em
Embora 80% das pessoas sejam hindus (o restante é, principal- 1975 a primci;-a-l1lillistra lndira (Jandhi deu um golpe de Estado,
mente, Illuçulmano, e um estado, Kerala, contém muitos cristãos). os declarou estado de emergência. suspendeu os direitos civis e pren-
efeitos unificadores do hinduíSlllo estão seriamente comprometidos deu milhares dc líderes adversários.
pelo sistema d'e castas que () mesmo hinduísmo prescreveu para os
indianos desde mais ou menos 150() a.c. Assim como as línguas. ()
sistema de castas está infinital11enle dividido. Para come ç7lr. um Depois da derrota eleitoral em 1077. Inclir,1 GandlJi foi eleita n{l\',lllléllte priméi-
ra-ministra em 1080. Em 198-tel:l urdem)\! qUê ;1, tmpas indian:ls al:1C<lSSCm ()
mai, importante santuitrio muçulmano na Índi:l. qUe estava scndl1 ocupado 11"1"
Os dados que seguem silo principalmente da revista Ecollolllisl de 2 ele agosto Illemhros da seita religi(lsa si~h. Pouco depois. ela foi assassinad,l por dois de
de 1997. p. 52-90; do programa de desenvolvimento das Na~~ões llnidcas. () scus guarda-costas sikh. Os hindus entâo irromperam em tUllllrito e l1l<1taram
If/III/(f/llJel"I!/OJlIllI!/l1 RI!JlOrl. Nov<1 )'ork. Oxford UnÍ\·ersity Press. 1l)97. j1. 51: milhar-es de sikhs. Em 1987. seu filho R:ljiv G;II1!.!hi. que se tomara primeiro-
"India's Five Decades of Progrcss anel I'ain", N<'II" }"o,.k Ti/J/es. 14 de agosto de ministro, reprimiu um J11ovimento de ind~pendência de unlCl l11inoria regional.
1997; e ShasIJi Tharoor, "!nlii,l's Olicl. Enduring Patchwork", N('1f" }"ork Till/cs. os !<lmis. Em J 991, foi assassill<1do por UIll tami!.
S de <1/wsto de 1997. ') EcoJ/oIlJiI'I. 2 de agosto de 1997. p. 52.
179
Sobre a democracia
178 Robert A. Dahl

para uerrubar a democracia e instalar uma ditadura autoritár.ia. Por


Contudo, a Índia, em geral, apóia as instituiçües democráticas.
que isto não aconteceu? Um exame mais de perto reve!a dIversas
Numa ação que.não serÍ«empreendida por um povo não preparado
para a democracia, dois anos depois de tomar o poder, Indira foi surpresas. . .
Em primeiro lugar, cada indiano é parte de uma I11I1l11rla C\lltl~-
derrotada numa eleição razoavelmente justa. Aparentemente. não
ral tão minúscula que sells membros nflO poderiam governar o p~llS
apenas as elites políticas como todo o povo indiano eram mais
sozinhos. O número absoluto de fragmentos Gulturais em cJue a 111-
ape~ados às illstituiçües e às práticas democráticas do que. ela pre-
dia está dividida sil2.nifica que cada um é pequeno - e não apenas
SUl1ura - e não lhe permitiram governar com níétodos autoritários.
distante de maiori;, mas pequeno demais para dominar aquele
A vida política indiana é muitíssimo turbulenta. muitas W7:es
vasto subcontinellte variado. Nenhuma minoria indiana poderia
violenta - mas, apesar disso, as instituiçües democráticas básicas.
governar sem o emprego de uma avassaladora C(lcrçüo por forças
com todas as suas falhas, continuam fUIlcionando. Emergindo de
~lilitarcs e policiais. E, como observamos, esses militares e a I'ol Í-
um passado de colônia britânica. os militares indianos c:iaram e
mantiver;~1lJ um código de ohediência aos líderes civis ek~itos.
cia não estão disponíveis para esses propósitos.
Em segundo lugar, com poucas exceçôcs, os membros de uma
Assim, a ludia se livrou da maior ameaça ao governo democrático
minoria culturalnflo vivem juntos numa única úrea, mas tendem a
na maioria dos países em desenvolvimento. Ao contrário da Amé-
se espalhar por diferentes regiôes da Índia. Portanto. a~ minorias
rie:l. Latina, por e~eI11plo, as tradições militares indianas pouco
não podem ter a expectativa de formar um país separaelo, tora de
apenam golpes ou dItaduras militares. Embora bastante corrupta em
suas fronteiras. Querendo ou nflo, os indianos estão "condenados"
geral, a Polícia não constitui lima força política independente capaz
a permanecer cidaeElos da Índia. COI;lO a desunião é impossíveL a
de um golpe. 1O

Além do mais, todos os fundadores da Índia modema que a le- única alternativa é a união dentro da India.
For fim. para ,1 maioria dos indianos não há nenhuma alterna-
varam à independência e a ajudaram a modelar sua constituiciio e
tiva reaJista para a democracia. Em si, nenhuma tl<ls minorias da
suas instituições políticas adotaram as cOIlvicç(les delllocrática~. Os
Índia poderá derruhar as instituições democrática::; e c~tahelece~ ~!Ill
movimentos políticos liderados por eles defendiam seriamente as
ref,',ime autoritário. nem contar CO!1l o necessário <tpOlO dos Illl1Ila-
idéias e as instituiçües democráticas. Pode-se dizer que a democra-
re~ e da Polícia para sustentm um governo autnrilárin. c~,pcrar for-
cia é a ideologia nacional d,\ Índia. Não há nenhuma outra. Por
mar um país separado ou propor uma alternaI iV-il i llsl i tuciona 1 e
mais frágil que seja, o senso de nacionalidade dos indianos está tão
ideoJ(lf,',ica atraenlt' para a democracia. A experiênci,l illdica ljue
ass,ociado às idéias e às cOl]vic\"(les democráticas que pouquíssimos
qualql;cr coalisãn de bom talll<lllho de minorias diferentes estar:l
deiemlell1 qualquer alternativa nüo-dell1ocrática.
por demais dividida para sustentar uma tomada lÍe p:ld:l' c menos
E mais: embora culturalmcnte diversificada. a Índia é o único
ainda um f,',()\'enw <llllnrit;ni(). Parece que a demucracla e realmente
país do 1l1UndOelll que a fé e a prática do hinduÍsl1lo estão ampla-
a única Ol~ão vián:J para a maioria dos, indiano"... .
mente disseníinadas. Oit() CIl1 cada dez indianos são hinduÍstas.
Toda a história da democracia na lndia é bem maiS ~()l11plcxa,
Ainda que () sistema de clsL1S seja tão divisivo e os nacionalistas
C0l110 a história Ué' qualquer país. No final das C\'lltas, a índia C?I1-
hinuus sejam um constante perigo para a minoria Illllçultll<ína.
firma a terceira pwposição que prometi. NUl11 país em que cstepJ1l
este si stema proporciona uma espécie de identidade comum pala a
maioria dos indianos.
111 Não é verdade. se os membros de distintas minorias culturais vivemjul1t(1S
No entanto, ainda que essas condiçôes proporcionassem apoio nUl11a rcoião na frt'nteira ela Índia. lhí diversas minorias como essa. entre :IS
às instituiçôes democráticas. a disseminada pobreza da Índia e a quais se destacam \'S Kashll1iris - cujas tentativas de obter i.ndepend.ê~Ki'l jrt ha·
séria divisão multicultura! pareceriam solo fértil para o desenfreado vi,1111 sido frustradas pelo governo indiano. que cmpreg('l! forças 1111 !Jtares con·
crescimento de movimentos antidemocráticos vigorosos o bastante tra eles.
Sobre a democrada IRI
180 .~ RóberfÃ. Dáhl

ausentes uma ou diversas, .mas nào todas as dnto Condiçôc's falto- ._ • As instituições do capitalismo de mercado espalharam-se por
ráveis à _democracia, a democrácia é 9uvjiJos~,!ah'eZil1ll~ÚwáveL todos os paíse.<;~ O capitalismo de mercado n~(l resultou apenas
mas nilO necessariamente impossível. em maior desenvolvimento econômico e maIOr bem-estar, l1:as
também alterou ele maneira fundamental a sociedad.e cnar :'.0
uma enorme classe média influente solidúria com as IdeIas e ,1S
})Ol' que ademocracia se espalhou pelo mundo inteiro. instituições democráticas.

Comecei este capítulo observando quantas vezes, no decorrer Assim, por essas e outras razões, o século XX mostrou ser ( l
do século XX, a democracia caiu e como ela se havia disseminado Século do Triunfo Democrático. No entanto, devemos cncarar e~s.e
pelo final do século. Agora podemos explicar esse triunfo: as COll- triunfo com certa cautela. Por um lado, em muitos países "de1l10Cratl-
diçôes favorúveis que descrevi dispersaram-se muito mais ampla- cos", as instituiçõcs políticas búsicas eram frúgeis ou imperfeit,:s. Na
mente entre os países do mundo. Fig.·1 (pág. 1R), considerei 65 países democrúticos, 1.11<1S poder!,~m(ls
di~idi-l(')s de maneira razoável em três grupos: ()~ 111aIS dC111ocr,l!Icos,
• o risco de intervenção de um poder exterior hostil à democra- 35: bastante democráticos. 7: e os vestigíal111ente del1l(1crátic(ls, ?~
tização diminuiu quando os impérios coloniais se dissolveram, (veja as fontes 110 Apêndice C).II Portanto. o "triunfo da democracIa
os povos ganharam a independência e a comunidade interna- era bem menos completo do que algumas vezes retratado. / .
cional deu amplo suporte à democratização. Além disso, é razoável perguntar se o sucesso deI1lOcratlco
O fascínio da ditadura militar foi reduzido quando se tmlJOu se sustentarú no século XXI. A resposta depende do quanto for sa-
aparente - e não apenas para os civis, mas para os prúprios lí- tisfatória a maneira como (,s países democrúticos resolvam suas
deres militares - que os governantes militares normalmente n;lo dificuldades. Uma delas, como jú di~se. emerge diretamente das
eram capazes de corresponder às dificllldadt:s de uma socieda- conseqüências cOJltradit(írias do capitalismo de lllerc~ld(): em al~t1lls
de moderna. Para falar a verdade, muitas vezes se mostraram aspectos, ele é favorável à democracia, emhora s~p de:lavora\'d
grosseiramente incompetentes. Assim, em muitos países. \lma em outros. É o que examinaremos nos pr<Íximos dOIS C;lPItulos.
das mais <tntig8s e mais arriscadas ,imeaças à democracia foi
enfim elimillada ou imensamente reduzida.
Muitos países em que a democratização ocorreu eram suficien-
temente homogeneos para evitar sérios cunr;;-ios culturais. Em
geral, os menores países, ilão grandes agloJ11eraç\leS de diversas
culturas. Os arranjos consensuais funciollaram em alguns paí-
ses mais ,divididos culturalmente. Em pelo menos l1m país. a
fndia, nenhuma cultura de miIloria era de tamanho suficiente
para governar. Em compensação, onde os conllitos culturais
eram sérios, como em certas partes da /ürica e na antiga Iu-
goslávia, a democratização roi um belo desastre.
• COlll as visíveis falhas dos sistenlas totalitários, das ditaduras
militares e de muitos outros regimes totalitários, as ideologias l'
as convicções alltide11locráticas perderam seu atrativo para hoa
parte do mundo. Jamais em toda a histúria da humanidade tan-
tas pessoas apoiaram as idéias e as instituições democrúticas. II Os critérios p~ra as tr2's categorias estão descritos no Apêndice C
Capítulo 13

Por que o capita\isn1o de mercado


favorece a del110cracia

Democracia e capitalisll10 de mercado são como duas pessoas


ligadas por um casamento tempestuoso, assoiado por conflitos -
mas que resiste, porque nenhum dos parceiros deseja separar-se do
outro. Passando o exemplo para o mundo botânico, os dois existem
numa espécie de simbiose antagônica.
Embora seja um relacionamento complicadíssimo, acredito
CJue possamos ex.trair cinco importantes cOJ1clusôes a partir da pro-
fusa e sempre crescente série de.eAperiências. Apresentarei duas
neste capítulo e as três restantes no próximo.

1. A delllocmcio !)o!iúrqllicCI resisfill (f/)()[/{/S !lOS jJ(lÍscs COIII lIi1!a


econornia fJredo/llillm;fClllt'llte de lIIercado: jal!/(/i.~ rcsistill em
algllm país COIII (/ /JI"edoll/inúllcio de /111/(/ eco/lOlllia que mlu
seja de mercado.

Limitei esta concltls~lO à democracia poliárquica. mas ela tam-


bém se aplica mlli!~) hem aos governos populares que surgiram Ilas
cidades-estado da Grécia, de Roma c d;] Itália medieval. e na evo-
lução das instituiçües representativas e no desenvolvimento da par-
ticipação do cidadão no norte da Europa. Passarei por cima dessa
história, parte da qual .i á encontramos no Capítulo 2, para llOS C(1Il-
centrarmos exclusivamente nas instituições da moderna democra-
cia representativa - ou seja, a del/locrocia po/iárql1ica.

I
185
Sob,"e a democracia
Robert-l\. Dahl

hreza intensa e melhorar os padrôes de vida ..o desenvolvimento


. ._ ~(Juíó regisrro uão é.llada ambíguo. A democracia poliárquicél
econômico ajuda a reduzir os conflitos sociais e políticos. Além
-eXI:)(Ja apcnas .eIlfpaíses COll1,l predominaute econoIllia~àpilalist a
disso, quando surgem grandes conflitos econômicos, o desenvol-
de l1ler(~ado e/OíI/{l;S (ou, no máximo, brevemente) em países onde vimento proporciona mais recursos, que estarflO disponíveis para
um povoamento mut ua mente satisfatório, eIl? q uc. todos ga n h~Jl1
predollllllavam economias planificadas. Por que isto acontece?
alguma coisa. CEara usar a linguagem da teorJa do .logo. na ausen-
2. Esta ri?!açclo.cstr;ta cx;ste porque certos aspectos hásicos do
cia do desenvolvimento os conflitos econômicos tornam-se "s0111a-
cap;ta1is,T/~(} dc mercado o tomam fal'orál'e! para as ill:\'f;fl/;ÇrJCS
zero": o que eu ganho, você perde - o que nlCê ganha, eu perco.
delllocratlcos. Invcrsamcnte. alguns mpcctos de lIlIla N'OIlOIlÚO
Assim, a cooperação é inútil.) O desenvolvimento também propor-
jJredoll/illall~C'~"C'17fC jJlallifrcada a tornam prejudic;a! às jicr'\JJCcf;-
ciona aos indivíduos, aos grupos e ao governo o excedente neces-
WIS dC/llocraflcas.
sário par<l dar apoio à educação e, desse modo, promover uma
. Numa economia capitalisia de mercado, as entidades ecolJ(l- cidadania instruída e educada.
O capitalismo de mercado também é faHlrável à democracia
Jlll~'aS ou são indivíduos ou empresas (firmas, fazendas e sahe-se lú
por suas conseqüências sociais e políticas. Ele cria um grande es-
maIs o q~lê), que sã(~ propriedade privada de indivíduos ou grupos
tralo intermediário de proprietários que normalmente buscam a
e, na maI~r parte: nao pertencem ao Estado. O principal ohjetiv() educação, a autonomia, a liberdade pessoal. direitos de proprieda-
~!cssas entJdades e o ganho econômico na forma de salúrios. l~lcros. de. a regra da lei e a participação no governo. ~s elas.se:. médias.
J:'H1S e aluguéis ou arrendamentos. Os dirigentes das empresas não
como Aristóteles indicou, S;IO os aliados naturaIs das IdeJas e das
tem llellhu~l1a necessidade de lutar por metas mais amplas. grandio-
instituições democráticas. Por fim. talvez o mais il1lporta~1te: descel~­
sas e amlJlguas, como o bem-estar geral ou o bem público - eles
tralizando muitas decisões econômicas a indidduos e a ilrmas relatI-
Jlodem ser guiados unicamente por incentivos egoístas, C:o !ll (1 os
vamente independentes, uma economia capitalista de mercado evita ;\
mercados abastecem proprietários, dirigentes, tr;~balhadores e ou-
necessidade de um governo central fOI:te ou mesmo autoritário.
tros com boa I~arte da informação decisiva necessária, eles podem Uma eCOnOI1l~l planificada pode existir onde os recursoS s~u
tomar suas deCIsões scm uma oricntação central. (Isto não siQnifica escassos e as decisões econômicas j)C1ucas e 0\wias. Em uma socIe-
que possam fazê-io sem as leis c as regulal1lcntaçôes - ass~1!\t() a dade mais complexa. é necessário U1~1 suhstituln para a coordella~fl(1 e
que retornarei !lO pníxi11lo capítulo.) o controle proporcionados pelos mercadns. O único s.uhstJtuto
;\(~ contrúrio do que a intuição nos diria. os mercados servem viável é o governo. Seja qual for a propriedade legal formal de
para coordenar e controlar as decisôcs das entidades ecoll(lmicas_ empresas el;1 lima ecO\~()mia planificada. ~llas decis()es süo erl'~i­
J\ experiência histórica demonstra, de modo bastante cOI1c1usi\-il. vamente tl1Jnadas e controladas pelo governo. Sem a coordena\.;(\o
quc U111 sistcil)a em que são tomadas incontáveis decis(lc.\ ecnll(l- do mercado. torna-se naturalmcnte tarefa clt) gove\l1o a distlibuil:flo
ll1icas por inumeráveis atores independentes em c0Il1peti6w. (.',\<1" de todos os recursos escassos - capital, trabalho, maquinúrio. ter-
um atuando a partir de interesses egoístas muito restritos ~ orícnt<l- ras. cOl1slrucões. hens dc consumo. residências e os demais. ]>;\r<l
dos pela informação fornecida pelo mcrcado, produz bens e servi- fazer isso. ;) governo precisa ter U!1l p1<l\10 central detalhado de
ços de maneira hem mais eficiente do CJue qualquer outra alternativa grande alcance e, port anto, funcionários d(l governo encal:l~egad()s
conhecida. Mais do que eficiente: C0111 uma regularidade e lima dc fazer, executar c verificar o cumprimento desse plano. Sao tare-
ordem verdadeiramente cspantosas. L
fas prodigiosas que exigem tremendas quanti(~ad:s de inf:ml1.a\.;ã;)
confiável. Para conquistar a submissflo a suas lhrelIvas, os iunClona-
C01lseqüentemente, a longo prazo, o capitalismo de mercado
rios do governo devem descobrir e aplicar incentivos adequados - que
levou ao desenvolvimento econômico - e o desenvolvimento eco-
podem ir de recompensas legais (C0\110 salários e prêmios) ou ile-
nômico é favorável à democracia. Para começar, ao reduzir a )10-
187
186
Sobre a democracia
Robert A. Dahl

,gais (por exemplo, () SUbOP1O) 'I co. ,," . - Aléill tlíss(), embora a Jlcmocracia só tenha existido em pãíses
dcnação por "crimes eco I " .','." er(,;do_ e a pUl1\çao (C0I110 a C(l[]- 'cóm'llma eC()llOÚÚa capitalista cle mercado, o capitalisJ110 de
10m ICUS ) A Il'IO ser s I cJ'-
~ passageiras, que abordarei em 1 : I' ' , , o )- con lçncs raras mercado existiu em países nflO-democf<'lticos. Em J11UitllS deles
a alt Ufa dessa tarefa. seglllc ,I, nenhum govern(l mostrou-se (especialmente Taiwall e a Coréia do Sul), os fatores anteriormente
Entretanto, as ineficiênci'ls d" . mencionados, que tendem a acompanhar o desenvolvimento ecom)-
central nüo são o nnis 111'cl' . 'I" . el' 1I11Id economia de planejamcllto mico e, porsua vez:, uma economia de mercado. ajudaram a produzir
tlC ICla para 'IS 11erSj . 't' ' I ' .
, ~"
, . '
cas _ () pIOr S10 as C()ll'" '.. , , ,ec 1\ as e emocratl- <Hlemocratização. Nesses dois países em especial, os líderes aulo-
,c , , scqUCI1CIaS SOCiaIS e 11 1'( .. , rI '
Uma economia centraInY'ntc lI' ,', I J" ,o I ICdS c a CCOllOlllla, ritários, cujas políticas ajudaram a estimular o desenvol\'imentn de
ecolJomia it disposicão :le I)I,dl~e.lCdl(.a celxa os recursos de toda a
, ' " IC ( I es () !.wvernC) 1)'\1"1' , uma boa economia de mercado, indústrias de exportac,flo, desenvol-
provavels conseel" ". ,.,. I ' . ,,~. ' , 'c 11ll'H.':lIlar ,1S
1 ' UeIlCldS ( esse lantaslIco I l ' d I' ' ~ vimento econ(\mico e uma grande classe média educada. inadverti-
lemhrar o 'lforislllO' "() I , e g d o po ItICO. devemos
c •.
de malJeira absolut'I" U '
, pm er corrol1l11e e) ! ., I I
, ( poe el cl )SO uto corrol11llC
damente plantaram as sementes de sua própria destruiçãc1. Assim.
l1Id eCOIl011l1<1 cen! ., I , t I '
, l c I n~en e P anei<lcla lall<,'a
, c, embora o capitalismo de mercado e o desenvolvimento econômico
Ulll cO!lvite direto aos Iíde '." I
é livre [)ara 'IS'll' tO{'()S jes (O govell1o, escnto em negrito: Você sejam favoráveis à democracia, a longo prazo eles poder~l() ser hem
, esses reeu 'S ~.
I, os ee(~1I0mleos pa!":l consoli-
, , <
da .. e manter o oode .. q ,t menos favoráveis e até inteiramente desfavorúveis para os regimes
, " . lHe em em suas mH(ls! nüo-democráticos. Conseqüentemente, o desfecho de um im-
Os lIderes pohtlcos teriam de se' I ' .- pressionante drama histórico a se desenrolar no século XXI revela-
humanos para resistir 'I eSS'l t t,.7" I (otclcl(:" de poderes sohre-
, ( ,,' ell elÇ I(' M 'IS o tr t .
rú se o regime não-democrútico da China poderá suportar ,IS forças
na é claro: todos os governa t' . ( ", ," IS e regIstro da histó-
~. c 11 es que tI vel"\JI1 'lCeSS()' .
recursos proporciOlndos . ' ,c , ., ciOS I mellsos democratizantes geradas pelo capitalismo de mercado,
trai confirmaram 'I S'''111C'd :,1 tdlllla efC(~!lOnlla de planejamento cell-
Pc U ma economia capitalista de mercado não precisa existir "pe-
, , c . ' oIla () a oflsn N I
a v.~rc ade, os líderes
,
podem usar seu deslJOtisll-j ., I ,10. lias em sua conhecida forma urbano-industrial ou pós-industrial do
, • () pclr,l )OIlS ou ll1'lIlS f A I' "
glstra um I)OlICO de cld'l I I "
IIll C esses IIpos de r·
c, IllS.
'I
IIstona rc- século XX. Também pode ser - pelo menos, já foi ~ agríC< l la. Vimos
~IlS - em )(~ra, penso
c (
cu, de 1110do geral os dés )olas I ' :. no Capítulo 2 que. durante o séculoXIX. as instituições democráti-
que bel1l, De cjua!c!uc' ,I " enl!cll11 !eltoL bclstallle maIs lllill do cas hásicas (C0111 a exceçüo do sufrágio feminino) apareceram em
1 !11clnelfcl eC"llOl11l'IS c , I' .
sempre estiveram estreitam' t " ~' ,'. 1(' te p .,1Ile.lamelllo cen{ral diversos países predominantemente agrícolas: Estados Unidos. Ca-
en e clSSOClcIC as a regimes <111{oritiíri()s.
nadú, Nova Zelfllldia e A\lstrúli", E111 17Y(), primeiro ano da repú-
blica ll.orte-americana sob sua nova (ainda em vigor) COllstituição.
Algumas rcssnlnls de \lma pOjllllaçflO total de !'(l\lCO menos de quatro milhi\es de pes-
soas. apenas 5% viviam emlug,nes COIlll11ais de 2.SUO l1<lhitantes ,-
Aillda CJue essas duas conc1lls- " . ,;, ' ,
de lima série de ressal v;;s. o :1. ',(:es/ SCJ~11ll valJdas. elas. precisam
os 95% restantes vivia!;) em úreas rurais, principalmente em sítios
exclusivo ele I)aíses I, ,," esem olVlIllcn{u eCOIl0l111C(1 n;io e e fazendas. Por voUa de lf\20, quando as institlliçôcs políticas da
• (eJllOt I ;t{ICOS nem 'I esll -
c ,
exclusiva das n'lcôes 1''" I '," c , ( gnaçall CC()!l(lI11ica c
democracia poliárqllica (de flOrl/ell.\' hroncos) já estavam consoli-
" ' .clO-( elllocralIca, N'\ V"f(" I
~ v IdC c, parece lIau
- dadas, numa populaçflO de menos de dez rnilhCles de pes~()as, mais
IlaveI'
.
nenhuma corrcl'W'"I()
' (:s'
I 1 ,..
ell Te c,csenvolVIlllel i " de nove em cada dez ainda viviam em áreas rurais, Em I ~(í(l. lias
tipO de governo ou feoi 1 ' ,1 : I .) o CCOIlOl11lCO e (1
E- I1C. ue um paiS,
vésperas da Guerra Civil, quando o país tinha mais de trinta mi-
-;-------- lhões de habitantes, oito em dez norte-americanos viviam em áreas
~ara obter indícios impressionantes sob fi •

A Neo-Kantian Per<:!)ect'IYc' D ,re "ste ponto. VCP! I3ruce Russett


O' " . ' ' . elllocrac\, Interd f' . .
Iganlzatlons 111 Buildinn Secllritl' C '.,, cpenc ence. ,lllcf Jnternall\lnaf
Barnett. ecfs, Sl!cwill' (,2' '
, . ..' '. U'
,'. Oll1llllHlItlCS", em Emanuel Adler e 1\1idl'lel
O"/Illl/!/IIII!S /11 ('o/ll/J{I/' I'·, (fi" .' .'
Limong.i, "Politicil Regimes <llld Ecomlmic Gro\\'t!J", )0/11'1101 rir [colI()l1Iic
.' (/ /I (mil' 1,110/ Ical Per,l!wcl/\'('
c ambndge , C'!mbrl'cfoe
( Cc J1IverSlty Press . , . 199fl'
, • e Acfam PrzelVorski e Fernando•
l'erspeclin's 7. 3 (verftode 1993). p, 5l-70.
Sobre a democracia
.. 188 Robeli:J\. Dahl

_que os líderes eram fundamentalmente antidemocráticos. Assim, não


rurais. A América descrita por Alexis de Tocquevílle, em A dell/o- -
podemos desemaranhar facilmente as conseqüências l!ão-democráticas
craci~ 17~AlIJérica.,. e-ra agrícola, não indusfrial. É daI{), as empresas
da ordem econômica das conseqüências não-dclllOcráticas das COI1-
eCOnOl11fG~s. daquela sociedade agrícola eram principalmente fa-
viccCles dos líderes. Lenin e Stalin eram tão hostis à democracia
zendas e sllIos, que pertenciam e eram administrados por agriculto-
que~, com ou sem uma economia centralmente d irígida, eles teriam
res, e ~uas famílias. Boa parte do que produziam era usada rara seu
impedido o desenvolvimento das instittriçCles democráticas. A eco-
propno consumo .
nomia centralmente dirigida simplesmente tom ava mais fácil sua
. Contudo, essa economia era altameÍlte descentr-alizad; (hem
tarefa. proporcionando-lhes maiores recursos para impor sua von-
mal,s. do que. se tornaria com a industrialização), dando aos líderes
polItlCOS Illlllto pouco acesso a seus recursos - e criou uma grande tade aos outros.
;\ rigor, jamais houve uma experiência histórica que juntasse
classe média de agricultores livres. Por isso, era altamente fa\~(lr{]\'eI
as il1stittJçôe~ democráticas com uma economia centralmente diri-
a.o desenvolvimento dell1ocr{]tico. Na visão que Thomas Jefferson
!2.ida em tempo de paz. De minha parte, espero que jal1lais aconte-
tmIJa da república, a base necess{]ria para a democraci,! era lima
~a. Acredito que as prováveis cOllseqüências sejam totalmente
sociedade agrícola consistindo de agricultmes independentes.
previsíveis - e são um mau presságio para a democracia. .
Será que as origens pré-industriais de Illuitas das mais antigas
Não obstante, ainda que () capitalismo de mercado seJil hem
de_manacias n.ada têm a ver COIl1 os países na era pós-indllstrtaI?
mais favorável às instituições democrMicas do que qualquer eco-
Nao . .("Esse C(:n.~unto de ex.periências reforça um ponto decisivo: seja
nomia planificada que tenha existido até agora, ele também possui
tI.lIal ,or a .allvldade d0l111nante, Ullla economia descentralizada que
algumas conseqüências profundamente desfavoráveis. Nós as exa-
<LJ lida a cnar uma nação de cidadãos independentes é altamente fa-
vorável ao desenvolvimento e ü sustentacão das instituicões demo- minaremos no próximo capítulo.
cráticas. o o

. Há pouco mencionei as "condições raras e passageiras" sob as


qUéllS os ~over.lJos administraram COlll efidcia () planejamento
central. Alem dISSO, os governos eram democrúticos - eram os Q()-
\'~rnos ela Ing!élterra e dm Estados Unidos do período da Pril11~ircl
GLIelT~' MundIal e, mais enfaticamente, durante a Segunda Guerra
Ivl11ndlal. Nesses casos, () planejamento e a distrihuicão de recursos
tinham um objetivo claramente definido, que deve;'ia asseQlIrar a
satisfação das necessidades dos militares e do suprimento de~hel1s e
serviços básicos para a população civil. As met;'s de guerra foram

I
amplamente a'poiadas. Embora tenham aparecido algu';1s mercados
negros, não eram extensos o bastante para redllzi!~ a eficácia do
sistelll." centralizad(: para distribuir os recursos e contíOiar os pre-
ç,os. Flnall11.~:lIe,. o SIstema foi desmantelado com a chegada da paz.
E.11l cO!1sequen~J(\, os líderes políticos foram privados das oportu-
IlI:lades que tenam com a exploração de seu papel econômico do-
l1111lante para propósitos políticos.
Se ~olocamos esses sistemas do tempo da guerra de um lado,
economJas centralmente dirigidas existiram somente nos países em
Capítulo 14

Por que o capita\lSt110 de rnercado


prejudica a democracia

Quando abordalllos o capitalismo de mercado de um ponto de


vista democrático, examinando hem c1e perto descobrimos que ele
tem dois rostoS. COlHO a figura de Janos, o deus grego, esses dois
rostos apontam direçôes opostas. Um deles, um rosto amistoso,
aponta para a democracia. O outro, um rosto hostil, aponta na outra
direção.

A dC/l/ocracia o capitalislIlo de mercado estc70 ellcerr·(ulo.1


(! 1/11111
confrito perll/allentc C/lI qlle coda lflllll/odiflco e til/lira () Ol/tro

Por volta dc I R40, uma economia de mercado com mClcadus


auto-regulados em trabalho, terra e dinheiro esUlva plenamellte
instalada na Inglaterra. O capitalismo de mercado vencer,l seus
inimigos em todas as frentes: Jl~10 apenas na tcoria e 11a pr:lIic<l.
mas também na política, na legisLtção, nas idéias, na filosnfia c na
ideologia. i\parcntel11ent seus inimigos haviam sidc' completa-
l: ,

mente derrotados. No ent,lIlto, num país em que as pessoas t0m


voz, como tinham na Inglaterra até mesmo !lO períndo anterior ;1
democracia, uma completa vitória desse tipo não podcria rcsistir
muito tempo. I Como sempre, o capitalismo de mercado trouxe ga-
nhos para UIlS, mas, como sempre, também prejudicou outros.

A narrativa clássica é 7171' C;,.('(/{ 7hlll,l(iml/ofilJll. de KaIl Polanyi. Nova York.


Farra!" and Rinchar!. 1944. Pnlanyi foi um exilado austro-húngaro que Sê Illudou
para a Inglaterra e posteriormente deu aulas IlUS Estado, Unidt1s.
, Sobre a democraciã' 193
192 Robet-t A. Dah!

Em.bor:l (~ sufrágio fosse ll1uitíssimo restrito, de_lllodo geral as danos a algumas pessoas - e os prejudicados ou os que esperam ser
:lUtras 1l1stl,tul<;ües p~)líIicas do govemo representativo Zstavam prejudicados exigirão _a intervenção do governo. Os j\Íores econô- .
Inst,~ladas: I:~11J seu devIdo tempo - em 1'8,67 e llovamentc em 1P,P,4 - ()
micos motivados por interesses egoístas têm pouc6 incentívo para
sutrag!o tO! ampliado: depois de 18H4, a maioria dos homens podia levar em consideração o bem dos outros; ao contrário, sentem-se
votar. Dessa maneira, o sistema político proporcionava oportuni- fortemente incentivados a deixar de lado o bem dos outros, se com
dades ~ara a expressãy eficaz da oposição ao capi tal iSlllo de ll1er- isso obtiverem ganhos._A consciência é facilmente sossegada pela
~ ,

cmlo nao-j'cgulal1Jcntado. Voltando-se para os líderes poIíti~()s e do sedutora justificativa para infligir mal aos outros:
I
~~lVern(~ para pedir ajuda, os que se sentiam prejudicados por mer-
!
Se eu não fizer, alguém fará. Se não permito que minha fábrica
~ddos nao.-regulamentados buscaram proteç;\o. Os que se opunlwlll
descarregue os resíduos no rio c a fumaçZl no ar. outros () farão.
a ~conoll:l,~ l.lo /uissez<aire encontraram lIma cxpress;lo eficaz para Se não vendo meus produtos mesmo sendo inseguros, outros ()
:ll:l.S quelx(l~ nos. mOvImentos, nos partidos, nos programas. !las farão. Se eu não ... outros () farão.
l:lelas, nas ,f 1.losoJ las, llas ideologias. nos livros, 110S jornais e !lOS
Ildercs j)olttlCOS e, o mais importante, nos votos e !las eleiC(les. Numa economia mais ou menos competitiva, é praticamente
:) rccentcmente fundado Partido Trabalhista concentrava-se lI'a la-
seguro que, de fato, outros o fmito.
llula das classes trabalhadoras. Quando as decisôes tomadas pela competição e pelos merc<\-
_ Embora alguns adversários propusessem apenas a rCQulalllen- dos nilo-regulamentados resultam em prejuízos, é provável que
laça0 do capitalismo de mercado, outros desejavam eliminá-I() surjam questôes. O mal pode ser eliminado ou reduzido? Se pode.
cOll1pktamel:te. Alguns propunham uma solução conciliatúria: seria isso realizado sem exagerado custo em relação aos benefícios?
va~1Jos rcwtla-Io a~or,~, par,~ mais tarde eliminá-lo. Os que propu- Quando os prejuízos aumentam para algumas pessoas e os benefí-
111~~1l:~ ahol.!r o C(lJll~alIsll1o Jamais realizaram suas metas. Os quc cios para outras, C0I110 em geral acontece, como poderemos julgar
eXlgldl11 a 1I1tcn'cIH.;ao do govcrno e a regulamentação muitas vezes o que é desejável? Qual é a melhor soluçüo? Ou, se não a melhor,
cOIlscgUIam. qual seria uma solu<;üo no mínimo áceitável? Como e por quem
, Isto ac?ntec~u na Inglaterra, na Europa Ocidental e em outros deveriam ser tomadas eSsas decisões? Como e mediante que
!1a1SeS de IInguil IllgI.csa. Em qualquer país cujo governo podia ser meios essas decisôes devem ser legalmcnte impostas?
1!~[Ju~ncIacl() por l1l(lVllnentos Jlopulares de insatisfa<;ão, o laissl!:::-fáire É evidente que essas não S;1O apenas questôes econômicas. S~\()
Ilao tllll1a sustcllta<;f\o. O capitalismo de mercado sem intervencüo e tambóm questões morais c políticas. Num país democrúíico, {lS ci-
regul:ll:lClltaçüo do governo cra impossível nUIll país democr[;tico. dadãos que buscam respostas inevitavellllcnte gravitarào em t01l1(\
no 11111l1l11O por duas razões. da política c do governo. O candidato mais ace~sÍvel e mais eficaz.
'. Em priJll~ir{) luga.r, as prúprias institui<;fles básicas do capita- para intervir numa ecollomia de mercado de l11(1do a alterar Ulll re-
!ISlllO de llJerC<l<.!o eXIgem regulal11clltaç~lO e grande intervCllcão sultado quc poderia ser prejudicial é ... o govcmo do Estado.
g()\'e~l1amelltal. Mercados competitivos, propriedade de entidallcs Para ohterem a in(crvem;üo do governn. tIS cidad~()s descon-
eC(:ll()~l1l~aS, C(l111rat()~ legais, proibição de monopólios, proteção tentes na! uralmente dependem de muitas queS',(lCS - até mesmo do
dos, dl~eltos de propnedade - esses e muitos outros aspectos do relativo poder político dos antagonistas. Contudo. o registro histó-
capIlalIsmo de mercado dependem totalmente de legislaçôes. políti- rico é claro: em todos os países democráticos. os prejuÍzos produ-
cas, ordens c outras a<;ôes realizadas pelos governos. Uma economia
de mercado não é. nem pode ser, completamente auto-reQulalllcnt;Kla.
Em segundo lugar, sem a intervenção e a regul(~nelltação do E também em muitos países não-democráticos - mas aqui nos preocuparenws
governo, uma economia de mercado inevitavelmente inflige sérios com a relação entre a democracia e () capitalismo de mercado,
195
l{obert A. Dahl _Soure a democracia

".
zidos IJelos o mel'C'\ I -'
, , ( (OS nao-regulamentad
-- tempo) sem ampla reglllmnentação e intervençüo do governo para
dUZIraIi1' OS governos 't I'11't'e " - .-' OS OU deles esperados in- alterar seus efeitos Ilocivos.- -
. " .. '. ' ( n'H para altenr - . I ad
na causar danos a aJolllls cI'(-I'I'I;' , um resu ! 9 que pode- No ent,\nto, se a existência em um p<tís de instituições políticas
b' < e <lOS.

Num país f<tl11oso por seu com 1r ' . democráticas afeta de maneira significativa o fUIlcionamento do
de mercado os Est<tdos U . I I omISSO relativo ao capit<tlisllJo capitalismo de mercado. a existênci<l desse tipo de C<:1pitalislllO afeta o
.' •, llIe os, os governOS d . ,-
e o~ Iocals intervêm na economia d ',a I.lclçao, ~os .estados funcionamento das instituiçõ.es pol[ticas democráticas. A flecha da
aCJll1 apell<ts algiTlls exeIllptos: e maneIras lIlumeravelS. Veja causa, por assim dizer, voa nas duas direções: da polilica para a
economia e da economia para a polític<l.
• seguro desemprego;
anuidades para a velhice'
1~ • • ' COTIIO iner;tovelmo/te cria desigu(/ldades. o capitolisT1lo de mer-
poulIca fiscal para evitar a inflacão e ( , . ; ' ,
seguranCl" r ' ,.
A •

• I ecess,lO eCOnOl11lea: cado limita c potencial democrático da de!llocrac io poliárquico ao


o" ,t ll11ento, remedlOs. trans)o t ~ ' .~ .
J \

_
estradas, ruas; 1 . r e aéreo, ierrovJarJo, gerar desigualdades 110 distrihuiçtío dos recursos políticos

saúde pública: controle de cloenç'ls ' f .


compuls6ria de crianç'ls ell1 I' I, d' ' I III eccIOsas, vacinação
c
, ," ,. l ,t e esco ar:
PalaFra.\' sohre palor/'Os
seguIO ae saude; .
• educação; Recursos políticos abrangem tudo o que uma pessoa ou um
• a venda de ,'tçüe S, rtI li 1os e outras garantias' grupo tem acesso. que pode utilizar para influenciar direta ou indi-
• zoneamento: comercÍ'll " resl'd ' ' por r t
" 1 e aSSJlll
' eIJCIa, retamente a conduta de outras pessoas. Variando com o tempo e o
cstabe~ecimel1to de normas de construc~;)' e Ian e; lugar, um número imenso de aspectos ela sociedade humana pode
• garantia de competi'.;'ão !lO merndo ser transformado em recursoS políticos: força física, armas, dinheiro,
outras restrições ao comércio' ' , proIbl~'ao de monopólios e
o. '. -

riqueza, bens e serviços, recursos iJrl)(lutivos, rendimentos. statlls.


• i~1:1,)()~.i?ãO e reduçü(),dc tarir,:s e cotas de im orlacão: honra. respeito, afeiç;lo. carisma. prestígio, informação. conhecimen-
to. educaçüo, comunicação, meios ele comunica ção, organizaçües.
lIcencl,ll1lenlo de medicos. de lI' t'" P O·

outros profissionais; , I JS clS, ddvogaclos, contadores e posição, estatuto jurídico, controle sobre doutdnas e convicções
implantaç~ão c (I' religiosas, votos e muitos outros, Em determinado limite teóric(),
,', . 1 cllltl I ençdo
.;' de l,anlue,s' ,' .
di eas de recreaçã() e "II'e'ls ' 1 nacIOnais e estaduaiS. um recurso político poderia ser igualmente distrihuído, COl110 acon-
. " , se vagens; .
• tece com os votos nos países democráticos, Em outro limite teórico.
leglllame!ltação de firmas em 1re::;aria', ,., " .
danos ao aI11bienle'" l)ell1 ,~ I IS pc\] cl pl evenlr e reparar ele poderia concentrar-se nas müos de uma pessoa ou de Ulll gru-
, ~, IllcllS larl e
po. As possíveis variaçôes da distribuição entre a igualdade e a
• reglllamenU,ção da vemh' 1
J
de, ] " O(III't os deri \"Idos d t I
para. reduzir a fre'jüênc'I'1 concentração total sflo infinitas.
malIgnos. " (, VIllO ' do .C'III
I' ',' o a'1aco
,c'e'I e, outros efeitos
A '"
. A maioria dos recursoS que acabo de listar t:stá disiribuída por
todos os cantos de maneira muitíssimo desigual. Embora nüo seja a
causa única, o capitalismo de mercado é importaJlte para causar
E assim por dianle.
uma distrihuiçüo desigual de muitos recursos essenciais: riqueza.
. Resumindo: em nenhum país deI ,;" , .
1l1la capitalista de mercldo ( , nocrcltIco eXIste uma eC0I10- rendimentos, statlls. prestígio, informação, organizaçflo, educaçftO.
, e pIOvavelmente não existirá por muito
conhecimento ...
197
196 Robert A, Dahl So~e_ a democracia -

Devido às desigualdades nos recursos políticos, alguns cida- Se eCdn~o o cas,lmento da deJllofracia poJiárqllica ~\O,capita­
dãos, significativamente, adquirem mais influência do que Olltros Esmo de m6caclo pode se tornar mais favorável raf(~ J11a~o! ,~len,lo:
nas políticas, lIas decisões e nas ações do governo, Essas violações cratizaçio da poliarquia é uma questão prOfllnd~l1l:llte d~llcl,l pM cl
não são nada incomuns! ConseqüeJltemente, os cidadãos não são a l ual não há respostas simples, e, certamente, nao sei ,lO, curtas,
iguais políticos - longe disso -, e assim a igualdade política entre A Ire'lação entre o sistema político democrático de llm I:(~,I~ e 1~~1I
os cidadãos, fundamento moral da democracia, é seriamente violada. sl . ' econômico
,
'stellla-
-
não-democrático apresentou uma ddICU:(t,"l e
. ' I ' ) '1"\ 1C'IS
formidável e persistente para as metas e as pratlcas (el1:( c " " ,.
por 10 , ' Io 1XX • Essa
'd o o seclI " (
dificuldade seguramente
~
contlllU,\[,\ no
o capitalis1I/O de lIlfl'cado .I(/1'ol'ece grandemente () descIl1'O!1'i- século XXI.
menlo da democracia até () llí1'e1 da de1l/ocracia poliárqlfica. No
entanlo. del'ido às cOllseqiiêllcias adl'ersas para a igualdade polí-
lica. ela é de,~'1àl'oJ'(íl'e! ao descllFO!l'i1l/eJl/o da democracia aléll/
do nÍl'c! da poliarqllia

Pelas razões anteriormente apresentadas, o capitalismo de


mercado é um poderoso solvente de regimes autoritários, Quando
ele transforma uma sociedade de senhores e camponeses em em-
pregadC'res, empregados e trabalhadores: de massas rurais quase
incapazes de sobreviver, e às vezes llem isso, em um país com ha-
bitantes alfabetizados, razoavelmente seguros e urbanizados: ele
monopólio de quase todos os recursos por lima pequena eli!e, oli-
garquia ou classe dominante, em UllJa dispersão bem mais ampla
de recursos; de UI11 sistema em que mui tos podem fazer pouco para
evitar o domínio do governo por poucos em um sistema em que os
mui t os podem eficazmente combinar seus recursos (sem falar de
seus votos) e assim influenciar o governo, de modo a que este atue
a seu favor - quando ajuda a produzir essas mudanças, como Illui-
tas vezes aconteceu e continuará acontecendo em muitos países
com economias em desenvolvimento, ele serve de veículo para
lima transforJ1úlÇão rcvolucionúria da sociedade e da política.
Quando governos autoritúrios em países menos modernizados
decidem criar uma economia de mercado dinâl1lÍc(l, é provável que
estejam semeando sua própria elinlina<,;'lo.
Uma vez que sociedade e polÍlica são transformadas pelo ca-
pitalismo de mercado e as instituições dernocráticas instaladas, o
panorama muda fundamentalmente, Agora as desigualdades nos
recursos que o capitalismo de mercado agita produzem sérias desi-
gualdades políticas entre os cidadãos,

I
Capítulo 15

A viagem inacabada

o que temos pela frcnte? Como vimos, () século XX, que a


muitos contemporâneos às vezes pareceu transformar-se Ilum período
trágico, ao contrário demonstrou ser uma era de incomparável
triunfo para a democracia. Emhora pudéssemos encontrar algum
conforto na crença de que o século XXI será tão bom para a demo-
cracia quanto o século XX, o registro ela história nos diz que a de-
mocracia é rara na experiência da humanidade. Ela está destinada a
ser mais uma vez substituída por sbtemas não-democráticos, talvez
aparecendo em alguma versão do século XXI da tutela pelas elites
burocráticas e políticas? Ou, quem sahe, ela continuaria sua expan-
são global? Oll, em mais Ullla transl'ormação, o que hoje é cbamado
"democracia" poderá adquirir uma amplitude maior. com menor
profundidade - estendendo-se a muitos outros países, ,Hl mesmo
tempo em que suas características enfraquecem?
Penso que o futuro é muito incerto para obtermos respostas
firmes. Depois de completar nossa exploração das questc)es apre-
sen tadas no ClJlít u!o 3, agora esgot a mos as nossas cartas. O 111 li nd(l
conhecido mapeado da experiência deve dar lugar a um futuro ('111
que, lia melhor das hipóteses, os mapas l1~l() são confiúveis - csbo ..
ços feitos por GHtógra[os sem rel<lt(ll'ios confiáveis sohre uma lerr,l
distante. Não obstante, podemos prever, C01Jl grande confiança,
acredito eu, que certos problemas hoje enfrentados pelos países
democráticos permanecerão, e talvez até se tornem mais assustadores.
Neste último capítulo, apresentarei um rápido esboço de mui-
tas dificuldades. Focalizarei principalmente as democracias mais
antigas, em parte para facilitar minha tarefa, mas também porque
201
zoo Sobre a democr_acia

acredito que, mais cedo ou mais tarele (provavelnH:~nte mais cedo), Em compensaçüo,o fato de lima economia em que predomina
os países recenten}ente democratizados oU ainda eni fas_ecle tr,!;j-si- ~ -- - 0- mercatlo exigir que as _empresas econúmicas sejam possuídas e

ção para a democracia enfrentarão problemas como os que estão à controladas em suas formas capitalistas prevalecentes é bem menus
espera elas democracias mais antigas. certo. Os "governos" internos das firmas capitalistrrs caracterist i-
O,le10 o que aconteceu antes, nenhum dos problemas que men- crrmente Ilã~ são democráticos; às vezes süo praticamente despo-
cionarei deve surpreender muito. Não tenho grandes -dúvidas de - tismos administrrrtivos. Além do mais, a propriedade das firmas, os ~
que haverá outros. Lamentavelmente, aqui não posso ter a~esperan­ lucros e outros ganhos resultantes da propriedade süo distribuídos
ça de oferecer so]uçües, o que exigiria outro livro - ou melhor, de maneira muitíssimo desigual. A propriedade desigual e o COIl-
muitos outros livros. Em todo caso, podenws ter a razoável certeza trole de importantes empresas econômicas por sua vez contrihuem
de lima coisa: a natureza e a característica da democracia depende- em grande parte para a desigllaldade nos recursos políticos mencio-
rão grandemente da maneira COIllO os cidadãos e os líderes reso[- nados no Capítulo 14 e, assim, para cOllsiden'íveis violaç;ões da
vam as dificuldades que descreverei a seguir. igualdade no!í!ica entre os cidadãos democráticos.
L~ Apes,;r desses obstúculos. pelo final do século XX as alterna-
tivas históricas ao controle e à propriedade capitalista perderam
Dificuldade 1: a ordem econômica boa parte de seu apoio. Os partido-s trabalhistas, socialistas e social-
democráticos hú muito abandonaram a nacionalização da indúst ria
É improvável que o capitalismo de mercadn seja suplantado como objetivo. Os governos liderados por esses partidos. ou que
nos países democrúticos. Conseqüentemente, a coabitaçüo alltagô- pelo menos os incluem como parceiros ansiosos, rapidamente pri-
nica descrita nos Capítulos 13 e 14 certamente persistirá em uma vatizaram as empresas estatais. A única experiência digna de nota
ou outra forma. de uma economia de mercado socialista. em que empresas "de pro-
Nenhuma alternativa comprovadamente superior a uma eco- priedade social" fUIlcionando nUlll contexto de mercado eram in-
nomia predominantemente de mercado está à vista em qualquer ternamente governadas por representantes dos trabalhadores (pelo
lugar. Em uma mudança sísmica nas perspectivas, pelo finai do menos em princípio), foi extinta quando se desintegraram a lugns-
século XX poucos cidadãos em países democráticos tinham grande lávia e seu governo comunista hegemônico. Para falar a verdade.
confiança na possibilidade de descobrir e introduzir um sistema nos países capitalistas mais antigos, algumas firmas de propriedade
planificado que seria mais favorável à democracia e à igualdade dos empregados não apenas existem. l1l,lS prosperam, Nüo ohstante,
poiítica e, ainda assim, eficaz o bastante na produção d~ bens e os movimentos sindicalistas, os partidos trabalhistas e os jwhalhado-
serviços para ser igualmente aceitável. Nos dois séculos precedcn- res el11 geral não dcfende:~l muito seriamente uma ordem econClllli-
tes, socialistas, planejadores, tecnocratas e muitos outros alimenta- ca em ~\ue predominam firmas possuídas e cOIl(rol<lc!as por seus
ram idéias de (\ue os mercados seriam ampla c permanentemente empregados e trabalhadores.
substituídos pelo que acreditav"m ser processos mais (lrdellac!os. No fundo, é quase certo que a tensão entre os ohjetivos del1lo-
mais bem planejados e mais justos para tomar decis()es econômicas crátic(1s e uma economia capitalista de mercado continue indefini-
sobre a produção, a cotat;'ão de preços e a distribuiçã() de bens e damente. Existirá melhor maneira de preserv<lr as vantagens do
serviços. Essas idéias quase caíram !lO esquecimento. Sejam qU;lis capitalismo de mercado e ao mesmo tempo reduzir seus custos pa ra
forem os seus defeitos, uma economia predominantemente de mer- a igualdade política? As respostas proporcionadas por líderes e ci-
cado parece ser a única opção para os países democráticos no novo dadãos nos países democráticos determinarão em grande parte a
século. natureza e as características de democracia no novo século.
Sobre a demoCi'acia'-
202 Robert A. Dahl

suas vidas e emigram para um país i-in} dotado de ú1aiores oportu-


Dificuldade 2: a internacionalização
nidades. O númer,(J de pessoas que procuram se l.1Htclal' paraasdé- '
mocracias mais antigas aumentou ainda mais !los últinlos anos do -
Já vimos por que é provúvel que a internacionalização venha a
século XX, com uma iiltllldação de refugiados aterrorizados ten-
expandir o domínio das decisões tomadas pelas elites políticas e
tando escapar da 'violênci a, da repressão, do genocídio, da fome, da
burocráticas à custa dos controles democráticos. Como afirmei no
"limpeza étnica" e de outros horrores que tiveram de enfrentar em,
Capítulo 9, de uma perspectiva democrática, a difictddade imposta
pela internacionalização é garantir que os custos para a democracia seus países de origem. , -
As pressões internas somavam-se a essas pressões externas.
sejam totalmente levados em conta quando as decisôes passarem
Empregadores esperavam contratar imigrantes com níveis salariais
ao nível internacional e reforçarem os meios de respoJlsabilizar as
e condições de trabalho CJue já não atraíam mais seus compatriotas.
elites políticas e burocrúticas por suas decisôes. Agora, se e CO/J/O
Imigrantes recentes queriam que os parentes JlO exterior se juntassem
esses meios serão realizados é algo que não está muito claro.
a eles. Cidadãos movidos por seJltimentos bumanitários e simples
justiça não desejavam forçar esses imigrantes a permanecer para
sempre em campos de refugiados ou enfrentar a miséria, o terror e,
Dificuldade 3: a diversidade cultunll
possivelmente, a morte imediata esperando-os em seu país.
Como vimos na Capítulo 12, uma homogeneidade cultural Diante de pressões externas e internas, os países democráticos
moderada foi favorável ao desenvolvimento e à estabilidade da descobriram que suas fronteiras eram mais porosas do que pressu-
democracia em muitos dos países democrúticos mais antigos. Du- punham. Era impossível prevenir a entrada ilegal por lerra ou por
rante as últimas décadas do século XX, dois fatos nesses países mar sem enormes gastos para o policiamento das fronteiras, de
contribuíram para um aumento na diversidade cultural. Ambos, maneira que, à parte os custos, muitos cidadãos consideravam de-
provavelmente, continuarão pelo século XXI adentro. sagradável ou intoleravelmente desumana.
Em primeiro lugar, alguns cidadãos que habitualmente incor- ~ Parece-me improvável que a diversidade cull~mll e a dificul-
riam em discriminação juntaram-se em movimentos de identidade dade que ela impele dimi l1uam nesle novo século. E hem mais pro-
cultural que buscavam proteger seus direitos e interesses. Entre esses vável que essa di\'l:rsiclade aumente.
Se nem sempre 110 passado trataram da diversidade cultural de
movimentos estavam os das pessoas de cor, mulheres, gal'S e lésbi-
maneira coerente em re I a<,;ão às prúticas c aos valores delllocr{lti-
cas, minorias lingüísticas, grupos étnicos vivendo em suas regiCles
cos, os países democrúticos ]loderao fazer melhor no fUÚl1'o? Será
históricas, como os escoceses e os galeses na Grã-Bretanha. os fa-
que realmente farão melhor? Os variados arranjos descritos !lO
lantes do francês no Quebec e outros.
Em segundo lugar, a diversidade cultural nos países democrá- Capítulo 12 e Jl(l Apêndice 13 oferecem possíveis soluções que se
estendem da í1ssimiim;fto. llum extre1llO, à independência. no outro.
ticos mais aníigns foi nwgnificada por um número maior de imi-
grantes, normalmente marcados por diferenças étnicas, lingüísticas. Talvez haja nutras. De qualquer modo, mais uma vez a natureza e a
religiosas e culturais que os distinguiam da populaçao dominante. caracterísiica da dcmocracia dependerão enormemente dos arranjos
Por inúmeras raz()cs, é provável que a imigração, legal ou ilegal. criados pelos paÍSes democrúticos para iratar da diversidade cultu-
contribua indefillÍdamente para um aumento significativo da diver- ral de seu povo.
sidade cultural nas democracias mais antigas. For exemplo, as dife-
renças econômicas estimulam os cidadãos dos países mais pohres a
se mudarcm para os países democráticos ricos, na esperança de
fugir da pobreza. Outros apenas desej am melhorar a qualidade de
-J Robert A. Dahl Sobre a democracia 205

Dificul(iade 4:a educação dxic~," Devido à competição partidária. à influência das organizações
de interesse e às eleições competitivas, os líderes políticos presumem
- Embor:t nas páginas- anteriores eu nãü tenha-dito muito sobre- a que serão responsabilizados por realizar (ou pelo menos tentar) o
educação cívica, ,-ocê lembrará que um critério essencial para () programa de seus partidos e as promessas de campanha. Além do
processo democrático é a compreensão esclarecida: dentro de ra- mais, embora de modo geral se acredite no contrário. nos países
zoáveis limites de temp(\ cada cidadão deve ter oportunidades iguais democráticos mais anJigos eJes normalmente o fazem. 1
e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas pertinentes-e Por fim. importantes dccisôes governamentais normalmente
suas prováveis conseqüências. ocorrem por incremento, n}o por grandes saltos no escuro. Como é
Na prática, COlIlO é que os cidadãos costumam adquirir li edu- dado um passo de cada vez. as mudanças incrementais tendem a
cação cívica? Os países democráticos mais antigos criaram muitas evitar desastres paralisantes. Cidadãos, especialisf;1s e líderes apren-
rolas para a compreensão da política. Para começar, a maioria dos dem com os erros, enxergam as correçües necessárias. modificam a
cidadãos recebe uma quantidade de educação formal suficiente política de ação - e assim por diante. O processo é repetido tantas
para assegurar a alfabetização. Sua compreensflo da política au- vezes quantas forem necessárias. Embora cada passo pareça decepcio-
menta mais com a ampla disponibilidade da informação pertinente. mllltemente pequeno, com (l tempo esse avanço gradual produzirá
que pode ser obtida a baixo custo lia mídia. A compc!ição entre os mudanças profundas, até reF01l1cionál'ias. Contudo, as mudanças
que desejam postos políticos acrescenta-se a este sortimento, pois ocorrem pacificamente e adquirem um apoio público tão vasto, que
os partidos e os candidatos ansiosamente oferecem informação aos tendem a durar.
eleitores (às vezes, entremeada com a des-infof'lnaç(/o!) sobre sua Para alguns observadores, essa maneira incrementaI de tratar
história e suas intençües. Graças aos partidos políticos e às nrgani- da questão nas coxas parece totalmente irracional. mas num exame
zaçúes de interesse. a quantidade de informação que os cidadãos mais atento parece uma forma bastante racional de realizar impor-
2
precisom para estar bem informados, envolvidos ativamente na tantes mudanças em um mundo de grande incerteza. As decisões
política e politicamente eficazes na verdade é diminuída para che- mais desastrosas no século XX foram as tomadas por líderes aulo-
gar a níveis mais acessíveis. Um partido político normalmente tem
lima história que os eleitores conhecem em linhas gerais, Ullla dire- 1 Esta é essencialmcnte a descoberta de diversos estudos cuidadosos. Compare ()
ção atual que, em geral, é a extellsão de sell pass<ldo e um futuro estudo de 13 pilíses democráticos feito por Hans-Dieter Klingcl1lan. Richard l.
hastante previsível. Assim, os eleitores têm menos necessidade de HofferberL hin Buclge cl U/ .. Parfies. Policies (llld lJclI/()cT"(/cr. Bl1ulcler.
entender cada- uma das questôes públicas importantes - em vez Westview. 1994. Um estudo de 38 gllVernos em 12 países democráticos tam-
bém encontrou enorme congruência entre as idéiils cios cidadãos e as dos que
disso, simplesmente votalll em candidatos do partido que escolhe-
tomavam as decisões. embora essa congruência fosse mais elevada em países
ram confiando em que. se eleitos. esses representantes adotarão com sistemas eleitorais de representrrçiío proporcional do que em p;IÍses com
políticas de acó~d() com seus interesses. sistemas FPTP: 101m D. Huber e G. Binghalll Powell Jr., "Congruence Between
Muitos cidadãos também pertellcem a associaçües organizadas Citizens anti Policy Makers in Two Visions oI" Liberal Delllocracy"', World /'0-
filies 46, 3. abril cle 1994_ p. 29 SS.
para proteger e promover seus interesses específicos: grupos de
Charies E. Lindblom mostrou a racionalidade do "pensamento obscuro" por
interesse, organizaçôes lobist(ls, grupos de press;lO. Os recursos. as
métodos incrementais em artigo original. "The Science of Muudling Thrnllgll".
habilidades políticas e o conhecimento especializado disponível PlIhlic Adlllillisfraliol/ Rel"iell' 19, 1959. p. 7R-88. Veja também Lindhlolll.
nesses grupos cle interesse organizados proporcionam aos cidadãos "Still Mucldling, Not Yet Through", DC'llIocra(l' m/(I Ma/"kc{ .'11'.1'1('111. OSkl.
um tipo especial e, em geraL muitíssimo eficaz de representação na NOllwgian University Press, 1988. p. 237-262. Lindblolll tamhém usou a ex-
vida política. pressão iJ/c/"l.'llIl.'lIla!isll/o dI.'SilrliclI/ado. sobre o que muito escreveu. Veja seu
1711.' Jlllelfigellcl.' ()lDl.'ll/ocracr: Dccisioll Makil/g Through Mullla! AdjusllllCITI.
Nova York, Free Press, 1965.

I
206 Robeít A. Dahl Sobre ª democracia 207

ritários livres das restrições dcmocráticas. Enquanto as democracias sc \Jessoa pode ser espe~:ialista em todas essas questões - enlll1ais
dealg~l1llaS,-)Ül verdade. 1)or fim, as opiniôes sobre polítjcas não
viravam de alguma forma, líderes despóticos encerra.dos em uma
visão de mundo estreita adotavam políticas de autodestruição. estã() apenas reple'tas de incerteza, mas em geral exiui,lI'n difícéis
Assim, com todas as suas imperfei\'ões, essa solução conven-
julgamentos sobre as negocia\'ões. ~ b

cionai para atingir um bom nível de competência cívica tem muito


a ser dito a seu favor:' No entanto, receio que ela não continuará
COÚII 1l1icaç'()cS
satisfatória no futuro. Três fatos inter-relacionados me parecem ter
a probabilidade de tornar muito insuficiente a solução convencional.
Durante o século XX, o quadro de referências social e técnico
da cOllll1nicaçüo humana passou por extraordillárias mudancas nos
países avançados: telefonc, rádio: telcvisão, fax. televisão i;lterati-
Jifl/danç'as /1(( escala
va, Internet, pesquisas de opinião quase simultfll1eas aos evcntos,
Devido à maior internacionalização, ações que afetam de grupos temáticos e assim por diante. Devido aos custos relativa-
modo considerável a vida dos cidadãos abrangem áreas cada vez mente baixos da comunicação e da informação, a quantidade bruta
mais amplas e números cada vez maiores de pe~soas dentro de scus de informação disponível sobre questões políticas em todos os ní-
limites. veis de complexidade aumentou il11ensal11el1te.~ NilO obstante, essa
disponibilidade maior da informação talvez não leve a uma C01l1-
petência maior ou maior compreensão - a escala, a complexidade e
Complexidade a maior quantidade de informaçào impõem exigências sempre mais
pesadas às capacidades dos cidadàos.
Embora o nível médio da educação formal tenha subido em Por essa razüo, uma das necessidades imperativas dos países
todos os países democráticos (e provavelmente continuarú a suhir), democráticos é melhorar a capacidade do cidadão de se envolver
a dificuldade para cntender os negócios públicos também aumen- de modo inteligente lia vida política. NilO pretendo sugerir que as
tou c pode tcr superado as conquistas de níveis superiores de edu- instituições para a eclucaçüo cívica criadas llOS séculos X IX G XX
caçüo. Durante os últill10s cinqüenta e tantos anos, () número de devam scr abandonadas, mas acredito que llOS próximos anos essas
questões diferentes que interessam aos políticos, ao governo e ao velhas instituiçôes precisarüo ser melhoradas pelos novos J1leios da
Estado aumentou em todos os países dCll1ocrúticos. Nenhul11<1 edtlcaé,ão cívica, da participação política, da illf'orma<,'ão c da lleli-
heração que usam criativamente a série de técnicas e lecllo1ouias
disponível !lO século XX. Mal começamos a pensar a sério a 'res-
Por exemplo, !3eniamin I. Page chega a UIl1 veredito fal'nrável sohre os eleitores peito dessas possibilidades, mellos ainda a testá-las em cxperi-
norte-alllcric<uHls em ("lIO;ce.\' m/(I I:cho('s ;1/ I'rcs;dnll;a! E!cc/;ons.· flaliol/a!
l11<.'ntos de pequena escala ...
Man and Elecloml /)ClI/ilCme.l", Chicago, University of Chicago Prcss. I t)78.
N~o obstante. Michael X. Delli Carpilli c Scolt Keeler conciliem que "uma d;\s
Serú que os países democráticos - IIOVOS. antigos ou cln trall-
descobertas mais importantes - c mais perturbadoras - de nOSSi\ pesq\lisa SilO i\S si<;iío - cOllseguirão corresponder a essas dificuldades c ;\ outras
grandes lacunas de conhecimentos encontradas entre os r.rupos em des\'antaQem que certamente terão de cnfrentar? Se falharem, a lacuna entre
socioeconômica e os milis privilegiados". Wlwl AlIIerin;ls /(llI!11' Aholll l'olflics
(ll7d Why fi Mallers. Neli' Havcn c Londres. Yale Unilnsity Press. !989. p. 287.
Jallles Fishkin, The l'o;('c of lhe l'<.'o!,!c. I'lIhlic ()p;n;on muI DelllocmCl·. NeIV
Em J930. um telefonema c1e três minutos de Nova York para Londres custava
Haven e Londres. Yale University Press, 199.\ faz uma crítica mais sel't'r,1.
com recomendações para a introdução de no\'as instituiçôes para ajudar na su- cerca de trezentos c1(llares (pelo dólar de 1996): em 1996. cllstava mais ou me-
peração das deficiências de compreensão. nos UIll dóiar, Ecollo!llisl, IR de outubro de 1997. p. 79.
208 Robert A.Dahl

ideais e realidades democráticas, já grande, aumentará bem mais. e


a era de triul1.fn demoúáticoserá seguida por uma era. de decadên-
cia e queda da democracia.
Por todo o século XX, os países democráticos jamais faltaram
para os críticos, que anunciavam confiantes que a democracia esta- Apêndice A
va em crise, em sério perigo ou mesmo condenada. Muito bem,
provavelmente algumas vezes correu um sério perigo· - mas não
esteve condenada. Acontece que os pessimistas estavam prontos Os sistemas eleitorais
para renunciar à democracia. Destruindo suas funestas previsões, a
experiência revelou que, uma vez firmemente estabelecidas num
país, as instituições democrúticas se mostrariam notavelmente vi-
gorosas e exuberantes. As democracias revelaram lima inesperada
capacidade para tratar dos problemas que tiveram de enfrentar - Se você deseja aprender mais sobre os sistemas eleitorais, U111
sem muita elegância e sem grande perfeição, mas de modo sat is- bom lugar para começar é Tlle [nfernaf;ollal lDEA [!alldhook of
fatório. Elecfoml S)'síelll Design. editado por Andrew Reynolds e Ben
Se as democracias mais antigas enfrentam e superam suas difi- Reiliy (Estocolmo, lnternational Institute for De11locracy and
culdades no século XX, elas poderiam afinal se tíélI1sformar em Electoral Assistance, 1997).
democracias verdadeiramente avançadas. O sucesso das democra- Ele divide o "mundo dos sistemas eleitorais" em três grandes
cias avançadas proporcionaria então um farol para todos os que famílias: os sistemas pJuralistas de maioria, os sistemas c1e repre-
acreditam na democracia pelo mundo afora. sentação proporcional e os sistemas de represcntaçfto semi propor-
cional. O sistema Firsf-Posf-fhe-Posf - FPTP, comparado ao sistema
de Representação Proporcional no Capítulo 1], é apenas um dos
quatro tipos dos sistemas pluralistas de maioria. Entre os outros
estão o sistema de voto alternativo, o V A (também conhecido
como sistema de vofo !Jl'e(erenôa!) , e o sistema de eleições em
dois turnos usado na frança.
Embora o sistema de voto alternativo seja usado somente na
Austrália (e Iluma forma alterada no estado de Nauru. uma ilha do
Pacífico), algulis cientistas políticos o apóiam vigorosamellte. Nes-
se sistema, os candidatos podem ser escolhidos a partir de distritos
com um único membro, como acontece no FPTP. Contudo. ao
contrário do FPTP, os eleitores classificam os c<1ndi(b1tos: um
como primeira opção, dois como segunda, três como terceira, e
assim por diante. Se nenhum candidato ohtém a maioria dos votos.
o candidato com o total mais baixo é eliminado e as segundas
opções dos eleitores são contadas. Isso continua até que um candi-
dato obtenha 50% dos votos. O sistema de dois turnos dos france-
ses visa a resultado semelhante. Ambos evitam o defeito potencial
Sobre a democracia 211
210 _. '~oDertA Dáhl -

do FPTP: se mais de .dois caI1didatüs~displltal1l um posto, .(:~ste.JJ()­ • Mantel1ha a simplicidade.


der~ ser conquistado por uin candidaro qlle·a l1l,fíõria~dos e1eitores- • NãoJenha me(!o de inovar.
rejeitaria, se lhes fosse dada a ópção. Na verdade, f) sistema de • Erre a favor da inclusão.
voto altelllativo proporciona eSsa oportunidade. Estabeleça a legitimidade e a aceitação entre lodos os atores
Os sistemas de representação proporcional caem em três grupos. essencIaIs.
O mais comum, de longe, é o sistema de. lista, em que os eleitores • Procure maximizar a influência do eleitor.
escolhem os candidatos de Ullla lista fornedda pelos partidos polí- Equilibre isto em relação ao estímulo a partidos políticos coe-
ticos: o número de candidatos eleitos está estritamente relacionado rentes.
com a proporção de votos lançados para o partido do candidato. No
sistema misto proporcional de participantes usado na Alemanha. na A existência de um número razoavelmente grande de opçC1es
Itália e ultimamente tamhém na Nova ZelâJldia. alguns candidatos de sistemas eleitorais nos aponta três observações. Em primeiro
(por exemplo, a metade) são escollJidos de uma lista nacional de lugar, se um país democrático possui um sistema eleiloral que 11;\0
representação proporcional e os outros de distritos com Ul1l só se7-ve muito bem às suas necessidades, deve substitUÍ-lo. Em se-
membro. Assim. argumentam seus defensores, () sistema de lista gundo lugar. o sistema eleiioral de UI11 país pode ser talhado de
fornece parte da proporcionalidade do sistema de represeniaçüo ;curdo C71111 seus aspectos particulares: históricos, tradicionais,
proporcional, mas, como o FPTP, tem maior probabilidade de pro- culturais, e assim por diante. Em terceiro lugar, antes de adotar um
duzir uma maioria parlamentar do que um sistema puro de repre- novo sistema eleitoral (ou decidir manter o existente). as possíveis
sentação proporcional. alternativas devcm ser cuidadosamente investigadas com a ajuda
Um sistema de representação proporcional muitas vezes de- de competentes especialistas em sistemas eleitorais.
fendido pelos cientistas políticos mas raramente utilizado (a exce-
ção é a Irlanda, onde é empregado desde 1921) é o sistema de voto
único transferível, VUT. Como acontece 110 sistema de voto aller-
nativo descrito anteriormente, os eleitores classificam os candida-
tos - mas, ao contrário do sistema V A. o V U r é empregado em
disíi'i!os COIl/ llllli!os porfiei/H/II!es. Seguindo um método de contagem
de votos muito complexo para ser aqui desyrito. o VUT assegura
que nos distritos com l1luitos memhros os postos serão conquista-
dos pelos C<lJ1didatos de classifica(lll mais ele\'ada, produzindo
uma distribuição bastanie proporcional dos assentos entre uS parti-
dos políticos. 'Embora os eleitores na Irlanda pareçam muito satis-
feitos com o VUT, é bem prov,íve! que sua complexidade tcuha
desestimulado seu uso em outros cantllS.
O manual descreve nove sistemas e SlI<lS c(\!1seqüêl1ci;\s. Além
do ma is, ele também proporciona um judicioso" Aconselhamento
para quem planeja um sistema eleitoral". Seguidas de curta expli-
cação, estas são algumas de suas recomelldações:
Apêndice B

A acoynodação política nos países


étnica ou culturaln1ente divididos

Os arranjos criados em países democráticos para asseg\lrar UIll


grau satisfatório de acomodação política entre diferentes subcuItu-
ras caem mais ou menos em dois tipos - "democracia de associa-
ção" e arranjos eleitorais.
As democracias consociacionais resultam na formação de
gra/ldiosas coalisiJes c1e líderes políticos defJo;s de eleições soh
sistemas de representação proporcional que assegurem a cada sub-
cultura uma parcela de assentos no ,Legislativo mais ou menos pro-
porcional ao relativo tamanho de seu voto. A principal autoridade
nessa questão é Areml Lijphart, que 1I0S dá uma boa visão pano-
râmica em seu DClIlocraCl' ;/1 PllIral ,<.,'ocicties: A CO/lljlil!'O(Íl'C
E,p!owt;OJl (Ne\v J laven c Londres, Ya!e Ul1ivcrsity Press, J 977,
Capo 3, p. 53-103).
Existiram sistemas de democracia cOllsociacional na Suíl,'a, !la
Bélgica, na Holanda de mais ou menos 1917 aos allOS IlJ70 c lia
Áustria, de IlJ4S a 1966. Os tipos cle Subclllturas e os arranjos polí-
ticos para a ()bkllÇ~O do consenso eram ditúenles C111 cada país. Os
SlIíços diferem elltle si na língua materna (alemão, francês, itali;lIW
e rOl11ilnche), na religião (protestante, catôlica) e 110 cantão. As di-
ferenças em língua c religião até certo ponto se entrelaçam: algulls
alemães são protestantes e alguns católicos, ao passo que alguns
franceses são católicos e outros protestantes. E<;se entrelaçamento
das diferenças ateIluou os conflitos de língua e religi~lo, que prati-
camente não existem na Suíça moderna. Os cantões menores são
21'1- - Robert A. Dahl Sobre a democracia 215

c<ira<:terisficamentebastante homogêneos em relação à língua e à para sociedades divididas tem sido_contestada com essas fuml,l-
religião,_tilll resultado-da históriJt e do planejantento. Os arranjos mentações: (1) em muitos países culturalmente divididos, as condi-
políticos consensuais do p"Ís estão recomendados pela Constitui- ções favoráveis (e talvez necessárias) são frágeis demais ou não
ção da Confederação Suíça, mas têm grande apoio nas atitudes e lia existem; (2) os arranjos cOIlsociaciollais reduzem imensamente o
cultura política do povo suíço. importante papel da opm;;çtío no governo democrático (para esta críti-
Os belgas diferem em língua (francês e flamengo), religião ca, ve.i~l "Soulh Africa's Negotiated TraJ)sition: Democracy, Opposition,
- (protestantes, agnósticos, católicos) e região. DU<ls províncias são and the New Constituiional Order". de Courtney Young e Ian Shapiro,
bastante homogêneas. Uma, vizinha da França, é predominanle- Dell1ocl'Ocy~,· Place, Sbapiro, ed. [lthaca, ComeIl University Press,
mente de fala francesa e protestante ou agnóstica: a outra, vizinha 1996], p. 175-219); e (3) alguns críticos preocupam-se com a pos-
da Holanda, é flamenga e católica; no centro, Bruxelas é mista. sibilidade de vetos mútuos e com a necessidade de consenso que
O sistema político consensual consiste de gabinetes 111llltipartidários levassem a exagerado impasse. PUí exemplo, em diversos meses. a
e governos de coalisão que normalmente incluem representantes do Holanda era obrigada a criar um gabinete ll1ultipartidário aceitável
segmento protestante francófono e do segmento católico e flamengo. para todos os "pilares". Uma vez aprovada a coalizão do gabinete,
Durante Illuitas gerações, os holandeses estiveram seriamente o impasse urlO chegava a ser um problema.
divididos em quatro "pilares" distintos: católico, protestante, sucia- AlgulIs cientistas políticos argumentam que uma alternativa
lista e liberal. Essas diferenças interpenetravam praticamente todos possível seria a elaboração de arranjos eleitorais que proporcionas-
os relacionamentos e atividades, da política ao casamento. vizi- sem bons incentivos para os líderes políticos formarem coalisóes
nhança, clubes, sindicatos, jornais e outros. Um conflito sobre a eleitorais antes e duranle as eleições parlamentares ou presidenciais
educação religiosa que irrompia em escolas apoiadas pelo Estado, (veja, por exemplo, DOIlald L. H()f()\vitz, Dlll1ic GrolfjJS i11 ('rlulliel
em que representantes dos dois pilares religiosos eram lançados IBerkeley, University 01' California Press, 19R5j e A DOlloc/'a/ic
contra os defensores dos dois grupos leigos, mostrava-se tã() amea- SOIl! h Afi'ic({! C011st;1 li! iOllul Ellgilleerillg in ({ D il 'idt'd Soe iell'
çador para a estabilidade da democracia holandesa que depois de [13erkeley, University oI" CaliforIlia Press. 1991 D. Ainda sc desco-
1917 foi criado um sistema "collsociacional" em que todos os qua- nhece a melhor maneira de chegar a isto. É evidente que o fPTP é
tro grupos eS(;lV;lI11 representados no gabinete e as decisões exigi<illl () () menos desejável dos sistem;\s, porque poderia permitir a um g.rupo
consentimento de todos os quatro. (Veja Areml LijphillL 7l1L' j'o!i/ics adquirir uma esmagadora m,iioria cle assentos. tornando desneces-
oI" Accol/loda/ioll: j'illm!islI/ Ollc! Dell/OC1'(f(1' in lhe Nerher/i1lld\ sárias a negocia<;flo, as soluç(les conciliatórias e as coal iz(\es. AIg.u ns
[BerkeIcy, University oI" CalirorJlia Press, 19G~1.) A soluçüo dos observadores encontram méritos no sistema do voto alternativo
holandeses para o conflito relat ivo às escolas i'(li providenciar () descrito no Apêndice A. As c,rigJllcia'\" de di.l'!rill/liçi1o poderiam
apoio do Es\(\du para as escolas separadas de cada UI11 dos quatro obrigar os clIldida!os à presidência a obter uma porcentagcm mí-
"pii;1res". Quando a intensidade das diferenças rcJigios<ls diminlliu nima de votos de mais de lima das principais subCUltur;lS ou grupos
nos anos 1970. tamhém diminuiu a necessidade de co<l1isões par,1 étnicos. (Nflo obstante, no Quênia, apesar da exigência de quc
um governo dos quatro partidos. Entretanto, o sistema 111l1ltiparti-
dúrio e a representa(Jlo proporcional garantiram que os governos para Sér eleito presidente o candidato deve receb<êr pelo menos
I
na Holanda continuassem a ser coalisoes de diversos partidos. 25% dtls votos em pelo menos cinco das oito pro\'Íl1cias .... em
1992. uma oposição dividida permitiu a Daniel Arap 1\ !oi tOll1ar-se
Sem dúvida, democracias cOlJsociacionais bem-sucedidas süo
presidente com apenas 3Sv,; da votação [7he Inlemufiollol Ij)EA
raras porque as condiçúes que ajudam a torná-Ias viáveis são raras Halldhook o( Elecforal ,<":rsfe/ll fJi'sign. editado por Andrc\V
(em Democmcp in NlIml i)'ocie/ies, Lipjhart descreve nove dessas Re)'nolds e Ben Reiily - Estocolmo. Instituto Internacional para
condições favoráveis). A conveniência da solução consociacional a Democracia e Assistência Eleitoral. 1997. p. U)9(l].)
- j
.. --f"-
Robert A. Dahl
216
i
- Ou então os principais postos poderiam ser distribuídos entre
os principais grupos étnicos segundo uma fórmula fixa com a qual
todos concordaram. Entretanto, nenhum desses garante um fim
permanente a conflitos culturais divisivos. Sob a tensão do conflito Apêndice C
étnico, todos os arranjos criativos que levaram a estabilidade por
algum tempo ao Líbano, à Nigéria c ao Sri Lallka irromperam em
guerra civil ou governo autoritário.
Há uma conclusão aparentemente inevitável: não existe ne- A contagem dos países denl0cráticos
nhuma solução gemI para os problemas dos países culturalmente
divididos. Qualquer solução deverá ser feita sob medida em relação
à configura~'ão apresentada por cada país,

Quantos países democrúticos existem? Em que ponto de uma


escala entre "democracia" e "autocracia" entraria lima determinada
nação - como a do leitor, por exemplo?
Imagino eu que alguns leitores deste livro sintam muita neces-
sidade de obter uma contagem precisa, bem funuamcntaclcl e atuali-
zada do número de países democráticos, e que outros desejarão
encontrar uma resposta para a segunda pergunta. Para encont rar
esta resposta, é preciso responder antes à primeira.
Não é nada fácil. Uma coisa é dizer que um país democrático
deve possuir todas as instituições da poliarquia descritas no Capí-
tulo 8, mas outra bem diferente é julgar se elas realmente existcm
llum determinado país, Concluir que um país é dCJlJocrútico. no
sentido de possuir as instituiçôes políticas da democracia poliúr-
quica, ~xige pelo menos dois critérios: que as instituic;ões r('ol-
lIlo/fe exÊsfam 110 país e que existam em ou acima de algum lill/ife
OI! linha, abaixo da qual diríamos que () país não é dem:lCrático.
Um vasto estoque de inhrmação sobre os países do Illundo provi-
denciado por observadores independentes ajuda imensamente ;\
chegar-se ao primeiro critério, O segundo é mais compl icaclo e um
tanto arbitrário, Uma solução é presumir que a linha está ll1ais ou
menos 110 nível existente nos países t"uropeus e nos de língua ingle-
sa - as democracias mais antigas. Implícita ou explicitamente, essa
é a solução comum, Julgamos que um país é "t!emocrútico" apellas
se as grandes illstituiçôes políticas democráticas existem ali num
nível relativo.
218 Robert A. Dahl Sobre a demoo-acia- ... 21-9

Nos últimos anos, muitos estudiosos e muitas organizações tle com a classificação 1, mais livre, em direitos políticos, e 1. 2 ou]
pesquisa tentaram chegúr a opiniües bastante bem fundamentadas em liberdades civis, descobri que 56 países correspondiam aos dois
em relação a países que correspondcl1J satisfatoriamente ou não aos critérios e todos, penso eu, cabiam muito l~eJll em outros critérios
critérios democráticos. Para isso. eles usaram Illuitas vezes critérios sobre as ilJstitui\;~ôes democráticas nesses países. Contudo, nem a
semelhantes mas não idênticos. Felizmente, os resultados tendem a Índia. nem o Brasil nem a Rússia atingiram esses níveis: a freedol11
concordar, ainda que a linha exata cntre "demo.cracia" e "não· HOllS~ classifica aÍndia como 2 em tlireitos políticos e 4 em liber-
democracia" seja um tantinho arbitrária. dades civis; a Rússia, ::\ em direitos políticos e 4 em liberdades civis.
Mencionarei três esforços desse tipo à guisa de ilustração. Se tivéssemos de incluí-los, o total chegaria a :"8 países.
Uma tabela em meu livro DClI/ocrac\" al/d lfs Crifics (New Haven e Outra fonte é uma análise feita pela Universidade do CO!(1rado
Londres, Yale Ulljv~rsity Press, 1(89) mostra o aumento !lO núme· em 1994 de 157 países, que a Polit)' III mantém no seguinte sife da
ro de democracias poliárquicas de 1850 a 197<); usei essa tabela Inte met: lill12)lis_ere.colorado.eclu/pub/dat ille tlpo1 i l vJ
para a Figura 1 (pág. 18). Uma mitra tabela desse mesmo livro Os 157 países reCebel11Ulllé! pontuação Iluma escala de 10 para
(Tabela 17.3, na p. 241) classifica j 68 países, circ(f 198 I-1985. em a democracia (O = baixa. 10 = alta) c em outra. também ele lO. para
sete categorias, indo de poJiarquias plellas, em que existem quatro a autocracia (O = baixa, lO = alta). Desses. 65 países rcceher,llll
das principais instituiçües políticas democráticas, a regil1les auto- uma pontuação de O para autocracia e j1011iuaçücs de 8.9 ou 10
ritários extremos, em que não existe nenhuma. Essas duas tabelas para democracia. Esse é o total mosírado p~lra 1995 na Figura 1.
basearam-se no trabalho de Michael Coppedge e Wo!fgang Reillicke. Embora fosse razoável que chamássemos de "demClcníticos" todos
que usaram a melhor informação disponível para julgar () lIível re- esses países, ainda poderíamos .i ulgú-Ios "democrúticos" em varia-
lativo em cada país para cada lima das quatro institlli<.;(les demo- dos graus. por aS~'ii1l1 dizer. Então seria possível classificarmos os
cráticas básicas: eleições livres e justas, liberdade de expressão. 3.') países com lO na escala democracia como os "mais democráti-
fontes alternativas e independentes de informação e autonomia cos". os sete com <) pontos como "razoavelmente democrúticns" e
associativa. Eles explicam seu método em "Measuring Polyarchy'·. os 23 com X pontos como "levemente democráticus·' .
.')'flldíes ill COlllporafÍl'c [lIfanofiolla! Del'c!Ojlll/cflf 25, 1 (Primave- Contudo, a Polity 1lI omite a maioria dos microestados, países
ra de 1(90), p. 51-72, que envolve lima enorme quantidade de pes- COIllO a república de San Marino (com 24 mil habitantes) ou as
quisa cuidadosa e não foi repetido. (Contudo. Coppedge descreve pequenas ilhas do Caribe e do Pacífico, c'mo !3<lrbados (56 mil
rapidamente a escala e empreg,] produtivamente as velhas cJassifi- habitantes) ou a fvíicronésia (123 mil habitantes). N;lO obstante, na
ca\;~ôes de "Modernizatioll and Thresholds ot" Democracy: Evidence escnla da Freedol11 I-jouse, San Marino. Barbados c a t"JiclOnésia
for a Cnlll1l101l Path", ]/1 cqlIa!itl". DClI/oCl"ocr. and Ecollo/llic estfto no topo em direitos políticos e liberdades civis, merecendo
Del'c!opIIICllf, .. editado por MallllS I. Midlarsky [Cambridge, estar entre os países "mais clelllocrúticos".
Cambridge U"niversit y Press, J 977]. p. 177-20 I.) Resumindo: embora pare<.;a não existir uma contagem com-
Uma fonte útil diferente, prontamente disponível e atualizada. é a pleta, confiável e atualizada de todos os paíse,~ democráticos 110
publicação anual da organização não-partidária Frceuolll f{lHlse, mundo, as duas fontes permitem estimativas bast;1I1lc boas. O mais
Freedolll ill lhe TVorld: 77le A1111 1101 ,'ÚIITCV o( Polífica! Rig"fs (///(! ('iri! importante para os leitores deste livro talvez seja () fato de que
Libertics, 1996-1997. Se tiver acesso à Internet. você encontrará a lista essas duas fontes permitirão ver como especialist'ls independentes
de países em: bJJj2.:/L\'{~vw.fredoll1hollse.org/J)olitiqlLl[lIlblelJl1!l1. classificam um determinado país com medidas diretamcnte perti-
A Freedom I Iouse classifica os países em duas escalas, cada uma de- nentes para a democracia.
las indo de mais livre (I) a menos livre (7), uma para os direitos
civis e outra para as liberdades civis. Quando contei todos os países
Referências bibliográficas

É imenso o número de livros e artigos que tratam direta ou


indiretamente do assunto democracia. Eles datam desde o século
IV a.c., com obras de Aristóteles e Platão. e não menos de uma
centena de obras publicadas 110 ano passado. Evidentemente, a lista
apresentada a seguir está incompleta, a seleção ta!Vfz seja UIll tanto
arbitrária. Em todo caso, se você quiser investigar um tópico Imis
profundamente do que permite meu breve tra lamento ou se desejar
explorar a democracia a partir de outro ponto de vista, essa lista
poderá ajudar. Jú citeialgull1as ohras nas 110tas.

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Índice

Assembléias de cidadãos: Dinamarca, IslflI1dia, Noruega, Suécia, 28


Assembléias populares. Ve;a Representaçfto. governo representativo
Associações, necessidade, 111
Atenas: adoção do governo democrático, 21; democracia em. ] 3:
governo de, 22: Péricles sobre, SI
Autodeterminação: vantagem democrática, 66-67
Capitalismo de mercado: associado à democracia. 184-186; efeitos
prej udiciais à democracia, 191-195
Carta de direitos: nas constituições dos países democráticos, 136
Cidadania, inclusive. Veja Sufrágio universal
Competência dos cidadãos. Ve;a Igualdade política
Condições favoráveis e desfavoráveis para a democracia. rl?ja
Democracia, condições para.
Condições para a democracia. Veja fambé/ll Conflitos culturais; Ca-
pital ismo de mercado
Conflitos culturais: Apêndice B. 213; democracia cle associação. l70:
problema para as democracias, 166: sepa ração. 172: sistemas
eleitorais, 171; soluções para a assimilaçãu, 167-170
Consolidação das instituições democráticas, 12
Constituições: importftncia das diferenças nas. 141-144; (lp<.;ües
" básicas, 154-156; orientaçôes sobre as, 156-158; variedades
nos países democráticos, 135-141
Critérios para um processo democrático, 49
Democracia, condiçôes para: conflitos culturais, 166-173; controle dos
militares e da polícia, 165-] 66: convicções democráticas e cultm;L
173; desenvolvimento econômico e economia de mercado, 175~
efeitos adversos da intervenção estrangeira, 163- J64
228 Sobre a democracia
Robert~. Danl

- Inglaterra: crescimento do Parlamento, 31-35; eleitorado de 183 t--


Democracia: critérios, 49-52; definição de, 48-49; origens da 17-1S' -
nrigem da palavra, 21; principais elementos da, Fig. 3, 4(); razf)~~ 1931, Fig. 2, 34
Instituições democráticas: aprofundamento !las velhas democracias, 12;
para sua disseminação, 180-181: república, 26; transição para a.
12; vantagens, 58-74 origens !lO norte da Europa, 27-31
Democracia, dificuldades da: a diversidade cultural, 202-203: a Interesses pessoais: proteção da dcmocracia, 65-66
informação e a compreensão dos c!dadãos, 204-208; a interna- Islândia: origens democráticas, 30-3 L
cionalização, 202; a ordem econômica. 2ÓO-20 1 Itália: governo popular nas cidades-estado, 25
J ulgamelltos éticos: diferentes das opiniões científicas, 86-88
Democracia em grande escala: instituiçõ;s políticas necessárias ü,
Legislativo unicameral versus bicameral nos países democráticos,
97-113; necessidade de representantes eleitos, 106-109; origens
e desenvolvimento, lOO-lO I; resumo da, Fig. 6, 99 137-138
Democracia participante. Veja Representação, governo representati\"o Liberdade de cxpressão: necessidade de, 110-111
Lijphart, Arend: sobre a democracia de associação, 213-214
Desenvolvimento humano: vantagem democrática, 68-71
Madison, James: definição de república e de democracia, 26
Direitos sociais e econômicos nas cOllstituiçôes dos países dei11ocrú-
Mili. James: sobre o "sistema de representação", 119-120
ticos, 136-137
MilL John Stuart: necessidade do governo representativo, 108-109:
Direitos: vantagem democrática, 61 -64
Divisões culturais, soluções para: Bélgica, 213-214; Holanda, 213- sufrágio, 91
214; Suíça, 213-214 Montesquieu, 31; sobre a representação, 119
Organizações internacionais: aspectos não-democráticos das, 128-
Eleições. Veja Representação, governo representativo
Escala da democracia. Veja Tamanho do sistema político 132
Estado: definição, 52-53 Países democráticos: Apêndice C, 217; número de, 18
Europa: origens das instituições democráticas na, 27-31 Participaçflo: critério democrático, 49: custos da, Tabela L 122-124
Partidos políticos: bipartidarisl110 rerslIs sistemas lllultipartidários,
Flandres: início do desenvolvimento democrático, 30-31
1.')3-154; em países democráticos, ] 47 -J 54: origens dos, 100-1 ().')
Florença: como repúhlica, 25
Governo parlamentarista: origens do, 139-141 Paz. busca da: entre as democracias, 70-7 J
Governo presidencialista: origens, 139; 1"(?rSIIS sistemas parlamen- Poder: tendência a corromper, 87-91
Poliarquia, democracia poliúrquica: critérios para a democracia,
taristas em países democráticos, 139
Fig. 7, 106; definição, 104; escala. 116-117
Grécia: composta de cidades-estalkl, 21
Prosperidade: característica dos países democráticos modernos, 71-74
Holanda: início do dcsenvulvimellto democrático, 30-31
Igualdade: lógica da, 20: restricf\o à, 34-35; voto em igualdade como Referendos em países de!l1()crúticos, 139
exigênci:l' democrática, 49; Creia fillllhélll Igualdad~ política) Regimes antidcmocráticos, queda, 1 I
Representação, governo representativo: cOl11paraçfto com os gregos
Igualdade política, justificativa para: competência dos cidadãos. tN-
ou democracia de assembléia, 117 -12(); funcionários eleitos
91; igualdade intrínseca, 77-81; inclusão de adultos como critério
como exigência democrática, 99; Jean-Jaéques ROllsseau sobre,
democrático, 90-92
Inclusão de adultos: critério democrático, 49-50. Veia lamhélll Igual- 118; limites da democracia de assembléias populares, J25-127:
necessidade de eleições livres, justas e freqüentes, 109-1] O;
dade política
origens não-democráticas, 100-105; os antifec.lcralistas sobre, 118-
Índia: explicações para a democracia, 176-180
Informação: necessidade de fontes alternativas de, 111-112 119
Responsabilidade moral: vantagem democrática, 68
230 Robert A. DahL

Revi são jurídica nos países democráticos, ] 37 -138


Roma: democracia em, 13; governo, 24-25; repúbIlca, 23
Rousseau, J ean-J aeques: sobre a representação, 118
Rússia, J 1
Sistemas eleitorais: Apêndice A, 209; como soluçào para conflitos
culturais, 171; variações nos, 147-158
Sistemas federais V('Í"SIIS unitários em países democráticos, 136-137
Sociedades de caça e coleta: democracia nas, 19-20
Sufrágio universal: exclusões do, 103-104; exigência democrática, 13,
92, 111-112. Veia também Igualdade política, justificativa para
S li Íça: origens democráticas, 28-31
Tamanho do sistema político: conseqüências para as instituições
democráticas, 104-105; lei do tempo e dos números, 124-125:
um dilema democrático, 124-125: variações na democracia depen-
dendo do tamanho, 115-11 8
Tirania, evitamento da: uma vantagem democrática, 59-61
Título dos juízes nos países democráticos, 138-139
Tocquevilie, Alexis de: A democracia 1/0 América, 13
Tracy, Destutt de: sobre a representação, 119-120
Trade-o(f'5. Vc;ja Valores: julgamentos de valor e julgamentos empí-
rICOS
Tutela: alternativa para a democracia, 83; pontos fracos, 85-88
União Soviética, 11
Valores: julgamentos de valor e julgamentos empíricos, 38-39, 42-
43; "negociações" entre os, 38-3Y
Veneza: república, 25-26
Vikings: igualdade e desigualdade entre os, 29

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