de escrita colaborativa), disponibilizadas no ambiente • pela variedade de opções oferecidas pelos links;
virtual de aprendizagem Moodle. • como suporte para melhoria na construção dos
Constituíram eixos de análise: a produção textual, argumentos;
a leitura, o plágio, a co-autoria, partindo-se dos textos • embasamento teórico para ajudar na concre-
que os sujeitos construíram nas seguintes interfaces: o tização de alguns trabalhos;
fórum e o chat sobre leitura e escrita na internet; o chat, • para esclarecimento de dúvidas em relação a
espaço/tempo em que se discutiu sobre plágio; o diário, determinados conteúdos;
no qual os graduandos escreveram suas experiências de • para facilitar as atividades acadêmicas;
leitores/produtores de texto; e o texto colaborativo que • para suprir a falta de livros na biblioteca da
construíram no wiki, como experiência de produção universidade.
escrita em co-autoria.
Nas interfaces fórum e wiki do Moodle, os su- Desse modo, na busca por caminhos mais fá-
jeitos produziram textos motivados pelas reflexões e ceis e mais velozes, e tendo como aliada a natureza
discussões sobre o objeto, engendradas nos encontros aparentemente pública do conteúdo on-line, além da
a distância e presenciais. Tais produções textuais disponibilidade/acessibilidade dos hipertextos digitais,
escritas, juntamente com os textos orais construídos na universidade essa prática tem-se dado de forma
pelos sujeitos em chats e entrevistas semi-abertas, mais abrangente e acentuada, haja vista a velocidade
contribuíram para a análise crítico-reflexiva e inter- na transmissão das informações – cruas ou refinadas –
pretação sobre como os sujeitos lêem e produzem e a grande quantidade de textos/obras à disposição
textos a partir dos hipertextos digitais. Além disso, do leitor na internet: “Fica difícil não plagiar com
lançou-se mão da observação que forneceu subsídios tantas oportunidades” (GB), declara um graduando
para a análise e discussão sobre como lêem e escre- envolvido na pesquisa. Tal fato vem potencializando
vem os graduando de letras, como organizam suas esse clássico problema no espaço acadêmico: o plágio,
idéias, como constroem conhecimentos, a partir do como apropriação de linguagem e de idéias do outro;
hipertexto digital. caracterizando violação da propriedade intelectual.
Observou-se nesse estudo que, na contemporanei- De acordo com Fonseca:
dade, computador e internet estão fortemente presentes
na vida dos graduandos, os quais, em sua maioria, O plágio se caracteriza com a apropriação ou expropria-
afirmam utilizar hipertextos digitais para pesquisas ção de direitos intelectuais. O termo “plágio” vem do latim
nos mais variados campos do conhecimento, princi- “plagiarius”, um abdutor de “plagiare”, ou seja, “roubar”
palmente visando à elaboração de trabalhos exigidos [...]. A expropriação do texto de um outro autor e a apresen-
pela universidade. tação desse texto como sendo de cunho próprio caracterizam
A pesquisa realizada com os referidos sujeitos um plágio e, segundo a Lei de Direitos Autorais, 9.610,
revelou indicadores sólidos que evidenciam o quanto de 19 de fevereiro de 1998, é considerada violação grave
os hipertextos digitais se vêm tornando a maior fonte à propriedade intelectual e aos direitos autorais, além de
de busca de informações e conhecimentos entre eles, agredir frontalmente a ética e ofender a moral acadêmica.
seja para solucionar problemas referentes à falta de (Fonseca, s.d.)
tempo, seja para dar-lhes embasamento teórico. Assim,
na fala dos participantes os textos da internet lhes são É pertinente lembrar aqui que a concepção de
úteis pelos seguintes motivos: plágio sofreu mudanças, de acordo com o momento
histórico e as condições sociais de cada época. Assim,
• para suprir a falta de tempo para exaustivas dentro de um determinado contexto, passa a ser acei-
pesquisas bibliográficas; tável e inevitável:
Antes do Iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na [...] Eu sou sincero. Plagiei semestre passado [...] eu sei que
disseminação das idéias. Um poeta inglês podia se apropriar não é o caminho correto, mas desde q não seja prejudicial
de um soneto de Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu. De na minha construção do conhecimento. Aconteceu em uma
acordo com a estética clássica da arte enquanto imitação, disciplina que não considerava importante para mim, já que
esta era uma prática perfeitamente aceitável. O verdadeiro o curso de letras é muito abrangente e então sei o q é de meu
valor dessa atividade estava mais na disseminação da obra interesse, o que acredito que seja de importância para mim
para regiões onde de outra forma ela provavelmente não teria e devo tentar aperfeiçoar-me; o que não era a disciplina na
aparecido, do que no fortalecimento da estética clássica. As qual plagiei da net. (JL)3
obras de plagiadores ingleses como Chaucer, Shakespeare,
Spenser, Sterne, Coleridge e De Quincey ainda são uma parte Isso n quer dizer que só faremos copias [...] Cópia só
vital da tradição inglesa e continuam a fazer parte do cânone será no momento de muita precisão [...]. Será que no mundo
literário até hoje. (Critical Art Ensemble, 2001, p. 83-84) desde os primórdios nada foi copiado? Tudo tem seu formato
original? (DO)
Na obra Distúrbio eletrônico, os autores afirmam
1
que o plágio, no sentido em que se almeja abordar Essas são falas/escritas que fazem parte de uma
aqui, talvez seja algo muito característico da cultura discussão sobre o plágio na universidade, realizada por
pós-livro, tendo em vista a atual economia da infor- meio de entrevista com 19 dos 20 sujeitos graduan-
mação/conhecimento que se configura a partir do dos de letras envolvidos numa pesquisa de campo de
surgimento da internet e o manuseio constante e rápido cunho qualitativo. A análise dos argumentos desses
do hipertexto,2 que veio apenas expor à vista, com a sujeitos revelou que 36,84% assumem claramente já
cultura digital, aquilo que a cultura do papel sempre terem cometido plágio de textos; 21% plagiam, mas
deixou na obscuridade. não assumem claramente; 41,1% dizem não ser a
Ademais, o caráter de descontinuidade conferido favor do plágio.
ao texto no espaço digital torna-o livre de convenções. Vale ressaltar que, apesar de este estudo referir-se
E é nesse movimento descontínuo, nessa constante ao plágio na área de letras, espaço em que ainda pouco
navegação por entremeios de palavras e frases, entre- se discute sobre o assunto, a ação de copiar – como
laçadas por alinhavos e arremates, que o sujeito corre violação da honestidade acadêmica e intelectual – e
o risco de naufragar, dissimulando-se como produtor as relações que se estabelecem a partir dessa prática
da linguagem, enquanto o plágio vai revelando sua vêm sendo analisadas com seriedade por outras áreas
atemporalidade, ao passo que assume proporções no- na comunidade acadêmico-científica – por exemplo,
táveis e instigantes nos tempos atuais, principalmente na área de direito, ciências biológicas e saúde – e pelas
no contexto acadêmico, como afirmam os sujeitos, na agências de fomento à pesquisa, além de serem bas-
discussão feita no chat sobre plágio: tante difundidas entre pesquisadores de vários países
(Vasconcelos, 2007).
Em virtude dessa realidade, acredita-se ser rele-
vante pensar-se em projetos/ações que estimulem o
Obra de autoria do Critical Art Ensemble, grupo de cinco
1
exercício da construção da autoria/autonomia na uni-
artistas cujos trabalhos discutem a relação entre arte, tecnologia e
política, além de promover, atualmente, debate sobre as estratégias
obscuras utilizadas pela indústria da biotecnologia, cujo poder de 3
Essa declaração – como outras falas/escritas de graduandos
transformação social é tão imenso mas que, no entanto, carece de envolvidos no estudo – foi postada num chat de discussão sobre
discussões abertas sobre o assunto. plágio e está transcrita, reproduzindo as características próprias
Rede de nós de imagens, sons ou textos, cuja configuração
2
da comunicação síncrona no ambiente on-line, como a falta de
permite uma leitura não-linear e inter-relacionada (Lévy, 1993). acentuação das palavras ou o uso de abreviações.
versidade. Torna-se vital a reflexão sobre a prática do constroem pela inserção no texto da voz de um outro
plágio entre os graduandos, professores em formação, locutor [...]”.
visto ser esse um problema que tem tomado propor- A intertextualidade, no hipertexto, implica a
ções críticas, pois roubar de si mesmo a possibilidade identificação, o reconhecimento de remissões a obras
de um outro pensar, da inventividade, é um preço muito ou a textos, por meio de links que fazem conexões
caro que o sujeito tem a pagar. com outros textos, permitindo tecer caminhos para
Entende-se aqui que as criações humanas se têm outras janelas. Está relacionada, ainda, à característica
construído sobre a soma total de vozes anteriores, de não-fechamento do hipertexto digital, que possui
pois, como diz João Cabral de Melo Neto, “Um galo permanente abertura do texto ao exterior, sempre em
sozinho não tece uma manhã: / ele precisará sempre constante mutação e expansão, estimulando o leitor a
de outros galos. / De um que apanhe esse grito que iniciar a leitura de um novo texto sem ter concluído
ele / e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o anterior.
o grito que um galo antes / e o lance a outro” (Melo Considera-se, nessa perspectiva, que a interpre-
Neto, 2005). É nesse sentido que todo texto mantém tação de um texto não pode ser exclusivamente de
relação com outros textos, dos quais nasce e para quem o teceu, assim como quem escreve um texto
os quais aponta. Todo dizer singular é atravessado não será nunca seu autor soberano: o discurso nunca
por muitas vozes. Barthes (1992) convida também é constituído de uma única voz; é polifônico, gerado
a pensar na intertextualidade quando propõe que se por muitas vozes, muitos textos que se cruzam e se
ouça o texto como “uma troca que espelha múltiplas entrecruzam no espaço e no tempo; resultado que flui
vozes” (p. 73). para dentro do leitor, passando a fazer parte da sua
Assim, do ponto de vista da intertextualidade, fala, de seus textos.
que relaciona as mais diversas formas de linguagem e Essa é uma concepção que difere do plágio,
escrita, todo texto é um palimpsesto (Genette, 1982).4 aqui entendido como apropriação indevida de um
Essa idéia leva à compreensão de que qualquer ato texto ou parte dele, sem referência ao autor, portanto
de escrita se dá na presença de outro. No hipertexto, apresentado como sendo de autoria da pessoa que
essa noção de intertexto é atualizada nas expressões dele se apodera.
metafóricas como rede, trama e teia digitais, a partir Desse modo, o diálogo que se tenta manter nesse
das quais um texto se liga a infinitos outros textos, texto, como um chamado à reflexão, não se apóia no
num ir e vir de significados plurais. O hipertexto abre império do autor, mas na preservação da sua intelec-
caminhos para a leitura e a escrita intertextuais, uma tualidade; na autoria que “[...] se realiza toda vez que
vez que, por seus links, amplia possibilidades de in- o produtor da linguagem se representa na origem, pro-
tertextualidade a partir do diálogo entre textos, como duzindo um texto com unidade, coerência, progressão,
lembra Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p. 121): não-contradição e fim” (Orlandi, 2004, p. 69).
“[...] as co-incidências de fragmentos de textos se Nesse sentido, esta discussão volta-se para o
espaço educacional e suas condições de fomento à
criação, à produção, à autonomia do sujeito/leitor
4
O autor, no livro Palimpsestes, explica que o uso de escre-
para transformar-se num autor/co-autor, entendendo
ver-se em pergaminhos fez com que o couro de animais utilizado
que “o sujeito só se faz autor se o que ele produz for
para a escrita fosse muitas vezes reaproveitado, apagando-se a
interpretável” (idem, p. 70).
escrita antiga para sobre ela colocar-se a nova escritura. Era o pa-
Destaca-se, nesse contexto, o espaço acadêmico,
limpsesto, no qual a nova escritura recobrindo a escritura anterior
onde, à revelia do professor – “no final do semestre
deixava entrever os traços da primeira. Daí vem a denominação
cheguei a fazer um trabalho que 90% dele era cópia e
palimpsesto para os textos escritos em cima de outros, retomando-
tirei 9,5” confessa um graduando com risos, em entre-
os e revelando-os nessa retomada.
vista –, a cópia de textos de outrem, isto é, o plágio, formações na internet tem-se convertido na compulsão
tornou-se prática constante e um dos motivos expostos do simples clicar desordenadamente; o graduando tem
pelos graduandos é a falta de tempo pelo acúmulo revelado um agir impulsivo, de movimentos impensa-
de atividades exigidas pelos professores. Sobre essa dos, sem a necessária sistematização que deve estar
prática, explica Schneider (1990): fundamentada em objetivos de busca no processo de
aprendizagem, relacionando ética, estética e técnica.
No sentido moral, o plágio designa um comportamen- Como explicam Blattmann e Fragoso:
to refletido que visa o emprego dos esforços alheios e a
apropriação fraudulenta dos resultados intelectuais de seu Como linha mestra para criar e manter a sintonia entre
trabalho. Em seu sentido estrito, o plágio se distingue da os elos está o uso de ética, estética e técnica. Na ética, ao
criptomnésia, esquecimento inconsciente das fontes, ou da observar os critérios de direitos autorais, conhecer as nor-
influência involuntária, pelo caráter consciente do emprésti- mas de editoras e, principalmente, respeitar as políticas de
mo e da omissão das fontes. É desonesto plagiar. O plagiário privacidade. A estética une o belo e a harmonia. Enquanto
sabe que o que faz não se faz. (p. 47-48) a técnica introduz a prática, a teoria e aplicação de procedi-
mentos e recursos disponíveis. (2003, p. 62-63)
Entende-se que é nesse sentido que vem ocorren-
do o ato de copiar no espaço acadêmico. Assim, em Acredita-se que as experiências vivenciadas
detrimento da construção do conhecimento que seria com/no texto digital devam ser conduzidas dentro
proporcionada pelo ato de pesquisa, com finalidade e da universidade de modo que os professores, ao
objetivos, os graduandos, agora mais estimulados pela contrário de ignorar a apropriação/expropriação de
facilidade de transitar na tela em busca de informação, textos, que acontece com muita freqüência entre os
terminam por cometer, de acordo com Garschagen graduandos, possam implementar ações que venham
(s.d.), três tipos de plágio: a convergir para um novo paradigma no aprendizado
e, assim, convidem o sujeito aprendente à parti-
• plágio integral – a transcrição sem citação da cipação num processo interativo, ético, com uma
fonte de um texto completo; dimensão estética que já é própria da linguagem e
• plágio parcial – cópia de algumas frases ou da humanidade.
parágrafos de diversas fontes diferentes, para Nesse processo, ele precisa ser ativo, ultrapas-
dificultar a identificação; sar a fronteiras do transmitido, fugir das margens
• plágio conceitual – apropriação de um ou vá- da timidez, enfim, gerar autonomia no processo de
rios conceitos, ou de uma teoria, que o aluno comunicação e de aprendizagem, o que o permitirá
apresenta como se fosse seu. desenvolver seu senso de criatividade e mergulhar no
espaço virtual infinito que é a imaginação.
A prática de plagiar existe há muito tempo, bem Pode parecer, no entanto, que não há aspectos
antes da internet; mas com ela esse ato torna-se uma novos a serem tratados a respeito dessa temática.
possibilidade aberta ao infinito. O fato é que a prati- Mas é fato que essa discussão sempre se impõe e se
cidade, a economia e a velocidade que os textos digi- descreve no cenário educacional por novos pontos de
tais oferecem – e que deveriam estimular um pensar vista, uma vez que a história não gagueja nem caduca,
diferenciado, uma sede de saber, em busca de novos mas renova-se. Ademais, “O novo não está no que é
conhecimentos – têm contribuído para potencializar dito, mas no acontecimento de sua volta” (Foucault,
essa ação dentro da universidade, quando ao aluno é 2005, p. 26). Então, a questão da formação do sujeito
proposto construir textos como resumo, resenha, arti- leitor/produtor de texto, com autonomia para lidar e
gos, entre outros. O transitar na constante busca de in- apropriar-se do conhecimento, sempre preterida no
espaço escolar, da educação básica à universidade, envolvidos na pesquisa, a escola tem sido conivente
sempre se apresenta com vestimentas multifacetadas, com essa situação:
olhares diversificados, diferentes vertentes, gerando
sentimento de eterno recomeço. Fomos acostumados desde as séries iniciais a fazer os
nossos trabalhos copiando na íntegra textos de livros e en-
A construção do sujeito leitor/autor na escola ciclopédias, e isso sempre foi aceitável pelos nossos profes-
sores. Entramos na universidade ainda com essa consciência
É que agora sinto necessidade de palavras – e é novo reduzida, motivada pela cultura da cópia, que nos foi pregada
para mim o que escrevo, porque minha verdadeira palavra durante toda a vida escolar, e nesse ambiente entramos em
foi até agora intocada. contato com outro meio da pesquisa ainda mais dinâmico
Lispector, 1980, p. 10 e rápido que os livros, a internet. E é no contato com esse
novo artifício que nos deslumbramos com as múltiplas
Voltando o olhar para a maneira como a escola possibilidades e a facilidade que ela nos proporciona e é
tem tratado a leitura e a escrita, e o modo pelo qual nesse momento que muitos estudantes acadêmicos fazem
essas práticas estão postas na sociedade industrializa- o uso errôneo dessa tecnologia. (MM)
da, informatizada, midiatizada, percebe-se a distância
enorme e bastante inquietante entre essas margens, Em contrapartida, o contexto em que vivemos
e o quanto a escola, com suas pseudo-atividades de exige a formação de um aluno que, distando do lugar
leitura não reflexiva e desconectada com a vida, cassou comum, seja sujeito-autor atuante, crítico, autônomo
a autoridade do leitor/produtor de textos. e interventor, capaz de, a partir da sua autoria, inter-
pretar e analisar a realidade, retirando-se da condição
A leitura escolar é artificial, praticada por meios de de sujeito acomodado e reprodutor de modelos textu-
texto fabricados para se fazer ler, enquanto a leitura social ais para um sujeito capaz e consciente do seu dizer/
é autêntica, praticada em situações onde o leitor sabe por escrever. Para isso, segundo Orlandi (2001), a escola
que ele precisa ler. A leitura escolar é arcaica, veículo das deve engendrar práticas que possam desenvolver no
representações do mundo que estão ultrapassadas, enquanto sujeito aprendente os mecanismos que entram em jogo
a leitura social se prende à atualidade, à realidade motriz no momento em que ele escreve, quais sejam:
do mundo contemporâneo. A leitura escolar é uma leitura
congelada, ritualizada, repetitiva, que impõe a todo mundo a) Mecanismos do domínio do processo discur-
as mesmas maneiras de se ler [...], ao passo que a leitura sivo, no qual ele se constitui como autor.
praticada na sociedade é uma leitura individual, visual, b) Mecanismos do domínio dos processos tex-
rápida, onde cada qual pode ler como quiser e o que quiser tuais nos quais ele marca sua prática de autor.
em função de seus interesses próprios e do tempo de que (p. 80)
dispõe. (Chartier, 1994, p. 155)
Se por muito tempo a escola privilegiava a
Então compreende-se que a escola apenas forjou transmissão dos conhecimentos adquiridos por ge-
leitores e produtores de textos, nas bases de uma lei- rações passadas e treinava o aluno para submeter-se
turização (Senna, 2000) de efeitos paradoxais, pois, à autoridade do professor, no contexto atual, em que
em vez de contribuir para a formação de sujeitos da o professor não é mais detentor do saber e da infor-
pesquisa que tomam a palavra de uma posição autori- mação nem alunos podem ser meros receptores de
zada, passam a seres apáticos, reprodutores de saberes conteúdos – já que as informações, principalmente na
produzidos por outrem, isto é, fracassados intelectual- internet, estão ao alcance de todos, numa relação que
mente, plagiadores. No pensamento de alguns sujeitos se dá na forma de comunicação direta e transversal
“todos-todos” (Lévy, 1996, p. 112) –, urge a quebra sujeito/leitor/produtor de textos e a prática da escrita
de paradigmas e a mudança da postura pedagógica reduziu-se ao ato pedagógico de reproduzir, copiar,
autoritária para uma abertura a outros possíveis, que negando ao aluno a possibilidade de assumir-se como
conduzam o sujeito-aprendente na busca da construção sujeito-autor: dá-se a repetição do dito lateral dos
de novos saberes e conhecimentos. livros e do mestre! Daí, vale a pena lembrar Orlandi
Não obstante, percebe-se que as propostas de pro- (2001), quando diz que “a escola não forma escrito-
dução sempre foram (e ainda são!) transformadas, pela res; o escritor se faz na vida, sem receita [...] a escola
lógica escolar, em textos para serem corrigidos para não ultrapassa a formação da média; o essencial não
uma nota e não para socialização do conhecimento e é aprendido na escola; escola e criação não vivem
divulgação científica. Portanto, no espaço e no tempo, juntas etc.” (p. 75).
a escola distanciou-se do objetivo de formar autores, Na verdade, quando se fala em produção de texto
no sentido já explicitado; isto é, sujeitos autônomos, na escola, reporta-se aqui à formação do autor e não à
que se responsabilizem pelo seu dizer/escrever; que formação do escritor, pois esse não é um compromisso
possuam autoria; um “eu” que se assume como pro- da escola, embora o autor seja formado não apenas
dutor de linguagem e, nesse sentido, confere voz à na escola, mas fora dos seus limites também, o que
sua identidade. significa que a escola é um espaço muito proveitoso
Mas a construção do autor não se dá sem a for- no que se refere à contribuição que pode dar na for-
mação do leitor, visto que sua competência discursiva mação do sujeito-autor, mas não é lá o único contexto
depende das histórias de leitura do sujeito, a fim de em que a constituição da autoria se dá. Com relação à
que se constitua, de fato, co-autor de textos lidos e formação do autor na escola, Orlandi (2001) declara
produzidos. E, na escola, a leitura sempre figurou ainda que:
como tarefa obrigatória, mecânica, que estimulava
o aluno à cópia de textos dos livros (reprodução não [...] a escola é necessária, embora não suficiente, uma vez
autorizada, apropriação indevida, plágio), já que as que a relação com o fora da escola também constitui a
práticas de ler/escrever não propiciavam ao aluno experiência da autoria. De toda forma, a escola, enquanto
refletir sobre o que liam/escreviam nem aprender a lugar de reflexão, é um lugar fundamental para a elaboração
decidir por si mesmo, visto que seguiam sempre um dessa experiência, a da autoria, na relação com a linguagem.
modelo de leitura/escrita preestabelecido. (p. 82)
Na escola [...] o trabalho com a leitura remete-se ao uso Ocorre que, mesmo fora da escola, os sujeitos-
do texto como pretexto para o estudo da gramática e à con- leitores terminam por internalizar os rituais coercitivos
cepção redutora de texto que o vê como uma somatória de da leitura e da escrita nela vivenciados, vincados que
frases. A esse ponto de vista acresce-se uma visão da leitura são pelas experiências construídas nas suas andanças
como decodificação de conteúdos que deverão ser avaliados discursivas pelos caminhos da escola.
pelo professor. (Matencio, 2002, p. 38-39) Então, da educação básica à universidade, quan-
do desafiados a produzir textos, trilham em busca de
A escola, na maioria das vezes, tem pensado a “vozes” que indiquem caminhos e/ou confirmem suas
escrita como prática estritamente escolar, cristalizada, opções, mas terminam por apropriar-se de uma forma
sempre reforçada pelos exercícios escolares e provas de dizer/escrever na qual não se dão ao direito e ao
que enfatizam a memorização, seqüência e hierarqui- prazer de escolher, selecionar, organizar e decidir sobre
zação de conteúdos, modelos, receitas. E é fato que o conteúdo temático a ser tecido. Não imprimem no
a prática pedagógica sempre repetitiva e reprodutora texto um estilo pessoal; esvazia-o da sua existência
adotada pela escola ocasionou a baixa auto-estima do concreta.
Ademais, é relevante salientar que, para além entende-se então que o autor é o sujeito capaz de criar
das questões éticas do plágio, a aprendizagem resul- discursos com sentido, a partir da tessitura de palavras
tante de um processo que não reivindica “a prática da e teorias construídas no seu meio social e cultural.
linguagem como fio condutor do processo de ensino- Compreende-se que é pelo ato criador da escrita
aprendizagem” (Geraldi, 1997, p. 192) ou é superficial que o sujeito se insere nesse meio sociocultural; pelo
ou é inexistente; e o sujeito vai encolhendo-se por ato da escrita, ele autoriza-se a examinar, avaliar,
entre as margens do cruel, grotesco e risível sistema expressar ou silenciar; nesse silêncio (o não-dito),
excludente que está sempre a arremessá-lo para os ele abre espaço para a presença do outro, seu interlo-
bastidores do currículo – o lado encoberto, oculto, as cutor, pois “o autor não realiza jamais o fechamento
zonas não confrontadas dos dilemas, das incertezas – e, completo do texto, visto que aparecem [...] ao longo
conseqüentemente, da sociedade. do texto pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar
à interpretação, ao equívoco, ao trabalho da história
A constituição da autoria: um exercício de da língua” (Orlandi, 2004, p. 77).
autonomia e consciência do outro Ao mesmo tempo em que o sujeito escreve, tece
o seu texto (tarefa árdua, mas necessária!), descobre
O menino aprendeu a usar as palavras. seu método próprio de dizer e significar o mundo; nele,
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. mostra-se, expõe-se à luz do seu próprio discurso;
E começou a fazer peraltagens. forja seu “eu”, revela-se nas palavras: palavra e sujeito
Barros, 2001, p. 13 misturam-se. Dessa tarefa árdua e necessária, que é
escrever, assim diz Lispector:
Os versos de Barros sugerem que, para constituir
autores, as peraltagens com as palavras são essenciais Olha, eu trabalhava e tive que descobrir meu método
desde o primeiro momento em que o menino ou a me- sozinha. Não tinha conhecido ninguém ainda. Me ocorriam
nina começam a sentar-se nos bancos da escola. Mas se idéias e eu sempre me dizia: “Tá bem. Amanhã de manhã
nas séries da educação básica o exercício da produção eu escrevo”. Sem perceber que, em mim, fundo e forma é
de texto não é potencializado, na universidade esse uma coisa só. Já vem a frase feita. Enquanto eu deixava
espaço de construção da escrita como possibilidade da “para amanhã”, continuava o desespero toda manhã diante
constituição da autoria é ainda extremamente limitado. do papel branco. E a idéia? Não tinha mais. Então eu resolvi
No entanto, é urgente criar um espaço nos entre-luga- tomar nota de tudo que me ocorria. (apud Perissé, s.d.)
res da academia – onde geralmente se dão os embates
e as ambivalências – que engendre a constituição da Então, considera-se que o sujeito ao escrever
autoria, pois aí está o tripé que sustentará a escrita inscreve-se também nas entrelinhas do seu texto, traça
no espaço acadêmico, no qual poderão e deverão se seu perfil na textura do seu dizer, a sua identidade;
estabelecer as relações necessárias à construção de nele, fundo e forma confundem-se e fundem-se. Dessa
textos pelo aprendente, este como sujeito do desejo maneira, seguindo as pegadas do ato de escrever do
que, ao enxergar-se como autor, institui, no mesmo sujeito, poder-se-á percebê-lo no dito e no não-dito da
ato, o leitor. sua escritura, em que deixa suas nuanças, suas marcas,
Voltando à instigante pergunta de Foucault constituindo-se como autor. No seu dizer, está a sua
(1992), “o que é um autor?”, ele mesmo responde que imagem-corpo, ali, no texto interposto: “[...] o sujeito
a noção de autor “constitui o momento forte da indivi- está, de alguma forma, inscrito no texto que produz”
dualização na história das idéias, dos conhecimentos, (Orlandi, 2001, p. 76).
das literaturas, na história da filosofia também e na A autoria aqui é referida nas suas dimensões
das ciências” (p. 33). Dialogando com Bakhtin (2003), criativa, histórico-social e ético-política; como exer-
de escritor, bem como a subversão dessa relação. Co- aqui: representar – como autor é assumir, diante da
enunciador, co-autor, o leitor pode decidir o rumo de instituição escolar e fora dela (nas outras instâncias
sua leitura, recriar seu texto individual, elegendo links institucionais) esse papel social, na sua relação com a
entre os vários disponíveis. linguagem; constituir-se e mostrar-se autor” (Orlandi,
Xavier (2004) traz um conceito de hipertexto 2001, p. 79).
como tecnologia de leitura e escrita que medeia as Urge então reconfigurar, dentro da academia, as
relações do sujeito na sociedade da informação: concepções de pesquisa, leitura, produção e autoria;
e, viabilizando mudanças mais profundas em aten-
Na esteira da leitura do mundo pela palavra, vemos emer- dimento a essas demandas tão urgentes, estimular
gir uma tecnologia de linguagem cujo espaço de apreensão criações na comunidade acadêmica que possam
de sentido não é apenas composto por palavras, mas, junto contribuir com os graduandos no desdobramento de
com elas, encontramos sons, gráficos e diagramas, todos vínculos motivadores do desenvolvimento intelec-
lançados sobre uma mesma superfície perceptual, amalga- tual, social e educacional. De acordo com Palacio
mados uns sobre os outros formando um todo significativo (2006),
[...]. É assim o hipertexto. Com ele, ler o mundo tornou-se
virtualmente possível, haja vista que sua natureza imaterial [...] o problema, evidentemente, não é novo, pois não se
o faz ubíquo por permitir que seja acessado em qualquer circunscreve ao âmbito telemático. Com efeito, ensinar
parte do planeta, a qualquer hora do dia e por mais de um a um jovem pesquisador como validar suas fontes, como
leitor simultaneamente. (p. 171) avaliá-las, como buscar e identificar a informação confiá-
vel, é talvez uma das primeiras e mais importantes tarefas
A construção hipertextual presentifica os textos daqueles que se dedicam a formar recursos humanos nesta
com os quais o autor dialoga, que, em uma obra im- área. Se tais questões sempre estiveram colocadas e gera-
pressa, geralmente estão apenas intuídos. Assim, na vam preocupações com respeito à pesquisa conduzida em
medida em que o hipertexto gera associações com moldes “tradicionais”, com mais força elas se colocam no
outras leituras, nele a relação de intertextualidade é âmbito da pesquisa on-line, com a manutenção de antigos
uma constante e concretiza-se na interação entre os problemas e o surgimento de novos. Não se pode, é claro,
vários textos de signos diferentes. Como enuncia ensinar bom-senso e experiência, mas alguns balizadores
Ramal (2002), “a idéia da intertextualidade permite podem ser estabelecidos, facilitando a tarefa de validação
pensar no diálogo entre épocas diferentes e entre da informação disponibilizada.
diversos pontos de vista. Não se trata de negar o
passado nas vozes do futuro, mas sim encontrar Dessa forma, dada a possibilidade de acesso ao
pontos de contato, plurivocidades que se enriqueçam texto na internet e à sua modificação no ambiente
mutuamente” (p. 126). digital, voltar o olhar para o problema do plágio na
Nesse espaço o sujeito leitor é necessariamente universidade torna-se ponto-chave, visto ser lá o lugar
chamado a estabelecer objetivos, tomar decisões, tecer onde a produtividade e o conhecimento devem ser
por entre metáforas de rede, de rizomas, desenvolven- calcados na autoria/autonomia.
do estratégias de controle e regulamento do próprio
conhecimento. (In)Conclusões: muitos fios por tecer
Assim sendo, o papel do sujeito-autor nesse
contexto extrapola os muros da escola; deve estar Tudo acaba mas o que te escrevo continua. O que é
relacionado ao papel que representa na sociedade bom, muito bom. O melhor ainda não foi escrito.
em que está inserido. A autoria está relacionada ao O melhor está nas entrelinhas.
“aprender a colocar-se”: “Aprender a se colocar – Lispector, 1980, p. 96
Compreende-se, a partir do exposto, que a discus- da palavra do outro pelo reconhecimento do que é
são sobre a constituição do autor no espaço acadêmico produzir textos. Nas palavras de Vygotsky, “somos
continua sempre aberta, já que um fio puxa o outro; conscientes de nós mesmos porque somos conscientes
fios conflituosos, porquanto é também conflituoso dos outros e somos conscientes dos outros porque
e complexo o problema da autoria na universidade: em nossa relação conosco mesmos somos iguais aos
construir práticas em que a voz e a função do autor se outros em sua relação conosco” (apud Freitas, 1997,
concretizem é, nos tempos atuais, com tantos textos p. 316).
disponibilizados pela internet, um desafio que se im- Sem a pretensão de fechar a discussão, vale dizer
põe e se propõe aos professores. que, em meio a essa movência de textos, intertextos,
Por conta disso, há mesmo urgência em imple- hipertextos, é preciso que a universidade passe a con-
mentar ações/modificações com relação à prática de tribuir para que do seu âmago possam emergir sujeitos
produção de texto na universidade, a fim de que essas autônomos, seres da linguagem, cientes do lugar múl-
produções, cumprindo sua função social, possam ser tiplo, instável e provisório que ocupam na contempo-
socializadas, na forma de comunicações em congres- raneidade. Que saibam mover-se nesse mundo (autor,
sos, seminários; possam reverter-se em artigos para leitor, texto/hipertexto) – que se revela e é desvelado
publicação em periódicos especializados ou em livros. pela palavra escrita – veiculando seus saberes/conhe-
Para os graduandos, está clara a necessidade que têm cimentos, produzindo sentidos, reinventando-se... Pois
de ser reconhecidos pela competência discursiva, há um caminho/labirinto a cada manhã.
pela capacidade de produção do conhecimento, como
escreve um dos graduandos, no fórum de discussão Referências bibliográficas
sobre leitura e escrita:
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Uma coisa realmente deve ficar claro, os estudantes Fontes, 2003.
da universidade fazem o plágio conscientemente. Sabem BARROS, Manoel de Barros. O menino que carregava água na
que não devem, mas são seduzidos pela facilidade em peneira. In: LEITE, Maristela Petrili de Almeida; SOTO, Pascoal
conseguir um bom trabalho com o menor esforço. Porém, (Coords.). Palavras de encantamento: antologia de poetas brasi-
nada se compara ao prazer de se produzir um trabalho e ser leiros. São Paulo: Moderna, 2001. p. 8-17.
reconhecido por aquilo que você foi capaz de fazer. Isso BARTHES, Roland. S/Z. Lisboa: Edições 70, 1992.
não tem preço!!! (CS) BLATTMANN, Ursula; FRAGOSO, Graça Maria (Orgs.). O za-
pear a informação em bibliotecas e na internet. Belo Horizonte:
Nesse sentido, a internet, em vez der ser vislum- Autêntica, 2003.
brada apenas como meio facilitador do plágio, poderá CHARTIER, Anne-Marie. A escrita na escola e na sociedade: os
constituir-se em lócus para que a inventividade, a efeitos paradoxais de uma distância constatada. In: SIMPÓSIO
iniciativa, a reflexão e a construção da identidade INTERNACIONAL SOBRE A LEITURA E ESCRITA NA
do graduando como autor possam ser exploradas, SOCIEDADE E NA ESCOLA, BRASÍLIA, 1994. Anais... Belo
incentivando-o a construir situações em que se instaure Horizonte: Fundação AMAE para Educação e Cultura, 1994.
a produção do conhecimento e, conseqüentemente, o p. 149-162.
processo de autoria, no qual o sujeito vai contribuir CRITICAL ART ENSEMBLE. Distúrbio eletrônico. São Paulo:
com suas palavras; sua voz ressoará no texto – “dizer” Conrad, 2001.
é “ser” – e, pela atividade da linguagem, assumirá, FONSECA, Randal. Expropriação de propriedade intelectual.
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