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O IMPOSSIVEL NO SOFRIMENTO - INDECISOES FENOMENOLOGICAS NO ROMANCE LE FILS DU ROL 1. O lugar da escrita romanesca na expresso do afecto, em Michel Henry. ‘Ao atermo-nos 4 fenomenologia da afectividade, em Michel Henry, demo-nos conta de que © afecto, nas formas da solicitude (Fiirsorge), saida de si (abweisend), olhar sobre algo (Augenblick), implica um prévio reenvio (verweisung) a subjectividade e, nesta, uma conversio (Umkebrung) do ego em si ao outro que nao 0 ego. Atender a esta passagem (Ubergang) do olhar sobre 0 outro - do salto sobre 0 ai (Vorsprung ins Dasein) — 2 afeigio em si do outro que nao o eu é atender 4 possibilidade de 0 eu afecto na vida ser ele mesmo acto afectivo: mover-se ao consentimento do outro. A fenomenalidade, mesmo na transcendéncia de si#, sera, ento, ajeitar- se, afeigoar-se ao outro. Dai que nela, no Dasein, se abracem 0 outro, eu e a Vida. A vida em nds, a nossa vida € trindade afectiva: Vida / Filiacao / vivéncia dos filhos no mesmo movimento amoroso, afectivo. Assim a fenomenologia da afeiclo sera a narrativa das tonalidades afectivas que na relagdo se tecem. O sofrimento’ e a compaixao so modalidades do afecto também elas tecidas na encruzilhada das relagdes. Nao € de estranhar, entio, que a sua narrativa se possa inscrever num romance, num conto da esperanga HENRY, Michel, Le fils du roi, Paris, Gallimard, 1981, (F R). > HEIDEGGER, Martin, Sein und Zeit, Max Niemeyer, pp. 28; 220-221; 329, 365. > COURTINEJ-F., Heidegger et la phénoménologie, Paris, Vrin, 1990, p. 234. 141 que transpasse o desafecto. Até porque a linguagem* tal como a miisica’ € a pintura® sao, em Michel Henry, enquanto formas de arte’, puras manifestagdes das tonalidades da nossa vida afectiva’. De contrario, seria no minimo paradoxal ¢ até mesmo absurdo evocar a escrita romanesca de Michel Henry para nos situarmos af onde a vida se modaliza em sofrimento j4 que, nele, o sofrimento é irredutivel As formas mitigadas com que 0 nosso imagindrio 0 expressa, Nao se espere, entao, que busquemos, no romance, uma fabulacdo ou um sentido para o sofrimento. Tal nao € nossa inteng4o e nem isso nos permite a fenomenologia do afecto que nos mostra que +0 sentimento ndo € nem pode nunca ser sentido. como « também nao pode ser percebido-? Além de que n’io queremos ficar por uma forma atonal da vida arqui-impressiva ou auto-afectiva, num transcendental desligado do quotidiano: a vida prova-se, saboreia-se, sofre-se no dia a dia, nao raro marcado pela fragilidade que aflige. Talvez por isso iniciasse Michel Henry a sua publicagao filoséfica com um romance cujo contetido se prende com o sentimento de fracasso perante a impossibilidade de erradicar o sofrimento das nossas vidas. Le jeune officier (1954), através da simbologia de desinfestagio de um navio, constata a vanidade desta tentativa. E foi sempre sob a forma de romance que continuou a sua reflexio sobre o sofrimento: se Le Jeune officier se debate com o sofrimento que corréi © nosso corpo biol6gico, Le fils du roi (1981) defronta-se com a inércia que cortéi a nossa vida. Mas o mal atravessa, também, no choque com o realismo da fragmentagao social, L'amour les yeux fermés (1976) @ * HENRY, Michel, -Phénoménologie matérielle et langage (ou: pathos et langage) in Michel Henry V'épreuve de la vie, Patis, Cerf, 2001, pp 15-37; *HENRY, Michel, -Dessiner la musique . Théorie pour l'art de Briesen- in Le nouveau commerce, 61 1985 pp.49-106 “HENRY, Michel, Voir "invisible. Sur Kandinsky , Paris, Francois Bourin, 1988, Ver th DOUFOUR-KOWALSKA, Gabrielle, Llart et la sensibilité~ De kant & Michel Henry, Paris, Vrin,1996 ¢ ainda da mesma autora, L'esthétique de Michel Henry et les “variations« d'Alexej Jawlensky, Paris, Frangois Bourin, 1988, * HENRY, Michel, ‘Kandinsky et la signification de la vie in Prétentaine, 16(1966), pp. 129-141 “HENRY, Michel, -Art et phénoménologie de la vies 0.¢. pp.27-43. ° HENRY, Michel, L’Bssence de la Manifestation, Paris, PUF, 1963, p.579. * © amor de olbos fechados, ‘Tradugio portuguesa de Helena Marques, Principia, 2001 142 a evidéncia do disfarce na corrupcao, nomeadamente, na corrup¢4o politica em Le cadavre indiscret (1997). Assim, contrariamente ao que afirma Natalie Depraz", a linguagem romanesca ocupa um lugar central na fenomenologia de Michel Henry: nela, as tonalidades afectivas da vida, na exuberancia da sua singularidade, manifestam os contornos em que a vida continuamente se molda e diferencia. Michel Henry colmata, deste modo, a pobreza atonal da tautologia do ensaio. De entre os varios romances escolhemos para conversa desta tarde Le fils du roi. Tal restricio prende-se com a complexidade da obra: nela, 0 afecto, na inocéncia do possivel, renasce do desafecto. Vivificam-se as relages, vivifica-se a narrativa, ganham sentido as nossas historias fragilizadas. 2.0 enredo narrativo em Le fils du roi & luz dos conceitos inocéncia/angistia/possivel/agir e sentimento de limite. José e Marietta sao as personagens centrais do romance e a elas iremos dedicar particular atengao. José, 0 narrador, vive numa institui¢3o psiquiatrica por afirmar ser filho do rei. Marietta sofre as «dores» do mundo. Marietta e José desenham-se, desde © inicio, como duas figuras com destinos singulares: José, na condi¢ao de filho do rei, é generoso € nobre para com os outros, a0 passo que Marietta encarna a fragilidade humana. Estas duas personagens so os extremos da intensidade de duas vivéncias: a actividade do filho do rei e a passividade, inércia de quem sofre. As outras personagens do romance apresentam gradacées diferentes destas duas vivéncias. Jonathan, o doente mais compassivo e atento as necessidades dos utentes da instituicio hospitalar, cede o lugar o José; Totor é um médico atento, mas cujas terapias se apresentarao ineficazes comparadas com as de José; Vania, August, Sandra, Marceline, Florence enfermam de um excesso animico que fragiliza a vida afectiva e social. Por sua vez Marietta encarna e sofre as fraquezas dos outros e até mesmo as de José. © DEPRAZ, Natalie, Ecrire en phénoménologue: «une autre époque de lécritures, Encre Marine, (1999), pp. 151-164. 143 Contudo, esta gradacio de intensidade do softimento e das formas de compaixio suscita alguma_perplexidade, sobretudo quando no limite, a compaixao de Marietta, é ti0-s6 a encarnagao do sofrimento alheio. A sensibilizagio da vida, nela, é fragilizacdo ¢ esvaecimento pelos males pressentidos nos outros: +. era como sel..] a imensa dor que atravessa a terra encontrasse, nela, repousol...la cada ponto do seu corpo unida (a dor), por um estranho filamento invisivel, a cada pedago do universo; [..] corpo, soma de vibragées pelas quais entrando em ressonancia com ele Cuniverso), sucumbisse feridas". Ao passo que a solicitude de José Parece nao ser verdadeiramente tocada pelo sofrimento. Nao é em termos de sentir mas de conhecer que ele se expressa: «eu pensava Ros meus amigos, Sabia-os to vulneriveis. Quando estavam comigo a confianga transcendia o medo e a felicidade a angtistia-¥. Luicido da sua condigio e poder ~ José contraria o poder do sofrimento: enquanto que -ninguém tem qualquer poder sobre o afecto, eis porque o mundo se perde- José pode restituir a vida a si mesma José, devolve-me a mim mesma, pede Solange, arranca-me 20 nada, Mas como contraria José o poder absoluto do softimento se, como vimos no § 1 a fenomenalidade do afecto tem o principio em si mesma? Se a propria negacio (Verneinung) de si, o impossivel do seu possivel é ainda acto de afecto? Se a conversiio (Umkebrung) - a negacao (Verneinung) de si, do impossivel, na afirmacdo de si (Selbstbehajung), no seu possivel reenvio a si - é inalienavel? A niio ser que José seja 0 paradigma da filiagao, 0 arqui-filho", a primordial afecgao de Si da Vida, afeccio na qual nos tornamos filhos e Marietta encarne o sofrimento que provém da negacao. SO assim, 86 nesta paradigmatica filiag20/negacio poderiamos, fenomenologicamente, relacionar a inocéncia de cada acto de afecto, do possivel, com a angiistia que pretende* o impossivel, a inércia, o " FR, p. 62. ® FR, p.116. “ER, p. 123. * O paradigma fenomenol6gico do «arqui-filho- apenas surge em Michel Henry na obra C'est mot la Vérité, Seuil, 1996. “ FR, pp.72 ¢ seg vJe sais qui tu es. Mais toi, sais-tu qui je suis? — Nres-tu pas Marietta [...] Je suis ta soeur-, O disfarce de Marietta, a ocultagao da sua verdadeira identidade, irma de José, s6 nessa identidade, s6 na vida afectiva é possivel, 144 fechamento, a estagnacao de si, personificados no sofrimento Marietta, encarnacio das mtiltiplas as formas de negagao. E se os limites ca Vida” sio tragados do interior da prépria vida" e tanto podem scr momentos de eternidade gloriosa como de inferno insuportavel, também a terapia, a conversio da vida as suas possibilidades, s6 do interior da prépria vida pode acontecer. O reconhecimento, em nés, do possivel que José personifica, a possibilidade de sermos a partir da afeccdo em nés da Vida, reanima a nossa inércia, a inércia de Marietta, e converte o ego a relagao. A vida faz de nds irmaos", nao rivais, nem senhores uns dos outros. Nesta igual condicio® sera possivel, entao, a confianca de uns nos outros, imprescindivel & terapia, 2 conversio ao possivel do afecto: « ndo haveria outra ocupago senZo confiar uns nos outros, O psicodrama apenas ajuda 4 recuperagao da confianga que possibilita de novo a fruigio da vida e a transfiguragio do impossivel na possibilidade de si, na recuperagio da dignidade perdida®: -tive dificuldade em reconhecé-los»’, transfigurados que estavam. Esta andlise fenomenolégica das figuras de Marietta/Lucile e José estaria em consondncia com a fenomenologia da Vida, em Michel Henry, e até mesmo com a fenomenologia do desespero: modalidade afectiva da vida%. A liberdade, 0 acto a partir de si ¥ AUDI, Paul, Supériorité de l'éthique — De Schopenbauer a Witigenstein, PUF, 1999, p. 73, sobretudo © comentario a Wittgenstein, Tractatus, 6.45 « Das Geftthl der Welt als begrenztes Ganzes ist das mystiche “Como o mostra quer a fenomenologia do desejo — na «der Wille zum Leben-, Schopenhauer - quer a fenomenologia do poder que o efectiva - na der Wille zur Macht, Nietzsche ~ em Généalogie de la psychanalyse, PUF, 1985, cap. VI;VIL ° FR, pp. 10,13,24,28,31,44,72,87,103,123,162,198,201,205,230-231,232,234- 235.Como se pode ver o reconhecimento desta nossa condig2o atravessa Le fils du roi %® Desconcertante condigio que envolve -» HENRY, Michel, Le bonbeur de Spinoza,Cariscript, 1997, p. 5-6, Avant-propos de Jad Hatem, Este trabalho de Michel Henry, foi publicado, pela primeira vez, na Retue d'histoire de la philosophie et d’bistoire générale de la civilisation, 39-40, 1946, pp. 67-100. O editor impds um outro titulo Le bonheur chez Spinoza. Decorreriam conversagdes com a Gallimard para a publicagao da obra, subordinada ao titulo que © autor propunha Le bonheur de Spinoza;a guerra nao permitiu a conclusio das negociagaes. O Centro d'Etudes Michel Henry reeditou, na Cariscript, 0 original Le bonheur de Spinoza. ® NIETZSCHE, F, Zur Genealogie der Moral, I, § 10, «wir Glticklichen- 147 afecto. Originariamente a afectividade é efectiva comunhao e nao apenas desejo de comunhao®. Gerados na vida nao padecemos da vontade de viver, pois nela vivemos, mas da urgéncia de a saborear, de vivermos efectivamente 0 seu possivel. Dai que, Michel Henry fale de prova e fruicho da Vida ~ Fépreuve de la vie. O afecto é, fenomenologicamente efectivacio (Leistung) © n&io apenas pura Possibilidade: afecto gerador de diferenciagio na comunhio desse mesmo afecto, nunca isolamento, autismo, e muito menos dentincia Ou negacao do outro. A negacio pressupée, nela, aquilo que nega, © seu prévio, a sua impossibilidade. Por isso 0 conceito de angiistia aparece ligado a esta pura impossibilidade da Vida, a impossibilidade de ser ela propria, isto é a negacdo da sua Possibilidade, Assim se compreende que Michel Henry também relacione 0 conceito de possibilidade com o padecer de si: a impossibilidade de ser outro, que é, no entanto, o seu possivel Em termos de anilise da facticidade o possivel manifesta-se-nos, entao, de dois modos: enquanto ser singular 0 eu nao pode ser outro, € este € o impossivel do seu possivel, ou o nao-poder do Poder, © desespero, na linguagem de Kierkegaard; enquanto Possibilidade efectiva de uma accao, de um acto de afecto, acompanha-o a inocéncia e a fruigao de si, na comunhao com os Outros. A anguistia, no puro possivel, s6 se fenomenaliza quando, desvinculada fenomenologicamente da inocéncia do acto de afecto, se projecta nos cdlculos ¢ consequéncias do possivel, isto é, numa estrutura ideal, desvinculada da transitividade da imanéncia auto- afectiva®, Ora a vida afectiva de José e de Lucile é Paradigmatica do possivel da vida afectiva e da conversio do desafecto. Em Marietta a compaixao, «oferta de uma amizade sem causa», a nao ser a da Propria amizade, repde o que falta ao softimento: o incondicionado que ele mesmo reclama*’. A compaixao deve efectivar 0 que no » HENRY, Michel, Généalogie de la psychanalyse, cap.VI;VIL "HENRY, Michel, Incarnation, Seuil, 2000, (D § 38. La duplicité de Vapparaitre et le redoublement de Vangoisse. © 1, § 39, Le désir et le «saut dans le péché. > FR p.l03 ™ POREE, Jerome, Souffrance et temps: em Revue bbilosopbique de Louvain, 11997) pp.101-129. 148 sofrimento € esperanga, futuro, visto que «a eternidade sera feita da recordagao de tais instantes*, Nao se compreende, por isso, a principial excomunhao de José e de Lucile/Marietta, pela divergéncia, cisio e atonalidade dos principios fenomenoldgicos, que também aparecem no romance: José jamais se une a Mariette, nao se humaniza. Marietta/anseia unir-se a José, mas tal nao se verifica: a fragilidade fica entregue a si mesma. Nao se vislumbra, por isso, a possibilidade da felicidade de Espinosa, de Marietta, de Lucile, de José, de Vania, de Totor, de Florence, de August, de Jonathan...que a fenomenologia, em Michel Henry, reclama E paradoxal a fenomenologia do afecto, no romance. A afectividade de José e de Lucile/Marietta encarna 0 paradoxo da ciso fenomenoldgica acto/afectivo, o impossivel no sofrimento. 4 Fenomenologia da vida afectiva de José e Marietta/Lucile. Procuramos analisar a fenomenologia destas oposicoes ¢ verificamos que a atonalidade afectiva de José” € ti0-s6, nele, a vida arqui-impressiva subjacente a cada tonalidade afectiva singular, e nao a impressionalidade do afecto, singular na sua ipseidade: a atonalidade afectiva nao é a doacao em si da vida, mas o seu cardcter principial. Também em Marietta o cardcter intocavel do sofrimento se prende com a sua nao doacio efectiva: preso em si, orgulha-se do seu corte com a vida. A sua frieza, a imobilidade sio a sua autonomia.* % ER, p. 105. % FR, p. 179 se tai dit que cétait impossible. ° FR, Oui, est fA ce quill y eut de plus remarquable tandis que, émerveillés les uns devant les autres, nous faisions la découverte de nous-mémes, cette parfaite indifférence de ce que nous éprouvions & l'égard de tout ce qui nous arrivait -p. 75 « cette joie qui faisait irruption sans rien devoir & aucun événement heureux »p. 77 -Pour ma part jai renoncé a la gloire et est pourquoi elle mest donnée aujourd'hui au centuple. Ce n'est pas une gloire qui vient des autres, elle réside en moi, elle est puissance dans mon @tre pp. 107-108 . Tu étais plus semblable & moi que moi- méme; plus profond en moi que moi-méme:. p.206 * FR, p. 199 + Me voici donc seul. La souffrance est mon unique compagne. Cest une femme captive et qui me veut tout a elie». 149 Podemos, entio, dizer que as relagdes que na vida de José se geram sao relacdes de uma arquetipica maternidade”: José filho do rei, diria eu de rainha pois que a Vida é mae, é 0 arquétipo da geragao da vida em nés. Dai que ele desperte em cada um esta mem6ria de uma filiagdo esquecida® que faz de nés irmaos* Marietta, pelo contririo, s6 a José revela conhecer esta filiagao real", Ja na primeira parte do romance ela se apresenta a José como sua irma, Lucile. Mas adquire uma estranha metamorfose, no exilo da Corte, transmuta-se em Marietta, sofre com o que da vida se separou, guardando, contudo, meméria dessa mesma vida real. Marietta encarna no tempo, vive na Vida como sua vida as dores e os males de todos. E também curiosa a auséncia de softimento proprio, a no ser o do exilio¥. De notar ainda que, embora reconhecendo-se filha da Vida e irma de José, ela anseie Uunir-se a José pelo matrim6nio“, numa clara alusio & sensibilizagao afectiva*, em que realeza, a divindade se humaniza ea humanidade se dignifica: -Se estivesses onde o sofrimento apela, terias vindo a mim e ter-me-ias amado-*6, Mas José nao ouve, e a vida nao se faz afecto” é atonal. E atonal é o sofrimento. Ora, se tivermos em consideracao 0 titulo do primeiro ensaio filosofico de Michel Henry: Le bonheur de Spinoza vemos que 0 que nele esté em causa no € a felicidade em geral, atonal, mas a felicidade de Espinosa Seria legitimo esperarmos, entao, que a fenomenologia do afecto, em Le Fils du Roi, nos envolvesse na fenomenologia de uma 2? FR, p. 24 -Mais as voix était a [.,.] ma mere [...] José...ma mere...» “ HENRY, Michel, Cest moi la Vérité, Pais, Seuil, 1996, cap + Loubli par Thomme de sa condition de fils. * FR, pp. 162-163. Oui, songeais-je en les regardant, je ne me suis pas trompé, ceux-la sont bien mes fréres , ils sont de la race des seigneurse “FR, «Je sais qui tu es, me dit-elle [...] ~ Mais toi, sais-tu qui je suis ? ~ N'es- tu pas Marietta ? -Je suis Lucile. [...] Je suis ta soeur. SFR, p. 155, “FR, p. 152 * FR,p.135+ la mort ne vien pas du dehors. Elle se nourrit de notre indifférence. Cest nous qui mourrons, c'est notre amour !+ Ce qui reste de viant en moi se solidifie peu a peur, “Situ étais allé la ob vappelais la plus grande souffrance, tu serais venu & moi et tu m'aurais aimé- “FR, p.207 FR, p. 205. “ HENRY, Michel, Le bonbeur de Spinoza, Beyrouth, 1997. 150 efectiva doacdo®, por uma via que nao a da intencionalidade” e da perda de si na pura possibilidade de resposta a solicitagao ¢ a0 cuidado com o outro, tal como foi tratada em Husserl e Heidegger € tao abundantemente criticada quer por Michel Henry quer por Lévinas. Até porque esta seria a forma de unir a causalidade transitiva - nao a imaginagao exterioridade € temporalidade- a causalidade imanente do afecto, onde efectivamente a doacao € possivel Mas tal nao acontece: nao ha em José um leve trago da sua temporalidade singular — para sempre € Filho do Rei, dai a impossibilidade de se unir a Lucile, o possivel da sua encarnacao, © afecto. Neste, José s6 vislumbra fragilidade, facilmente confundida com insignificancia e mediocridade*. Fica-nos uma leve esperanga de que em Mariette/Lucile tal nao aconteca. E € 0 proprio José que nos deixa indicios para essa esperanga. Diz ele a este propésito: -Oh, Mariette sacudida como a folha de uma faia por todas as tempestades do mundo, traspassada por mais flechas do que 0 santo preso a coluna, ndo é pela tua fraqueza, mas pelos teus poderes, que tu sucumbes*. Ha no romance dois sentidos para o sofrimento de Marietta. Cataldo integra-o num sentido idealizado que supostamente comporta esta singular situagio, enquanto que para José o sofrimento € uma transitividade, na imanéncia da prépria vida de Marietta, consentida pela sua afeigio ao outro. E a afectividade do afecto que possibilita a afeic4o e o sofrimento de Marietta. Por isso Marietta sucumbe, mas pelo poder da sua sensibilidade, do seu afecto. A compaixio de Mariette é fenomenologicamente descrita como uma perfeicao da vida: «possa a perfei¢ao inscrita na sua carne e que dela irradia nao se ausentar de entre nés demasiado horriveis, oh, sim, possa ela ser mais forte do que 0 insuportavel, possa ela nao ser louca-*. Mas ha alguma imperfeigAo nesta perfeicao de Marietta, ja que, se pela compaixdo Marietta se afeigoa ao outro esperava-se uma transitividade positiva na imanéncia da vida em si € no outro. © MARTINS, Florinda, O ser da-se como afecto, UNL, 1992. ” FRp. 98 5! FRp.195 € p. 214. %F R, p. 153 comme les autres. 2 FR, p. 65. “FR, p. 65 151 Mas nao! Essa afeicio tansmuta-se, pelo contrario, em dentincia: *mas Marietta vé mais longe, ela tem ainda algo mais em vista, a miséria dos infelizes no the basta. Mas Porque nao lhe basta a mis¢ria dos infelizes Porque sofre ela? E a resposta desconcerta, O Seu sofrimento é vao. Afeicoa-se a ele, mas para o negar: «No brilho do seu olhar ha como que uma forma permanente de recusar tudo © que € vil e negar o presente, Dai que a compaixao de Marietta amesquinhe Wanda: - quando ela (Marietta) fala (diz Wanda) tenho a impressio de ser uma mulher frivola, insuportvel. Sera que 0 possivel do sofrimento, consiste unicamente na negacao da forma de vida nao coincidente com a afeccdo de si? Mas este € 0 seu impossivel! E em que consistiré a compaixio? Qual ser4 a fenomenalidade prépria da possibilidade da compaixdo? Nao sera essa possibilidade uma modalidade do Possivel acto de afecto, da afeccao de si? 3 Indecisdes fenomenoldgicas no possivel Le bonheur de Spinoza. As dificuldades inerentes a uma fenomenologia do afecto que Pretende uma safda da atonalidade afectiva da vida, sem perder a imanéncia da mesma, foram desde sempre pressentidas® por Michel Henry e dificilmente, na sua obra, se encontra uma resposta satisfat6ria para esta problema®. E isto porque a preocupacao central de Michel Henry se prende com a possibilidade de trazer para a imanéncia a causalidade transitiva que Heidegger ligou a trans- cendéncia, conferindo novidade fenomenolégica 4 modalidade de existéncia em Espinosa”. Ora, por vezes isso é feito a custa de algumas indecis6es que comprometem a generatividade da Vida, a sua fenomenalidade, a encarnagao: justamente 0 oposto do que pretende Michel Henry. Mas é 0 que acontece no romance Le fils du * Ver a anilise comparativa Heidegger/Kierkgaard em Les annales de Philosopbie, 17 (1996) pp.9-13. “4 Encarnagao procura, através dle uma anilise do conceito «possivel, em Merkegaard, a passagem do eterno pelo presente, ¢ com isto o sentido do tempo, do vivo e do sofrimento. * Quanto a nds este € 0 tema central da obra Lissence de la Manifestation. & afectividade referida & imanéncia procura colmatar as insuficiéncias “da fenomenologia do afecto em Kant und das problem der methaphysile 152 roi. As tensOes entre a atonalidade auto-afectiva da Vida € as singulares tonalidades afectivas da mesma, marcam todo 0 romance, torando-se mesmo paradoxais aquando da expressio da vida afectiva de José e de Marietta/Lucile. Mas nao € s6 a vida afectiva destas duas personagens que é contraditéria, em termos fenomenolégicas: sio as virtualidades terapéuticas que uma outra fenomenologia, a fenomenologia do afecto esbogava, que sao também elas postas em questao. Propde-se, nele, uma terapia para o afecto enredado na rigidez de -emogdes primarias, visto que a «matéria primar Rohstof da emogao desconhece a passibilidade que a suporta: isto é 0 afecto nao é inerte, nele a vida sensiente € possivel acto de afecto. A vida auto-afectiva é 0 suporte desta emocionalidade primdria e como tal énela que se busca a ressonncia e a tonalidade propria do primario. Assim, parece acontecer quando Vania recupera, através de José, de um estado de absoluta inércia: -o rio da vida comegou a correr, inundando © grande corpo inerte que se abandonava ao meu Mergulhei o meu olhar no seu, procurando com todas as forgas, para la do globo de cristal , o poder de ser tocado na alma de cada um. No fundo do abismo uma mintscula luz apareceu, agitava-se incerta, ziguezagueava, bem longe, no limite das coisas e, depois, crescendo de repente, acorreu para mim e [...]suspirou, José, ...minha Mae” Vania, afecto na vida, desperta no encontro com José, também ele Filho da Vida. E no encontro com a vida, na fraternidade do afecto, que se da a passagem do -patolégico-, do inerte, ao sentimento de si. Esta consciéncia de irmaos, filhos do Rei, atravessa todo 0 romance®, Mas € necessério que a fenomenologia da passagem do inerte, da anestesia vida sensiente se faca em cada um deles: de Vania, de Marietta... Do mesmo modo que se espera que José adquira a expressio singular de si. De contririo José é, apenas, o paradigma de uma dignidade atonal da Vida e Marietta/Lucile € o paradigma de um sofrimento também atonal. José vive uma vida que nao é sua e Marietta um sofrimento que nao é seu. Entre eles separa-os um abismo: Irmaos? $6 na paradigma de uma vida sem tempo, eterna, por isso atonal. % FRANK, Victor E. Logotherapie und Existenzanalyse, nota 20, p. 85. ” FR, p. 24,28,31 © F Rpp, 10, 13,24,28,31,44,72,87,103,123,162, 198,201, 230,232,235. 153 Esta urgéncia da vida esta presente no romance. $6 assim se compreende 0 desejo de Marietta: « precisamos de fazer um pacto, estabelecer uma unido que forea alguma possa quebrar (..Troquemos de vontades [...]. s6 entre nds pode haver uniao (uniao. matrimonial) [...]vivemos um para 0 outros, Mas José recusa: Ja te disse que era impossivel®, Este impossivel € © impossivel do softimento e torna contraditoria a fenomenologia da afecto. Se os filhos da Vida nao trazem em si a possibilidade da compaixio de Marietta, 6 porque se nao doou, verdadeiramente. Mas se nao se doou, também o sofrimento de Marietta é inexistente, do mesmo modo que é irreal a Pretensio de José. Talvez. isso justificasse a ineficdcia da proposta terapéutica de Michel Henry. Mas é mais do que isso: esta fenomenologia atonal é expressdio da loucura da vida, e retira-nos a nos, viventes qualquer esperanga. Dai que o psicodrama, a festa dos loucos onde todos se reconbecem Jilbos, nao mude nada em cada um deles®, pelo contrario: a situagio de José vai-se agravando até 2 morte, como louco; por sua vez Lucile morre como Lucile passando a viver a vida de uma insipida enfermeira. Além de nao haver alternativa Para a obscura fenomenalidade do afecto, to frequentemente denunciada por Michel Henry“, nem Para a irrealidade e os fantasmas das nossas projeccdes também denunciada por Michel Henry, perde todo o sentido o apelo da vida arquetipica feito aos seus filhos, se verdadeiramente a vida arquetipica se n3o se efectivar. Se pela afeccdo de si se nao tornar afecto, afecto em mim, em Vania, José... Ora, a fenomenologia da Vida, em Michel Henry, nao pode escapar a efectiva ipseidade do afecto. Na sua preocupagio em denunciar 0 vazio das fenomenologias da existéncia, atirou-o, paradoxalmente, para a fenomenologia da encarnagdo, onde h4 mais do que indicios de uma outra possivel narrativa para o sofrimento: a da sua vivificago na relacio com o outro®, © FR, pp. 152-153; 176-184. © FR p. 179. “FR, p. 176- 190. “ Nomeadamente, na critica a0 conceito O fendmeno saturado De Jean-Luc Marion, Lembremos sobretudo as criticas a Sartre. ® Recuperar o bumanismo- para uma fenomenologia da alteridade, Principia, 2001, trata esta possibilidade. oe ‘A fenomenalidade do acto de afecto € uma fenomenalidade positiva: 0 ser dé-se como afecto” ou melhor a vida da-se como afecto. O afecto € a primordial forma de doagao. E como transitividade positiva a doagao deve trazer consigo acréscimo de vida, fraigio de si®possibilitada por essa mesma transitividade na imanéncia, que na inocéncia do possivel transmuta © mesquinho em nobre, suporta e embala a dor, apazigua o sofrimento. De contrario, como poderia experienciar Espinosa, Marietta, Lucile, José, Vania, Totor, Florence, August, Jonathan, Henry no presente a eternidade: «a eternidade sera feita da recordagio de tais instantesr, no abrago amoroso de José ¢ Marietta, no eterno que abraca o presente, no presente que vivifica 0 passado. Como pode o romance negar o que ele mesmo expressa ? A estrutura trinitaria da fenomenologia do afecto: os filhos gerados na vida, vivem essa experiéncia arquetipica nos seus actos de afecto, 0 mesmo espirito da vida, «O olho pelo qual vemos as coisas € tao-s6 aquele pelo qual Deus nos vé. Aquele que vé este olho vé o proprio Deus». Nao sera esse Le bonheur de Spinoza, de José, de Lucile..2 Outros leituras se abrem 2 narrativa de Ricoeur. A conversao do sofrimento ao possivel da vida apela a que se antecipe 0 futuro”. A vida apela agora a fruigao do afecto. Florinda L.FMartins © Florinda Martins, O ser dé-se como afecto, UNL, 1992. WITTGENSTEIN, Tractatus, 6.43 € Paul AUDI, Supériorité de V'étbique- De Schopenhauer a Wittgenstein, PUF, 1999, pp. 80-81, © AUDI, Paul. Supériorité de l'étbique - De Schopenhauer a Wittgenstein, PUR, 1999, pp. 80-81. ® F Rp, 194. 7 POREE, J. -Le temps du souffrir : Remarques critiques sur la philosophic de Michel Henry: ém Archives de philosophie, 54 (1991), pp. 213-240. 155

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