Anda di halaman 1dari 193

1

MARIA DE LOURDES BACHA

REALISMO E VERDADE – TEMAS DE PEIRCE


2

Dedico este livro aos meus filhos Ana e Júlio


3

Agradeço
às amigas que me ajudaram com sugestões, idéias e muito trabalho:
Edith Frankenthal, Heloisa Leão, Jorgina Santos, eSusana Götz;
ao Pessoal do Peirce Edition Project, Professores Nathan Houser, Andre
DeTienne, Cornelis Waal e Martha, pela gentileza de terem me recebido;
à Professora Dra. Lúcia Santaella, pelo apoio ao projeto de pós-doc:
ao amigo Júlio Lamounier, pelo apoio monetário na publicação deste
livro.
4

Sumário

Introdução
Parte I Em defesa do Realismo Científico
1. Introdução
2. Realismo e anti realismo
3. O Realismo peirceano
3.1 A evolução do realismo peirceano

Parte II A Verdade seria o fim ideal da investigação científica?


1. Teorias da Verdade
2. Argumentos, inferências e validade
3. Categorização das teorias da verdade
4. Teoria da verdade por correspondência
5. Peirce e a teoria da verdade: correspondência, convergência ou
referência?
Classificação da teoria da verdade de Peirce
Verdade e método
Verdade e pragmatismo
O paradoxo do mentiroso

Conclusão

Referências Bibliográficas

Lista de quadros
Quadro 1 Realismo e anti realismo
Quadro 2 Novo Realismo e Idealismo
Quadro 3 Uma categorização das teorias da verdade

Lista de figuras
Figura 1 Natureza da Verdade
Figura 2 Teses de abordagem pragmática
Figura 3 Teorias da Verdade
5

INTRODUÇÃO
Se você estuda Peirce tem que estar preparado para
surpresas: você tem que ser persistente o bastante para
considerar a possibilidade de que as coisas possam se provar
muito diferentes daquilo que você há muito tempo decidiu que
elas seriam. (Smith, 1983:39).
O segredo da grandeza de Peirce como filósofo - uma
grandeza que estamos começando a descobrir-repousa na
facilidade com a qual ele combinava abertura para a
experiência com sagacidade lógica e habilidade para
desenvolver um sistema compreensivo e coerente.
(Smith,1983:41)

Esse trabalho pode ser visto como continuação de


dois trabalhos anteriores, que resultaram em duas Que verdade e justiça
publicações, a primeira denominada A Teoria da são grandes forças no
Investigação de C. S. Peirce e a segunda A Indução de mundo não é figura de
Aristóteles a Peirce. expressão, mas fato
Em A Teoria da Investigação Peirce, buscamos obvio aos quais teorias
precisam se acomodar.
mostrar que para Peirce, a investigação parte de um (CP 1.348 de 1902).
estado de dúvida incomodo, que bloqueia o fluxo de
ações habituais, no qual não se consegue escolher entre
cursos de ação alternativos. Esta dúvida é uma dúvida real, genuína, e não
simplesmente uma dúvida metodológica, um "faz-de-conta". Assim, a
investigação científica constitui um esforço para colocar fim à dúvida e voltar a
um estado de crença e a verdade seria, então, um estado de crença inatacável
pela dúvida. A Teoria da Investigação também pode ser chamada de Teoria do
Método Científico. Para Peirce, somente o método científico pode nos levar à
verdade, a longo prazo, num longo percurso, que constitui o processo dinâmico
da investigação. Este processo está sujeito ao erro, ao acaso, mas também é
passível de auto-correção. Assim, a investigação tem por objetivo único um
acordo de opiniões.
Por outro lado, o processo de investigação é composto por três estágios:
abdução, dedução e indução. Esta distinção é que fundamenta a Teoria da
Investigação, formalizando um ciclo; abdução, dedução, indução, nova
abdução... . Foi em função das pesquisas sobre a teoria do inquiry, que tivemos
a atenção despertada para o tema da indução, o que acabou resultando no
outro trabalho publicado: A Indução de Aristóteles a Peirce, cujo objetivo foi
analisar o papel do realismo na formulação de sua teoria da indução,
6

lembrando que a validade da indução em Peirce torna-se decorrente do


contexto realista de sua filosofia. O fundamento da indução em Peirce é o
realismo dos continua ou a doutrina do sinequismo, contrapondo-se a uma
visão nominalista, determinista, e necessitarista de outros autores, com
destaque para Mill. Portanto, a abordagem do tema foge do enfoque tão
somente lógico, recorrendo-se à teoria da realidade de C. S. Peirce como
fundamentação do argumento indutivo.
Mas face ao interesse pela extensa obra peirceana e como resultado do
pós-doutorado, estamos agora apresentando o trabalho Realismo e Verdade -
temas de Peirce, cujo objetivo é analisar esses dois temas cruciais para o
entendimento de sua obra e, mais especificamente de sua metodêutica. Este
livro se concentra na formulação e defesa de uma concepção realista da
verdade.
Charles Sanders Peirce nasceu em Cambridge, Massachusetts, em
1839. Era filho de um famoso matemático de Harvard, tendo se licenciado em
ciências e doutorou-se em Química. Lecionou lógica na Universidade de John
Hopkins e trabalhou como cientista na U. S. Coast and Geodetic Survey até
1891. No entanto, Peirce que foi filósofo, lógico, cientista e inventor do
Pragmatismo, morreu em 1914, em Arisbe aos 75 anos, de câncer, isolado e
pobre, trabalhando em seus manuscritos e praticamente desconhecido.
Peirce realizou trabalhos científicos, que contêm contribuições
importantes não só em lógica matemática, mas também em astronomia
fotométrica, geodésica, psicofísica, filologia. Foi um cientista, tanto por
ocupação como por treinamento, o que justifica uma de suas alegações
favoritas de que havia crescido num laboratório. Seus trabalhos com pêndulos
foram reconhecidos internacionalmente, e foram especialmente estes trabalhos
científicos em medições em conjunto com as investigações sobre a teoria do
erro provável, que tiveram grande influência no desenvolvimento de alguns
pontos de sua filosofia, principalmente sua doutrina do acaso e da
continuidade. Mas sendo um lógico rigoroso, mas ao mesmo tempo
familiarizado com os procedimentos reais pelos quais nosso conhecimento
sobre as várias leis da natureza é obtido, Peirce não poderia admitir que a
experiência levasse a provas absolutas, nem poderia desconsiderar as
discrepâncias devidas a erros de observação.
Peirce foi um filósofo sistêmico e sua filosofia busca respostas
harmônicas para uma série de questões entre as quais o estatuto do cosmos, a
questão da temporalidade, a questão do conhecimento, a questão da crença e
da dúvida, a questão da interioridade e exterioridade, a dicotomia sujeito-
objeto, as condições de possibilidade do pensamento, do real, do imaginário.
7

Peirce levou para a filosofia o espírito da investigação científica, assumindo que


as disciplinas filosóficas são ou podem se tornar também ciências. Para tal,
propôs aplicar na filosofia, com as devidas modificações os métodos de
observação, hipótese e experimentos que são praticados nas ciências. Para
Peirce, o caminho para a filosofia deveria ser feito através da lógica, isto é,
através da lógica da ciência. Portanto, sendo antes de tudo um cientista, seu
interesse em lógica era primeiramente um interesse na lógica das ciências e,
entender a lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus métodos
de raciocínio.
Peirce distinguia duas concepções tradicionais de ciência: primeira,
caracterizada como um corpo sistemático e organizado de conhecimento, seria
“um corte superficial capturando principalmente os remanescentes fossilizados
da ciência”. A segunda seria “um corte mais profundo”, caracterizada como um
método do saber. A segunda visão seria a mais certa, podendo, no entanto, ser
comprometida por uma concepção metodológica individualista e por vezes não
suficientemente dinâmica.
A esse respeito vale lembrar que Peirce explicitamente diz que nossas
investigações devem começar com dados mediados, sujeitos ao erro e
necessitando correção, embora os fatos singulares observados são
ininteligíveis, mas é a lógica (operação da investigação semiótica) que nos
permite entender as coisas em geral e descobrir verdades gerais,
anteriormente não observadas. É interessante salientar que no século XIX,
Pierce já considerava questões que se tornariam cruciais no século XX e XXI,
tais como indeterminismo, incerteza, complexidade, que se tornaram
freqüentes na obra de autores contemporâneos, a exemplo de Morin:
Hoje só podemos lançar-nos com a
incerteza, inclusive a incerteza sobre a dúvida. Hoje temos de pôr
metodicamente em dúvida o próprio princípio do método cartesiano, a
disjunção dos objectos entre si, das noções entre si (as idéias claras e
distintas), a disjunção absoluta do objeto e do sujeito. Hoje, a nossa
necessidade histórica é encontrar um método capaz de detectar, e não de
ocultar, as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as
imbricações, as interdependências e as complexidades. Temos de partir da
extinção das falsas clarezas. Não do claro e do distinto, mas do obscuro e
incerto; não do conhecimento seguro, mas da crítica da segurança. Só
podemos partir com a ignorância, a incerteza e a confusão. Mas trata-se
duma nova consciência da ignorância, da incerteza e da confusão. Aquilo
de que tomávamos consciência não foi a ignorância humana em geral, foi a
ignorância escondida e dissimulada, a ignorância quase nuclear, no seio do
nosso conhecimento considerado como o mais certo de todos – o
8

conhecimento científico. (MORIN, 1997:19)


Peirce foi o moderno fundador da Semiótica, ou
ciência dos signos, o que aconteceu, na sua vida, como A concepção de
uma conseqüência de sua investigação dos mecanismos Lógica em Peirce tem
de pensamento e raciocínio que dão suporte aos métodos dois sentidos. No
através dos quais as ciências conduzem suas sentido mais estreito, é
investigações. a ciência das
Peirce levou para a Filosofia o espírito da condições necessárias
investigação científica, assumindo que as disciplinas para se atingir a
verdade. No sentido
filosóficas são ou podem se tornar também ciências. Para mais amplo, é a
tal, propôs aplicar na Filosofia, com as devidas ciência das leis
modificações os métodos de observação, hipótese e necessárias do pen-
experimentos que são praticados nas ciências. Para samento, é Semiótica
Peirce, o caminho para a Filosofia deveria ser feito geral que trata não
através da Lógica, isto é, através da Lógica da ciência. apenas da verdade,
Portanto, sendo antes de tudo um cientista, seu interesse mas também das
em Lógica era primeiramente um interesse na Lógica das condições gerais dos
ciências e, entender a Lógica das ciências era, em signos, das leis de
evolução do pensa-
primeiro lugar, entender seus métodos de raciocínio.
mento, que coincide
Primeiramente Peirce concebeu a Lógica com o estudo das
propriamente dita como sendo um ramo da Semiótica. condições necessárias
Mais tarde concebeu uma concepção mais ampla da para a transmissão de
Lógica. Mas do fato de que todo raciocínio e todo significado de uma
pensamento se dá em signos, não havendo pensamento mente a outra, e de um
ou raciocínio possível sem signos, a Semiótica, como estado mental a outro.”
estudo de todos os tipos possíveis de signos, nasceu (Peirce, CP 1.444).
como um conseqüência natural das descobertas
peirceanas em Lógica. A partir de 1900, Lógica e
Semiótica se tornaram sinônimos para Peirce.
Embora Peirce considerasse toda e qualquer
produção, realização e expressão humana como sendo uma questão semiótica,
a Semiótica é apenas uma parte do seu conjunto filosófico, que, por sua vez, é
também parte de um sistema ainda maior, o que pode ser percebido através da
análise de seu diagrama de classificação das ciências.
Peirce desenvolveu um diagrama das ciências, no qual divide as
ciências em ciências da descoberta, ciências da revisão e ciências
aplicadas.(CP 1.180 e CP 1.203-83) As ciências da descobertas se dividem em
três grandes classes:
9

1. Matemática,
2. Filosofia e,
3. Ciências Especiais.
Segundo este diagrama, quanto mais abstrata for a ciência, mais ela
será capaz de fornecer princípios para as menos abstratas. A classificação das
ciências de Peirce não é um esquema linear, mas uma série de escadas
relacionadas numa forma tri-dimensional, de forma a exibir as relações de
dependência entre as ciências. É baseada na lógica dos relativos e na forma
diagramática de pensamento, mostrando os efeitos concebíveis de uma
ciência, ou em outras palavras, seu significado pragmático, que segundo Peirce
seria uma das formas mais completas de se entender uma ciência.
Sendo as ciências interdependentes, este diagrama mostra os princípios
de sua interdependência. A classificação das ciências de Peirce explicita as
relações de interdependência de uma ciência para com as outras, indicando os
escalonamentos em níveis de abstração através dos quais as ciências mais
abstratas funcionam como fundamentação para as menos abstratas, na medida
em que é das mais abstratas que as mais concretas tomam emprestados seus
princípios, ao mesmo tempo em que é com dados fornecidos pelas ciências
menos abstratas que as mais gerais se abastecem.
Fundamental para Peirce era a ordenação das ciências com relação às
categorias. Existe dentro de sua classificação uma lógica ternária e os números
1, 2, 3 indicam não somente a ordem, mas também um conteúdo lógico-
relacional, de tal forma que, onde o número 1 estiver, há relação com a
primeira categoria, a Primeiridade, que é a categoria da qualidade, sentimento,
acaso, indeterminação. O número 2 indica relação com a segunda categoria, a
Segundidade, que é a categoria do existente, da ação, do aqui e agora, da
dualidade. O número 3 está relacionado com a terceira categoria, a
Terceiridade, que é a categoria da continuidade, da lei, da generalidade, do
crescimento e da evolução. Para Peirce, todas as ciências são observacionais,
a diferença entre elas reside no modo de observação empregado em cada uma
delas.
No diagrama peirceano, a Matemática é a ciência mais genérica e
abstrata e não depende de nenhuma outra ciência. No entanto todas as outras
ciências dependem da Matemática, seja implícita ou explicitamente, já que os
problemas matemáticos aparecem em todas as ciências e na vida quotidiana,
pois sempre temos que estabelecer conseqüências de estados gerais de
coisas. Conseqüentemente, todas as ciências têm um conteúdo matemático, ou
10

algum ramo para o qual a Matemática é chamada. A Matemática é a grande


ciência do geral, da generalidade. A Matemática parte “de uma hipótese, cuja
verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio; e naturalmente, suas
conclusões são igualmente ideais” (CP 2.145) Isto não significa, entretanto, que
não dependa da observação. (CP 3.427)
A ciência que ocupa o segundo lugar é a Filosofia. Enquanto a
Matemática estuda aquilo que é logicamente possível, a Filosofia como ciência
tem como função descobrir “o que é realmente verdadeiro, limitando-se, porém,
à verdade que pode ser inferida da experiência comum que está aberta a todo
ser humano a qualquer tempo e hora”.(Santaella, 1994:113) A Filosofia
peirceana é uma filosofia científica, que também deve empregar métodos de
observação, hipótese e experimento como qualquer outra ciência. A Filosofia
tem um caráter observacional porque visa examinar e compreender tudo o que
se oferece à nossa experiência.
Para Peirce, as questões relativas às leis da natureza ou à classe geral
de regularidades da natureza também são questões filosóficas. Por outro lado,
fica difícil trazer nossa atenção para aqueles elementos continuamente
presentes na nossa experiência, podemos apenas contrastá-las com estados
imaginários de coisas, o que torna a observação filosófica bastante difícil. A
Filosofia tem três grandes divisões:
1. Fenomenologia,
2. Ciências Normativas e
3. Metafísica.
A Fenomenologia tem por função fornecer o fundamento observacional
para as outras disciplinas. Para melhor entender a idéia peirceana de
Fenomenologia, é necessário esclarecer o que Peirce entendia por fenômeno
(faneron). Para Peirce, fenômeno é tudo o que está diante de nossa mente,
pode ser um sonho, uma sensação, pode ser uma presença física ou uma
pensamento, não se restringindo a algo "que se pode sentir, perceber, inferir,
lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordem-espaço temporal que o
senso comum nos faz identificar como sendo o „mundo real‟.” (SANTAELLA,
1995:16)
A Fenomenologia não é uma ciência da realidade, nada diz sobre o que
é, nem sobre o que deve ser, apenas constata e classifica os fenômenos,
ficando restrita às suas aparências. A Fenomenologia constitui a base
fundamental de toda a filosofia peirceana, sendo a primeira instância de um
trabalho filosófico, com a criação das categorias, que seria uma das funções do
filósofo.
11

É através da Fenomenologia que se chega às categorias peirceanas: a


Primeiridade, Segundidade e Terceiridade. Os fenômenos aparecem primeiro
como liberdade (Acaso), em segundo como alteridade (Existência) e, em
terceiro como ordem (Lei).
As categorias correspondem aos três modos de ser e aparecer. A
Primeiridade é um modo de qualidade, que na interioridade corresponde à
unidade e na exterioridade à diversidade. A Segundidade corresponde ao modo
de reação, que na interioridade corresponde aos fatos do passado e na
exterioridade ao não-eu. A Terceiridade corresponde ao modo de ordem, que
na interioridade se refere à permanência e na exterioridade à regularidade.
A Primeiridade está ligada às idéias de acaso, indeterminação, frescor,
originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, presentidade,
imediaticidade, mônada. (CP 1.300-316) A Segundidade está ligada às idéias
de força bruta, dualidade, ação e reação, conflito, aqui e agora, esforço e
resistência, díada. (CP 1.317-336) A Terceiridade está ligada às idéias de
generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada. (CP
1.337-349) É justamente a terceira categoria que vai corresponder à definição
de signo genuíno como um processo relacional entre três termos (signo, objeto,
interpretante), sendo próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo,
processo este que Peirce definiu como semiose.
A segunda divisão da Filosofia se refere às Ciências Normativas, que
investigam “as leis universais e necessárias da relação com os Fenômenos
com os Fins, ou seja, talvez, com a Verdade, o Direito e a Beleza”. (CP 5.121).
As Ciências Normativas são assim chamadas porque têm como função
compreender os fins, normas e ideais que regem o sentimento, a conduta e o
pensamento humanos. As Ciências Normativas tratam das leis da relação dos
fenômenos com os fins, isto é, tratam dos fenômenos em sua Segundidade.(CP
5.123) A tarefa das Ciências Normativas é descobrir como “Sentimento,
Conduta e Pensamento devem ser controlados, supondo-se que estejam
sujeitos „numa certa medida‟, e apenas em certa medida, ao autocontrole,
exercido por meio da autocrítica e a formação propositada de hábitos, tal como
o senso-comum nos diz que eles, até certo ponto, são controláveis.” (MS
655:24)
As Ciências Normativas se dividem em:
1. Estética
2. Ética e,
3. Lógica ou Semiótica. (CP 1.191)
12

A Estética considera aquelas coisas cujos fins devem incorporar


qualidades do sentir, enquanto que a Ética considera aquelas coisas cujos fins
residem na ação e a Lógica, aquelas coisas cujo fim é o de representar alguma
coisa. (CP 5.129). A Estética é a ciência do que é admirável em si, sem
qualquer razão ulterior. A Ética é a ciência da conduta autocontrolada e
deliberada e a Lógica é a ciência do pensamento autocontrolado deliberado.
(CP 1.191)
A última divisão da Filosofia é a Metafísica, que depende da Semiótica
ou Lógica. A Metafísica é a ciência da realidade. Para Peirce, real é aquilo que
existe independentemente do que pensamos a seu respeito (CP 5.405), A
Metafísica relaciona-se com a categoria da Terceiridade pelo seu caráter
generalizador.(CP 1.501) Mas ao se afirmar que a Metafísica trata das coisas
como elas são, deve-se ter em mente que tais afirmações tenham passado
antes pela Lógica para a constatação de que sejam verdadeiras. (CP 1.550,
2.37, 3.454)
Finalmente, a terceira grande classe das ciências são as ciências
especiais. Enquanto as observações da Filosofia se voltam para os fenômenos
que são comuns, familiares a todos, as ciências especiais descobrem novos
fenômenos. As ciências especiais cobrem todas as ciências específicas
existentes e por existir, através de treinamento especial, instrumentos
especiais, ou circunstâncias especiais, investigam eventos particulares
passíveis de experiência.
As Ciências Especiais apelam para a Lógica, como também nas
questões mais gerais e abstratas requerem as concepções da Metafísica. Para
Peirce, aqueles que negligenciam a filosofia também fazem uso de teorias
metafísicas tanto quanto os outros, só que “rudes, falsas e mundanas”. Há
aqueles que acham que escapam dos erros metafísicos se não derem atenção
à metafísica, mas desde que todas as pessoas devem ter concepções das
coisas em geral, é muito importante que estas sejam cuidadosamente
examinadas. (CP 7.579) Também a Matemática é grande fonte de princípios
para as Ciências Especiais, mesmo que não dependam diretamente da
Matemática, dela recebem princípios no que se refere a rigor científico.
Peirce dividiu as Ciências Especiais em físicas, em cuja base estão as
ações dinâmicas e as ciências psíquicas, em cuja base estão as ações
sígnicas. As ciências físicas se “caracterizam como as ciências das coisas
como tal” incluem a Física, Astronomia, Química, Biologia, Geologia, etc. As
ciências psíquicas são “as ciências das coisas governadas pelo intelecto e o
termo psíquico deve ser tomado como sinônimo de vida inteligente. As ciências
13

psíquicas englobam a Psicologia, Psicanálise, Lingüistica, História, Crítica da


Arte, Literatura, etc.
As ciências especiais lidam com fenômenos particulares. Enquanto as
ciências físicas estudam o universo material e os fenômenos tal como eles
ocorrem, as psíquicas investigam os processos e produtos de mentes humanas
e outras inteligências.
Por outro lado, Peirce (fortemente influenciado pela teoria de Darwin) foi
o primeiro autor a sugerir que a evolução seria um processo de aprendizado
semelhante à lógica da indução e também seria um processo criativo
semelhante à lógica da descoberta. Segundo Peirce, o percurso da lógica do
vago para o definido (do todo para a resposta) e de modo semelhante todo
processo evolutivo procederia do vago para o definido. Assim, o primeiro passo
na evolução do Universo seria a transição de um mundo, num longínquo
princípio, de potencialidade indeterminada e sem limites que pode ser
caracterizado como liberdade, acaso e espontaneidade (Primeiridade), no qual,
de repente algumas das potencialidades se atualizam (Segundidade),
constituindo o segundo passo na evolução do universo. Mas um mundo de
Segundidade é um mundo de eventos, de fatos, um mundo sem lei, e portanto
um mundo de puro caos. Neste mundo de Segundidade surgem reações
acidentais, que constituem o trabalho do acaso, mas a tendência à
generalização começa a agrupar estas reações acidentais em contínuos,
estabelecendo um hábito... O evolucionismo periceano é composto por três
doutrinas: sinequismo, tiquismo e agapismo.
Na doutrina do sinequismo, Peirce utiliza o conceito de continuum para
explicar como as idéias se agrupam formando idéias mais gerais. Assim, as
idéias se espalham, despertando conexões entre outras idéias, algumas se
tornam assimiladas, e enfim, elas estão aptas para se reproduzir. O sinequismo
é a doutrina que diz que as leis e os sistemas do universo evoluem
gradualmente, no sentido de continuidade matemática, sendo esta evolução
constituída de crescimento, desenvolvimento, aprendizado e governada pela lei
do hábito que Peirce denomina indiferenciadamente de lei da mente ou lei da
associação ou tendência para adquirir hábitos ou tendência para generalização.
Quanto à segunda doutrina do evolucinismo, que Peirce denominou de
tiquismo, sua ação se dá com relação às leis, isto é, mesmo as leis mais
precisas não são estritamente seguidas, há sempre um grau de erraticidade ou
de desvio. O tiquismo é a doutrina segundo a qual o acaso é um dos fatores do
universo, isto é, as leis básicas do universo se formaram de conexões ao acaso
entre feelings e, que o caos primitivo consistia de conexões aleatórias entre
estes feelings. Na visão determinista da filosofia do século XIX não havia
14

margem para erro, mas Peirce propõe a doutrina do tiquismo, em que o acaso
é um princípio de desordem, de não-lei, é um resquício daquele estágio de
ilimitada liberdade, ao qual já havíamos referido, sob a Primeiridade, aquele
elemento espontâneo, que é incondicionado, e que vai explicar a imensa
variedade do universo e sua complexificação, porque a
idéia de complexificação não é derivada da ordem (da lei), As obras de Peirce
mas é derivada da espontaneidade, gerando variedade e serão citadas obede-
crescimento complexo. cendo às abreviações
Peirce considera três teorias da evolução: a comumente aceitas
entre os estudiosos:
primeira é de inspiração darwiniana, em que o motor CP -Collected Papers
dessa evolução é acaso, “sporting”, é a teoria que Peirce HP -Historical
denomina de ticasticismo ou tiquismo, que “deve dar Perspectives on
origem a uma cosmologia evolucionária, na qual todas Peirce’s Logic of
regularidades da natureza e da mente são vistas como Science.
produtos do crescimento (CP 6.102 de 1892). Para MS- Manuscritos da
Houghton Library
Peirce, esta explicação não é suficiente, porque pelo Harvard University
princípio da adaptabilidade ou do instinto de N -Charles Sanders
sobrevivência, ela não explica fundamentalmente a Peirce: Contributions to
formação de generalidade, de espécies, não explica a The Nation
idéia de lei, que reúne sob si, espécies, gêneros, NEM -The New
semelhanças. Elements of
Mathematics
A outra forma de evolução é aquela por PW- The
necessidade, de interação causal entre os elementos da Correspondence
natureza, de modo que eles se organizam e constituem between Charles
sistemas. Para Peirce, esta teoria não é suficiente para S.Peirce and Victoria
explicar o lento crescimento da mente do universo. Esta Lady Welby
segunda teoria, teoria de evolução por necessidade W- Writings of Charles
lógica, necessidade gerada pela causalidade, é chamada S. Peirce.
SL- Studies in Logic by
de anancasticismo ou ananquismo, por vezes anancismo. Members of John
A terceira (por amor, simpatia, afinidade) é a que Hopkins University
Peirce chama de agapismo ou de agaspasticismo, RLT- Reasonings and
significando amor, reunião. O amor vai agir como uma the Logic of Things -
força aglomerante, segundo a qual as idéias se reúnem The Cambridge
por afinidade (by affection), em que uma idéia afeta a Conferences.
EP1-Essential Peirce –
outra, não só no sentido da necessidade, de causa e vol.i
efeito, mas no sentido de uma se afeiçoar a outra. EP2-Essential Peirce
Fazendo uma relação da evolução com as categorias, a vol. II
força evolutiva da espontaneidade está sob a PPMRT- Pragmatism
as a Principle and
Method of Right
Thinking.
15

Primeiridade, a da interação dual (ação-reação) está sob a Segundidade e


aquela do amor está sob a Terceiridade.
Mas voltando aos objetivos deste estudo, devemos considerar
primeiramente o lugar que a Lógica (concebida como Semiótica) ocupa na obra
de Peirce. A Lógica não é um mero ramo do conhecimento, mas uma das três
ciências normativas, em conjunto com a Ética e a Estética, das quais depende,
e não se restringe apenas a aspectos formais, sendo a ciência do raciocínio
autocontrolado, incluindo toda a complexidade do pensamento enquanto signo.
Por outro lado, para Peirce o pensamento não é um privilégio exclusivo da
mente humana. Sua concepção de razão é algo cuja essência nunca pode ser
completamente perfeita, estando sempre em estado de insipiência e
crescimento.
A lógica para Peirce é a ciência do que precisa ser e do que deve ser a
verdadeira representação, em resumo é a filosofia da representação. Assim, o
tema Verdade está relacionado Lógica, Raciocínio, e especialmente método
científico, que, por outro lado não pode ser desvinculado do Realismo, que é
uma hipótese metafísica, mas a Metafísica estudada como a ciência da
realidade.
A Parte I denominada Em defesa do Realismo científico tem como
objetivo analisar o debate sobre o realismo científico do final do século XX e
início do século XXI, tentando mostrar como o realismo de Peirce poderia
responder aos ataques não realistas. Inicialmente é apresentada uma revisão
da literatura sobre o debate realismo-anti-realismo e depois é apresentada uma
discussão sobre os pressupostos do realismo peirceano.
A Parte II cujo nome é A verdade seria o fim ideal da investigação
científica? inicia-se com um panorama resumido de vários projetos sobre as
teorias da verdade com o objetivo de contextualizar a teoria da verdade
desenvolvida por Peirce.
16

PARTE I
EM DEFESA DO REALISMO CIENTÍFICO
Ao longo dos anos tenho ficado cada vez mais
consternado com a recente
tendência de compreender de maneira errada o
pragmatismo como uma forma de
relativismo, destinado a ab-rogar padrões racionais, em
lugar de uma
doutrina normativa rigorosa destinada a substanciá-los.
(RESCHER, 2000)

A verdade, i.e., a realidade e o poder, do pensamento


deve ser demonstrada
na prática. Os Filósofos somente interpretaram o
mundo de maneiras
variadas, mas a verdadeira tarefa consiste em alterá-
lo.( RUSSELL,1939:144)

[...] o nominalismo é naturalmente bastante atraente


para um intelecto brilhante que ainda não tenha
atingido sua capacidade máxima em lógica.. (PEIRCE,
MS 625:03 de 1909)
17

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como objetivo analisar o debate sobre o realismo


científico do final do século XX e início do século XXI, tentando mostrar como
o realismo de Peirce poderia responder aos ataques não realistas. Nos últimos
trinta anos, ou, mais precisamente, desde o início da década de setenta, vêm
ocorrendo muitas discussões sobre o realismo científico, mas o que chama a
atenção é a ausência de consenso a respeito dos princípios que constituem
uma visão realista das ciências naturais, principalmente porque os avanços
científicos vêm transformando nosso modo de pensar o mundo.
Atualmente, a natureza não pode mais ser tomada como nossos
sentidos indicam porque, cada vez mais, entidades e mecanismos invisíveis ao
olho nu (como por exemplo, as ondas eletromagnéticas, os elétrons, os prótons
e as moléculas DNA) estão espalhados pelo universo e causam fenômenos
observáveis. Assim, cabem as perguntas: por que deveríamos considerar as
teorias científicas verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras ou por que
deveríamos acreditar que estas entidades postuladas por nossas melhores
teorias são reais? Por que não considerar tais teorias meros instrumentos para
sistematização? (Psillos, 1999:xvii).
De um lado, o que dizer das entidades teóricas (t-entitities)?. De outro
lado, podemos tratar como reais as relações trabalhadas na matemática? Ora,
segundo as argumentações de Peirce, a matemática constrói seus objetos na
forma de hipóteses, e delas extrai conseqüências necessárias, sem lidar,
contudo, com questões de fato:
Mas o matemático não observa nada além
do diagrama que ele mesmo constrói; e nenhuma compulsão oculta
governa suas hipóteses, à exceção de uma das profundezas da própria
mente. Assim, a característica peculiar da matemática é que ela constitui o
estudo científico da hipótese, que primeiro formula e, depois segue seu
curso até suas conseqüências. (PEIRCE, NEM 4:268)
Segundo Rorty (1997:14), os filósofos “parecem forçados a fechar o
século discutindo o mesmo tópico- realismo- que estavam discutindo em 1990”,
embora segundo ele, a discussão agora tenha se deslocado da pergunta sobre
se a realidade material é dependente da mente para a “questão sobre que tipos
de asserções verdadeiras encontram-se em relações representacionais para
com itens não lingüísticos:
Uma discussão acerca do realismo gira
agora apenas em torno de se as asserções da física podem corresponder
aos “fatos da questão”, ou se as asserções da matemática e da ética têm
18

também uma tal possibilidade. Atualmente, o oposto do realismo é


chamado simplesmente, “anti realismo”. (RORTY, 1997:14)
Psillos (2001:xx), na Introdução de “Scientific Realism – How science
tracks truth”, argumenta que há um campo de batalha sem fim de controvérsias
referentes ao realismo, das quais ele destaca as seguintes:se a ciência pode
descrever um mundo independente da mente?
se a ciência pode ir além do que é observado a olho nu, revelando
verdades sobre entidades não observáveis?
como as teorias científicas deveriam ser entendidas?
se devemos aceitar a verdade das teorias científicas para explicar o
sucesso da ciência? Ainda segundo Psillos, o debate sobre o realismo
científico tem uma longa história, evoluindo nas primeiras décadas do
século XX de uma discussão sobre termos lingüísticos (sobre o significado
do discurso científico ou sobre se os termos científicos denotam alguma
coisa) para uma argumentação sobre o poder das teorias científicas em
explicar entidades não observáveis.

2. REALISMO E ANTI-REALISMO
A revisão da literatura especializada mostra que as investigações sobre
a natureza e sobre as condições e a extensão do conhecimento humano
constituem alguns dos mais persistentes e instigantes problemas da filosofia e
da epistemologia. Estes problemas derivam de uma reflexão sobre o mundo ao
nosso redor, dela decorrendo as controvérsias sobre o ceticismo, racionalismo,
externalismo, fundacionalismo...
Alguns céticos defendem o argumento de que não temos crenças
justificadas a respeito de certas classes de proposições, e sendo assim, não
teríamos razão para acreditar em proposições sobre o mundo físico. Assim,
com relação à pergunta de Descartes (o que eu sei realmente sobre o mundo
externo?), as respostas dos céticos são pessimistas.
Dado que nosso conhecimento sobre o mundo externo deriva de nossos
sentidos, como podemos saber algo sobre o mundo sem primeiro provar que
nossos sentidos são confiáveis? Ou, como obtemos conhecimento usando uma
fonte de crenças sem antes mostrar que ela é confiável? Para Stroud (2000:6),
essas perguntas-problema não têm solução, isto é, nada podemos saber sobre
o mundo externo:
19

As representações ou experiências
sensoriais às quais a conclusão de Descartes restringiria meu
conhecimento, não poderiam ser outras além das minhas próprias
experiências sensoriais: não poderia haver nenhum conhecimento
comunitário, mesmo do véu da própria percepção. Se minhas próprias
experiências sensoriais não me permitem conhecer as coisas do mundo
que me rodeiam elas não me permitem mesmo saber se existem outras
experiências sensoriais ou sequer quaisquer outros seres perceptíveis.
(STROUD, 2000:6)
Mas o que poderia caracterizar uma visão realista da ciência? Para
Plastino (1995: 14), as seguintes proposições poderiam elucidar esta questão:
A existência e a natureza dos fatos do mundo não dependem das teorias
ou métodos que a ciência utiliza.
Toda asserção científica, interpretada literalmente, é ou verdadeira ou
falsa.
O valor-de-verdade de uma asserção científica é determinado pelo mundo.
Uma asserção é verdadeira quando mantém uma relação de
correspondência com o mundo.
A ciência procura teorias que façam uma descrição verdadeira (ou
aproximadamente verdadeira) do mundo.
Os termos teóricos preservam sua referência durante as mudanças
científicas. As teorias científicas sucessoras incorporam o cerne das
teorias precedentes.
O progresso da ciência consiste num processo convergente de
aproximação de uma teoria científica completa e verdadeira.
Nas ciências maduras, as teorias são aproximadamente verdadeiras e
seus termos centrais se referem a objetos do mundo.
Pode-se dizer que há várias formas de tratamento do realismo científico.
Enquanto algumas são compostas de suposições de caráter metafísico
(ontológico) sobre a existência e independência do mundo físico exterior, outras
enfatizam aspectos epistemológicos da investigação científica do mundo ou
aspectos semânticos da interpretação das teorias científicas. Entretanto, na
maioria dos casos, o realismo científico caracteriza-se como um conjunto
integrado e híbrido de teses filosóficas a respeito de diferentes aspectos ou
dimensões da ciência.
Para Psillos (2001:xix), a visão metafísica assegura que o mundo tem
uma estrutura definida e independente da mente, contrapondo-se às posições
idealistas, fenomenalistas, como também ao verificacionismo de Dummet ou
ao internalismo de Putnan. Já, a visão semântica toma as teorias científicas em
20

seu significado manifesto, vendo-as como descrições condicionadas pelo seu


domínio, tanto as observáveis quanto as não observáveis, o que se contrapõe
ao instrumentalismo e ao empiricismo reducionista. Por outro lado, a visão
epistêmica encara as teorias científicas maduras e bem sucedidas como bem
confirmadas e aproximadamente verdadeiras no mundo, contrapondo-se às
versões céticas e agnósticas do empiricismo. (O quadro 1 faz um resumo
desses pontos).

Quadro 1 Realismo e Anti realismo


Realismo ontológico Tradição empirista
Empiricistas conceituais (asserções têm
significado se e somente se puderem ser
verificadas)
Empiricistas reducionistas (a asserções
sobre entidades teóricas têm significado
porque dizem respeito a entidades
observáveis)
Carnap (verificacionismo confirmação
virada estruturalista neutralismo)
Realismo semântico Feigl e Hempel Empirismo reducionista e instrumentalismo
de Mach, teorema de Craig e Duhem ( a
ciência se preocupa somente com a
experiência e como tal não é explicação)
Otimismo epistêmico (Realismo Pessimismo indutivo Laudan, empiricismo
estrutural de Worrall) construtivo Van Fraassen
Fonte: Psillos 2001

Para Horwich (1996: 187-198), realismo é senso comum. O realismo nos


assegura que há fatos na Física, Matemática, Psicologia, História ..., e esses
fatos têm existência independente de nossa consciência, como também da
possibilidade de nos tornarmos deles conscientes, o que torna possível
adquirimos considerável conhecimento nestes domínios. Os realistas entendem
que, dada nossa idéia ordinária da natureza dos fatos do mundo, é
perfeitamente legítimo admitir o conhecimento científico desses fatos, os quais
não dependem de nossas crenças a seu respeito.
Bensusan (1994:37) apresenta três teses realistas. A primeira é a tese
da literalidade, isto é, de que a linguagem da ciência trata de entidades,
observáveis ou não. Essa linguagem é composta de expressões que são, em
sua maioria, genuínos enunciados e deve ser interpretada por um modelo de
teoria que envolva entidades, que não sejam meras sensações humanas, nem
21

apenas entidades observáveis ordinárias (esta tese poderia ser expressa pelo
empirismo de Van Fraassen, 1980). A segunda tese realista é a da unicidade,
segundo a qual as teorias que prevalecem sobre suas concorrentes levam em
conta critérios justificados e não pragmáticos, elas são as mais adequadas
entre as concorrentes disponíveis. A terceira corresponde ao realismo
ontológico, que implica no princípio de que aquilo que existe é independente as
teorias e da representação. Se aceitas estas três teses, pode-se unir a elas
uma concepção de verdade por correspondência, “que parece sugerir-se
naturalmente”.
Por outro lado, Putnan (1990:113-4) discute quatro tipos de realismo: o
realismo ingênuo, o realismo metafísico, o realismo interno e o realismo de
senso comum, que se opõem entre si. O realismo ingênuo não se confunde
com o realismo de senso comum porque se resume na convicção de que o
sujeito tem de se encontrar numa relação absoluta com o mundo e que o
mundo real consiste nas aparências que este sujeito consegue apreender. O
que Putnan rejeita no realismo metafísico e na perspectiva externalista são três
pontos principais: que o mundo seja uma totalidade fixa de objetos
independentes da mente, que exista uma única descrição coerente e
verdadeira de mundo e que a verdade implique em algum tipo de
correspondência. Para o realismo interno, a referência e a verdade não
dependem de qualquer misteriosa relação de correspondência, mas são ambas
internas às teorias.
Para Putnan (1990:205 ff), não tem sentido qualquer suposição de que
haja “entidades independentes da mente”. Em seu realismo interno, Putnan
propõe o abandono da dicotomia tradicional entre o mundo em si e os
conceitos que utilizamos para nele pensar e falar, e a verdade e a referência de
nossas expressões lingüísticas são relativas ao esquema conceitual, ou seja,
são internas à perspectiva assumida.
Goodman (1983:102) argumenta que, quando percebemos que os
supostos aspectos do mundo são relativos a uma perspectiva particular, então
uma versão verdadeira do mundo pode ser incompatível com outras
perspectivas, e assim, “o mundo em si rapidamente se esvai”.
Mas há algumas formulações ortodoxas sobre o realismo científico que
são defendidas por Fine (apud Plastino, 1995) e têm apoios nas teses
descritas a seguir:
há um mundo exterior definido (constituído de entidades com propriedades
e relações) que, em grande parte, é independente de nosso conhecimento
ou experiência;
22

a ciência busca alcançar informação substancial e correta dos aspectos do


mundo, ou seja, apresentar teorias verdadeiras que representem os
elementos e a estrutura do mundo; e
é possível o acesso epistêmico ao mundo e se espera que a ciência, em
seu progressivo desenvolvimento, permita aperfeiçoar nossa capacidade
de obter conhecimento (pelo menos aproximado) do mundo.
O realismo dá sentido à ciência a partir de uma postulação da existência
objetiva de um mundo (que não depende de nossa capacidade cognitiva) e de
uma concepção da verdade por correspondência. Assim, uma proposição
científica é vista como falsa ou verdadeira em virtude do modo como as coisas
são, independentemente de nossa habilidade em ter acesso ao mundo. Na
visão realista, o mundo é aquilo a que a proposição corresponde quando ela é
verdadeira, fornecendo um padrão externo a que as teorias científicas devem
conformar-se, porque das interagimos com o mundo é que são construídas as
representações a seu respeito e a legitimidade das afirmações científicas
reside, pois, nas relações externas que mantêm com seu objeto de estudo, isto
é, na concordância (aproximada) com algumas partes da realidade.
Para Rorty (1980), as teorias científicas deveriam ser um espelho que
reflete a estrutura da natureza. De maneira geral, os realistas entendem que o
empreendimento científico objetiva conhecer a verdade sobre o mundo exterior,
e a utilização de métodos e procedimentos científicos podem conduzem
gradativamente à descoberta da verdade e, ao conseqüente, consenso de
opiniões. Alguns autores associam o realismo científico ao naturalismo, por ser
mais aconselhável do que o fundacionalismo ou concencionalismo. Rorty
(1997: 15) classifica o termo anti-realismo de ambíguo, pois é usado de forma
padrão para significar a afirmação, acerca de algumas asserções particulares
verdadeiras, de que não há nenhuma questão de fato que essas asserções
representem.
Dummett (1978) resume a oposição realismo anti-realismo da seguinte
maneira:
Eu caracterizo o realismo como a crença em
que asserções da classe disputada possuem um valor objetivo de verdade,
independentemente de nossos meios de conhecê-lo; elas são verdadeiras
ou falsas em virtude da realidade existente independentemente de nós. O
anti-realista opõe a isso o ponto de vista de que asserções da classe
disputada devem ser compreendidas somente em referência ao tipo de
coisa que nós contamos como evidência para uma asserção dessa classe.
(DUMMETT,1978)
23

Do ponto de vista do anti realismo, Bensusan (1994:46) discute três


teses: o empirismo construtivo de Van Fraasen, que defende a
subdeterminação de toda teoria, o instrumentalismo que pode ser dividido em
pragmático (que considera que cada teoria pode ser substituída por infinitas
outras), e o epistêmico (que acredita que a teoria pode ser um instrumento
privilegiado e mais adequado para lidar com determinado domínio).
Por outro lado, segundo Plastino (1995), os anti-realistas consideram
que o realismo científico encerra uma tensão insustentável em suas teses
principais, ou seja, o conflito entre "a autonomia metafísica do mundo (sua
independência em relação a nós) e sua acessibilidade epistemológica (nossa
capacidade de aprendermos algo a seu respeito)".
Para o anti-realista, no entanto, não é possível conciliar os diversos
pressupostos ontológicos, semânticos e epistemológicos que muitas vezes
compõem o realismo científico. Com base em críticas internas (e também
externas), o anti-realista conclui que é preciso modificar profundamente a
imagem realista tradicional da ciência. (HORWICH, 1990:57).
Para tanto, os anti-realistas dispõem de várias opções:
Alguns recusam a suposição da existência de objetos de certos tipos. (Por
exemplo, pode-se negar a existência de objetos inobserváveis
(instrumentalismo), de modo que não seja legítimo acreditar literalmente
nas teorias que falam a seu respeito, ou de coisas em si independentes da
mente ou da linguagem (relativismo conceitual).
Outros preferem mostrar que certos tipos de objetos reduzem-se a outros
que parecem ter prioridade epistemológica (fenomenismo).
Outros questionam nossa capacidade de conhecer objetos inacessíveis à
observação (empirismo construtivo), embora não neguem a existência de
entidades inobserváveis.
Além disso, há anti-realistas que propõem outras concepções de verdade e
de referência que permitam eliminar o suposto conflito interno do realismo
científico. (PLASTINO, 1995: 15)
Mas em uma concepção anti-realista e instrumentalista da ciência, os
princípios realistas são geralmente relegados ou criticados, porque o sentido da
ciência não decorre da tentativa de representar uma realidade que existe
independentemente de nós, mas “sim das virtudes pragmáticas das teorias (por
exemplo, sua confiabilidade instrumental)”. A razão de ser da ciência estaria no
modo como ela permite guiar nossas ações e pensamentos, sendo sua
principal motivação da pesquisa científica construir teorias que, “em certa
medida, estejam adequadas aos fenômenos de nossa observação e que
permitam extrair novas e bem-sucedidas conseqüências futuras sobre eventos
24

que nós podemos perceber e investigar”. Assim, uma teoria científica será
aceita, desde que ela funcione satisfatoriamente. De certo modo, a prática
científica é entendida como "uma projeção para fora de nós, de nossos
interesses, hábitos e capacidades" (FINE, apud Plastino, 1995).
Para os instrumentalistas, é no interior da própria prática científica que
se reconhecem e se apreciam os méritos das conclusões científicas, e é
necessário, portanto, que as estratégias adotadas pela comunidade científica
sejam tidas como capazes de realizar ou conduzir progressivamente aos fins
esperados. Nesse contexto, a verdade, como correspondência ou concordância
da teoria com a realidade, não deveria ser considerada como um objetivo da
investigação científica, pois em geral não sabemos como determinar se uma
dada hipótese ou teoria científica tem a propriedade de ser verdadeira ou estar
mais próxima da verdade que outra. Ainda que a verdade possa ser
rigorosamente definida e seja em princípio atingível, não há um critério
operacional cuja satisfação garanta que um enunciado ou sistema de
enunciados da ciência empírica seja verdadeiro ou se aproxime
assintoticamente da verdade (em termos realistas). Conseqüentemente,
mesmo diante de uma verdade científica não saberíamos identificá-la ou
reconhecê-la como tal, e, o máximo que podemos e devemos esperar das
teorias científicas é o acordo com nossas observações, sua precisão e
simplicidade (sob vários aspectos), seu poder de predição e explicação, sua
capacidade de unificar e sistematizar leis empíricas, a abrangência de seu
domínio, sua eficácia na solução de problemas teóricos, sua aplicação prática,
sua coerência com outras crenças bem estabelecidas. (PLASTINO, 1995)
[...] a noção realista de verdade (como
correspondência) transcende nosso conhecimento de tal maneira que não
possui nenhuma implicação para a prática efetiva dos agentes da pesquisa
científica (e, além disso, abre as portas ao ceticismo).(PLASTINO, 1995:16)
A concepção instrumentalista da ciência entende que o êxito prático da
ciência não autoriza a crença nas atuais teorias científicas (literalmente
interpretadas) nem na existência das entidades teóricas (inobserváveis) que
elas postulam, e as considerações pragmáticas favoráveis a uma teoria
científica parecem indicar apenas que ela é um instrumento útil. Nesse
contexto, as chamadas entidades teóricas da ciência são consideradas como
ficções, construtos mentais ou idealizações simples e convenientes aos
propósitos da ciência. Para os instrumentalistas, os argumentos utilizados para
fundamentar a aceitação de resultados científicos não servem de base para
supormos que a ciência é uma fonte de informação confiável sobre a "estrutura
25

subjacente" aos fenômenos naturais observáveis e o debate contemporâneo


realismo x instrumentalismo está centrado principalmente na questão
epistemológica de se o poder explicativo e preditivo de uma teoria científica
justifica a crença na verdade (ou verdade aproximada) dessa teoria.
(PLASTINO, 1995)
No entanto, segundo Plastino (1995:10), uma análise histórica da
evolução da ciência também mostra a inadequação do realismo com base em
sua explicação do êxito científico, porque numerosas teorias científicas que
apresentaram considerável êxito em sua época postularam entidades teóricas
cuja existência hoje negamos (por exemplo, o flogisto, o fluído calórico ou as
forças vitais).
Por outro lado, sem uma explicação sobre o êxito instrumental da
ciência, haveria necessidade de reconhecer esse sucesso como sendo fruto de
um "milagre" ou talvez de uma misteriosa "coincidência cósmica" e o realismo
poderia se apresentar como a concepção que oferece a melhor explicação
sobre o êxito experimental da ciência. Mas, como observa Fine (apud Plastino,
1995) há uma “manifesta circularidade nessa tentativa de fundamentar a
posição realista” e deveríamos esperar que a fundamentação do realismo
científico envolvesse "métodos mais rigorosos do que aqueles utilizados na
prática científica ordinária". Desse modo, o realista não é capaz de mostrar
(sem petição de princípio) que o poder explicativo do realismo garante a crença
na verdade (aproximada) da teoria ou na existência das entidades teóricas que
ela postula.
Essa deficiência do argumento do milagre é acertadamente reconhecida
por realistas como Boyd (1990), para quem "aceitar a explicação do realista
como uma teoria científica não implica aceitar o realismo científico, pois a
explicação do realista pode ela própria ser interpretada não-realisticamente".
Assim, para evitar a circularidade em sua defesa, o realismo científico deveria
ser incorporado a um amplo pacote filosófico de teses epistemológicas,
semânticas e metafísicas, incluindo uma versão naturalizada do conhecimento
e da referência, em que se relacionam estreitamente considerações filosóficas
e descobertas científicas e a estratégia argumentativa a ser usada consistirá
em mostrar a superioridade desse pacote realista diante de outros pacotes
filosóficos rivais, por exemplo, o empirista de van Fraassen ou o construtivista
de Kuhn.
Plastino (1995) também explica que para um instrumentalista aceitar a
explicação do realista sem com isso comprometer-se com a verdade das teses
realistas; seria suficiente admitir apenas a sua eficácia em explicar
satisfatoriamente certos tipos de fenômenos. Assim sendo, o instrumentalista
26

propõe que a concepção realista da verdade seja substituída por uma


concepção pragmatista em que a verdade é analisada em termos da
confiabilidade instrumental (ou da "assertibilidade garantida" de Dewey).
Mas a defesa do realismo deve levar em conta a existência de entidades
que são consideradas desnecessárias por algumas posições anti-realistas,
como o fenomenalismo, ou o nominalismo (quanto idéias abstratas ou objetos
matemáticos) e, que muitos estão dispostos a eliminar com uma navalha de
Ockan.
Para Bensusan (1994:37), o realismo precisa rejeitar uma visão
instrumentalista das teorias e defender que a ciência trata de entidades e
propriedades destas entidades, sejam elas observáveis ou não, e não apenas
que sua linguagem parece tratar de entidades e propriedades destas.
Entretanto para aqueles que defendem os "jogos de linguagem", o
"relativismo ontológico", "tradução radical" e "versões-de-mundo", como
Wittgenstein, Quine e Goodman, o conhecimento não consiste num
espelhamento imediato das coisas externas, mas na construção de "narrativas"
e "interpretações" que são, por sua vez, sistemas de símbolos que ordenam e
categorizam a experiência. Nesse contexto, a guinada lingüístico-pragmático-
hermenêutica “dissolveria o fundacionismo, o representacionismo e o
transcendentalismo” e o lugar da epistemologia e da metafisica poderia ser
ocupado com "um mundo sem substâncias ou essências" ou "uma verdade
sem correspondência com a realidade". Para os fundacionistas, as nossas
crenças acerca dos “sense data” e da experiência presente são infalíveis, daí
poderem desempenhar o papel que lhes foi atribuído nesta forma de
empirismo; as crenças acerca dos nossos estados sensoriais são infalíveis e
podem ser justificadas recorrendo àquele alicerce.
Algumas filosofias pressupõem um realismo metafísico ou
epistemológico e compartilham a noção de que existe algo suficientemente
objetivo para servir como fundação que garanta o argumento racional ou
conclusões possíveis sobre as perspectivas sobre a experiência ou sobre o
mundo, que sejam as mais inteligíveis. Outras refutam a idéia de uma
“perspectiva mais ampla”, ou “um meta-vocabulário” ou “um espaço comum” ou
“um esquema neutro” ou “god´s eye-view”.
27

A oposição à tradição metafísica pode tomar uma série de formas e os


filósofos mais radicais são Rorty, Davidson e Putnan, para quem o problema
central da filosofia- a realidade externa- não pode ser resolvido nem pelo anti-
realismo nem pelo fenomenalismo. Eles acusam as filosofias tradicionais de
tentar um ataque sem esperança à tarefa de alcançar um estado de
pensamento sobre o mundo ou um objeto que seja independente deste
pensamento ou qualquer contexto da investigação.
Rorty (1989: xiii-xiv), baseia seu ataque na afirmação É difícil que um cientista
não seja um homem
de que as orientações filosóficas tradicionais honesto e imparcial. É
pressupõem uma visão neutra e compreensiva da verdade que alguns
realidade que pode ser apoiada por critérios de naturalistas foram açu-
verdade e adequação. sados de furtar espé-
Davidson (1990:309) não vê nenhuma razão cimes; enquanto outros
para “supor que o realismo e o antirealismo, se mostraram longe de
serem imparciais defen-
explicados em termos do não-epistêmico radical ou do dendo suas teorias.
caráter epistémico radical da verdade”, seriam as Estas duas faltas podem
únicas formas de darem substância a uma teoria da ser extremamente noci-
verdade ou do significado. vas para a capacidade
Já, Dummet (1933:192), considera que existe científica dos mês-mos.
uma tendência muito forte com relação a uma visão Mas geralmente os
realista, embora ele não veja como a posição realista cientistas têm sido os
melhores homens. Por-
possa ser defendida do ataque anti-realista, poderia tanto, é bastante natural
haver um ponto intermediário, “mas eu não posso ver que um jovem que
exatamente qual ele seria” . possa vir a se desen-
Essa posição é criticada por Putnan (1994:491): volver como cientista,
Dummet entende as opções filosóficas como deveria ser uma pessoa
segue: ou, nossas proposições somente tem de boa conduta.
condições de assertibilidade, ou, elas tem algo (PEIRCE)
misterioso flutuando sobre elas, corrigindo-as de
acordo com a realidade. Mas, como
argumentarei, não devemos aceitar a idéia de
que somos forçados aescolher somente entre
estas duas opções.(PUTNAN,1994:491)
Sob outra perspectiva, Hildebrand (2003:10) considera dois
movimentos que sucederam ao realismo. Segundo Hilebrand, na virada do
século 20, alguns filósofos (como Moore, Mach, Peirce, James e Dewey) se
revoltaram contra o idealismo, maravilhados pelos avanços na biologia,
matemática e lógica. Estes realistas enfatizavam a independência dos objetos e
suas relações. Posteriormente, Perry e Montague, se tornaram conhecidos
28

como componentes do Novo Realismo. O Novo realismo teve grande impacto,


e sua revolta contra o idealismo não só assegurava a independência relativa do
objeto, mas também envolvia uma redefinição da própria mente. Entretanto, o
Novo Realismo se mostrou incapaz de avaliar a consciência e o problema do
erro, sendo substituído por uma corrente denominada Realismo Crítico, que
argumentava que a mente conhecedora necessitava ser mediada por algum
tipo de interface não física. A distinção epistemológica entre objeto e veículo do
conhecimento se tornou crucial para os Realistas Críticos. O Realismo crítico
abriu uma fenda entre o Novo Realismo e o Pragmatismo.
O quadro abaixo resume essas considerações:
Quadro 2 Novo Realismo e Idealismo
Novos Realistas Iidealistas
Mente inclui ou Mente é uma relação entre Toda realidade
caracteriza conteúdos não mentais
Os poderes da mente A mente observa, mas não São criativos e constituem
face aos objetos altera os objetos.
A relação conhecido/ O conhecimento é uma objeto não pode causally
conhecedor relação externa e o ser dos severed de saber o assunto
objetos não depende do
sujeito.
A essência da mente A mente é relacional não A mente é uma unidade
substantiva, os estados da sistemática, universalmente
mente são classes de auto evolutiva
conteúdos.
O status ontológico da A mente na existe a parte A mente existe indepen-
mente das relações entre objetos, dentemente dos objetos
eventos ou entidades, embora possa ser
estes, entretanto não influenciada por eles.
dependem da mente.
Fonte: Hildebrand (2003:10)

3. O REALISMO PEIRCEANO
O êxito da ciência moderna deveria convencer-nos que a
indução é o único ditame imperativo capaz de buscar a verdade.
Ora, o pragmaticismo diz simplesmente que o método indutivo é
o único essencial para a determinação do teor intelectual de
qualquer símbolo.(CP 8.209 DE 1905)
29

Como a filosofia de Peirce responde aos Para aplacar nossa


dúvida, faz-se neces-
ataques recentes ao realismo? Nos textos a seguir sário, por conseguinte,
vamos tentar responder, dentro de uma perspectiva que se encontre método
peirceana, aos desafios de que afirmações metafísicas por força do qual nossas
sobre a realidade ou, sobre objetos extra-linguísticos, crenças passem a ser
ou, ainda, sobre especulação sistemática são deter-minadas não por
possíveis, e não se constituem questões sem sentido, algo humano, mas por
algo externo e estável -
fúteis ou fora de moda, como pregam algumas das por algo que nossa
posições rivais ao realismo científico, entre elas, o reflexão não tenha
instrumentalismo, o empirismo construtivo, o realismo efeito.(...) O algo externo
interno e o relativismo cognitivo. e estável a que nos
Felizmente, do ponto de vista epistemológico, referimos não seria
Peirce estava consciente da necessidade de fornecer externo no sentido
tanto uma justificativa para a crença na existência de indicado, caso sua
influência atingisse um
um mundo externo quanto um critério para se único indivíduo. Deve-
determinar quais objetos de nossa experiência pertence mos dispor de algo que
à classe de objetos externos. E Peirce pergunta: “Como afete ou possa afetar
sei que há reais?” A resposta está nas seguintes todas as pessoas. E
considerações: embora as maneiras de
se a investigação não pode ser encarada como afetar sejam neces-
sariamente tão diversas
comprobatória de que há coisas reais, ela não quanto as condições
conduz, pelo menos, a uma conclusão contrária; o individuais, o método
método e a concepção sobre a qual se funda deve ser tal que as
permanecem em harmonia contínua; conclusões últimas de
ninguém pode, portanto, duvidar de que todas as pessoas sejam
efetivamente existam Reais, pois que, se as mesmas. Tal é o
método da ciência. (CP
duvidasse, a dúvida não seria fonte de 5.384 de 1877).
insatisfação. O impulso social leva os homens a
não duvidarem dela;
todos utilizam o método científico para muitas
coisas e só deixam de assim proceder quando não
sabem como aplicá-lo;
a utilização do método não nos leva a dele duvidar, mas pelo contrário, a
investigação científica tem alcançado triunfos estrondosos no campo da
conciliação de opiniões (CP 5.384 de 1877).
Mas se não houvesse um objeto, se não houvesse um objeto real, não
haveria verdade e, para Peirce, só podemos opinar que há uma coisa como a
verdade porque caso contrário o raciocínio e o pensamento não teriam valor.
30

Mas, pergunta ele, o que queremos dizer ao afirmar que há uma coisa como a
verdade? E a resposta é que “queremos dizer que há algo ASSIM, correto e
justo, independente de que qualquer pessoa pense assim ou não”. (CP 2.135
de 1902)
Para Peirce, o problema do conhecimento da realidade está apoiado no
domínio da metafísica. Haveria, então, pelo menos duas posições alternativas:
a apriorista e a empirista ou naturalista. A posição apriorista é a kantiana,
assumindo que a metafísica é uma ciência da razão pura, com seu
conhecimento derivado exclusivamente de conceitos que não sofrem influência
de qualquer experiência. A empirista pressupõe que somente a experiência
pode solucioná-la (CP 2.137 de 1902). Peirce enfatiza o
papel da experiência, isto é, a experiência é aquela Você pode se iludir
determinação da crença ou cognição que o curso da quanto você quiser, mas
vida força sobre o indivíduo. Mas, precisamente, como você tem uma
experiência direta de
ocorre a ação de experiência? Através de uma série de algo que reage contra
surpresas (CP 5.551 de 1905). Pode-se mentir a você. Você pode chegar
respeito disso, mas ninguém pode escapar do fato de a supor que há uma
que algumas coisas são forçadas sobre sua cognição: substância na qual o
ego e o não-ego tem as
Há um elemento de raízes similares no seu
força bruta, existente, mesmo que você pense ou ser; mas isso é
não que ele existe. Alguém poderá objetar que se irrelevante. O fato da
ele não pensou assim, ele não seria forçado a reação permanece. Há a
pensar assim; pelo que não é um uma instância em proposição que é assim,
questão. Mas esta é uma dupla confusão de idéias. seja o que for o que
Porque em primeiro lugar, que algo seja assim, você opina sobre ela. A
mesmo que você pense diferentemente, é algo que essência da verdade
não pode ser refutado ou demonstrado se você encontra-se em sua
pensar diferente; e em segundo lugar, o que a resistência a ser
experiência força o homem a pensar, ele tem que ignorada (CP 2.139 de
pensar forçosamente. Mas nesse particular ele não 1902).
é forçado a pensar que é essa força que o faz
pensar assim. A verdadeira opinião cogitada por
aqueles que negam que há alguma Verdade, no
sentido definido, é que não é força, mas sua liberdade interna que
determina sua cognição experiencial. Mas essa opinião é absolutamente
contraditada por sua própria experiência. (CP 2.138 de 1902)
Embora algumas pessoas insistam em fechar seus olhos para o
elemento de compulsão, este é diretamente experienciado por eles. Mas o
próprio fato de poder negá-lo confirma o fato de que é independente da opinião
a seu respeito. A hipótese fundamental do método da ciência é de que há reais,
31

cujos caracteres são completamente independentes de nossas opiniões sobre


eles. Segundo Peirce, os argumentos acima mostram que a ciência não só
assume legitimamente a existência de um mundo independente como também
necessita fazê-lo, se quiser manter a visão objetiva corrente da ciência. A
hipótese de Realidade constitui a única prova do método de investigação, então
esse método de investigação não deve ser usado para provar as hipóteses (CP
5.384 de 1877).
Para Peirce, a qualquer momento nós estamos de posse de certas
informações, de cognições que foram logicamente derivadas por indução e
hipóteses de cognições prévias, que são menos gerais, menos diferentes, e
das quais nós temos uma consciência menos vívida. Estas, por sua vez, foram
derivadas de outras ainda menos gerais, menos diferentes e menos vívidas e
assim por diante até voltar ao primeiro ideal, que é bastante singular e bastante
fora da consciência. Este primeiro ideal é a “coisa-em-si” particular.
Não existe como tal, isto é, não existe a
coisa que é, em si mesma, no sentido de não ser relativa à mente, embora
coisas que são relativas à mente sem dúvida existem à parte desta
relação.(CP 5.311 de 1868)
Assim, as cognições que nos encontram através desta infinita série de
induções e hipóteses são de dois tipos - verdadeiras ou falsas, ou cognições
cujos objetos são reais e aquelas cujos objetos não são reais. O real é definido
na seguinte passagem:
O real, então, é aquilo no qual, mais cedo ou
mais tarde, a informação e o raciocínio resultarão finalmente, e que é
portanto independente das minhas e das suas fantasias. Assim, a
verdadeira origem da concepção de realidade mostra que esta concepção
implica essencialmente a noção de uma COMUNIDADE, sem limites
definidos e capaz de um aumento de conhecimento indefinido. (CP 5.311de
1868)
Por outro lado, da existência do real segue que existe uma resposta
última para toda questão. Assim, todos esses argumentos mostram uma defesa
bem construída do que se entende por verdadeiro quanto à objetividade do
conhecimento sobre a realidade externa.
O real não é, assim, per se, um objeto
imediato (objeto interno) do pensamento, mesmo que o meu pensamento
possa vir a coincidir com ele. Mais ainda, o real deve influenciar o
pensamento ou eu não poderia, seguindo qualquer norma de raciocínio,
chegar a qualquer verdade. (W3:60)
32

Do fato de que o real permanece sem ser afetado pelo que pensamos
(CP 8.12 de 1871); do fato de que o real é independente do que dele se possa
pensar (CP 5.405 de 1877); do fato de que uma comunidade de investigadores
utilizando um método correto chegará a uma opinião com a qual todos
concordarão (opinião esta cujo objeto é o real e que não depende das opiniões
individuais CP 5 407 de 1877), emergem três idéias:
a realidade tem uma espécie de independência com relação àquilo que
está sendo pensado e representado.
a realidade está essencialmente relacionada com o pensamento e as
idéias
a idéia de realidade é a resultante final da investigação.
Neste contexto Peirce faz a seguinte suposição:
Suponha que nossa opinião com referência
a uma dada questão esteja completamente estabelecida, de tal modo que
mesmo que se a investigação for levada adiante, ela não nos ofereça mais
surpresas neste ponto. Então poderemos dizer que alcançamos o perfeito
conhecimento sobre essa questão. (CP 4.62 de 1843)
Para Peirce, a realidade não pode ser separada de suas
representações, ou seja, dos fenômenos mentais. A única forma de não cair em
um “mentalismo” do tipo Locke, está na lógica ou semiótica porque todos os
nossos produtos mentais são signos e não podemos pensar sem signos. Essa
noção de realidade é expressa na seguinte passagem:
Há coisas reais, cujos caracteres
independem por completo de nossas opiniões a respeito delas; esses reais
afetam nossos sentidos segundo leis regulares e conquanto nossas
sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos,
poderemos, valendo-nos das leis da percepção, averiguar através do
raciocínio, como efetiva e verdadeiramente as coisas são: e, todo homem,
desde que tenha experiência bastante e raciocine suficientemente acerca
do assunto, será levado à conclusão única e verdadeira.(CP 5.384 de 1877)
A realidade das coisas está sujeita às seguintes propriedades:
Não depende do desejo ou opinião de indivíduos ou grupos de indivíduos;
Será objeto de consenso entre as pessoas que têm suficiente experiência
e conduzem as investigações de forma correta;
De fato, este consenso não é limitado a uma comunidade particular, mas
pode incluir qualquer agente racional;
O consenso resulta da ação da realidade externa sobre nossos sentidos e
nossas opiniões.
33

A noção da realidade para Peirce apresenta dois aspectos importantes:


a alteridade, que caracteriza o elemento que reage (associada à Segundidade,
categoria da existência) e a insistência da força bruta, que ao manter
determinada regularidade, possibilita o conhecimento (associado à
Terceirdade, que é categoria da generalidade, da lei), ou nas palavras de
Peirce:
Embora em toda experiência direta de
reação, um ego, algo interno, seja um membro do par, ainda atribuímos
reações a objetos fora de nós. Quando dizemos que uma coisa existe,
queremos dizer, na verdade, que reage contra outras coisas. Que estamos
transferindo a isto nossa experiência direta de reação. É nossa hipótese
explicar o fenômeno – uma hipótese que, semelhante ao trabalho da
hipótese de uma investigação científica, embora não possamos acreditar
ser ela completamente verdadeira, é útil em capacitar-nos a conceber o que
acontece. (CP 7.534 s.d.).
Nossa análise também enfatiza o tratamento dado por Peirce à
categoria da segundidade, de forma a mostrar que a compulsividade de nossa
experiência perceptiva garante a externalidade do objeto que percebemos. A
segundidade é uma experiência que resulta completamente do choque de
reação entre o ego e o não-ego.
Aí reside a dupla consciência de esforço e
resistência. Isso é algo que não pode ser concebido adequadamente.
Porque concebê-lo significa generalizá-lo; e generalizá-lo é perder por
completo o aqui e agora que é sua essência. Na minha opinião, a idéia de
uma reação não á a idéia de dois mais uma reação. Pelo contrário, pensar
em dois pontos como em dois é ter uma pequena experiência de reação e
depois de nos dizer que isso é para ser tomado somente num sentido
Pickwickiano, como uma mera reação dentro do mundo das idéias, a
própria experiência de reação conduzindo-nos de vez a pensar em um
mundo de segundos ou existências e um mundo de meras idéias domadas;
um resistente, o outro sujeito às nossas vontades. Também nos
encontramos pensando nas coisas sem nós, como atuando sobre eles
mesmas, como se estivessem realmente ligadas. Bem, isto agora é questão
sua como psicólogo, e não minha, de dizer como isto acontece. Eu
simplesmente contemplo o fenômeno e digo que toda idéia de relação real,
ou ligação contém esse mesmo elemento de reação irracional. Todo o
verdadeiro caráter de consciência é meramente a sensação do choque do
não-ego sobre nós. (CP 8.266 de 1903).
Apesar de todo seu interesse pelos signos, foi apenas em 1907 (CP
5.461-496), que Peirce estabeleceu a importância da semiótica para o
pragmatismo e a afirmação de que todos os pensamentos são signos se torna
34

uma posição realista. Então como sabemos que um objeto interno em nossa
cognição pode representar um objeto externo à nossa cognição? Para resolver
esta questão é necessário analisar tanto a Fenomenologia como a teoria da
percepção de Peirce.
Começando pela Fenomenologia, o que Peirce entende como
fenômeno? Como sabemos que aquilo que se apresenta na nossa cognição é
também a representação de um objeto real que está fora da cognição. Peirce
responde a isto com a definição de fenômeno. Fenômeno é tudo o que está
diante de nossa mente, pode ser um sonho, uma sensação, pode ser uma
presença física ou um pensamento, não se restringindo a algo "que se pode
sentir, perceber, inferir, lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordem-
espaço temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o „mundo
real‟”. (Santaella, 1995:16).
Depois de muitos anos de estudo, Peirce chegou à conclusão de que só
há três e não mais do que três categorias, que são pontos para os quais todos
os fenômenos tendem a convergir: primeiridade, segundidade e terceiridade ou
Acaso, Existência, Lei. As categorias correspondem aos três modos de ser e
aparecer, isto é, como primeiridade (a idéia de que o fenômeno aparece como
ele é), como segundidade (a idéia de uma relação de dependência) e como
terceiridade (a idéia de mediação). A primeiridade é um modo de qualidade,
que na interioridade corresponde à unidade e na exterioridade à diversidade. A
segundidade corresponde ao modo de reação, que na interioridade
corresponde aos fatos do passado e na exterioridade ao não-eu. A terceiridade
corresponde ao modo de ordem, que na interioridade se refere à permanência
e na exterioridade à regularidade.
A experiência é um processo cognitivo de signos, que corresponde à
categoria da terceiridade, mas o elemento mais proeminente desse processo
de terceiridade são as relações referenciais da terceiridade e da segundidade,
que são expressas na nossa experiência de reação dual em nossa mente
cognitiva, e nessa dualidade reconhecemos os objetos representados. Para a
ciência, os fatos não podem ser olhados de forma atômica e não relacionada,
eles devem ser passíveis de generalização, devem ser vistos dentro de um
sistema (CP 1.424 de 1896), onde são relacionados e agrupados de acordo
com leis gerais, porque um verdadeiro continuum não pode ser esgotado por
nenhuma multiplicidade de particulares. A verdadeira generalidade é de fato
continuidade.
Ora, se a força da experiência fosse mera
compulsão cega, e, se fôssemos estranhos absolutos no mundo, então,
mais uma vez, poderíamos pensar apenas para aprazer a nós mesmos;
35

porque, neste caso, nunca poderíamos fazer com que nossos pensamentos
se conformassem a essa mera Segundidade. Mas a verdade é que há uma
Terceiridade na experiência, um elemento de Racionalidade, em relação ao
qual podemos exercitar nossa própria razão a fim de que ela se lhe adeqüe
cada vez mais. Se não fosse esse o caso, não poderia existir algo como um
bem ou mal lógicos, e, portanto não precisaríamos esperar até ser provado
que há uma razão operativa na experiência, da qual nossa própria razão
pode aproximar-se. Deveríamos, ao mesmo tempo, esperar que isto assim
seja, porquanto nessa esperança reside a única possibilidade de todo
conhecimento. (CP 5.160 de 1903)

Fatos atômicos isolados são apenas exemplos de


pura segundidade e como tal não podem ser conhecidos Generalizar, difundir
ou interpretados, isto é, seriam as “coisas-em-si-mesmas” sistemas contínuos no
incognoscíveis kantianas e, em resumo, não teriam para pensamento, no senti-
mento, nos atos, é a
nós nenhuma realidade. Para explicá-los, Peirce propõe a verdadeira finalidade
doutrina do sinequismo (continuidade), pressupondo que da vida. (Peirce)
tudo o que é último é inexplicável, porque a continuidade
é a ausência de partes últimas nas quais algo seja
divisível (CP 6.173 de 1901), e a única forma sob a qual qualquer coisa pode
ser inteligível é a forma da generalidade, que é o mesmo que continuidade.
Obviamente esse princípio repousa sobre a metafísica e a ontologia,
porque para Peirce a “metafísica consiste no resultado da aceitação absoluta
dos princípios lógicos, não meramente como regulativamente válidos, mas
como verdades do ser” (CP 1.487 de 1896). O sinequismo “está fundado na
noção de coalescência, o vir a ser contínuo, o vir a ser fundado em leis, o vir a
ser instinto com idéias gerais, são apenas fases do e mesmo processo do
crescimento da razoabilidade, isto é mostrado com exatitude matemática pela
lógica e então inferido metafisicamente” (CP 5.4 de 1903).
No que tange à dupla objeção do título, primeiro darei uma olhada no
ramo dele que descansa sobre a idéia de que a concepção de ação
inclui a noção de lei ou uniformidade, ou seja, que falar sobre uma
reação independente de qualquer coisa, a não ser dos dois objetos
individuas reagindo, é um absurdo. A isso eu deveria dizer que uma lei
da natureza abandonada a si própria seria bastante análogo a uma corte
sem um xerife. A corte nessa situação difícil poderá provavelmente
induzir algum cidadão para atuar como xerife; mas até que ela tenha
conseguido um funcionário que, diferente dela própria, não poderia falar
com autoridade, mas que poderia aplicar a força, sua lei poderia ser a
36

perfeição da razão humana, mas permaneceria mero fogo de artifício,


brutum fulmen. (CP 5.48 de 1903)
Hausman (1993:14), reforça esta idéia afirmando
que um geral não pode ser pensado sem um telos, com
A extraordinária a
respeito a ser um hábito, um terceiro, o geral é aquilo disposição da mente
que é devido a sua influência em instâncias futuras, ou humana para pensar
seja, aquilo que é verdadeiramente real está ligado acerca de tudo através
obrigatoriamente à idéia geral que ele representa. da difícil e quase
Podemos, então, confiar no raciocínio? Esta incompre-ensível forma
questão pode ter um de dois significados, pode ser uma de um continuum
apenas pode ser
procura de certeza do raciocínio em particular ou qual explicada supondo que
é a certeza última da verdade da conclusão de qualquer cada um de nós é na
raciocínio? Para Peirce a resposta deve ser da sua natureza real um
natureza de uma fé, fé esta que deve se relacionar ao continuum. (Peirce)
caráter geral do Universo ao qual o raciocínio se
relaciona:
[...] e deve ser em substância que o universo
seja governado por uma razão ativa correspondente àquele aplicado no ato
da inferência. Se o objeto imediatamente diante da mente é o objeto real ou
não, parece ser uma questão da qual é difícil extrair qualquer significado
claro, mas é bastante seguro que nenhum pensamento sobre ele modificará
o objeto Real, uma vez que é precisamente isso o que se quer significar ao
chamá-lo Real. Às vezes é um objeto moldado pelo pensamento - do qual a
verdadeira última frase produz um exemplo; mas, na medida em que é
Real, não é modificado por pensar nele. Agora, quando pensado, o objeto
diante da mente está sob o controle do pensador e é sempre modificado
pela ação de sua vontade. (MS 634:9 de 1909).
Mas o realismo não diz respeito somente à realidade do mundo externo,
mas pode ser resumido numa pergunta feita por Peirce em “Logic of 1873”, isto
é, “se correspondendo a nossos pensamentos, sensações e representadas em
algum sentido por eles, haveria realidades, que não só são independentes do
meu, do seu pensamento e do pensamento de qualquer um, mas seriam
independentes do pensamento em geral?” E a resposta para esta pergunta
está na noção de opinião final:
A opinião objetiva final é independente do
pensamento de qualquer homem em particular mas não é independente do
pensamento em geral, o que equivale a dizer que, se não houvesse
pensamento não haveria opinião e, portanto, nenhuma opinião final. (CP
7.336 de 1873).
37

No âmago dessa questão está outra: se a generalidade ou a


racionalidade ou o modo de ser das leis ou a terceiridade são reais. Se não
forem reais, o mundo não exibe qualquer estrutura que seja inteligível, o
universo não vai se revelar no decurso da investigação científica, mas sim, vai
se apresentar apenas como um quebra–cabeças para o qual nós daremos
ordem. Mas se forem reais, então haverá a possibilidade de descobrirmos a
ordem e a racionalidade do universo, “um fragmento do pensamento divino“,
conhecer os desígnios do “geômetra divino”.
Para Peirce, a posição nominalista é inconsistente tomando-se em
consideração vários aspectos. O primeiro se refere às qualidades não serem
reais, a menos que sejam realmente percebidas. Mas o que é uma qualidade?
Uma qualidade é uma mera potencialidade abstrata. Para o nominalista aquilo
que é potencial ou possível não é nada, a não ser o que o atual faz, mas para
Peirce é “impossível assegurar que uma qualidade somente existe quando for
realmente inerente em um corpo”, qualidade está ligada à idéia de um
“fenômeno parcial considerado como mônada” (CP 1.429–30 de 1896),
significando que na concepção de qualidade estão implicadas a talidade,
unidade e a realidade da primeiridade.
O segundo aspecto a ser considerado está relacionado aos perceptos
estarem sujeitos a determinadas leis. Para Peirce, se os perceptos não fossem
matéria de lei, as nossa idéias seriam uma questão para indiferença. Poderia
ser conveniente agir e pensar de acordo com regra, mas um conjunto de regras
seria superior a outro só convenientemente ocorrido”. Mesmo “um homem
cândido” acredita que os fenômenos são regulares, isto é, são governados por
leis gerais, e sendo assim são passíveis de predicação pelo raciocínio. (CP
2.149 de 1902).
O terceiro aspecto diz respeito à realidade dos possíveis. Um possível
para um nominalista é simplesmente uma função de nossa ignorância quanto a
fazermos uma dada suposição, mas para Peirce não é uma questão de
ignorância desde que nada está envolvido a não ser pura hipótese. Os
nominalistas consideram os contigentes futuros de Aristóteles como realmente
um absurdo, um determinado evento ou acontecerá ou não acontecerá. Não há
nada agora na existência para constituir a verdade deste ser acontecer ou não
acontecer, exceto certas circunstâncias para as quais, somente uma lei ou uma
uniformidade podem levar com eficácia, mas para o nominalista aquela lei não
tem ser real, é apenas uma representação mental. Entretanto, se admitirmos
que a lei tem um ser real, não do modo do ser de um indivíduo, mas ainda mais
real, “então o futuro necessariamente conseqüente de um presente estado de
38

coisas será tão real e verdadeiro quanto aquele próprio estado de coisas
presente”. (CP 6.367-368 de 1898).
Assim mesmo, deixe uma lei da natureza--
digamos a lei da gravidade - permanecer uma mera uniformidade -- uma
mera fórmula estabelecendo a relação entre os termos - e o que no mundo
induziria uma pedra, que não é um termo nem um conceito, mas só uma
coisa simples, a atuar em conformidade com essa uniformidade? Todas as
outras pedras podem ter feito assim, e esta pedra também em ocasiões
anteriores, e quebraria a uniformidade se não for fazer assim agora. Mas, e
daí? Não tem sentido tentar de fazer raciocinar a uma pedra. Ela é surda e
não pensa. Eu deveria perguntar a quem objeta se ele é um nominalista ou
um realista escolástico. (CP 5.48 de 1903)
Há ainda um quarto aspecto: para o nominalista não existe conexão
entre coisas individuais. Um nominalista define ação como uma noção de lei ou
de uniformidade, contra o que Peirce argumenta que “uma lei da natureza
abandonada a si própria é muito parecida com um tribunal sem juiz”.
Suponhamos que uma lei da natureza, por exemplo, a lei da gravidade
permaneça mera uniformidade, mera fórmula estabelecendo uma relação entre
termos - o que no mundo induziria uma pedra, que não é um termo, nem um
conceito, mas só uma coisa, a agir em conformidade com tal uniformidade?
Todas as outras pedras o fizeram e esta também em outras ocasiões e seria
quebrar a uniformidade não fazer isso agora. Mas o que fazer? Não adianta
falar de razão com uma pedra, ela é surda e desprovida de razão. O
nominalista diria que leis são meramente gerais, fórmulas relacionando meros
termos. Se for realista, uma lei da natureza pode ser vista como um tipo de
esse in futuro, que tem uma realidade presente que consiste no fato de que os
eventos acontecerão de acordo com a formulação daquela lei.
39

Se ele é um nominalista, ele sustenta de que


as leis são meros gerais, isto é, fórmulas relacionadas a meros termos; um
bom senso comum deveria forçá-lo a reconhecer de que há ligações reais
entre coisas individuais independentes de meras fórmulas. Assim, no
sentido desta categoria, qualquer que seja a ligação
real entre coisas individuais implica em uma reação
entre elas. O objetante, porém, pode encalhar de
alguma maneira confessando-se um realista
escolástico sustentando de que os gerais podem ser
reais. Uma lei da natureza, então, será vista por ele
como tendo uma espécie de esse in futuro. I.e., eles
terão uma realidade presente que consiste no fato
de que os eventos acontecerão de acordo com a
formulação dessas leis. Pareceria fútil da minha
parte tentar de responder a isso quando, por
exemplo, eu faço um grande esforço para levantar
um peso pesado e tal vez eu não seja capaz de
mexer ele do chão, há realmente uma luta nesta
ocasião, independente do que acontece em outras
ocasiões; porque o objector simplesmente admitiria
que em tal ocasião eu tenho uma qualidade de
sentir, que eu chamo um sentido do esforço, mas
que ele alegaria enfaticamente que a única coisa
que faz com que esta designação é apropriada ao
sentir, é a regularidade de ligação entre este sentir e
certas ações de matéria.(CP 5.48 de 1903)
Nós experimentamos elementos de todas as três
categorias da cognição, mas os elementos de
Segundidade têm mais intensidade e são mais vividos
porque as exigências práticas da vida tornam a
Segundidade mais proeminente, porque não é uma
concepção nem uma qualidade peculiar, é uma
experiência que se manifesta. A característica mais
simples comum à segunda categoria é o elemento de
luta.
Para Peirce, no que tange ao elemento de luta,
não há diferença entre o agente e o paciente. É o
resultado que decide (CP 5.45). A Segundidade é
aquilo que experienciamos quando nossa vontade
encontra resistência ou quando algo se impõe aos
nossos sentidos. O exemplo a seguir torna ainda mais claras as características
da Segundidade:
40

Se de repente, A questão reside em o


enquanto você estiver caminhando tranqüilamente que é o fenômeno. Não
ao longo da calçada, um homem carregando uma temos nenhuma
escada lhe bate atrás da cabeça e continua pretensão vã de irmos
caminhando sem perceber o que ele fez, sua além dos fenômenos.
impressão provavelmente será de que ele lhe bateu Simplesmente pergun-
com muita violência e que você não ofereceu a tamos, qual é o
mínima resistência; apesar de que, de fato, você conteúdo do percepto?
deve ter resistido com uma força igual a aquela do Todos deveriam ser
golpe. Com certeza, deve-se entender que eu não capazes de responder a
estou usando força no sentido moderno de uma isso por eles mesmos.
força em movimento, mas no sentido da ação de Examine o percepto no
Newton; mas eu devo advertir-lhes que eu não caso particular no qual
disponho de tempo como para perceber essas aparece como surpresa.
significâncias. Da mesma maneira, se Sua mente estava cheia
repentinamente no meio de uma profunda escuridão [com] um objeto
aparecer um relâmpago, você está pronto a admitir imaginário que era
que você recebeu um choque e que agiu sobre esperado. No momento
você, mas você poderá estar inclinado a negar que no qual ele era
você reagiu. Certamente você assim o fez, porém, aguardado, a vividez da
e está consciente de ter feito assim. A sensação de representação é exal-
choque é tanto uma sensação de resistência como tada, e de repente,
de que algo agiu sobre você. Acontece assim quando deveria chegar,
quando alguma coisa atinge os sentidos. A algo bastante diferente
excitação externa consegue produzir seus efeitos vem em seu lugar. Eu
sobre você, enquanto você a sua vez não produz lhe pergunto se nesse
nenhum efeito discernível sobre ela; e momento de surpresa
conseqüentemente, você a chama de agente, e não há uma dupla
ignora sua parte na reação. Por outro lado, quando consciência de um lado
observamos uma demonstração geométrica, se de um Ego, que é
você desenhar a figura na sua imaginação no lugar simplesmente a idéia
de fazê-lo no papel, é muito fácil acrescentar a sua esperada, repentina-
imagem qualquer linha subsidiária desejada, ao mente separada de outro
ponto, de lhe parecer que você agiu sobre a imagem lado do Não-Ego, que é
sem que a imagem tenha oferecido qualquer o estranho invasor, em
resistência. Porém, que isso não é assim, é sua aparição abrupta.
facilmente demonstrável. Porque, a não ser que (CP 5.53 de 1903)
essa imagem tenha tido um certo poder de persistir
tal como ela é e de resistir à metamorfose, e se
você não for sensível à força de persistência que ela
tem, você nunca poderia estar seguro de que a
construção com a qual você está lidando numa
etapa da demonstração, era a mesma que você
tinha em mente numa etapa anterior.(CP 5.45 de
1903)
41

Peirce também argumenta que a principal distinção entre os mundos


interno e externo reside no fato de que os objetos internos prontamente adotam
qualquer modificação que desejemos, no entanto, os objetos externos são fatos
difíceis que nenhum homem consegue fazer diferente do que eles são.
Qualquer pessoa sã vive em um duplo mundo, o mundo externo e o mundo
interno, o mundo dos perceptos e o mundo das fantasias. Mas esta distinção é
“tão somente relativa”. Os objetos internos oferecem um certo grau de
resistência e os objetos externos são suscetíveis de serem modificados em
alguma medida por meio de bastante pressão, direcionada de maneira
inteligente (CP 5.45 de 1903). Mas, precisamente como é que acontece a ação
de experiência, pergunta Peirce ?
Ela acontece por meio de uma série de
surpresas. Não há necessidade de entrar em detalhes. Em algum momento
uma embarcação está navegando nas águas de um mar calmo e o
navegador não tendo nenhuma expectativa a não ser aquela da monotonia
usual de tal viagem, quando de repente, a embarcação bate numa roca. A
maioria das descobertas, porém, foi resultado de experimentação. Ora,
nenhum homem faz um experimento sem estar mais ou menos inclinado a
pensar que será obtido um resultado interessante; uma vez que os
experimentos requerem muita energia física e psíquica, eles têm um custo
físico e psíquico muito elevado para serem feitos aleatoriamente e sem
algum alvo. E naturalmente não é possível aprender nada de um
experimento que resulta exatamente como fora antecipado. É através de
surpresas que a experiência ensina tudo o que ela concede ensinar-nos.
(CP 5.51 de 1903)
A experiência está conectada e assimilada ao conhecimento que temos
e, assim, recebe uma interpretação ou uma teoria. Interpretação está ligada à
experiência e experiência é aprendizado. Peirce desejava mostrar que a
experiência de dualidade de ação e reação é direta, mas é independente de
nossa deliberação e não pode ser criticamente inferida a partir de nossas
cognições prévias, e para demonstrá-lo, teve que provar que a experiência
perceptual não esta sob nosso controle. Através da experiência perceptual de
dualidade entre as nossas expectativas e os objetos, podemos conhecer a
relação indireta entre os homens e os objetos externos.
O próprio fenômeno da surpresa é altamente
instrutivo em relação a esta categoria, pela ênfase que ele coloca sobre um
modo de consciência, o qual pode ser detectado em todas as percepções, a
saber, uma dupla consciência ao mesmo tempo de um ego e de um não-
ego, agindo diretamente o um sobre o outro. Entenda-me bem. O meu
apelo é para a observação-a observação que cada um de vocês deve fazer
42

por si mesmo. (CP 5.52 de 1903)


Assim, a existência como elemento da Segundidade é o modo de ser do
que é externo, independente do pensamento. A reação experimentada pela
consciência, que é reação direta, comprova que há uma realidade externa.
Embora em toda experiência direta de
reação, um ego, algo interno seja um membro do para, ainda atribuímos
reações a objetos fora de nós, quando dizemos que uma coisa existe,
queremos dizer, na verdade, que reage com outras coisas. Que estamos
transferindo a isto nossa experiência direta de reação, é mostrado por
nossa afirmação de que uma coisa age sobre outra. É nossa hipótese
explicar o fenômeno – uma hipótese semelhante ao trabalho da hipótese de
uma investigação científica, embora não possamos acreditar ser ela
completamente verdadeira, é útil em capacitar-nos a conceber o que
acontece. (CP 7.534 s.d.)
A experiência de Segundidade é vivência imediata e particular, mas se
ela aparecer como um campo de reações uniformes, pode ser apreendida
como signo. Assim, com a inclusão da generalidade da Terceiridade, a noção
de realidade se completa, porque é a forma como os particulares podem ser
pensados.
A outra dúvida é se a idéia de Luta é um
elemento simples e irresoluto do fenômeno; e em oposição ao fato de
isto ser assim, duas partes contrárias estabelecerão uma certa [aliança],
sem observar o quanto eles são diferentes entre si. Uma de estas partes
estará composta desses filósofos que se conhecem por desejarem
reduzir tudo no fenômeno às qualidades do sentimento. Eles aparecerão
na arena da psicologia e declararão que de maneira nenhuma há uma
coisa assim como um sentido específico de esforço. Não há nada, eles
dirão, mas do que sentimentos excitados sob contração muscular,
sentimentos, os quais eles podem ou não, estarem dispostos a dizer,
que têm suas excitações imediatas dentro dos músculos. A outra parte
estará composta desses filósofos que dizem que pode haver somente
um e tão somente um elemento absoluto e irredutível, e uma vez que
Nous é o tal elemento, Nous é realmente a única idéia profundamente
clara que há. Estes filósofos tomarão uma espécie de posição
pragmática. Eles manterão que dizendo que, se uma coisa atua sobre
uma outra, a única coisa que pode ser entendida é que há uma lei de
acordo com a qual, sob todas as circunstâncias de uma certa descrição
geral, resultará um certo fenômeno; e, desse modo, falar de uma coisa
agindo sob uma outra hic et nunc independente de uniformidade,
43

independente do que acontecerá em cada ocasião, é um simples


absurdo.(CP 5.56 de 1903)
Para Silveira (2002:110), na concepção dialógica de representação,
Peirce torna mais evidente sua posição realista quando argumenta com base
no princípio de que se o conhecimento é generalizante, isso decorre da própria
realidade conhecida ser dotada de generalidade. E sendo o sinequismo um
pressuposto semiótico, “só se sustentará se a própria realidade
ontologicamente considerada for de natureza geral e contínua”.
Nesse ponto, voltaremos nossa atenção para a teoria da percepção.
Para Peirce não há pensamento sem percepção. Todo pensamento em algum
momento nasceu da percepção e é por ela continuamente transformado. A
teoria do pensamento-signo implica na continuidade, na semiose, na
Terceiridade porque todo pensamento ou representação cognitiva é um signo.
Todo raciocínio e todo pensamento se dá em signos e, o signo peirceano
constitui uma relação triádica complexa envolvendo o signo, objeto e o
interpretante. O signo precisa em certo sentido ser percebido antes de
funcionar como signo ao ser mesclado com uma idéia pré existente, ou
conceito ou tendência para ação, qualquer que seja o interpretante. De acordo
com Peirce, só a percepção pode modificar nossos hábitos. Nós só pensamos
através dos signos e os signos são recebidos pela percepção. Assim, sendo o
signo alguma coisa que representa qualquer outra coisa para um possível
intérprete, há necessidade do interprete porque senão o signo não produziria
outro signo.
Segundo Houser, na “Introdução do Essential Peirce, vol II”, a análise de
Peirce da relação sígnica como fundamentalmente triádica constitui um
elemento muito importante. A insistência de que cada interpretante está
relacionado a seu objeto através da mediação de um signo, constitui uma
negação da intuição; porque a intuição requer uma relação diádica direta entre
um interpretante e seu objeto - de alguma maneira simplesmente conhecemos
algo sobre um objeto (uma pessoa, uma situação, seja o que for) sem a
intervenção de um signo. Não há nenhuma razão consistente para supor que
temos tal faculdade, como Peirce argumentou em seu primeiro trabalho de sua
série sobre cognição. Mas ainda, em um sentido diferente, Peirce nos dá uma
teoria obrigatória de intuição. Com um apelo à abdução e a sua crença de que
estamos em harmonia com a natureza por séculos de desenvolvimento
evolucionário - de maneira que somos reais corporificações de princípios
naturais - Peirce, dando continuidade às idéias de seu pai, argumenta que
temos uma inclinação natural para a verdade, a tendência de adivinhar
44

corretamente. Mas este é um tipo semiótico de intuição que se refere ao signo


triádico peirceano.
Como é que um objeto determina seu interpretante através da mediação
de um signo? De acordo a Peirce, o objeto dinâmico, o objeto realmente
eficiente mas imediatamente presente, é o objeto que de alguma maneira
determina o signo e através do signo imediatamente determina um
interpretante. Mas como pode um objeto que é externo ao signo (o objeto
imediato é o objeto interno) ser uma força determinante na formação do
interpretante? É importante observar que isto significa perguntar como os
objetos (ou o mundo externo) podem determinar a mente. Cada signo
representa um objeto (de uma maneira ou de outra) para o interpretante. O
interpretante é, ou ajuda a formar, um hábito que "guia" nossas ações futuras (e
presentes), ou pensamento em relação ao objeto em questão.
Parece que a causa de alguns filósofos rejeitarem a teoria peirceana se
deve a uma certa falta de entendimento da distinção entre o objeto imediato e o
objeto dinâmico. Putnan (1987:43) claramente expressa isso, dizendo que para
o realismo interno os “makers true” e os “makers verified” de nossas crenças
estão dentro e não fora de nosso sistema conceitual.
Peirce criticava a visão idealista de que nós só podemos conhecer
aquilo que está imediatamente presente à mente. Sua resposta está na teoria
da cognição, ou seja, todas as; a resposta de Peirce está na sua teoria da
cognição: todas as operações de signos são interpretações de um signo para
outro.
Um signo repre-senta algo para a idéia que
ele produz, ou modifica. Ou, é um veículo que transporta para a mente algo
de fora. Aquilo no lugar do que está, é chamado seu objeto; aquilo que ele
carrega, seu significado; e a idéia a qual ele faz surgir, seu interpretante.
O objeto de representação não pode ser outra coisa que uma
representação, cuja primeira interpretação é o interpretante. Mas uma série
infinita de representações, cada uma representando aquela que está atrás
dela, pode ser concebida como tendo um objeto absoluto como seu limite.
O significado de uma representação não pode ser outra coisa que uma
representação. De fato, não é outra coisa que a própria representação
concebida como despida de vestes irrelevantes. Mas estas vestes não
podem jamais ser totalmente despidas; somente são mudadas por algo
mais diáfano. Assim, aqui há uma regressão infinita. Por fim, o
interpretante não é outra coisa que outra representação, à qual é entregue
a tocha da verdade; e como representação, ela tem novamente seu
interpretante... outra série infinita (CP 1.339, c. 1897)
45

O que Peirce mostra é que quanto mais Quando um homem fica


surpreso, ele sabe que
tentamos nos aproximar do objeto dinâmico mais
está surpreso. Então
mediações vão surgindo. O único recurso é “ir temos um dilema. Ele sabe
mudando a roupagem da representação por outra que ele está sur-preso por
mais diáfana” embora haja um limite, “uma realidade percepção direta ou por
última, como um zero de temperatura”, realidade essa inferência? Primeiro tente
que dada a natureza das coisas só pode ser a hipótese de que é por
aproximada, representada. (MS 599, apud Santaella, inferência. Esta teoria seria
que uma pessoa (que
1993:88). O que pode ser completado com outra deveria ser idosa o
explicação de Peirce para a noção de signo: bastante para ter adquirido
Defino um Signo auto-consciên-cia) ao ficar
como qualquer coisa que de um lado é assim consciente dessa quali-
determinado por um Objeto e, de outro, assim dade peculiar de sentir,
determina uma idéia na mente de uma pessoa, que sem lugar a dúvidas
esta última determinação, que denomino o pertence a toda surpresa,
Interpretante do signo, é desse modo, é induzida por alguma
mediatamente determinada por aquele Objeto. razão a atribuir este
Um signo, assim, tem uma relação triádica com sentimento a si próprio. É,
seu Objeto e com seu Interpretante. Mas é contudo, um fato patente
necessário distinguir o Objeto Imediato, ou o que nós nunca, em
Objeto como o Signo o representa, do Objeto primeira instância,
Dinâmico, ou realmente eficiente, mas não Objeto atribuímos uma Qualidade
imediatamente presente”.(CP 8.343) . do Sentir a nos mesmos.
Primeiro o atribuímos ao
Aqui é interessante enfatizar o choque entre o Não-Ego e somente
Ego e o não-Ego, a insistência do mundo real, chegamos a atribuí-lo a
identificando o rompimento do hábito, mas apesar nos mesmos quando
razões irresis-tíveis nos
dessa experiência de choque, surpresas, para haver
obrigam a assim fazê-lo.
conhecimento há necessidade de que essa Portanto, a teoria deveria
experiência seja submetida a uma fórmula geral. ser que o homem
Continuando Peirce argumenta: pronunciasse primeiro o
objeto surpre-endente um
Tente, então, a
milagre, e após refletir, se
outra alternativa, que é por percepção direta, i.e.,
convencer de que é só
é em um julgamento perceptivo direto, que um
uma maravilha no sentido
homem sabe que está surpreso. O juízo
de que está surpreso.
perceptivo, contudo, certamente não representa
Essa deveria ser a teoria.
que é ele mesmo que pregou uma peça em si
próprio. Um homem não pode estremecer pulando
com uma exclamação Uuuh/Bu! Nem poderia o
julgamento perceptivo ter representado qualquer
coisa tão fora do comum. O julgamento
perceptivo, assim, somente pode ser aquilo que é o Não-Ego, algo sobre,
Mas está em conflito com
46
os fatos que são, que um
homem está mais ou
contra o Ego e caindo sobre ele, surpreendeu-o.
menos plácida-mente
Mas se isso for assim, esta percepção direta
esperando um resultado,
apresenta um Ego ao qual pertencia a expectativa
e de repente encontra
esmagada, e o Não-Ego, o homem mais triste e
algo em com-traste com
sábio, ao qual pertence o novo fenômeno. (CP 5.58)
aquilo, se forçando sobre
Para Peirce, são três os elementos da seu reconhecimento.
percepção: o percepto, o percipuum e o julgamento Assim, uma dualidade se
impõe sobre ele: de um
perceptivo. A teoria da percepção de Peirce, por ser lado, sua expec-tativa,
triádica, constitui uma tentativa de romper a dicotomia que ele tinha atribuído à
do sujeito que percebe e o objeto que é percebido. Mas Natureza, mas à qual
a percepção embora tenha uma lógica triádica, está sob agora ele é obrigado a
o domínio da segundidade, dada a relação entre atribuir a algum mero
percepção e ação. Na percepção o sujeito é passivo, na mundo interior, e por
outro lado, um forte
ação é ativo. A percepção está sob o signo da
fenomeno novo que
segundidade, quando percebemos algo, estamos empilha essa expec-tativa
inteirados de que uma dualidade, na qual há algo que para o fundo e ocupa o
resiste contra nós, pois o perceber é algo externo ao lugar dela. A velha
percebedor. expectativa, que é aquela
Haack (1994:10) afirma que a teoria de Peirce é com a qual ele estava
uma tentativa muito feliz “para escapar dos confins da famíliarizado, em seu
mundo interior, ou Ego. O
falsa dicotomia e apreender o meio campo." Assim, a novo fenomeno, o
dicotomia entre o realismo típico e o inferencialismo estranho, é do mundo
está superada pela distinção de Peirce entre o externo ou Não-Ego. Ele
julgamento perceptivo, a crença que acompanha a não conclui de que ele
experiência perceptiva, e o percepto, o aspecto deve estar sur-preso
fenomenal, interativo de uma experiência perceptivo. porque o objeto é tão
Maravilhoso. Mas pelo
A percepção é um processo no qual nós
contrário, é pela
sofremos a ação do percepto, aquilo que se apresenta dualidade que se
à percepção para o sujeito. De acordo com Peirce, só a apresenta como tal que
percepção pode modificar nossos hábitos.que se ele [é] conduzido por
apresenta à percepção para o sujeito. Já em 1885, generalização a uma
Peirce comentava: concepção de uma
qualidade do maravi-
O erro capital de lhoso. (CP 5.57).
Hegel, que permeia todo o seu sistema em cada
uma de suas partes, é de que ele ignora o Choque
Externo quase por completo. Além da consciência
inferior do sentimento e da superior, da nutrição,
esta consciência direta de bater e ser batido penetra
toda cognição e serve para fazer que queira significar algo real. É a lógica
formal que nos ensina isto; não aquela de um Whateley ou de um Jevons,
47

mas lógica formal em seu novo desenvolvimento, extraindo nutrientes da


psicologia e da história sem abandonar a sólida base das formas lógica.
(CP 8.41 de 1885 )
Para Peirce, o conhecimento começa pela porta
da percepção, isto é, pelo trabalho da mente face ao Isto é porque eles tanto
descuidam o Choque
mundo externo e o choque externo como forma de Externo que não sabem
segundidade seria nosso meio de acesso à realidade, o que é a experiência.
assim, o real que é objeto de nossas investigações São como Roger
somente pode ser encontrado através da percepção Bacon, que após
(Hookway, 1985: 151). afirmar em termos
eloqüentes que todo
O conhecimento tem conhecimento vem da
início com o percepto, que é o objeto percebido num experiência, continua
único ato de perceber. É impossível relatar através mencionando que a
de auto-observação, o que acontece no ato de iluminação espiritual
percepção. Posso testemunhar, como qualquer outro das alturas como uma
homem poderia que em meu estado desperto há um das mais valiosas
fluxo ininterrupto ou percepção, ou, como deveria classes de expe-
talvez acreditar, uma sucessão tão rápida de riências. (CP 8.42 de
espasmos de percepção, que o efeito em minha 1885)
distinta consciência (que é limitada tanto ao meu
sentimento quanto posso absolutamente controlar) é
o de um fluxo contínuo. (HP: 803-851)
No entanto, o conhecimento não se esgota na percepção, pois o
conhecimento visa o futuro, porque ele tem como objetivo antecipar as
características da experiência futura e o processo cognitivo que se segue tem
como fim o estabelecimento de uma regra ou um hábito. Mas a continuidade do
pensamento é rompida pelo percepto:
Por isso, meu único modo de descrever uma
percepção é considerar uma delas, distinta das outras, por sua superior
vivacidade. Suporei que, antes da percepção, minhas ideais estiveram
passando numa sucessão controlada, principalmente pelas suas próprias
afinidades naturais e pelos hábitos de pensamento, que cresceram
conforme minhas experiências.(HP: 803-851)
Segundo Peirce, com a experiência, o percepto agride nossos sentidos
rompendo o estado habitual e,
[...] de repente, num momento, caracterizado
por um forte sentido de agoricidade, no qual pareço detectar algo,
correspondendo a uma indivisibilidade e a um isolamento deste agora,
(embora isso possa ser ilusório), experimento uma força compulsiva
48

(significando, por isso, um sentido de resistência), e uma mudança de meus


hábitos de sentimento é provocada, imediatamente, por uma imagem
presente, de extraordinário detalhe e positividade. Uma vez que (dentro de
limites) o órgão de sentido está sob as mesmas excitações, o sentido de
compulsão continua junto com a imagem. Quando o percepto me deixa,
resta um hábito imaginativo, chamado memória do percepto. (HP: 803-851)
Os perceptos não são conhecimento, mas são seu ponto de partida,
num processo em que muitos perceptos e possibilidades de perceptos são
elaborados em proposições. Além dos perceptos há outros elementos do
conhecimento, que se assemelham a perceptos, ao serem imagens concretas,
mas que não são tão insistentes nem tão definidas. Em 1905, no manuscrito (R
939), Peirce diz que um percepto se assemelha a uma fotografia que se move
acompanhada de sons e outras sensações. A partir da observação predomina
o efeito do mundo exterior, ação e reação. Quando a ação é suspensa
permanece um “habito imaginativo”, mas embora o percepto seja um evento
singular, aqui e agora, a memória parece incorporar as características dos
perceptos.

Você ainda menciona que há uma tal coisa


como o conhecimento. Sua opinião de que há qualquer uso em lógica trai
essa opinião. Para você, o não-ego não é uma coisa desconhecida em si
mesma. Como o argumento de realidade acima é de que ela é
experimentada, o mesmo argumento lhe obriga a admitir de que há
conhecimento; pelo que este ramo desta segunda questão não precisa de
maior atenção. Mas seria bom de observar vagamente em que sentido este
argumento lhe obriga a admitir a existência de conhecimento.(CP 2.140 de
1902 )
Mas o conhecimento que somos obrigados a admitir é aquele
conhecimento, que é diretamente forçado sobre nós, e onde não há crítica. Por
exemplo:
[...] aqui eu estou sentado na minha mesa
com o meu tinteiro e papel na minha frente, a minha pena na minha mão, a
minha lâmpada ao meu lado. Pode ser que tudo isto seja um sonho. Mas se
é assim, havendo esse sonho, há conhecimento. Mas aguarde: o que eu
tenho anotado é somente uma descrição imperfeita do percepto que
forçado sobre mim. Eu me atrevi a colocá-lo em palavras. Nisto tem havido
um empenho, um propósito - algo que não me foi imposto, mas antes é o
produto da reflexão. Eu não fui forçado a esta reflexão. Eu não podia ter
desejado descrever o que eu vejo, sinto, e ouso, do jeito que eu o vejo,
sinto, e ouso. Não somente que eu não poderia vê-lo no papel, mas eu não
49

poderia ter nenhum tipo de pensamento adequado ou alguma forma para


isso. (CP 2.141)
Mas um conjunto de perceptos produz um quadro de um universo
perceptivo. Sem reflexão, esse universo pode ser considerado como causa de
tais objetos, como são representados em um percepto. Apesar de vago, seu
objeto é o resultado da ação do universo sobre o quem percebe:
Centenas de perceptos têm seguido uma
após outra, enquanto eu escrevia estas frases. Eu reconheço que há um
percepto ou um fluxo de perceptos muito diferente de qualquer coisa que eu
possa descrever ou pensar. O que isso é exatamente eu não posso mesmo
responder a mim mesmo. Teria ido embora, muito antes de que eu poderia
ter me dito muitos assuntos; e esses assuntos seriam bem diferentes dos
próprios perceptos. Neste pensamento sempre haveria esforço ou
empenho. Qualquer que for o produto de esforço, poderá ser suprimido pelo
esforço, e, em conseqüência, é sujeito a um erro possível. Eu sou forçado a
contentar-me não com os perceptos fugazes, mas com os pensamentos
crús e possivelmente errados, ou auto informações, do que foram os
perceptos. A ciência da psicologia me assegura de que os verdadeiros
perceptos foram construções mentais, e não as primeiras impressões de
sentido. Mas o que as primeiras impressões do sentido podem ter sido, eu
não o sei à exceção por inferência e da maneira mais imperfeita.
Praticamente, o conhecimento com o qual eu devo contentar-me, e devo
chamar "a evidência de meus sentidos", em vez de ser na verdade a
evidência dos sentidos, é somente uma classe de relatório estenográfico
dessa evidência, possivelmente errado..(CP 2.141 de 1902)
O percepto consiste em um evento singular. Mas segundo Peirce,
mesmo considerando os fatos perceptuais, ou os julgamentos imediatos que
fazemos concernentes aos nossos perceptos singulares, o percepto é a
realidade, mas ele não está numa forma proposicional. O julgamento mais
imediatamente concernente a ele é abstrato, que, entretanto, é diferente da
realidade, embora deva ser aceito como verdade para esta realidade. Sua
verdade consiste no fato de que é impossível corrigi-lo, e no fato de que ele
somente professa considerar um aspecto do percepto. (CP 5.568 de 1901)
Mas eu não tenho nenhuma intenção de
criticar, corrigir ou voltar a compará-los, exceto se eu puder recolher novos
fatos perceptivos relacionados a novos perceptos, e com essa base poder
inferir que os relatórios anteriores eram verdadeiros. Os fatos perceptivos
são um relatório muito imperfeito dos perceptos; mas eu não posso ir atrás
desse relatório. Com respeito ao meu retorno às primeiras impressões do
sentido, como alguns lógicos me recomendam fazer, essa seria a mais
quimérica das realizações.(CP 2.141 de 1902)
50

Um percepto contém somente dois tipos de elementos: os de


Primeiridade e os de Segundidade .(CP 7.630). O objeto imediato de todo
conhecimento e de todo pensamento é, em última análise, o percepto, que bate
à porta da percepção, cego, bruto, insistente. “O percepto é uma ocorrência
singular que acontece aqui e agora. O percepto não
pode ser generalizado sem perder seu caráter
essencial. É um verdadeiro duelo entre o não ego e o No lugar do percepto,
que, embora não seja a
ego“. (CP 2.246 de 1903) O percepto vem primeira impressão de
acompanhado de um sentido de externalidade, algo sentido, é uma
que não é você e bate à sua porta. construção com a qual
minha vontade não tem
Tal é o percepto.
precisamente nada a
Então, qual é sua contribuição lógica para o
ver, e pode, assim, ser
conhecimento e a crença? Isto pode ser resumido
chamada apropriada-
em três itens, como segue: 1º. contribui com algo
mente a "evidência de
positivo. (Assim, a cadeira tem suas quatro patas,
meus sentidos", a única
assento e encosto, sua cor amarela, sua almofada
coisa que eu levo
verde, etc. Aprender isto é uma contribuição para o
embora comigo são os
conhecimento.) 2º. obriga o percebedor a
fatos perceptivos, ou a
reconhecê-lo. 3º. não oferece qualquer razão por
descrição do intelecto
tal reconhecimento, nem tem qualquer pretensão
sobre as evidências dos
de ser razoável.Este último ponto distingue o
sentidos, feita por meu
percepto do axioma. Eu sou um completo ateu de
empenho. Estes fatos
axiomas; mas em relação à proposição, digamos,
perceptivos são
que uma linha reta é a distância mais curta entre
completamente dife-
dois pontos, mesmo que pareça auto-evidente,
rentes do percepto, na
parece ser razoável. É fundamentado na razão ou
melhora das hipó-teses;
na natureza das coisas, ou fundamentado em algo,
eO percepto
eles podem ser
direto, como
que se recomenda a si mesmo. O percepto, ao
completamente
aparece no primeiro não
contrário, é completamente mudo. Age sobre nós,
verdadeiros
momento, aparecepara comoo
se impõe sobre nós; mas não recorre à razão, nem
percepto. (CP 2.141
forçado sobre nós, não de
apela a nada para seu suporte.(CP 7.622 de 1903)
1902).
tem nenhuma
Os perceptos, portanto, são brutos, generalidade e, sem
experiências compulsivas compostas de qualidades de generalidade, não pode
sentimentos, mas Peirce espera conectar o caráter de haver psicalidade. O
força bruta irracional da Segundidade à dupla percepto se força sobre
consciência envolvida na percepção, na experiência do nós brutalmente. Assim
ele aparece sob um
percepto como outro além do sujeito. O percepto se disfarce físico. Ele não é
apresenta aos sentidos. Através da percepção geral, é até anti-geral,
adquirimos informação sobre o ambiente ao nosso em seu caráter como
redor e os julgamentos que formamos são ocasionados percepto, e, assim ele
por um contato sensorial com esses objetos, portanto não aparece como
psíquico. (CP 1.253 de
1902)
51

uma teoria da percepção tem que explicar essa conexão: a confrontação


sensorial e a interpretação conceitual do que é percebido.
O caráter sumamente originário do
Percepto, fulcro irredutível de todas as representações tem a máxima
extensão, pois toda determinação de seu domínio deverá se fazer a partir
dele. Seu objeto deve ser compreendido como Universo, que, nos termos
de Peirce, “são classes que, sendo enormemente amplas, muito
promíscuas e somente conhecidas em pequena parte, não podem ser
satisfatoriamente definidas e, portanto só podem ser denotadas por índices.
(SILVEIRA, 2001:9)
Pode-se dizer que o processo de conhecimento tem início com o
percepto ao romper com hábitos de sentimento e originando no lugar desse
perceptos, imagens que, combinadas, podem se referir a uma possível
experiência, envolvendo a mesma ocasião em que surgiram aqueles perceptos.
[...] em relação ao objeto direto da
percepção, o percepto, é verdade que ele não possui uma realidade
inteiramente desenvolvida; mas ele é a verdadeira coisa existente em si
mesma, independente de um exterior à mente. Pois dizer que ela existe,
significa dizer que ela reage. Ora, o percepto se força sobre mim a despeito
de todo esforço direto para expulsá-lo. (L427, apud SANTAELLA, 1993: 20)
O modo como a mente apreende o fenômeno está relacionado com a
teoria da percepção. Na lógica triádica da percepção, o primeiro é o aparelho
sensório motor. O percipuum, que é o modo como o percepto será traduzido
pelo aparelho sensório, equivale ao objeto imediato, sem o qual o percepto não
seria percebido. O percepto é um segundo (ele desempenha o papel de objeto
dinâmico) e o julgamento perceptivo seria um terceiro, equivalendo a uma
proposição (interpretante). (Santaella, 1995:69) A sobrevivência dos seres
humanos depende deste aparelho sensório motor e o percipuum é o modo
como o aparelho sensório motor vai traduzir o percepto. O julgamento de
percepção é instantâneo porque o percipuum é absorvido imediatamente nas
malhas de nossos esquemas cerebrais, num continuum que Peirce denomina
julgamento perceptivo. O percipuum é o reconhecimento do caráter do que é
passado, o percepto aquilo que pensamos que lembramos, uma interpretação
se força sobre nós, mas não é fornecida nenhuma razão para isso (CP 7.677
de 1903). Mas o percipuum traduz de forma adaptada, ele filtra algumas coisas,
ignora outras, dependendo do sujeito, ou do tipo de aparelho sensório de cada
animal ou célula.
Nada podemos saber sobre o percepto, a
não ser pelo testemunho do julgamento de percepção, exceto o fato de que
52

sentimos o golpe do percepto, a reação dele contra nós. Assim como


vemos os conteúdos dele arranjados no objeto. Mas, no momento em que
fixamos nossa mente sobre o percepto e pensamos sobre o menor detalhe
dele, é o julgamento de percepção que nos diz o que nós assim
percebemos. Por esta e outras razões, proponho considerar o percepto, tal
como ele é imediatamente interpretado no juízo perceptivo, sob o nome de
percipuum (CP 7.642 de 1903).
De acordo com Rosenthal (2001), Peirce usa o termo percipuum em
dois sentidos diferentes, um amplo e um restrito, enfatizando dois sentidos
correspondentes do julgamento perceptivo. O termo, percipuum, parece ter sido
usado pela primeira vez por Peirce, em um manuscrito de 1903, no qual propõe
considerar o percepto como ele é imediatamente interpretado no julgamento
perceptivo, sob o nome de percipuum. Peirce afirma que "não há um
Percipuum tão absoluto como para não estar sujeito a um possível erro".
Peirce, porém, está aqui usando o termo percipuum em seu sentido
amplo, um sentido que no contexto precedente serviu o propósito de mostrar
que o tempo não está formado de uma série de instantes discretos. Como
Peirce explica, "o percipuum não é um evento absoluto", mas antes ocorre em
um espaço de tempo que inclui memória e expectativa. Aqui Peirce está
preocupado em enfatizar a continuidade de tempo ou a expansão temporal
passageira no qual o percipuum olha para ambos o passado e o futuro. O que
esta passagem mostra é que quando Peirce faz distinção dentro do percipuum,
ele está fazendo abstração com o propósito de análise.
Por outro lado, os termos "ponecipuum," "percipuum," e "antecipuum"
são usados por ele para indicar tais abstrações analíticas. O percipuum, em
seu sentido abrangente, como na realidade ocorre no assim chamado presente
espacial, contém vários elementos analíticos, um dos quais é o percipuum no
seu sentido restrito. Embora o uso destes termos possa parecer representativo
da escuridão desnecessária freqüentemente encontrada nos escritos de Peirce,
sem dúvida eles esclarecerão certas posições fundamentais que seriam
escurecidas ou má interpretadas pelo uso de termos epistemológicos mais
tradicionais. E, portanto, para Rosenthal, sem distinguir o percipuum no seu
sentido amplo e restrito, a radical transformação pragmática de Peirce de
algumas concepções epistêmicas tradicionais não podem ser completamente
entendidas. Toda percepção tem algo de antecipador (antecipuum) e depende
da memória (ponecipuum) .
Em “Prolegomena to an Apology for Pragmatism” (4.530ff de 1905),
Peirce expõe as relações entre o percepto e o julgamento perceptivo. O
interpretante dinâmico do Percepto é um sema (o sema pretende representar
53

alguma coisa que serve diante de qualquer propósito um substituto de um


objeto do qual ele é, em algum sentido um representante ou signo, CP 4.540 de
1905) enquanto que o julgamento perceptivo é um fema, que pretende
significar um signo que é equivalente a uma oração gramatical, seja ela
interrogativa, imperativa ou assertiva, ou nas palavras de Peirce:
O fato de que somos conscientes de nossos
Perceptos é uma teoria que me parece inquestionável; mais não é uma fato
de Percepção Imediata. Um fato de Percepção Imediata não é um
Percepto, não qualquer parte de um Percepto; um Percepto é um Sema, ao
passo que um fato de Percepção Imediata, mais exatamente, o Julgamento
Perceptivo do qual dito fato é o Interpretante Imediato, é um Fema que é o
Interpretante Dinâmico direto do Percepto e do qual o Percepto é o Objeto
Dinâmico, e é (como demonstra a história da psicologia) diferenciado com
certa considerável dificuldade, do Objeto Imediato, embora esta distinção é
sumamente significativa.(CP 4.539 de 1905)
Nesse texto Peirce indaga como é que o percepto, que é um sema, tem
por interpretante dinâmico o julgamento perceptivo que é um fema? Esta
pergunta pode ser traduzida da seguinte forma: como um possível determina
um existente sem quebra de continuidade?
Silveira (2001) discute esta questão:
Diante da questão proposta por Peirce ao
leitor sobre os raciocínios, sustentando que no caso do Percepto, um Sema
pode ter como Interpretante Dinâmico um Julgamento perceptivo, isto é, um
Fema, uma investigação que se inicia na tentativa de encontrar
principalmente dentre os escritos do autor a resposta solicitada. Parece não
ser tão difícil entender que uma inferência abdutiva original, como propõe
Peirce, poderia ser responsável pro tal processo. No entanto, uma nova
tarefa é proposta ao pesquisador para delinear mais precisamente o status
do Sema, o Percepto deve dar conta de tal processo. A conclusão a que o
texto peirceano nos permite chegar pe que diante de todo percepto, pode –
se descobrir que a Mente tem como seu objeto, o Universo dos Universos,
sendo cada Universo composto de Assuntos aos quais as idéias
pertencentes ao Mundo Interior possam ser atribuídas. E, por fim, o objeto
da Mente poderia ser identificado, de forma assintótica, ao Ideal Supremo
de todo Pensamento: a Verdade.(SILVEIRA, 2001:6)
Continuando Silveira (2001:7-10) faz uma junção entre a teoria do
conhecimento de Peirce e sua teoria do real. Nessa explicação, o sema como
um mero substituto de um objeto do qual ele é representante somente se
compara ao objeto, pois é um signo de possibilidade, e exerce sua função,
exista ou não o objeto. Portanto, a percepção não pode se restringir a um
54

“passar de imagens diante dos olhos”, e, por conseguinte, eminentemente


icônica, porque seria ilógico que determinasse um interpretante de existência
um fema. Ainda segundo Silveira, os componentes do percepto podem
determinar duas espécies de interpretantes. O objeto imediato que qualquer
signo tenta representar é ele próprio um signo, mas Peirce colocou muita
ênfase na dominância da categoria da segundidade, da experiência viva, atual.
De um lado, “até mesmo o objeto da percepção é ele mesmo um signo”, de
outro lado há ênfase na segundidade que significa interação existencial: “em
relação ao objeto direto da percepção, o percepto, é verdade que ele não
possui uma realidade inteiramente desenvolvida, mas ele é a verdadeira coisa
existente em si mesma independente de um exterior à mente”. (L 427) O que
evidencia sua tendência realista, evidenciando a primazia do existente sobre o
pensado.
[...] fenomenologicamente considerado e,
conseqüentemente, antes de qualquer consideração de ordem analítica e
conceitual, o percepto não apresenta qualquer submissão ao auto-controle:
ele não pode ser abandonado à vontade, nem mesmo da memória, quem
percebe está atento a uma compulsão que sobre si é exercida e tem
consciência de estar sendo compelido a perceber o que percebe.
(SILVEIRA, 2001: 8)
Há, portanto, dois tipos de efeitos: um de primeiridade quando o
percepto nos atinge em certos momentos de disponibilidade perceptiva,
estando a mente não poluída, e outro de segundidade, de surpresa ou choque,
quando a mente está preenchida com uma expectativa:
Assim, dois tipos absolutamente diferentes
de elementos irão compor qualquer percepto. Em primeiro lugar, estão as
qualidades de sentir ou sensação, cada uma das quais é algo positivo e sui
generis, sendo tal como é, independente de como ou que é qualquer coisa.
Por conta desta auto suficiência, é conveniente chamá-los os elementos da
"Primeiridade". No percepto, estes elementos de Primeiridade são
percebidos como conectados de maneiras definidas. Um percepto visual de
uma cadeira tem uma forma definida. Se ela é amarela com uma almofada
verde, isso é bastante diferente de ser verde com uma almofada amarela.
Este conectivos são percebidos diretamente, e a percepção de cada um
deles é uma percepção ao mesmo tempo de dois objetos opostos, --uma
dupla percepção. Em relação a cada uma destas conexões, uma parte do
percepto aparece como o faz relativamente a uma segunda parte. Portanto,
é conveniente chamá-los elementos de "Segundidade". A vividez pela qual
um percepto constitui um elemento de segundidade; porque o percepto é
vívido em proporção à intensidade de seu efeito sobre quem percebe. Estes
elementos de segundidade trazem junto a peculiar unidade do percepto.
55

Esta unidade consiste em uma dupla determinação. Porque por um lado, o


percepto não contém nenhum espaço em branco, o qual ao representá-lo,
somo livres de preencher como nos apraz. O que eu quero dizer será visto
se nós considerarmos qualquer conhecimento que possamos ter do futuro.
Eu ouvi alguém dizer que a ponte do Brooklyn cairia algum dia. A única
maneira pela qual ele poderia sequer pensar que ele sabia que isso
aconteceria, seria sabendo que qualquer ponte que eu fosse selecionar que
fosse construída de uma certa forma, cairia. Não há tal universalidade
sobre o percepto. É bastante individual. Do outro lado, a determinação do
percepto é de uma classe perfeitamente explícita. Em qualquer
conhecimento do passado, algo é, como se fosse, mantido em reserva. Há
um vácuo que não temos liberdade de preencher, mas que a informação
adicional pode preencher. Sabemos que a Esfinge foi feita por algum rei do
Egito. Mas qual deles? O percepto, entretanto, ele existe completamente.
Estes dois tipos de determinação, primeiro, que o percepto não brinda
nenhuma classe de liberdade para alguém que possa se comprometer a
representá-lo, e, segundo, que não se reserva nenhuma liberdade para si
mesmo para ser de uma maneira ou de outra, uma em relação à outra,
constituem aquela absoluta ausência de "classe" que é chamada de
singularidade, ou unidade, do percepto, um que o torna individual e o outro
positivo. O percepto é, por outro lado, total e indivisível. Ele tem partes, no
sentido de que no pensamento ele pode ser separado; mas não se
representa como tendo partes. Em seu modo de ser como percepto, é um
todo único e completo. (CP 7.625 de 1903).
Nenhuma cognição e nenhum signo é absolutamente preciso, nem
mesmo o percepto (CP 4.542 de 1905) porque todo signo guarda uma certa
indeterminação com relação ao objeto representado, mantendo uma certa
vagueza própria à evolução do pensamento, mas mesmo assim ele representa
o objeto naquelas qualidades primordiais e que “são aquilo independentemente
de qualquer outra coisa” (Silveira, 2001:11) A percepção pode falhar, mas
também pode ser corrigida se houver vários tipos de acesso ao objeto, e aquilo
que percebemos é o percepto. Mas, segundo Santaella (1993:90), a grande
prova que Peirce apresentou a favor de seu realismo, encontra-se na evidência
de que nossa percepção comete erros.
[...] penso que a percepção é o processo
mais privilegiado para colocar na frente do nosso pensamento a massa dos
três elementos de que somos feitos: o físico, o sensório e o cognitivo
(Santaella, 1993: 90)
Almender (1970) enfatizou que há algo no mundo que não é
simplesmente objeto da cognição. Existência significa reação, ora, o percepto
se força sobre nós, a despeito de todo esforço direto para expulsá-lo. Assim
56

sendo, ele satisfaz a definição de um existente. Ele independe da mente na


medida em que seus caracteres não dependem de nossa vontade, mas é
suficientemente óbvio que ele é apenas conhecido na relação com nossos
órgãos.
Para Hookway (1985:170), na experiência reagimos com um indivíduo
existente. O caráter diádico deste elemento da experiência surge sendo uma
confrontação entre nos e algum existente com o qual nós reagimos. Assim
como "sentimos" seu impacto, a presença de reação bruta na percepção, e o
caráter diádico desta reação, é mostrada pela presença de um índice no
julgamento perceptivo, uma expressão do fundo a cuja função pertence esta
interação. Assim, o percepto só pode ser conhecido na medida em que passa
pelos nossos órgãos sensoriais, o que não significa afirma que ele não exista
independemente dessa mediação, ou nas palavras de Peirce:
[...] isso de modo algum contradiz sua
independência, a menos que sejamos nominalistas a ponto de negar que os
objetos independentes podem ser membros de pares dos quais algo é
verdadeiro. Pois uma relação não é senão um fato que diz respeito a um
conjunto de objetos. Que o percepto é exterior à mente é um fato, visto que,
sem deixar de considerar as diferenças de pontos de vista, um observador
verá uma coisa e uma câmera fotográfica mostrará a mesma coisa. (L.427,
apud SANTAELLA, 2000)
Voltando nossa atenção para o julgamento perceptivo, ele é aquilo que
diz o que está sendo percebido. O julgamento perceptivo tem uma estrutura
proposicional, ele é uma proposição de existência determinada pelo percepto,
que ele interpreta CP 5.541 de 1902). O julgamento perceptivo entra na
dimensão de terceiridade. Peirce chega a dizer:“atrevo-me de fato a afirmar
que toda forma geral de reunir conceitos é, em seus elementos, dada na
percepção (CP 5.186 de 1903) porque o julgamento de percepção é a
percepção automatizada, habitual, graças ao qual nós sobrevivemos, “apesar
de sua aparente primitividade, todo percepto é o produto de processos mentais.
(CP 7.624 de 1903). Mas o julgamento perceptivo é inteiramente diferente do
percepto:
Se for verdade, como a minha análise faz
que seja, que um percepto contém somente dois tipos de elementos,
aqueles de primeiridade e aqueles de segundidade, então o grande ponto
de diferença é que o julgamento perceptivo professa representar algo, e
desse modo representa algo, seja verdadeira ou falsamente. Esta é uma
diferença muito importante, já que a idéia de representação é
essencialmente o que pode ser chamado de "Terceiridade", i.e., implica
idéia de determinar uma coisa para se referir a outra. O elemento de
57

segundidade no percepto consiste em que uma parte é relativa à outra.


Mas o percepto se apresenta pronto, e não contém nenhuma idéia de
nenhum estado das coisas sendo efetuado. Há uma rígida demonstração
matemática (a qual eu não posso dar aqui) de que a idéia de Primeiridade,
ou aquela de uma talidade positiva, e a idéia de Segundidade, ou aquela
de que uma coisa está se referindo a outra, não pode de maneira alguma
ser combinada como para produzir a idéia de uma coisa A, referindo a uma
segunda, B, na precisa ação de estar se referindo a uma terceira, C. Este é
o elemento de Terceiridade, ou mediação, que a concepção da
representação de algo para alguém obviamente implica. Em um julgamento
perceptivo a mente professa dizer ao próprio futuro da mente qual é o
caráter do percepto atual. O percepto, pelo contrário, se apóia sobre suas
próprias pernas e não faz afirmações de tipo nenhum (CP 7.630ff).
Assim, o percepto, embora não possa ser descrito em sua imediatez é a
evidência dos sentidos, aquilo que somos obrigados a aceitar, o fato
perceptual, por sua vez consiste na descrição intelectual da evidência dos
sentidos, na verdade, o percepto ou os fatos perceptuais só podem ser
apreendidos através de inferências, no que são marcados com a generalidade
própria do pensamento (Bortolotti, 2001:183). Mas há outras diferenças, que
são descritas a seguir.
Considerando o juízo, "Esta cadeira parece amarela", ele separa a cor
da cadeira, fazendo de uma o predicado e da outra o sujeito. O percepto, do
outro lado, apresenta a cadeira em seu conjunto e não faz análise de nenhum
tipo. Assim a "singularidade" do percepto é um composto de dois modos, o
primeiro consiste em que seu intérprete imparcial e total não dispõe de
nenhuma liberdade, mas pelo contrário, tudo está prescrito. Mas o julgamento
perceptivo 'Esta cadeira parece amarela' tem vagamente em mente várias
coisas amarelas, das quais algumas foram vistas, e outras que podem ser ou
poderão vir a ser vistas; e o que significa querer dizer é, 'Pegue qualquer coisa
amarela que você gostar, e você verá, comparando-a com esta cadeira, que
elas concordam bastante bem na cor.' Isso, na opinião de Peirce, “convida
diretamente ao exercício de liberdade de escolha da parte do interpretante
(qualquer coisa amarela respondendo tão bem quanto qualquer outra) uma
liberdade que o percepto exclui severa e estupidamente”. (CP 7.630ff de 1903)
O outro modo de determinação do percepto consiste em que ele é
perfeitamente explícito. O julgamento perceptivo enuncia “com descuido” que a
cadeira é amarela. Ele não considera qual pode ser o tom, matiz e pureza
particular do amarelo. O percepto, por outro lado, é tão escrupulosamente
específico que faz esta cadeira diferente de qualquer outra no mundo; ou de
preferência, faria assim se ele favorecesse qualquer comparação. Pode-se
58

objetar que os termos do julgamento se parecem com o percepto.


Considerando primeiro, o predicado, 'amarelo' no julgamento que "esta cadeira
parece amarela', este predicado não é a sensação contida no percepto, porque
é geral. “Ele nem mesmo se refere em particular a este percepto, mas a uma
espécie de fotografia composta de todos os amarelos que foram vistos.” Assim,
se ele se assemelhar ao elemento sensacional do percepto, esta semelhança
consiste só no fato que o novo julgamento o predicará sobre o percepto,
exatamente como o faz este julgamento. Mas ele também desperta na mente
uma imaginação incluindo um elemento sensacional. Então juntando todos este
fatos, segundo Peirce, vemos que não há relação entre o predicado do
julgamento perceptivo e o elemento sensacional do percepto, salvo conexões
forçadas. Quanto ao sujeito do julgamento perceptivo, com sujeito, ele é um
signo, mas ele pertence a uma considerável classe de signos mentais sobre os
quais a introspecção pode dificilmente dar alguma explicação.
De fato, o julgamento perceptivo que eu
traduzi como "essa cadeira é amarela" estaria representado de maneira
mais acurada assim: "é amarelo", um dedo índice apontando, tomando o
lugar do sujeito. Em geral, é suficientemente claro que o julgamento
perceptivo não é uma cópia, um ícone, ou diagrama do percepto,
aproximado contudo. Pode ser avaliado como um grau mais elevado da
operação da percepção. (CP 7.630ff de 1903)
Que tipo de julgamento é o julgamento perceptivo? Peirce compara o
julgamento perceptivo às inferências abdutivas, ou seja, a forma de raciocínio
pelo qual novas hipóteses são sugeridas. Os juízos perceptivos são juízos
impostos em termos absolutos à nossa aceitação através de um processo no
qual somos incapazes de controlar e, por conseguinte, criticar (CP 5.157 de
1903). Para Peirce os julgamentos perceptivos são o resultado de um processo
não suficientemente consciente para ser controlado, ou melhor, não controlável
e, portanto não plenamente consciente. Tanto o julgamento perceptivo como a
abdução são igualmente falíveis, embora o, julgamento perceptivo, mesmo
sendo falível é indubitável. Por outro lado, o julgamento perceptivo tem algo de
insistente, compulsivo que somos obrigados a reconhecer enquanto que o
abdutivo nasce em momentos mais soltos, mais lúdico, e por isso mesmo são
destituídos de certeza. Daí nossas abduções devem ser submetidas à crítica, o
que não acontece com os julgamentos perceptivos, pois sendo as primeiras
premissas de todos os nossos raciocínios, eles não podem ser colocados em
questão”.(CP 5.116 de 1903) Outra diferença, portanto, entre os juízos
percetivos e as inferências abdutivas é que os primeiros não estão sujeitos à
análise lógica:
59

A inferência abdutiva se transforma no juízo


perceptivo sem que haja uma linha clara demarcação entre eles: ou em
outras palavras, nossas primeiras premissas, os juízos perceptivos, devem
ser encarados como um caso extremo das inferências abdutivas, das quais
diferem por estar absolutamente além de toda crítica.(Peirce, CP 5.181de
1903)
Há, portanto, em todo julgamento perceptivo um elemento hipotético e
nós só percebemos aquilo que estamos preparados para interpretar (CP 5.181
de 1903), pois a percepção é interpretativa (CP 5.184 de 1903). O julgamento
constitui a interpretação do percepto, que embora advenha à consciência antes
do próprio julgamento, somente pode ser compreendido como um fato
interpretado. O julgamento perceptivo contém elementos de generalidade que
possibilitam a derivação de inferências. Como um elemento de Terceiridade,
ele aponta para o futuro.
Para Ibri (2001:14) um sistema realista deverá especular sobre a
generalidade contida na percepção:
[...] é este, parece-nos o grande problema
peirceano no que respeita às relações entre o conteúdo empírico da
percepção e o juízo perceptivo que, de natureza, deve ser geral,
substancializando a inferência abdutiva. (IBRI, 2001:14)
Os fatos perceptuais são relativamente certos e constituem o único
ponto de partida de nosso conhecimento sobre o mundo externo. Eles são
totalmente únicos (CP 2.141 e CP 5.11 de 1907). Nós estamos sempre
experienciando novos fatos perceptivos para a avalição de nossas crenças ou
teorias e, a relação entre os fatos perceptivos com as teorias científicas é
crucial para a evolução do conhecimento. Segundo Peirce, os processos pelos
quais temos intuições sobre o mundo dependem dos julgamentos perceptivos,
que permitem a dedução de proposições universais. O papel cognitivo na
percepção é desempenhado pelo julgamento perceptivo, que tem as seguintes
características:
existe num contínuo,
é a primeira premissa de nossos raciocínios,
contém características gerais de terceiridade , e
ele se mistura e desaparece na abdução e
contém elementos hipotéticos e portanto falíveis. O julgamento de percepção
por ser um signo ocupa a posição de um primeiro, que é determinado por
um objeto dinâmico que tem primazia real sobre o signo. Ele aparece e se
força sobre nós, brutalmente, no sentido de que não é guiado pela razão.
60

Toda a questão reside em quais são os fatos


perceptivos, como aparecem em julgamentos perceptivos diretos. Por
julgamento perceptivo, eu quero dizer um julgamento verificando em forma
proposicional o que é um caráter de um percepto diretamente presente à
mente. O próprio percepto, claro, não é um juízo, não pode um julgamento
de forma alguma se assemelhar a um percepto. Eles são tão diferentes
entre si como as letras impressas em um livro, onde a Madona de Murillo é
descrita são diferentes do próprio quadro. (CP 5.53 e 5.54 de 1903)
O julgamento perceptivo está na mesma relação lógica com o
conhecimento e a crença que o percepto embora lhe falte a força da
irracionalidade deste. (CP 7.627 de 1903)
O julgamento perceptivo afirma representar
o percepto. Portanto, uma defesa lógica disso deveria ser baseada, seja no
percepto como uma premissa dessa defesa lógica, ou diferente, no
percepto como um fato representado por tal premissa. Mas o percepto não
pode ser uma premissa, já que não é uma proposição; e uma afirmação do
caráter do percepto deveria se apoiar no julgamento perceptivo, em lugar
de isto sobre aquilo. Assim, o julgamento perceptivo não representa
logicamente o percepto. De que maneira inteligível , então, ela representa
o percepto? Não pode ser uma cópia dela; porque, como se verá a
continuação, não representa o percepto para nada. Há ainda uma maneira
pela qual pode representar o percepto; a saber, como um índice, ou
verdadeiro sintoma, assim como um cata-vento indica a direção do vento ou
um termômetro a temperatura. Não há fundamento para dizer que o
julgamento perceptivo é na realidade tal índice do percepto, outro que o
ipse dixit do próprio julgamento perceptivo. E mesmo se for assim, o que é
um índice, ou sintoma verdadeiro? É algo que, sem nenhuma necessidade
racional, é forçado cegamente a corresponder a seu objeto. Dizer, então,
que o julgamento perceptivo é um sintoma infalível do caráter do percepto,
significa somente que de alguma maneira inexplicável nós nos achamos
impotentes para recusar nossa concordância com ele na presença do
percepto, e que não há nenhum apelo dele. Assim, à força do julgamento
perceptivo lhe falta a pura irracionalidade do percepto, somente neste ponto
em que afirma representar o percepto, enquanto a perfeição da
irracionalidade do percepto consiste em tanto como não afirmar nada. O
julgamento perceptivo, então, quase não cumpre de maneira acurada a
condição de força nem a de irracionalidade, como deveria fazer para estar
estritamente autorizado a ser considerado um produto de percepção. Mas
as diferenças são tão pequenas e tão pouco importantes logicamente que
será conveniente negligenciá-las. Talvez me seja permitido inventar o
termo percipuum para incluir ambos o percepto e o julgamento perceptivo.
(CP 7.628-629 de 1903)
61

Para Rosenthal (2001), o julgamento perceptivo em seu sentido amplo é


indubitável, isto é, não no sentido de que a descoberta de sua falsidade é
inconcebível, já que sua verdade ou falsidade pode ser afirmada por
experiência futura, mas antes no sentido de que não há bases positivas para
estimular a dúvida, presente na situação perceptiva. Como Peirce enfatizou em
sua rejeição da dúvida universal de Descartes, não podemos inventar a dúvida,
a não ser que seja dada uma base positiva para a dúvida na situação
perceptiva, então, os julgamentos perceptivos e certas crenças vagas devem
ser tomados como indubitáveis, embora sejam eminentemente falíveis, visto
que sujeitas ao teste de experiência futura. Assim, chega-se, num amplo
sentido, à "falibilidade" de Peirce. A falibilidade do julgamento perceptivo, em
seu sentido amplo, se encontra no fato de que será rejeitado como falso, se
não se encaixar no contexto interpretativo geral como fora discutido
anteriormente. A indubitabilidade neste nível entra no sentido de que a
formação do julgamento perceptivo não pode ser controlada e está além da
crítica lógica quanto a sua formação. Ao passo que não podemos controlar
criticamente o julgamento, entretanto, podemos criticar seus resultados e
concluir, baseados em experiência futura, de que é falso. Subjacente à
verdadeira possibilidade destas indubitabilidades de sentido comum que podem
ser falsas, não obstante, viu-se que existe uma indubitabilidade à qual nem a
verdade nem a falsidade é aplicável, o que é "pragmaticamente certa".
A percepção para Peirce seria o modo pelo qual pelo qual entramos em
contato com um mundo quantitativo amplamente estruturado, que é bem maior
que os estreitos limites estabelecido tanto pelos empiricistas quanto pelos
racionalistas e pelos analistas contemporâneos (Bernstein, 1964:165-189).
Se, portanto, nossa cuidadosa interpretação
direta da percepção, e de maneira mais enfática, de tal percepção que
implica surpresa, é que a percepção representa dois objetos reagindo um
sobre o outro, essa não é somente uma decisão da qual não há apelo, mais
é puro não senso disputar o fato de que em percepção dois objetos na
realidade assim reagem um sobre o outro.(CP 5.55 de 1903)
Rosenthal (2001) resume as relações entre o percepto, o percipuum e o
julgamento perceptivo da seguinte maneira: o presente percepto, interpretado à
luz do ponecipuum, é o percipuum em seu sentido restrito. Este percipuum é o
resultado do julgamento perceptivo em seu sentido restrito e garante o
“conteúdo repetido”, que serve para ativar o hábito, embora, como um ponto de
chegada analítico, não fornece nenhuma antecipação de experiência futura. O
julgamento perceptivo em seu sentido restrito é a hipótese abdutiva primitiva de
uma repetição atual de um conteúdo experiencial passado, e o conteúdo de
62

fato se transforma em uma repetição de conteúdos previamente


experimentados somente quando o julgamento perceptivo o assimila a aqueles
conteúdos no processo abdutivo de reconhecimento. Ou, o percipuum é um
reconhecimento do caráter do que é passado.
Com sua teoria da percepção, Peirce consegue resolver alguns
problemas ligados ao real como fonte perceptiva do nosso conhecimento, a
estrutura da percepção está ligada à origem da verdade na teoria de Peirce. O
entendimento da teoria do objeto na filosofia de Peirce é crucial para as
discussões ontológicas e epistemológicas do universo sígnico.
Qualquer coisa que aparece à mente produz
nela um efeito. Esse efeito é um primeiro em relação àquilo que aparece.
Ao apreender aquilo que aparece, a mente imediatamente reage, produz
algo. Esse algo é um primeiro, e aquilo que provoca o efeito é um segundo.
Aí está: o signo, efeito surge como primeiro e aquilo que provoca o signo,
ou seja, seu objeto, como segundo. A primazia lógica é do signo, mas a
primazia real é do objeto. O objeto é determinante, mas só nos aparece
pela mediação do signo. (SANTAELLA, 1993:44)
Para Peirce, é o objeto que governa a unidade do signo (Pape, apud
Santaella, 1993:40) e a filosofia realista nos fornece justificativas para nossa
crença na existência de um mundo real que independe daquilo que se possa
pensar ou fantasiar a seu respeito. Peirce sugere que é com a confrontação
com os objetos externos que os signos cognitivos ganham verdade ou
falsidade.
Dessa maneira, um signo, como para
cumprir com seu dever, de se pôr em prática, deve ser compelido por seu
objeto. Evidentemente este é o motivo da dicotomia entre o verdadeiro e o
falso. Porque onde um não quer, dois não brigam, e uma compulsão
envolve uma dose tão grande de luta como se requereria para conseguir o
impossível de haver compulsão sem resistência. (CP 5.554 de 1905)
Peirce distingue claramente a coisa em si mesma incognoscível da
concepção de realidade externa cognoscivel independente da função
representativa da mente, o que o torna bem distante de alguns pragmatistas ou
coerentistas tais como Davidson (1986:312) para quem obviamente não
podemos entrar dentro de nossas peles para saber o que está causando os
acontecimentos internos dos quais estamos conscientes:
Mesmo após que o percepto está formado
há uma operação que me parece bastante incontrolável. É aquela que julga
o que é que a pessoa percebe. Um julgamento é um ato de formação de
uma proposição mental combinado com sua adoção ou o fato de concordar
63

com ela. Um percepto, do outro lado, é uma imagem ou quadro em


movimento ou outra exibição. O juízo perceptivo, i.e., o primeiro julgamento
de uma pessoa com respeito ao que se encontra diante de seus sentidos,
não guarda maior semelhança com o percepto do que a figura que eu for
desenhar se parece com um homem. (CP 5.115 de 1903)
Por outro lado, a verdade instintiva do julgamento perceptivo se deve à
concordância ou coerência do interpretante dinâmico com o interpretante
emocional do percepto e, esta estrutura coerente é transparente e está
embebida no julgamento perceptivo. Esse processo está alem do nosso
controle racional, no qual não podemos decidir se o resultado é falso ou
verdadeiro. Peirce sugere alguns testes, que poderiam ser realizados:
Os perceptos, pudesse eu ter certeza do
que sejam, constituem a própria experiência que sou forçado a aceitar, Mas
se elas são experiências do mundo real, ou apenas a experiência de um
sonho, é uma questão a que não tenho meios de responder com absoluta
certeza. Contudo tenho três testes que, embora nenhum deles seja infalível,
satisfazem muito bem em casos ordinários. (CP 2.140 de 1902)
O primeiro teste consiste em tentar dispensar os perceptos:
Uma fantasia ou devaneio pode ser
comumente dispensada por um esforço direto da vontade. Se acho que a
seqüência de perceptos persiste constantemente, apesar de minha
vontade, em geral estou satisfeito. Ainda, pode ser uma alucinação.
(CP 2.140 de 1902)
Se houver razões para se acreditar que a situação acima seja o caso,
então aplica-se o segundo teste, que consiste em perguntar, para alguma outra
pessoa, se ela vê ou ouve a mesma coisa. Se a resposta for positiva, e se o
mesmo acontece com várias pessoas, isso ordinariamente será tomado como
conclusivo. Contudo, é um fato estabelecido que algumas alucinações e ilusões
afetam grupos inteiros de pessoas. (CP 2.140 de 1902)
Porém, resta um terceiro teste que pode ser aplicado, que é o mais
seguro dos três:
A saber, eu posso fazer uso de meu
conhecimento das leis da natureza (conhecimento muito falível, confesso)
para predizer que, se meu percepto tiver sua causa no mundo real, um
certo experimento dever ter um resultado certo – um resultado que, na
ausência daquela causa, não seria pouco surpreendente. Aplico este teste
do experimento. Se o resultado não ocorre, meu percepto é ilusório: se
ocorre, recebe forte confirmação. Por exemplo, se eu e todo grupo
ficássemos tão excitados a ponto de pensarmos estar vendo um fantasma,
64

posso atentar para o que uma foto desprovida de imaginação poderia fazer.
Assim, Macbeth fez a experiência de tentar agarra o punhal. (CP 2.140-
2.141)
Assim embora esses testes possam confirmar a insistência do mundo
real, sua existência não é fornecida pela experiência imediata, mas por nossas
inferências derivadas dos fatos perceptuais:
Todos este testes, entretanto, dependem da
inferência. Os dados a partir dos quais começa a inferência e depende todo
raciocínio, são os fatos perceptivos, que constituem o relatório falível do
intelecto dos perceptos, ou a "evidência dos sentidos". É somente nestes
perceptos que podemos confiar por completo, e isso não como
representantes de qualquer outra realidade que eles mesmos. (CP 2.143 de
1902)
Desde os anos 60 Peirce sempre defendeu a teoria de que o
conhecimento é derivado do mundo exterior. Mesmo as conclusões sobre
nosso estado emocional e afetivo são conseqüências de inferências a partir do
mundo exterior (CP 5.392). Mas a impossibilidade de controlar e criticar este
processo quase inferencial instintivo (e a este respeito é incorrigível) não é um
fundamento absoluto de nosso conhecimento. Onde então, no processo
cognitivo, começa a possibilidade de controlá-lo? Na opinião de Peirce,
certamente, não antes de que esteja formado o percepto.
A “maquinaria da mente” não pode produzir por si só qualquer forma de
conhecimento, apenas transformá-lo, ou seja, somente após os fatos oriundos
da observação, deparamos com algo novo que alimenta o pensamento em seu
processo de conhecimento (CP 5.392). Temos então: perceptos e rompimento
de hábitos concomitantes a imagens e sensações e fim do estímulo externo,
permanência de um hábito imaginativo, que reproduz ou representa o percepto
enquanto uma imagem ou idéia geral. (Bortolotti, 2002:152-153)
Não vejo como pode ser possível exercer
qualquer controle sobre essa operação ou de submetê-la à crítica.Se
pudéssemos sequer criticá-la, tanto quanto eu posso ver, essa crítica
estaria limitada a fazê-lo novamente e observamos, mais atenciosamente,
se conseguimos o mesmo resultado. Mas quando o voltamos a fazer, sem
lhe dar a devida atenção, o percepto provavelmente não é o mesmo que
era antes. Não vejo que outros meios temos para sabermos se é o mesmo
que era antes ou não, salvo comparando o primeiro julgamento perceptivo
com este último. u deveria desconfiar por completo de qualquer outro
método de verificação sobre qual era o caráter do percepto. Em
conseqüência, até que eu não for melhor aconselhado, eu considerarei o
julgamento perceptivo como absolutamente fora de controle. Se eu estiver
65

errado nisto, o Percepto, de qualquer modo, pareceria estar assim." (CP


5.115 de 1903)
Essa análise pode explicar a posição de Peirce contrária à dos
fundacionalistas, que aceitam o “dado” como fundamento do conhecimento.
Por outro lado, segundo Rosenthal (2001), a memória está envolvida no
verdadeiro reconhecimento do conteúdo visto anteriormente e que pode ser
visto novamente, isto é, uma apreensão que permite que esse conteúdo se
transforme na base para um significado predicativo. Esta base, assim, não é
certa, mas sujeita ao engano da memória e incapaz de suprir um alicerce
indubitável de conhecimento empírico em qualquer sentido fundamentalista dos
termos. O que é fornecido não é a certeza absoluta das asseverações
fundamentalistas, mas "certeza pragmática". A percepção de uma aparência é,
indubitável no sentido de que sua falsidade é inconcebível. Ela está além de
dúvida concebível, porque duvidar dela no sentido que se pensa que pode
mostrar-se errada de fato, literalmente, não tem sentido. Duvidar significa
colocar em dúvida algo para o que não há ferramenta para ficar "atrás" disso
para compará-lo com qualquer coisa mais fundamental.
Ainda segundo Rosenthal, a percepção de uma aparência não é
certamente verdadeira em oposição ao possivelmente falso. Ela é certa no
sentido de que nem a verdade nem a falsidade é aplicável a ela. O julgamento
perceptivo em seu sentido restrito nem mesmo pode ser classificado
certamente correto em oposição a ser possivelmente incorreto. Não há nenhum
reconhecimento correto ou incorreto envolvido neste nível, porque aquilo que é
o percipuum é somente determinado reconhecendo-o e não pode ser
determinado de nenhum outro modo. Ele se converte em uma "repetição" de
conteúdos prévios somente sendo assimilado por aqueles conteúdos no
julgamento perceptivo. Na opinião de Rosenthal, em relação a visões mais
tradicionais, esta conclusão é seguramente mais paradoxal do que a conclusão
de que o julgamento perceptivo, em seu sentido amplo, é falível porque pode
mostrar-se errado em relação à experiência futura. Talvez a novidade da
conclusão anterior, ligada a sua própria omissão de esclarecer as distinções
conceituais na direção das quais ele estava tateando, conduziram Peirce a
mudar sutilmente de posição em sua tentativa de fazer que ela parecesse
"menos paradoxal".
Podemos testar e assim verificar ou refutar o próprio julgamento
perceptivo não no mesmo processo no qual ele é desenvolvido, mas pela
elaboração mais controlada da observação do mesmo objeto. Portanto,
podemos distinguir entre falsos e verdadeiros através da evolução de nosso
conhecimento e da investigação científica (CP 2.141 de 1902). Podemos
66

distinguir principalmente entre ilusões ou representações confirmadas (CP


2.142 de 1902). Peirce traz nessa discussão os problemas cruciais da teoria do
conhecimento e o conhecimento do mundo externo que preocupam a filosofia
atualmente. A concepção naturalista da evolução do conhecimento e o método
de adquirir a verdade através do trio de operações lógicas, a falibilidade do
conhecimento humano se mantém para qualquer conhecimento, para a
experiência do dia-a dia e para a ciência ou para a filosofia. Esse é o método
racional para tornar nossas idéias claras.
Parece-me, entretanto, que temos, por meio
da aplicação de nossa norma, alcançado uma compreensão tão clara do
que queremos dizer com realidade, e do fato sobre o qual descansa a idéia,
que, talvez, não deveríamos estar fazendo uma pretensão tão presunçosa
que seria singular, se fôssemos oferecer uma teoria metafísica de
existência de aceitação universal para aqueles que empregam o método
científico de fixar a crença. Entretanto, como a metafísica é uma matéria
muito mais curiosa do que útil, o conhecimento da qual, ao igual que um
recife afundado, serve sobretudo para habilitar-nos a tomarmos cuidado
dela, eu não mais incomodarei o leitor com mais Ontologia pelo momento.
Eu já fui conduzido muito além da trilha de conduta do que eu teria
desejado; e eu tenho dado ao leitor tal dose de matemática, psicologia, e
tudo aquilo é o mais confuso, que eu receio que ele já possa ter-me
abandonado, e que o que eu estou escrevendo agora é exclusivamente
para o linotipista e o revisor de provas. Confiei na importância da matéria.
Não existe um caminho real para a lógica, e idéias realmente valiosas
somente podem ser obtidas ao preço de minuciosa atenção. Mas eu sei
que em matéria de idéias o público prefere as baratas e de má qualidade; e
no meu próximo trabalho eu retornarei ao inteligível acessível, e não me
desviarei disso novamente. leitor que se esforçou para avançar por este
trabalho, será recompensado no próximo vendo de que bela maneira, o que
foi desenvolvido tediosamente, pode ser aplicado para a afirmação das
normas do raciocínio científico. Não temos, até agora, atravessado a soleira
da lógica científica. É certamente importante saber como deixar claras as
nossas idéias, mas elas sempre poderão ser claras sem serem verdadeiras.
Como torná-las assim é algo que temos de estudar a seguir. Como dar a
luz essas idéias vitais e pró-criativas que se multiplicam em mil formas e se
difundem por toda parte, se antecipando à civilização e dignificando o
homem, é uma arte ainda não reduzida a normas, mas de cujo segredo a
história da ciência arisca a dar alguns palpites. (CP 5.410 de 1877)
Portanto, a prova de nosso conhecimento negativo de algo externo pode
ser alcançada pela análise da epistemologia de Peirce, e já em 1906, ele já
afirmava que o mais alto grau de realidade é somente alcançado pelos signos.
(CP 8.327 de 1904)
67

Hookway (1985:168), argumenta que não podemos saber que indivíduos


existem no mundo, que propriedades esses indivíduos têm na realidade, ou
que indivíduos participam em interações, representando quais das leis, assim,
para caracterizar o mundo real, devemos especificar que coisas ele contém e
quais das propriedades ele tem. O que encontramos na percepção é a
representação de qualidades mediante coisas existentes particulares. O
julgamento perceptivo se refere a um indivíduo, uma qualidade e afirma que o
último representa o primeiro.
Mas para complementar nossa discussão sobre a percepção e a
existência do mundo externo é interessante analisar alguns pontos sobre a
evolução do realismo peirceano, que será desenvolvida no próximo tópico.

3.1 A evolução do realismo de Peirce


O percurso percorrido por Peirce do O que é a realidade?
Nominalismo ao Realismo é abordado por Fisch (1986: Talvez não haja uma tal
184-199) em “Peirce’s Progress from Nominalism coisa. Como insisti
repetidamente, trata-se
toward Realism” que o divide em cinco fases: de uma retrodução,
“nominalista” (1867-1868),
1 uma hipótese de
trabalho que assumi-
primeiro passo em direção ao realismo (1868), mos na nossa deses-
segundo passo em direção ao realismo (1871), perada esperança de
período Pré-Monist (1871-1890), e tudo conhecermos.
período Monist (1891-1914). Pode ainda suceder, e
será otimismo esperar
algo melhor, que a
Para Fisch, a fase “nominalista” de Peirce hipótese da realidade,
duraria até 1868. Nessa fase, o “nominalismo embora funcione bem,
peirceano” ficaria evidente em suas primeiras não corresponda perfei-
publicações profissionais em lógica e filosofia, que tamente àquilo que é.
constituíram cinco “papers” apresentados na American Mas se há alguma
Academy of Arts and Sciences, em 1867, e a revisão do realidade, ela consiste
livro de John Venn – The Logic of Chance (CP 8.1-2 de no seguinte: que há no
ser das coisas algo que
1867). A posição nominalista estava relacionada à corresponde ao pro-
questão da probabilidade e à freqüência relativa, que cesso de raciocínio, que
o mundo vive, se move
e tem o seu ser numa
lógica de aconte-
1 A nosso ver, embora Peirce, mesmo na sua fase de juventude não possa ser chamado de
cimentos. (PEIRCE)
nominalista, na verdadeira acepção do termo, ainda assim conservaremos esta classificação
usando o termo “nominalista”, mas significando menos realista do que na fase madura.
68

Peirce sustentaria durante mais de trinta anos e que ele já manifestava nas
conferências de Lowell de 1866.
No entanto, esta é uma questão polêmica entre os comentadores de
Peirce; alguns, entre eles Don Roberts (1970:67-83), contestam que Peirce
tenha sido nominalista. Um dos pontos que Roberts levanta é que, embora a
teoria peirceana da probabilidade possa ser classificada como nominalista, isso
não torna sua filosofia nominalista. Outro ponto que Roberts coloca, se refere à
atmosfera científica da juventude de Peirce, que favorecia ênfase na
comunidade ao invés do individualismo (MS 655). Também, na opinião de
Roberts, alguns textos de Peirce de 1859-60 deveriam ser vistos apenas como
idéias que eram experimentadas.
Para Michael (1988: 317-348), até 1867 os escritos de Peirce estão
permeados da doutrina dos nominalistas medievais e sua posição na questão
dos universais é muito próxima daquela de Occam. Michael traz, como
exemplo, uma passagem de 1865 do texto “An Unpsychological View of Logic”,
onde Peirce havia escrito: “qualidades são ficções, porque embora seja
verdadeiro que as rosas são vermelhas ainda a vermelhitude não é nada mais
do que ficção emoldurada para os propósitos de filosofar...” Nesta passagem
Peirce nega a realidade dos universais, parecendo comprometido com alguma
forma de nominalismo.
Ainda segundo Michael, na fase “nominalista” de Peirce, não haveria
generalidade fora do pensamento e da linguagem, posição esta que ele
manteria até 1983, quando forçado por sua nova lógica, gradualmente se
converteria e desenvolveria uma nova forma de realismo escolástico. Michael
traz outro exemplo que é uma passagem de 1868, do texto “Questions on
Reality”, onde Peirce diz :“o elemento nominalista de minha teoria é certamente
uma admissão de que nada fora da cognição e da significação geralmente tem
alguma generalidade” (MS 931 de 1868). Em outra passagem, do mesmo teor
Peirce mantém que, na cognição, os universais são tão reais quanto os
singulares:
O real é o objeto de uma proposição
absolutamente verdadeira. Portanto, chegamos a uma teoria que, embora
seja nominalista, na medida em que baseia os universais em signos, é,
contudo, oposta ao individualismo que com freqüência se acredita coexistir
com o nominalismo. Pois não há nada que impeça as proposições
universais de serem absolutamente verdadeiras, e, portanto, os universais
podem ser tão reais quanto os individuais [...]. Cada ato de cognição que
possuímos é um julgamento cujos sujeito e predicado são termos gerais.
(MS 931 de 1868)
69

Ibri (1992:xv) não compartilha da opinião de Fisch e Michael. Peirce, em


seus textos de juventude, seria apenas “menos realista”:
Acrescente-se ainda que ao se auto-acusar
de „nominalista‟ devido ao teor de certos ensaios de sua juventude,
entendemo-lo, na verdade, como apenas ´menos realista´, uma vez que o
realismo ontológico foi sua posição cabal desde os primórdios de seu
pensamento.(IBRI, 1992:xv)
Entretanto, como mostra Fisch, há algumas passagens da maturidade,
nas quais o próprio Peirce faz uma autocrítica com relação a esta questão,
como por exemplo, em CP 6.103 de 1892 sobre a doutrina do sinequismo, na
qual ele se refere a textos anteriores dizendo “mas agora sou capaz de
melhorar aquela exposição na qual estava um pouco cego por pressuposições
nominalistas.” Ou na passagem CP 6.270, de 1892, sobre a consciência de
uma idéia geral, em que Peirce diz:
[...] há muito tempo atrás no Journal of
Speculative Philosophy, mostrei que uma pessoa não é nada mais que um
símbolo, envolvendo uma idéia geral. Mas minhas opiniões eram então
muito nominalistas para me permitir enxergar que toda idéia geral tem o
sentimento vivo unificado de uma pessoa. (CP 6.103 de 1902)
Segundo Peirce, “a ordem apropriada para filosofar seria começar com
nominalismo e fazê-lo passar por uma prova justa antes de ir para o realismo”
(CP 8.251 de 1897), ou “todos deveriam ser nominalistas no início e continuar
nesta opinião até que fossem guiados pela força maior de fatos irreconciliáveis”
(CP 4.1 de 1898) ou, “o que distingue o nominalista é que ele não admite certos
elementos. O realista, se for um pensador “saudável”, deve ter ocupado esta
posição” (L392). No entanto, deve-se lembrar que, já em 1859, na passagem
MS 921, Peirce se autodenomina realista, ou “seja reconhecido que, nunca
durante os 30 anos nos quais tenho escrito sobre estas questões filosóficas,
tenha falhado na minha fidelidade às opiniões realistas e a certas idéias de
Scotus” (CP 6.605 de 1893).
O primeiro passo de Peirce em direção ao realismo se dá nos ensaios
da série cognitiva, que foram publicados entre 1868 e 1869 pelo The Journal of
Speculative Philosophy. Estes ensaios são os famosos textos anti-cartesianos:
(1868) “Questions Concerning Certain Faculties Claimed for Man”- CP
5.213-63,
(1868) “Some Consequences of Four Incapacities - CP 5.264-317 e,
(1869) “Gounds of Validity of the Laws of Logic: Further
Consequences of Four Incapacities” - CP 5.318-57 .
70

Para Hookway (1992:15), estes textos constituem um único argumento


unificado, em que nos dois primeiros Peirce discute mente e realidade, de
forma a permitir, no terceiro ensaio, a explicação da validade do raciocínio
dedutivo e da inferência ampliativa. Além disso, só através de um enfoque não
psicológico para a lógica, com o exame das formas de pensamento é que se
torna possível explicar a validade da indução e como a inferência sintética é
capaz de “redução da variedade à unidade” (CP 5.276 de 1868). Sob um outro
ponto de vista, quanto ao pensamento discursivo, pode-se considerar que estes
três ensaios discutem questões bastante interligadas: o primeiro trata do nosso
poder de intuição, o segundo contém críticas ao cartesianismo e o terceiro
poderia ser visto como uma refutação às “acusações” de Mill ao silogismo.
Apesar de se autodenominar idealista (CP 5.264 de 1868) e realista
escolástico (CP 5.312 de 1868), Peirce aponta claramente os pontos em que
diverge destas teorias, deixando explícito nestes textos principalmente sua
posição contrária ao nominalismo e subjetivismo de Descartes. Com relação ao
realismo escolástico de Peirce, Michael (1968:317-348), distingue duas formas
fundamentalmente diferentes de realismo, a primeira muito próxima do
nominalismo, concordando com Fisch e a segunda reconhecidamente de
inspiração escolástica, aceita por comentadores como Boler (1983) e
Skagestad (1981).
Ainda segundo Michael, o realismo inicial de Peirce parece estar
comprometido com o nominalismo e difere do realismo maduro, com respeito a
realidade dos universais fora da cognição, e o realismo que Peirce desenvolve
após 1883 estaria relacionado com a visão da realidade dos universais fora da
mente.
Nos dois primeiros textos da série “Questions Concerning Certain
Faculties Claimed for Man” (CP 5.213-63 de 1868), “Some Consequences of
Four Incapacities” (CP 5.264-317 de 1868), Peirce desenvolve sua relação
triádica de signo, que servirá de base para a teoria do conhecimento, sendo
pensamento é um processo ininterrupto, em uma relação de três elementos:
signo, pensamento, objeto, ou pensamento precedente, ao qual o signo se
segue e pensamento subseqüente. Se todo pensamento é signo, segue-se que
todo pensamento deve se endereçar a um outro, deve determinar outro, porque
esta é a tendência do signo (CP 5.253 de 1868). Pensamento requer
temporalidade, e Peirce rejeita a possibilidade de fundamentar o conhecimento
em reflexões teóricas da consciência individual sem qualquer relação com o
mundo externo, é o fato externo que determina a cadeia de cognições (CP
5.251 de 1868). Daí decorre que não há conhecimento sem interpretação, visto
que todo conhecimento é condicionado pelos fatores anteriores a ele no
71

processo de cognição e só se revela no momento em que é interpretado num


conhecimento subseqüente,
Ao examinar o processo cognitivo, Peirce enfatiza que sua generalidade
se estende ad infinitum, portanto não há primeira cognição. Por outro lado,
sendo impossível saber intuitivamente que uma dada cognição não é
determinada por uma anterior, o único modo de sabê-lo é através de inferência
hipotética a partir dos fatos observados (CP 5.260 de 1868).
Assim, supor algo inexplicável como originário só pode ser feito através
do raciocínio em signos, mas a única justificativa para uma inferência a partir
de signos é que a conclusão explique o fato (CP 5.261, de 1868) Portanto,
supor que o fato seja absolutamente inexplicável é não explicá-lo e, por
conseguinte, esta suposição nunca é permitida.
É possível dizer que no primeiro ensaio, um dos caminhos que já
apontam para o realismo seria esta questão da generalidade do signo, pois
uma das características do realismo estaria na indeterminação do produto da
cognição, pois o nominalismo dá mais importância ao singular existente,
determinado.
No segundo texto da série cognitiva “Some Consequences of Four
Incapacities”, Peirce apresenta sua teoria da cognição. Neste ensaio também
Peirce declara sua preferência pelo realismo de Scotus (CP 5.312 de 1868) e
introduz a noção de comunidade e de opinião última (CP 5.264 de 1868) e
desenvolve uma concepção de real, que rejeita a “coisa em si” incognoscível
nominalista e não se restringe ao plano individual nem ao plano mental, e
embora seja derivada do mundo externo, tem sua verdade garantida a longo
prazo pelo processo cognitivo e pelo consenso da comunidade. Pode-se dizer
que ao romper com a visão nominalista da filosofia tradicional cartesiana
(dúvida metodológica, intuição, conhecimento imediato, concepção de certeza),
Peirce dá seus primeiros passos para um posicionamento realista baseado na
estrutura triádica sígnica da cognição, pois as generalidades de nossas
concepções são reais e os aspectos existenciais e individuais do nominalismo
são substituídos pela indeterminação do processo sígnico.
[...] Por conseguinte, o mais elevado
conceito que se pode atingir por abstrações a partir dos juízos da
experiência – e, portanto, o mais elevado conceito que pode ser atingido
em geral – é o conceito de algo que é da natureza de uma cognição. (CP
5.255-257 de1868)

Em “Some Consequences...”, Peirce se declara explicitamente a favor


do realismo escolástico, segundo o qual nenhuma das nossas cognições pode
ser absolutamente determinada, então os gerais devem ter uma existência real
72

- CP 5.312 de 1868), afirmando que “consequentemente, tudo que seja


significado por qualquer termo como „o real‟ é cognoscível até certo ponto e,
assim, é da natureza da cognição, no sentido objetivo do termo” (CP 5.310 de
1868). Peirce então define o real, introduzindo a idéia de long run, de
comunidade indefinida e de independência com relação à nossas
representações, o que se torna, então, um passo decisivo em favor do
realismo, realismo este que ainda pode ser visto como uma oposição à “coisa-
em-si” incognoscível.

O real, então, é aquilo no qual, mais cedo ou


mais tarde, a informação e o raciocínio resultarão finalmente, e que é
portanto independente das minhas e das suas fantasias. Assim, a
verdadeira origem da concepção de realidade mostra que esta concepção
implica essencialmente a noção de uma COMUNIDADE, sem limites
definidos e capaz de um aumento de conhecimento indefinido." (CP 5.311
de 1868)
A teoria da realidade de Peirce pode ser vista como conseqüência de
sua teoria da cognição, pois do fato de nenhuma das nossas cognições possa
ser absolutamente determinada, então os gerais devem ter uma existência real;
“ser” é sinônimo de cognição: ser é ser cognoscível (CP 5.257 de 1868).
O realista, então, é simplesmente aquele que sabe que “não há a mais
recôndita realidade além daquela contida na representação verdadeira” (CP
5.312 de 1868), isto é, se a palavra homem é verdadeira a respeito de alguma
coisa, então aquilo que homem significa é real. Já, o nominalista deve admitir
que homem é verdadeiramente aplicável a algo, mas acredita que há a “coisa-
em-si”, uma realidade incognoscível.
Para Peirce, não somente as cognições devem conter termos gerais,
como também estes termos devem permanecer vagos, para assumir seu papel
como signo, ou seja, um signo só pode funcionar como signo somente se for
capaz de ser interpretado e esta interpretação deve ocorrer na forma de outro
signo (CP 5.287 de 1868), em sua fase madura, esta generalidade vai se
converter em continuidade, a partir do desenvolvimento da lógica dos relativos.
Passando agora, para o terceiro texto da série cognitiva “Grounds for
The Validity of The Laws of Logic: Further Consequences of the Four
Incapacities” (CP 5.318-57 de 1869), nele Peirce trabalha a base lógica para
validação objetiva das leis da lógica, fazendo uma análise sobre a validade do
silogismo. Peirce fornece uma justificativa para nossas concepções gerais,
obtidas através do processo indutivo, fundamentando-as na sua teoria da
realidade e expondo também sua teoria social da lógica (CP 5.356 de 1869).
73

Peirce apresenta o acordo da comunidade como sendo uma forma de


comportamento racional, assim o abandono dos interesses individuais em prol
daqueles mais amplos da comunidade vai se constituir numa necessidade
lógica.
Ao rechaçar as críticas de outros filósofos ao silogismo Peirce usa como
argumento sua teoria da realidade, a qual consiste no acordo a que chegaria
toda a comunidade, tornando-a algo que é constituído por um evento
indefinidamente futuro (CP 5.331 de 1869).
Disso resulta podermos dizer que a generalidade das induções, a longo
prazo, se aproxima da verdade e, que, ao aceitarmos uma conclusão indutiva,
a longo prazo, nossos erros se compensarão uns aos outros. Assim, nossas
generalizações seriam resultado de cognições derivadas do mundo exterior,
condicionadas à opinião última da comunidade (CP 5.350 de 1869). Por outro
lado, se há um real (considerando que esta realidade consiste no consenso
último de todos os homens e considerando que o raciocínio das partes para o
todo é o único raciocínio sintético do homem), então, de uma sucessão de
inferências de partes para o todo, a longo prazo, segue-se necessariamente
que o homem chegará ao conhecimento, não estando condenado a fazer
induções sem valor. O sucesso das generalizações depende da existência do
real, as generalizações se referem a aspectos do mundo real obtidas na
condução da investigação (CP 5.351 de 1869).
Para finalizar, vamos resumir alguns pontos levantados por Fisch
(1986:187) com relação ao realismo de Peirce nesta fase:
Peirce se declara a favor do realismo de Scotus;
esta declaração está confinada a um só parágrafo;
realismo de Peirce, nesta fase não se opõe ao nominalismo, mas pode ser
a ele acrescido;
nominalismo, ao qual Peirce se opõe, é o da “coisa-em-si incognoscível”;
esta rejeição não é nova, já era contemplada em sua fase “nominalista”;
realismo pode ser considerado como subproduto de teoria da realidade de
Peirce, a distinção entre distinção entre cognições cujos objetos são reais
e aqueles cujos objetos não são reais é feita em termos do real, como
aquilo a que mais cedo ou mais tarde a informação ou raciocínio
finalmente resultarão e que é portanto independente das fantasias
individuais;
que deve ser enfatizado não é o realismo, mas a teoria da realidade
modificada;
74

a ênfase no caráter anti-individualista, em decorrência das modificações na


teoria da realidade;
Peirce não denomina seu posicionamento de realismo, mas cognocionismo
e portanto idealismo;.
a declaração a favor do realismo é muito moderada.
Segundo Fisch (1986: 188), o segundo passo de Peirce em direção ao
realismo se dá em 1871, com a resenha da obra editada por Fraser “The works
of George Berkeley"(CP 8.7-38). Esta resenha poderia ser considerada como
uma síntese dos trabalhos anteriores referentes à teoria da cognição e teoria
da realidade, além de um desenvolvimento da questão do realismo-
nominalismo.
Os universais são reais?, segundo Peirce esta pergunta é respondida
quando se considera o que seja o real. Peirce divide os objetos, de um lado,
em ficção e sonho e de outro lado, em realidade. Os primeiros só existem na
medida em que alguém os imagine; os últimos possuem uma existência que
independe da mente de qualquer pessoa. Este ponto é fundamental para a
distinção entre o que é real e o que é criação da mente. A realidade tem
permanência e alteridade diante da mente e “o real é aquilo que não é o que
eventualmente pensamos dele, mas não é afetado por aquilo que possamos
pensar dele" (CP 8.12 de 1871).
A questão referente aos universais é, portanto, se homem, cavalo, ... e
outros nomes de classes naturais correspondem a algo que todos têm em
comum, independentemente de nosso pensamento, ou se estas classes se
constituem “simplesmente por uma semelhança no modo pelo qual nossas
mentes são afetadas por objetos individuais que, em si mesmo, não têm
semelhança ou relação, qualquer que seja” (CP 8.12 de 1871).
Onde se deve encontrar o real, a coisa
independente de como a pensamos? Deve haver algo assim, pois vemos
que nossas opiniões são de algum modo constrangidas. Portanto deve
haver algo que influencia nossos pensamentos e que não é por eles criado.
É verdade que não temos nada que nos seja imediatamente presente a não
ser nossos pensamentos. Estes pensamentos, no entanto, foram causados
por sensações, e essas sensações são compelidas por algo que está fora
da mente. Esta coisa fora da mente, que influi diretamente sobre a
sensação, e através da sensação, o pensamento, porque está fora da
mente, é independente do modo como a pensamos e é, em suma, o real.
Esta é uma concepção de realidade, uma concepção bastante familiar.(CP
8.12 de 1871)
75

A questão, portanto, está em que existe algo fora da mente, que influi
diretamente sobre a sensação e através da sensação, sobre o pensamento, é
este o traço fundamental da realidade é estar aí, permanecer sendo, ser
independente, é a alteridade, a característica de ser outro.
Mas a opinião humana tende
universalmente, a longo prazo, para uma forma definida, que é a verdade.
Que um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o
suficiente sobre uma questão qualquer, e o resultado será que ele chegará
a uma certa conclusão definida, que é a mesma a que chegará qualquer
outra mente nas mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. [...]
Existe, portanto, para toda questão, uma resposta verdadeira, uma
conclusão final, para a qual a opinião de todo homem constantemente
tende. (CP 8.12 de 1871)
Peirce apresenta sua concepção de verdade a partir da definição de
real. Também enfatiza que, apesar dos erros, há possibilidade de que, a longo
prazo, se chegue à verdade. Segundo ele, dizer que os objetos reais são
externos à mente e agem sobre a mente é significante e verdadeiro, porque
uma análise pragmática mostra que, a longo prazo as opiniões tendem para um
acordo sobre a realidade de tais objetos. Para Peirce, o erro ou a vontade
arbitrária pó,dem adiar este acordo geral, mas a opinião final é independente
de tudo que é arbitrário e individual no pensamento. O realismo de Peirce vê o
real como um objeto da opinião verdadeira. A verdade não é uma questão
individual, a verdade tem um sentido coletivo, o indivíduo poderá até perdê-la
de vista, mas mesmo assim “permanece o fato de que há uma opinião definida
para a qual tende a mente do homem no conjunto e a longo prazo” (CP 8.12 de
1871).
Portanto, esta opinião final é independente
não, de fato, do pensamento em geral, mas de tudo o que seja arbitrário e
individual no pensamento; é totalmente independente daquilo que o leitor
ou eu ou qualquer número de pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que
se pensar existir na opinião final é real, e nada além disso. (CP 8.12 de
1871)
Assim, esta teoria da realidade é “instantaneamente fatal à idéia de uma
coisa em si mesma – uma coisa que exista independentemente de toda relação
com a concepção que dela tem a mente”, ela nega que haja uma realidade
absolutamente incognoscível e esta concepção do real é inevitavelmente
realística, “porque concepções gerais entram em todos os juízos e, portanto,
em todas as opiniões verdadeiras”. Portanto, uma coisa no geral é tão real
quanto no concreto (CP 8.13 de 1871). Assim, a generalidade dos termos
76

nunca pode ser exaurida pela própria enumeração dos particulares e a


vagueza, ou seja a capacidade indefinida para futuras interpretações, é
essencial para a significação.
Segundo Peirce, esta teoria realística é uma “posição altamente prática
e de senso comum, porque seja qual for o acordo universal que prevaleça, o
realista não irá perturbar a crença geral com dúvidas fictícias e inúteis. O
realista não separa a existência fora da mente e o ser na mente como sendo
dois modos totalmente desproporcionais (CP 8.17 de 1871). A teoria da
cognição substitui as formas de obter conhecimento através da intuição e da
introspecção, através da cognição será adquirido conhecimento do mundo
exterior através do raciocínio inferencial, e as concepções resultantes deste
processo se referem ao real, pois Peirce nega o incognoscível, assim:
Operar uma distinção entre a verdadeira
concepção de uma coisa e a própria coisa, é, ele dirá, considerar apenas
uma e mesma coisa apenas sob dois pontos de vista diferentes, pois o
objeto imediato de pensamento num juízo verdadeiro é a realidade. O
realista acreditará, portanto, na objetividade de todas as concepções
necessárias: espaço, tempo, relação, causa e semelhantes. (CP8.17 de
1871)
Segundo Fisch (1986:188), o período pré-Monist corresponde às
maiores contribuições de Peirce para a ciência, incluindo trabalhos em
astronomia, geodésia, psicologia, metrologia até matemática e lógica
matemática. Do ponto de vista da lógica e matemática, seus maiores
desenvolvimentos dessa época constituem a lógica das relações, as tabelas de
verdade, os índices, a questão da quantificação, a reformulação das categorias
e seu trabalho sobre Cantor e Dedekind, a respeito de números transfinitos.
Embora o termo realista não apareça explicitamente nos textos dessa
fase, seus efeitos vão aparecendo à medida que analisamos os trabalhos deste
período, que explicitam o amadurecimento de sua filosofia. Este período pode
ser visto como uma conseqüência da junção da teoria idealística da cognição
como a teoria da realidade e aponta para uma aproximação ao seu realismo
maduro nas concepções de acaso, continuidade, evolução...
Merece menção o fato de que, ainda nesta época, Peirce acreditava que
as duas visões realista e nominalista não seriam totalmente “irreconciliáveis,
embora tomadas de pontos de vista amplamente separados,” posição esta que
vai mudando à medida que se torna um realista extremo. A passagem completa
a que ele se refere a esta posição é a seguinte:
Temos aqui, então, dois modos opostos de
conceber a realidade. O primeiro, que foi anteriormente desenvolvido em
77

certa medida, e que naturalmente decorre dos princípios que foram


expostos nos capítulos precedentes deste livro, é uma idéia que estava de
forma obscura na mente dos realistas medievais; ao passo que o segundo
é o princípio fundador do nominalismo. Não acredito que as duas visões
sejam absolutamente irreconciliáveis, embora elas partam de pontos de
vista bastante distintos. A visão realista enfatiza particularmente a
permanência e estabilidade da realidade; a visão nominalista ressalta sua
externalidade. Contudo, os realistas não precisam, nem deveriam, negar
que a realidade existe externamente à mente; tampouco historicamente
eles o têm negado, como um conceito geral. O que é externo à mente, é o
que é, a despeito de quais sejam nossos pensamentos sobre qualquer
assunto; exatamente da forma que é real aquilo que o é, não importa quais
sejam nossos pensamentos a respeito daquela coisa em particular.
Portanto, uma emoção da mente é real, no sentido de que ela existe na
mente quer estejamos claramente conscientes dela ou não. Mas não é
externa porque, embora não dependa do que pensamos sobre ela,
depende do estado de nossos pensamentos sobre algo. Ora, o objeto da
opinião final, que, como vimos, independe do que uma determinada pessoa
pensa, pode muito bem ser externo à mente. E não há objeção em se dizer
que esta realidade externa provoca a sensação, e que por meio da
sensação originou toda aquela cadeia de pensamento que finalmente levou
à crença. (CP 7.339 de 1873).
Posteriormente na passagem já na sua fase madura, Peirce vai dizer
que a questão do realismo e do nominalismo, quando claramente formulada, dá
lugar a apenas uma resposta (CP 6.107 de 1881)
Peirce apresenta uma classificação dos tipos de raciocínio, para
posteriormente relacioná-los ao cálculo das probabilidades. Os raciocínios
podem ser: explicativo, analítico ou dedutivo e, ampliativo, sintético ou indutivo
(CP 2.680 de 1878). No raciocínio explicativo (analítico ou dedutivo)
determinados fatos são estabelecidos pelas premissas, fatos esses que são em
todo caso, uma “multidão inexaurível”, mas podem ser freqüentemente
resumidos numa simples proposição através de alguma regularidade que todos
eles apresentem. Estando os fatos estabelecidos, pode ser verificada entre eles
alguma ordem (mesmo que não tenha sido antes percebida), e isto nos levará a
colocar partes desses fatos numa nova proposição, que será a conclusão de
uma inferência analítica (CP 2.686 de 1878), todas as demonstrações
matemáticas são deste tipo.
Mas no raciocínio sintético, os fatos estabelecidos na conclusão não
estão nas premissas (CP 2.680 de 1878). O raciocínio explicativo, portanto, é
aquele em que os fatos estabelecidos na conclusão já estão implicados nas
premissas, mas podem estar implícitos ou só serem notados até que as
78

inferências sejam feitas. Então, dada uma conclusão sintética requerida para se
conhecer todos os possíveis estados de coisas, quantos estarão, até certo
ponto, de acordo com esta conclusão? Percebemos que é “apenas um absurdo
tentar reduzir raciocínio sintético a analítico e, nenhuma solução definitiva é
possível” (CP 2.685 de 1878). Mas há outro problema em conexão com este
tópico: dado um certo estado de coisas, que proporção de todas inferências
sintéticas a ele relacionadas serão verdadeiras para um dado nível de
aproximação. Por que gostaríamos de conhecer a probabilidade de que um fato
estaria de acordo com nossas conclusões?
Peirce volta então à questão kantiana: “Como são possíveis os juízos
sintéticos a priori?”, que “abalou a filosofia corrente da época”. Segundo Peirce,
por juízos sintéticos Kant entendia “aqueles que afirmam o fato positivo e que
não são apenas casos de combinação; em suma, juízos do tipo que o
raciocínio sintético produz e que o juízo analítico não pode produzir”. (CP 2.690
de 1878). Mas há uma outra pergunta que deveria ter sido feita antes, que é
“como é possível qualquer juízo sintético? Como é que um homem pode
observar um fato e imediatamente emitir um juízo a respeito de um outro fato
diferente que não está envolvido no primeiro?
Para Peirce, a solução está ligada a “uma filosofia geral do universo”
(que vai ser trabalhada em “The Order of Nature). Peirce sugere que se
considere a solução apresentada por Kant para os juízos sintéticos a priori,
(segundo a qual os juízos sintéticos a priori são possíveis, porque tudo aquilo
que é universalmente verdadeiro, está envolvido nas condições da
experiência), deveria ser estendida para os juízos sintéticos em geral,
constituindo um “enunciado satisfatório do princípio da indução” (CP 2.691 de
1878).
Como todo conhecimento provém da
inferência sintética, devemos inferir igualmente que toda certeza humana
consiste meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso
conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a
conclusões verdadeiras. Embora uma inferência sintética não possa ser de
maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a
apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é
somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação
suficiente. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é,
realmente, um dos fatos dos quais parte a lógica. (CP 2.692-93 de 1878)
Segundo Peirce, a relação que existe entre raciocínio sintético e
dedutivo é importante porque quando acolhemos certa hipótese, não é apenas
porque ela explique os fatos observados, mas também porque a hipótese
79

contrária conduziria provavelmente a resultados contrários ao observado.


Analogamente, quando fazemos uma indução, ela não apenas explica a
distribuição das características da amostra, mas também porque uma regra
diferente teria provavelmente conduzido a amostra diversa (CP 2.628 de 1878).
Vale observar que nessa época, Peirce começa a introduzir a questão
referente às leis da natureza, que é um tópico de fundamental importância na
fase madura de sua obra. Neste contexto, ao conceber a Natureza como
antropomórfica, “perpetuamente efetuando deduções em Barbara", Peirce dá
seus primeiros passos em direção ao idealismo objetivo, a doutrina na qual
tudo é mente, atribuindo à indução a responsabilidade pela descobertas de leis
na Natureza:
Concebemos que há Leis da Natureza que
são suas Regras ou premissas maiores. Concebemos que casos surgem
sob estas leis; estes casos consistem na predição ou ocorrência de causas
que são os termos médios dos silogismos. E, finalmente, concebemos que
a ocorrência destas causas, em virtude das leis da Natureza, resultam em
efeitos que são as conclusões do silogismo. Concebendo a Natureza dessa
forma, concebemos a ciência como tendo três tarefas: 1. A descoberta de
Leis, que é efetuada pela indução, 2. A descoberta das Causas, que é
efetuada pela inferência hipotética, e 3, a predição dos Efeitos, que é
efetuada pela dedução. CP 2.713 de 1883.
Peirce pergunta, do fato geral de que existem leis, como elas podem ser
explicadas? A explicação estaria na idéia geral de evolução: a “evolução é o
postulado da lógica, por si próprio; porque o que é uma explicação além da
adoção de uma suposição mais simples para explicar um estado complexo de
coisas” (W4:547 de 1883). Segundo Peirce, voltando a um passado indefinido,
as leis se apresentam menos e menos determinadas, como isto poderia ser
explicada pela causação rígida necessária? Peirce sugere que elas possam ser
explicáveis por meio da hipótese da evolução, em cujo processo está contida a
lei do acaso. A única solução que Peirce encontra, que é plausível, é a de que
as leis têm uma origem, isto é, as leis da natureza teriam se originado de um
estado de coisas onde elas não existiam. Para Peirce, o acaso é o agente
especial do qual depende todo o processo. No entanto, na visão determinista
não há margem para o erro, para o desvio, porque o desvio se deve à presença
do acaso.
Em 1885, na resenha de Josiah Royce, Peirce reafirma a definição de
realidade como a verdadeira resposta para uma questão, que consiste no fato
de que as investigações humanas - raciocínio humano e observação- tendem
em direção ao acordo último de conclusões definitivas que são independentes
80

de quaisquer pontos de vista, com os quais os pesquisadores iniciaram o


processo, de tal forma que o real é aquilo em que o homem acredita e sobre o
qual está pronto a agir, se a investigação fosse levada a cabo suficientemente.
Peirce enfatiza a diferença que há entre ser e ser representado e reforça o
papel relevante da experiência como alteridade (Outward Clash) na validação
das teorias, isto é, o choque da teoria com o fenômeno, com a realidade os
fatos. É este choque com o mundo externo que vai validar a construção das
teorias.
Hoje nós acreditamos que, além dos termos
gerais, dois outros tipos de signos são absolutamente indispensáveis em
todo raciocínio. Um deles é o índice, que, como um dedo que aponta,
exerce uma força fisiológica real sobre a atenção, - como um hipnotizador -
e a direciona a um objeto particular da percepção. Pelo menos um índice
dessa natureza deve fazer parte de toda proposição, sendo sua função
designar o sujeito do discurso. (CP 8.41 de 1885)
Peirce também ressalta que se uma dada questão será respondida não
é tão simples dada à tendência de complexificação, o número de questões está
sempre aumentando, e também a capacidade para respondê-las. Não há uma
forma de saber quais as perguntas que terão resposta, a solução é continuar
com a investigação, se pudermos nos “satisfazer com o fato de que a
investigação tem uma tendência universal em direção ao acordo de opiniões”
(CP 8.43 de 1885).
Devemos, portanto, supor “um elemento de puro acaso, de
espontaneidade, de liberdade na natureza” e, devemos supor também que, em
tempos passados, este elemento tivesse sido indefinidamente mais
proeminente do que agora, e, que no presente, a conformidade aproximada da
natureza com a lei é algo que veio se desenvolvendo. Se o universo vem
progredindo de um estado de puro acaso para um estado da mais completa
determinação, devemos supor que haja uma “tendência original, elementar de
aquisição de hábitos. Este é o Terceiro, elemento mediador entre o acaso, que
traz o Primeiro, e a lei, que produz seqüências ou o Segundo (W5:293 de
1886). Peirce apresenta sua famosa solução para o segredo da esfinge: são
três os elementos ativos no mundo: primeiro - acaso, segundo- lei, terceiro –
aquisição de hábitos.
Fazendo um resumo do período Pré-Monist, podemos dizer que na
teoria da cognição(1868-69) e na teoria da realidade (1878-79), já estavam
presentes as categorias e a teoria do signos, mas faltava ainda uma
elaboração, o que Peirce conseguiu particularmente na época de sua
81

participação no Metaphysical Club, principalmente no que se refere à relação


objeto-pensamento e nas concepções de dúvida/crença/investigação.
No contexto de 1868-89, mostramos que o processo cognitivo tinha
como objetivo atingir a “opinião última” da comunidade. Posteriormente, ao
formular sua teoria da investigação, Peirce introduz algumas mudanças,
principalmente com respeito ao método científico e à primeira formulação do
pragmatismo, como um método de verificação de nossas concepções gerais.
Assim, há um objeto externo que insiste de forma regular e uniforme sobre
nossas cognições e há uma realidade que pode ser encontrada e é
independente do pensamento individual, de tal forma que todos aqueles que
investigam, independentemente de suas áreas de atuação, compartilham a
esperança de atingir a verdade, relativa ao consenso de opiniões.
A nosso ver, a busca de Peirce de um método para fixação das crenças,
que fundamentasse a investigação científica conduziu-o à elaboração de uma
teoria da verdade e da significação, ao mesmo tempo em que examinava as
questões relativas à inferência sintética. Do fato que sabemos que “todo
conhecimento provém da inferência sintética, devemos inferir igualmente que
toda certeza humana consiste meramente em sabermos que os processos pelo
quais nosso conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente
levar a conclusões verdadeiras”. Embora uma inferência sintética “não possa
ser de maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que
a apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é
somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação
suficiente”. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é,
realmente, “um dos fatos dos quais parte a lógica" (Peirce CP 2.692-93 de
1878).
Mas pode-se dizer que a maior parte da fase Pré-Monist é caracterizada
pelo chamado realismo de uma só categoria (segundo Fisch), que é o realismo
da Terceiridade. Mas há um passo de extrema importância que é o
reconhecimento da necessidade dos índices para a notação adequada à
representação do raciocínio, porque há necessidade de trazer o pensamento às
situações reais, pois o mundo real não pode ser distinguido do mundo da
imaginação por qualquer descrição, daí a necessidade de pronomes e índices.
Foi a partir dessa descoberta que Peirce introduziu a tricotomia ícone-índice-
símbolos e reformulou suas categorias.
O período Monist é assim chamado, de acordo com Fisch (1986:183),
porque o recém fundado The Monist de Open Court, se tornaria o principal
meio de expressão de Peirce, que nele publica quatro séries de artigos. A
primeira série é conhecida como “The Monist Metaphysical Series, foi publicada
82

entre 1891-93 e inclui cinco artigo. A segunda série inclui os artigos escritos
sobre a álgebra e a lógica dos relativos de Schröder, publicada em 1896-97. A
terceira série se refere aos ensaios do Pragmatismo, que foram publicados em
1905-1906 e a quarta série, conhecida como “Amazing Mazes”, foi publicada
em 1908-1909.
Pode-se dizer que o período Monist faz uma junção de duas linhas
fundamentais do pensamento de Peirce que são a sua semiótica e o seu
pragmatismo.
Nos anos 80, iniciando com “A Guess at the Riddle”, Peirce começa a
reunir suas doutrinas filosóficas num sistema integrado. Nos cinco textos da
primeira série Monist estão reunidos os grandes temas da metafísica peirceana,
cada texto vai sucedendo ao outro e construindo as concepções de
generalidade, cosmologia, evolucionismo, continuidade, acaso e liberdade.
Estes artigos são revolucionários porque rompem com uma série de
pressupostos da filosofia, entre os quais a idéia de um mundo governado pela
necessidade e a dualidade mente-matéria, oferecendo como alternativas
lógicas o idealismo objetivo, o sinequismo, o tiquismo e o agapismo. Por outro
lado, estes textos contêm também o espírito do evolucionismo, que na filosofia
genética de Peirce é um evoluir do “vago para o definido”. A passagem a seguir
de “The Law of Mind”, pode ser vista como síntese dos pontos acima
mencionados:
Tentei desenvolver o melhor que pude, num
espaço pequeno, a filosofia sinequista aplicada à mente. Acho que
consegui tornar claro que esta doutrina dá espaço para explicações de
muitos fatos que sem ela seriam absoluta e desesperadamente
inexplicáveis, ainda ela dá suporte para as seguintes doutrinas: primeiro,
um realismo lógico do tipo mais pronunciado; segundo, idealismo objetivo;
terceiro, tiquismo, com seu evolucionismo radical. Pode-se também notar
que a doutrina não apresenta obstáculos a influências espirituais, como
fazem algumas filosofias. CP 6.163 de 1891
Por outro lado, além do desenvolvimento de sua cosmologia e
metafísica científica, um dos objetivos de Peirce nos anos 90 seria o de retomar
o pragmatismo e trazê-lo como um componente de sua filosofia sistêmica, para
a qual a teoria dos signos funcionou como elemento integrador.
Nas Conferências de Harvard do Pragmatismo e na terceira série Monist
sobre pragmatismo, Peirce vai enfatizar que a “prova” do pragmatismo é, ao
mesmo tempo a prova do realismo, assim o pragmatista é obrigado a
subscrever a doutrina da “Modalidade real, incluindo a Necessidade real e a
Possibilidade real” (CP 5.457 de 1905).
83

O período Monist pode ser caracterizado pelo realismo extremo de


Peirce, portanto vamos apresentar alguns comentários que possibilitem uma
compreensão maior do que seja este realismo extremo. Segundo Fisch
(1986:183), é em uma passagem da Grand Logic. de 1893, que Peirce usa pela
primeira vez o termo realismo extremo. É este realismo extremo que vai se
tornar a “doutrina da realidade da continuidade”, como Peirce explicita a seguir:
A realidade da continuidade aparece, com
maior clareza, com referência aos fenômenos mentais; e tem-se
demonstrado que todo conceito geral é, com referência a seus individuais,
estritamente um continuum. Isto (sustentado por Kant e outros) não parecia
muito evidente à medida em que a doutrina dos gerais restringia-se aos
termos não-relativos. Mas, à luz da lógica dos relativos, o geral é visto
como sendo precisamente o contínuo. Portanto, a doutrina da realidade da
continuidade é simplesmente a doutrina que os escolásticos chamavam de
realismo; e, tal como a concebiam, era uma noção bastante simples;
contudo, como demonstrou Dr. F. E. Abbot, em outra roupagem é a
doutrina de toda ciência moderna. (CP 8, Bibliography General)
Peirce pergunta, o que é esta questão do realismo e nominalismo? E a
resposta em suas próprias palavras é a seguinte:
[...] é a questão sobre o que é melhor, as
leis ou os fatos sujeitos a estas leis. É verdade que isso não foi expresso
dessa maneira. Conforme foi declarado, a pergunta era se os universais,
tais como o Cavalo, o Asno, a Zebra, e assim por diante, eram in re ou in
rerum natura. Mas que não há grande mérito nesta formulação da questão
evidencia-se por meio de dois fatos; primeiro, que muitas respostas
diferentes foram a ela dadas, ao invés de um simples sim ou não, e,
segundo, que todos os debatedores dividiram a pergunta em várias partes.
Era, portanto, uma pergunta ampla e é adequado ir além da letra para
examinar seu espírito. A maior parte destes escolásticos, cujos trabalhos
são lidos ocasionalmente hoje, eram dualistas comuns; e, quando
utilizavam a expressão re ou in rerum natura ao formular a pergunta, eles
pressupunham algo a respeito do qual outros debatedores, embora de
maneira pouco clara, discordavam. Pois alguns deles consideravam os
universais mais reais do que os individuais. Assim sendo, a realidade, ou,
como diria eu para evitar qualquer questionamento sobre a questão, o valor
ou mérito, não apenas dos universais, mas também dos individuais, era
uma parte da pergunta ampla. Finalmente, sempre se concordou que havia
outros tipos de universais além de gênero e espécie, e, ao usarmos a
palavra “lei”, ou “regularidade”, estamos destacando o tipo de universais
aos quais a ciência moderna dedica maior atenção. A grosso modo, os
nominalistas concebiam o elemento geral da cognição como uma mera
conveniência para compreender este ou aquele fato e que não tinha outro
84

valor que não fosse cognição, ao passo que os realistas, falando ainda de
modo muito genérico, consideravam o geral não só como o fim e o
propósito do conhecimento, mas também como o elemento mais importante
do ser. (CP 4.1 de 1898)
Assim, se as leis forem ficções, o mundo em si mesmo não é inteligível
e, portanto, não exibe qualquer estrutura racional. Se, por outro lado, as leis
são reais, se “as leis são realmente operativas na natureza”, o mundo deve
obedecer a algum tipo de lei, “segue-se que estamos fadados a esperar que tal
processo lógico da evolução da lei na natureza possa ser descoberto e que é
nosso dever, como homens de ciência procurar por ele” (CP 7.480 de 1898).
Então, existe a possibilidade de se descobrir a estrutura racional do mundo
através da investigação e para Peirce “não haveria tal coisa chamada verdade,
a menos que existisse alguma outra coisa que é como é, independente de
como possamos pensar que seja. Isto é realidade, e temos de investigar o que
é a sua natureza” (CP 7.659 de 1903).
Segundo Fisch (1986: 199), o ponto de disputa entre realistas e
nominalistas é a questão da possibilidade real, e só a partir de 1897, é que
Peirce encontrou este caminho, quando repudiou a visão nominalista da
possibilidade e explicitamente retornou para a doutrina da possibilidade real de
Aristóteles. Nesta fase, o próprio Peirce se autodenomina “um aristotélico de
inclinação escolástica” (CP 5.77 de 1897). Há, portanto, uma mudança na visão
realista, que agora passa a incluir a realidade da Primeiridade, distinguindo a
generalidade dos primeiros e dos terceiros, e rejeitando a visão nominalista de
que o possível é “meramente aquilo que não sabemos se é verdadeiro” (CP
3.527 de 1897). A passagem a seguir é bem explícita com relação a esses
pontos:
É evidente que o pragmatismo envolve o
realismo escolástico, uma vez que faz com que todo conteúdo intelectual, e,
portanto, o significado da própria realidade consistam naquilo que seria
(would’be), sob condições concebíveis, que, em grande parte, jamais
podem ser concretizadas. Envolve, portanto, tornar o ser real, incluindo
existência. Ora, este é precisamente o ponto de disputa entre os realistas e
os nominalistas. “Uma Possibilidade Real”, diz o nominalista, é um contra-
senso. Pois o que é possível, não sabemos se é verdadeiro. O realista
afirma que há, além disso, uma possibilidade real e uma necessidade real
(não uma mera compulsão, mas uma necessidade racional, como nas leis
da natureza). (MS 845:29-30 de 1905)
Peirce se refere à seguinte passagem como o seu passo mais decisivo
em relação ao realismo, ao acrescentar o possível como modo de ser:
85

O possível é um universo positivo, e duas


negações se encaixam nele, mas isto é tudo. Obviamente, há o possível
lógico geral que não é mais do aquilo que defini. Mas há também um
possível que [é] uma outra coisa. Cheguei a esta verdade estudando a
questão dos possíveis graus de multiplicidade, e fiquei completamente
envolvido até que pude elaborar uma lógica completa da possibilidade -
tarefa muito difícil e laboriosa.(CP 8.308 de 1897).
A inclusão do possível como um modo de ser, tem algumas
conseqüências para a filosofia peirceana, uma das quais é o abandono da
teoria probabilística das freqüências. Outra conseqüência se refere ao
esquema das categorias, que se torna fundamentalmente completo, e seu
realismo se torna um “realismo de três categorias, após 1900, com a inclusão
do possível como um modo de ser ao aceitar as possibilidades reais de
Aristóteles, isto é, a realidade da Primeiridade.
Uma conseqüência disto merece uma
observação especial, já que há de preocupar nos bastante quando da
nossa classificação das ciências, e não obstante geralmente é descuidado
e se presume que não é do jeito que é. A saber, segue-se que pode ser
quase impossível traçar uma forte linha de demarcação entre duas classes,
embora elas sejam classes reais e naturais na estrita verdade. I.e., isto
acontecerá quando a forma sob a qual os indivíduos de uma classe se
agrupam não for tão diferente à forma sob a qual os indivíduos de outra
classe se agrupam, mas de que as variações de cada forma média
precisamente possam concordar. Em tal caso, podemos saber em relação
a qualquer forma intermediária que proporção dos objetos de essa forma
tinha um propósito e que proporção a outra; mas, a não ser que tenhamos
alguma informação suplementar, nós não podemos dizer quais tinham um
propósito e quais o outro. (CP 1.208 de 1902).
Na Conferência IV do Pragmatismo de 1903 “The Seven Systems of
Metaphysics” (PPMRT:189-203), Peirce discute a realidade das três categorias,
afirmando que o “Universo é vasto Representamen... e cada símbolo dever ter
organicamente ligados a si seus índices de reações e ícones de qualidades”
(CP 5.119 de 1903). A Primeiridade é uma realidade consistindo em sua
incontrolável presença e seu efeito sobre a consciência, “as premissas do
processo da própria natureza são todos os elementos independentes e sem
causa que concluem a variedade da natureza, como premissas elas devem
envolver qualidades”. Quanto à Segundidade, nós todos admitimos que a
“experiência é nossa grande mestre”, praticando um método pedagógico que
invariavelmente nos ensina por meio de surpresas; tínhamos uma expectativa
baseada naquilo que nos era familiar, ao nosso mundo interno ou ego, mas
86

ocorre um novo fenômeno, que é exterior, non-ego, e aí “nada nos resta a não
ser aceitar a surpresa” (PPMRT: 202). A Terceiridade é “sinônimo de
representação”, é apropriado dizer que um princípio geral que é operativo no
mundo real é da natureza essencial de um representação e de um símbolo...
(CP 5.105 de 1903). A seguinte passagem, de 1896, também é bastante clara e
elucidativa sobre o que estaria envolvido no pensamento peirceano quanto à
esta questão:
Novamente aqui, não é o uso da língua que
procuramos aprender, mas qual deve ser a descrição do fato para que
nossa divisão dos elementos dos fenômenos em categorias de qualidade,
fato e lei possa não somente ser verdadeira, mas também ter o maior valor
possível, sendo governada pelas mesmas características que realmente
dominam o mundo fenomenal. O primeiro requisito é apontar algo que deve
ser excluído da categoria do fato, qual seja, o geral, e, com ele, o
permanente ou eterno (pois permanência é uma espécie da generalidade),
e o condicional (que envolve igualmente a generalidade). A generalidade ou
é do tipo negativo que pertence ao meramente potencial, como tal, e assim
é peculiar à categoria da qualidade; ou é do tipo positivo que pertence à
necessidade condicional, o que é peculiar à categoria da lei. Essas
exclusões reservam para a categoria do fato, em primeiro lugar, aquilo que
os lógicos chamam de contingente, isto é, o acidentalmente real; e em
segundo lugar, o que quer que envolva necessidade incondicional, isto é, a
força sem lei ou razão, a força bruta. (CP 1.427 de 1896).
A partir de 1890, o realismo de Peirce vai sendo influenciado pelos
grafos existenciais e a geometria tópica, além de sua aproximação com Hegel.
Estas mudanças, em conjunto com sua atenção voltada para a importância da
continuidade, motivaram o conteúdo das Conferências de Cambridge2 de 1898,
sob o título geral de “Reasoning and The Logic of Things”. Os
desenvolvimentos apresentados nestas conferências se associam à
consolidação do estudo da Lógica dos Relativos, levando Peirce a ampliar o
conceito de generalidade, que é fundamental para se entender o “realismo
extremo”:
A generalidade é, com efeito, um ingrediente
indispensável da realidade, pois a simples existência individual ou
concretude sem qualquer regularidade é uma nulidade. O caos é o puro
nada. [...] a continuidade é um elemento indispensável da realidade, e

2 Foram oito as Conferências de Cambridge: 1)-Philosophy and The Conduct of Life (RLT:105-
122), 2)-Types of Reasoning (RLT:123-145), 3)-The Logic of Relatives (RLT:165-189) 4)- First
Rule of Logic (RLT:165-180), 5)-Training on Reasoning p 181- 196, Conferência 6 Causation
and Force (RLT:197-217), 7)- Habit (RLT:218-242), 8)- TheLlogic of Continuity (RLT: 242-270).
87

continuidade é simplesmente o que a generalidade se torna na lógica dos


relativos e, assim, como a generalidade, e mais do que a generalidade, é
um caso de pensamento, e é a essência do pensamento. (CP 5. 436 de
1905)
Também na Grand Logic de 1893, Peirce vai reafirmar que é um
“escotista realista”, aprovando inteiramente a breve afirmação do Dr. F. E.
Abbot em seu “Scientific Theism”, de que o “realismo está implicado na ciência
moderna”. Mas enfatiza que ao se autodenominar um escotista, não “está
retroagindo às visões gerais de 600 anos antes”, mas apenas o considera
como o ponto mais importante sobre o qual se deve insistir
contemporaneamente (CP 4.50 de 1893).
Na análise que faz sobre o realismo peirceano, Ibri (1997:7) comenta
que também é da escolástica que Peirce traz para a contemporaneidade a
distinção entre realidade (como “expressão ontológica da generalidade dos
continua”) e existência (como “o locus do individual”), extraindo duas de suas
categorias, inicialmente fundadas fenomenologicamente, e que são a
Terceiridade, “o modo de ser real da generalidade da Lei”, e Segundidade, “o
modo de ser real do individual ou particular como concreção da generalidade
ontológica”, completando suas categorias, numa tríade, em que a Primeiridade,
“que subsume, metafisicamente, o modo de ser do incondicionado, daquilo que,
fenomenologicamente, aparece como diversidade, assimetria e espontaneidade
na Natureza, e que, na sua condição genética de liberdade, contradita o modo
de ser da lei, fundado na uniformidade, na ordem e na simetria.”
A insistência na generalidade é perfeitamente consistente com a ênfase
na realidade dos individuais reais, o que para um realista scotista, conota um
elemento de vontade e resistência, mas, em procedimentos lógicos, significa o
teste da verdade e da falsidade de qualquer proposição. Nos procedimentos
científicos, a generalidade significa que a integridade da crença geral é mais
importante que as crenças verdadeiras individuais, porque é a condição deste
procedimento. Da ação do sinequismo, surge a “lei da expansão”, que tanto ser
verifica na mente como na evolução do universo:
Que as idéias não possam de modo algum
ser ligadas sem continuidade é suficientemente evidente para aquele que
reflete sobre o assunto. Mas, ainda pode ser considerado que, uma vez que
a continuidade tornou possível a ligação entre idéias, então elas podem ser
ligadas de outras formas que não por meio da continuidade. Certamente
não posso entender como alguém pode negar que a infinita diversidade do
universo, que chamamos acaso, possa aproximar idéias que não estão
associadas a uma idéia geral. Ela pode fazer isso muitas vezes. Mas,
então, a lei da expansão contínua produzirá a associação mental; e esta é,
88

suponho, uma descrição resumida da forma como o universo tem evoluído.


Mas, se me for perguntado se um cego “anank” não consegue concatenar
as idéias, primeiro eu observaria que ele não continuaria cego. Havendo
uma ligação contínua entre as idéias, elas se associariam infalivelmente a
uma idéia geral viva, emotiva e perceptível. Depois, não vejo em que
consistiria a necessidade ou obrigatoriedade deste “anank”. Na
uniformidade absoluta do fenômeno, diria o nominalista. “Absoluta” é uma
boa intervenção; pois, se só ocorreu dessa forma três vezes em seguida,
ou três milhões de vezes em seguida, na ausência de qualquer motivo, a
coincidência só poderia ser atribuída ao acaso. Mas, uniformidade absoluta
deve se estender a todo o futuro infinito; e é inútil tratar disso exceto como
uma idéia. Não; penso que só podemos afirmar que sempre que as idéias
se aproximam, elas se fundem em idéias gerais; e, sempre que elas
estejam ligadas de forma geral, essa ligação é governada por idéias gerais;
e essas idéias gerais são sentimentos vivos espalhados. (CP 6.143 de 1892
)

Assim, a evolução do universo se dá na direção O objetor pode, contudo,


tomar uma posição mais
do crescimento da racionalidade, isto é, do crescimento
rigorosa por confessar-
da terceiridade. Mas, ainda há um elemento de se um realista
liberdade e de espontaneidade, que é responsável pela escolástico, afirmando
aproximação das idéias tanto na mente como no que os gerais podem ser
universo, e o elemento que vai promover a esta reais. Uma lei da
integração está contido na doutrina do agapismo: natureza, então, será por
ele considerada como
O desenvolvimento tendo um tipo de esse in
agapástico do pensamento é a adoção de certas futuro. Isto é o mesmo
tendências mentais, não aleatoriamente como no que dizer que eles têm
ticasma, nem tão cegamente pela mera força das uma realidade presente
circunstâncias ou da lógica, como no anancasma, que consiste no fato de
mas por uma imediata atração pela idéia em si que os eventos
mesma, cuja natureza é pressentida antes que a ocorrerão de acordo com
mente a possua, pelo poder da simpatia, isto é, por a formulação dessas
virtude da continuidade da mente...(CP 6.307 de leis. CP 5.48 de 1905 .
1891)
Fazendo um resumo dos principais pontos do
Período Monist, estes podem ser assim resumidos:
aceitação da realidade da Primeiridade e da
Segundidade, conscientização de que a racionalidade humana é um contínuo
da racionalidade do universo, como parte da doutrina do sinequismo,
desenvolvimento da doutrina do tiquismo e do agapismo, a constatação do
inter-relacionamento das ciências normativas, segundo a qual o pragmatismo
se torna uma doutrina onde as concepções não são relativas à ação, mas sim
89

ao summum bonum, ou admirável. O desenvolvimento destas questões


permitem a melhor compreensão da teoria do método indutivo, a que ele
chegou nesta época, caraterizando-se como aquele método que, se levado
suficientemente longe, tem a tendência de se autocorrigir. Por outro lado,
podemos dizer que as leis são sistemas de relações que prescrevem conduta
regular, então sendo uma lei uma regra geral para todos os particulares da
existência, esta questão se torna fundamental para se entender a indução,
porque o vetor da evolução é também é um vetor de generalização, isto é, do
particular para o geral. Do fato de que o mecanismo indutivo é um mecanismo
que generaliza do particular para o geral, a passagem evolutiva do caos para o
cosmos é da natureza da indução, porque a construção de leis é uma indução.
O universo apresenta tem mecanismos da natureza do pensamento, como a
formação de hábitos e de generalização, o que do ponto de vista lógico, é uma
tendência indutiva (RLT:258 de 1898).
Portanto, o realismo de Peirce implica, não apenas uma consideração
de um objeto real, independente do mundo exterior, mas um reconhecimento
da realidade dos universais. Para o nominalismo, o continuum é tão somente
uma questão de linguagem. Para os nominalistas os universais são
simplesmente signos criados para designar a qualidade de coisas particulares.
Os nominalistas recusam uma correspondência objetiva de nossos conceitos
com as leis da natureza, assim a questão do nominalismo e realismo implica
em saber se a verdade das leis ou das nossas inferências lógicas é objetiva ou
subjetiva. A grosso modo, os nominalistas concebem o elemento geral da
cognição como uma mera conveniência para o entendimento deste ou daquele
fato, não acrescentando nada para a cognição, enquanto que o realistas vêem
este geral, não só como forma objetiva de conhecimento, mas como o
elemento mais importante do ser (CP 4.1 de 1898)
Uma das principais doutrinas destes homens
(os nominalistas) ... é aquela herdada das épocas pré-científicas, segundo
a qual toda generalização é uma mera matéria de conveniência. O homem
científico, de outro lado, sem teorizar sobre os gerais, implicitamente
defende que as leis são realmente operativas na natureza, e que a
classificação que ele tão duramente está tentando obter é expressiva de
fatos reais” (Peirce, N-II)
A natureza se conforma a leis gerais, que realmente determinam como
futuros eventos deverão ocorrer e, estas “fórmulas” estão intimamente
relacionadas às características da razão humana, ou “toda explicação científica
de um fenômeno natural é a hipótese de que há algo na natureza à qual a
razão humana é análoga” (CP 1.316 de 1903). Acrescente-se o fato de que a
90

natureza foi feita há muito tempo atrás, mas ainda está num longo processo de
se tornar cada vez mais admirável à razão humana. Uma lei está sob a
terceiridade, é mediação, uma lei pode ser vista como a generalização de um
particular porque para uma lei ser verdadeira significa que todos os fatos
possíveis, que obedecem a esta regra.
O realismo não é uma hipótese sobre o passado, mas sim sobre a
ciência como processo “sócio-histórico” que permite previsões sobre o futuro,
porque a “realidade é uma idéia que insiste em se auto-proclamar, quer nós
gostemos ou não” (CP 8.156 de 1901
No contexto da filosofia peirceana, a investigação científica é uma
atividade voltada para um fim que é a descoberta da verdade e dentro da visão
realista, a ciência progride por convergência em direção à verdade, no sentido
de correspondência com a realidade. Este é um elemento muito importante,
porque a própria validade da indução está relacionada com as previsões, mas
não como base para ação, mas como validade do método científico, como um
caminho para a descoberta da verdade. Se uma teoria explica os fatos a ela
submetidos, ela pode ser considerada verdadeira, e uma teoria é verdadeira
porque ela prevê bem o curso futuro dos eventos.
Assim, a teoria do continuum de Peirce pretende demonstrar que a
natureza tem continuidade do passado para o futuro, que é a própria
legitimação das leis da natureza e da indução, porque se assim não fosse não
haveria representação. É a regularidade, generalidade, continuidade que
permitem a representação.
Mas, se de outro lado, for concebível que o
segredo seria revelado à inteligência humana, será algo que o pensamento
pode alcançar. Ora, o pensamento é da natureza de um signo. Neste caso,
então, se pudermos descobrir o método certo de pensar – o método certo
de transformar signos- e pudermos segui-lo, então a verdade não pode ser
nada mais nada menos do que o último resultado para o qual, seguindo
aquele método, finalmente seríamos levados. Neste caso, isto a que a
representação se conformaria é algo da natureza da representação ou
signo – alguma coisa nomológica, concebível, e definitivamente uma coisa-
em-si-mesma. (CP 5.553 de 1905)
91

PARTE II
A VERDADE SERIA O FIM IDEAL DA INVESTIGAÇÃO
CIENTÍFICA?

Se houve, nos últimos séculos, mutação decisiva no


complexo desenvolvimento ocidental, foi sem dúvida a que
levou a considerar-se a verdade não como uma garantia, a
mais segura e sólida das garantias, do conhecimento, mas
como o objecto de uma suspeita, e de uma suspeita extrema,
radical, quanto ao seu valor na compreensão do mundo, dos
fenômenos, dos acontecimentos. (Carilho)

O homem de ciência recebeu uma forte impressão com a


majestade da verdade, como aquela frente à qual, mais cedo
ou mais tarde, cada joelho deverá se curvar" (Peirce)

Somente estou dizendo ser isso o que eu chamo de Verdade.


Não posso infalivelmente saber se existe alguma verdade.
(Peirce, Cartas para Lady Welby)

A primeira pergunta é: Supondo que uma tal coisa seja


verdade, que tipo de prova devo demandar para satisfazer-
me de sua verdade? (Peirce)
92

1. TEORIAS DA VERDADE
Aparte objetos abstratos como proposições e sentenças, se é
que temos isso, as únicas coisas neste mundo que são
verdadeiras são alguns enunciados e algumas crenças. Quando
dizemos que um enunciado ou uma crença é verdadeira,
predicamos com verdade tal enunciado ou crença, assim, eu
não vejo nenhum mal em manter que a verdade é uma
propriedade. (Davidson) .

Raramente as grandes descobertas ou invenções são


rapidamente reconhecidas. O cientista, como qualquer outro
profissional, comete às vezes erros de julgamento devido a
preconceitos ou à aceitação cega de "verdades" ditadas por
grandes nomes. Não há um sistema perfeito, pois não somos
perfeitos. O que vale é nos enamorarmos de uma idéia, mas
nunca cegamente. (Gleiser)

Este capítulo apresenta um panorama resumido de vários projetos sobre


as teorias da verdade, ou seja, pretende ser um mapeamento dessas teorias
para contextualizar a teoria da verdade desenvolvida por Peirce.
Segundo Rorty (1997:55), em nossa cultura as noções de “ciência”,
“racionalidade”, “objetividade”, e “verdade” estão em ligação estreita umas com
as outras, “a ciência é pensada como fornecendo uma verdade “sólida”,
“objetiva” e a verdade enquanto correspondência à realidade seria o único tipo
de verdade “digno desse nome”.
Nesse contexto, Searle (1993) argumenta que as relações entre a
realidade e o pensamento têm uma longa história na tradição ocidental,
relações essas que envolvem uma concepção particular de verdade, razão,
realidade, racionalidade, lógica, conhecimento, justificação e demonstração e
que seriam tão fundamentais, que de certa forma definiriam essa tradição. Para
Searle, a concepção mais simples de ciência teria como objetivo formular um
conjunto de frases verdadeiras, na forma de teorias, que são verdadeiras
porque correspondem aproximadamente a uma realidade independente do
pensamento. Assim, para a concepção de metafísica ocidental subjacente à
concepção ocidental de ciência, o principio fundacional seria o realismo, para o
qual a realidade existe independentemente das representações humanas.
Searle também argumenta que há muitas teorias da verdade, mas é a teoria da
verdade por correspondência a mais importante para a tradição ocidental.
93

Davidson (1990) também considera que inegavelmente há uma longa


tradição na qual o conceito de verdade seria um dos assuntos mais importantes
da discussão filosófica, mas a partir do século XX essa tradição tem sido
questionada por um grande número de filósofos, para não mencionar os
historiadores, críticos da literatura, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos
e outros.
Goodman (2001) argumenta que a verdade vem sendo amplamente
atacada e, quando filósofos se encontram para discutir os modos do
conhecimento ou de crença, alguns tratam a palavra verdade como algo
vergonhoso. Outros consideram dogmáticos ou fascistas aqueles que
acreditam que exista realmente uma verdade a ser conhecida, verdade esta
que pode ser de qualquer espécie.
Assim, não causa surpresa que uma revisão da literatura traga uma
grande variedade de conceitos ou teorias muito divergentes, principalmente se
considerarmos áreas como a semântica, lógica, epistemologia ou ontologia.
Uma das divergências mais profundas se refere a se a noção de verdade seria
epistêmica, ontológica, lingüística, pragmática ou se a noção de verdade seria
substancial ou deflacionária. Deve-se enfatizar que não é nosso escopo aqui
responder a questões do tipo: quais são os problemas filosóficos da verdade ou
quais questões deveria uma teoria da verdade responder.
À guisa de introdução vale considerar as argumentações de Marcelo
Gleiser (Professor de física e astronomia do Dartmouth College, USA, e autor
do livro A Dança do Universo), em um artigo denominado “A Dolorosa Busca
Pela Verdade”, segundo o qual verdade, mesmo nas ciências exatas, é um
conceito que exige muito cuidado. Em princípio, não há uma verdade final, uma
teoria "perfeita" do mundo. O que existe são aproximações, algumas mais
precisas do que outras, como os modelos matemáticos que descrevem os
fenômenos que observamos na natureza. Complementando, o físico diz:
Em raras ocasiões, teorias podem até prever
a existência de novos fenômenos ou objetos ainda não observados ou
descobertos, como se nossa imaginação se antecipasse aos nossos
“olhos", criando realidades que depois comprovamos existir. [...] O
ceticismo que marca o trabalho do cientista é ao mesmo tempo
fundamental e brutal para preservar a credibilidade da ciência. No seu
trabalho, o cientista tem poucas certezas. Uma delas é a do ceticismo com
que uma idéia nova será acatada. Isso se ela não for completamente
desprezada, claro. A grande vantagem desse sistema é que se uma idéia
for mesmo correta, ela será aceita pela comunidade científica. Anos, ou
mesmo décadas, podem se passar antes que isso aconteça, o que muitas
vezes pode trazer grande sofrimento e desespero ao seu proponente. Se
94

por um lado temos de acreditar em nossas idéias e saber como defendê-las


das críticas de colegas, por outro devemos também saber aceitar quando
estamos errados, evitando frustrações ainda mais prolongadas. Essa lição
oferecida pela ciência pode ser muito útil também fora dela.”(GLEISER,
1999: 1-14)
Os comentários acima, feitos por Gleiser, como cientista, enfatizam que
o conceito de verdade tem um duplo caráter curioso e instigante, porque de um
lado aparece como uma idéia clara e simples e por outro lado, essa aparente
clareza e simplicidade, num exame mais atento pode
conduzir a contradições lógicas ou problemas Dizer do que é que não
insolúveis. é, ou do que não é, que
Há dois tipos de observação que fazem o é falso: enquanto dizer
do que é que é, ou do
conceito de verdade aparecer claro e simples. O que não é que não é, é
primeiro pode ser encontrado no trabalho de alguns verdadeiro. (ARISTÓ-
filósofos, entre eles Aristóteles3, autor da citação a TELES, Metafísica)
seguir:
O fato de ser de um homem traz consigo a
verdade da proposição de que ele é, e a implicação é recíproca: porque se
um homem é, a proposição na qual alegamos que ele é verdade, e
inversamente, se a proposição na qual alegamos que ele é verdade, então
ele é. A proposição verdadeira, porém, não é de maneira nenhuma a causa
do ser do homem, mas o fato do homem ser parece ser de alguma maneira
a causa da verdade da proposição, porque a verdade ou falsidade da
proposição depende do fato do homem ser ou não ser. (ARISTÓTELES,
Categorias: 14b14-18)
O segundo tipo de observação foi feito pela primeira vez no século XX, e
é atribuído a Ramsey. No entanto, sua formulação mais clara está na
Convenção T de Tarski, implicando nos dois famosos bicondicionais: a neve é
branca é verdade se e somente se a neve é branca ("„p‟ é verdadeiro se e só se
p"), isto é, uma sentença na forma p é verdadeira implica a sentença p e vice-
versa. Tarski, em “Verdade e Demonstração”, considera que a noção de
verdade ocorre em muitos contextos diferentes, existindo diversas categorias
distintas de objetos aos quais o termo verdadeiro é aplicado. Mas no que se
refere à noção lógica de verdade, o significado do termo verdadeiro será

3 Para alguns autores é do pensamento aristotélico que derivam duas das mais tradicionais
teorias da verdade, a por correspondência e a da coerência, e partindo da teoria da
correspondência pode-se encontrar as teorias pragmáticas e as semânticas. Por outro lado,
das teorias semânticas são derivadas as teorias não tradicionais, deflacionistas ou
minimalistas.
95

tomado com relação a sentenças e sua concepção de verdade parece


concordar essencialmente com a de Aristóteles, na qual a palavra “falso”
significa o mesmo que “não verdadeiro”, podendo ser por ela substituída, se
referindo na visão de Tarski a apenas sentenças que “dizem” de alguma coisa
que esta “é” ou “não é.”
Segundo Chauí (1994:98-99), nossas acepções comuns de verdade
dependem muito das acepções que emergem de diferenças lingüísticas. Em
grego, verdade é aletheia, com referência àquilo que não está oculto ou não
está dissimulado. Aletheia é o oposto de pseudos, que é justamente o
escondido, o que está dissimulado. Quando predomina a aletheia, considera-se
que a verdade está nas próprias coisas, ou na própria realidade e a marca do
conhecimento verdadeiro seria a evidência.
Gadamer (2002:46) chama atenção para a relação privilegiada da
verdade com a ciência. Para ele, é evidente que foi a ciência que “cunhou a
civilização ocidental em seu modo de ser peculiar e também em sua unicidade”,
e aletheia significa propriamente “desocultação” ou seja, a verdade é
“desocultação”.
Por outro lado, ainda segundo Chauí (1994:98-99), em latim, verdade é
veritas, e se refere à exatidão de um relato, ou ao grau de exatidão de um
relato. Não se trata aqui da verdade como uma qualidade das coisas, mas do
quanto uma narrativa é acurada, exata, pormenorizada. Quando predomina a
veritas, considera-se que a verdade depende da precisão e do rigor na criação
e uso das regras de linguagem. Também não se pode esquecer de que, em
hebraico, verdade (emunah), se refere ao que foi pactuado, para o presente ou
para o futuro e tem a ver com a idéia de algo que se espera ou foi combinado
vá mesmo acontecer. Quando predomina a emunah, a verdade depende de um
acordo ou de um pacto de confiança entre os pesquisadores.
Carrilho (1990:31) explica que a problemática da verdade se desenvolve
segundo dois tipos de abordagem, a genealógica e a epistemológica, que
correspondem a dois modos de pensar a articulação conhecimento/verdade.
No primeiro caso, a ênfase está não só em justificar o conhecimento como
também usar como modelo o conhecimento científico e, no outro, interrroga-se
o valor desse mesmo modelo e seu significado.
Blackburn e Simmons (1999) ao analisar a verdade indagam o que
compartilham as proposições verdadeiras ou o que falta às proposições falsas?
Para esses autores, “a verdade sobre como as coisas são, corresponde a
afirmação falsa que elas são de outro modo”, assim:
Suponha que chamamos as coisas que
poderíamos dizer ou acreditar, de proposições [...]. Então, verdade é
96

similarmente abstrato no que ela pode ser aplicada a proposições de


qualquer espécie, sobre qualquer assunto. Podemos falar de mente,
matéria, números, tempo, do que foi e do que será, ou do que poderia te
sido, e podemos falar de coisas mundanas tais como neve e pingüins. E
sobre todos esses assuntos, podemos dizer coisa que são verdadeiras, ou,
é claro, coisas que não são verdadeiras. (BLACKBURN E SIMMONS, 1999)
Musgrave (1999:247), considera que o problema filosófico da verdade
se refere a duas questões, a primeira corresponde ao significado de dizer que
algo é verdadeiro e a segunda tem a ver com o que é a verdade na qual
estamos interessados ou como a encontramos a verdade?
Da Costa (1997:22) considera que o conhecimento acha-se
correlacionado com verdade e por dependerem da verdade, tanto o
conhecimento como a lógica “acham-se imbricados entre si”. Também do ponto
de vista epistemológico, verdade e justificação são dois conceitos que têm
ligação.
Já para Kirkham (1997:49), a justificação deve ser defendida ou
analisada com referência à verdade, ou como se diz usualmente, o conceito de
justificação pressupõe o de verdade
No entanto, há autores que discordam desse ponto de vista. Entre esses
pode–se destacar Rorty (1979:280), para quem as teorias sobre verdade e
significado são desnecessárias. Segundo ele, a tese da justificação/verdade é
muitas vezes defendida apenas como entrada para outras doutrinas e seria
apenas uma forma de expressar a hipótese de que não há realmente nenhum
programa filosófico no qual a verdade possa exercer seu papel.Assim, não
necessitaríamos nenhuma teoria da verdade distinta da teoria da justificação.
Também para Rorty, a tese da justificação seria uma metáfora para a tese de
que a verdade é relativa ao esquema conceitual ou uma forma de negar que a
verdade tenha algum valor epistemológico.
97

Figura 1ANatureza
verdade da
temVerdade
uma natureza?

SIM. Ela tem mais de uma? NÃO. A Verdade expressa uma propriedade qualquer?

SIM, pluralismo. NÃO, mas a verdade seria SIM, minimalismo. NÃO, redundância ou
pelo menos epistêmica? prossetencialismo.

SIM, pragmática, NÃO, a verdade seria uma relação


verificacionista, coerência. entre o pensamento e o mundo?

SIM, SIM e Não NÃO, teoria da


Fonte: Lynch 2001 correspondência. Heiddeger. Indentidade.
98

2. ARGUMENTOS, INFERÊNCIAS E VALIDADE

Antes de prosseguirmos com a discussão sobre [...] meu interpretante


as teorias da verdade, vamos apresentar alguns final é o resultado
conceitos relacionados com esse tema: argumentos, interpretativo ao qual
inferências e validade. todo intérprete está
destinado a chegar se o
Em 1867, ainda sob forte influência kantiana, no signo for suficiente-
texto “On the Natural Classification of Arguments” (CP mente considerado {...}
2.451-2.516) Peirce define argumentos e inferências em O interpretante final é
termos silogísticos. Toda inferência contém três partes aquilo para o qual o real
essenciais: premissa, conclusão e um princípio guia de tende. (Peirce SS:111)
inferência. Algumas das definições apresentadas neste
ensaio são as seguintes:
O termo "argumento" significa um conjunto de premissas consideradas
como tais;
O termo "premissa" vai se referir a algo estabelecido (seja numa forma
permanente ou comunicável de expressão ou somente em algum signo
imaginado) e não a algo só virtualmente contido no que é dito ou pensado,
e também somente aquela parte do estabelecido que é (ou se supõe que
seja) relevante para a conclusão (CP 2.461 de 1867);
Toda inferência envolve o juízo de que se proposições tais como as
premissas são verdadeiras, então uma proposição relacionada com ela, tal
com a conclusão, há de ser ou é provável que seja verdadeira (CP 2.462
de 1867);
Um argumento válido é aquele cujo princípio guia é verdadeiro (CP 2.463
de 1867). Para que um argumento determine a verdade necessária ou
provável de sua conclusão, devem ser verdadeiros tanto as premissas
como o princípio guia. Não há argumento sem premissas e sem princípio
guia (CP 2.464 de 1867).
A relação entre as premissas e o princípio guia também é explicada neste
texto: uma inferência consiste em premissas, conclusão e o princípio guia
(ou regra de inferência), de acordo com o qual, a conclusão se segue das
premissas (CP 2.465 de 1867).
O princípio guia contém, por definição, tudo o que se considera
requisito, além das premissas, para determinar a verdade necessária ou
provável da conclusão, não pode conter nada que seja irrelevante ou supérfluo
(CP 2.466 de 1867).
99

Posteriormente, Peirce vai explicar as inferências como a passagem de


determinadas idéias ou crenças para outras idéias ou crenças, de acordo com
um princípio guia, que seria uma regra da qual estamos conscientes e
seguimos quando fazemos inferências, isto é, uma regra pela qual as
premissas da inferência são relacionadas à conclusão. Portanto, uma inferência
válida tem um princípio guia verdadeiro. Há um ponto importante a ser notado,
que é o seguinte: quando se diz que um princípio guia verdadeiro permite
extrair conclusões verdadeiras de premissas verdadeiras, isso não significa que
aconteça em todos os casos, porque alguns princípios guias permitem extrair
conclusões verdadeiras apenas numa proporção de casos, e é esta a distinção
entre a inferência necessária e provável. Para Peirce todas as formas de
inferência válida compartilham um mínimo princípio guia que fundamenta
qualquer inferência: “se dois fatos se relacionam como razão e conseqüente, se
a razão é verdadeira, o conseqüente é (ou provavelmente ou necessariamente)
verdadeiro” (W2:295)
Peirce define argumento silogístico como “um argumento simples,
completo válido”. Um argumento silogístico tem a forma geral:
S é M,
M é P,
SéP
e a forma do silogismo em Barbara é:
M é P,
S é M;
S é P (CP 2.466-78 de 1867).
Se o argumento tem premissas verdadeiras e conclusão falsa, ele é
inválido. Um argumento é válido apenas se não tiver e não puder ter premissas
verdadeiras e conclusão falsa.
No texto “Some Consequences of Four Incapacities” (CP 5.264-317 de
1868), Peirce argumenta que todo raciocínio válido tem uma forma geral e “ao
tentar reduzir toda ação mental às fórmulas da inferência válida, procuramos
reduzi-la a um único tipo singular” (CP 5.279 de 1868). Todo argumento implica
na verdade de um princípio geral de procedimento inferencial (quer envolva
alguma matéria de fato referente ao assunto de um argumento ou
simplesmente uma máxima relacionada com um sistema de signos), de acordo
com o qual é um argumento válido (CP 5.280 de 1868).
Dizer que um argumento é válido é dizer que ele é tão verdadeiro como
pretende ser, o que é essencial para o raciocínio. (CP 2.446 de 18976).
Considerando-se um argumento válido, então dedutivamente se as premissas
são verdadeiras, a conclusão será necessariamente verdadeira. Assim,
100

premissas e conclusões precisam ser capazes de serem falsas ou verdadeiras,


o que leva muitos autores a decidirem se são sentenças, enunciados ou
proposições.
Haack (2002:114) define sentença como qualquer cadeia
gramaticalmente correta e completa de expressões de uma língua natural. Por
enunciado, indica-se o que é dito quando uma sentença declarativa é proferida
ou escrita, embora fique a dúvida se todo proferimento ou inscrição de uma
sentença declarativa vai produzir um enunciado. Por proposição, entende-se o
que é comum a um conjunto de sentenças declarativas anônimas. Dessa
explicação resulta que se pode ter a mesma sentença, mas diferentes
enunciados, ou o mesmo enunciado, mas diferentes sentenças e diferentes
proposições, ou a mesma proposição, mas diferentes sentenças e diferentes
enunciados.
Haack (2002:117), também argumenta que a atitude que se tem face
aos enunciados, sentenças ou proposições é marcada por concepções
metafísicas, ou seja, os nominalistas ou os extencionalistas tendem a uma
predisposição contrária em face dos enunciados e das proposições e favorável
em face de sentenças. Usualmente, a disputa a respeito dos portadores da
verdade se dá quando se assume que a verdade é uma propriedade, então
dever-se-ia ser capaz de identificar o tipo de coisa que a possui.
Alguns autores (entre eles Strawson, 1950 ou Putnan, 1971),
argumentam que é impróprio ou mesmo destituído de significado falar que as
sentenças são verdadeiras. Assim, para se admitir que sentenças sejam pode –
se explorar a estrutura gramatical na definição de verdade, como em algumas
versões da teoria da correspondência e, mais notadamente a teoria semântica
de Tarski. Embora claramente as sentenças possuam estrutura gramatical, os
enunciados e as proposições sendo extralingüísticos não o possuem, assim, a
plausibilidade da teoria de Tarski poderia ser uma razão para se considerar
sentenças como portadoras de verdade.
Para Tarski, o conceito de verdade depende da linguagem particular
que será considerada. A validade, em um sistema lógico-formal, pode ser
definida tanto sintaticamente quanto semanticamente, isto é, em termos dos
axiomas ou regras do sistema ou em termos de sua interpretação.
Por outro lado, é interessante enfatizar a conceituação de Peirce com
relação a raciocínio:
Raciocínio é um processo no qual o
pensador está consciente de que um julgamento, a conclusão, é
determinado por outro julgamento ou julgamentos, as premissas, de acordo
com um hábito geral de pensamento, o qual ele pode não estar
101

precisamente apto a formular, mas que ele aprova como conduto para o
verdadeiro conhecimento. Por conhecimento verdadeiro ele quer dizer,
apesar de que ele não está usualmente apto a analisar seu significado, o
conhecimento último no qual ele espera que a crença final não seja
perturbada pela dúvida, ao olhar para o assunto particular ao qual sua
conclusão se relaciona. [...] o raciocínio, desta forma, começa com
premissas que são adotadas como representando perceptos, ou
generalizações de tais perceptos, ou antes, a proposições expressando
fatos da percepção. (CP 2.773 de 1901)

3. CATEGORIZAÇÃO DAS TEORIAS DA VERDADE


Há várias classificações para as teorias da verdade. A de Kirkham
(1995:20) nos parece uma das mais completas e adequadas ao escopo deste
trabalho, conforme mostra o quadro a seguir, embora no decorrer deste
capítulo façamos menção a outras classificações como as de Blackburn &
Simmons (1999) ou Musgrave (1999).
Kirkham (1995:20) propõe três grandes divisões para as teorias da
verdade: o projeto metafísico, o projeto de justificação e o projeto dos atos de
fala.
O projeto metafísico teria como objetivo identificar no que consiste a
verdade, ou, o que seria uma proposição verdadeira. Esse projeto tem três
ramos, que são o extensional, naturalístico e essencial.
Com relação ao projeto de justificação, alguns filósofos buscaram
descobrir que tipo de evidência pode ser usada para determinar se uma dada
proposição é ou não provavelmente verdadeira. O que conta como evidência
relevante varia de acordo com cada tipo de proposição, se referente a objetos
físicos ou abstratos. As teorias de justificação respondem a questões do tipo:
para uma dada proposição (crença ou sentença), quando e como se pode estar
justificado em pensar que ela seja verdadeira. São exemplos do projeto
justificação: Bradley, James e Blanshard.

QUADRO 3. Uma categorização das teorias da verdade


1. PROJETO METAFÍSICO
A. projeto extensional
Filósofo Escola teórica
Tarski Teoria semântica
Kripke Teoria semântica
102

B. projeto naturalístico
C. projeto essencial
Filósofo Escola teórica
Peirce Pragmaticismo
William James Instrumentalismo
Russel Teoria da correspondência
Austin Teoria da correspondência
Blanshard Teoria da coerência
Horwich
2. O PROJETO DE JUSTIFICAÇÃO
Filósofo Escola teórica
Bradley Teoria da coerência
William James Instrumentalismo
Blanshard Teoria da coerência
Outros Fundacionalismo
3. PROJETO DOS ATOS DE FALA
A. projeto ilocucionário
Filósofo Escola teórica
Strawson Teoria da performance
Price Teoria darwiniana
B. projeto asserção
C. projeto atribuição
pessoa comum (ingênua)
projeto estrutura profunda
Filósofo Escola teórica
Ramsey Teoria redundante
White Teoria da avaliação
Williams Teoria redundante
Grover, Camp e Belnap Teoria “prossentencial”
Fonte: Kirkham (1995:37).4

Com relação ao projeto dos atos de fala, este tem como objetivo
descrever os propósitos locucionários ou ilocucionários que usam expressões
que parecem imputar a propriedade da verdade alguma proposição. Podem ser
classificados em ilocucionários, asserção ou atribuição.

3.1. projeto metafísico

4 Segundo Kirkhan, Field, Davidson e Dummet foram excluídos desta lista porque não teriam uma
teria da verdade, mas estariam defendendo projetos mais simples.
103

O projeto metafísico pode ser dividido em: extensional, naturalístico e


essencial.
O projeto extensional, que é a primeira divisão do projeto metafísico,
objetiva identificar as condições necessárias para que uma proposição seja
membro de um conjunto de proposições verdadeiras. Em outras palavras, ele
fixa a extensão do predicado “é verdadeiro”, fornecendo uma especificação não
circular do conjunto de todas as proposições verdadeiras, uma expressão
extensionalmente equivalente a “é verdadeiro” e fornecer uma proposição que
implique materialmente “x é verdadeiro”.
São representantes do projeto extensional Tarski e Kripke (teoria
semântica). Tarski apresenta seu projeto de estruturação formal segundo o
qual a definição de verdade é relativa a uma linguagem, isto é, há uma
estrutura da linguagem, na qual a definição de verdade é dada e apresentam-
se os conceitos que devem ser empregados na definição e regras formais às
quais a definição deve se conformar. Dessa forma, uma mesma sentença pode
ser verdadeira em uma linguagem e ou falsa ou sem significado em outra e, os
paradoxos podem ser evitados pela utilização de uma meta-linguagem.
Tarski (1969:63) usa o termo verdade exclusivamente se referindo a
sentenças, isto é, verdade semântica. Tarski considera que a noção de verdade
ocorre em diferentes contextos e há numerosas categorias distintas de objetos
aos quais o termo pode ser aplicado, por exemplo, numa discussão psicológica
se poderia falar em emoções ou crenças verdadeiras, numa discussão sobre o
domínio da estética, a verdade intrínseca de um objeto poderia ser analisada...
Por outro lado, Popper baseou sua teoria da verossimilhança ou
proximidade da verdade na teoria de Tarski, argumentando que ela seria uma
versão mais precisa do que as teorias da correspondência (Haack, 2002:129)
Posteriormente, Gottlieb, Frege, Ramsey vão argumentar a adição do
predicado verdade não contribui com nenhum novo conteúdo para uma
sentença enquanto Apel (1983:190) critica a explicação semântica da verdade
por razões semióticas, porque essa concepção, restrita a linguagens
formalizadas, deve abstrair a dimensão pragmática do uso ou interpretação da
linguagem.
O projeto naturalístico, que é a segunda divisão do projeto metafísico,
tem como objetivo encontrar condições, em qualquer mundo natural, que sejam
individualmente necessárias ou conjuntamente suficientes para que uma
proposição seja, pelo menos contingentemente verdadeira naquele mundo.
Vale observar, segundo Kirkham (1995:23), que a análise fornecida por uma
teoria naturalista correta da verdade é verdade somente em um mundo com
todas e as mesmas leis da natureza como esta. Por outro lado, esta análise
104

não precisa ser uma lei da natureza por si própria. Muitas teorias sobre o que é
uma lei da natureza constrangem ainda mais o que pode ter importância como
tal lei, além do simples requisito de que a proposição em questão seja
verdadeira em todos os mundos naturalmente necessários.
Sendo as leis da lógica verdadeiras em qualquer mundo possível e não
em qualquer mundo naturalmente possível, alguns filósofos tentaram uma
análise da verdade em seu grau máximo de universalidade. Esse é o projeto
essencial (a terceira diivsão do projeto metafísico), que busca uma expressão
que seja equivalente para “x é verdadeiro”, em todos os mundos possíveis.
Esse projeto é defendido por Peirce, James, Russel, Austin, Blanshard,
Horwich.
Para Kirkhan (1995:72), o projeto metafísico parece não ter interesse em
fornecer um critério que pudesse realmente ser usado para determinar se uma
proposição é verdadeira, porque seguramente identifica as condições
necessárias e suficientes para a verdade. Ainda segundo Kirkham, as
respostas aos ramos do projeto metafísico podem ser divididas em duas
grandes categorias: as teorias realistas e as não realistas. As teorias realistas
incluem aquelas historicamente denominadas de correspondência e as não
realistas incluem as de semântica, coerência e redundância.
[...] uma condição ulterior, para que uma
teoria que valha como uma teoria Realista da verdade, é que o fato em
questão deve ser independente da mente, isto é, nem sua existência nem
sua natureza depende da existência de qualquer mente, nem dos
pensamentos de qualquer mente, nem do esquema conceitual de qualquer
mente, nem das capacidades epistêmicas, limitações, ou realizações de
cada mente. (KIRKHAM, 1995:72) 5

3.2 projeto de justificação


Com relação ao projeto de justificação, alguns filósofos buscaram
descobrir que tipo de evidência pode ser usada para determinar se uma dada
proposição é ou não provavelmente verdadeira. Aqui, o que conta como

5 Um fato é, portanto, um state of affairs no mundo real. O termo state of affairs é usado em
sentido filosófico, ou seja, qualquer coisa que possa ser afirmada verdadeira ou falsa com uma
sentença declarativa Uma outra condição para que uma teoria seja realista é que seja
independente da mente, ou seja, sua existência ou natureza não depende da existência de
qualquer mente. Dessa forma, uma teoria realista da verdade impõe uma certa condição
ontológica para o truth bearer (portador da verdade). Como veremos ainda neste capítulo, a
teoria da verdade de Peirce é realista, preenchendo os requisitos acima descritos.
105

evidência relevante varia de acordo com cada tipo de proposição, se ela se


refere a objetos físicos ou abstratos. As teorias de justificação respondem a
questões do tipo: para uma dada proposição (crença ou sentença), quando e
como se pode estar justificado em pensar que ela seja verdadeira. São
exemplos do projeto justificação: Bradley, James e Blanshard.
Para Kirkham, em nenhum momento se poderia pensar em uma teoria
de justificação para fornecer uma definição de verdade. Os teóricos da teoria
da justificação se referem a “critérios de verdade”, que contrastam com as
teorias metafísicas, porque no projeto metafísico, ao identificar as condições
necessárias e suficientes para a verdade, se estabelece um conjunto de
critérios para se determinar se uma dada proposição é verdadeira.
Davidson (1990:307-308) argumenta que ”igualar a verdade com
justificativa tem a implicação intuitiva contrária que o valor de verdade de uma
afirmação pode mudar, quanto mais evidência relevante se encontrar
disponível”.
Na teoria da justificação se busca um critério prático de verdade, assim
as teorias de justificação não seriam teorias de verdade propriamente dita.
Além do mais alguns filósofos foram interpretados com tendo negado a
diferença entre verdade e justificação, por exemplo, James, Blanchard ou
Dummet.

3.3 projeto dos atos de fala


Conforme explicação anterior, o projeto dos atos de fala tem como
objetivo descrever os propósitos locucionários ou ilocucionários que usam
expressões que parecem imputar a propriedade da verdade a alguma
proposição. Podem ser classificados em ilocucionários, asserção e atribuição.
O projeto ilocucionário é defendido por aqueles que estão convencidos de que
as expressões em questão não tem nenhum propósito locucionário. É
defendidos por Strawson e Price. Já o projeto asserção é defendido por
aqueles que estão convencidos de que as expressões em questão têm um
propósito locucionário. O projeto atribuição é defendido por aqueles que
acreditam que o uso de tais expressões constituem um guia confiável e seguro
do que estamos dizendo quando as usamos (Ramsey, White, Williams,
Grover).
Musgrave (1999:149) classifica a verdade em objetiva e subjetiva, assim
se definirmos verdade consistindo “não em uma relação entre crença e o
mundo externo, mas de “alguma propriedade interna das crenças”, assumindo
106

que o “believer” pode saber se sua crença é verdadeira, então o “believer” pode
também conhecer a verdade, o que Musgrave chama de verdade subjetiva:
A teoria da auto-evidência: uma crença é verdade se e tão somente se ela
é auto evidente para mim;
A teoria da indubitabilidade: uma crença é verdade se e tão somente se eu
não posso duvidar dela;
A teoria da percepção clara e distinta: uma crença é verdade se e tão
somente se eu a perceber clara e distintamente;
A teoria da coerência: uma crença é verdade se e tão somente se ela é
coerente com o resto de minhas crenças,
A teoria pragmaticista: uma crença é verdade se e tão somente se eu
achar útil tê-la;
A teoria da verificação: uma crença é verdade se e tão somente se ela é
confirmada por minha experiência
A teoria do consenso: uma crença é verdade se e tão somente se minha
comunidade intelectual concorda com que ela é.
Mas segundo Musgrave, uma objeção que se faz às teorias subjetivas é
que elas podem conduzir ao relativismo, isto é, uma proposição pode ser
verdadeira, ou coerente, ou confirmada pela experiência para um indivíduo e
não para outro.
[...] o subjetivismo da verdade acarreta
necessariamente o relativismo da verdade, e isso desafia as duas leis da
verdade. Estas são as leis do meio excluído ('ou s é verdade ou não s é
verdade') e a lei da contradição ('S e não-S não são ambas verdade).
Suponha que consigamos condições de adequação para estas leis a
qualquer avaliação da verdade, iisto é, requeiramos que qualquer avaliação
garanta que estas leis sejam adequadas. Então, qualquer teoria subjetiva
de verdade deve ser julgada inadequada. Assim temos um argumento
reductio ad absurdum contra teorias da verdade subjetiva: elas deverão ser
rejeitadas porque conduzem aos absurdos do relativismo e à violação das
leis da verdade.[...] a esperança é que socializando-se desta maneira, em
última análise, o ideal e o relativismo da verdade serão evitados e as leis da
verdade serão preservadas. (MUSGRAVE, 1999:149)

Blackburn & Simmons (1999:1-29) classificam as teorias de verdade em


dois tipos: teorias tradicionais de verdade e teorias minimalistas.
Teorias tradicionais de verdade
As teorias tradicionalistas da verdade, ou seja, as teorias substantivas
de verdade. As teorias tradicionais ainda são defendidas, mas atualmente
107

as versões das teorias minimalistas são mais populares. As teorias


substantivas ou tradicionais da verdade são basicamente quatro: a teoria
da correspondência, a teoria da coerência, a teoria pragmatista e a teoria
da verificação ideal. Analisando- se inicialmente as teorias tradicionais de
verdade, considera-se que X é uma frase, uma declaração, um
pensamento ou uma proposição e que o símbolo sse (iff) é o "se e
somente se", então, as quatro teorias podem ser assim expressas:
Teoria da correspondência: X é verdadeiro sse X corresponde a um fato
(a teoria da correspondência será detalhada ainda neste capítulo). As
teorias da correspondência entendem que a verdade de uma proposição
consiste não em suas relações com outras proposições, mas em sua
relação com o mundo, sua correspondência com os fatos. Foram
sustentadas por Russel, Wittgenstein, e Austin.
Teoria da Coerência: X é verdadeiro sse X é um membro de um conjunto
de crenças coerente internamente; os defensores da teoria da coerência
apresentam a idéia de verdade como relações de coerência dentro de um
conjunto de crencas. Teorias da coerência foram propostas por Bradley,
Neurah, Resher, e Dauer. Segundo Schmitt (1995:103) em uma teoria da
coerência, uma proposição verdadeira é aquela que pertence a algum
conjunto coerente de proposições, sendo esse conjunto designado
tipicamente definido de forma epistemológica Para os defensores dessa
concepção, a frase ou proposição são verdadeiras na medida em que
formam estruturas coerentes ou consistentes.
Teoria da Verificação Ideal: X é verdadeiro sse X é provável, ou
verificável em condições ideais.
Teoria Pragmatista ou pragmática: X é verdadeiro sse X é útil de se
acreditar; para os pragmatistas é importante o critério de como as
pessoas utilizam verdade ou verdadeiro como expressão de valor a
uma sentença. A teoria pragmatista foi desenvolvida nas obras de
Peirce, Dewey, James e Dummet. Segundo Haack (2002: 129), Dewey
e James têm afinidades tanto com as teorias da coerência quanto com
as da correspondência, ao admitir que a verdade de uma crença
deriva de sua correspondência com a realidade. Mas Schimitt
(1995:103) argumenta que a teoria pragmática da verdade torna
verdade uma relação entre proposições e crenças. Nesse sentido,
está ligada com o relativismo e pode se constituir em uma variação da
teoria da correspondência. Já segundo Rorty (1989), para os
pragmatistas, a verdade é apenas o nome de uma propriedade que
todos as proposições verdadeiras compartilham (Rorty, 1989). As
108

principais teses da abordagem pragmática podem ser resumidas


segundo a figura a seguir:

O fim da investigação
correspondência com a realidade Peirce
James
crença (estável) satisfatória
Dewey
coerência com a experiência –
verificabilidade
O que autoriza a crença a ser
denominada ‘conhecimento’

Figura 2 Teses da abordagem pragmática Fonte: Haack, 2002

Para Tarski (1991:94), a concepção pragmática e a teoria da coerência


parecem ter caráter exclusivamente normativo, mantendo pouca conexão com
o uso real do termo verdadeiro, e ainda não foram formuladas com “um bom
grau de clareza e precisão”.
Numa outra perspectiva, Da Costa (1997:22) considera que existem pelo
menos três teorias da verdade relevantes em ciência: a teoria da
correspondência, a da coerência e a pragmática. No entanto, em cada domínio
da ciência empírica, dever-se-ia utilizar o sistema cognitivo que melhor desse
conta do mesmo.

Teorias minimalistas
As teorias minimalistas pertencem ao campo semântico, sendo as
principais a teoria deflacionista, a teoria da redundância de Ramsey e a teoria
semântica de Davidson.
Começando pela teoria deflacionista, deve-se enfatizar que Horwich,
foi o pai da idéia básica do deflacionismo. Conforme o próprio nome está
dizendo, a teoria minimalista é composta por adeptos consideram que teorias
da verdade que “dessubstantivam” a verdade, “desessencializam” a verdade,
isto é, retiram da verdade qualquer carga metafísica. A perspectiva
deflacionista nega que haja uma questão tal como: qual é a natureza da
verdade?
Segundo Davidson (1990), a idéia comum aos vários tipos de
deflacionismo é que a verdade, embora um conceito legítimo, é essencialmente
109

trivial, e certamente não tem o valor tão grande quanto a atenção metafísica lhe
conferiu.
Os filósofos deflacionistas acreditam que a verdade não seja uma
propriedade "real", ou "robusta", ou uma propriedade metafisicamente
interessante. Para eles, a verdade não é um predicado. De acordo com a teoria
deflacionista da verdade, afirmar que uma afirmação é verdade é somente
afirmar a própria afirmação. Por exemplo, dizer que 'a neve é branca' é
verdade, ou que é verdade que a neve é branca, é equivalente a dizer
simplesmente que a neve é branca, e isto, de acordo com a teoria deflacionista,
é tudo o que significativamente pode ser dito sobre a verdade de ' a neve é
branca'.
Os deflacionistas mantêm que a concepção de verdade é "redundante",
isto é, o que falamos sobre a verdade é algo puramente formal. Assim, verdade
e verdadeiro, para os deflacionistas, pertencem não ao campo metafísico, mas
sim ao campo da pragmática da linguagem, ou seja, quando se diz que "é
verdade que p", estamos dizendo de um modo mais eficaz, mais enfático, até
talvez mais econômico, apenas "p"; assim, o termo "verdade" não cabe no
templo metafísico, mas cabe tão somente nos usos da linguagem. (Ghiraldelli
Jr., 2000b).

A teoria da redundância de Ramsey


Ramsey (1990: 38) foi um dos primeiros a tentar levantar a questão de
que "não há realmente um problema da verdade distinto, mas meramente uma
confusão lingüística". Seu argumento começa por notar que "É verdadeiro que
César foi assassinado" e esta sentença não quer dizer nada mais que "César
foi assassinado". Em tal contexto, "é verdadeiro que" simplesmente opera de
modo como opera uma dupla negação, um conectivo de sentenças que mapeia
as sentenças verdadeiras como verdadeiras e as sentenças falsas como falsas.
Ramsey levanta a mesma questão sobre frases como "é um fato que",
notando que não se pode eliminar o predicado verdade em sentenças como
"ele está sempre certo", isto é, "qualquer coisa que ele diz verdadeira", tendo
desenvolvido a idéia de uma escada (a escada de Ramsey), cuja imagem é a
seguinte: na base da escada podemos dizer "p", no primeiro degrau podemos
dizer "é verdadeiro que p", no segundo degrau da escada podemos colocar
"está na ordem do universo que é verdadeiro que p" e assim por diante. Nos
últimos degraus (se é que isso tem fim) poderíamos florear a frase ao máximo
de acordo com a performance lingüística que desejamos. Dizer que é
verdade é dizer nada mais nada menos que o próprio , que a verdade é
110

simplesmente aquela propriedade ou predicadado que satisfaz um -


esquema para todo portador da verdade e um adequado
bicondicional e. Houve diversas variações da teoria de Ramsey: a
explicação performativa de Strawson, a teoria simples da verdade sugerida por
Prior e ampliada por Mackie.

A teoria semântica de Davidson.


Para Davidson (2001:1), a Verdade não é um objeto, e portanto ela não
pode ser verdadeira. Verdade é um conceito, e é inteligivelmente atribuída a
coisas tais como sentenças, enunciados, crenças e proposições, entidades que
têm um conteúdo proposicional. Assim, seria um erro pensar que se alguém
busca entender o conceito de verdade, esta pessoa está necessariamente
tentando descobrir verdades gerais importantes sobre justiça ou fundamentos
da física e esse erro está ligado à idéia de que uma teoria da verdade deveria
nos informar o que “é verdadeiro, ou ao menos descobrir verdades“.
Davidson defende a idéia de que as sentenças significam o que
significam por causa das propriedades semânticas das palavras e dos
dispositivos combinatórios que contém. Poder-se-ia entender uma sentença se
não se soubesse a que os nomes ou outros termos singulares se propõem
referir, ou se não se está consciente da extensão dos seus predicados, desde
que a gramática está disponível, contudo, partes aprendidas separadamente
podem ser aglutinadas de novas maneiras, e a verdade é separada do
meramente útil ou aprovado. As referências de nomes, a extensão de
predicados, os próprios dispositivos combinatórios, estão disponíveis para
quem ensina e para a sociedade; a verdade não.
Mas saber isso é saber que materiais, os
quais fazem a verdade e a falsidade, estão presentes. Isso é dessa forma
mesmo quando sabemos que um termo falha como referência ou quando
um predicado tem uma extensão vazia. Nosso entendimento de condições
de verdade é central para nosso entendimento de toda e qualquer
sentença.(DAVIDSON, 2001:2)
Para Davidson, condições de verdade e explicação do significado pelo
uso “não são coisas que estão concorrendo entre si” e, por isso, não há porque
ao escolher uma ou excluir outra:
Quase todos concordam que ao menos
algumas sentenças tem o valor de verdadeiro e falso, e que para tais
sentenças, poderíamos falar em condições de verdade. Mas os
deflacionistas e outros tendem a duvidar de que este fato tenha a ver com o
111

que as sentenças significam. Significado, é dito freqüentemente, tem a ver


antes com as condições sob as quais uma sentença é justificada ou
apropriada para se fazer uma afirmação; em geral, significado tem a ver
com o como as sentenças são usadas antes do que com suas condições de
verdade. Aqui há duas confusões. A primeira é que condição de verdade e
explicação do significado pelo uso estão de algum modo em competição.
Alguém pode legitimamente disputar a afirmação de que uma definição de
verdade do tipo da de Tarski pode servir como uma teoria do significado.
Penso que pode, quando bem entendida, mas essa não é a minha tese
aqui. O que é claro é que alguém que sabe sob que condições uma
sentença seria verdadeira entende essa sentença, e se a sentença tem um
valor de verdade (verdadeiro, falso ou nenhum) então alguém que não sabe
sob que condições seria verdadeira não a entende. Essa afirmação simples
não nega uma abordagem do significado que mantém que sentenças
significam o que elas significam por causa de como elas são usadas; pode
ser que elas são usadas como são por causa de suas condições de
verdade, e tem as condições de verdade que tem por causa de como elas
são usadas. (DAVIDSON, 2001:2)
No entanto, Haack (2002:128) alerta que é comum fazer uma distinção
entre definições de verdade e critérios de verdade. De modo geral, enquanto
uma definição dá o significado da palavra “verdadeiro”, um critério fornece um
teste através do qual se diz se uma sentença é verdadeira ou falsa. Enquanto
Tarski “renuncia” a qualquer interesse de fornecer um critério de verdade,
Russell acusou os pragmatistas de “terem confundido a definição e o critério de
verdade”.
Mesmo entre os proponentes da teoria da coerência, essa questão é
discutida. Bradley (apud Haack, 2002:130), parece admitir que uma explicação
do significado da verdade possa necessitar de recuso a algo como a
correspondência, enquanto que a coerência seria um teste da verdade. Já
Blanshard insiste que a verdade consiste em coerência, o que seria tanto uma
definição quanto um critério.
A figura a seguir traz um resumo das principais teorias da verdade.
112

Figura 3: Teorias da Verdade.

tempo
Fonte: Haack (2002:128)
113
Se os termos 'verdade' e
Haack (2002:133) argumenta que o conceito de 'falsidade' usados por
verdade é tão importante para a epistemologia quanto você forem tomados em
para a filosofia da lógica. Algumas teorias da verdade acepções que sejam
têm um componente epistemológico importante e dizem definíveis em termos de
dúvida e crença e de
respeito à acessibilidade da verdade, assim, a busca por curso da experiência (tal
um critério de verdade é, freqüentemente, a como, por exemplo, eles
manifestação de tal preocupação. Na figura acima as o seriam se você
teorias do lado esquerdo consideram a dimensão definisse 'verdade' como
epistemológica mais seriamente do que as da direita. uma crença para a qual
Nesse contexto são mais “ricas”, as teorias da coerência a crença tenderia se
tendesse indefinida-
e pragmatistas. Por outro lado, as teorias da
mente para uma fixidez
redundância não teriam “virtualmente nenhuma carne absoluta) muito bem;
epistemológica sobre si”. nesse caso, você só
Tendo apresentado um panorama sobre as estaria falando de dúvida
teorias da verdade, a seguir, faremos um resumo das e crença. Contudo, se
principais características da teoria da correspondência, por verdade e crença
que é a que mais se relaciona com o escopo deste você entender algo que
não seja de modo algum
trabalho. definível em termos de
dúvida e crença, neste
4. TEORIA DA VERDADE POR caso estará falando de
CORRESPONDÊNCIA6: entidades de cuja
existência você nada
pode saber, e que a
O que seria melhor para acreditarmo?
navalha de Ocam
Isto se parece muito com uma
eliminaria de imediato.
definição de verdade. (William James) Os problemas seriam
muito simplificados se,
O verdadeiro é o nome daquilo que se em vez de dizer que
revela bom como crença e bom, deseja conhecer a
também pro razões explícitas (William ‟verdade‟, você dis-
James). sesse simplesmente que
deseja alcançar um
De acordo com a teoria da verdade por estado de crença
correspondência "X é verdadeiro sse X corresponde a inatacável pela dúvida.
um fato". Assim a definição de verdade pela teoria da (Peirce, CP 5.411).
correspondência leva a uma discussão sobre o que é

6 Daremos ênfase à teoria da verdade por correspondência em função de sua importância para a
análise da teoria da verdade desenvolvida por Peirce
114

um fato? Para alguns autores a definição de fato, como aquilo que realmente
acontece, ou, como aquilo que é verdadeiro, ou como o que corresponde à
verdade, cai em um círculo vicioso.
Para Blackburn e Simon (1999), a teoria da verdade como
correspondência “é um lugar comum que ninguém nega”. Mas as dificuldades
começam quando tentamos dissecar a noção envolvida. Que tipo de “coisa" é
um fato: por exemplo, há fatos gerais, fatos negativos, fatos hipotéticos e,
então, do que são compostos? Então, que tipo de correspondência está em
questão?
Conforme mencionado anteriomente, a teoria da verdade por
correspondência vem da definição de Aristóteles:
[...] dizer do que é, que não é ou do que não
é, que é, é falso; já dizer do que é, que é ou do que não é, que não é, é
verdadeiro ou, dizer do que não é que ele não é, é a verdade", ou ”o falso e
o verdadeiro não estão, com efeito nas coisas, como se o bem fosse o
verdadeiro e o mal, em si mesmo, o falso, mas no pensamento
(ARISTÓTELES, E, 4, 1027 h 25-30).
Essa é, talvez, a primeira expressão da teoria da verdade como
correspondência, ou seja, proposições verdadeiras contam o que é como ele é,
ou, em outras palavras, para uma proposição ser verdadeira ela deve
corresponder aos fatos. Essa explicação aristotélica introduz uma distinção
entre o ser enquanto verdadeiro e o ser propriamente dito que compreende a
multiplicidade dos sentidos do ser.
O ser enquanto verdadeiro consistiria em uma ligação do pensamento.
O verdadeiro e o falso residem na união e separação do atributo e do sujeito, o
que pode ocorrer na proposição e no juízo. Entretanto, além dessa concepção
lógica, Aristóteles introduz na Metafísica uma concepção ontológica, uma
ligação entre as coisas, ou seja “não é porque pensamos de um modo
verdadeiro que tu és branco, mas é porque tu és branco que, dizendo que o és,
dizemos a verdade” (10, 1051 b, 5-10)
Da Costa em “O conhecimento científico”argumenta que a teoria da
correspondência porpõe que proposição, fato e pensamento são verdadeiros
quando correspondem perfeitamente aos fatos no mundo:
A concepção clássica, tradicional, da
correspondência mantém que uma sentença (podendo exprimir uma
crença) é verdadeira caso reflita o real, retrate aquilo que é: se para isto
não se der, ela é falsa. As crenças ou a s sentenças apontam para estados
de coisas, se eles existem, elas são verdadeiras: em hipótese contrária, são
falsas. (DA COSTA, 1997: 114)
115

Segundo Haack (2002), tanto Russell quanto Wittgenstein em seus


períodos de “atomismo lógico”, definiram verdade como a correspondência de
uma proposição com um fato. As proposições de acordo com Wittgenstein são
complexos verbais e o mundo consiste em coisas simples, ou átomos lógicos,
e, o arranjo das palavras em uma proposição atômica verdadeira refletiria o
arranjo das coisas simples no mundo. Russell ampliou esta versão com uma
teoria epistemológica segunda a qual as coisas logicamente simples são dados
do sentido ou objetos do conhecimento direto por familiaridade.
Já, Austin oferece uma nova versão para a teoria da correspondência,
sendo que a relação de correspondência é explicada em termos de relações
puramente convencionais entre as palavras e o mundo. A correlação é
explicada segundo convenções descritivas e convenções demonstrativas.
(HAACK, 2002:134).
Segundo Blackburn e Simon (1999), alguns filósofos são pessimistas
sobre nossa capacidade de responder às questões sobre verdade, achando
que as respostas tradicionalmente fornecidas geram problemas insuperáveis.
Para alguns, descrever a relação de correspondência é um engano categórico,
o que torna fatos em complexos de coisas, que eles não são. Outros acreditam
que a teoria requer separação entre a mente, como domínio de proposições e
juízos, e o mundo, como o domínio dos fatos, e acham que essa separação
“gera um fosso intolerável, eventualmente levando nossa capacidade de
conhecer coisas verdadeiras sobre o mundo ao ceticismo”. Assim há duas
direções, sendo a primeira, tentam encontrar algo mais do que correspondência
com fatos para descobrir o que é a verdade. Essa foi a direção tomada pelos
filósofos que sugeriram noções tais como a de ser membro de algum
favorecido conjunto coerente de proposições (Bradley, Joachim, fazendo
emergir a teoria coerentista da verdade) ou mesmo a de utilidade (James,
fazendo emergir a teoria pragmatista da verdade).
[...] a verdade, na sua natureza essencial, é
aquela coerência sistemática que é o caracter de uma totalidade
significativa. Uma "totalidade significativa" é uma experiência individual
organizada, auto-realizante e auto-realizada. A organização é o processo
de sua própria realização e a concreta manifestação de sua individualidade
[...] e o conhecimento humano -não meramente o meu conhecimento ou o
seu, mas o verdadeiro e mais completo conhecimento do mundo em
qualquer etapa de seu desenvolvimento- não é, claramente, uma totalidade
significativa neste sentido idealmente completo. Portanto, a verdade, que o
nosso rascunho descreveu é -do ponto de vista da inteligência humana -
um Ideal e um Ideal que jamais pode como tal, ou na sua inteireza, ser real
como experiência humana. (JOACHIM, 1999:46-52)
116

Outra possibilidade foi rejeitar a questão, negando que há de fato


qualquer projeto real de descobrir o que é a verdade. Segundo Carrilho (1990:
34) é precisamente com relação a esta articulação – a correspondência entre o
sujeito e o objeto e da sintonia entre a ordem das idéias e a ordem das coisas –
que a revolução copernicana põe radicalmente em causa. Esse seria um ponto
decisivo quanto às conseqüências para o problema da verdade. O significado
desta caracterização é importante porque para Kant, o problema da verdade
não se refere em saber se há conformidade do conhecimento com o seu objeto,
mas se há um critério, um critério universal da verdade no conhecimento.
Por outro lado, Haack (2002:138) observa que uma dificuldade
persistente com a teoria da correspondência foi a de fornecer uma explicação
precisa de “corresponde”.
Davidson (1990) critica o realismo e a teoria da verdade por
correspondência, para ele a verdade não seria um objetivo da investigação. A
teria da verdade por correspondência teria por objetivo encontrar evidências
substanciais para nossas crenças, e não há nada mais que podemos fazer do
tentar estabilizar nossas convicções. A verdade não é uma norma adicionável à
norma (normas) de justificação. Assim:
Realismo como eu o entendo é uma
perspectiva na qual o uso da verdade como predicado pode ser explicado
nos termos da relação de correspondência. Ele seria uma proposta
interessante se alguém pudesse conseguir um modo inteligível e
esclarecedor de individualizar entidades em relação às quais enunciados e
crenças correspondem, junto com uma semântica aceitável para conversar
sobre tais entidades. Mas não há tal explicação. Até onde entendo, não
vejo nenhum modo de declarar que alguém é realista, ou, no caso, anti-
realista. Não vejo nenhuma diferença entre a perspectiva da verdade como
correspondência e a idéia de que enunciados (ou sentenças) „representam‟
algo, exceto, talvez, que se alguém entendeu uma idéia, esse alguém
poderia falar do quanto é verdadeiro tanto do quanto é falso aquilo que as
sentenças representam. Mas se não há nada para corresponder às
sentenças verdadeiras, nem há qualquer coisa para elas
representarem.(DAVIDSON, 1999)
Davidson ainda vai mais longe afirmando que verdade como
correspondência com a realidade “talvez seja uma daquelas idéias que
estaríamos melhor se não a tivéssemos tido”, especialmente quando, verdade
e realidade aparecem em maiúscula. Para Davidson: “a formulação não é tão
errada quanto vazia, mas ela tem o mérito de sugerir que alguma coisa não é
verdadeira simplesmente porque é acreditada, mesmo se acreditada por toda e
117

qualquer pessoa”. O problema da verdade por correspondência repousa na


afirmação de que a fórmula tem poder explicativo:
A noção de correspondência seria de
alguma ajuda se fôssemos capazes de dizer, de um modo instrutivo, que
fato ou segmento de realidade é o que torna a sentença verdadeira.
Nenhum teve êxito nisso. Se perguntarmos, por exemplo, o que faz "A lua
estar a um quarto de um milhão de milhas distante" verdadeira, a única
resposta que imaginamos é que é o fato de que a lua está a um quarto de
um milhão de milhas distante.(DAVIDSON,1999)
Continuando Davidson considera que qualquer que seja a história do
argumento relevante (que agora é chamado freqüentemente de o argumento do
"Estilingue"), deve-se aceitar a conclusão de que não há nenhuma entidade
interessante e apropriada disponível, cuja existência se relacione a sentenças,
que possa explicar porque algumas sentenças são verdadeiras e outras não.
Portanto, há boas razões, então, para ser cético em relação à importância da
teoria da verdade como correspondência:
[...] verdade é importante, então, não porque
ela é especialmente valorosa ou útil, embora, é claro, este possa ser o caso
em determinadas ocasiões, mas porque sem a idéia de verdade não
seríamos criaturas pensantes, nem entenderíamos o que é para qualquer
entidade ser uma criatura pensante. Uma coisa é tentar definir o conceito
de verdade, ou capturar sua essência em uma frase breve e concentrada;
outra coisa é traçar suas conexões com outros conceitos.
(DAVIDSON,1999)
Segundo Putnan (1997:169), tanto para Peirce como para James, a
opinião de aqueles que investigam, em última análise, a opinião que estão
"fadados a considerar" é a verdadeira. Esta seria a explicação constitutiva da
verdade.
Entretanto Da Costa (1997:114) argumenta que no domínio da física há
noções como as da onda de probabilidade, os quarks ou o espaço de fase, que
tornam difícil aceitar que correspondam efetivamente a traços do real,
assemelhando-se mais a categorias criadas pelo homem. As ciências
empíricas utilizam teorias, leis que “sabidamente não reproduzem a realidade”,
como, por exemplo, a teoria eletromagnética de Maxwell ou a lei de Lavoisier,
“embora não sejam estritamente verdadeiras”.
Nesse contexto, Gonçalves de Souza (2000), considera que hoje se
admite que as várias teorias formuladas pelo cientista, tanto no domínio das
ciências da natureza, como no das humanas, estão destinadas a serem, no
futuro, próximo ou distante, superadas pela descoberta de fenômenos que as
118

falseiem. Logo, nenhum pesquisador pode aceitar pura e simplesmente, que


suas teorias sejam verdadeiras (no sentido da teoria por correspondência).
Haack (2002:129) considera que é comum fazer uma distinção entre
definições de verdade e critérios de verdade, sendo necessário lidar com
cuidado com essa questão. Porém, ainda segundo não se pode simplesmente
abster-se de usar essa distinção, mesmo sendo “problemática”, por causa de
sua importância para a questão da rivalidade entre as teorias da
correspondência e da coerência:
[...] a idéia, de modo geral, é que enquanto
uma definição dá o significado da palavra ´verdadeiro, um critério fornece
um teste por meio do qual se diz se uma sentença (ou o que quer que seja)
é verdadeira ou falsa... (HAACK, 2002:129)

Quando um homem
5. PEIRCE E A TEORIA DA VERDADE: deseja ardentemente
CORRESPONDÊNCIA, CONVERGÊNCIA, ou conhecer a verdade, seu
REFERÊNCIA? 7 primeiro esforço será
imaginar o que essa
verdade possa ser. (CP
A verdade, esmagada na terra, de 1.46 de 1896)
novo se erguerá. (CP 1.217 de 1902)
Mas se um homem se
Há três coisas que não podemos ocupa em investigar a
jamais esperar obter pelo raciocínio a verdade de alguma
saber: certeza absoluta, verdade questão para algum
absoluta e universalidade absoluta. propósito ulterior, tal
(CP 1.141 de 1897) como para fazer
dinheiro, ou amenizar
A teoria da verdade de Peirce foi desenvolvida sua vida, ou para
de acordo com sua teoria realista do conhecimento, beneficiar seus cama-
radas [...] ele não é um
sendo realidade e verdade dois conceitos bastante cientista. (CP 1.45 de
relacionados. Deve-se enfatizar que, analogamente a 1896)
outros pontos da filosofia peirceana, verdade e
realidade também apresentam evolução em sua obra.
Para Peirce a característica mais óbvia do pensamento medieval seria a
importância atribuída à autoridade, que juntamente com a razão eram os
métodos coordenados de atingir a verdade. No entanto, o mérito da ciência

7Alguns destes tópicos já foram anteriomente discutidos em Bacha, ML,(1998) A Teoria da


Investigação de C.S.Peirce, São Paulo: CenaUm e Bacha, ML (2002) A Indução de Aristóteles a
Peirce, São Paulo:Legmar Informática e Editora.
119

moderna é não temer submeter suas conclusões ao teste (CP 1.30-34 de


1896), pois nada pode justificar uma teoria a não ser a explicação de fatos
observados (CP 1.170 de 1897)
Peirce sempre esteve interessado na verdade por acreditar que esta
seria o principal objetivo da ciência, ou seja, o homem alcançaria a verdade
através da utilização do método científico.
Sua primeira concepção de verdade foi apresentada em 1868, em um
ataque à epistemologia cartesiana. Ao definir verdade como a opinião
estabelecida no fim ideal da investigação científica, ele fornece um padrão
objetivo para uma visão que rejeitava o realismo causal como explicação para o
conhecimento:
[...] ao argumento das proposições
universais e hipotéticas a resposta é que embora a verdade delas não
possa ser conhecida com certeza absoluta, ela pode ser conhecida em
termos prováveis por indução. (CP 5.258 de 1868)
De suas críticas ao nominalismo (no qual o papel do raciocínio fica
prejudicado já que não oferece possibilidade de fornecer verdades
estabelecidas sobre um mundo conhecido pelos efeitos das sensações, a não
ser que seja garantido por Deus), surge uma compreensão da realidade bem
como um conceito evolucionário de verdade. À medida que Peirce desenvolve
sua visão de realidade, de forma a fazê-la equivalente à própria verdade, e a
teoria final vai se tornando seu próprio objeto, a realidade se torna uma
entidade ideal devido à ação da causação final (telos) do progresso da
investigação.
As idéias de Peirce sobre o método científico são particularmente
interligadas com sua concepção de verdade, que, por sua vez pode ser vista
como um tipo de semiose8. De fato, o tipo particular de correspondência
envolvido na teoria preirceana da verdade pode ser concebido como um tipo de
relação semiótica.
Na passagem CP 5.31 de 1868, Peirce havia caracterizado as
cognições reais como aquelas que “num tempo suficientemente futuro, a
comunidade continuará sempre a reafirmar”, o que vai ser retomado em CP
5.565 de 1901:
[...] a verdade é esta concordância de uma
afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação
sem fim tenderia a levar a crença científica, com a concordância que a

8 È próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que Peirce definiu
como semiose.
120

afirmação abstrata possua pela virtude da confissão de sua unilateralidade


e imprecisão. (CP 5.565 de 1901)
Mais tarde, em 1871, Peirce vai argumentar que “opinião humana tende
universalmente, a longo prazo, para uma forma definida que é a verdade. Que
um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o suficiente
sobre um a questão qualquer, e o resultado será que ele chegará a uma certa
conclusão definida que é a mesma a que chegará qualquer outra mente nas
mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. (CP 8.12 de 1871).
Em 1873, Peirce considera que a verdade é uma característica que se
atribui a uma proposição abstrata..., ela depende de que a proposição não seja
declarada absolutamente verdadeira (CP 5.565 1901).
Em 1878, a verdade é definida como o fato real correspondendo à
proposição verdadeira. Para Peirce, realmente, a validade de uma inferência
consiste na verdade da proposição hipotética de que, se as premissas são
verdadeiras, a conclusão também o é. (CP 2.652 de 1878)
Mas há uma pergunta que se pode fazer com base nas primeiras
versões da verdade: a realidade será representada somente no fim da
investigação, quando atingirmos a opinião final? Essa questão somente será
resolvida a partir de 1900, com a utilização dos would-be´s, conforme veremos
no decorrer deste capítulo.
Hookway, em “Truth and Reality: Putnan and the Pragmatic Conception
of Truth”, faz um resumo do percurso evolucionário da noção de verdade na
obra de Peirce, do qual resumiremos, a seguir, os principais pontos. Para
Hookway, as primeiras definições peirceanas da verdade seriam parte de sua
clarificação do conceito de realidade (realidade seria definida como objeto da
opinião verdadeira). Elas demonstrariam sua ansiedade para desenvolver a
metafísica a partir da lógica, para a qual ele necessitava uma análise lógica da
verdade, que permitisse identificar um conjunto de proposições verdadeiras,
com referência a seu destino no processo de investigação.
Segundo Hookway, no período de 1877-8, Putnan e outros
comentadores encontram nos textos peirceanos, uma concepção absoluta de
verdade e realidade, principalmente em “How to make our ideas Clear” e
“Fixation of Belief”. É uma visão do mundo como se fosse independente de
nossa experiência, abstraindo tudo que pertence a uma determinada
perspectiva e evitando dependência a qualquer característica de nosso aparato
cognitivo, uma concepção ao máximo independente de nossas perspectivas e
peculiaridades:
A opinião que será, afinal, sustentada por
121

todos os que investigam é o que entendemos por verdade, e o objeto que


nesta opinião se representa é o real”. (CP 5.407 de 1878).
Hookway argumenta que, depois de 1880, Peirce teria elaborado um
novo modo de explicar nossos pensamentos sobre a realidade (as coisas
externas seriam diretamente percebidas) e, assim, por volta de 1903, Peirce
introduziria o objeto imediato da percepção. Também as formulações da tese
de convergência após 1880, mostrariam uma confiança de que sempre
alcançaríamos esta convergência predestinada. Mas, por destino, pode-se
entender também a consolidação da opinião dos investigadores, opinião esta
que está fadada a encontrar o real e “eu suponho que por verdade seja
significado aquilo para que a pesquisa aponta”,
Cerca de trinta anos depois, em “„What Pragmatism Is”, de 1905, Peirce
retoma suas idéias iniciais sobre verdade e realidade, explicando que a opinião
predestinada “controlada por uma lógica experimental racional”, não depende
de nenhuma circunstância acidental, insistindo que por mais que perversidade
de pensamento de gerações inteiras possa adiar a fixação última (CP 5.430 de
1905).
Mas, ao discutir as opiniões de Schroeder sobre os pressupostos da
investigação em 1896, o que era constitutivo se torna regulativo:
[No que se refere] a uma pesquisa que
pressuponha que há uma verdade qualquer, o que é que isto pode tal vez
querer dizer salvo que há uma conclusão destinada à pesquisa em relação
à questão em mãos - um resultado que quando atingido jamais será
derrubado. (CP 3.432 de 1896)
A continuação desta passagem é interessante, nela Peirce expressa a
esperança que nos aproximaremos da verdade, embora não necessariamente,
o que sugere uma mudança considerável em relação aos textos de 1877-8,
transformando um comprometimento com relação à convergência em uma idéia
regulativa, uma esperança que anima todos os seguidores da ciência,
esperança esta incorporada na concepção de verdade e realidade (CP 5.407,
ou Murphey, 1961: 301).
Em 1887, em “How to Make Our Ideas Clear”, ao formular e defender
regras de clareza sobre conteúdos, sobre hipóteses, conceitos, Peirce volta a
reafirmar seu realismo, dizendo que há um real que, mesmo que possamos
errar e ter crenças coletivas absolutamente equivocadas, irá se impor por ser
independente do que dele pensamos, por ser independente da representação
que dele fazemos porque tem permanência e independência, “a realidade
independe, não necessariamente do pensamento em geral, mas apenas do que
122

você ou e ou um definido número de pessoas possa pensar a respeito dela”


(CP 5.408 de 1878).
O real instaura crenças, portanto, a representação que dele fazemos
não é arbitrária, daí derivando o conceito de verdade e “a opinião que será,
afinal, sustentada por todos os que investigam é o que entendemos por
verdade, e o objeto que nesta opinião se representa é o real” (CP 5.407 de
1878).
A investigação que conduz à estabilização da crença tem um telos, que
Peirce denomina destino, que é uma atividade do pensamento “pela qual
somos levados não para onde queremos, mas para uma meta
preestabelecida”. Não há meios de escapar à opinião predestinada, nenhuma
alteração de ponto de vista, nenhuma escolha de fatos outros para estudo e
nem mesmo uma natural inclinação do espírito, esta a grande esperança está
presente nas concepções de verdade e realidade (CP 5.407 de 1897). Mas, por
destino, pode-se entender também a consolidação da opinião dos
investigadores, opinião esta que está fadada a encontrar o real. Hausman
(1993) reforça esta idéia afirmando que um geral não pode ser pensado sem
um telos, com respeito a ser um hábito, um terceiro, o geral é aquilo que é
devido a sua influência em instâncias futuras, ou seja, aquilo que é
verdadeiramente real está ligado obrigatoriamente à idéia geral que ele
representa.
[...] para o realismo é o signo que deve
buscar sua forma verdadeira no objeto através da experiência, seja a partir
de suas formas já disponíveis, seja concebendo novas formas que dêem
conta do sistema de relações do próprio fenômeno. (IBRI, 1994)
A teoria da verdade de Peirce resulta da aplicação do princípio
pragmático à clarificação de conceitos, princípio este que é defendido como
uma regra metodológica adequada a estes propósitos, com base em sua teoria
dos signos.
Conforme já havia sido mencionado, Peirce define signo genuíno como
um processo relacional entre três termos (signo, objeto, interpretante), sendo
próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que
Peirce definiu como semiose. Na relação triádica entre signo, objeto e
interpretante, todos tem natureza sígnica. Esta relação, que não é uma relação
triádica simples, mas um complexo de relações triádicas, pode ser pensada de
três modos diferentes, dependendo da ênfase que é colocada sobre cada um
dos correlatos. Assim, se o signo é enfatizado, a relação é de significação ou
123

representação. Se o objeto é posto em evidência, a relação é de objetivação.


Enfim, se o interpretante é enfatizado, tem-se uma relação de interpretação.
Um signo é qualquer coisa que está
relacionada a uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma
Qualidade, de tal forma a trazer uma Terceira coisa, seu Interpretante, para
uma relação com o mesmo Objeto, e isso de maneira tal a trazer uma
Quarta para uma relação com aquele Objeto da mesma forma, ad infinitum.
Se a série é rompida, o Signo, nesse ponto perde seu caráter significante
perfeito. (CP 2.92 de 1902)
Há também nesta relação triádica um esquema de um processo de
continuidade, que Peirce denominou de semiose, explicando que nenhum
interpretante pode ser tido como absoluto ou definitivo. O signo é mediação
para seu objeto e representação para seu interpretante. “Faz parte da própria
forma lógica de geração do signo que ela seja a forma de um processo
ininterrupto, sem limites finitos” (Santaella, 1994:31).
Um signo representa algo para a idéia que
produz ou modifica. Ou, é um veículo transportando à mente algo do
exterior. O que representa é chamado seu objeto: o que é transportado, seu
significado; e a idéia que provoca, o seu interpretante. O objeto de
representação pode não ser nada além de uma representação da qual a
primeira representação é o interpretante. Mas uma série de representações
sem fim, cada uma delas representando a anterior, pode ser concebida
tendo um objeto absoluto no seu limite. O significado de uma representação
não pode ser nada mais do que uma representação. De fato, ela nada mais
é além da representação mesma concebida como despida de roupagem
irrelevante. Nunca pode ser completamente despida, ela é mudada por
alguma coisa mais diáfana. Assim, há aqui uma regressão infinita.
Finalmente, o interpretante nada mais é do que outra representação a cujas
mãos passa o facho da verdade; e como representação, possui seu
interpretante novamente. Aí está uma nova série infinita. (CP 1.339 de 1875
)
Assim, o modo de ação típico do signo é o do crescimento através da
autogeração. O signo, por sua própria constituição está fadado a germinar,
crescer, mas daí decorre sua natureza inevitavelmente incompleta, porque o
signo está ligado ao objeto não em todos os aspectos, senão seria o próprio
objeto. Da alteridade do objeto decorre a incompletude do signo. O signo só
pode representar o objeto e referir-se a ele (CP 2.230 de 1910).
Na semiótica peirceana, o termo semiose se refere primariamente à
ação do signo em produzir um interpretante de si mesmo, mas sendo o
interpretante também um signo, que tem o mesmo poder produtivo, pode-se
124

falar de processo de semiose. Deve-se observar que durante o processo de


semiose, a geração do interpretante, é primariamente mais ação do signo ele
mesmo do que do intérprete (qualquer coisa que pode traduzir o signo). A
função do intérprete é mais de percepção e interpretação. Também está
implícito que a disposição do signo em gerar interpretantes é a regra, ou seja,
um principio imanente, o que constitui a base para se dizer que o processo é
autônomo e auto-gerativo. Assim, significação e mudança é primariamente uma
função da disposição e espontaneidade do signo por si mesmo, “o homem
propõe e o signo dispõe”. (Ransdell, 1992:2)
Um signo é somente um signo in actu pela
virtude da sua determinação de outro signo do mesmo objeto. Isto é tão
verdade para o julgamento mental quanto para o signo externo. Dizer que
uma proposição é verdadeira é dizer que toda interpretação dela é verdade.
(CP 5.569 de 1901)
A idéia é que o signo tem três aspectos modais: tem uma certa
aparência, é alguma coisa que ocorre ou existe não necessariamente no
mundo real, mas no universo do discurso, e tem o poder de gerar
interpretantes, mas o que constitui o signo logicamente é o terceiro, o que
significa dizer que nosso interesse se refere ao poder de gera interpretante, ou
seja, em ser uma regra significando alguma coisa enquanto regra. Por outro
lado, um argumento é sempre entendido por seu interpretante pertencendo a
uma classe geral de argumentos análogos, cuja classe como um todo tende em
direção à verdade.(CP 2.266 de 1903)
Para Peirce, há sempre dois tipos de objeto que deveriam ser
precisamente distinguidos para que o signo se torne compreensível: objeto
imediato e objeto dinâmico. O objeto imediato está indicado ou representado no
signo, é o modo como o objeto dinâmico se apresenta. O objeto dinâmico é o
objeto fora do signo, que determina o signo e ao qual ele se aplica, isto é,
aquilo a que o signo se refere. O objeto dinâmico é aquele que vai se
desvelando ao longo do tempo. O conceito de objeto dinâmico e imediato traz a
noção de evolução, de crescimento, gerando significação. (Santaella, 1994: 53)
Na terminologia de Peirce, o objeto imediato é o objeto que aparece no
processo semiótico, o objeto representativamente presente na semiose,
enquanto que o objeto dinâmico é o objeto como ele é realmente, independente
da representação. Essa é uma distinção muito importante do ponto de vista da
epistemologia, porque o objeto dinâmico é aquilo a que nossos pensamentos
se conformam, quando têm valor de verdade, enquanto o objeto imediato é o
objeto como pensamos que ele seja. O primeiro é necessário na noção de
verdade, o segundo possibilita o entendimento do erro. O objeto dinâmico é
125

essencialmente representável, e, portanto cognoscível. A operação do signo é


realmente a operação do objeto através e por meio do signo”. (CP 2.277 de
1903) O objeto da representação é uma representação da qual a primeira
representação é o interpretante, mas uma série sem fim de representações,
cada representando a anterior, pode ser concebida como tendo um objeto
absoluto como seu limite. Sem considerarmos a conceituação matemática de
limite para Peirce, há certamente um sentido no qual o objeto dinâmico está na
seqüência em virtude de estar sendo representado, desde que como termo da
relação de representação ele está “ipso facto” na seqüência, porque fazer uma
distinção entre a verdadeira concepção de uma coisa e a própria coisa é
apenas considerar apenas uma e mesma coisa sob dois pontos de vista
diferentes, pois o objeto imediato do pensamento num juízo verdadeiro é a
realidade. (CP 8.16 ou CP 3.482, Ransdell, 2001:1)
É importante notar que em toda seqüência de semiose, haverá
referência a alguma coisa (o objeto imediato) que contará como referência ao
próprio objeto (objeto dinâmico) porque é uma referência ao que é
representativo do objeto. (Ransdell, 2001:4)
Objeto do signo é uma coisa: seu significado
(meaning) outra. Seu objeto é uma coisa ou ocasião, ainda que indefinida, à
qual ele deve aplicar-se. Seu significado é a idéia que ele liga àquele
objeto, seja por meio de uma mera suposição ou como uma ordem ou como
uma asserção. (CP 5.7 de 1910 )
A esse respeito, Ransdell apresenta uma argumentação muito
interessante relacionando o objeto dinâmico, o imediato e a percepção.
Segundo ele, há duas considerações a serem feitas: a primeira se refere a que,
embora o conteúdo descritivo do objeto imediato esteja implicitamente
predicado no objeto dinâmico, sempre que o primeiro estiver funcionando como
tal, há também uma função indicativa que está fundada na conexão existencial
ou causal com o objeto dinâmico. Em segundo lugar, há um processo em
andamento e, desde que qualquer descrição do objeto imediato é ipso fato uma
descrição do objeto dinâmico, então uma distinção substantiva e não
meramente formal pode ser extraída do objeto imediato e do objeto dinâmico.
Assim, quando nos damos conta de que Peirce considera o pensamento
essencialmente temporal, fica claro porque ele diz que o objeto imediato do
pensamento em um juízo verdadeiro é a realidade, a coisa em si mesma como
ela aparece. A passagem a seguir corrobora esse desenvolvimento:
Vejo um tinteiro sobre a mesa: isso é uma
percepção. Movendo a cabeça, recibo uma percepção distinta do tinteiro.
126

Ela se funde com a outra. O que chamo de tinteiro é uma percepção


generalizada, uma quase-inferência a partir das percepções, talvez devesse
dizer uma fotografia composta de percepção. Nesse produto físico está
implicado um elemento de resistência contra mim, do qual estou fracamente
consciente desde o princípio. Posteriormente, quando aceito a hipótese de
um sujeito interior para meus pensamentos, me rendo a essa consciência
de resistência e admito o tinteiro com a posição de um objeto externo. [...]
Essa conclusão à qual sou levado, mesmo que possa lutar contra ela, a
expresso brevemente ao dizer que tinteiro é uma coisa real. Portanto, por
ser real e externa, não deixa de ser um produto puramente físico, uma
percepção generalizada. Como tudo aquilo do qual tomo conhecimento.
(CP 8.144 de 1901)
Segundo Ransdell, o interpretante se relaciona ao signo que interpreta
como sendo um signo e, portanto, envolve intencionalidade. Assim, considerar
o signo como um signo é considerá-lo como tendo um objeto ao qual ele se
refere. Em conseqüência, a semiose, sendo um processo interpretativo, tem a
estrutura de referência objetiva. Esta estrutura está implícita nela e não
necessariamente é observada conscientemente como sendo tal. No entanto,
para explicar a objetividade é necessário entender a semiose, não meramente
em seu aspecto formal, mas também para desenvolver uma compreensão da
semiose como processo comunicativo. Isto envolve tratar a predicação formal
como uma declaração afirmativa feita por alguém para uma comunidade
potencialmente responsiva e considerar os complexos relacionamentos
implícitos no relacionamento comunicativo entre o declarante e a comunidade
perante a qual a asserção está sendo feita. Aquilo que a própria declaração
invoca é a estrutura da objetividade, contemplada como uma concepção
metódica.
Continuando, Ransdell considera que isso está implícito na concepção
do interpretante como tal, que é a concepção da relação da representação
básica ou genérica especialmente contemplada desde a perspectiva do termo
do interpretante da relação dos três termos. Em outras palavras, falar de
objetividade no sentido metódico requer falar sobre que o preocupa a Peirce
em "A Fixação da Crença" e "Como tornar nossa idéias claras", isto é, a
natureza da pesquisa. Fazendo-se uma análise da representação, ela é vista
como uma versão generalizada da concepção formal do termo médio que
sustenta o desenvolvimento original do silogismo como uma forma de
argumento básica em Aristóteles. Isto se desprende do fato que todo
julgamento é (implicitamente) uma inferência, e a inferência envolve um termo
interpretante. Como o interpretante representa a relação que obtém entre o
termo signo (relato) e o termo objeto (correlato), ele tem, por definição, a
127

segunda função intencional, o que significa dizer que o ponto de vista lógico é
constitutivo da consciência objetiva.
Dessa forma, Ransdell explica que o conceito de objetividade (como
método) pode ser relacionado aos efeitos que a representação, vista como um
processo, que poderia, alternativamente, ser pensada como um processo de
significação, ou um processo de interpretação, ou como um processo de
objetivação, dependendo em se a ênfase do interesse era colocada no termo
do signo ou o termo do interpretante ou o termo do objeto da relação do termo
dos três. Portanto, do ponto de vista semiótico, no entendimento das coisas,
não construímos os objetos da experiência, mas a qualquer momento já nos
encontramos em relação com eles.
Peirce pergunta: o que representa o signo-pensamento, o que designa
ele, qual é o seu suppositum?
A coisa exterior, sem dúvida, quando se está
pensando numa coisa exterior. Mesmo assim, como o pensamento é
determinado por um pensamento anterior do mesmo objeto, ele se refere a
esta coisa através da denotação deste pensamento anterior. [...] e assim
em todos os casos o pensamento subseqüente denota aquilo que foi
pensado no pensamento anterior. (CP 5.285 de 1868)
O que Peirce aqui descreve como aquilo que foi pensado no
pensamento anterior é o objeto imediato, enquanto o objeto dinâmico é a
própria coisa considerada como aquilo que é “thought of”.
A teoria dos interpretantes constitui um dos pilares da epistemologia
peirceana. Os interpretantes podem ser classificados em imediato, dinâmico e
final. O interpretante imediato é aquele que o signo está apto a produzir como
efeito. O interpretante dinâmico é o efeito que o signo efetivamente produz na
mente de um intérprete, é aquele que acontece na efetivação da semiose em
exercício. O interpretante final é o efeito que o signo produziria em qualquer
mente, por uma semiose levada a efeito a longo prazo, é aquele a que se
chegaria numa opinião definitiva (CP 8.184 s.d. ). O interpretante final é aquilo
que vai aparecer quando soubermos tudo sobre o objeto, no final da
investigação, é a crença final para onde tende a evolução da nossa
investigação, aquela crença que não será removida. A concepção de
interpretante final é de extrema importância para os objetivos deste trabalho,
pois é nesse nível que Peirce o relaciona com a verdade, pois ele “finalmente
decidiria sobre a interpretação verdadeira de um signo se o exame do assunto
fosse levado a um ponto em que se atingisse uma opinião definitiva” (CP 8.184
s.d.)
128

A idéia de interpretante final está implicada na cosmologia peirceana. No


processo evolutivo, a representação final coincidiria com o próprio objeto, e o
interpretante final coincidiria com o próprio objeto porque a estrutura do objeto
estaria totalmente desvelada e o objeto não objetaria mais. Objeto imediato é o
modo como este objeto dinâmico está apresentado indicado ou representado
dentro do signo. A relação signo objeto, seria dual, mas com a mediação do
objeto imediato ela se torna tríade. O signo vai produzir um efeito numa mente
interpretadora, que é o interpretante dinâmico. O signo representa um objeto, o
que significa que ele afeta uma mente de tal modo, de certa maneira que vai
produzir naquela mente um efeito, que é uma emanação do objeto e de algum
modo representa este objeto. Assim, a fonte da semiose é o objeto e o
interpretante final é aquele a que todos os interpretantes chegariam caso a
ação do signo fosse levada às ultimas conseqüências, mas ele está sendo
continuamente adiado porque não sabemos qual é o limite, qual é aquele nível
ideal que todo signo deveria atingir.
Se fosse possível, no desenvolvimento da semiose, revelar
inteiramente o objeto dinâmico que é o real, até o ponto de revelar inteiramente
o objeto dinâmico, então o interpretante final corresponderia à verdade. Mas
conforme o signo vai desenvolvendo seus interpretantes, o objeto dinâmico vai
se torna cada vez mais complexo e o interpretante final (ou a verdade) acaba
ficando continuamente adiado.
Por outro lado, o significado de um conceito intelectual só pode ser
resolvido pelo estudo dos interpretantes, ou propriamente dos efeitos
significados dos signos, sendo o primeiro efeito um sentimento (interpretante
emocional), o segundo efeito um esforço (interpretante energético) e um
terceiro efeito o pensamento (interpretante lógico) (CP 5.475 de 1907). Do
ponto de vista da lógica, o significado racional do conceito intelectual reside
unicamente no interpretante lógico último (mudança de hábito), porque um
signo é interpretado em um signo subseqüente, e, assim ad infinitum (CP
5.492, de 1907).
O propósito último de um signo cognitivo ou
intelectual é o de produzir controle crítico deliberado sobre hábitos e
crenças. As normas críticas, relevantes aqui, são princípios condutores da
lógica. A consistência de um conjunto de interpretantes e a validade das
inferências são julgadas à luz desses princípios orientadores.(Santaella,
1995:197)
Conforme Savan (apud Santella, 1995:197), o interpretante último, ou
seja, o interpretante final crítico é o hábito controlado de uma auto-crítica
deliberada. Para Peirce, o propósito de todo signo é expressar um fato, e ao se
129

juntar a outros signos, se aproximar tanto quanto possível para determinar um


interpretante que seja “a verdade perfeita, a verdade absoluta e como tal (pelo
menos, pode-se usar esta linguagem), que fosse o próprio universo”. A
Verdade completa é o interpretante ultimo de todo signo ( NEM IV:240).
A essência do interpretante lógico último está no conceito de hábito, que
consiste na expectativa da conduta, conduta essa que Peirce vai definir em
termos de proposições condicionais (would be´s). No entanto, Misak (1991:20-
21) critica esta concepção de verdade classificando-a de formulação fraca.
Em Peirce, a verdade consiste na conformidade a algo que é
independente do pensamento ou da opinião humana (CP 5.211 de 1903), que a
verdade é a correspondência de uma representação com seu objeto. (CP 5.56
de 1906)
Que a verdade é o correspondente de uma representação ao seu objeto,
é, como diz Kant, simplesmente a definição nominal dela. A verdade
pertence exclusivamente à proposição. Uma proposição tem um sujeito
(um conjunto de sujeitos) e um predicado. O sujeito é um signo; o
predicado é um signo; e a proposição é um signo de que o predicado é
um signo de aquilo do qual o sujeito é um signo. Se for assim, é verdade.
Mas em que consiste esta correspondência ou referência do signo? O
pragmaticista responde esta pergunta da seguinte maneira. Suponha,
ele diz, que o anjo Gabriel for descer e me comunicar desde o íntimo da
onisciência a solução deste enigma. Isto é concebível; ou envolve um
absurdo essencial supor que a resposta possa ser levada à inteligência
humana? No primeiro caso, "a verdade", neste sentido, é uma palavra
sem sentido, a qual jamais pode expressar um pensamento humano. É
real, se você quiser; pertence a esse universo inteiramente
desconectado da inteligência humana que conhecemos como o mundo
do completo não-senso. Não tendo nenhum uso para este significado da
palavra "verdade", melhor seria se usássemos a palavra em outro
sentido que será descrito prontamente. Mas, se por outro lado for
concebível que o segredo pudesse ser revelado à inteligência humana,
será algo que o pensamento pode alcançar. Então, o pensamento tem a
natureza de um signo. Assim, nesse caso, se podemos descobrir o
método certo de pensar e podemos executá-lo-- o método correto de
transformar idéias - então a verdade não pode ser outra que o último
resultado ao qual a execução deste método finalmente nos conduziria.
Nesse caso, ao qual a representação deveria conformar-se, é por si
próprio algo da natureza de uma representação, ou signo -algo numenal,
inteligível, concebível, e absolutamente diferente a uma coisa-em-se-
mesma. (CP 5.53 de 1903)
130

Na passagem CP 5.569 de 1901, Peirce argumenta que verdade e


falsidade são caracteres confinados às proposições. Duas proposições são
equivalentes quando uma delas tiver sido um interpretante da outra, mas o
interpretante de uma proposição e qualquer inferência a partir de uma
proposição é um interpretante dela. Assim, quando falamos em verdade e
falsidade referimo-nos à possibilidade da proposição ser refutada, ou, nas
palavras de Peirce:
A saber, um interpretante de uma
proposição se suposto, produziria a expectativa de certa descrição do
percepto numa certa ocasião. A ocasião surge: o percepto forçado
sobre nós é diferente. Isto constitui a falsidade de toda proposição para
a qual a predição que desaponta foi o interpretante; Então, uma
proposição falsa é aquela da qual algum interpretante representa que,
numa ocasião indicada por perceptos, um percepto não terá uma dada
característica, enquanto que o julgamento perceptual naquela ocasião é
que o percepto não tem esta característica. Uma proposição verdadeira
é aquela em que nunca se supõe que levaria a tal desapontamento, até
ao ponto em que a proposição não seja entendida de outro modo (não
aquele em que) era intencionada. (CP 5.569 de 1901)
Essa passagem mostra como não é possível desvincular a teoria da
verdade de Peirce das noções de signo, percepção, realidade. A verdade
pertence exclusivamente às proposições, porque é necessária a ação do objeto
sobre o signo para torná-lo verdadeiro, sem isso o objeto não é o
representamen do objeto. (CP 5.553 de 1905). Uma proposição tem um sujeito
(ou conjunto de sujeitos), mas Peirce pergunta no que a correspondência ou
referência do signo para seus objetos consiste?
Tanto o objeto como o interpretante são partes integrantes do signo,
como processo de geração, que só pode ser definido na relação com o objeto e
o interpretante. Verdade e falsidade são propriedades da representação e os
conteúdos da representação são vagos, indeterminados. Para assumir seu
papel como signo, ou seja, um signo só pode funcionar como signo somente se
for capaz de ser interpretado e esta interpretação deve ocorrer na forma de
outro signo (CP 5.287 s.d.)

5.1 Classificação da Teoria da Verdade de Peirce


131

A classificação da teoria da verdade é uma questão polêmica entre os


comentadores de Peirce. Para alguns, Peirce optou por uma teoria da verdade
por correspondência e, assim, as proposições verdadeiras são simplesmente o
produto da opinião final da comunidade cientifica (Thompson, 1952, Scheffer,
1965, Rescher, 1978, ou Haack , 1976).
Para outros, a teoria da verdade por correspondência seria mais um
limite ideal do progresso científico (Levi, 1980, Quine, 1960). Para estes, a
ciência constitui um corpo de crenças bem justificadas na busca da verdade,
que não será atingida mesmo que seu progresso continue para sempre e Quine
critica esta visão da seguinte maneira:
Peirce se sentiu tentado a definir a verdade
abertamente em termos de um método científico, como a teoria ideal que é
abordada como um limite quando os (supostos) cânones do método
científico são usados em demasia na experiência contínua. Mas há muito
de errado na noção de Peirce, além de sua admissão de um organon final
do método científico e seu apelo para um processo infinito, há um uso falho
de analogia numérica que fala de um limite de teorias, já que a noção de
limite depende de aquilo de "mais perto do que", que é definido para
números e não para teorias. E mesmo se nos desviamos de tais problemas
identificando a verdade de maneira algo fantasiosa com o resultado ideal
de aplicarmos o método científico externo à completa totalidade futura de
irritações superficiais, ainda assim há preocupações quanto à imputação de
unicidade ("o resultado ideal"). (QUINE, 1960)
Há um terceiro grupo que argumenta que as proposições verdadeiras
são, para Peirce, uma questão de correspondência entre a linguagem e o
mundo, assim algumas proposições são verdadeiras correspondem àquilo que
a comunidade cientifica endossa como opinião final se a investigação continuar
(Thompson, 1953, Hilpinen, 1982). Nesse ponto de vista, a verdade não é um
conceito regulativo e nunca será atingida a não ser assintoticamente.
Há também outros comentadores que consideram a teoria da verdade
de Peirce uma teoria da coerência. Para estes, não há relação entre as
opiniões da comunidade científica e o fato do mundo extra-linguístico. Altshuler
(1982:43) lembra que em 1867, na resenha de “The Logic of Chance”, de Venn,
Peirce argumenta que “a verdade é a concordância da representação com seu
objeto” (CP 8.3 de 1867).
Já em 1878, Peirce pondera que a verdade consiste na existência de um
fato real correspondendo à proposição verdadeira (CP 2.652 de 1877) e
posteriormente, em 1906, ele vai dizer que a verdade é a correspondência da
representação com seu objeto (CP 5.553 de 1905).
132

Segundo Altshuler (1982:43), esse tipo de evidência pode levar alguns


comentadores como, por exemplo, Rescher (1978:98) ou Haack (1976:233) a
classificarem Peirce como fundamentalmente comprometido com uma teoria da
verdade por correspondência. No entanto, ao se analisar os comentários de
Peirce sobre o que está envolvido na relação de correspondência, o que se
observa é que ele raramente fala de combinar o pensamento com uma
realidade interpretada, parecendo estar mais preocupado com a
correspondência de uma dada crença com o ideal último e, tanto quanto James
ou Dewey, Peirce veria verdade como correspondência em termos da relação
entre entidades cognitivas.
Ainda segundo Altshuler, quando Peirce fala em correspondência, ele se
refere a tópicos aos quais temos potencialmente acesso cognitivo. Tanto
James como Dewey argumentam que a verdade envolve uma relação de
correspondência ou concordância, mas a natureza desta relação só pode ser
determinada por uma análise pragmática. A posição de James foi inicialmente
apresentada em 1884 em "a Função da Cognição" que apresenta uma visão
que mais tarde ele adotou para difundir a força do argumento de Royce para
uma mente absoluta como a única explicação de referência possível.
Brevemente, a relação entre uma idéia e seu objeto é o funcional dessa idéia
conduzindo a certas experiências esperadas. O fato, de que experiências
projetadas estão disponíveis em circunstâncias apropriadas, em parte constitui
a verdade da representação em questão. O acordo envolvido na verdade é o
acordo entre as idéias. É essa correspondência entre uma experiência
esperada e a experiência que, na realidade, ocorre nas circunstâncias
relevantes, então a verdade é uma relação, não de nossas idéias com
realidades não-humanas, mas de partes conceituais de nossa experiência com
partes sensacionais. Dewey também especifica a constituição de relação
correspondente da verdade como uma conexão entre entidades cognitivas. A
relação obtém um cumprimento entre um propósito, um plano e sua execução e
o resultado é a verificação ou o sucesso da crença inicial de que certas ações
acarretariam certas conseqüências. Pode–se verificar que Peirce utiliza a
noção de correspondência no mesmo sentido de James e Dewey, sendo que a
verdade não seria defendida em termos da relação entre a representação e a
coisa em si mesma.
Para corroborar estas considerações, Altshuler remete para a passagem
CP 5.553 de 1905, na qual Peirce argumenta que se a natureza da
correspondência não estiver especificada em termos humanos, então a
verdade não teria significado para nós. Para evitar isto, então, a verdade é
definida como o resultado último para o qual, seguindo o método da ciência,
133

finalmente seríamos levados. Neste caso, aquilo a representação se


conformaria é algo da natureza da representação ou signo – “alguma coisa
nomológica, concebível, e definitivamente uma coisa-em-si-mesma”. (CP 5.553
de 1905)
Hookway (2000:78) relaciona a verdade em Peirce com convergência,
com correspondência e com referência. Do ponto de vista de verdade por
convergência, a análise está relacionada à concepção de ciência como m
processo socio-histórico de investigação (CP 7.54 de 1902), enfatizando a
ciência como um modo de vida. (Cientista, para Peirce, será aquele movido
pela sede da verdade (CP 7.609 de 1903), e ciência é “um modo de vida”, a
vida dedicada à busca do conhecimento e devoção à verdade, não a verdade
como cada um a vê, mas a devoção à verdade que não se é ainda capaz de
ver, mas se está lutando para obter).
Do ponto de vista da análise de verdade por correspondência, Hookway
enfatiza a passagem “a verdade é esta concordância de uma afirmação
abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim tenderia
a levar a crença científica, com a concordância que a afirmação abstrata
possua pela virtude da confissão de sua unilateralidade e imprecisão.”(CP
5.565 de 1901) Essa concepção expressa a idéia que as proposições
verdadeiras fornecem representações icônicas da realidade.
Do ponto de vista de verdade como referência, há necessidade de se
enfatizar o papel dos índices na teoria peirceana. Na passagem abaixo,
imbutidos os conceitos referentes à teoria da percepção e a teoria do
conhecimento. Nesse contexto, Peirce se refere a
[...] coisas reais, cujos caracteres
independem por completo de nossas opiniões a respeito delas; esses reais
afetam nossos sentidos segundo leis regulares e conquanto nossas
sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos,
poderemos, valendo-nos das leis da percepção, averiguar através do
raciocínio, como efetiva e verdadeiramente as coisas são, e, todo homem,
desde que tenha experiência bastante e raciocine suficientemente acerca
do assunto, será levado à conclusão única e verdadeira. (CP 5.384 de
1877).
Por outro lado, Peirce é explícito quanto à natureza da correspondência
em CP 7.187 de 1901, no qual a verdade seria o acordo com a proposição
última que esperamos, acordo esse, que qualquer que ele seja é a verdade.
Ou, também:
Não há meios de escapar à opinião
predestinada, nenhuma alteração de ponto de vista, nenhuma escolha de
134

fatos outros para estudo e nem mesmo uma natural inclinação do espírito,
esta a grande esperança está presente nas concepções de verdade e
realidade (CP 5.407 de 1897)
Ou,
Mas, observado por um outro lado, esta
opinião é que o único objeto ao qual a pesquisa procura fazer que nossa
opinião se conforme, é por si próprio algo da natureza do pensamento; a
saber, é a idéia final predestinada, a qual é independente do que você, eu,
ou qualquer quantidade de homens possa persistir, por não importa quanto
tempo, em pensar, mas que permanece pensamento, depois de tudo.(CP
8.103 de 1900)
Ou,
A verdade é aquela concordância de uma
afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação
sem fim tenderia a levar a crença científica... (CP 5.565 de 1901)
A análise das passagens sugere uma teoria da verdade por
correspondência. Os dois últimos textos corroboram a essência da teoria por
correspondência porque asseguram que a proposição verdadeira é aquela que
descreve acuradamente um mundo cujas propriedades existem de forma lógica
e causal independentemente das mentes. 9
Mas Peirce enfatiza que "além da esfera da verificação, a verdade e a
falsidade perdem seu significado" (Nation, 57, 1893) ou "e, ainda deve ser
concluído que uma hipótese é verdade porque certas predições baseadas nela
têm sido verificadas (MS 473:23). Assim, Peirce define a verdade em termos da
inferência científica a ser alcançada pela comunidade, isto é, como
correspondência e coerência, porque no contexto da filosofia peirceana, a
investigação científica é uma atividade voltada para um fim que é a descoberta
da verdade e dentro da visão realista, a ciência progride por convergência em
direção à verdade, no sentido de correspondência com a realidade. Este é um
elemento muito importante, porque a própria validade da indução está
relacionada com as previsões, não como base para ação, mas como validade
do método científico, como um caminho para a descoberta da verdade.
Savan (1964) e Rescher (1978) consideram que Peirce adota uma teoria
da verdade por correspondência juntamente com um critério de verdade por
coerência. Pode-se dizer que principalmente após 1900, as idéias de Peirce

9Ver CP 5.406, 8.153, 3.129 ou 6.495, CP 5.416 de 1905 ou 5.407 de 1893, ou 8.126 de 1902,
ou 5.554 de 1906 ou 2.135 de 1902 e 5.384 de 1877.
135

sobre a verdade estão intimamente relacionadas com sua forte defesa do


realismo.
Na argumentação de Rescher (2000:11), a visão
pragmática da verdade em Peirce é compreensivelmente Se há uma verdade não
humana, a qual um
coordenada com implementação efetiva. Mas isso deve homem pode conhecer
ser entendido considerando-se o background de alguns enquanto um outro não,
pressupostos, porque uma teoria pragmática da verdade há um padrão exterior
é sempre construída com referência a um critério que aos que estão na
assegure as reivindicações da verdade para uma disputa, para a qual,
contenção fatual em termos do sucesso engendrado podemos encorajar, a
disputa deveria ser
pela sua aceitação, mas para Peirce esse critério não é
submetida: daí um
nem simplesmente nem imediatamente o fator de seu acerto pacífico e judicial
sucessor aplicativo, mas, “esta concordância de uma de disputas é, ao menos
afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual teóricamente, algo pos-
a investigação sem fim tenderia”. sível. Se, ao contrário, o
Por outro lado, há um mecanismo instintivo na único modo de descobrir
cognição humana que nos permite adquirir qual dos que estão
disputando está correto
conhecimento racional da realidade, provavelmente é esperar e ver qual
como os outros animais que também tem confronto com deles obtém êxito, não
a realidade, mas que somente adquirem conhecimento há mais qualquer
mais pratico. Esse mecanismo básico é chamado por princípio exceto a força
Peirce de “instinto natural para a verdade”) 10 pela qual a questão
pode ser decidida.
Galileu apelou para il (Russell, 1966,109)
lume naturale nos estados mais críticos de seu
raciocínio. Kepler, Gilbert, Harvey – para não falar em
Copérnico- confiaram substancialmente num poder
interno, não suficiente para alcançar a verdade por
ela mesma, mas suprindo um fator essencial para as
influências que levaram suas mentes à verdade.
(CP1.80 de 1896)
Para Almeder (1982:64), Peirce nunca se distanciou de seu
comprometimento realístico, e, portanto a natureza da verdade por
correspondência seria incompatível com seu falibilismo. Não se pode esquecer
aqui, a famosa objeção de Russell, segundo quem a teoria da coerência se
refere a que duas teorias mutuamente excludentes podem oferecer uma

10Que poderia ser considerado como uma função similar ao mecanismo para “assenting ou
dissenting” das sentenças de Quine (1960, 1969:88. Ver também CP 7.220, de 1903 ou CP
7.77 de 1882 ou CP 2.176 de 1902 ou CP 5.212 de 1903 ou CP 5.554 DE 1906).
136

explicação coerente para um mesmo corpo de dados, Lado a lado, então, com
mas não se poderia dizer que isto seja o real, porque a proposição bem
uma teoria da coerência não diz o que é o real, que é o estabelecida de que todo
que deveria fazer uma teoria da correspondência. conhecimento está
Com relação aos autores contemporâneos, a baseado na expe-
visão de Dummett parece mais próxima de Peirce, riência, e de que a
ciência só progride pela
porque seu realismo envolve uma avaliação do verificação experimen-tal
significado dependente da verdade, mas sua teoria da das teorias, temos que
semântica verificacionista é anti-realista. Já Goodman colocar esta outra
se declara um radical relativista, e a verdade seria verdade igualmente
somente relevante para sistemas denotacionais. importante: que todo
Quine, embora não tão explicitamente anti- conhecimento humano,
realista, também pode ser colocado na perspectiva dos até os mais altos vôos
da ciência, não é senão
outros autores devido a sua rejeição do realismo o desenvolvimento de
metafísico. Para Quine, a verdade é relativa a uma nossos instintos animais
teoria, na qual se especifica nos referentes dos termos inatos (CP 2.754 de
do discurso (embora Quine siga Tarski, seu apoio a 1883)
relatividade ontológica coloca desafios ao realismo
metafísico). A posição de Putnan em “Realism and
Reason” constitui o ataque mais explícito para a inteligibilidade do realismo,
que apresenta alguns argumentos, próximos dos de Goodman e Quine.

5.2 Verdade e Método


A lógica ensina que Acaso, Lei e continuidade devem ser os
grandes elementos da explicação do universo. (NEM IV:376)

A lógica exige de nós, com referência a cada questão que


tenhamos em mãos, a esperança de que alguma resposta
definida para ela seja verdadeira. (MS140, NEM IV: xiii).

Para se analisar as relações entre verdade e método na filosofia


peirceana, inicialmente vale enfatizar que Peirce propõe uma definição para
ciência como "um modo de vida", baseando-se na sua própria experiência
como cientista e em seu conhecimento de história da ciência, assim:
A ciência deve significar para nós um modo
de vida cujo único princípio animador é encontrar a verdade, que persegue
este propósito por um método bem respeitado, fundado em profundo
conhecimento daqueles resultados científicos já estabelecidos por outros
dentro do que esteja disponível, e busca cooperação na esperança de que
137

a verdade seja encontrada, se não pelas atuais investigações, ainda que


finalmente por aqueles que vem depois deles e que farão uso de seus
resultados. Não faz diferença quão imperfeito possa ser o conhecimento de
um homem, quão sujeito a erro e preconceito, do momento em que ele se
engaja em uma investigação dentro do espírito descrito, aquilo que o ocupa
é ciência... (CP 7.54-55 de 1902)
Peirce estende esta definição para todas as ciências. Na perspectiva
peirceana, quando se fala em ciência de modo geral ou quando se fala de uma
ciência em particular, subentende-se uma comunidade de pesquisadores, num
determinado período de tempo, com uma unidade de propósito e de método,
que torna o resultado mais do que uma simples somatória de resultados
individuais. Neste contexto fica claro o sentido sócio-histórico da investigação,
que pode ser evidenciado na seguinte passagem:
[...] se tivermos que definir ciência, não no
sentido de abarrotar um arquivo [...] mas no sentido de caracterizá-la como
uma entidade histórica viva, devemos concebê-la como aquilo com o qual
homens como eu tem se declarado ocupados. (CP 1.44 de 1892)
Portanto, se um homem tem sede de aprender e compara suas idéias
com resultados experimentais a fim de corrigir suas idéias, esse homem será
reconhecido pelos cientistas como tal, não importando que seu conhecimento
seja pequeno. (CP 1.44 de 1892)
No modelo de investigação de Peirce, apresentado no seu texto a
“Fixação das Crenças”, a investigação é a luta pela estabilização da
crença. A investigação começa pela dúvida, mas não a dúvida de
Descartes, que é uma dúvida metodológica, e sim uma dúvida genuína e
específica, que gera um estado de desconforto. A partir desse estado de
dúvida desconfortável, o homem, seja ele cientista, investigador ou
mesmo no dia a dia, luta para obter uma nova crença, luta essa que
Peirce chama de investigação. “A investigação científica é crítica,
coletiva, falível e contínua" (Bernstein, 1990:196).

Não se pode estar certo de que uma


comunidade chegará a uma conclusão inalterável sobre uma dada questão,
e mesmo que chegue não se pode esperar unanimidade completa ou
consenso, para toda e qualquer questão, mas tudo que podemos esperar é
que tal conclusão possa ser substancialmente alcançada para algumas
questões particulares com que nos ocupamos em nossas investigações.
(CP 6.610 de 1891)
138

Portanto, no método da ciência, mais tarde chamado pragmático,


nossas crenças são determinadas por algo externo independente de nossas
fantasias, sendo que os resultados a que chegamos devem atender à realidade
e serem também submetidos à crítica dos outros. Mas como é que uma grande
variedade de observações e processos pode levar a uma conclusão que seja
aceita por todos aqueles que a compreendem? Para Peirce, quando diferentes
pesquisadores concordam com um resultado final, isto não seria simplesmente
um fato bruto, ao contrário, há convergência de opiniões, observações, idéias e
pontos de vista. A explicação para isto está contida na sua teoria da realidade,
como resultado final da investigação. A realidade não é somente alguma coisa
que tem correspondência com o mundo, mas é aquilo a que se chega no
acordo final da investigação (CP 1.420, 2.5661, 4.580, 5.453, 5.467, 5.528,
6.327)
Rorty (1990:7) considera suspeita a expressão “acordo final”, porque
tem dúvidas se tais termos possam trazer algo que clarifique as noções de
“verdade absoluta” e “realidade absoluta”, pois duvida que exista um projeto
único chamado investigação, que pudesse ser pensado como chegando a um
fim destinado.
A investigação para Peirce tem, portanto, uma estrutura lógica e seu
objetivo é o conhecimento do real. Por outro lado, a crença tende a se fixar
gradualmente por influência da investigação (CP 2.693 de 1877), ou seja, a
longo prazo, o processo de “inquiry” tende a convergir para o limite e
estabilização da crença. Portanto, na obra de Peirce, há uma concepção de
verdade, ligada ao estabelecimento ou fixação da crença no final da
investigação. Enfim, a questão do método está no coração da obra de Peirce, e
se ignorarmos este coração, sua obra não funciona.”(Santaella, 1993 b:20) .
A idéia de ciência como uma atividade na qual se engaja uma
comunidade de pesquisadores e a concepção de realidade, como opinião final
obtida no processo do “inquiry”, podem ser analisadas como recíprocas. Ou,
segundo Peirce:
Não há como escapar da admissão de que o
fim último da investigação - o essencial, não fim ulterior - o molde segundo
o qual tentamos formar nossas opiniões, não pode ser ele próprio da
natureza de uma opinião. Pudesse ele ser concebido, deveria ser como
uma imagem insistente, não se referindo a mais nada, e naquele sentido
concreto. (Peirce, CP 8.104 de 1900)
Para Peirce, os métodos são adotados para minimizar as surpresas e
reduzir o erro, conforme a seguinte passagem do texto "Reason's Conscience"
(apud Hookway, 1992:67):
139

O modo mais lógico de raciocínio é o


método que enquanto alcança alguma conclusão nos garante contra
surpresas, ou, se você preferir o método que enquanto nos traz tanto
quanto mínimo possível de surpresas, produz o máximo de expectativas...
(R 693 p.166)
Por que estudar lógica, pergunta Peirce? Em primeiro lugar ninguém
estudaria lógica a não se que se comprometesse com a razão e sem dúvida
esperaria “que o propósito do raciocínio seja a confirmação da verdade.” Em
segundo lugar, não só imaginamos que há tal coisa como a verdade, mas
também que ela possa ser encontrada e conhecida em alguma medida. Em
terceiro lugar pensamos que não só algum conhecimento pode ser atingido,
mas que ele pode ser atingido pelo raciocínio e em quarto lugar, acreditamos
que uma pessoa possa raciocinar mal, e portanto, ser iludida, não caminhando
em direção da verdade (CP 2.125-128 de 1902), porque certos modos de
raciocínio se recomendam ao serem satisfeitos persistentemente devem nos
conduzir à verdade (CP 1.608 de 1903).
Peirce caracteriza a lógica como a arte de desenvolver métodos de
pesquisa (CP 7.59 de 1882 ), métodos esses que levariam à verdade. A
investigação científica é justificada por ser auto-corretiva, o que a longo prazo
elimina os erros pois:
[...] a pesquisa de todos os tipos, levada
plenamente adiante, tem o poder vital de auto-correção e de crescimento.
Esta é uma característica que preenche tão profundamente sua natureza
íntima que se pode dizer que verdadeiramente não há senão uma coisa
necessária à verdade, e que é um desejo ativo e de coração para prender o
que seja a verdade. Se você realmente deseja aprender o que é verdade,
você será, em síntese, mesmo que o caminho se desvie,
surpreendentemente guiado para a estrada da verdade.(CP 5.582 de 1898)
A questão da auto-corretividade é um assunto bastante polêmico entre
os comentadores de Peirce. O argumento da auto-corretividade, sua relação
com a verdade como convergência e o crescimento do conhecimento são
trabalhados em Rescher (1978), Delaney (1993), Hausman (1993) aos quais
Misak (1991) se opõe. Lenz (1964:151-161) destaca as críticas de
Reichenbach ao uso por Peirce de seqüências aleatórias, para justificar a
natureza autocorretiva da indução no teorema de Bernoulli. Esta interpretação
é apoiada pela exposição do aumento da confiabilidade da indução, que se
torna um argumento inválido porque a justificativa da indução deve ser dada
antes do uso de considerações sobre probabilidade. Já para Gouldge, a
tendência autocorretiva se deve ao fato de que a indução é baseada em
140

amostras retiradas aleatoriamente e cada amostra está livre para trazer a


mesma freqüência relativa, e conseqüentemente a constituição objetiva daquilo
que está em estudo deve finalmente se revelar.
Conforme Ransdell (1999), os pesquisadores científicos relatam e
respondem uns aos outros de acordo com uma estrutura compartilhada de
expectativas críticas, e é sua aderência a padrões éticos que torna o processo
de investigação autocorretivo.
Foster em “"Scientific Inquiry as a Self-Correcting Process", argumenta
que a auto-corretividade do método da ciência não seria apenas uma questão
de fé, mas estaria na própria superioridade do método face aos outros na
fixação das crenças.
A lógica da investigação é vista como um ciclo
abdução/dedução/indução/nova abudção... Quando fatos surpreendentes que
são observados, ou diferenças entre as previsões e os resultados obrigam a
reformulação da hipótese original ou ao seu abandono ou a conseqüente
formulação de hipóteses inteiramente novas, então reinicia-se o ciclo como
nova abdução. Após provar a validade da abdução, dedução e indução, Peirce
mostra que conjuntamente elas constituem um método que é auto-corretivo. A
noção de auto-corretividade da ciência não pode ser tratado separamente do
conceito de indução.
Forster divide as críticas à auto-corretividade em dois grupos: no
primeiro estão aqueles autores que acham que Peirce falhou em encontrar um
critério que bem sucedido para a defesa do método científico e no segundo
grupo estariam aqueles comentadores que desafiam a adequação do critério de
Peirce. Segundo Rescher (1978:3), a tentativa peirceana de justificar a indução
através da auto-corretividade tem sido um dos pontos mais criticados de sua
filosofia. Este caráter auto-corretivo, que Peirce denomina de “propriedade
maravilhosa da Razão”, vai ser também reassegurado em 1898, numa
passagem da Conferência “The First Rule of Logic”:
Que a indução tende a se autocorigir é
suficientemente óbvio. [...] Ora, a operação de inferir uma lei numa
sucessão de números observados é, a grosso modo, indutiva; e entretanto
vemos que uma conduta apropriadamente indutiva procura corrigir suas
próprias premissas. (CP 5.576 ou RLT :167 de 1898)
È no famoso artigo “The Doctrine of Necessity Examined” (CP 6.50-65
de 1892), que Peirce desenvolve de maneira mais completa a defesa do
caráter autocorretivo da indução. A autocorreção da indução significa que, a
longo prazo, a indução eventualmente será bem sucedida, e as inferências
resultantes de processos de amostragem são tidas como provisórias e
141

experienciais. A indução é um modo de inferência tal que, se continuado deve


levar necessariamente à verdade, no final (CP 2.757 de 1905). A auto-
corretividade está relacionada a duas condições: aleatoriedade da amostra e
pré-designação de caracteres. Estas duas regras indutivas geram a base lógica
para a validade da indução, mas têm sido freqüentemente violadas (CP 1.95 de
1896):
A verdade é que a
indução é o raciocínio a partir de uma amostra Um argumento oriundo
obtida aleatoriamente de todo um lote a ser de uma amostra
amostrado. Uma amostra é aleatória desde que aleatória é um método
seja obtida mecanicamente, artificialmente ou de determinar que
psicologicamente, de tal forma que a longo prazo proporção dos membros
qualquer indivíduo do lote total tenha a mesma de uma classe finita
chance de ser escolhido que qualquer outro. possui uma qualidade
Entretanto, julgar a composição estatística do pré-designada, ou
todo a partir da amostra é julgar através de um virtual-mente pré-
método que será correto na média com o correr designada, pela seleção
do tempo e pelo raciocínio da doutrina do acaso de casos dessa classe
será correto mais freqüentemente do que estará de acordo com um
longe de sê-lo. Sem dúvida, o que o justifica a método que, a longo
indução é uma proposição e se a amostra não prazo, apresen-tará um
pode ser aleatória, tudo o que se pede é que a caso com a mesma
aleatoriedade seja aproximada. (CP 1.93-94 de freqüência de qualquer
1896) um outro, e concluindo
que a razão encontrada
Para Skagestad (1981:199), há cinco pontos para essa amostra
que favorecem a concepção de auto-corretividade: permanecerá a mesma a
a autonomia da pesquisa pura, porque a ciência longo prazo. CP 2.270
é extremamente radical nos levando a questionar de 1905
teorias ou doutrinas já aceitas, para submetê-las
ao teste da experiência. Neste contexto, é
fundamental a concepção peirceana de verdade,
como o acordo de opiniões, a longo prazo;
a falibilidade da ciência a curto prazo. Peirce se opunha às idéias
positivistas, ao mesmo tempo, que reforça a idéia de que a validade da
indução se apóia no cálculo das probabilidades, o que justifica nossa
crença na auto-corretividade da indução, também Peirce mostra que não
podemos confiar nos resultados das conclusões indutivas;
a legitimidade da explicação estatística, que se baseia na aleatoriedade da
amostra e pré-designação de caracteres;
142

a rejeição à teoria das probabilidades de Laplace, que Peirce acaba


reduzindo ao absurdo.
o antropocentrismo da ciência: este é um ponto importante e está ligado à
questão do instinto e à tendência natural do homem para formular
hipóteses corretas.
Mas qual seria o critério de verdade em Peirce? Aparentemente seria o
próprio método cientifico, porque corretamente aplicado ele funciona. A
verdade só pode ser alcançada, a longo prazo, pelo consistente do uso do
método cientifico e por uma comunidade cientifica, porque há uma realidade
externa trabalhando como uma força fora da pesquisa cientifica, e a prova está
no trecho a seguir:
Certo escritor sugeriu que a realidade, o fato
de que há tal coisa como uma resposta verdadeira à questão, consiste em
isto: as indagações humanas, -- o raciocínio e a observação humana, --
tendem para acertar disputas e para acordos finais em conclusões definidas
que são independentes do ponto de vista particular a partir do qual podem
ter se originado as diferentes pesquisas; assim, o real é aquilo em que
qualquer homem acreditaria, e estaria pronto a agir por, se suas
investigações forem bastante incentivadas (CP 8.41 de 1885)
É importante notar que não é uma simples idéia ou um simples e único
procedimento referente à abdução ou à dedução ou à indução que pode
alcançar a correspondência de uma idéia com a realidade. Somente o processo
cognitivo completo, com a utilização do método correto de transformar signos, é
que torna a verdade nada mais nem menos do que o resultado último para o
qual o método nos levaria se fosse seguido. Mas mesmo supondo que alguma
falácia possa ter se alojado, devemos admitir que o único método de se
alcançar a verdade seja repetindo essa tríade de operações: conjectura
(abdução), dedução de predições a partir da conjectura e teste das predições
por experimentação (indução).(CP 7.762. de 1903)
A investigação para Peirce é composta de três estágios: abdução,
dedução e indução de tal modo que não pode ser reduzida a nenhum de seus
componentes, nem ao método hipotético-dedutivo. O método científico seria
então auto-corretivo por ser um produto da mente humana que é auto-corretiva.
Assim, o método científico é por si mesmo o critério de verdade, entretanto
somente a longo prazo, será possível dizer se a proposição é verdadeira.
143

Marostica, (1989:20-23) analisa o desen- Da revisão da teoria da


volvimento do método científico na obra de Peirce, realidade e da teoria da
investigação, resultaram
dividindo-o em três fases. A primeira data de 1868 os ensaios da “Illustrations
(nos textos anti-cartesianos) quando Peirce of Logic of Science”,
começa a associar os três tipos de raciocínio composta de seis artigos
dedução, indução e hipótese ao método científico. publicados originalmente
O próprio exemplo dos feijões (CP 5.275 de 1868) na “Popular Science
poderia ser visto como a utilização do método Montly”, a saber:
1. “The Fixation of Belief” -
científico no dia-a dia, ou em (CP 2.623 de 1878),
1877 (CP 5.358-87),
no qual Peirce antecipa o papel preditivo que a 2. “How to Make our Ideas
dedução vai representar. Clear” - 1878 (CP
A segunda fase corresponderia ao período 5.388-410),
que vai de 1871 a 1878. O método científico é 3. “The Doctrine of
apresentado como o esforço para acalmar a Chances ”- 1878 (CP
dúvida. Nos textos da “Ilustração da lógica da 2.645-60),
4. “The Probability of
ciência”, verdade é relacionada com método e Induction ” - 1878 (CP
probabilidade com indução. O processo de inves- 2.669-93),
tigação pode ser sempre recomeçado e a atividade 5. “The Order of Nature ” -
científica não deve ser própria de um único 1878 (CP 6.395-427) e
indivíduo. 6. “Deduction, Induction,
O terceiro período corresponderia ao and Hypothesis ” - 1878
(CP 2.619-44).
desenvolvimento da lógica como método dos
métodos, ao qual se refere a citação a seguir:
Os espe-
cialistas científicos [...] estão fazendo um
trabalho importante e útil; cada um muito pouco, mais no total bastante
vasto. Mas, os mais elevados espaços da ciência nos anos vindouros, são
para aqueles que triunfam, adaptando os métodos de uma ciência à
investigação de outra. Nisto consistiu o maior progresso da geração
passada. Darwin adaptou à biologia os métodos de Malthus e dos
economistas; Maxwell adaptou à teoria dos gases os métodos da doutrina
de probabilidades, e à eletricidade os métodos de hidrodinâmica. Wundt
adapta à psicologia os métodos da fisiologia; Galton adapta ao mesmo
estudo os métodos da teoria dos erros; Morgan adapta à história um
método da biologia; Cournot adaptou à economia política o cálculo de
variantes. Os filólogos adaptaram à sua ciência os métodos dos
decifradores de mensagens. Os astrônomos aprenderam os métodos de
química; o calor irradiante é investigado com uma corneta acústica.(CP
6.87 fn2p66 de 1898)
144

A ciência é concebida como o melhor modo de se conhecer o mundo


externo e a indução por si mesma, sendo ampliativa, tem no processo de
investigação um papel crucial, que é o de fornecer o valor aproximado de uma
razão. E esta não era uma opinião a que Peirce chegou na maturidade, porque
já em 1873, ele dizia:
Chegou a seu destino, e essa permanência,
essa realidade fixa, à quaI cada pensamento se empenha em representar e
imaginar, temos colocado neste ponto objetivo, na direção do qual flui a
corrente do pensamento. (CP 7.337 de 1873)
No entanto, de 1980 em diante, Peirce começa a insistir em que a
verdade seria o que a comunidade científica alcançaria se continuasse a
investigação indefinidamente, introduzindo os would-be´s.
É evidente que o pragmatismo envolve o
realismo escolástico, uma vez que faz com que todo conteúdo intelectual, e,
portanto, o significado da própria realidade consistam naquilo que seria
(would’be), sob condições concebíveis, que, em grande parte, jamais
podem ser concretizadas. Envolve, portanto, tornar o ser real, incluindo
existência... (MS 845:29-30 de 1905)
Santaella, em "Metodologia Semiótica" aponta quatro níveis dos quais
depende a compreensão da concepção que Peirce tinha de método. O primeiro
nível, cronologicamente mais antigo, está nos artigos anti-cartesianos, o
segundo nível está na lógica crítica, ou estudo dos tipos de argumento, o
terceiro nível lida especificamente com a questão da metodologia e o quarto
nível é o pragmatismo, como ponto de convergência e união das idéias de
método.
Mas, acima de tudo, é a profundidade da
pesquisa dos pesquisadores que os une com os homens de ciência e os
separa, ao redor do mundo, dos modernos assim - chamados filósofos. A
profundidade, à qual eu aludo, consiste nisto, que adotando qualquer teoria,
eles saem por toda parte, devotam todas suas energias e vidas colocando-
a a prova bona fide - não aquela que meramente acrescentaria um novo
brilho ao cintilar de suas provas, mas tal que realmente seja em prol de
satisfazer o incansável impulso insaciável de colocar suas opiniões a prova.
Tendo uma teoria, eles têm de aplicá-la a qualquer matéria e a cada ramo
de cada matéria para ver se produz um resultado em concordância com os
únicos critérios que foram capazes de aplicar - a verdade da fé Católica e
os ensinamentos do Príncipe dos Filósofos‟. (CP 1.33 de 1869)
Esse parágrafo enfatiza que de acordo com Peirce, as pessoas buscam
a ciência movidas por um interesse em conseguir um conhecimento verdadeiro
145

das coisas. É a verdade que as atrai como um dos aspectos do summum


bonum. E a atração da verdade sobre a comunidade cientifica é um dos
aspectos do agapismo que tudo atrai no processo evolucionário, porque um
cientista precisa ser particularmente sincero consigo mesmo, do contrário seu
amor pela verdade se esvanecerá subitamente. (CP 1.49 de 1896).
Assim, supondo que a verdade seja algo que o pensamento possa
alcançar, então sendo o pensamento da natureza do signo, então se pudermos
descobrir um método certo de pensar – o método certo de transformar signos -
então a verdade não pode ser nada mais nada menos do que o resultado
último para onde seríamos levados, seguindo este método. (CP 5.553 de 1902)
[...] a verdade é a conformidade de seu
representamen com seu objeto, seu objeto [...] deve haver uma ação do
objeto sobre o signo que cause uma verdade posterior. Sem isso o objeto
não é objeto do representamem‟. [...] Assim, então, um signo, no sentido de
cumprir sua tarefa. De atualizar sua potência, deve ser compelido por seu
objeto. Esta é evidentemente a razão da dicotomia da verdade e da
falsidade. (CP 5.554 de 1902)
Por outro lado, a decisão sobre a verdade ou falsidade de alguma
crença só é possível através do conhecimento, e esta decisão não é imediata.
Investigar é interrogar e tentar obter respostas, é tornar uma crença cada vez
mais determinada. Os "seguidores da ciência" podem esperar que os
processos de investigação levarão, a longo prazo, a uma solução correta,
mesmo que de início os resultados sejam diferentes.
Mas na medida em que cada um aperfeiçoa
o seu método e seus processos, verificar-se-á que os resultados caminham
conjunta e continuamente para um centro comum. (CP 5.377 de 1877).
Peirce enfatiza o caráter provisório das [...] a respeito de
verdades científicas: verdades vitalmente
Nada é vital para a importantes há só uma
ciência, nada pode ser. Suas proposições aceitas, na qual eu verda-
entretanto, não são mais do que opiniões, e toda a deiramente acredito
lista é provisória. O homem científico não está [...] é que fatos
minimamente atado às suas conclusões. Ele não vitalmente importantes
arrisca nada por elas. Ele está pronto a abandoná- são de todas as
las tão logo a experiência a elas se oponha [...] não verdades as maiores
há, portanto, nenhuma proposição em ciência que ninharias”. (CP 1.673
responda à concepção de crença. Mas em de 1898)
questões vitais é bastante diferente. (CP 1.635-36
de 1898)
146

Em “Definitions of Truth” (CP 5.565-573 de 1901), Peirce apresenta


várias definições de verdade, distinguindo verdade científica de verdade
matemática. O matemático puro lida exclusivamente com hipóteses, se há ou
não qualquer coisa real correspondente, não é com o que devemos nos
preocupar, porque suas hipóteses são criadas pela imaginação. Por outro lado,
a verdade lógica é uma característica que se liga a uma proposição abstrata, tal
como uma pessoa pode enunciar, depende essencialmente de que as
proposições não sejam professadas sendo exatamente verdadeiras (CP 5.565
de 1901). As verdades da Matemática são meramente verdades sobre idéias,
mas questões de lógica são questões de fato. (NEM IV: xv). Mas se há ou não
qualquer realidade, e mesmo que os metafísicos decidam que não há, a
verdade é:
[...] esta concordância de uma afirmação
abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim
tenderia a levar a crença científica, com a concordância que a afirmação
abstrata possua pela virtude da confissão de sua unilateralidade e
imprecisão. E esta confissão é um ingrediente essencial da verdade. Uma
explicação posterior do que consista esta concordância será dada abaixo.
Realidade é este modo de ser pela virtude do qual a coisa real é o que é,
independentemente do que qualquer mente ou qualquer coleção definida
de mentes possa representá-la como sendo. (CP 5.565 de 1901)
Peirce classifica a definição acima como verdade científica, mas
considera que a mesma definição, mas “a verdade perfeita não pode ser
declarada, exceto no sentido de confessar sua imperfeição” (CP 5.567 de
1901). Por outro lado, as características da definição acima também se aplicam
à Matemática Pura (o matemático puro lida exclusivamente com hipóteses e se
há ou não qualquer coisa real correspondente, não deve ser nossa
preocupação). Mas se houver ou não qualquer realidade, a verdade da
proposição puramente matemática é constituída pela impossibilidade de
encontrar um caso no qual ela falhe, o que é possível se confessarmos a
impossibilidade de defini-la precisamente. (CP 5.567 de 1901).
Peirce também argumenta que a verdade lógica é uma frase usada em
três sentidos. O primeiro se refere à harmonia de um pensamento consigo
mesmo, fazendo da verdade lógica um sinônimo de possibilidade lógica. O
segundo trata da conformidade de um pensamento às leis da lógica, em
particular em um conceito, consistência; em uma inferência, validade, e em
uma proposição, agregação com afirmações. O terceiro trata mais
propriamente de uma proposição em relação com a realidade, mesmo que ela
147

não afirme nada a respeito da realidade. A verdade lógica, de um lado se opõe


à verdade metafísica e, de outro, à verdade ética. (CP 2.541 de 1901)
Mas qual é a natureza da verdade? Nos textos de lógica de 1873, Peirce
começa indagando como é que uma variedade de observações e processos de
pensamento pode levar a uma conclusão consensual que seja aceita pelos
investigadores? (CP 7.331-336). A resposta estaria na relação verda-
de/realidade:
Mas a opinião humana tende univer-
salmente, a longo prazo, para uma forma definida, que é a verdade. Que
um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o suficiente
sobre uma questão qualquer, e o resultado será que ele chegará a uma
certa conclusão definida, que é a mesma a que chegará qualquer outra
mente nas mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. [...] Existe,
portanto, para toda questão, uma resposta verdadeira, uma conclusão final,
para a qual a opinião de todo homem constantemente tende. (CP 8.12 de
1871)
Na resenha da obra editada por Fraser “The works of George Berkeley"
(CP 8.7-31 de 1871), Peirce apresenta sua concepção de verdade a partir da
definição de real. Também enfatiza que, apesar dos erros, há possibilidade de
que, a longo prazo, se chegue à verdade. Segundo ele, dizer que os objetos
reais são externos à mente e agem sobre a mente é significante e verdadeiro,
porque uma análise pragmática mostra que, a longo prazo as opiniões tendem
para um acordo sobre a realidade de tais objetos. Para Peirce, o erro ou a
vontade arbitrária podem adiar este acordo geral, mas a opinião final é
independente de tudo que é arbitrário e individual no pensamento.
A idéia mesma de verdade é que ela
independe completamente do que você ou eu possamos pensar que ela
seja”.(CP 2.55 de 1902 )
O realismo de Peirce vê o real como um objeto da opinião verdadeira. A
verdade não é uma questão individual. A verdade tem um sentido coletivo e o
indivíduo poderá até perdê-la de vista, mas mesmo assim “permanece o fato de
que há uma opinião definida para a qual tende a mente do homem no conjunto
e a longo prazo” (CP 8.12 de 1871).
Portanto, esta opinião final é independente
não, de fato, do pensamento em geral, mas de tudo o que seja arbitrário e
individual no pensamento; é totalmente independente daquilo que o leitor
ou eu ou qualquer número de pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que
se pensar existir na opinião final é real, e nada além disso. (CP 8.12 de
1871)
148

Esta teoria da realidade é “instantaneamente fatal à idéia de uma coisa


em si mesma – uma coisa que exista independentemente de toda relação com
a concepção que dela tem a mente”. Ela nega que haja uma realidade
absolutamente incognoscível e esta concepção do real é inevitavelmente
realística, “porque concepções gerais entram em todos os juízos e, portanto,
em todas as opiniões verdadeiras” e, uma coisa no geral é tão real quanto no
concreto (CP 8.13 de 1871). Assim, a generalidade dos termos nunca pode ser
exaurida pela própria enumeração dos particulares e a vagueza, ou seja,a
capacidade indefinida para futuras interpretações, é essencial para a
significação.
Para Peirce, não é simplesmente um fato bruto quando diversos
pesquisadores concordam com um resultado comum. Deve-se considerar
também a insistência e o poder da realidade em constranger nossas idéias, ou
opiniões, ou representações. Esta é a essência da teoria da realidade na base
teoria da verdade, a realidade é independente do que é pensado ou
representado, a idéia de realidade essencialmente relativa ao pensamento, e a
idéia de realidade como resultado último da investigação e, finalmente, a
investigação deve ser governada pelas leis do raciocínio sintético. (CP 8.12 de
1871 ou CP 5.407-8) ou “a consciência escrupulosa do que significa a verdade,
para mim, é a raiz de nossa liberdade para o conhecimento“. (CP 1.331 s.d.)
Peirce insiste que a verdade é o objetivo final da investigação científica,
nós esperamos que o erro diminua com o progresso da ciência (CP 5.565 de
1901), mas apesar desse progresso não há verdades nem certezas absolutas.
A investigação se apropriadamente conduzida alcançará algum limite fixo ou
definido ou aproximado indefinidamente em relação àquele limite. (CP 1.485 de
1896)
Então, a pesquisa de todos os tipos, levada
plenamente adiante, tem o poder vital de auto-correção e de crescimento.
Esta é uma propriedade que satura tão profundamente sua natureza intima
que pode-se dizer verdadeiramente que não há senão uma coisa
necessária para guiar a verdade, e que é um desejo ativo e de coração
para aprender o que seja a verdade. Se você realmente deseja aprender o
que é a verdade, como quer que o caminho se desvie, você será em
síntese, surpreendentemente guiado para a estrada da verdade. Não
importa quão errôneas suas idéias de método possam estar no começo,
você será durante a jornada a corrigi-las até o ponto que sua atividade seja
movida por este desejo sincero. (CP 5.582 de 1989)
No contexto da teoria da investigação, principalmente com respeito ao
método científico e à primeira formulação do pragmatismo, como um método de
149

verificação de nossas concepções gerais, Peirce argumenta que há um objeto


externo que insiste de forma regular e uniforme sobre nossas cognições, há
uma realidade que pode ser encontrada e é independente do pensamento
individual, de tal forma que todos aqueles que investigam, independentemente
de suas áreas de atuação, compartilham a esperança de atingir a verdade,
relativa ao consenso de opiniões.
A busca de Peirce de um método para fixação das crenças, que
fundamentasse a investigação científica conduziu-o à elaboração de uma teoria
da verdade e da significação, ao mesmo tempo em que examinava as questões
relativas à inferência sintética.
Do fato que sabemos que “todo conhecimento provém da inferência
sintética, devemos inferir igualmente que toda certeza humana consiste
meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso conhecimento
tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a conclusões
verdadeiras”. Embora uma inferência sintética “não possa ser de maneira
alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a apóia a
longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é somente
objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação suficiente”.
Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é, realmente, “um
dos fatos dos quais parte a lógica" (Peirce CP 2.692-93 de 1878).
Segundo Peirce, a investigação começa a partir de um estado de dúvida
incomodo, que bloqueia o fluxo de ações habituais, e no qual não se consegue
escolher entre cursos de ação alternativos. Esta dúvida, da qual a investigação
parte, é uma dúvida real, genuína, e não simplesmente uma dúvida
metodológica, um "faz-de-conta". Assim, a investigação científica constitui um
esforço para colocar fim à dúvida e voltar a um estado de crença e a verdade
seria, então, um estado de crença inatacável pela dúvida.
Para Peirce, somente o método científico pode nos levar à verdade, a
longo prazo, num longo percurso, que constitui o processo dinâmico da
investigação. Este processo está sujeito ao erro, ao acaso, mas também é
passível de auto-correção:
[...] o todo da pesquisa Lógica se relaciona
com a verdade; ora, a idéia mesma de verdade é que ela independe
completamente do que você ou eu possamos pensar que ela seja. Como
pensamos, entretanto, é extremamente irrelevante para a investigação
lógica (CP 2.55 de 1902)
150

5.3 Verdade e Pragmatismo


Peirce sempre desejou livrar a filosofia da
Supondo que uma tal
tautologia da metafísica para trazê-la o mais próximo coisa seja verdade,
para os métodos das ciências da natureza (CP 5.423 ou que tipo de prova
CP 5.2 de 1901) e foi seu interesse em encontrar uma devo demandar para
máxima que fornecesse clareza de apreensão, que o satisfazer-me de sua
levou a formular o pragmatismo, tendo sempre verdade? (CP 2.112)
enfatizado que o pragmatismo é um método de reflexão
cujo único propósito é dar clareza às idéias.
Embora a primeira publicação da máxima do pragmatismo date de 1878,
Peirce só retomou a ela quase vinte anos depois. Em 1898, William James, ao
proferir uma palestra na Universidade da Califórnia, introduziu o termo
pragmatismo, reconhecendo ter sido Peirce o autor do termo ao apresentá-lo
para os membros do Clube Metafísico.
No entanto, a máxima do pragmatismo foi muito mal entendida, dando
margem a interpretações utilitaristas (ação pela ação) e hedonistas, sendo
William James um dos responsáveis por estes mal-entendidos (CP 5.429 de
1904), a tal ponto que Peirce rebatizou o pragmatismo de pragmaticismo, “para
estar a salvo de seus raptores” (CP 5.414 de 1904).
O pragmatismo concebido por Peirce é mais limitado do que o de James
ou de Schiller (CP 8.258), pois embora a ação seja importante na filosofia de
Peirce, ela tem papel intermediário, porque no pragmatismo o summum bonum
não consiste na ação, mas em um processo de desenvolvimento.
Segundo Houser (1998:xxii) para muitos comentadores teria sido a
palestra de W. James de 1898, a razão da volta de interesse de Peirce com
respeito ao pragmatismo, mas parece provável que este retorno tenha a ver
com o tratamento que Peirce estava dando, nesta época, à inferência em sua
teoria da percepção.
O pragmatismo foi construído arquitetonicamente e, na sua construção,
as propriedades de todos conceitos indecomponíveis foram examinadas, tanto
quanto os modos nos quais elas poderiam ser compostas, assim tendo
apresentado o propósito da doutrina, foi através de sua análise que sua
verdade foi provada (CP 5.5). Mas não se pode negar que foi a crescente
popularidade do pragmatismo que levou Peirce a produzir a “prova”, istodé, a
mostrar que o pragmaticismo é “provável, não é só uma máxima” (CP 5.415 de
1904) e seria esta “prova” que iria distinguir sua versão de pragmatismo das
outras versões:
O Professor James define o pragmatismo
151

como a doutrina de que todo “significado” de uma concepção se expressa


quer na forma de conduta a ser recomendável, que na de experiências a
serem esperadas. Meu entendimento do pragmatismo difere levemente
disso na prática e mais talvez na teoria. Não entendo o pragmatismo como
um método para determinar os significados de todos os tipos de conceitos,
mas apenas dos “conceitos intelectuais” ou aqueles sobre os quais o
raciocínio se desenvolve [...] O pragmatismo vê um conceito como um signo
mental, ou meio entre o objeto ao qual ele está moldado e o “significado” ou
efeito que o objeto está capacitado, pelo conceito, a produzir; e em todas as
investigações sobre signos nada é de importância mais viva do que manter
uma clara e firme distinção entre o objeto, ou a causa professada do signo,
e o significado, ou seu efeito intencionado. Ora, as experiências parecem a
mim serem muito mais o objeto de uma concepção do que seu significado,
pois elas são muito externas à mente para serem significados, e quanto às
expectativas das experiências, se elas não podem ter concebivelmente
nenhum efeito sobre a conduta, o conceito delas não pode ser do tipo
intelectual. Além disso, uma experiência é um evento singular, assim como
o é o ato mental de esperar por ela. Pois bem, nenhum agregado de
objetos singulares pode constituir o significado de um conceito geral. Esta
objeção não se aplica aos efeitos de um conceito sobre a conduta, uma vez
que esses efeitos são da natureza de um hábito, e um hábito é um princípio
gera. Estas são duas entre muitas considerações que me levaram a definir
o pragmatismo como a doutrina de que o significado de um conceito
intelectual consiste exclusivamente nos seus efeitos concebíveis sobre a
conduta. (MS 320 de 1907)
Segundo Peirce, o que distingue seu pragmatismo dos outros é:
sua “retenção de uma filosofia” purificada;
sua total aceitação do corpo principal de nossas crenças instintivas;
sua vigorosa insistência sobre a verdade do realismo escolástico. (CP
5.423 de 1905)
Hookway, em “Peirce´s Strategies for Proving Pragmatism”, argumenta
que Peirce enfatizou ser sua versão diferente das rivais porque poderia ser
provada. Em 1898, teria ocorrido sua primeira tentativa, mas a busca desta
prova se tornaria central em seu trabalho após 1900.
Na evolução do pensamento peirceano, foi só a partir de 1905, que o
inter-relacionamento das ciências normativas fica esclarecido. É a partir desta
época, também, que Peirce começa a utilizar os condicionais would be´s em
suas novas versões da máxima pragmática, o que torna o pragmatismo
consistiria o método correto de transformar signos, com o objetivo de atingir o
resultado último, a verdade.
Em 1905, Peirce afirma que “está na hora certa de explicar o que é
pragmatismo. O pragmatismo é “meramente um método de afirmar significados
152

de palavras difíceis e de conceitos abstratos”, não sendo nenhuma doutrina


metafísica e nenhum esforço para determinar qualquer verdade das coisas (CP
5.464 de 1905). Peirce enfatiza que o pragmatismo é um “método de afirmar a
significação”, mas não de todas as idéias, só de “conceitos intelectuais”, isto é,
os únicos signos veiculados que carregam alguma implicação “concernente ao
comportamento geral quer de algum ser consciente, quer de algum objeto
inanimado”.
Mas o pragmatismo afirma que a “significação total de uma predicação
de um conceito intelectual está contida na afirmação que, sob todas as
circunstâncias concebíveis de um dado tipo, o sujeito da predicação se
comportaria de um certo modo geral, isto é, seria verdade sob certas
circunstâncias experimentais” (CP 5.468 de 1905). Peirce enfatiza que “o
problema do que seja o significado de um conceito intelectual só pode ser
resolvido através do estudo dos interpretantes ou propriamente dos efeitos dos
significados dos signos” (CP 5.47 de 1905).
O pragmatismo se torna um ponto de união de vários aspectos que
estavam parcialmente desconectados na filosofia peirceana, entre os quais a
teoria dos signos, a teoria da investigação e o próprio pragmatismo. Assim, é
no contexto de pragmatismo, que Peirce vai rever sua teoria da crença,
centralizada na concepção de hábito e vai retomar a teoria dos signos com
ênfase especial para os interpretantes. Também, devem ser lembrados os
trabalhos que Peirce desenvolveu entre 1901 e 1903, entre eles a proposta
desenvolvida para Carnegie Institution, na qual Peirce solicitava fundos para
seus projetos de lógica, Minute Logic, que mostraria suas principais
descobertas em continuidade e modalidade.
Por outro lado, o desenvolvimento de uma nova teoria da percepção
com fundamento na fenomenologia e a constatação do inter-relacionamento
das ciências normativas vão levar Peirce a reformular o pragmatismo como
uma doutrina em que as concepções não são relativas à ação, mas ao objetivo
último, o summum bonum.
Assim, o fim último da ação deliberadamente adotada, ou seja
razoavelmente adotada, “deve ser um ideal admirável”. A admirabilidade,
portanto "é um estado de coisas que razoavelmente se recomenda a si mesmo
em si mesmo, a parte de qualquer consideração ulterior” (CP 5.130 de 1903).
Este summum bonum é “a essência da Razão”, cuja existência nunca alcança
completude total e está sempre em um estado de insipiência, de crescimento. A
própria criação do universo que está em processo é o “próprio desenvolvimento
da razão” (CP 1.615 de 1903).
153

Em 1902, Peirce reconhece que sua apresentação da máxima


pragmática de 1878 havia sido “crua”, pois só então, ao entender o inter-
relacionamento das ciências normativas, é que obteve a prova de que a lógica
deve estar fundada na ética, da qual ela é um desenvolvimento mais elevado e
que a ética, do mesmo modo, está fundada sobre a estética (CP 8.255 de
1902).
Na primeira versão da máxima pragmática, Peirce havia identificado o
significado dos conceitos intelectuais com efeitos acessíveis aos sentidos e
como ação e reação. Portanto, havia deixado de ver que ação e reação só
podem ser entendidas em termos de propósito e que propósito é
essencialmente pensamento, isto é, a Terceiridade, que por sua vez é a
categoria do pensamento. No entanto, a Terceiridade é um ingrediente
essencial da realidade, mas não constitui a realidade por si mesma, uma vez
que essa categoria não pode ter um ser concreto sem a ação como um objeto
separado sobre o qual opera seu controle, assim como a ação não pode existir
sem o ser imediato do pensamento sobre o qual atua (CP 5.436 de 1904), pois
sendo as Ciências Normativas em geral, as ciências das leis de conformidade
das coisas com seus fins, “é exatamente neste ponto que começamos a entrar
no caminho que nos leva ao segredo do pragmatismo” (CP 5.129-130 de 1903).
Pois se o significado de um símbolo consiste
em como, poderia levar-nos a agir, é evidente que este como não pode
referir-se à descrição dos movimentos mecânicos que o símbolo poderia
causar, mas deve ser entendido como referente a uma descrição da ação
como tendo este ou aquele objetivo. A fim de compreender o pragmatismo,
portanto, o bastante para submetê-lo a uma crítica inteligente, cabe-nos
indagar o que pode ser um fim último, capaz de ser perseguido no curso
indefinidamente prolongado de uma ação. (CP 5.135 de 1903)
Em 1903, Peirce acrescenta uma nota à máxima do pragmatismo de
1878, dizendo que, antes de empreender a aplicação dessa regra, deveríamos
refletir sobre o que ela implica, porque embora tenha sido qualificada como
“princípio cético e materialista”, ela é somente “aplicação do único princípio
recomendado por Jesus: Vós podereis conhecê-los por suas obras”. Segundo
Peirce, deveríamos evitar entendê-la num sentido muito individualista, porque
“quando chegarmos a estudar o grande princípio da continuidade, veremos
“como tudo é fluído e todos os pontos compartilham diretamente do ser de
todos os outros” e assim veremos que a “experiência de um homem não é
nada, se permanecer sozinha”.
A grande crítica que Peirce sempre fez aos “raptores de seu filhote” foi
que a verdadeira natureza do pragmatismo não pode ser entendida sem as
154

categorias fenomenológicas (CP 8.256 de 1902), reforçando que “afinal de


contas, o pragmatismo não resolve nenhum problema real”. Ele apenas mostra
que “problemas supostos não são problemas reais”. O efeito do pragmatismo
aqui “é o de abrir nossa mente para receber qualquer evidência, não para
fornecer evidência” (CP 8.259 de 1902). Para se compreender o pragmatismo é
necessário ser realista, “o princípio do pragmaticismo é a doutrina escolástica
do realismo” (CP 5.453 de 1905).
Pois, se o leitor voltar à máxima original do
Pragmatismo [...] verá que a questão não é o que aconteceu, mas se teria
acontecido de modo a se engajar bem em qualquer linha de conduta cuja
fonte do sucesso dependesse de se o diamante resistirá a um esforço em
riscá-lo, ou se todos os outros significados lógicos determinantes de como
ele deveria ser classificado guiariam à conclusão que, para citar muitas
palavras deste artigo, seria “a crença que sozinha seria o resultado da
investigação levada suficientemente longe”. O Pragmatismo faz o conteúdo
intelectual ultimo do que você deseja consistir nas resoluções condicionais
concebidas, ou em sua substância; e portanto, as proposições condicionais,
com seus antecedentes hipotéticos, nos quais tais resoluções consistem,
sendo da natureza ultimado significado, devem ser capazes de serem
verdadeiros; isto é, de expressar o que quer que haja naquilo que a
proposição expresse, independentemente de assim ser pensado em
qualquer julgamento, ou ser representado, assim em qualquer outro
símbolo de qualquer homem. Mas isto resulta em dizer que possibilidade
algumas vezes é do tipo real. (CP 5. 453 de 1905).
Portanto, o pragmatismo faz referência à realidade de algumas
possibilidades, mas segundo Peirce, para entender completamente esta
questão será necessário analisar a modalidade e dizer no que ela consiste. No
caso mais simples, se uma pessoa não sabe que uma proposição é falsa, ela a
chama de possibilidade. Se, entretanto, ela sabe que é verdade, então
restringindo a palavra a suas características aplicáveis, um estado de coisas
tem a modalidade do possível (isto é do meramente possível) somente caso o
estado contraditório das coisas seja igualmente possível, provando que a
possibilidade é a modalidade vaga.
Mas há outro tipo de modalidade subjetiva que é o signo, que é
assumido como sendo verdade, mas que não inclui o conhecimento total mais
completo (CP 5.455 de 1905). Para o pragmatista, ao dizer que um objeto tem
um caráter, ele é obrigado a subscrever a doutrina da modalidade real,
incluindo a necessidade real e a possibilidade real (CP 5.457 de 1905), “o
momento seguinte da argumentação a favor do pragmatismo é o ponto de vista
155

segundo o qual todo pensamento é um signo [...] enquanto tal, todo realista
deve admitir que um geral é um termo e por isso um signo”. .
O pragmatismo é um passo no procedimento geral do sinequismo,
porque a correta formulação das hipóteses pressupõe um correto entendimento
dos conceitos assim empregados, mas, tanto o pragmatismo como o
sinequismo são construídos a partir do realismo, porque tudo repousa sobre a
pressuposição de que há reais gerais (CP 5.503 de 1905). Vale observar que
assumir uma atitude satisfatória em relação ao elemento da Terceiridade é o
que mais tarde viria a ser o critério pragmático (CP 5.206 de 1903). O
pragmatismo, portanto, reforça o caráter geral do realismo, através dos would-
be’s porque “o pragmatismo consiste em esperar que o conteúdo de qualquer
conceito seja sua influência concebível sobre nossa conduta” (CP 5.460 de
1905), ou seja a realidade dos gerais é a realidade dos would-be’s.
Há varias formulações do pragmatismo, listaremos somente algumas
delas, considerando o grau de clareza e importância das elaborações.
O primeiro excerto aparece na forma de um verbete de dicionário, com a
intenção de definição de "pragmaticismo". Pragmaticismo. A opinião de
que a metafísica será amplamente esclarecida pela aplicação da máxima
seguinte para se conseguir a clareza da apreensão: "Considere que
efeitos, que possam ser concebivelmente de sentido prático, que
concebemos que o objeto de nossa concepção tem. Assim, nossa
concepção destes efeitos é a totalidade de nossa concepção do objeto."
(Peirce, CP 5.2, 1878)11
A segunda formulação é a seguinte, apresenta outra versão da "máxima
pragmática", uma recomendação sobre a maneira de se esclarecer o

11 Vale ser comparada com aquela que está contida na nota de rodapé do texto “Como Tornar
Nossas Idéias Claras”, e que foi acrescentada em 1903. Para Ransdell, trata-se de uma
reflexão tardia sobre a recepção do pragmaticismo, e traz um sentido de exasperação que é
quase palpável. Este comentário tenta justificar a máxima do pragmaticismo e de reconstruir
sua má interpretação, apontando uma quantidade de falsas impressões que os anos
intermédios acrescentam sobre ele, e mais uma vez tencionando corrigir os efeitos deletérios
desses erros.Peirce lembra a verdadeira concepção e nascimento do pragmaticismo, revendo
sua promessa inicial e sua parte propositada à luz de suas subseqüentes vicissitudes:
estritamente singulares que qualquer outra coisa, poderiam constituir o significado, ou a
adequada interpretação proper, de qualquer símbolo. Comparei a ação ao final da sinfonia do
pensamento, a crença sendo uma semicadência. Ninguém concebe que os poucos
compassos no final de um movimento musical são o propósito do movimento. Eles podem
ser chamados seu desfecho, ou seja: “Considerar que efeitos - imaginavelmente possíveis de
alcance prático - concebemos que possa ter o objeto de nossa concepção. A concepção
desses efeitos corresponderá ao todo da concepção que tenhamos do objeto" (CP 5.402,
nota 3 de 1903)
156

significado pragmaticismo, originalmente enunciado na forma de uma


máxima, como segue: Considere que efeitos, que poderiam ter sentido
comum, você concebe que têm os objetos de sua concepção. Então, sua
concepção desses efeitos é a totalidade de sua concepção do objeto.
(Peirce, CP 5.438, 1878/1905).
A versão a seguir coloca uma certa ênfase sobre o significado de "sentido
prático" e fornece uma afirmação alternativa da máxima pragmática Tal
raciocínio e todos os raciocínios derrubam a idéia que se se exerce um
certo tipo de volição, suportar-se-á certas percepções compulsórias em
troca. Então, esta classe de consideração, isto é, de que certas linhas de
conduta acarretarão certos tipos de experiências inevitáveis, é o que é
chamado de "consideração prática". Assim fica justificada a máxima, a
crença na qual constitui o pragmaticismo, ou seja: “A fim de determinar o
significado de uma concepção intelectual, dever-se-ia considerar quais
conseqüências práticas poderiam concebivelmente resultar neces-
sariamente, da verdade dessa concepção: e a soma destas conseqüências
constituirá todo o significado da concepção” (CP 5.9 de 1902);
A próxima versão pode ser útil como esclarecimento adicional, e seria
destinada a corrigir a variedade de mal entendidos históricos em relação
ao significado pretendido do pragmaticista, que apareceram no decorrer
dos anos. A doutrina parece presumir que o fim do homem é a ação-- um
axioma estóico, o qual, para este escritor à idade de sessenta, não se
recomenda tão convincente como o fazia aos trinta. Se, pelo contrário, for
admitido que a ação requer um fim, e que esse fim deve ser algo de uma
descrição geral, então o espírito da própria máxima, que é aquele que
devemos observar como a conclusão de nossos conceitos para apreendê-
los corretamente, nos levaria a algo diferente de fatos práticos, i.e., para
idéias gerais, intérpretes verdadeiros de nosso pensamento. (CP 5.3, de
1902).
Uma outra versão seria interessante para afirmar o sentido da máxima
pragmática sobre o tópico da reflexão, na qual todo o pragmaticismo seja
reduzido a nada mais que um método de reflexão. O estudo da filosofia
consiste, portanto, em reflexão, e o pragmaticismo é aquele método de
reflexão que é conduzido tendo constantemente em mente seu propósito e
o propósito das idéias que analisa, seja que esses fins forem da natureza e
dos usos da ação ou do pensamento. Ver-se-á que o pragmaticismo não é
uma contemplação do mundo, mas é um método de reflexão que tem com
propósito tornar as idéias claras. (CP 5.13 nota 1, 1902).
157

A formulação a seguir enfatiza o caráter dos would-be´s. “O significado


total de um predicado intelectual é que certos tipos de eventos
aconteceriam, com certa freqüência, no curso da experiência, sob certos
tipos de condições existenciais” (CP 5.468 de 1907);
Por outro lado, algumas formulações têm em comum a versão do
pragmatismo como método de determinar os significados intelectuais de
conceitos, significados estes que são gerais e condicionais e consistem em
hábitos intelectuais que produzem ou modificam a conduta, “o significado
racional de toda proposição está no futuro”, é a forma na qual a ”proposição se
torna aplicável à conduta.” É por isto que o significado é situado num tempo
futuro, pois a conduta futura é a única conduta que está sujeita ao autocontrole”
(CP 5.427 de 1905).
“Considere quais os efeitos que concebivelmente poderiam ter
conseqüências práticas, você concebe que o objeto de sua concepção
tenha; então, (estes efeitos apagado por Peirce) o hábito mental geral que
consiste na produção destes efeitos é o significado total de seu conceito”
(MS 318, de 1907);12
“Considere quais os efeitos que concebivelmente poderiam ter
conseqüências práticas – especialmente ao modificar hábitos ou enquanto
envolvendo capacidade- você concebe que o objeto de sua concepção
tenha. Então, sua concepção (interpretacional) destes efeitos é o
(significado) total de sua concepção do objeto“ (MS 322, de 1907).
A versão a seguir ilustra uma das muitas tentativas de Peirce de ser
bem sucedido quanto ao verdadeiro sentido do pragmaticismo, refraseando a
máxima pragmaticista de uma maneira alternativa. Essa versão se dirige a um
grupo de críticos potenciais que não consideram que o pragmaticismo seja uma
mera máxima da lógica, ao invés de um princípio sublime de filosofia
especulativa. “A fim de ser admitido numa posição filosófica melhor, tentei
colocar o pragmatismo, tal como o entendo, na mesma forma de um teorema
filosófico. Não consegui nada melhor do que o seguinte; Pragmatismo é o
princípio de que todo julgamento teórico expresso em uma sentença no modo
indicativo é uma forma confusa de pensamento cujo único significado, se é que
tenham algum, repousa na sua tendência a reforçar uma máxima
correspondente expressa como uma sentença condicional, tendo sua apodose
no modo imperativo”. (Peirce, CP 5.18, 1903).

12 A última versão do pragmatismo data de 1908, e foi considerada por alguns comentadores
como obscura e sem grandes mudanças, neste contexto ver C. Hookway (1992), Peirce,
London and New York: Routledge & Kegan, p. 11.
158

Na versão de 1907, o significado, que consiste em regras de hábito, ou


mudança de hábito passa a ser compreendido como regras de inferência que
modificam regras de hábito e produzem a mudança e são tais regras de
inferência as resoluções condicionais gerais que exercem função ativa e
servem de princípios guia, e na versão MS 322, de 1907, os efeitos concebíveis
advindos do condicional, se influenciassem a conduta, produziriam
conseqüências práticas, estas conseqüências modificam hábitos e produzem o
significado total de um conceito. Dessa forma, é ao elaborar hipóteses e efeitos
concebíveis que estamos aperfeiçoando o elemento racional da conduta
humana e refletindo sobre o crescimento da razoabilidade, esta função torna a
conduta humana progressivamente razoável.
Em 1905, Peirce faz a seguinte autocrítica:
Há, além disso, um outro aspecto no qual o
pragmatismo está em desacordo não somente com a filosofia inglesa de
modo particular, mas, de certo modo, com a filosofia moderna, mesmo com
Hegel; e ele envolve uma ruptura completa com o nominalismo. Até Duns
Scotus é também nominalista quando diz que os universais estão
comprometidos com o modo de individualidade nos singulares, querendo
dizer, com singulares, segundo ele próprio, as coisas comuns existentes. O
pragmático não pode admitir isso. Eu mesmo fui longe demais na direção
do nominalismo quando disse que era simplesmente uma conveniência da
fala dizer que um diamante é duro quando não é pressionado, ou dizer que
é mole até que seja pressionado. Hoje digo que o experimento provará que
o diamante é duro, como um fato positivo. Ou seja, é um fato real que ele
resistiria à pressão, o que significa um extremo realismo escolástico. Nego
que o pragmatismo, tal como o defini originalmente, fazia o conteúdo dos
símbolos consistir em nossa conduta. Ao contrário, fui extremamente
cuidadoso ao dizer que ele consiste na nossa concepção de qual seria
nossa conduta em ocasiões imagináveis. Pois eu já havia há muito
declarado que individuais absolutos eram entia rationis, e não realidades.
Um conceito determinado em todos os aspectos é tão ficcional quanto um
conceito definido em todos os aspectos. Não creio que tenhamos o direito
lógico de inferir, mesmo como provável, a existência de qualquer coisa
inteiramente contrária em sua natureza a tudo que experimentamos ou
imaginamos. Mas um nominalista deve fazer isso. Pois ele deve dizer que
todos os eventos futuros são o total de tudo que terá acontecido e, portanto,
que o futuro não é sem fim; e, portanto, que haverá um evento que não
será seguido por outro evento. Isto talvez possa ser, embora seja
inconcebível; mas o nominalista deve dizer que é assim, pois, de outra
forma, ele tornará o futuro sem fim, isto é, terá um modo de ser consistindo
na verdade de uma lei geral. Pois todo evento futuro será completado, mas
o futuro sem fim não o será. Há muitas outras formas possíveis de versar
sobre este argumento; e a conclusão é que é somente o geral que
159

podemos compreender. O que comumente designamos ao apontar, ou


indicar, supomos que é singular. Mas, na medida em que podemos
compreendê-lo, não será assim. Só podemos indicar o universo real; se
formos solicitados a descrevê-lo, só podemos dizer que ele inclui tudo que
possa haver que realmente é. Isto é um universal, não um singular. (CP
8.208 de 1905).
Para Misak (1991:4) o “espírito do pragmatismo” pode ser capturado
pela seguinte máxima: “devemos considerar nossos conceitos no sentido de
apreendê-los corretamente, e que eles nos dirijam para algo diferente dos fatos
práticos” ou seja, para idéias gerais, como verdadeiros intérpretes dos nossos
pensamentos, “tanto que a significação do conceito não repousa de modo
algum em qualquer reação individual, mas na maneira pela qual aquelas
reações contribuem para este desenvolvimento” (CP 5.3 de 1901).
O Pragmatismo também estabelece relações entre os três tipos de
raciocínio, podendo ser visto como “uma teoria de análise lógica” (6.490 de
1908), no qual a abdução é o processo de formação de uma hipótese
explanatória, ou seja, simplesmente sugere que alguma coisa pode ser
enquanto que a indução “nada faz além de determinar um valor,” isto é, mostra
alguma coisa é realmente operativa e a dedução meramente desenvolve as
conseqüências necessárias de uma hipótese pura, “a dedução prova que algo
deve ser” (CP 2.98 de 1902). Os três tipos de raciocínio estão implicados na
máxima do pragmatismo quanto à admissibilidade das hipóteses se colocarem
como hipóteses, isto é, como explicações dos fenômenos consideradas como
sugestões auspiciosas...”(CP 5.196 de 1903). Para Peirce, um exame atento
para a questão do pragmatismo mostra que ele nada mais é do que a lógica da
abdução. O pragmatismo atribui uma regra à abdução, impondo um limite sobre
as hipóteses admissíveis (toda hipótese deve ter conseqüências práticas), o
que de certo modo afeta a dedução, isto é, destrói premissas da dedução.
A aplicabilidade do critério de verdade exige o critério de significado, que
é o próprio pragmatismo. Da noção de realidade e investigação, surge o
Pragmatismo como um método de verificação de nossas concepções gerais:
Parece então que a significância intelectual
de todo pensamento está ultimamente nos seus efeitos sobre nossas
ações. Mas, no que consiste o caráter intelectual da conduta? Claramente
na sua harmonia aos olhos da razão, isto é, no fato de que a mente ao
contemplá-la, nela encontrará harmonia de propósitos. Em outras palavras,
deve ser capaz de interpretação racional num pensamento futuro. Este
pensamento só é racional se se recomendar para um possível pensamento
futuro, ou em outras palavras, a racionalidade do pensamento está na sua
referência a um futuro possível.(CP 7.361 de 1873)
160

Pragmatismo é um método fundamental para conhecer e determinar o


significado daquelas realidades persistentes, que se forçam sobre nosso
reconhecimento. Aquilo que não tem essa persistência é um mero sonho, e a
realidade é persistente, é regular (CP 1.175 de 1897). O Pragmatismo equivale
aos procedimentos básicos das ciências laboratoriais, mas pode ser
empregado em qualquer ramo do conhecimento, porque Peirce via o
Pragmatismo como o método dos métodos ou, o método dos outros métodos,
um método de aquisição e desenvolvimento de conhecimento de escopo
universal.
Sua tripla estrutura pode ser definida como identificação do problema
(chamamos de problemas aquelas turbulências em nossas experiências ou no
entendimento da realidade, ou seja, aqueles momentos nos quais nossas
crenças fundamentais não correspondem à realidade, o que nos obriga a
entender que nosso conhecimento é falível e sujeito a erro), elaboração de
hipóteses explanatórias e teste dessas hipóteses para posterior eliminação
daquelas que não tem poder explanatório. As hipóteses sobreviventes serão
testadas indutivamente, de forma a fornecer resultados prováveis e confiáveis.
A eliminação de uma hipótese significa que essa hipótese ou sua explicação
preditiva se mostra inconsistente ou contraditória em relação àquilo que ela
buscava explicar. Por outro lado, o realismo que é um dos principais pontos
defendidos por Peirce, é fundamental para nosso entendimento, de tal forma
que qualquer problema que necessita ser resolvido, apresenta duas grandes
questões:
se a teoria ou conjunto de crenças das quais partimos permanece intacta
no momento do teste
se a solução hipotética explica ou não nosso problema
É importante observar que cada exercício de experimentação
pragmática seja ele simples, ou sofisticado, implica que havia um certo senso
básico de realidade, uma certa teoria sobre como o mundo se compõe e como
se comporta, um conjunto de crenças sobre o que pensamos e sobre como
sabemos. Podemos melhorar ou aumentar nosso conhecimento através de
informação apropriada, raciocínio correto e um enfoque criativo. No entanto, a
realidade não muda, não podemos maquiá-la, porque o real (CP 5.111 de
1903) o real permanece indiferente às nossas divagações ou egoísmo.
Há um outro ponto a ser considerado que é a recusa em considerar o
papel do homem como expectador, ao entender a experiência como uma
unidade de interação entre o homem e a faticidade dada na experiência,
levando-se em conta o que Peirce entende como mundo real, que não deixa de
ser o que é percebido (CP 8.148, 2.143, 2.141, 3.529, 3.527), mas ao mesmo
161

tempo é independente da mente, mas sendo o mundo percebido dependente


do ato noético, ele é relativo à natureza da mente. (Rosenthal, 1983:13)
Primeiramente devo sinalizar a distinção
entre um Fato e o que em outras conexões, é freqüentemente chamado
um Evento, mas o qual devido a que essa Palavra é usada na Doutrina das
Probabilidades no seu sentido estrito deve ser chamado uma Ocorrência.
Uma Ocorrência, que o Pensamento analisa em Coisas e Acontecimentos,
é necessariamente Real; mas nunca pode-se conhecer ou mesmo imaginar
em todo seu infinito detalhe. Por outro lado, um Fato é tanto do Universo
real como pode ser representado em uma Proposição, e no lugar de ser,
como uma Ocorrência, uma fatia do Universo, ele antes deve ser
comparado a um princípio químico extraído portanto do poder do
pensamento; e contudo é, ou pode ser Real, mas em sua existência Real
ele e combinado de maneira inseparável com um infinito enxame de
circunstâncias, que não fazem parte do próprio Fato (MS: 647:8)
É precisamente porque o aqui e agora dos eventos e as conexões reais
que eles apresentam são independentes, e ao entrar em interação com nossas
conceitualizações e as possibilidades que se abrem, que a coerência e
consistência não são condições suficientes para o critério de verdade das
asserções empíricas, é necessário então esse interplay pragmático entre
nossos conceitos e a experiência real.
A realidade faz perguntas e determina as estruturas de significado, mas
as respostas e essas estruturas dependem daquilo que trazemos. Esse
entendimento revela que o pragmatismo de Peirce não pode ser confinado, ele
extrapola algumas fronteiras. Não se pode esquecer que o significado é uma
relação triádica, o interpretante é uma relação logicamente requerida. Os
conceitos nos fornecem meios de pensar alguma coisa, os conceitos são uma
ferramenta do ato de pensar que resulta em uma crença. Para satisfazer
nossas dúvidas, entretanto, é necessário um método que determine ou fixe
nossas crenças, mas que seja algo permanentemente externo, algo que não
seja influenciável por nossos pensamentos. Assim, que tipo de coisas se
qualificam como realidades. Conhecemos melhor a realidade através de meios
pragmáticos e evolucionários e torna-se importante reconhecer que nosso
conhecimento da realidade, nossa autocrítica e a critica da comunidade
combinam-se no sentido de formar um ambiente para nosso conhecimento
eliminando ao longo do tempo aquelas hipóteses inconsistentes ou
contraditórias com a realidade.
Por outro lado, abdução, dedução e indução estão intimamente
envolvidas com o processo pragmático experimental de aquisição e
desenvolvimento de conhecimento, considerando-se as conexões entre a
162

estrutura do nosso problema inicial de formulação de hipóteses e testes de


hipóteses e a arquitetura e a lógica peirceana. Se a indução e a probabilidade
caracterizam o conhecimento em um movimento para o futuro, a dedução e a
necessidade lógica, nos guiam na eliminação das hipóteses que fracassam, a
abdução pode ser considerada como uma forma de raciocínio pelo menos nos
levando de um estado de reconhecimento do problema. Com Peirce, o que
importa primariamente para substancializar uma reivindicação baseada no
método indutivo não é simplesmente uma previsão bem sucedida de fatos, mas
que eles possam ser classificados como típicos, isto é, que sejam espécimes
ao acaso de todas as previsões poderiam se basear na hipótese e que
constituem o eixo da verdade.
Na indução, não é o fato predicado que, em
qualquer caso, necessita da verdade da hipótese, ou, ainda a torna
provável. É o fato de que tem sido predicado com sucesso e que é uma
amostra casual de todas as predições que podem estar baseadas na
hipótese e as quais constituem sua verdade prática. Mas acontece com
freqüência que há fatos que, meramente como fatos, aparte da maneira
como eles se apresentaram, necessitam a verdade, ou a falsidade, ou a
probabilidade definida em algum grau, da hipótese. (CP 6.527 de 1901).
O objetivo do pragmatismo como originalmente concebido não era o de
abandonar conceitos como verdadeiro ou certo, mas de clarificá-los e elucidá-
los. Rorty (1982:xiv) argumenta que o pragmatismo sugere que não fazemos
perguntas sobre a natureza da verdade ou bondade, portanto deste ponto de
vista, o pragmatismo não se constitui em uma doutrina filosófica, mas trata-se
de uma posição que recomenda o abandono da filosofia em busca de algo
mais. Se adotarmos a visão de Rorty, uma das questões essenciais da filosofia,
que se refere àquelas considerações que substanciam nossas crenças e
nossas escolhas, deve ser abandonada.
Rescher (2000:xii) considera que o pragmatismo não é um modo de
anti-ceticismo, mas um enfoque racional para resolução de problemas teóricos
considerando nossas obrigações práticas e cognitivas. Nas mãos de seu
fundador, Peirce, o pragmatismo tinha dois componentes principais, um relativo
ao significado e outro referente à verdade.
O significado de Peirce de pragmaticismo
encerra uma visão pragmática do significado de conceitos e idéias. Tome,
por exemplo, o conceito de "uma maçã". Quando caracterizamos algo
como tal, nós nos comprometemos a tratá-lo de uma certa maneira."
(RESCHER , 2000:XII)
163

Para Peirce, o ponto crucialdo pragmatismo é algo condicional, isto é, há


uma metodologia estabelecida de investigação - o método científico - o qual,
quando usado com persistência, em uma comunidade em andamento de
pesquisadores racionais deve, no fim, produzir verdade.
Murphy (1990: 39-55) aponta nove princípios fundamentais de
pragmatismo peirceana. São eles:
As crenças são idênticas se e só se dão lugar ao Verdade é uma espécie
mesmo hábito de ação de bem, e não, como é
usualmente suposta,
As crenças dão lugar ao mesmo hábito de ação se uma categoria distinta do
só acalmam a mesma dúvida, por via de produzirem bem, e coordenada com
a mesma regra de ação. ele. (JAMES, 1999: 42).
O sentido de um pensamento é a crença que ele
produz Idéias verdadeiras são
aquelas que podemos
As crenças produzem a mesma regra de ação assimilar, validar, corro-
apenas se nos conduzem a agir nas mesmas nas borar e verificar. Falsas
mesmas situações sensíveis idéias são aquelas que
As crenças produzem a mesma regra de ação não podemos. (JAMES,
apenas se nos conduzem aos mesmos resultados 1999:97).
sensíveis
Verdade para nós é
Não existe distinção de sentido mais fina do que a simplesmente o nome
que consiste numa possível diferença do que é coletivo para processo
tangível e concebivelmente prático de verificação. (JAMES,
A nossa idéia de qualquer coisa é a nossa idéia dos 1999: 104)
seus efeitos sensíveis.
A nossa idéia de qualquer coisa é a nossa idéia dos [...] a verdade de uma
seus efeitos sensíveis; idéia não é uma
Ao considerar que efeitos poderiam concebivelmente propriedade estagnada
inerente a ela. Assim
ter implicações práticas, concebemos o que o objeto ocorre com uma idéia.
da nossa concepção tem. Então a nossa concepção Se torna verdade, é
desses efeitos é toda a nossa concepção do objeto. feita verdade pelos
Uma crença verdadeira é aquela que está destinada eventos. Sua vera-
a merecer o acordo final de todos os que investigam cidade é de fato um
cientificamente evento, um processo.
Qualquer objeto representado numa opinião O mesmo processo
verdadeira é real. deverificar-se, sua
verificação. Sua vali-
dade é o processo de
Por outro lado, usualmente, o pragmatismo é sua validação. (JAMES,
associado à idéia de verdade. O próprio William James 1999:53)
164

define seu pragmatismo como uma teoria da verdade, para quem a verdade é
somente um expediente em nossa maneira de pensar. Em “Pragmatism”,
James afirma que:
[...] a verdade, como lhe dirá qualquer
dicionário, é uma propriedade de certas idéias. Significa o "acordo" delas,
assim como a falsidade significa o desacordo com a realidade. Ambos os
pragmaticistas e intelectualistas aceitam esta definição como uma coisa de
se esperar. Eles começam a brigar somente após que for levantada a
questão do que precisamente pode querer dizer o termo 'acordo' e o que o
termo 'realidade', quando a realidade é tomada como algo com o qual
nossas idéias concordam. (JAMES, 1999:53)
Segundo Rescher (2000: 12), o pragmatismo tem três formas:
pragmatismo semântico: o significado dos termos consiste no seu uso.
pragmatismo epistêmico: a implantação bem sucedida de crenças
(especialmente em matérias de previsão e controle sobre a natureza) é o
critério apropriado para sua verdade. (às vezes construída com a
argumentação de que a verdade é simplesmente e nada mais do que
implementabilidade bem sucedida).
pragmatismo ontológico (ou metafísico): no domínio humano a prática
(fazer) tem preponderância sobre a teoria (entendimento) porque todo
entendimento deve ser ele mesmo um produto do fazer, tudo o que
sabemos (entendemos) é produto da investigação, uma das nossas
atividades.
Na visão de Rescher, Peirce esposava todas essas três doutrinas, mas
a última se tornaria particularmente “prodigiosa” para ele, porque toda atividade
humana pode ser sempre refinada, estendida, melhorada, o que significa que
nosso conhecimento da verdade é sempre experimental e imperfeito, e foi essa
linha de pensamento que levou Peirce ao falibilismo. Somente em um longo
prazo idealizado, nosso conhecimento validado pragmaticamente, pode ser
equacionado com a verdade como tal. Em sua tentativa de desmistificar a
verdade, Peirce relacionou-a com aquilo que uma comunidade inteligente de
investigadores científicos realmente pensa acerca da questão, mas não aqui,
agora e sim no futuro remoto indefinido, o longo prazo teórico. O problema é
que o curso natural da observação, não importa quanto ele for entendido,
nunca chega nesse longo prazo idealizado, ele está fora do nosso alcance
cognitivo.
Mentes diferentes podem partir das mais
antagônicas visões, mas o progresso da investigação as carrega com força
para fora delas próprias para uma e a mesma conclusão. Esta atividade do
165

pensamento pela qual somos carregados, não aonde nós desejamos, mas
para um alvo predestinado, é como a operação do destino. (CP 5.407 de
1897)
Assim, é da própria essência desta "verdade", que ela de forma alguma
possa depender do que qualquer homem possa opinar ao respeito dessa
questão (CP 2.209 de 1901). Mas, em meu sistema de lógica, quando
raciocino, meu objetivo não é senão descobrir a verdade (CP 2.666 de 1902).
A esse respeito, Ibri (1994:41) argumenta que, para o realismo, é o signo que
deve buscar sua forma verdadeira no objeto através da experiência, seja a
partir de suas formas já disponíveis, seja concebendo novas formas que dêem
conta do sistema de relações do próprio fenômeno.
Mas no que a verdade consiste? A verdade é a conformidade de uma
representação para seu objeto, mas o que é o objeto que serve para definir a
verdade? É a realidade, ela é de uma tal natureza independente de suas
representações, tanto que, tomando-se qualquer signo individual ou qualquer
coleção individual de signos há algum caráter ao qual aquela coisa pertence.
(CP 1.578 de 1902)
Portanto, para Peirce, a verdade é objetiva porque há uma coisa como a
verdade, porque se não houvesse, o raciocínio e o pensamento não teriam sem
propósito. O que você quer dizer por uma coisa tal que seja como verdade,
pergunta Peirce?
Você quer dizer que
alguma coisa é assim- é correta, ou justa- quer [...] a consciência es-
você, ou eu, ou qualquer um pense que seja assim crupulosa do que
ou não. (CP 2.135 de 1902) significa a verdade, pa-
ra mim, é a raiz da
Essa ênfase na objetividade é que distingue a nossa liberdade para o
teoria peirceana de outros autores, especialmente de conhecimento. (CP
W.James e, ao contrário deste, quando Peirce se refere 1.331 s.d.)
à investigação (inquiry), ele significa método da ciência,
isto é padrões normativos para se levar adiante uma investigação.
Se os termos 'verdade' e 'falsidade' usados
por você forem tomados em acepções que sejam definíveis em termos de
dúvida e crença e de curso da experiência (tal como, por exemplo, eles o
seriam se você definisse 'verdade' como uma crença para a qual a crença
tenderia se tendesse indefinidamente para uma fixidez absoluta) muito
bem; nesse caso, você só estaria falando de dúvida e crença. Contudo, se
por verdade e crença você entender algo que não seja de modo algum
definível em termos de dúvida e crença, neste caso estará falando de
entidades de cuja existência você nada pode saber, e que a navalha de
166

Ocam eliminaria de imediato. Os problemas seriam muito simplificados se,


em vez de dizer que deseja conhecer a‟verdade‟, você dissesse
simplesmente que deseja alcançar um estado de crença inatacável pela
dúvida. (Peirce, CP 5.411 de 1905).
Peirce acreditava na inexorável marcha da ciência para a verdade, e o
método científico seria aquele método que inevitavelmente levaria à verdade, a
longo prazo. Por outro lado nenhuma teoria, nenhum conceito, nenhum sistema
de idéias traduz verdades finais, porque o “espírito científico exige um homem
sempre pronto a alijar toda sua carga de crenças no momento em que a
experiência está contra ele. (CP 1.55 de ).
A filosofia evolucionista de Peirce embute a idéia de aprendizagem e,
ciência pressupõe evolução. Aquilo que é verdade hoje pode se mostrar falso
no futuro:
A ciência deve significar para nós um modo
de vida cujo único princípio animador é encontrar a verdade, que persegue
este propósito por um método bem respeitado, fundado em profundo
conhecimento daqueles resultados científicos já estabelecidos por outros
dentro do que esteja disponível, e busca cooperação na esperança de que
a verdade seja encontrada, se não pelas atuais investigações, ainda que
finalmente por aqueles que vem depois deles e que farão uso de seus
resultados. Não faz diferença quão imperfeito possa ser o conhecimento de
um homem, quão sujeito a erro e preconceito, do momento em que ele se
engaja em uma investigação dentro do espírito descrito, aquilo que o ocupa
é ciência...(CP 7.54-55 de 1902)
Para Peirce, a essência da verdade reside em sua resistência a ser
ignorada (CP 2.139 de 1902), porque nós podemos nos enganar a nós
mesmos, mas todas já tivemos uma experiência de algo reagindo contra, mas
do fato da reação permanecer então, “há a proposição de que é assim, quer
você possa se opor a respeito ou não, essa é essência da verdade (CP 2.209
de 1901). A verdade é pública, a verdade é verdade, mesmo quando se opõe
aos interesses da sociedade (CP 8.143 de 1901).
Tendo determinadas premissas, um homem
chega a determinadas conclusões e no que concerne somente a esta
inferência, a única questão prática possível é se esta conclusão é
verdadeira ou não [...] Mas a longo prazo há um fato real que corresponde
à idéia de probabilidade e é um dado modo de inferência algumas vezes
bem sucedida outras vezes não e aquilo numa razão finalmente fixada. (CP
2.650 de 1878).
167

Essa considerações reforçam o falibilismo peirceano, isto é, embora os


pesquisadores busquem uma posição de estabilização da crença, não há
garantias de que esta posição vai ser alcançada e que não seja ameaçada por
fatos novos que geram dúvidas, necessitando ser explicados e que levam a
novas investigações. Mas a longo prazo poderíamos chegar a um estado de
crença inatacável pela dúvida, a este estado Peirce denominou verdade.
Assim, sendo o pragmatismo um método de determinar o significado de
conceitos intelectuais, portanto o pragmatismo é o método correto de
transformar signos cujo objetivo é a obtenção do bem lógico, e
conseqüentemente a verdade.
Por outro lado, a caracterização pragmática da verdade faz uma junção
entre verdade e investigação, e por conseguinte método. É, portanto o método
pragmático que gera essa versão da verdade que na argumentação de Misak
(1991:160) tem três vantagens: primeiro, fornece o contexto racional para a
investigação proceder; segundo, torna o sentido da prática da investigação
como a busca da verdade e terceiro, a teoria da verdade de Peirce fornece e
justifica uma metodologia, que utiliza o método cientifico da abdução, dedução
e indução e aplica o critério pragmático de legitimidade de hipóteses. A verdade
se torna então algo que objetivamos na investigação.

5.4 O Paradoxo do mentiroso


A antinomia do men-
Ao nosso ver, no contexto da teoria da verdade, tiroso, obstáculo básico
vale a pena assinalar a solução que Peirce forneceu ao para uma definição
paradoxo do mentiroso. As afirmações mais antigas, adequada de verdade
conhecidas da sentença do mentiroso são: Um homem em linguagens naturais,
reaparece em lingua-
diz que está mentindo. O que ele diz é verdadeiro ou gem formalizadas como
falso? um argumento cons-
Pelo menos desde o século IV AC, a antinomia trutivo, mostrando que
do mentiroso vem sendo discutida sem resultados nem todas as sem-
conclusivos. Há diversas as propostas para tratar a tenças verdadeiras
antinomia do mentiroso: podem ser demons-
a antinomia do mentiroso não procede por que a tradas. (TARSKI)
sentença do mentiroso é sem sentido;
a sentença do mentiroso tem significado, mas nem é verdadeira nem é
falsa;
a sentença do mentiroso tem significado, ela é verdadeira ou falsa, mas é
incorreto, na antinomia do mentiroso, passar da falsidade da sentença para
sua verdade;
168

a sentença do mentiroso tem significado, ela é verdadeira e também é


falsa, por exemplo;
a sentença do mentiroso é um exemplo de que a linguagem natural é auto-
contraditória, e
a sentença do mentiroso não é uma proposição e, portanto, nenhuma
contradição é obtida.
A prova do primeiro teorema da incompletude de Gödel é sugerida por
analogia com a antinomia do mentiroso, embora Gödel trate com
demonstrabilidade em vez de verdade. O paradoxo dos conjuntos, descoberto
por Russell, é essencialmente semelhante à antinomia do mentiroso. A
definição de verdade para a linguagem natural levou, segundo Tarski, à
incoerência semântica, quando se assume que a sentença do mentiroso é uma
sentença declarativa legítima. 13
A formulação peirceana para a sentença do mentiroso é “esta
proposição não é verdadeira”. A dedução da antinomia começa com a questão:
isto é verdadeiro ou não? A conclusão deduzida é: é tanto verdadeira como não
verdadeira, o que é um absurdo (CP 5.340 de 1868 ou 2.618).
Mas, uma proposição verdadeira não pode pertencer a uma linguagem
totalmente formalizada, para esta, há artifícios ad hoc que são introduzidos
para evitar o paradoxo dos predicados x é verdadeiro, x é falso. O princípio da
solução peirceana está no argumento de que toda proposição, além do que ela
explicitamente assegura “tacitamente implica sua própria verdade”. (CP 3.446
de 1896).
A argumentação de Peirce está ligada ao próprio funcionamento da
relação triádica do signo, porque nenhum signo pode ser separado do objeto e
interpretante. Expresso em termos da teoria dos signos, toda asserção deve
conter pelo menos um índice designando o objeto (CP 4.536 ou CP 5.503) e o
sujeito da sentença do mentiroso designa um objeto que não pode ser
efetivamente verificado.

13 The Liar Paradox is an argument that arrives at a contradiction by reasoning about a Liar
Sentence. The most familiar Liar Sentence is the following self-referential sentence:
(1) This sentence is false.
Experts in the field of philosophical logic have never agreed on the way out of the trouble
despite 2,300 years of attention. Here is the trouble--a sketch of the Liar Argument that reveals
the contradiction:
If (1) is true, then (1) is false. On the other hand, if (1) is false, then it is true to say (1) is false;
but, because the Liar Sentence is saying precisely that (namely that it is false), (1) is true. So
(1) is true if and only if it is false. Since (1) is one or the other, it is both.
169

Mas mesmo que fosse impossível distinguir entre verdade e realidade,


isto, no mínimo deveria nos impedir de definir no que a verdade consiste.
Verdade e falsidade são caracteres confinados às proposições. Uma
proposição é um signo que indica separadamente seu objeto. Então, um retrato
cujo nome do original está abaixo é uma proposição. Ele afirma que, ao
considerá-lo, qualquer pessoa pode formar uma idéia razoavelmente correta do
original contemplado.” (CP 5. 569).
Para Rivetti-Barbó (1994:91-93) a solução de Peirce consiste em
reconhecer que a proposição do mentiroso “tanto quanto contraditória, e em si
mesma falsa”, assim o que ela afirma é verdadeiro. Mas o que ela tacitamente
implica (sua própria verdade) é falsa (CP 3.446, 5.340. 2.352). Peirce também
argumenta que a falsidade da proposição do mentiroso sendo autocontraditória
não é sem sentido, ao contrário tem muito significado (CP 2.353), porque
significa duas coisas irreconciliáveis (CP 3.446 de 1896).
"a verdade que está tacitamente implícita
por estas proposições e afirmações contudo, pode ser feita explícita.
Geralmente, isto é feito pelo uso de outra afirmação na qual a) o sujeito
designa a proposição ou afirmação que tem à mão (e a verdade da qual era
até então implícita tacitamente) e b) o predicado é "é verdade". Portanto, a
verdade da proposição é feita explícita em uma proposição meta teórica e
meta-lingüística (e afirmação respectiva).[...] o que é importante na tese de
Peirce é o reconhecimento de uma verdade implícita tacitamente nas
afirmações, que faz a regressão infinita em relação a afirmações
verdadeiras bastante inofensiva porque a afirmação meta-lingüística e a
proposição que é significada por ela não conferem sua verdade na
afirmação em um nível lingüístico mais baixo, mais exatamente, elas
somente a fazem mais explícita. (RIVETTI-BARBÓ, 1994:91-93)
De um lado, Peirce relaciona verdade com investigação, mas por outro
lado, ele é um falibilista, ele não pode considerar o condicional como uma
verdade necessária ou analítica,e por não fazer uso de uma equivalência entre
a verdade e o que seria acordado no final da investigação, ele não está assim
em competição direta com Tarski. Nesse contexto Mizak (1991:130-131)
relaciona objetividade da teoria peirceana com duas diferentes explicações
sobre a realidade. A primeira estaria relacionada com a argumentação da
resenha de Fraser “o real é aquilo que não é o que eventualmente pensamos
dele, mas não é afetado por aquilo que possamos pensar dele" (CP 8.12 de
1871). A segunda está relacionada com uma visão pragmática relacionada com
a realidade que seria esta opinião final que não é independente do pensamento
em geral, mas é independente de tudo que seja arbitrário e individual no
pensamento, isto é, totalmente independente daquilo que qualquer número de
170

pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que se pensar existir na opinião final é
real, e nada há, além disso. A idéia mesma de verdade é que ela independe
completamente do que você ou eu possamos pensar que ela seja.
Em resumo, para Peirce, a verdade valiosa não é algo desconexo, mas
é o que segue para aumentar o sistema além do que está agora conhecido.
(CP 5.583 de 1898 )
De várias maneiras e em várias passagens, Peirce afirma que na
opinião e no pensamento humanos existe um elemento arbitrário e acidental
que produz erro, mas toda opinião tende, a longo prazo, para uma resposta
verdadeira, independente do pensamento individual, mas não do pensamento
em geral. Assim, verdade e realidade estão conectadas na mente e a
apreensão da realidade depende das crenças fixadas pelo conjunto de
pesquisadores.
Pode-se dizer que na lógica da investigação científica, a realidade seria
constituída através dos signos, porque “podemos somente indicar o universo
real; se nos pedem para descrevê-lo, podemos dizer somente que isso inclui o
que quer que possa haver no que realmente é”. Isso é universal e não
individual. (CP 8.208). O conceito de verdade pode ser analisado do ponto de
vista dos interpretantes e da investigação. O conceito de verdade que decorre
da fixação da crença no final hipotético da investigação depende do realismo
dos condicionais (would- be´s) e esses condicionais necessitam da colaboração
dos interpretantes, principalmente da definição do interpretante lógico último.
Temos índices do mundo externo e esses índices trazem em si a generalidade
da realidade, pois derivam de princípios gerais operativos na natureza, ou seja,
através de conseqüências lógicas dos signos e o pragmatismo é o método
correto de transformar signos com o objetivo de atingir o resultado último, a
verdade, que é a opinião que será estabelecida e fixada após suficiente
investigação. (MS 300 de 1905)
À guisa de conclusão, vale considerar as palavras de Santaella
(2001:105):
Entretanto, para perseguir o fim pragmático, a experiência é necessária,
pois sem ela, não há como introduzir uma nova idéia. Sob o impacto da
experiência e como resultado da auto-correção do método da ciência,
haverá uma tendência à crescente uniformidade das opiniões, fazendo-
as incorporar-se a um conjunto de leis gerais. Há, porém, um elemento
de acaso no universo responsável pelas variações acidentais. Disso
resulta que, provavelmente, não haverá nunca resposta definitiva para
nossas perguntas. Além disso, a propensão de todas as coisas vivas, e
mesmo das não vivas, para adquirir hábitos, não é apenas uma lei entre
outras, mas a lei governando todas as leis. São as leis gerais que
171

tornam os fenômenos regulares e inteligíveis, sendo, por isso mesmo,


os fenômenos mais completamente reais do universo. É em razão disso
que o pragmatismo não pode fazer da ação, muito menos da ação
individual. O summum bonum da espécie humana. À medida que a
evolução progride, a inteligência humana vai desempenhando um papel
cada vez maior no crescimento da razoabilidade por meio de sua
característica mais peculiar e inalienável, o auto controle. [...] Para
Peirce, a investigação científica é algo que vale a pena porque ela é o
meio privilegiado de conversar com a natureza em todas as suas
formas macroscópica e microscópica, inorgânica, biológica e humana –
em todas as multiplicidades de suas aparições. (SANTAELLA,
2001:105)
172

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, buscamos apresentar dois temas de Peirce,


seu realismo e sua teoria da verdade, em contraposição a vários autores
contemporâneos. O principal objetivo desta análise foi o de demonstrar que
mesmo sendo um autor do século XIX, suas teorias permanecem atuais, e
podem ser lidas à luz da ciência do século XXI.
Na Parte I procuramos mostrar inicialmente como vem se
desenvolvendo o debate realismo-anti realismo, através de um resumo das
principais teses realistas e anti-realistas da contemporaneidade, para, então,
caracterizar os pressupostos do realismo peirceano.
Peirce defende a objetividade do conhecimento, segundo a qual é da
existência do real, que deriva a possibilidade de uma resposta última para toda
questão. Do fato de que o real permanece sem ser afetado pelo que pensamos
e do fato de que o real é independente do que dele se possa pensar e do fato
de que uma comunidade de investigadores, utilizando um método correto
chegará a uma opinião com a qual todos concordarão, emergem sua teoria da
realidade, sua teoria do conhecimento, que serão os pilares da construção do
método científico, levando no seu bojo, o realismo e a teoria da verdade. A
noção da realidade para Peirce apresenta dois aspectos importantes: a
alteridade, que caracteriza o elemento que reage (associada à Segundidade,
categoria da existência) e a insistência da força bruta, que ao manter
determinada regularidade, possibilita o conhecimento (associado à
Terceiridade, que é categoria da generalidade, da lei).
O realismo de Peirce pode ser classificado como um realismo de três
categorias pela aceitação da realidade da Primeiridade, Segundidade e da
Terceirdade, através da conscientização de que a racionalidade humana é um
contínuo da racionalidade do universo, como parte da doutrina do sinequismo,
mas sujeita à ação do acaso (tiquismo), buscando em seu desenvolvimento um
ideal, a partir do inter-relacionamento das ciências normativas, a Estética, a
Ética, e a Lógica, segundo O qual o pragmatismo se torna uma doutrina onde
as concepções não são relativas à ação, mas sim ao summum bonum, ou
admirável.
O realismo de Peirce implica, não apenas uma consideração de um
objeto real, independente do mundo exterior, mas um reconhecimento da
realidade dos universais em contrapartida ao nominalismo, para quem, o
continuum é tão somente uma questão de linguagem. Para os nominalistas os
universais são simplesmente signos criados para designar a qualidade de
173

coisas particulares. Os nominalistas recusam uma correspondência objetiva de


nossos conceitos com as leis da natureza, assim realismo implica objetividade
das leis da natureza.
Na Parte II apresentamos, inicialmente, uma contextualização das
principais teorias da verdade como pano de fundo para a análise da teoria
peirceana da verdade. Para Peirce, a verdade é pública e a ela qualquer
pessoa chegaria, desde que levasse adiante a investigação, utilizando o
método correto. Verdade e realidade são conceitos relacionados. Peirce
defende a investigação científica como um caminho para a verdade.
Toda a construção deste trabalho está apoiada na relação trádica
semiótica, constituída pelo signo, objeto, interpretante. Da relação do signo
com seu objeto, na qual prevalece a Segundidade, oposição, alteridade,
determinação resulta um dos aspetos do seu realismo. Da relação do signo
com o interpretante, como mediação ou interpretação, podemos entender a
ação do signo como semiose, como continuidade, mas que está sujeita à
indeterminação, ao acaso, à liberdade. Assim, será através da convergência
dos interpretantes, que a comunidade de investigação chegará à verdade, a
longo prazo, se esse processo for guiado por um ideal, o summum bonum.
174

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Obras de C.S Peirce


PEIRCE, C. S. (1931-35). Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Ed.
by Charles Hartshorne and Paul Weiss, Vols.1-6, Cambridge, Massachusetts:
Harvard University Press.
___________ (1955). Philosophical Writings of Peirce. Ed. by Justus
Buchler. New York: Dover Publications, Inc.
___________ (1958). Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Ed. by
Arthur Burks. Vols 7-8. Cambridge, Massachusetts:Harvard University Press.
___________ (1958) Selected Writings- Values in a Universe of Chance. Ed.
by Phillip Wiener. New Yokr: Dover Publications, Inc.
___________ (1968). Escritos Logicos. Ed. Pilar Castrillo Criado. Madrid:
Alianza Editorial.
___________ (1976). The New Elements of Mathematics by Charles S.
Peirce .Ed Carolyn Eisele. The Hague: Mouton, 4 vols.
___________ (1982). Wrintings of Charles S.Peirce: A Chronological Edition.
Bloomington: Indiana University Press, vol I: 1857-1866.
___________ (1984). Wrintings of Charles S.Peirce: A Chronological Edition.
Bloomington: Indiana University Press. vol.II: 1867-1871.
___________ (1985). Historical Perspectives on Peirce's Logic of Science.
Ed. Carolyn Eisele. Berlin/ New York/ Amsterdam: Mouton, 2 vols.
___________ (1986). Wrintings of Charles S.Peirce: A Chronological
Edition. Bloomington: Indiana University Press, vol III: 1872-1878.
__________ (1986). Wrintings of Charles S.Peirce: A Chronological
Edition. Bloomington: Indiana University Press, vol IV: 1879-1884.
__________ (1992). The Essential Peirce. Ed. by Nathan Houser and
Christian Kloesel, Bloomington: Indiana University Press.
__________ (1992). Reasoning and the Logic of Things. Ed. Kenneth Laine
Ketner, Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.
__________ (1993). Wrintings of Charles S.Peirce: A Chronological Edition.
Bloomington: Indiana University Press, vol v: 1884-1886.
__________ (1997). Pragmatism as a Principle and Method of Right
Thinking: The 1903 Harvard Lecures on Pragmatism. Ed. Patricia Ann Turrisi.
Albany: State University of New York.
__________ (1998). The Essential Peirce. Ed. by The Peirce Edition Project,
Bloomington: Indiana University Press.vol.2.
__________ (1998). Chance, Love, and Logic. Ed. by Morris R. Cohen.
Lincoln/ London: University of Nebraska Press.
175

2. Obras de comentadores de C. S. Peirce


ALMEDER, R. (1982), Peircean Fallibilism, Transactions of The Charles S.
Peirce Society. vol. XVIII, n.1, pp.57-65.
____________ (1985),Thirteen Theories of Truth, Transactions of The
Charles S. Peirce Society. vol. XXI, n.1, pp.77-94.
ALTSHULER, B. (1982) Peirce´s Theory of Truth and the Revolt against
Realism, Transactions of The Charles S. Peirce Society. vol. XVIII, n.1, pp.
34-56.
APEL, K-0. (1981).Charles S. Peirce - From Pragmatism to Pragmaticism.
Amherst: University of Massachusetts Press, English translation by John
Michael Krois.
BACHA, ML. (1998) A teoria da Investigação de C.S.Peirce, São Paulo:
CenaUm.
__________ (2002) A Indução de Aristóteles a Peirce, São Paulo: Legnar
Informática & Editora.
BARNES, W. (1952). Peirce on How to Make Our ideas Clear. In Studies in the
Philosophy of Charles Sanders Peirce , Ist. Series, Cambridge: Harvard
University Press, pp.53-60
BERNSTEIN, R. J. (1964). Peirce´s Theory of Perception, in Studies In the
Philosophy of Charles Sanders Peirce, 2nd series Amherst, Mass: University
of Massachusetts Press, pp.165-189.
CARRILHO, M (1990). Verdade, Suspeita e Argumentação, Lisboa: Ed.
Presença.pp. 31-40
CHENU, J. (1984). “Introduction. In Peirce Textes anticartésiens, Paris:
Aubier.
CHENG, C. (1966). Peirce‟s Probabilistic Theory of Inductive Validity.
Transactions of The Charles S. Peirce Society, Fall, vol.II, n.2, pp. 86-112.
_________ (1967). Charles Peirce‟s Arguments for Non-Probabililist Validity of
Induction. Transactions of The Charles S.Peirce Society, Spring, vol.III, n.1,
pp.24-39.
__________ (1969). Peirce´s and Lewi´s Theories of Induction, The Hague:
Martinus Nijhoff.
CURLEY, T. (1969). The Relation of the Normative Sciences to Peirce‟s Theory
of Inquiry. Transactions of The Charles S. Peirce Society, vol. V, no. 2,
Spring, pp. 90-106.
DEBROCK, G. (1992). Peirce, a Philosopher for the 21at.Century,
Transactions of The Charles S. Peirce Society, Winter, vol. XXVIII, n. 1,
pp.1-17
176

DEBROCK, G. and M. HULSWIT (ed) (1994). Living Doubt - Essays


concerning the Epistemology of Charles Sanders Peirce. Netherlands:
Kluwer Academic Publishers.
DELANEY, C.F. (1993). Science, Knowledge and Mind - A Study in the
Philosophy of C. S. Peirce. Notre Dame/London:University of Notre Dame
Press.
ESPOSITO, J. L. (1980). Evolutionary Metaphysics- The development of
Peirce’s Theory of Categories, Athens/ Ohio: Ohio University Press.
FISCH, M. (1986). Peirce, Semeiotic and Pragmatism. Bloomington: Indiana
University Press. pp 184-199.
_________ (1982). Introdução, in Wrintings of Charles S.Peirce: A
Chronological Edition. Bloomington: Indiana University Press, vol I: 1857-
1866. pp.xvi-xxxv.
_________ (1984). Introdução, in Wrintings of Charles S.Peirce: A
Chronological Edition. Bloomington: Indiana University Press. vol.II: 1867-
1871.
FORSTER, P. (1989). Peirce on the Progress and Authority of Science.
Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. XXV, n.4, pp.421/452.
___________ (1997). The Logical Foundations of Peirce‟s Indeterminism, in
The Rule of Reason, The Philosophy of Charles Sanders Peirce.
Toronto/Buffalo/ London: University of Toronto Press.
____________ (s.d.) "Scientific Inquiry as a Self-Correcting Process",
disponível em
http://members.door.net/arisbe/menu/library/aboutcsp/aboutcsp.htm, acessado
em 10/7/03.
FORSTER, P & J. Brunning. (1997). Introduction, in The Rule of Reason, The
Philosophy of Charles Sanders Peirce. Toronto/Buffalo/ London: University of
Toronto Press.
FRIEDMAN, L (1997). Peirce‟s Reality and Berkeley‟s Blunders, Journal of The
History of Philosophy, vol, XXXV, April, n.2, pp.253-268.
GAREWICZ, H. B. (1994). Peirce and Descartes. In Living Doubt - Essays
concerning the Epistemology of Charles Sanders Peirce. (ed. by G.
Debrock and M.Hulswit) Dordrecht, Boston, London: Kluwer Academic
Publishers.
GENTRY, G. (1952). Habit and The Logical Interpretant. In Studies in the
Philosophy of Charles Sanders Peirce, Cambridge: University of
Massachusetts Press, pp. 75-92.
177

GONÇALVES DE SOUZA, E. “O conceito de verdade pragmática em um


perspectiva lógico-formaL”, Cognitio Revista de Filosofia, ano 1, n.1, 3ºsem
2000, pp.138-144
HAACK, S. (1983). Descartes, Peirce and the Cognitive Community. In The
Relevance of Charles Peirce. Ed. Eugene Freeman, La Salle, Illinois:The
Hegeler Institute-The Monist Library of Philosophy.
_______ (1992). Extreme Scholastic Realism: Its Relevance to Philosophy of
Science Today. Transactions of the Charles S .Peirce Society, vol. XXVIII,
n.1, pp.19-50.
________ (1997). The First Rule of Reason. In The Rule of Reason, The
Philosophy of Charles Sanders Peirce, ed. Toronto/Buffalo/ London:
University of Toronto Press.
_______ (1998) Manifesto of a Passionate Moderate. Chicago: Chicago
University Press.
________ (2001) Filosofia das Lógicas, São Paulo: Unesp.
HARTSHORNE, C. (1973) Charles Peirce and Quantum Mechanics,
Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. I X, n.4, pp. 191-201.
HAUSMAN, C. R.(1986). Peirce´s Evolutionary Realism, Transactions of the
Charles S. Peirce Society, vol. XXII, n.3, pp. 475-500.
________ (1990). In and Out of Peirce‟s Percepts. Transactions of the
Charles S.Peirce Society, Summer, vol. XXVI, no. 3, pp. 271-309.
________ (1993). Charles S. Peirce’s Evolutionary Philosophy. New York:
Cambridge University Press.
________ (1997). Charles Peirce and the Origin of Interpretation. In The Rule
of Reason, The Philosophy of Charles Sanders Peirce, Toronto/Buffalo/
London: University of Toronto Press.
_________ (1998). Charles Peirce and the Future of Philosophy, The Journal
of Speculative Philosophy, vol, 12, n.2, pp.84-97 .
HERBENICK, R. (1970). Peirce on Systems Theory. Transactions of the
Charles S.Peirce Society, Spring, vol.VI, n.2 pp.84-98.
HINTIKKA, J. (1966). Knowledge, Acceptance and Indutive Logic. In Aspects
of Inductive Logic, Amsterdam: North Holland Publishing Company.
__________ (1983). C.S.Peirce's First Real Discovery and Its Contemporary
Relevance. In The Relevance of Charles Peirce, La Salle, Illinois: The Monist
Library of Philosophy.
__________ (1997). The Place of C.S.Peirce in The History of Logical Theory.
In The Rule of Reason, The Philosophy of Charles Sanders Peirce, Toronto/
Buffalo/ London: University of Toronto Press.
HOOKWAY, C. (1992). Peirce. London and New York: Routledge & Kegan.
178

____________ (1993). Belief, Confidence and the Method of Science,


Transactions of The Charles S. Peirce Society, Winter, vol.XXIX, no. 1, pp.1-
32.
____________ (1997). Sentiment and Self-Control. In The Rule of Reason,
The Philosophy of Charles Sanders Peirce. Toronto/Buffalo/ London:
University of Toronto Press.
HOUSER, N.(1983). Peirce‟s General Taxonomy of Consciounes.Transactions
of The Charles S. Peirce Society, vol.XIX, n. pp.331-359.
__________ (1986). Introduction. In The Writings of Charles S. Peirce: A
Chronological Edition, Vol. 4. Ed. by the Peirce Project. Bloomington: Indiana
University Press.
__________ (1992). O Escopo da Semiótica Peirceana, Face-Revista de
Semiótica e Comunicação, vol.3, n.2.jul/dez.
__________ (1997). Introduction: Peirce as Logician. In Studies of The Logic
of Charles Sanders Peirce, ed. By Nathan Houser, Don Roberts and James
Van Evra, Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.
__________ (1998). Introduction. In The Essential Peirce. Ed. by the Peirce
Edition Project, Bloomington: Indiana University Press.
HUNT, S. (1993). Truth, Laudan, and Peirce: A View from the Trenches.In
Charles S. Peirce and the Philosophy of Science. Tuscaloosa and London:
The University of Alabama Press, pp.119-138.
IBRI, I. (1992). Kósmos Noetós: Arquitetura Metafísica de Charles S. Peirce.
São Paulo: Perspectiva.
______ (1994). Kósmos Poietikos - Criação e Descoberta na Filosofia de
Charles S. Peirce. Tese de Doutoramento, São Paulo: USP, inédita.
______ (1996). A Física da Physis, Revista HYPNO : Reflexões sobre a
natureza, Educ. Palas Athena, n.2.pp.23-31.
______ (1997). Do Caos Ao Cosmos: Reflexões sobre a Possibilidade da
Semiótica. Caderno de Filosofia e Semiótica. vol.1, pré-print, PUC-SP.
______ (1997). Pragmatismo e Ética na Filosofia de Charles S. Peirce.
Caderno de Filosofia e Semiótica, pré-print, PUC-SP.
______ (1997). Sobre a incerteza. Caderno de Filosofia e Semiótica vol.1,
pré-print, PUC-SP.
________ (2000). As conseqüências de “Conseqüências Práticas” no
Pragmatismo de Peirce, Cognitio, Revista de Filosofia, Centro de Estudos do
Pragmatismo, Filosofia, PUC, SP. pp.30-37.
_________ (2000). Sobre a Identidade Ideal-Real na Filosofia de Charles
S.Peirce, Cognitio, Revista de Filosofia, Centro de Estudos do Pragmatismo,
Filosofia, PUC, SP. pp. 38-45.
179

JOANSON, A .(2001). Modern Topology and Peirce´s theory of the continuum,


Transactions of The Charles S. Peirce Society, vol.XXXVII, n.1, pp.1-11.
KENT, B. (1987). Charles S. Peirce Logic and the Classification of the
Sciences. Montreal: McGill Queen‟s University Press.
_______ (1997). The Interconnectedness of Peirce´s Diagrammatic Thought. In
Studies in the Logic of Charles Sanders Peirce,(ed. Nathan Houser et alii),
Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.
KETNER, K L. (1985). How Hintikka Misunderstood Peirce's Account of
Theorematic Reasoning, Transactions of The Charles S. Peirce Society, vol
XX1, n.3, pp.383/406.
_____________ (1992). Introduction. In Reasoning and the Logic of Things.
Ed. Kenneth Laine Ketner, Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, p. 37.
_________ (ed.) (1995). Peirce and Contemporary Thought. New York:
Fordham University Press.
KAPITAN, T. (1990). In What Way is Abductive Inference Creative?.
Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol.XXVI, n.4, pp.499-512.
__________ (1997). Peirce and the Structure of Abductive Inference. In
Studies in the Logic of Charles Sanders Peirce,(ed. Nathan Houser et alii),
Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.
KOEHN, D. (1971). Metaphysics and the Problem of Induction. The
Southwestern Journal of Philosophy, vol.11, n.1 e 2, Spring and Summer,
pp.129-138.
________ (1973). C.S.Peirce‟s Illustrations of the Logic of Science and the
Pragmatic Justification of Induction. Transactions of The Charles S. Peirce
Society, vol. IX, n.3, pp.157-174.
ANE, R. (1999). Peirce´s Triadic Logic Revisited, Transactions of The Charles
S.Peirce, vol. XXXV, n.2,pp.284-311.
LENZ, J. (1964). Induction as self-corretive. In Studies in the Philosophy of
Charles Sanders Peirce, 2nd series Amherst, Mass: University of
Massachusetts Press, pp.151-162.
LAUDAN, L. (1981) Peirce and the trivialization of the Self-Corrective Thesis, in
Science and Hypothesis: Historical Essays on Scientific Methodology,
Dordrecht: Reidel,pp. 226-251.
LEVI, I. (1997). Inference and Logic According to Peirce. In The Rule of
Reason, The Philosophy of Charles Sanders Peirce, Toronto/Buffalo/
London: University of Toronto Press.
180

LOVEJOY, A. (1952). What Is the Pragmaticist Theory of Meaning?.In Studies


in the Philosophy of Charles Sanders Peirce , Ist. Series, Cambridge:
Harvard University Press.
MADDEN, E. (1952). The Paradox of Peirce‟s Realism. In Studies in the
Philosophy of Charles Sanders Peirce , Ist. Series, Cambridge: Harvard
University Press.
___________ (1964). Peirce on Probability. In Studies in the Philosophy of
Charles Sanders Peirce, 2nd series Amherst, Mass: University of
Massachusetts Press, pp 141-150.
MANICAS, P. (1988). Pragmantic Philosophy of Science and the Change of
Scientism. Transactions of The Charles S. Peirce Society, Spring, vol. XXIV,
n.2, pp.179-222.
McKEON, C. (1952). Peirce‟s Scotistic Realism. In Studies in the Philosophy
of Charles Sanders Peirce, Ist. Series, Cambridge: Harvard University Press.
MICHAEL, F. (1988). Two forms of Scholastic Realism in Peirce‟s Philosophy.
Transactions of The Charles S. Peirce Society, vol XXIV, nº.3, Summer,
pp.317-348.
MIDTGARDEN, T. (2001). Peirce´s Speculative Grammar from 1895-1896- its
exegetical background and significance. Transactions of The Charles S.
Peirce Society, vol. XXXVII, n.1, pp. 81-96.
MISAK, C.J. (1991). Truth and the End of Inquiry: a Peircean Account of
Truth. New York: At the Clarendon Press.
_________ (1994). A Peircean Account of Moral Judgements, In Peirce and
Value Theory, Amsterdam/Phildelphia: John Benjamins Publishing Company.
MURPHEY, M. (1993). The Development of Peirce's Philosophy.
Indianapolis/Cambridge: Hackeet Publishing. Company, Inc.
MURPHY, J. (1990). O Pragmatismo de Peirce a Davidson, Porto: Ed. ASA.
MURPHREE, I. (1959). Peirce´s Theory of Inquiry, The Journal of Philosophy,
vol. LVI, n.15.
NAGL, L. (1993). The Ambivalent Status of Reality in K.O. Apel‟s
„Transcendental Pragmatic‟ Reconstruction of Peirce‟s Semiotic. In From Time
and Chance to Consciousness.Ed. by E.Moore and R. Robin. Providence:
Berg Publishers; pp. 55-66.
NESCHER, D. (2001). Peircean Epistemology of Learning and the funcion of
Abduction as the logic of Discovery, Transactions of The Charles S. Peirce
Society, vol.XXXVII, n.1, pp.23-58.
___________ (2002) On truth and the representation of reality- a collection
of inquiries from a pragmatist point of view, Lanhan/New York: University
Press of America.
181

NIKLAS, U. (1988). Sobre o Teórico e o Prático em Charles Sanders Peirce.


Face-Revista de Semiótica e Comunicação, vol.1, n.2., jul/dez., pp. 27-35.
ORANGE, D. (1984). Peirce’s Conception of God A Developmental Study,
Lubbock:Institute for Studies in Pragmaticism. p.2.
PAPE, H. (1993). Final Causality in Peirce‟s Semiotics and His Classification of
the Sciences. Transactions of The Charles S. Peirce Society, Fall, vol.XXIX,
n.4 pp, 582-607.
________ (1997). The Logical Structure of Idealim: C.S.Peirce‟s Search for a
Logic of Mental Processes. In The Rule of Reason, The Philosophy of
Charles Sanders Peirce, Toronto/Buffalo/ London: University of Toronto Press.
PARKER, K. (1998). The Continuity of Peirce’s Thought, Nashville and
London: Vanderbilt University Press.
POTTER, V. (1967). Charles S.Peirce, on Norms & Ideals, Worchester: The
University of Massachusetts Press .
__________ (1996). Peirce’s Philosophical Perspectives, New York:
Fordham University Press.
PUTNAN, H & PUTNAN, R. A. (1990). Epistemology as Hypothesis.
Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol.XXVI, n.4, pp.407-441.
RANSDELL, J.(1992) Teleology and the Autonomy of the Semiosis Process,
Signs of Humanity/L'homme et ses signes, vol. 1, eds. Michel Balat and
Janice Deledalle-Rhodes, General Editor Gerard Deledalle, Berlin: Mouton de
Gruyter, disponível em
http://members.door.net/arisbe/menu/library/aboutcsp/ransdell/autonomy.htm e
http://members.door.net/arisbe/menu/library/aboutcsp/ransdell/physics.htm
PEIRCE-L Philosophical Forum,
___________(1998). Sciences as communicational communities. Internet:
http://www.door.net/arisbe/menu/library/aboutcsp/ransdell/physics.htm
(___________(1999). Ransdell‟s response to the APS definition of science.
Internet: gopher://gopher.ttu.edu:70/0R157558-187909-/Pubs/peirce/peirce-
l/9905
___________(2000). Peirce and the Socratic tradition, Presidential Address at
the meeting of the C. S. Peirce Society in Boston, December 28, 1999. Internet:
http://www.door.net/arisbe/menu/library/aboutcsp/ransdell/socrates.htm
___________ (2001),Peirce´s Immediate/dynamical object distinction and the
solution of the problem of representative perception, texto inédito cedido pelo
autor.
REGT, H. (1999). Pragmatism, Scientific Realism and the Problem fo Scientific
Underdetermination, Transactions of The Charles S. Peirce Society,
vol.XXXV, n.2, pp.374-397.
182

RESCHER, N. (1978). Peirce's Philosophy of Science-Critical Studies, in His


Theory of Induction and Scientific Method. Notre Dame/ London: University
of Notre Dame.
___________ (1980). Induction, Pittisburgh: University of Pittisburgh Press.
RESCHER, N. (2000), Realistic Pragmatism- an introduction to pragmatic
philosophy, New York: State of University of New York Press.
ROBERTS, D. (1970). On Peirce‟s Realism. Transactions of The Charles
S.Peirce Society, Spring, vol.VI, n.2, pp.67-83.
ROBIN, R. (1997). Classical Pragmatism and Pragmatism‟s Proof, In The Rule
of Reason, The Philosophy of Charles Sanders Peirce, Toronto/Buffalo/
London: University of Toronto Press.
ROSENTHAL, S. (1983) “The Pragmatic World of Charles Peirce”,
Transactions of The Charles S.Peirce Society, Winter, vol.XIX, n.1, pp.13-
22.
______________ (1994). Charles Peirce's Pragmatic Pluralism, New York:
State University of New York Press, p. 21/25.
_____________ (1997). Pragmatic Experimentalism and the Derivation of the
Categories. In The Rule of Reason, The Philosophy of Charles Sanders
Peirce, Toronto/Buffalo/ London: University of Toronto Press.
ROTH, R. (1988). Anderson on Peirce's Concept of Abduction: Further
Reflections. Transactions of the Charles S.Peirce Society, vol. XXIV, n.1
pp.131-139.
SABRE, R. M. (1990). Peirce‟s Abductive Argument and the Enthymeme.
Transactions of the Charles S.Peirce Society, Summer, vol XXVI, n.3,
pp.363-372.
SANTAELLA, L. (1985). O que é Semiotica. São Paulo: Perspectiva.
____________ (1992). A Assinatura das Coisas. Rio de Janeiro: Imago.
____________ (1993). Difficulties and Strategies in applying Peirce‟s
Semiotics. Semiotica, 97-3/4, pp.401/410.
____________ (1993 a). Metodologia Semiótica. Fundamentos. São
Paulo:ECA/USP. Tese de Livre Docência, inédita.
____________ (1993 b). A Percepção, Uma Teoria Semiótica. São Paulo:
Experimento.
____________ (1994). A Estética de Platão a Peirce. São Paulo:
Experimento.
____________ (1994). Peirce‟s Broad Concept of Mind. European Journal for
Semiotic Studies 6 – 3/4, 399- 409.
____________ (1995 a). A Teoria Geral dos Signos - Semiose e
Autogeração. São Paulo: Atica.
183

____________ (1996 b). Miniaturas. São Paulo: Kacker.


___________ (1995 c). (Arte) & (Cultura): Equívocos do Elitismo. 3a ed.
São Paulo: Cortez.
____________ (1996 a). Produção de Linguagem e Ideologia. São Paulo:
Cortez.
____________ (1996 c). Semiotics in times of maturity, Semiotica, vol.108,
n.1/2., pp.129-155.
____________ (1996 b). Semiosphere The Growth of signs. Semiotica,
vol.109, n.1/2., p.178.
___________ (1997 a). Roteiro para leitura de Peirce, O sujeito entre a
Lingua e a Linguagem, série Linguagem, pp.93-114.
____________ (1997 b). Medea and the paroxysm of female anger. Semiotica
117 – 2/4, 127-144.
____________ (1998 a). Sign and Time in the Semiotics of Charles Sanders
Peirce. Signs & Time.
____________(1998 b). Institutions as a Phenomenon of Thirdness in the
Semiotics of C. S. Peirce. Cadernos de Filosofia e Semiótica, no.2, pp5-11.
____________(1999 a) O estado da arte dos estudos sobre Peirce: um breve
panorama. Caderno da 2ª Jornada do Centro de Estudos Peirceanos, 6-10.
____________(1999 b). A new causality for the understanding of the living.
Semiotica 127 – 1/4, 497-519.
____________(1999 c). A semiótica de C. S. Peirce. Hypnos 5, São Paulo:
EDUC & Palas Athena, 301-307.
____________(2000 a). Chaves do Pragmatismo Peirceano nas Ciências
Normativas, Cognitio, Revista de Filosofia, Centro de Estudos do
Pragmatismo, Filosofia, PUC, SP. pp.94-101.
____________(2000 b) Why Peirce‟s semiotic is also a theory of
communication. Caderno da 3ª Jornada do Centro de Estudos Peirceanos, 5-
10. [Online].
____________(2000 c). Chaves do pragmatismo Peirciano nas ciências
normativas. Cognitio 1, São Paulo: EDUC & Palas Athena, 94-101.
____________(2001a). Comunicação e Pesquisa, São Paulo: Hacker
Editores.
____________(2001 b) Matrizes da Linguagem e Pensamento-sonora
visual verbal, São Paulo: Fapesp.
____________(s.d.). Peirce‟s three categories and Lacan‟s three registers of
the human condition [Online].
____________(s.d.). The Computer as a Semiotic Medium [Online].
____________(s.d.). The Culture of the media as a hybrid culture [Online].
184

____________(s.d.). The development of Peirce‟s three types of reasoning:


abduction, deduction, and induction [Online].
____________(s.d.). The muscular, the sensorial, and the cerebral machines
[Online].
____________(s.d.). The postmodern debate [Online].
____________(s.d.). Why there is no crisis of representation according to
Peirce [Online].
____________(s.d.). Abduction and the limits of formalization [Online].
____________(s.d.) Cultura tecnológica & o corpo biocibernético [Online].
____________(s.d). Media and culture from a semiotic point of view [Online].
SERSON, B. (1992). La Théorie Sémiotique de la Cognition chez C. S. Peirce.
Tese de doutoramento, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris:
inédita,.
___________ (1994). O Ciclo Abdução, Dedução e Indução de C. S. Peirce e
sua Importância para a Epistemologia das Ciências Cognitivas. Cadernos do
Instituto de Estudos Avançados, USP, Série Ciências Cognitivas, 13, pp.1-
29.
___________ (1996). Representações em Ciências Cognitivas:
Computacionais, Mentais ou Cerebrais?. Cadernos do Instituto de Estudos
Avançados da USP, São Paulo: Série Ciências Cognitivas, 21, pp.1-15.
___________ (1996a). Introdução à Semiótica de C. S. Peirce. Caderno de
leituras, São Paulo: Puc, manuscrito.
___________ (1997). On Peirce‟s Pure Grammar as a General Theory of.
Cognition: From the Thought Sign of 1868 to the Semeiotic Theory of Assertion.
Semiotica, 113-1/2. P.107-157.
SHERIFF, J. K. (1994). Charles Peirce‟s Guess at the Riddle. Bloomington:
Indiana University Press.
SHANAGHAN, T. (1986). The First Moment of Scientific Inquiry. Transactions
of the Charles S. Peirce Society, vol XIII, n.2,pp.112-121.
SILVEIRA, L. (1997). Subsídios para um retrato de Charles Sanders Peirce. In
O sujeito entre a Língua e a Linguagem, São Paulo: Ed. Lovise, n.2 .pp. 87-
92.
____________ (2000). Em busca dos Fundamentos da Universalidade da
Necessidade da Semiótica e do Pragmatismo de C.S. Peirce, Cognitio,
Revista de Filosofia, Centro de Estudos do Pragmatismo, Filosofia, PUC, SP.
pp. 117-126.
____________ (2000). Acaso, Existência e Lei num Universo em Evolução,
Cognitio, Revista de Filosofia, Centro de Estudos do Pragmatismo,
Filosofia, PUC, SP. pp. 127-137.
185

SKAGESTAD, P. (1981). The Road Of Inquiry - Charles Peirce's Pragmatic


Realism. New York: Columbia University Press.
____________ (2002), Os primeiros passos rumo à verdade, Cognitio,
Revista de Filosofia, Centro de Estudos do Pragmatismo, Filosofia, PUC,
SP, n.3, nov., pp.107-114.
SMITH, J. (1983). Community and Reality. In The Relevance of Charles
Peirce. La Salle. Illinois:The Hegeler Institute, Monist Library of Philosophy,
pp.39/41.
SMYTH, R (1990). Peirce‟s Concept of Knowledge in 1868. Transactions of
the Charles S. Peirce Society, Summer, vol XXVI, no. 3, pp. 309-324.
STAAB, J (1994). The Laboratory- Trained Believer: Peirce on the Scientific
Character of Belief. Transactions of The Charles S. Peirce Society, Fall,
vol.XXX, n.4, pp.939-967.
STAAT, W. (1993). On Abduction, Deduction, Induction and the Categories.
Transactions of The Charles S. Peirce Society, Spring, vol.XXIX, n.2.
pp.225/236.
STEWART, A . F. (1997) Elements of Knowledge: Pragmatism, Logic and
Inquiry, Nashville/ London: Vanderbilt University Press.
____________ (2000). C.S.Peirce, Deus e Realismo: A intersecção
negligenciada entre ciência e religião, Revista de Filosofia do Centro de
Estudos do Pragmatismo, PUC-SP, Educ-Palas Athena, vol.1, pp. 167-183.
TURRISI, P. (1990). Peirce's Logic of Discovery, Transactions of the Charles
S. Peirce Society, vol.XXVI, n.4, pp.465/497.
___________(1997) Pragmatism as a Principle and Method of Right
Thinking, the 1903 Harvard Lectures on Prgamatism, Albany: State of New
York University Press.
WAAL, C. (1998). Peirce‟s Nominalist - Realist Distinction, an Untenable
Dualism. Transactions of the Charles S. Peirce Society , Winter, vol. XXXIV,
n.1, pp.183-202.
WAAL, C. (2001). On Peirce, Belomont: Wadsworth/thomson Learning, Inc.
WIENER, P. (1952). Peirce‟s Evolutionary Interpretation of the History of
Science. In Studies in the Philosophy of Charles Sanders Peirce, Ist. Series,
Cambridge: Harvard University Press.

3. Outros autores
ABRANTES, P. (org.) (1993) Epistemologia e Cognição, Brasília: Editora
UNB.
ACKERMANN, R. (1966). Non-decuctive inference, New York: Dover
Publications.
186

ALBUQUERQUE, E. (1996) O Realismo em Karl Popper, São Paulo: USP,


dissertação de mestrado inédita.
ALISEDA, A (1996). A unified framewok for abductive and inductive reasoning
in philosophy database disponível on line em
http://www.cs.bris.ac.uk/~flach/ECAI96/.
_________ (1997) Seaking explanations: abduction in logic, philosophy of
sicence and artificial inteligence, PHD thesis, database disponível on line em
http://www.wins.uva.nl/~www/research/www.dissertations.html.
ANGLUIN, D. e SMITH, C. (1983). Inductive inference: Theory and Methods,
Computing Surveys, vol.15, n.3, pp.237-269.
ARISTÓTELES (1996). Organum V, Col.Pensadores, São Paulo: Nova
Cultural.
_____________ (1998). Categories (trad. E. M. Edghill), database on line,
disponível em www.classics.mit.edu/Aristotle/categories.html.
_____________ (1998). Prior Analytics (trad. A. J. Jenkinson), database on
line, disponível em www.classics.mit.edu/Aristotle/prior.html.
_____________ (1998). Posterior Analytics , (trad. G.R.G.Mure), database on
line, disponível em www.classics.mit.edu/Aristotle/posterior.html.
_____________ (1998). Topics (trad. W. A. Pickard), database on line,
disponível em www.classics.mit.edu/Aristotle/topics.html.
______________ (1993). Fisica (trad. Marcelo Boeri), Buenos Aires: Ed.
Biblos.
AUGUST, E. (1975). Rational Proof: A System of Logic, in John Stuart Mill- a
Mind at Large, New York: Charles Scribner‟s Sons.
AYER, A. J. (1959). Logical Positivism, New York: The Free Press.
BARKER, S.F. (1957). Induction and Hypothesis, Ithaca;NY: Cornell
University Press.
BESUSAN, H. (1994). O argumento de milagre e a explicação do sucesso
da ciência, dissertação de mestrado defendida na USP, inédita.
BESSANT, B. (1996). The babelism about induction and abduction,
database disponível on line em http://www.cs.bris.ac.uk/~flach/ECAI96/.
__________ (2000). On relationships between Induction and abduction, in
Abduction and Induction, Essays on their Relation and Interpretation,
Dordrecht, Boston, London: Kluwen Academic Publishers, pp. 77-86.
BLACKBURN, S. and Simmons (1999). Truth. Oxford: Oxford University Press.
BRAITHWAITE, R.B. (1946) Scientific Explanation, a study of the function
of theory, probability and law in science, Cambridge: Cambridge University
Press.
187

BOLL, M & J. Reinhart (1992) A História da Lógica, Bibl. Básica de Filosofia,


Lisboa: Ed.70.
BOUDOT, M. (1972). Logique indutive et probabilité, Paris: Libraire Armand
Colin.
CARVALHO, M. Conhecimento e objetividade, São Paulo: Usp, dissertação
de mestrado inédita, 5, pp.155-219.
CARVALHO, O. (1997). Aristóteles em Nova Perspectiva: Introdução à Teoria
dos Quatro Discursos, Rio de Janeiro: Topbooks.
CASTI, J. L. (1990). Searching for Certainty: What Scientists Can Know
about the Future, New York: Wm. Morrow.
CERQUEIRA, L.A & A .Oliva (1979). Introdução à Lógica, Rio de Janeiro:
Zahar.
CHATTOPADHYAYA, D.P. (1991). Induction, Probability and Skepticism,
Abany, New York: The State University of New York Press.
CHAUÍ, M. (1994) Convite à Filosofia. São Paulo: Ática
CHIAPPIN, J. (1996) Racionalidade, decisão, solução de problemas e o
programa racionalista, in Ciência & Filosofia.
CHRISTIANSEN, H. (2000). Abduction and Induction combined in a metalogic
framework, in Abduction and Induction, Essays on their Relation and
Interpretation, Dordrecht, Boston, London: Kluwen Academic Publishers.
COHEN, L. (1970). The implications of induction, London: Methien.
_________ (1986). The dialogue of reason, Oxford: Clarendon Press.
_________ (1989). An Introducion to the philosophy of induction and
probability, Oxford: Clarendon Press.
COPI, I. (1981). Introdução à Lógica São Paulo: Mestre Jou.
CONSOLE, L e SAITTA, L. (2000). On the relations between abduction and
inductive explanation, in Abduction and Induction, Essays on their
Relation and Interpretation, Dordrecht, Boston, London: Kluwen Academic
Publishers, 133-151.
DA COSTA, N. (1980). Ensaio sobre os fundamentos da Lógica São Paulo:
Edusp.
___________ (1993). Lógica Indutiva e Probabilidade, São Paulo: UNESP.
___________ (1997). O Conhecimento Científico, São Paulo:
Fapesp/Discurso editorial.
DARCY, J. (1985) Epistemologia Contemporânea, Portugal: Edições 70.
DAVIDSON, D A verdade é o objetivo da investigação? – discussão com Rorty,
Traduzido por Paulo Ghiraldelli Jr. disponível em http://filosofia.pro.br/gt-
prgmatismo/gt-pragmatismo.htm, acessado em 23/4/02
188

__________. (1999) Truth, meaning.and knowledge. London and New York:


Routledge,
__________ (1990) The Structure and Content of Truth. The Journal of
Philosophy, vol. LXXXVII, n. 6, June.
DEELY, J. (1994), New Beginnings- Early Modern Philosphy and Post
Modern Thought, Toronto: University of Toronto Press.
DESCARTES, R. (1996). O discurso do método, col. Pensadores, São Paulo:
Ed. Abril, vol.IX, p.61/127, trad. J.Guinsburg e Bento Prado Júnior.
DOUVEN, I. e HORSTEN, L. (1996). (eds.) Realism in the Sciences.
Louvain: Leuven University Press.
ELIIS, B, (1999) Truth and Objectivity, Basil Blackwell.
FREGE, G. (2000) A negação. Uma investigação lógica. in Ciência &
Filosofia, n.6, p.252-173.
FLACH, P & KUKAS, A. (eds) (2000). Abduction and Induction, Essays on
their Relation and Interpretation, Dordrecht, Boston, London: Kluwen
Academic Publishers.
___________ (2000). Abduction and Inductive reasoning: background and
issues, in Abduction and Induction, Essays on their Relation and
Interpretation, Dordrecht, Boston, London: Kluwen Academic Publishers, pp.
1-27.
FEYERABEND, P. (1989). Contra o método, Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 3ª ed.
GLEISER, M. (1999), A dolorosa busca pela verdade, Jornal Folha de São
Paulo – Caderno MAIS! Páginas: 5-14 , 15/8, disponível em
http://www.crisoston.pro.br/metodologia/cs_gleiser_01.htm.
GHIRALDELLI Jr., P.( 2000a). O que é preciso saber em Filosofia da
Educação. Rio de Janeiro: DP&A
________ (2000b) Filosofia da Educação e ensino – perspectivas
neopragmáticas. Ijuí: Unijui
GHIRALDELLI JR, P. (2002) “Teorias da Verdade-brevíssima introdução”,
Filosofia e Filosofia da Educação, database on line, disponível em
http://filosofia.pro/textos/teoria-de-verdade.html
GOLDFARB, A. (1994). O que é História da Ciência?, São Paulo: Brasiliense.
___________ (1994 a) A Magia das Máquinas, São Paulo: Experimento.
GRANGER, G. (1955). Lógica e Filosofia das ciências. São Paulo:
Melhoramentos, Bibl. Eduçação n. 32.
____________ (1989). Por um conhecimento filosófico, São Paulo: Papirus
Editora.
189

HACKING, I. (1998) The emergence of probability, Cambridge: Cambridge


University Press.
___________ (2001) An Introduction to Probability and Inductive Logic,
Cambridge: Cambridge University Press.
HAMLYN, D.W. (1990). Uma História da Filosofia Ocidental, Rio de Janeiro:
Zahar.
HANKINSON, R. J. (1995). Philosophy of Science, in The Cambridge
Companion Aristotle, Cambridge: Cambridge University Press.
HEMPEL, C. (2000) Métodos tipológicos nas ciências naturais e nas ciências
sociais, in Ciência & Filosofia, n.6, p.229-252.
HORWICH, P (1996) Realism and Truth, in Philosophical Perspectives, 10
Metaphysics.
_________, (1998) Truth, Oxford: Clarendon Press.
HOWANG, P (1993). Aristotle and Peirce on Chance, in Charles S. Peirce and
the Philosophy or Science, Tuscallosa/ London: The Univesity of Alabama
Press.
HARROD, R. (1056). Foundations of inductive logic, London: Macmillan &
Co. Ltda.
HETHERINGTON, S. (2001). Why there need not be any grue problem about
inductive inference as such, The Journal of the Royal Institute of
Philosophy, vol. 76, n.295, pp. 127-136.
HOLLAND, J et al, (1987). Induction, Process of Inference, Learning and
Discovery, Cambridge: The MIT Press.
HORWICH, P. (1996) Realism and Truth, Philosophical Perspectives,
Metaphysics, n.10.
_________ (1998).Truth. Oxford: Clarendon Press.
HOWSON, C. (2000). Hume’s Problem- Induction and the justification of
Belief, Oxford: Clarendon Press.
JOSEPHSON, J. (2000). The Philosophy of abduction and induction, in
Abduction and Induction, Essays on their Relation and Interpretation,
Dordrecht, Boston, London: Kluwen Academic Publishers, pp.31-43.
KNEALE, W & M. Kneale. (1962). O Desenvolvimento da Lógica, Lisboa:
Fund. Calouste Gulbekian.
KNEALE, W. (1963). Probability and Induction, Oxford: Claredon Press.
KIRKHAM, R. L.( 1995) Theories of Truth – A Critical Introduction.
Massachusetts: MIT Press.
KYBURG, H. (1968) The rule of detachment in inductive logic, in The problem
of inductive logic , Amsterdam: North Holland Publishing Company.
190

KUHN, T. (1996). A Estrutura das Revoluções Científicas, São Paulo:


Perspectiva, 4a. ed.
LAKATOS, I. (1968) Changes in the problem of inductive logic, The
problem of inductive logic, Amsterdam: North Holland Publishing
Company.
MAGEE, B. (1974). As Idéias de Popper. São Paulo: Cultrix.
MAROSTICA, A H. (1993). Abduction: The Creative Process. in Abduction and
Reasoning in Expert Systems, Signs Search and Communication, Berlin/
New York: Mouton de Gruyter, pp. 135-150.
____________ (1989), Peirce´s conception of truth- a tychist approach,
doctoral dissertation presented at the Indiana University.
MARGUTTI, P,(2002) Ceticismo, Pragmatismo e a crítica de Sellars ao “Mito do
Dado”, Filosofia e Filosofia da Educação database disponível em
http://filosofia.pro/textos/cetismo-pragmatismo.html
MONTEIRO, J. (1996) Realismo e Apreensibilidade, Ciência e Filosofia, n.5,
pp;9-49.
MUSGRAVE, A. (1998) Common Sense, Science and Scepticism, A
historical introduction to the theory of knowledge, Cambridge: Cambridge
University Press.
MOONEY, R. (2000). Integrating abduction and induction in machine learning,
in Abduction and Induction, Essays on their Relation and Interpretation,
Dordrecht, Boston, London: Kluwen Academic Publishers.
MORIN, E (1997) O Método 1. A Natureza da Natureza, Lisboa: Publicações
Europa-América..
_______ (2001), O Método 4 As idéias habitat, vida, costumes,
organização, Porto Alegre: Editora Sulina.
MORTIMER, H. (1989). The Logic of Induction, New York, Chinchester,
Birsbane, Toronto: John Wiley & Sons.
NÖTH, W. (1995). Handbook of Semiotics, Bloomington: Indiana University
Press,
________ (1995 a). Panorama da Semiótica. De Platão a Peirce, São Paulo:
Annablume.
________ (1996). Signo, Representação e Representação Mental, Cadernos
do Instituto de Estudos Avançados, Série Ciências Cognitivas, n.21, São
Paulo: USP.
NORTON, D. (1993). Introduction to Hume´s Thought, in The Cambridge
Companion to Hume, Cambridge: Cambridge University Press, pp.1-32.
191

OLIVEIRA, M. B. (1996). On the Nature and Dynamics of Concepts, Cadernos


do Instituto de Estudos Avançados, Série Ciências Cognitivas, n.21, São Paulo:
USP.
OKASHA, S. (2001). What did Hume really show about induction, The
Philosophical Quaterly, vol.51, n.24, pp. 307, 327.
PLASTINO, C. (2000) Realismo Metafísico e Relatividade conceitual”, in
Cognitio Revista de Filosofia, ano 1, n. 1, 2ºsem, pp79-85
____________ (2000) “ A verdade como Limite Ideal”, in Cognitio Revista de
Filosofia, ano 1, n. 1, 2ºsem, pp 86-93.
____________(2000) “Indução e Credibilidade”, in Ciência & Filosofia, n.6,
pp.7-60.
____________ (1995) Realismo e anti-realismo acerca da ciência, São
Paulo:Usp, tese de doutorado inédita.
POPPER, K. (1975). A Lógica da Investigação Científica. Col. Pensadores,
São Paulo: Abril Cultural.
__________ (1979). Objective Knowledge – An Evolutionary Approach,
Oxford: At The Clarendon Press.
__________ (1959). The logic of discovery, London: Hutchinson, pp.29-30.
__________ (1963). Conjectures and refutations, in The growth of scientific
knowledge, London: Routledge. pp 215-48.
__________ (1982) . Realism and the Aim of Science, London: Hutchinson.
PSILLOS, S. (1999) Scientific Realism- how science tracks truth, London,
New York: Routledge.
PUTNAM, H. (1995) Pragmatism – an open question. Cambridge: Blackwell.
QUINE, W. V.(1995) Filosofia e linguagem. Trad. João Sáágua. Porto:
Edições ASA.
___________ (2001) “Cinco Marcos do Empirismo”, Filosofia e Filosofia da
Educação, http://filosofia.pro/textos/.html
REICHENBACH, H. (1995) Experience and Prediction, an Analysis ot the
foundations and the structure of knowledge, Chicago: The University of
Chicago Press.
RORTY, R. A (1994) Filosofia e o Espelho da Natureza, Rio de Janeiro,
Belume Dumará.
___________ (1990), Introdução, in O Pragmatismo de Peirce a Davidson,
Porto: Ed. ASA.
RORTY, R. (1967) The Linguistic Turn. Chicago: The University of Chigaco
Press.
_________ (1982), Consequences of Pragmatism, Mineapolis: University of
Minnesota Press.
192

ROSENKRANTZ, R. (1982). Does the philosophy of induction rest on a mistake,


The Journal of Philosophy, vol. LXXIX, n.2, pp.78-92.
ROSSI, P. (1992). A Ciência e a Filosofia dos Modernos, São Paulo:Unesp.
RUSSELL, B. (1945). History of Western Philosophy, New York: Simon and
Schuster, pp 667.678.
___________ (1962). A Perspectiva Científica, São Paulo: Companhia
Editora Nacional.
___________(1974).Induction, in The Justification of Induction, (ed. Richard
Swuinburne Bunglay), Sufolk: Oxford University Press.
___________ (19696) Philosophical Essays. Londres: George Allen & Unwin
Ltd
SALMON, W. (1973). Lógica, trad. Leonidas Hegenberg e Octanny S.Mota, Rio
de Janeiro: Zahar Ed., p. 13.
SALMON, W. (1968) The justification of inductive rules of inference, The
problem of inductive logic , Amsterdam: North Holland Publishing Company.
SATCKER, D. (1994). Grue! The New Riddle of Induction, Chicago and
LaSalle, Illinois:Open Court.
SCHLAGEL, M. (1992). Meeting Hume´s skeptical challenge, Review of
Metaphysics, n.45, pp.691-711.
SCHELER, M. (1986). Visão Filosófica do Mundo, São Paulo: Perspectiva.
SCHEFFER, I. (1994). Induction Inference: A New Approach, in Grue! The new
riddle of Induction, Chicago and LaSalle, Illinois:Open Court.
SEN, P. K. (1980). Logic, Induction and Ontology, Atlantic Hignhlands, N.J.:
Humanities Press.
SMITH, P. (1995). O Ceticismo de Hume, São Paulo: Ed.Loyola.
SMITH, R. (1995). Logic. in The Cambridge Companion Aristotle, Cambridge:
Cambridge University Press.
SOAMES, S. (1999) Understanding Truth, Osford: Oxford Univesrsity
Press.
STOVE, D. (1986). The Rationality of Induction, Oxford: Clarendon Press.
VAN FRAASSEN, B. C. (1989) Laws and Symmetry. Oxford: Oxford
University Press.
__________ (1988). The peculiar effects of love and desire, in Perspectives on
Self-Deception, Berkeley: University of California Press, pp. 123-156.
TARSKI, A. Verdade e demonstração, Caderno de História e Filosofia da
Ciência, série 3, v.1, janeiro a junho de 1991, pp. 90-121.
VENN, J. (1973). The Principles of Inductive Logic, New York: Chelsea
Publishing Company.
193

VIDEIRA, A . (2000) A filosofia da ciência de Ludwig Boltzmann, in Ciência &


Filosofia, n.6, p.199-228.
VON WRIGHT, G. (1960). A treatise on induction and Probability, Paterson:
Littlefield, Adams & Co.
WATKINS, Z.W.N. (1968). Hume, Carnap and Popper, Inductive Logic and
Inductive Intuition, in The Problem of Inductive Logic Proceedings of the
International Colloquium in the Philosophy of Science, London, vol 2,
Amsterdam: North Holland Publishing Co.
WIENER, J (1998). Aristotle’s Syllogism: Logic Takes Form, database on
line, disponível em www.//classics.mit.edu/Aristotle/.html.
WÓJCICKI, R. (1994). Peircean vs. Aristotelian Conception of Truth”, in Living
Doubt - Essays Concerning the Epistemology of Charles Sanders Peirce
(ed. by G. Debrock and M.Hulswit) Dordrecht, Boston, London: Kluwer
Academic Publisher

Anda mungkin juga menyukai