Agradeço
às amigas que me ajudaram com sugestões, idéias e muito trabalho:
Edith Frankenthal, Heloisa Leão, Jorgina Santos, eSusana Götz;
ao Pessoal do Peirce Edition Project, Professores Nathan Houser, Andre
DeTienne, Cornelis Waal e Martha, pela gentileza de terem me recebido;
à Professora Dra. Lúcia Santaella, pelo apoio ao projeto de pós-doc:
ao amigo Júlio Lamounier, pelo apoio monetário na publicação deste
livro.
4
Sumário
Introdução
Parte I Em defesa do Realismo Científico
1. Introdução
2. Realismo e anti realismo
3. O Realismo peirceano
3.1 A evolução do realismo peirceano
Conclusão
Referências Bibliográficas
Lista de quadros
Quadro 1 Realismo e anti realismo
Quadro 2 Novo Realismo e Idealismo
Quadro 3 Uma categorização das teorias da verdade
Lista de figuras
Figura 1 Natureza da Verdade
Figura 2 Teses de abordagem pragmática
Figura 3 Teorias da Verdade
5
INTRODUÇÃO
Se você estuda Peirce tem que estar preparado para
surpresas: você tem que ser persistente o bastante para
considerar a possibilidade de que as coisas possam se provar
muito diferentes daquilo que você há muito tempo decidiu que
elas seriam. (Smith, 1983:39).
O segredo da grandeza de Peirce como filósofo - uma
grandeza que estamos começando a descobrir-repousa na
facilidade com a qual ele combinava abertura para a
experiência com sagacidade lógica e habilidade para
desenvolver um sistema compreensivo e coerente.
(Smith,1983:41)
1. Matemática,
2. Filosofia e,
3. Ciências Especiais.
Segundo este diagrama, quanto mais abstrata for a ciência, mais ela
será capaz de fornecer princípios para as menos abstratas. A classificação das
ciências de Peirce não é um esquema linear, mas uma série de escadas
relacionadas numa forma tri-dimensional, de forma a exibir as relações de
dependência entre as ciências. É baseada na lógica dos relativos e na forma
diagramática de pensamento, mostrando os efeitos concebíveis de uma
ciência, ou em outras palavras, seu significado pragmático, que segundo Peirce
seria uma das formas mais completas de se entender uma ciência.
Sendo as ciências interdependentes, este diagrama mostra os princípios
de sua interdependência. A classificação das ciências de Peirce explicita as
relações de interdependência de uma ciência para com as outras, indicando os
escalonamentos em níveis de abstração através dos quais as ciências mais
abstratas funcionam como fundamentação para as menos abstratas, na medida
em que é das mais abstratas que as mais concretas tomam emprestados seus
princípios, ao mesmo tempo em que é com dados fornecidos pelas ciências
menos abstratas que as mais gerais se abastecem.
Fundamental para Peirce era a ordenação das ciências com relação às
categorias. Existe dentro de sua classificação uma lógica ternária e os números
1, 2, 3 indicam não somente a ordem, mas também um conteúdo lógico-
relacional, de tal forma que, onde o número 1 estiver, há relação com a
primeira categoria, a Primeiridade, que é a categoria da qualidade, sentimento,
acaso, indeterminação. O número 2 indica relação com a segunda categoria, a
Segundidade, que é a categoria do existente, da ação, do aqui e agora, da
dualidade. O número 3 está relacionado com a terceira categoria, a
Terceiridade, que é a categoria da continuidade, da lei, da generalidade, do
crescimento e da evolução. Para Peirce, todas as ciências são observacionais,
a diferença entre elas reside no modo de observação empregado em cada uma
delas.
No diagrama peirceano, a Matemática é a ciência mais genérica e
abstrata e não depende de nenhuma outra ciência. No entanto todas as outras
ciências dependem da Matemática, seja implícita ou explicitamente, já que os
problemas matemáticos aparecem em todas as ciências e na vida quotidiana,
pois sempre temos que estabelecer conseqüências de estados gerais de
coisas. Conseqüentemente, todas as ciências têm um conteúdo matemático, ou
10
margem para erro, mas Peirce propõe a doutrina do tiquismo, em que o acaso
é um princípio de desordem, de não-lei, é um resquício daquele estágio de
ilimitada liberdade, ao qual já havíamos referido, sob a Primeiridade, aquele
elemento espontâneo, que é incondicionado, e que vai explicar a imensa
variedade do universo e sua complexificação, porque a
idéia de complexificação não é derivada da ordem (da lei), As obras de Peirce
mas é derivada da espontaneidade, gerando variedade e serão citadas obede-
crescimento complexo. cendo às abreviações
Peirce considera três teorias da evolução: a comumente aceitas
entre os estudiosos:
primeira é de inspiração darwiniana, em que o motor CP -Collected Papers
dessa evolução é acaso, “sporting”, é a teoria que Peirce HP -Historical
denomina de ticasticismo ou tiquismo, que “deve dar Perspectives on
origem a uma cosmologia evolucionária, na qual todas Peirce’s Logic of
regularidades da natureza e da mente são vistas como Science.
produtos do crescimento (CP 6.102 de 1892). Para MS- Manuscritos da
Houghton Library
Peirce, esta explicação não é suficiente, porque pelo Harvard University
princípio da adaptabilidade ou do instinto de N -Charles Sanders
sobrevivência, ela não explica fundamentalmente a Peirce: Contributions to
formação de generalidade, de espécies, não explica a The Nation
idéia de lei, que reúne sob si, espécies, gêneros, NEM -The New
semelhanças. Elements of
Mathematics
A outra forma de evolução é aquela por PW- The
necessidade, de interação causal entre os elementos da Correspondence
natureza, de modo que eles se organizam e constituem between Charles
sistemas. Para Peirce, esta teoria não é suficiente para S.Peirce and Victoria
explicar o lento crescimento da mente do universo. Esta Lady Welby
segunda teoria, teoria de evolução por necessidade W- Writings of Charles
lógica, necessidade gerada pela causalidade, é chamada S. Peirce.
SL- Studies in Logic by
de anancasticismo ou ananquismo, por vezes anancismo. Members of John
A terceira (por amor, simpatia, afinidade) é a que Hopkins University
Peirce chama de agapismo ou de agaspasticismo, RLT- Reasonings and
significando amor, reunião. O amor vai agir como uma the Logic of Things -
força aglomerante, segundo a qual as idéias se reúnem The Cambridge
por afinidade (by affection), em que uma idéia afeta a Conferences.
EP1-Essential Peirce –
outra, não só no sentido da necessidade, de causa e vol.i
efeito, mas no sentido de uma se afeiçoar a outra. EP2-Essential Peirce
Fazendo uma relação da evolução com as categorias, a vol. II
força evolutiva da espontaneidade está sob a PPMRT- Pragmatism
as a Principle and
Method of Right
Thinking.
15
PARTE I
EM DEFESA DO REALISMO CIENTÍFICO
Ao longo dos anos tenho ficado cada vez mais
consternado com a recente
tendência de compreender de maneira errada o
pragmatismo como uma forma de
relativismo, destinado a ab-rogar padrões racionais, em
lugar de uma
doutrina normativa rigorosa destinada a substanciá-los.
(RESCHER, 2000)
1. INTRODUÇÃO
2. REALISMO E ANTI-REALISMO
A revisão da literatura especializada mostra que as investigações sobre
a natureza e sobre as condições e a extensão do conhecimento humano
constituem alguns dos mais persistentes e instigantes problemas da filosofia e
da epistemologia. Estes problemas derivam de uma reflexão sobre o mundo ao
nosso redor, dela decorrendo as controvérsias sobre o ceticismo, racionalismo,
externalismo, fundacionalismo...
Alguns céticos defendem o argumento de que não temos crenças
justificadas a respeito de certas classes de proposições, e sendo assim, não
teríamos razão para acreditar em proposições sobre o mundo físico. Assim,
com relação à pergunta de Descartes (o que eu sei realmente sobre o mundo
externo?), as respostas dos céticos são pessimistas.
Dado que nosso conhecimento sobre o mundo externo deriva de nossos
sentidos, como podemos saber algo sobre o mundo sem primeiro provar que
nossos sentidos são confiáveis? Ou, como obtemos conhecimento usando uma
fonte de crenças sem antes mostrar que ela é confiável? Para Stroud (2000:6),
essas perguntas-problema não têm solução, isto é, nada podemos saber sobre
o mundo externo:
19
As representações ou experiências
sensoriais às quais a conclusão de Descartes restringiria meu
conhecimento, não poderiam ser outras além das minhas próprias
experiências sensoriais: não poderia haver nenhum conhecimento
comunitário, mesmo do véu da própria percepção. Se minhas próprias
experiências sensoriais não me permitem conhecer as coisas do mundo
que me rodeiam elas não me permitem mesmo saber se existem outras
experiências sensoriais ou sequer quaisquer outros seres perceptíveis.
(STROUD, 2000:6)
Mas o que poderia caracterizar uma visão realista da ciência? Para
Plastino (1995: 14), as seguintes proposições poderiam elucidar esta questão:
A existência e a natureza dos fatos do mundo não dependem das teorias
ou métodos que a ciência utiliza.
Toda asserção científica, interpretada literalmente, é ou verdadeira ou
falsa.
O valor-de-verdade de uma asserção científica é determinado pelo mundo.
Uma asserção é verdadeira quando mantém uma relação de
correspondência com o mundo.
A ciência procura teorias que façam uma descrição verdadeira (ou
aproximadamente verdadeira) do mundo.
Os termos teóricos preservam sua referência durante as mudanças
científicas. As teorias científicas sucessoras incorporam o cerne das
teorias precedentes.
O progresso da ciência consiste num processo convergente de
aproximação de uma teoria científica completa e verdadeira.
Nas ciências maduras, as teorias são aproximadamente verdadeiras e
seus termos centrais se referem a objetos do mundo.
Pode-se dizer que há várias formas de tratamento do realismo científico.
Enquanto algumas são compostas de suposições de caráter metafísico
(ontológico) sobre a existência e independência do mundo físico exterior, outras
enfatizam aspectos epistemológicos da investigação científica do mundo ou
aspectos semânticos da interpretação das teorias científicas. Entretanto, na
maioria dos casos, o realismo científico caracteriza-se como um conjunto
integrado e híbrido de teses filosóficas a respeito de diferentes aspectos ou
dimensões da ciência.
Para Psillos (2001:xix), a visão metafísica assegura que o mundo tem
uma estrutura definida e independente da mente, contrapondo-se às posições
idealistas, fenomenalistas, como também ao verificacionismo de Dummet ou
ao internalismo de Putnan. Já, a visão semântica toma as teorias científicas em
20
apenas entidades observáveis ordinárias (esta tese poderia ser expressa pelo
empirismo de Van Fraassen, 1980). A segunda tese realista é a da unicidade,
segundo a qual as teorias que prevalecem sobre suas concorrentes levam em
conta critérios justificados e não pragmáticos, elas são as mais adequadas
entre as concorrentes disponíveis. A terceira corresponde ao realismo
ontológico, que implica no princípio de que aquilo que existe é independente as
teorias e da representação. Se aceitas estas três teses, pode-se unir a elas
uma concepção de verdade por correspondência, “que parece sugerir-se
naturalmente”.
Por outro lado, Putnan (1990:113-4) discute quatro tipos de realismo: o
realismo ingênuo, o realismo metafísico, o realismo interno e o realismo de
senso comum, que se opõem entre si. O realismo ingênuo não se confunde
com o realismo de senso comum porque se resume na convicção de que o
sujeito tem de se encontrar numa relação absoluta com o mundo e que o
mundo real consiste nas aparências que este sujeito consegue apreender. O
que Putnan rejeita no realismo metafísico e na perspectiva externalista são três
pontos principais: que o mundo seja uma totalidade fixa de objetos
independentes da mente, que exista uma única descrição coerente e
verdadeira de mundo e que a verdade implique em algum tipo de
correspondência. Para o realismo interno, a referência e a verdade não
dependem de qualquer misteriosa relação de correspondência, mas são ambas
internas às teorias.
Para Putnan (1990:205 ff), não tem sentido qualquer suposição de que
haja “entidades independentes da mente”. Em seu realismo interno, Putnan
propõe o abandono da dicotomia tradicional entre o mundo em si e os
conceitos que utilizamos para nele pensar e falar, e a verdade e a referência de
nossas expressões lingüísticas são relativas ao esquema conceitual, ou seja,
são internas à perspectiva assumida.
Goodman (1983:102) argumenta que, quando percebemos que os
supostos aspectos do mundo são relativos a uma perspectiva particular, então
uma versão verdadeira do mundo pode ser incompatível com outras
perspectivas, e assim, “o mundo em si rapidamente se esvai”.
Mas há algumas formulações ortodoxas sobre o realismo científico que
são defendidas por Fine (apud Plastino, 1995) e têm apoios nas teses
descritas a seguir:
há um mundo exterior definido (constituído de entidades com propriedades
e relações) que, em grande parte, é independente de nosso conhecimento
ou experiência;
22
que nós podemos perceber e investigar”. Assim, uma teoria científica será
aceita, desde que ela funcione satisfatoriamente. De certo modo, a prática
científica é entendida como "uma projeção para fora de nós, de nossos
interesses, hábitos e capacidades" (FINE, apud Plastino, 1995).
Para os instrumentalistas, é no interior da própria prática científica que
se reconhecem e se apreciam os méritos das conclusões científicas, e é
necessário, portanto, que as estratégias adotadas pela comunidade científica
sejam tidas como capazes de realizar ou conduzir progressivamente aos fins
esperados. Nesse contexto, a verdade, como correspondência ou concordância
da teoria com a realidade, não deveria ser considerada como um objetivo da
investigação científica, pois em geral não sabemos como determinar se uma
dada hipótese ou teoria científica tem a propriedade de ser verdadeira ou estar
mais próxima da verdade que outra. Ainda que a verdade possa ser
rigorosamente definida e seja em princípio atingível, não há um critério
operacional cuja satisfação garanta que um enunciado ou sistema de
enunciados da ciência empírica seja verdadeiro ou se aproxime
assintoticamente da verdade (em termos realistas). Conseqüentemente,
mesmo diante de uma verdade científica não saberíamos identificá-la ou
reconhecê-la como tal, e, o máximo que podemos e devemos esperar das
teorias científicas é o acordo com nossas observações, sua precisão e
simplicidade (sob vários aspectos), seu poder de predição e explicação, sua
capacidade de unificar e sistematizar leis empíricas, a abrangência de seu
domínio, sua eficácia na solução de problemas teóricos, sua aplicação prática,
sua coerência com outras crenças bem estabelecidas. (PLASTINO, 1995)
[...] a noção realista de verdade (como
correspondência) transcende nosso conhecimento de tal maneira que não
possui nenhuma implicação para a prática efetiva dos agentes da pesquisa
científica (e, além disso, abre as portas ao ceticismo).(PLASTINO, 1995:16)
A concepção instrumentalista da ciência entende que o êxito prático da
ciência não autoriza a crença nas atuais teorias científicas (literalmente
interpretadas) nem na existência das entidades teóricas (inobserváveis) que
elas postulam, e as considerações pragmáticas favoráveis a uma teoria
científica parecem indicar apenas que ela é um instrumento útil. Nesse
contexto, as chamadas entidades teóricas da ciência são consideradas como
ficções, construtos mentais ou idealizações simples e convenientes aos
propósitos da ciência. Para os instrumentalistas, os argumentos utilizados para
fundamentar a aceitação de resultados científicos não servem de base para
supormos que a ciência é uma fonte de informação confiável sobre a "estrutura
25
3. O REALISMO PEIRCEANO
O êxito da ciência moderna deveria convencer-nos que a
indução é o único ditame imperativo capaz de buscar a verdade.
Ora, o pragmaticismo diz simplesmente que o método indutivo é
o único essencial para a determinação do teor intelectual de
qualquer símbolo.(CP 8.209 DE 1905)
29
Mas, pergunta ele, o que queremos dizer ao afirmar que há uma coisa como a
verdade? E a resposta é que “queremos dizer que há algo ASSIM, correto e
justo, independente de que qualquer pessoa pense assim ou não”. (CP 2.135
de 1902)
Para Peirce, o problema do conhecimento da realidade está apoiado no
domínio da metafísica. Haveria, então, pelo menos duas posições alternativas:
a apriorista e a empirista ou naturalista. A posição apriorista é a kantiana,
assumindo que a metafísica é uma ciência da razão pura, com seu
conhecimento derivado exclusivamente de conceitos que não sofrem influência
de qualquer experiência. A empirista pressupõe que somente a experiência
pode solucioná-la (CP 2.137 de 1902). Peirce enfatiza o
papel da experiência, isto é, a experiência é aquela Você pode se iludir
determinação da crença ou cognição que o curso da quanto você quiser, mas
vida força sobre o indivíduo. Mas, precisamente, como você tem uma
experiência direta de
ocorre a ação de experiência? Através de uma série de algo que reage contra
surpresas (CP 5.551 de 1905). Pode-se mentir a você. Você pode chegar
respeito disso, mas ninguém pode escapar do fato de a supor que há uma
que algumas coisas são forçadas sobre sua cognição: substância na qual o
ego e o não-ego tem as
Há um elemento de raízes similares no seu
força bruta, existente, mesmo que você pense ou ser; mas isso é
não que ele existe. Alguém poderá objetar que se irrelevante. O fato da
ele não pensou assim, ele não seria forçado a reação permanece. Há a
pensar assim; pelo que não é um uma instância em proposição que é assim,
questão. Mas esta é uma dupla confusão de idéias. seja o que for o que
Porque em primeiro lugar, que algo seja assim, você opina sobre ela. A
mesmo que você pense diferentemente, é algo que essência da verdade
não pode ser refutado ou demonstrado se você encontra-se em sua
pensar diferente; e em segundo lugar, o que a resistência a ser
experiência força o homem a pensar, ele tem que ignorada (CP 2.139 de
pensar forçosamente. Mas nesse particular ele não 1902).
é forçado a pensar que é essa força que o faz
pensar assim. A verdadeira opinião cogitada por
aqueles que negam que há alguma Verdade, no
sentido definido, é que não é força, mas sua liberdade interna que
determina sua cognição experiencial. Mas essa opinião é absolutamente
contraditada por sua própria experiência. (CP 2.138 de 1902)
Embora algumas pessoas insistam em fechar seus olhos para o
elemento de compulsão, este é diretamente experienciado por eles. Mas o
próprio fato de poder negá-lo confirma o fato de que é independente da opinião
a seu respeito. A hipótese fundamental do método da ciência é de que há reais,
31
Do fato de que o real permanece sem ser afetado pelo que pensamos
(CP 8.12 de 1871); do fato de que o real é independente do que dele se possa
pensar (CP 5.405 de 1877); do fato de que uma comunidade de investigadores
utilizando um método correto chegará a uma opinião com a qual todos
concordarão (opinião esta cujo objeto é o real e que não depende das opiniões
individuais CP 5 407 de 1877), emergem três idéias:
a realidade tem uma espécie de independência com relação àquilo que
está sendo pensado e representado.
a realidade está essencialmente relacionada com o pensamento e as
idéias
a idéia de realidade é a resultante final da investigação.
Neste contexto Peirce faz a seguinte suposição:
Suponha que nossa opinião com referência
a uma dada questão esteja completamente estabelecida, de tal modo que
mesmo que se a investigação for levada adiante, ela não nos ofereça mais
surpresas neste ponto. Então poderemos dizer que alcançamos o perfeito
conhecimento sobre essa questão. (CP 4.62 de 1843)
Para Peirce, a realidade não pode ser separada de suas
representações, ou seja, dos fenômenos mentais. A única forma de não cair em
um “mentalismo” do tipo Locke, está na lógica ou semiótica porque todos os
nossos produtos mentais são signos e não podemos pensar sem signos. Essa
noção de realidade é expressa na seguinte passagem:
Há coisas reais, cujos caracteres
independem por completo de nossas opiniões a respeito delas; esses reais
afetam nossos sentidos segundo leis regulares e conquanto nossas
sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos,
poderemos, valendo-nos das leis da percepção, averiguar através do
raciocínio, como efetiva e verdadeiramente as coisas são: e, todo homem,
desde que tenha experiência bastante e raciocine suficientemente acerca
do assunto, será levado à conclusão única e verdadeira.(CP 5.384 de 1877)
A realidade das coisas está sujeita às seguintes propriedades:
Não depende do desejo ou opinião de indivíduos ou grupos de indivíduos;
Será objeto de consenso entre as pessoas que têm suficiente experiência
e conduzem as investigações de forma correta;
De fato, este consenso não é limitado a uma comunidade particular, mas
pode incluir qualquer agente racional;
O consenso resulta da ação da realidade externa sobre nossos sentidos e
nossas opiniões.
33
uma posição realista. Então como sabemos que um objeto interno em nossa
cognição pode representar um objeto externo à nossa cognição? Para resolver
esta questão é necessário analisar tanto a Fenomenologia como a teoria da
percepção de Peirce.
Começando pela Fenomenologia, o que Peirce entende como
fenômeno? Como sabemos que aquilo que se apresenta na nossa cognição é
também a representação de um objeto real que está fora da cognição. Peirce
responde a isto com a definição de fenômeno. Fenômeno é tudo o que está
diante de nossa mente, pode ser um sonho, uma sensação, pode ser uma
presença física ou um pensamento, não se restringindo a algo "que se pode
sentir, perceber, inferir, lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordem-
espaço temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o „mundo
real‟”. (Santaella, 1995:16).
Depois de muitos anos de estudo, Peirce chegou à conclusão de que só
há três e não mais do que três categorias, que são pontos para os quais todos
os fenômenos tendem a convergir: primeiridade, segundidade e terceiridade ou
Acaso, Existência, Lei. As categorias correspondem aos três modos de ser e
aparecer, isto é, como primeiridade (a idéia de que o fenômeno aparece como
ele é), como segundidade (a idéia de uma relação de dependência) e como
terceiridade (a idéia de mediação). A primeiridade é um modo de qualidade,
que na interioridade corresponde à unidade e na exterioridade à diversidade. A
segundidade corresponde ao modo de reação, que na interioridade
corresponde aos fatos do passado e na exterioridade ao não-eu. A terceiridade
corresponde ao modo de ordem, que na interioridade se refere à permanência
e na exterioridade à regularidade.
A experiência é um processo cognitivo de signos, que corresponde à
categoria da terceiridade, mas o elemento mais proeminente desse processo
de terceiridade são as relações referenciais da terceiridade e da segundidade,
que são expressas na nossa experiência de reação dual em nossa mente
cognitiva, e nessa dualidade reconhecemos os objetos representados. Para a
ciência, os fatos não podem ser olhados de forma atômica e não relacionada,
eles devem ser passíveis de generalização, devem ser vistos dentro de um
sistema (CP 1.424 de 1896), onde são relacionados e agrupados de acordo
com leis gerais, porque um verdadeiro continuum não pode ser esgotado por
nenhuma multiplicidade de particulares. A verdadeira generalidade é de fato
continuidade.
Ora, se a força da experiência fosse mera
compulsão cega, e, se fôssemos estranhos absolutos no mundo, então,
mais uma vez, poderíamos pensar apenas para aprazer a nós mesmos;
35
porque, neste caso, nunca poderíamos fazer com que nossos pensamentos
se conformassem a essa mera Segundidade. Mas a verdade é que há uma
Terceiridade na experiência, um elemento de Racionalidade, em relação ao
qual podemos exercitar nossa própria razão a fim de que ela se lhe adeqüe
cada vez mais. Se não fosse esse o caso, não poderia existir algo como um
bem ou mal lógicos, e, portanto não precisaríamos esperar até ser provado
que há uma razão operativa na experiência, da qual nossa própria razão
pode aproximar-se. Deveríamos, ao mesmo tempo, esperar que isto assim
seja, porquanto nessa esperança reside a única possibilidade de todo
conhecimento. (CP 5.160 de 1903)
coisas será tão real e verdadeiro quanto aquele próprio estado de coisas
presente”. (CP 6.367-368 de 1898).
Assim mesmo, deixe uma lei da natureza--
digamos a lei da gravidade - permanecer uma mera uniformidade -- uma
mera fórmula estabelecendo a relação entre os termos - e o que no mundo
induziria uma pedra, que não é um termo nem um conceito, mas só uma
coisa simples, a atuar em conformidade com essa uniformidade? Todas as
outras pedras podem ter feito assim, e esta pedra também em ocasiões
anteriores, e quebraria a uniformidade se não for fazer assim agora. Mas, e
daí? Não tem sentido tentar de fazer raciocinar a uma pedra. Ela é surda e
não pensa. Eu deveria perguntar a quem objeta se ele é um nominalista ou
um realista escolástico. (CP 5.48 de 1903)
Há ainda um quarto aspecto: para o nominalista não existe conexão
entre coisas individuais. Um nominalista define ação como uma noção de lei ou
de uniformidade, contra o que Peirce argumenta que “uma lei da natureza
abandonada a si própria é muito parecida com um tribunal sem juiz”.
Suponhamos que uma lei da natureza, por exemplo, a lei da gravidade
permaneça mera uniformidade, mera fórmula estabelecendo uma relação entre
termos - o que no mundo induziria uma pedra, que não é um termo, nem um
conceito, mas só uma coisa, a agir em conformidade com tal uniformidade?
Todas as outras pedras o fizeram e esta também em outras ocasiões e seria
quebrar a uniformidade não fazer isso agora. Mas o que fazer? Não adianta
falar de razão com uma pedra, ela é surda e desprovida de razão. O
nominalista diria que leis são meramente gerais, fórmulas relacionando meros
termos. Se for realista, uma lei da natureza pode ser vista como um tipo de
esse in futuro, que tem uma realidade presente que consiste no fato de que os
eventos acontecerão de acordo com a formulação daquela lei.
39
posso atentar para o que uma foto desprovida de imaginação poderia fazer.
Assim, Macbeth fez a experiência de tentar agarra o punhal. (CP 2.140-
2.141)
Assim embora esses testes possam confirmar a insistência do mundo
real, sua existência não é fornecida pela experiência imediata, mas por nossas
inferências derivadas dos fatos perceptuais:
Todos este testes, entretanto, dependem da
inferência. Os dados a partir dos quais começa a inferência e depende todo
raciocínio, são os fatos perceptivos, que constituem o relatório falível do
intelecto dos perceptos, ou a "evidência dos sentidos". É somente nestes
perceptos que podemos confiar por completo, e isso não como
representantes de qualquer outra realidade que eles mesmos. (CP 2.143 de
1902)
Desde os anos 60 Peirce sempre defendeu a teoria de que o
conhecimento é derivado do mundo exterior. Mesmo as conclusões sobre
nosso estado emocional e afetivo são conseqüências de inferências a partir do
mundo exterior (CP 5.392). Mas a impossibilidade de controlar e criticar este
processo quase inferencial instintivo (e a este respeito é incorrigível) não é um
fundamento absoluto de nosso conhecimento. Onde então, no processo
cognitivo, começa a possibilidade de controlá-lo? Na opinião de Peirce,
certamente, não antes de que esteja formado o percepto.
A “maquinaria da mente” não pode produzir por si só qualquer forma de
conhecimento, apenas transformá-lo, ou seja, somente após os fatos oriundos
da observação, deparamos com algo novo que alimenta o pensamento em seu
processo de conhecimento (CP 5.392). Temos então: perceptos e rompimento
de hábitos concomitantes a imagens e sensações e fim do estímulo externo,
permanência de um hábito imaginativo, que reproduz ou representa o percepto
enquanto uma imagem ou idéia geral. (Bortolotti, 2002:152-153)
Não vejo como pode ser possível exercer
qualquer controle sobre essa operação ou de submetê-la à crítica.Se
pudéssemos sequer criticá-la, tanto quanto eu posso ver, essa crítica
estaria limitada a fazê-lo novamente e observamos, mais atenciosamente,
se conseguimos o mesmo resultado. Mas quando o voltamos a fazer, sem
lhe dar a devida atenção, o percepto provavelmente não é o mesmo que
era antes. Não vejo que outros meios temos para sabermos se é o mesmo
que era antes ou não, salvo comparando o primeiro julgamento perceptivo
com este último. u deveria desconfiar por completo de qualquer outro
método de verificação sobre qual era o caráter do percepto. Em
conseqüência, até que eu não for melhor aconselhado, eu considerarei o
julgamento perceptivo como absolutamente fora de controle. Se eu estiver
65
Peirce sustentaria durante mais de trinta anos e que ele já manifestava nas
conferências de Lowell de 1866.
No entanto, esta é uma questão polêmica entre os comentadores de
Peirce; alguns, entre eles Don Roberts (1970:67-83), contestam que Peirce
tenha sido nominalista. Um dos pontos que Roberts levanta é que, embora a
teoria peirceana da probabilidade possa ser classificada como nominalista, isso
não torna sua filosofia nominalista. Outro ponto que Roberts coloca, se refere à
atmosfera científica da juventude de Peirce, que favorecia ênfase na
comunidade ao invés do individualismo (MS 655). Também, na opinião de
Roberts, alguns textos de Peirce de 1859-60 deveriam ser vistos apenas como
idéias que eram experimentadas.
Para Michael (1988: 317-348), até 1867 os escritos de Peirce estão
permeados da doutrina dos nominalistas medievais e sua posição na questão
dos universais é muito próxima daquela de Occam. Michael traz, como
exemplo, uma passagem de 1865 do texto “An Unpsychological View of Logic”,
onde Peirce havia escrito: “qualidades são ficções, porque embora seja
verdadeiro que as rosas são vermelhas ainda a vermelhitude não é nada mais
do que ficção emoldurada para os propósitos de filosofar...” Nesta passagem
Peirce nega a realidade dos universais, parecendo comprometido com alguma
forma de nominalismo.
Ainda segundo Michael, na fase “nominalista” de Peirce, não haveria
generalidade fora do pensamento e da linguagem, posição esta que ele
manteria até 1983, quando forçado por sua nova lógica, gradualmente se
converteria e desenvolveria uma nova forma de realismo escolástico. Michael
traz outro exemplo que é uma passagem de 1868, do texto “Questions on
Reality”, onde Peirce diz :“o elemento nominalista de minha teoria é certamente
uma admissão de que nada fora da cognição e da significação geralmente tem
alguma generalidade” (MS 931 de 1868). Em outra passagem, do mesmo teor
Peirce mantém que, na cognição, os universais são tão reais quanto os
singulares:
O real é o objeto de uma proposição
absolutamente verdadeira. Portanto, chegamos a uma teoria que, embora
seja nominalista, na medida em que baseia os universais em signos, é,
contudo, oposta ao individualismo que com freqüência se acredita coexistir
com o nominalismo. Pois não há nada que impeça as proposições
universais de serem absolutamente verdadeiras, e, portanto, os universais
podem ser tão reais quanto os individuais [...]. Cada ato de cognição que
possuímos é um julgamento cujos sujeito e predicado são termos gerais.
(MS 931 de 1868)
69
A questão, portanto, está em que existe algo fora da mente, que influi
diretamente sobre a sensação e através da sensação, sobre o pensamento, é
este o traço fundamental da realidade é estar aí, permanecer sendo, ser
independente, é a alteridade, a característica de ser outro.
Mas a opinião humana tende
universalmente, a longo prazo, para uma forma definida, que é a verdade.
Que um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o
suficiente sobre uma questão qualquer, e o resultado será que ele chegará
a uma certa conclusão definida, que é a mesma a que chegará qualquer
outra mente nas mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. [...]
Existe, portanto, para toda questão, uma resposta verdadeira, uma
conclusão final, para a qual a opinião de todo homem constantemente
tende. (CP 8.12 de 1871)
Peirce apresenta sua concepção de verdade a partir da definição de
real. Também enfatiza que, apesar dos erros, há possibilidade de que, a longo
prazo, se chegue à verdade. Segundo ele, dizer que os objetos reais são
externos à mente e agem sobre a mente é significante e verdadeiro, porque
uma análise pragmática mostra que, a longo prazo as opiniões tendem para um
acordo sobre a realidade de tais objetos. Para Peirce, o erro ou a vontade
arbitrária pó,dem adiar este acordo geral, mas a opinião final é independente
de tudo que é arbitrário e individual no pensamento. O realismo de Peirce vê o
real como um objeto da opinião verdadeira. A verdade não é uma questão
individual, a verdade tem um sentido coletivo, o indivíduo poderá até perdê-la
de vista, mas mesmo assim “permanece o fato de que há uma opinião definida
para a qual tende a mente do homem no conjunto e a longo prazo” (CP 8.12 de
1871).
Portanto, esta opinião final é independente
não, de fato, do pensamento em geral, mas de tudo o que seja arbitrário e
individual no pensamento; é totalmente independente daquilo que o leitor
ou eu ou qualquer número de pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que
se pensar existir na opinião final é real, e nada além disso. (CP 8.12 de
1871)
Assim, esta teoria da realidade é “instantaneamente fatal à idéia de uma
coisa em si mesma – uma coisa que exista independentemente de toda relação
com a concepção que dela tem a mente”, ela nega que haja uma realidade
absolutamente incognoscível e esta concepção do real é inevitavelmente
realística, “porque concepções gerais entram em todos os juízos e, portanto,
em todas as opiniões verdadeiras”. Portanto, uma coisa no geral é tão real
quanto no concreto (CP 8.13 de 1871). Assim, a generalidade dos termos
76
inferências sejam feitas. Então, dada uma conclusão sintética requerida para se
conhecer todos os possíveis estados de coisas, quantos estarão, até certo
ponto, de acordo com esta conclusão? Percebemos que é “apenas um absurdo
tentar reduzir raciocínio sintético a analítico e, nenhuma solução definitiva é
possível” (CP 2.685 de 1878). Mas há outro problema em conexão com este
tópico: dado um certo estado de coisas, que proporção de todas inferências
sintéticas a ele relacionadas serão verdadeiras para um dado nível de
aproximação. Por que gostaríamos de conhecer a probabilidade de que um fato
estaria de acordo com nossas conclusões?
Peirce volta então à questão kantiana: “Como são possíveis os juízos
sintéticos a priori?”, que “abalou a filosofia corrente da época”. Segundo Peirce,
por juízos sintéticos Kant entendia “aqueles que afirmam o fato positivo e que
não são apenas casos de combinação; em suma, juízos do tipo que o
raciocínio sintético produz e que o juízo analítico não pode produzir”. (CP 2.690
de 1878). Mas há uma outra pergunta que deveria ter sido feita antes, que é
“como é possível qualquer juízo sintético? Como é que um homem pode
observar um fato e imediatamente emitir um juízo a respeito de um outro fato
diferente que não está envolvido no primeiro?
Para Peirce, a solução está ligada a “uma filosofia geral do universo”
(que vai ser trabalhada em “The Order of Nature). Peirce sugere que se
considere a solução apresentada por Kant para os juízos sintéticos a priori,
(segundo a qual os juízos sintéticos a priori são possíveis, porque tudo aquilo
que é universalmente verdadeiro, está envolvido nas condições da
experiência), deveria ser estendida para os juízos sintéticos em geral,
constituindo um “enunciado satisfatório do princípio da indução” (CP 2.691 de
1878).
Como todo conhecimento provém da
inferência sintética, devemos inferir igualmente que toda certeza humana
consiste meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso
conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a
conclusões verdadeiras. Embora uma inferência sintética não possa ser de
maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a
apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é
somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação
suficiente. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é,
realmente, um dos fatos dos quais parte a lógica. (CP 2.692-93 de 1878)
Segundo Peirce, a relação que existe entre raciocínio sintético e
dedutivo é importante porque quando acolhemos certa hipótese, não é apenas
porque ela explique os fatos observados, mas também porque a hipótese
79
entre 1891-93 e inclui cinco artigo. A segunda série inclui os artigos escritos
sobre a álgebra e a lógica dos relativos de Schröder, publicada em 1896-97. A
terceira série se refere aos ensaios do Pragmatismo, que foram publicados em
1905-1906 e a quarta série, conhecida como “Amazing Mazes”, foi publicada
em 1908-1909.
Pode-se dizer que o período Monist faz uma junção de duas linhas
fundamentais do pensamento de Peirce que são a sua semiótica e o seu
pragmatismo.
Nos anos 80, iniciando com “A Guess at the Riddle”, Peirce começa a
reunir suas doutrinas filosóficas num sistema integrado. Nos cinco textos da
primeira série Monist estão reunidos os grandes temas da metafísica peirceana,
cada texto vai sucedendo ao outro e construindo as concepções de
generalidade, cosmologia, evolucionismo, continuidade, acaso e liberdade.
Estes artigos são revolucionários porque rompem com uma série de
pressupostos da filosofia, entre os quais a idéia de um mundo governado pela
necessidade e a dualidade mente-matéria, oferecendo como alternativas
lógicas o idealismo objetivo, o sinequismo, o tiquismo e o agapismo. Por outro
lado, estes textos contêm também o espírito do evolucionismo, que na filosofia
genética de Peirce é um evoluir do “vago para o definido”. A passagem a seguir
de “The Law of Mind”, pode ser vista como síntese dos pontos acima
mencionados:
Tentei desenvolver o melhor que pude, num
espaço pequeno, a filosofia sinequista aplicada à mente. Acho que
consegui tornar claro que esta doutrina dá espaço para explicações de
muitos fatos que sem ela seriam absoluta e desesperadamente
inexplicáveis, ainda ela dá suporte para as seguintes doutrinas: primeiro,
um realismo lógico do tipo mais pronunciado; segundo, idealismo objetivo;
terceiro, tiquismo, com seu evolucionismo radical. Pode-se também notar
que a doutrina não apresenta obstáculos a influências espirituais, como
fazem algumas filosofias. CP 6.163 de 1891
Por outro lado, além do desenvolvimento de sua cosmologia e
metafísica científica, um dos objetivos de Peirce nos anos 90 seria o de retomar
o pragmatismo e trazê-lo como um componente de sua filosofia sistêmica, para
a qual a teoria dos signos funcionou como elemento integrador.
Nas Conferências de Harvard do Pragmatismo e na terceira série Monist
sobre pragmatismo, Peirce vai enfatizar que a “prova” do pragmatismo é, ao
mesmo tempo a prova do realismo, assim o pragmatista é obrigado a
subscrever a doutrina da “Modalidade real, incluindo a Necessidade real e a
Possibilidade real” (CP 5.457 de 1905).
83
valor que não fosse cognição, ao passo que os realistas, falando ainda de
modo muito genérico, consideravam o geral não só como o fim e o
propósito do conhecimento, mas também como o elemento mais importante
do ser. (CP 4.1 de 1898)
Assim, se as leis forem ficções, o mundo em si mesmo não é inteligível
e, portanto, não exibe qualquer estrutura racional. Se, por outro lado, as leis
são reais, se “as leis são realmente operativas na natureza”, o mundo deve
obedecer a algum tipo de lei, “segue-se que estamos fadados a esperar que tal
processo lógico da evolução da lei na natureza possa ser descoberto e que é
nosso dever, como homens de ciência procurar por ele” (CP 7.480 de 1898).
Então, existe a possibilidade de se descobrir a estrutura racional do mundo
através da investigação e para Peirce “não haveria tal coisa chamada verdade,
a menos que existisse alguma outra coisa que é como é, independente de
como possamos pensar que seja. Isto é realidade, e temos de investigar o que
é a sua natureza” (CP 7.659 de 1903).
Segundo Fisch (1986: 199), o ponto de disputa entre realistas e
nominalistas é a questão da possibilidade real, e só a partir de 1897, é que
Peirce encontrou este caminho, quando repudiou a visão nominalista da
possibilidade e explicitamente retornou para a doutrina da possibilidade real de
Aristóteles. Nesta fase, o próprio Peirce se autodenomina “um aristotélico de
inclinação escolástica” (CP 5.77 de 1897). Há, portanto, uma mudança na visão
realista, que agora passa a incluir a realidade da Primeiridade, distinguindo a
generalidade dos primeiros e dos terceiros, e rejeitando a visão nominalista de
que o possível é “meramente aquilo que não sabemos se é verdadeiro” (CP
3.527 de 1897). A passagem a seguir é bem explícita com relação a esses
pontos:
É evidente que o pragmatismo envolve o
realismo escolástico, uma vez que faz com que todo conteúdo intelectual, e,
portanto, o significado da própria realidade consistam naquilo que seria
(would’be), sob condições concebíveis, que, em grande parte, jamais
podem ser concretizadas. Envolve, portanto, tornar o ser real, incluindo
existência. Ora, este é precisamente o ponto de disputa entre os realistas e
os nominalistas. “Uma Possibilidade Real”, diz o nominalista, é um contra-
senso. Pois o que é possível, não sabemos se é verdadeiro. O realista
afirma que há, além disso, uma possibilidade real e uma necessidade real
(não uma mera compulsão, mas uma necessidade racional, como nas leis
da natureza). (MS 845:29-30 de 1905)
Peirce se refere à seguinte passagem como o seu passo mais decisivo
em relação ao realismo, ao acrescentar o possível como modo de ser:
85
ocorre um novo fenômeno, que é exterior, non-ego, e aí “nada nos resta a não
ser aceitar a surpresa” (PPMRT: 202). A Terceiridade é “sinônimo de
representação”, é apropriado dizer que um princípio geral que é operativo no
mundo real é da natureza essencial de um representação e de um símbolo...
(CP 5.105 de 1903). A seguinte passagem, de 1896, também é bastante clara e
elucidativa sobre o que estaria envolvido no pensamento peirceano quanto à
esta questão:
Novamente aqui, não é o uso da língua que
procuramos aprender, mas qual deve ser a descrição do fato para que
nossa divisão dos elementos dos fenômenos em categorias de qualidade,
fato e lei possa não somente ser verdadeira, mas também ter o maior valor
possível, sendo governada pelas mesmas características que realmente
dominam o mundo fenomenal. O primeiro requisito é apontar algo que deve
ser excluído da categoria do fato, qual seja, o geral, e, com ele, o
permanente ou eterno (pois permanência é uma espécie da generalidade),
e o condicional (que envolve igualmente a generalidade). A generalidade ou
é do tipo negativo que pertence ao meramente potencial, como tal, e assim
é peculiar à categoria da qualidade; ou é do tipo positivo que pertence à
necessidade condicional, o que é peculiar à categoria da lei. Essas
exclusões reservam para a categoria do fato, em primeiro lugar, aquilo que
os lógicos chamam de contingente, isto é, o acidentalmente real; e em
segundo lugar, o que quer que envolva necessidade incondicional, isto é, a
força sem lei ou razão, a força bruta. (CP 1.427 de 1896).
A partir de 1890, o realismo de Peirce vai sendo influenciado pelos
grafos existenciais e a geometria tópica, além de sua aproximação com Hegel.
Estas mudanças, em conjunto com sua atenção voltada para a importância da
continuidade, motivaram o conteúdo das Conferências de Cambridge2 de 1898,
sob o título geral de “Reasoning and The Logic of Things”. Os
desenvolvimentos apresentados nestas conferências se associam à
consolidação do estudo da Lógica dos Relativos, levando Peirce a ampliar o
conceito de generalidade, que é fundamental para se entender o “realismo
extremo”:
A generalidade é, com efeito, um ingrediente
indispensável da realidade, pois a simples existência individual ou
concretude sem qualquer regularidade é uma nulidade. O caos é o puro
nada. [...] a continuidade é um elemento indispensável da realidade, e
2 Foram oito as Conferências de Cambridge: 1)-Philosophy and The Conduct of Life (RLT:105-
122), 2)-Types of Reasoning (RLT:123-145), 3)-The Logic of Relatives (RLT:165-189) 4)- First
Rule of Logic (RLT:165-180), 5)-Training on Reasoning p 181- 196, Conferência 6 Causation
and Force (RLT:197-217), 7)- Habit (RLT:218-242), 8)- TheLlogic of Continuity (RLT: 242-270).
87
natureza foi feita há muito tempo atrás, mas ainda está num longo processo de
se tornar cada vez mais admirável à razão humana. Uma lei está sob a
terceiridade, é mediação, uma lei pode ser vista como a generalização de um
particular porque para uma lei ser verdadeira significa que todos os fatos
possíveis, que obedecem a esta regra.
O realismo não é uma hipótese sobre o passado, mas sim sobre a
ciência como processo “sócio-histórico” que permite previsões sobre o futuro,
porque a “realidade é uma idéia que insiste em se auto-proclamar, quer nós
gostemos ou não” (CP 8.156 de 1901
No contexto da filosofia peirceana, a investigação científica é uma
atividade voltada para um fim que é a descoberta da verdade e dentro da visão
realista, a ciência progride por convergência em direção à verdade, no sentido
de correspondência com a realidade. Este é um elemento muito importante,
porque a própria validade da indução está relacionada com as previsões, mas
não como base para ação, mas como validade do método científico, como um
caminho para a descoberta da verdade. Se uma teoria explica os fatos a ela
submetidos, ela pode ser considerada verdadeira, e uma teoria é verdadeira
porque ela prevê bem o curso futuro dos eventos.
Assim, a teoria do continuum de Peirce pretende demonstrar que a
natureza tem continuidade do passado para o futuro, que é a própria
legitimação das leis da natureza e da indução, porque se assim não fosse não
haveria representação. É a regularidade, generalidade, continuidade que
permitem a representação.
Mas, se de outro lado, for concebível que o
segredo seria revelado à inteligência humana, será algo que o pensamento
pode alcançar. Ora, o pensamento é da natureza de um signo. Neste caso,
então, se pudermos descobrir o método certo de pensar – o método certo
de transformar signos- e pudermos segui-lo, então a verdade não pode ser
nada mais nada menos do que o último resultado para o qual, seguindo
aquele método, finalmente seríamos levados. Neste caso, isto a que a
representação se conformaria é algo da natureza da representação ou
signo – alguma coisa nomológica, concebível, e definitivamente uma coisa-
em-si-mesma. (CP 5.553 de 1905)
91
PARTE II
A VERDADE SERIA O FIM IDEAL DA INVESTIGAÇÃO
CIENTÍFICA?
1. TEORIAS DA VERDADE
Aparte objetos abstratos como proposições e sentenças, se é
que temos isso, as únicas coisas neste mundo que são
verdadeiras são alguns enunciados e algumas crenças. Quando
dizemos que um enunciado ou uma crença é verdadeira,
predicamos com verdade tal enunciado ou crença, assim, eu
não vejo nenhum mal em manter que a verdade é uma
propriedade. (Davidson) .
3 Para alguns autores é do pensamento aristotélico que derivam duas das mais tradicionais
teorias da verdade, a por correspondência e a da coerência, e partindo da teoria da
correspondência pode-se encontrar as teorias pragmáticas e as semânticas. Por outro lado,
das teorias semânticas são derivadas as teorias não tradicionais, deflacionistas ou
minimalistas.
95
Figura 1ANatureza
verdade da
temVerdade
uma natureza?
SIM. Ela tem mais de uma? NÃO. A Verdade expressa uma propriedade qualquer?
SIM, pluralismo. NÃO, mas a verdade seria SIM, minimalismo. NÃO, redundância ou
pelo menos epistêmica? prossetencialismo.
precisamente apto a formular, mas que ele aprova como conduto para o
verdadeiro conhecimento. Por conhecimento verdadeiro ele quer dizer,
apesar de que ele não está usualmente apto a analisar seu significado, o
conhecimento último no qual ele espera que a crença final não seja
perturbada pela dúvida, ao olhar para o assunto particular ao qual sua
conclusão se relaciona. [...] o raciocínio, desta forma, começa com
premissas que são adotadas como representando perceptos, ou
generalizações de tais perceptos, ou antes, a proposições expressando
fatos da percepção. (CP 2.773 de 1901)
B. projeto naturalístico
C. projeto essencial
Filósofo Escola teórica
Peirce Pragmaticismo
William James Instrumentalismo
Russel Teoria da correspondência
Austin Teoria da correspondência
Blanshard Teoria da coerência
Horwich
2. O PROJETO DE JUSTIFICAÇÃO
Filósofo Escola teórica
Bradley Teoria da coerência
William James Instrumentalismo
Blanshard Teoria da coerência
Outros Fundacionalismo
3. PROJETO DOS ATOS DE FALA
A. projeto ilocucionário
Filósofo Escola teórica
Strawson Teoria da performance
Price Teoria darwiniana
B. projeto asserção
C. projeto atribuição
pessoa comum (ingênua)
projeto estrutura profunda
Filósofo Escola teórica
Ramsey Teoria redundante
White Teoria da avaliação
Williams Teoria redundante
Grover, Camp e Belnap Teoria “prossentencial”
Fonte: Kirkham (1995:37).4
Com relação ao projeto dos atos de fala, este tem como objetivo
descrever os propósitos locucionários ou ilocucionários que usam expressões
que parecem imputar a propriedade da verdade alguma proposição. Podem ser
classificados em ilocucionários, asserção ou atribuição.
4 Segundo Kirkhan, Field, Davidson e Dummet foram excluídos desta lista porque não teriam uma
teria da verdade, mas estariam defendendo projetos mais simples.
103
não precisa ser uma lei da natureza por si própria. Muitas teorias sobre o que é
uma lei da natureza constrangem ainda mais o que pode ter importância como
tal lei, além do simples requisito de que a proposição em questão seja
verdadeira em todos os mundos naturalmente necessários.
Sendo as leis da lógica verdadeiras em qualquer mundo possível e não
em qualquer mundo naturalmente possível, alguns filósofos tentaram uma
análise da verdade em seu grau máximo de universalidade. Esse é o projeto
essencial (a terceira diivsão do projeto metafísico), que busca uma expressão
que seja equivalente para “x é verdadeiro”, em todos os mundos possíveis.
Esse projeto é defendido por Peirce, James, Russel, Austin, Blanshard,
Horwich.
Para Kirkhan (1995:72), o projeto metafísico parece não ter interesse em
fornecer um critério que pudesse realmente ser usado para determinar se uma
proposição é verdadeira, porque seguramente identifica as condições
necessárias e suficientes para a verdade. Ainda segundo Kirkham, as
respostas aos ramos do projeto metafísico podem ser divididas em duas
grandes categorias: as teorias realistas e as não realistas. As teorias realistas
incluem aquelas historicamente denominadas de correspondência e as não
realistas incluem as de semântica, coerência e redundância.
[...] uma condição ulterior, para que uma
teoria que valha como uma teoria Realista da verdade, é que o fato em
questão deve ser independente da mente, isto é, nem sua existência nem
sua natureza depende da existência de qualquer mente, nem dos
pensamentos de qualquer mente, nem do esquema conceitual de qualquer
mente, nem das capacidades epistêmicas, limitações, ou realizações de
cada mente. (KIRKHAM, 1995:72) 5
5 Um fato é, portanto, um state of affairs no mundo real. O termo state of affairs é usado em
sentido filosófico, ou seja, qualquer coisa que possa ser afirmada verdadeira ou falsa com uma
sentença declarativa Uma outra condição para que uma teoria seja realista é que seja
independente da mente, ou seja, sua existência ou natureza não depende da existência de
qualquer mente. Dessa forma, uma teoria realista da verdade impõe uma certa condição
ontológica para o truth bearer (portador da verdade). Como veremos ainda neste capítulo, a
teoria da verdade de Peirce é realista, preenchendo os requisitos acima descritos.
105
que o “believer” pode saber se sua crença é verdadeira, então o “believer” pode
também conhecer a verdade, o que Musgrave chama de verdade subjetiva:
A teoria da auto-evidência: uma crença é verdade se e tão somente se ela
é auto evidente para mim;
A teoria da indubitabilidade: uma crença é verdade se e tão somente se eu
não posso duvidar dela;
A teoria da percepção clara e distinta: uma crença é verdade se e tão
somente se eu a perceber clara e distintamente;
A teoria da coerência: uma crença é verdade se e tão somente se ela é
coerente com o resto de minhas crenças,
A teoria pragmaticista: uma crença é verdade se e tão somente se eu
achar útil tê-la;
A teoria da verificação: uma crença é verdade se e tão somente se ela é
confirmada por minha experiência
A teoria do consenso: uma crença é verdade se e tão somente se minha
comunidade intelectual concorda com que ela é.
Mas segundo Musgrave, uma objeção que se faz às teorias subjetivas é
que elas podem conduzir ao relativismo, isto é, uma proposição pode ser
verdadeira, ou coerente, ou confirmada pela experiência para um indivíduo e
não para outro.
[...] o subjetivismo da verdade acarreta
necessariamente o relativismo da verdade, e isso desafia as duas leis da
verdade. Estas são as leis do meio excluído ('ou s é verdade ou não s é
verdade') e a lei da contradição ('S e não-S não são ambas verdade).
Suponha que consigamos condições de adequação para estas leis a
qualquer avaliação da verdade, iisto é, requeiramos que qualquer avaliação
garanta que estas leis sejam adequadas. Então, qualquer teoria subjetiva
de verdade deve ser julgada inadequada. Assim temos um argumento
reductio ad absurdum contra teorias da verdade subjetiva: elas deverão ser
rejeitadas porque conduzem aos absurdos do relativismo e à violação das
leis da verdade.[...] a esperança é que socializando-se desta maneira, em
última análise, o ideal e o relativismo da verdade serão evitados e as leis da
verdade serão preservadas. (MUSGRAVE, 1999:149)
O fim da investigação
correspondência com a realidade Peirce
James
crença (estável) satisfatória
Dewey
coerência com a experiência –
verificabilidade
O que autoriza a crença a ser
denominada ‘conhecimento’
Teorias minimalistas
As teorias minimalistas pertencem ao campo semântico, sendo as
principais a teoria deflacionista, a teoria da redundância de Ramsey e a teoria
semântica de Davidson.
Começando pela teoria deflacionista, deve-se enfatizar que Horwich,
foi o pai da idéia básica do deflacionismo. Conforme o próprio nome está
dizendo, a teoria minimalista é composta por adeptos consideram que teorias
da verdade que “dessubstantivam” a verdade, “desessencializam” a verdade,
isto é, retiram da verdade qualquer carga metafísica. A perspectiva
deflacionista nega que haja uma questão tal como: qual é a natureza da
verdade?
Segundo Davidson (1990), a idéia comum aos vários tipos de
deflacionismo é que a verdade, embora um conceito legítimo, é essencialmente
109
trivial, e certamente não tem o valor tão grande quanto a atenção metafísica lhe
conferiu.
Os filósofos deflacionistas acreditam que a verdade não seja uma
propriedade "real", ou "robusta", ou uma propriedade metafisicamente
interessante. Para eles, a verdade não é um predicado. De acordo com a teoria
deflacionista da verdade, afirmar que uma afirmação é verdade é somente
afirmar a própria afirmação. Por exemplo, dizer que 'a neve é branca' é
verdade, ou que é verdade que a neve é branca, é equivalente a dizer
simplesmente que a neve é branca, e isto, de acordo com a teoria deflacionista,
é tudo o que significativamente pode ser dito sobre a verdade de ' a neve é
branca'.
Os deflacionistas mantêm que a concepção de verdade é "redundante",
isto é, o que falamos sobre a verdade é algo puramente formal. Assim, verdade
e verdadeiro, para os deflacionistas, pertencem não ao campo metafísico, mas
sim ao campo da pragmática da linguagem, ou seja, quando se diz que "é
verdade que p", estamos dizendo de um modo mais eficaz, mais enfático, até
talvez mais econômico, apenas "p"; assim, o termo "verdade" não cabe no
templo metafísico, mas cabe tão somente nos usos da linguagem. (Ghiraldelli
Jr., 2000b).
tempo
Fonte: Haack (2002:128)
113
Se os termos 'verdade' e
Haack (2002:133) argumenta que o conceito de 'falsidade' usados por
verdade é tão importante para a epistemologia quanto você forem tomados em
para a filosofia da lógica. Algumas teorias da verdade acepções que sejam
têm um componente epistemológico importante e dizem definíveis em termos de
dúvida e crença e de
respeito à acessibilidade da verdade, assim, a busca por curso da experiência (tal
um critério de verdade é, freqüentemente, a como, por exemplo, eles
manifestação de tal preocupação. Na figura acima as o seriam se você
teorias do lado esquerdo consideram a dimensão definisse 'verdade' como
epistemológica mais seriamente do que as da direita. uma crença para a qual
Nesse contexto são mais “ricas”, as teorias da coerência a crença tenderia se
tendesse indefinida-
e pragmatistas. Por outro lado, as teorias da
mente para uma fixidez
redundância não teriam “virtualmente nenhuma carne absoluta) muito bem;
epistemológica sobre si”. nesse caso, você só
Tendo apresentado um panorama sobre as estaria falando de dúvida
teorias da verdade, a seguir, faremos um resumo das e crença. Contudo, se
principais características da teoria da correspondência, por verdade e crença
que é a que mais se relaciona com o escopo deste você entender algo que
não seja de modo algum
trabalho. definível em termos de
dúvida e crença, neste
4. TEORIA DA VERDADE POR caso estará falando de
CORRESPONDÊNCIA6: entidades de cuja
existência você nada
pode saber, e que a
O que seria melhor para acreditarmo?
navalha de Ocam
Isto se parece muito com uma
eliminaria de imediato.
definição de verdade. (William James) Os problemas seriam
muito simplificados se,
O verdadeiro é o nome daquilo que se em vez de dizer que
revela bom como crença e bom, deseja conhecer a
também pro razões explícitas (William ‟verdade‟, você dis-
James). sesse simplesmente que
deseja alcançar um
De acordo com a teoria da verdade por estado de crença
correspondência "X é verdadeiro sse X corresponde a inatacável pela dúvida.
um fato". Assim a definição de verdade pela teoria da (Peirce, CP 5.411).
correspondência leva a uma discussão sobre o que é
6 Daremos ênfase à teoria da verdade por correspondência em função de sua importância para a
análise da teoria da verdade desenvolvida por Peirce
114
um fato? Para alguns autores a definição de fato, como aquilo que realmente
acontece, ou, como aquilo que é verdadeiro, ou como o que corresponde à
verdade, cai em um círculo vicioso.
Para Blackburn e Simon (1999), a teoria da verdade como
correspondência “é um lugar comum que ninguém nega”. Mas as dificuldades
começam quando tentamos dissecar a noção envolvida. Que tipo de “coisa" é
um fato: por exemplo, há fatos gerais, fatos negativos, fatos hipotéticos e,
então, do que são compostos? Então, que tipo de correspondência está em
questão?
Conforme mencionado anteriomente, a teoria da verdade por
correspondência vem da definição de Aristóteles:
[...] dizer do que é, que não é ou do que não
é, que é, é falso; já dizer do que é, que é ou do que não é, que não é, é
verdadeiro ou, dizer do que não é que ele não é, é a verdade", ou ”o falso e
o verdadeiro não estão, com efeito nas coisas, como se o bem fosse o
verdadeiro e o mal, em si mesmo, o falso, mas no pensamento
(ARISTÓTELES, E, 4, 1027 h 25-30).
Essa é, talvez, a primeira expressão da teoria da verdade como
correspondência, ou seja, proposições verdadeiras contam o que é como ele é,
ou, em outras palavras, para uma proposição ser verdadeira ela deve
corresponder aos fatos. Essa explicação aristotélica introduz uma distinção
entre o ser enquanto verdadeiro e o ser propriamente dito que compreende a
multiplicidade dos sentidos do ser.
O ser enquanto verdadeiro consistiria em uma ligação do pensamento.
O verdadeiro e o falso residem na união e separação do atributo e do sujeito, o
que pode ocorrer na proposição e no juízo. Entretanto, além dessa concepção
lógica, Aristóteles introduz na Metafísica uma concepção ontológica, uma
ligação entre as coisas, ou seja “não é porque pensamos de um modo
verdadeiro que tu és branco, mas é porque tu és branco que, dizendo que o és,
dizemos a verdade” (10, 1051 b, 5-10)
Da Costa em “O conhecimento científico”argumenta que a teoria da
correspondência porpõe que proposição, fato e pensamento são verdadeiros
quando correspondem perfeitamente aos fatos no mundo:
A concepção clássica, tradicional, da
correspondência mantém que uma sentença (podendo exprimir uma
crença) é verdadeira caso reflita o real, retrate aquilo que é: se para isto
não se der, ela é falsa. As crenças ou a s sentenças apontam para estados
de coisas, se eles existem, elas são verdadeiras: em hipótese contrária, são
falsas. (DA COSTA, 1997: 114)
115
Quando um homem
5. PEIRCE E A TEORIA DA VERDADE: deseja ardentemente
CORRESPONDÊNCIA, CONVERGÊNCIA, ou conhecer a verdade, seu
REFERÊNCIA? 7 primeiro esforço será
imaginar o que essa
verdade possa ser. (CP
A verdade, esmagada na terra, de 1.46 de 1896)
novo se erguerá. (CP 1.217 de 1902)
Mas se um homem se
Há três coisas que não podemos ocupa em investigar a
jamais esperar obter pelo raciocínio a verdade de alguma
saber: certeza absoluta, verdade questão para algum
absoluta e universalidade absoluta. propósito ulterior, tal
(CP 1.141 de 1897) como para fazer
dinheiro, ou amenizar
A teoria da verdade de Peirce foi desenvolvida sua vida, ou para
de acordo com sua teoria realista do conhecimento, beneficiar seus cama-
radas [...] ele não é um
sendo realidade e verdade dois conceitos bastante cientista. (CP 1.45 de
relacionados. Deve-se enfatizar que, analogamente a 1896)
outros pontos da filosofia peirceana, verdade e
realidade também apresentam evolução em sua obra.
Para Peirce a característica mais óbvia do pensamento medieval seria a
importância atribuída à autoridade, que juntamente com a razão eram os
métodos coordenados de atingir a verdade. No entanto, o mérito da ciência
8 È próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que Peirce definiu
como semiose.
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segunda função intencional, o que significa dizer que o ponto de vista lógico é
constitutivo da consciência objetiva.
Dessa forma, Ransdell explica que o conceito de objetividade (como
método) pode ser relacionado aos efeitos que a representação, vista como um
processo, que poderia, alternativamente, ser pensada como um processo de
significação, ou um processo de interpretação, ou como um processo de
objetivação, dependendo em se a ênfase do interesse era colocada no termo
do signo ou o termo do interpretante ou o termo do objeto da relação do termo
dos três. Portanto, do ponto de vista semiótico, no entendimento das coisas,
não construímos os objetos da experiência, mas a qualquer momento já nos
encontramos em relação com eles.
Peirce pergunta: o que representa o signo-pensamento, o que designa
ele, qual é o seu suppositum?
A coisa exterior, sem dúvida, quando se está
pensando numa coisa exterior. Mesmo assim, como o pensamento é
determinado por um pensamento anterior do mesmo objeto, ele se refere a
esta coisa através da denotação deste pensamento anterior. [...] e assim
em todos os casos o pensamento subseqüente denota aquilo que foi
pensado no pensamento anterior. (CP 5.285 de 1868)
O que Peirce aqui descreve como aquilo que foi pensado no
pensamento anterior é o objeto imediato, enquanto o objeto dinâmico é a
própria coisa considerada como aquilo que é “thought of”.
A teoria dos interpretantes constitui um dos pilares da epistemologia
peirceana. Os interpretantes podem ser classificados em imediato, dinâmico e
final. O interpretante imediato é aquele que o signo está apto a produzir como
efeito. O interpretante dinâmico é o efeito que o signo efetivamente produz na
mente de um intérprete, é aquele que acontece na efetivação da semiose em
exercício. O interpretante final é o efeito que o signo produziria em qualquer
mente, por uma semiose levada a efeito a longo prazo, é aquele a que se
chegaria numa opinião definitiva (CP 8.184 s.d. ). O interpretante final é aquilo
que vai aparecer quando soubermos tudo sobre o objeto, no final da
investigação, é a crença final para onde tende a evolução da nossa
investigação, aquela crença que não será removida. A concepção de
interpretante final é de extrema importância para os objetivos deste trabalho,
pois é nesse nível que Peirce o relaciona com a verdade, pois ele “finalmente
decidiria sobre a interpretação verdadeira de um signo se o exame do assunto
fosse levado a um ponto em que se atingisse uma opinião definitiva” (CP 8.184
s.d.)
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fatos outros para estudo e nem mesmo uma natural inclinação do espírito,
esta a grande esperança está presente nas concepções de verdade e
realidade (CP 5.407 de 1897)
Ou,
Mas, observado por um outro lado, esta
opinião é que o único objeto ao qual a pesquisa procura fazer que nossa
opinião se conforme, é por si próprio algo da natureza do pensamento; a
saber, é a idéia final predestinada, a qual é independente do que você, eu,
ou qualquer quantidade de homens possa persistir, por não importa quanto
tempo, em pensar, mas que permanece pensamento, depois de tudo.(CP
8.103 de 1900)
Ou,
A verdade é aquela concordância de uma
afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação
sem fim tenderia a levar a crença científica... (CP 5.565 de 1901)
A análise das passagens sugere uma teoria da verdade por
correspondência. Os dois últimos textos corroboram a essência da teoria por
correspondência porque asseguram que a proposição verdadeira é aquela que
descreve acuradamente um mundo cujas propriedades existem de forma lógica
e causal independentemente das mentes. 9
Mas Peirce enfatiza que "além da esfera da verificação, a verdade e a
falsidade perdem seu significado" (Nation, 57, 1893) ou "e, ainda deve ser
concluído que uma hipótese é verdade porque certas predições baseadas nela
têm sido verificadas (MS 473:23). Assim, Peirce define a verdade em termos da
inferência científica a ser alcançada pela comunidade, isto é, como
correspondência e coerência, porque no contexto da filosofia peirceana, a
investigação científica é uma atividade voltada para um fim que é a descoberta
da verdade e dentro da visão realista, a ciência progride por convergência em
direção à verdade, no sentido de correspondência com a realidade. Este é um
elemento muito importante, porque a própria validade da indução está
relacionada com as previsões, não como base para ação, mas como validade
do método científico, como um caminho para a descoberta da verdade.
Savan (1964) e Rescher (1978) consideram que Peirce adota uma teoria
da verdade por correspondência juntamente com um critério de verdade por
coerência. Pode-se dizer que principalmente após 1900, as idéias de Peirce
9Ver CP 5.406, 8.153, 3.129 ou 6.495, CP 5.416 de 1905 ou 5.407 de 1893, ou 8.126 de 1902,
ou 5.554 de 1906 ou 2.135 de 1902 e 5.384 de 1877.
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10Que poderia ser considerado como uma função similar ao mecanismo para “assenting ou
dissenting” das sentenças de Quine (1960, 1969:88. Ver também CP 7.220, de 1903 ou CP
7.77 de 1882 ou CP 2.176 de 1902 ou CP 5.212 de 1903 ou CP 5.554 DE 1906).
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explicação coerente para um mesmo corpo de dados, Lado a lado, então, com
mas não se poderia dizer que isto seja o real, porque a proposição bem
uma teoria da coerência não diz o que é o real, que é o estabelecida de que todo
que deveria fazer uma teoria da correspondência. conhecimento está
Com relação aos autores contemporâneos, a baseado na expe-
visão de Dummett parece mais próxima de Peirce, riência, e de que a
ciência só progride pela
porque seu realismo envolve uma avaliação do verificação experimen-tal
significado dependente da verdade, mas sua teoria da das teorias, temos que
semântica verificacionista é anti-realista. Já Goodman colocar esta outra
se declara um radical relativista, e a verdade seria verdade igualmente
somente relevante para sistemas denotacionais. importante: que todo
Quine, embora não tão explicitamente anti- conhecimento humano,
realista, também pode ser colocado na perspectiva dos até os mais altos vôos
da ciência, não é senão
outros autores devido a sua rejeição do realismo o desenvolvimento de
metafísico. Para Quine, a verdade é relativa a uma nossos instintos animais
teoria, na qual se especifica nos referentes dos termos inatos (CP 2.754 de
do discurso (embora Quine siga Tarski, seu apoio a 1883)
relatividade ontológica coloca desafios ao realismo
metafísico). A posição de Putnan em “Realism and
Reason” constitui o ataque mais explícito para a inteligibilidade do realismo,
que apresenta alguns argumentos, próximos dos de Goodman e Quine.
segundo o qual todo pensamento é um signo [...] enquanto tal, todo realista
deve admitir que um geral é um termo e por isso um signo”. .
O pragmatismo é um passo no procedimento geral do sinequismo,
porque a correta formulação das hipóteses pressupõe um correto entendimento
dos conceitos assim empregados, mas, tanto o pragmatismo como o
sinequismo são construídos a partir do realismo, porque tudo repousa sobre a
pressuposição de que há reais gerais (CP 5.503 de 1905). Vale observar que
assumir uma atitude satisfatória em relação ao elemento da Terceiridade é o
que mais tarde viria a ser o critério pragmático (CP 5.206 de 1903). O
pragmatismo, portanto, reforça o caráter geral do realismo, através dos would-
be’s porque “o pragmatismo consiste em esperar que o conteúdo de qualquer
conceito seja sua influência concebível sobre nossa conduta” (CP 5.460 de
1905), ou seja a realidade dos gerais é a realidade dos would-be’s.
Há varias formulações do pragmatismo, listaremos somente algumas
delas, considerando o grau de clareza e importância das elaborações.
O primeiro excerto aparece na forma de um verbete de dicionário, com a
intenção de definição de "pragmaticismo". Pragmaticismo. A opinião de
que a metafísica será amplamente esclarecida pela aplicação da máxima
seguinte para se conseguir a clareza da apreensão: "Considere que
efeitos, que possam ser concebivelmente de sentido prático, que
concebemos que o objeto de nossa concepção tem. Assim, nossa
concepção destes efeitos é a totalidade de nossa concepção do objeto."
(Peirce, CP 5.2, 1878)11
A segunda formulação é a seguinte, apresenta outra versão da "máxima
pragmática", uma recomendação sobre a maneira de se esclarecer o
11 Vale ser comparada com aquela que está contida na nota de rodapé do texto “Como Tornar
Nossas Idéias Claras”, e que foi acrescentada em 1903. Para Ransdell, trata-se de uma
reflexão tardia sobre a recepção do pragmaticismo, e traz um sentido de exasperação que é
quase palpável. Este comentário tenta justificar a máxima do pragmaticismo e de reconstruir
sua má interpretação, apontando uma quantidade de falsas impressões que os anos
intermédios acrescentam sobre ele, e mais uma vez tencionando corrigir os efeitos deletérios
desses erros.Peirce lembra a verdadeira concepção e nascimento do pragmaticismo, revendo
sua promessa inicial e sua parte propositada à luz de suas subseqüentes vicissitudes:
estritamente singulares que qualquer outra coisa, poderiam constituir o significado, ou a
adequada interpretação proper, de qualquer símbolo. Comparei a ação ao final da sinfonia do
pensamento, a crença sendo uma semicadência. Ninguém concebe que os poucos
compassos no final de um movimento musical são o propósito do movimento. Eles podem
ser chamados seu desfecho, ou seja: “Considerar que efeitos - imaginavelmente possíveis de
alcance prático - concebemos que possa ter o objeto de nossa concepção. A concepção
desses efeitos corresponderá ao todo da concepção que tenhamos do objeto" (CP 5.402,
nota 3 de 1903)
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12 A última versão do pragmatismo data de 1908, e foi considerada por alguns comentadores
como obscura e sem grandes mudanças, neste contexto ver C. Hookway (1992), Peirce,
London and New York: Routledge & Kegan, p. 11.
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define seu pragmatismo como uma teoria da verdade, para quem a verdade é
somente um expediente em nossa maneira de pensar. Em “Pragmatism”,
James afirma que:
[...] a verdade, como lhe dirá qualquer
dicionário, é uma propriedade de certas idéias. Significa o "acordo" delas,
assim como a falsidade significa o desacordo com a realidade. Ambos os
pragmaticistas e intelectualistas aceitam esta definição como uma coisa de
se esperar. Eles começam a brigar somente após que for levantada a
questão do que precisamente pode querer dizer o termo 'acordo' e o que o
termo 'realidade', quando a realidade é tomada como algo com o qual
nossas idéias concordam. (JAMES, 1999:53)
Segundo Rescher (2000: 12), o pragmatismo tem três formas:
pragmatismo semântico: o significado dos termos consiste no seu uso.
pragmatismo epistêmico: a implantação bem sucedida de crenças
(especialmente em matérias de previsão e controle sobre a natureza) é o
critério apropriado para sua verdade. (às vezes construída com a
argumentação de que a verdade é simplesmente e nada mais do que
implementabilidade bem sucedida).
pragmatismo ontológico (ou metafísico): no domínio humano a prática
(fazer) tem preponderância sobre a teoria (entendimento) porque todo
entendimento deve ser ele mesmo um produto do fazer, tudo o que
sabemos (entendemos) é produto da investigação, uma das nossas
atividades.
Na visão de Rescher, Peirce esposava todas essas três doutrinas, mas
a última se tornaria particularmente “prodigiosa” para ele, porque toda atividade
humana pode ser sempre refinada, estendida, melhorada, o que significa que
nosso conhecimento da verdade é sempre experimental e imperfeito, e foi essa
linha de pensamento que levou Peirce ao falibilismo. Somente em um longo
prazo idealizado, nosso conhecimento validado pragmaticamente, pode ser
equacionado com a verdade como tal. Em sua tentativa de desmistificar a
verdade, Peirce relacionou-a com aquilo que uma comunidade inteligente de
investigadores científicos realmente pensa acerca da questão, mas não aqui,
agora e sim no futuro remoto indefinido, o longo prazo teórico. O problema é
que o curso natural da observação, não importa quanto ele for entendido,
nunca chega nesse longo prazo idealizado, ele está fora do nosso alcance
cognitivo.
Mentes diferentes podem partir das mais
antagônicas visões, mas o progresso da investigação as carrega com força
para fora delas próprias para uma e a mesma conclusão. Esta atividade do
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pensamento pela qual somos carregados, não aonde nós desejamos, mas
para um alvo predestinado, é como a operação do destino. (CP 5.407 de
1897)
Assim, é da própria essência desta "verdade", que ela de forma alguma
possa depender do que qualquer homem possa opinar ao respeito dessa
questão (CP 2.209 de 1901). Mas, em meu sistema de lógica, quando
raciocino, meu objetivo não é senão descobrir a verdade (CP 2.666 de 1902).
A esse respeito, Ibri (1994:41) argumenta que, para o realismo, é o signo que
deve buscar sua forma verdadeira no objeto através da experiência, seja a
partir de suas formas já disponíveis, seja concebendo novas formas que dêem
conta do sistema de relações do próprio fenômeno.
Mas no que a verdade consiste? A verdade é a conformidade de uma
representação para seu objeto, mas o que é o objeto que serve para definir a
verdade? É a realidade, ela é de uma tal natureza independente de suas
representações, tanto que, tomando-se qualquer signo individual ou qualquer
coleção individual de signos há algum caráter ao qual aquela coisa pertence.
(CP 1.578 de 1902)
Portanto, para Peirce, a verdade é objetiva porque há uma coisa como a
verdade, porque se não houvesse, o raciocínio e o pensamento não teriam sem
propósito. O que você quer dizer por uma coisa tal que seja como verdade,
pergunta Peirce?
Você quer dizer que
alguma coisa é assim- é correta, ou justa- quer [...] a consciência es-
você, ou eu, ou qualquer um pense que seja assim crupulosa do que
ou não. (CP 2.135 de 1902) significa a verdade, pa-
ra mim, é a raiz da
Essa ênfase na objetividade é que distingue a nossa liberdade para o
teoria peirceana de outros autores, especialmente de conhecimento. (CP
W.James e, ao contrário deste, quando Peirce se refere 1.331 s.d.)
à investigação (inquiry), ele significa método da ciência,
isto é padrões normativos para se levar adiante uma investigação.
Se os termos 'verdade' e 'falsidade' usados
por você forem tomados em acepções que sejam definíveis em termos de
dúvida e crença e de curso da experiência (tal como, por exemplo, eles o
seriam se você definisse 'verdade' como uma crença para a qual a crença
tenderia se tendesse indefinidamente para uma fixidez absoluta) muito
bem; nesse caso, você só estaria falando de dúvida e crença. Contudo, se
por verdade e crença você entender algo que não seja de modo algum
definível em termos de dúvida e crença, neste caso estará falando de
entidades de cuja existência você nada pode saber, e que a navalha de
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13 The Liar Paradox is an argument that arrives at a contradiction by reasoning about a Liar
Sentence. The most familiar Liar Sentence is the following self-referential sentence:
(1) This sentence is false.
Experts in the field of philosophical logic have never agreed on the way out of the trouble
despite 2,300 years of attention. Here is the trouble--a sketch of the Liar Argument that reveals
the contradiction:
If (1) is true, then (1) is false. On the other hand, if (1) is false, then it is true to say (1) is false;
but, because the Liar Sentence is saying precisely that (namely that it is false), (1) is true. So
(1) is true if and only if it is false. Since (1) is one or the other, it is both.
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pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que se pensar existir na opinião final é
real, e nada há, além disso. A idéia mesma de verdade é que ela independe
completamente do que você ou eu possamos pensar que ela seja.
Em resumo, para Peirce, a verdade valiosa não é algo desconexo, mas
é o que segue para aumentar o sistema além do que está agora conhecido.
(CP 5.583 de 1898 )
De várias maneiras e em várias passagens, Peirce afirma que na
opinião e no pensamento humanos existe um elemento arbitrário e acidental
que produz erro, mas toda opinião tende, a longo prazo, para uma resposta
verdadeira, independente do pensamento individual, mas não do pensamento
em geral. Assim, verdade e realidade estão conectadas na mente e a
apreensão da realidade depende das crenças fixadas pelo conjunto de
pesquisadores.
Pode-se dizer que na lógica da investigação científica, a realidade seria
constituída através dos signos, porque “podemos somente indicar o universo
real; se nos pedem para descrevê-lo, podemos dizer somente que isso inclui o
que quer que possa haver no que realmente é”. Isso é universal e não
individual. (CP 8.208). O conceito de verdade pode ser analisado do ponto de
vista dos interpretantes e da investigação. O conceito de verdade que decorre
da fixação da crença no final hipotético da investigação depende do realismo
dos condicionais (would- be´s) e esses condicionais necessitam da colaboração
dos interpretantes, principalmente da definição do interpretante lógico último.
Temos índices do mundo externo e esses índices trazem em si a generalidade
da realidade, pois derivam de princípios gerais operativos na natureza, ou seja,
através de conseqüências lógicas dos signos e o pragmatismo é o método
correto de transformar signos com o objetivo de atingir o resultado último, a
verdade, que é a opinião que será estabelecida e fixada após suficiente
investigação. (MS 300 de 1905)
À guisa de conclusão, vale considerar as palavras de Santaella
(2001:105):
Entretanto, para perseguir o fim pragmático, a experiência é necessária,
pois sem ela, não há como introduzir uma nova idéia. Sob o impacto da
experiência e como resultado da auto-correção do método da ciência,
haverá uma tendência à crescente uniformidade das opiniões, fazendo-
as incorporar-se a um conjunto de leis gerais. Há, porém, um elemento
de acaso no universo responsável pelas variações acidentais. Disso
resulta que, provavelmente, não haverá nunca resposta definitiva para
nossas perguntas. Além disso, a propensão de todas as coisas vivas, e
mesmo das não vivas, para adquirir hábitos, não é apenas uma lei entre
outras, mas a lei governando todas as leis. São as leis gerais que
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
3. Outros autores
ABRANTES, P. (org.) (1993) Epistemologia e Cognição, Brasília: Editora
UNB.
ACKERMANN, R. (1966). Non-decuctive inference, New York: Dover
Publications.
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